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SUPERVISÃODE ATIVIDADES: UM NOVO OLHAR I)ARAA TERAPIA OCUPACIONAL Autora: Luciana Cominato Nemr. terapêuta ocupacional Endereço: Av. DI'.Altino Arantes, 1300. apto 144 -T - 04042-005-São Paulo-Brasil Resumo: A Terapia Ocupacional vem ampliando suas responsahilidades na atuação junto às equipes de Saúde Mental em São Paulo. Tendo isto como ponto de partida, descreveremos uma situação de supervisão de atividades de uma equipe de psicólogos numa clínica particular paulista. Enfocaremos dois aspectos principais: a função da Terapia Ocupacional nesta supervisão e a evolução do trahalho nesta instituição; soh o ponto de vista da Terapia Ocupacional e do atendimento em grupo. Summary: The Occupational Therapy is increasing its interventions besides Mental Health groups in São Paulo. Beginning from this topic, wc will describe a supervision of activities with a group 01" psycologists at a private clinic in São Paulo. We are going to work based on two specific points: the occllpational therapist fllnction at this supcrvision and the progress of the sUlll; hy the Occupational Therapy and the groups intervcntion point 01'view. Palavras-chaves: Terapia Ocupacional - Supervisão - Atividades - Grupo SUPERVISÃO DE ATIVIDADES: UM NOVO OLHAR PARA A TERAPIA OCUPACIONAL Introdução Atualmente. as terapéutas ocupaci- anais vêm assumindo responsabilidades e cargos que não eram de sua alçada até a bem pouco tempo. I Talvez isso se deva à constante bus- I ca das T.O.s. em formações extracurriculares, tais como especiali- zações, aperfeiçoamentos e pós-gradu- ações. Tal busca. em muitos serviços de saúde, mostra-se superior à dos nossos colegas de outras áreas e a T.O. é cha- mada a assumir novos encargos. Quando fui convidada a fazer a "Su- pervisão de Atividades" de uma equipe de psicólogos de uma instituição psi- qui:ítrica fiz, muitas vezes, as mesmas questões que meus supen isionandos: por que uma T.O. para supervisionar uma equipe de psicólogos? O que sig- nifica uma supervisão de atividades? SÓ pude entender o significado des- tas questões apÓs quase dois anos de trabalho, os quais tentarei descrever brevemente. Supervisão de Atividades: Iniciamos em abril de 1993 com uma equipe de lI psicólogos c uma atriz de teatro, em supervisões semanais de Ih e 15'. Nas primeiras reuniões, todos ficam absolutamente quietos, como se não houvessem questões a serem trabalha- das. Desta forma. eu começo a pergun- tar: o que se faz, como se faz, por que se faz desta forma, quem orientou as- sim ete. Com tais respostas consigo montar o seguinte quadro: 2 psicólogos coordenam ativi- chldesdiversas durante a semana, com- pondo dois períodos de 6hs (8 às 14hs e 14h5às 20hs); I psicólogo supervisiona as ati- vidades gerais da clínica durante a se- mana em contrato de 8hs/dia; I atriz de teatro faz grupos de teatro duas vezes por semana de Ih e -: Página 35 :- meia cada; I psicólogo coordena um gru- po de sonhos, Ih e meia por semana; I atendL'nte de enfermagem au- xilia a equipe em contrato de 8hs/dia; I zelador, I cozinheira e I fa- xineira compõem a equipe de hotclaria em 40hs/scmana; 8 psicólogos se revezam em plantões de 6hs aos finais dL'semana e feriados; uma equipe de atendimento fa- miliar, uma individual e uma de acom- panhamento terapêutica. dão suporte específico aos pacientes. AI~m das en- fem1eiras e estagiários. o quadro de atividades sugere. dia- riamente. dois grupos de ati\ idades pela manhã e dois no período da tarde. horá- rios em que se distribuem ati\ idades tais como: jardinagem. grupo operativo. ofi- cina, ginástica. grupo" de Ji..,cu..,..,ãoso- bre o final de semana. grupo de gestalt. teatro. grupo de ,-onhcs e ati\idades li- vres nos fina;.., Je ..,emana. Segun~,' lT'e informam. as ativida- des Je fin.!1 de semana pouco aconte- cem. i:í. que há lima desorganização institucional em tomo desses períodos.

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SUPERVISÃO DE ATIVIDADES: UM NOVO OLHAR I)ARAA TERAPIA OCUPACIONAL

Autora: Luciana Cominato Nemr. terapêuta ocupacionalEndereço: Av. DI'.Altino Arantes, 1300. apto 144 -T - 04042-005-São Paulo-Brasil

Resumo: A Terapia Ocupacional vem ampliando suas responsahilidades na atuação junto às equipesde Saúde Mental em São Paulo. Tendo isto como ponto de partida, descreveremos uma situação de

supervisão de atividades de uma equipe de psicólogos numa clínica particular paulista. Enfocaremosdois aspectos principais: a função da Terapia Ocupacional nesta supervisão e a evolução do trahalhonesta instituição; soh o ponto de vista da Terapia Ocupacional e do atendimento em grupo.

Summary: The Occupational Therapy is increasing its interventions besides Mental Health groups inSão Paulo. Beginning from this topic, wc will describe a supervision of activities with a group 01"

psycologists at a private clinic in São Paulo. We are going to work based on two specific points: theoccllpational therapist fllnction at this supcrvision and the progress of the sUlll; hy the OccupationalTherapy and the groups intervcntion point 01'view.

Palavras-chaves: Terapia Ocupacional - Supervisão - Atividades - Grupo

SUPERVISÃO DEATIVIDADES: UMNOVO OLHARPARAA TERAPIAOCUPACIONAL

Introdução

Atualmente. as terapéutas ocupaci-anais vêm assumindo responsabilidadese cargos que não eram de sua alçada

até a bem pouco tempo. I

Talvez isso se deva à constante bus- Ica das T.O.s. em formaçõesextracurriculares, tais como especiali-zações, aperfeiçoamentos e pós-gradu-ações. Tal busca. em muitos serviços desaúde, mostra-se superior à dos nossoscolegas de outras áreas e a T.O. é cha-mada a assumir novos encargos.

Quando fui convidada a fazer a "Su-pervisão de Atividades" de uma equipede psicólogos de uma instituição psi-qui:ítrica fiz, muitas vezes, as mesmasquestões que meus supen isionandos:por que uma T.O. para supervisionaruma equipe de psicólogos? O que sig-nifica uma supervisão de atividades?

SÓ pude entender o significado des-tas questões apÓs quase dois anos detrabalho, os quais tentarei descreverbrevemente.

Supervisão de Atividades:

Iniciamos em abril de 1993 com uma

equipe de lI psicólogos c uma atriz deteatro, em supervisões semanais de Ihe 15'.

Nas primeiras reuniões, todos ficamabsolutamente quietos, como se nãohouvessem questões a serem trabalha-das. Desta forma. eu começo a pergun-tar: o que se faz, como se faz, por quese faz desta forma, quem orientou as-sim ete.

Com tais respostas consigo montaro seguinte quadro:

2 psicólogos coordenam ativi-chldesdiversas durante a semana, com-pondo dois períodos de 6hs (8 às 14hse 14h5às 20hs);

I psicólogo supervisionaas ati-vidades gerais da clínica durante a se-mana em contrato de 8hs/dia;

I atriz de teatro faz grupos deteatro duas vezes por semana de Ih e

-: Página 35 :-

meia cada;

I psicólogo coordena um gru-po de sonhos, Ih e meia por semana;

I atendL'nte de enfermagem au-xilia a equipe em contrato de 8hs/dia;

I zelador, I cozinheira e I fa-

xineira compõem a equipe de hotclariaem 40hs/scmana;

8 psicólogos se revezam emplantões de 6hs aos finais dL'semana eferiados;

uma equipe de atendimento fa-miliar, uma individual e uma de acom-

panhamento terapêutica. dão suporteespecífico aos pacientes. AI~m das en-fem1eiras e estagiários.

o quadro de atividades sugere. dia-riamente. dois grupos de ati\ idades pelamanhã e dois no período da tarde. horá-rios em que se distribuem ati\ idades taiscomo: jardinagem. grupo operativo. ofi-cina, ginástica. grupo" de Ji..,cu..,..,ãoso-bre o final de semana. grupo de gestalt.teatro. grupo de ,-onhcs e ati\idades li-vres nos fina;.., Je ..,emana.

Segun~,' lT'e informam. as ativida-des Je fin.!1 de semana pouco aconte-cem. i:í. que há lima desorganizaçãoinstitucional em tomo desses períodos.

Após dois meses de trabalho surge,pela primeira vez, a dúvida da equipesobre o objetivo de uma T.O.supervisioná-Ia. Eles me perguntam seeu quero "transformá-I os em TO.s.".

Neste momento, talvez nem eu mes-

ma saiba a resposta. Sabia que não po-deria transformá-Ios em TO.s., masbem que isso seria interessante!.

Tento investigar a origem das ativi-dades propostas, seus objetivos e for-ma de ação. Obtenho os seguintes da-dos:

a maioria dos grupos já existiaantes da contratação de vários dos pro-fissionais em supervisão, chamamos aisto de grupos "herdados";

há pouco material escrito sobreestas atividades, principalmente no quese refere aos seus objetivos;

esta equipe sabe pouco sobrefuncionamento grupal e função de umgrupo num atendimento a psicóticos eneuróticos graves;

questionam a validade da rea-lização dos grupos operativos;

questionam a diversidade diag-nosticados pacientesagrupadose a faltade atividades dirigidas aos crônicos;

escolhem as propostas de ati-vidades de acordo com o material dis-ponível, mas referem não ter conheci-mento e/ou criatividade para proporcoisas novas;

não há grupos onde o pacientepossa escolher sua atividade;

não há registro das atividades,nem uso para as peças confeccionadas;

há uma rotina de horálÍos paraos grupos que nem sempre é cumprida,sendo que os pacientes não participamdas discussões sobre as alterações nemsão esclarecidos sobre isso.

Bem, ao avaliar estes dados perce-bo que temos que começar discutindosobre o que é atividade terapêutica,qualo objetivo de um atendimentoinstitucional para pacientes graves equal o significado de coordenar grupos

de atividades verbais e não verbais.

Tomo como referência o roteiro de

planos para a organização de um servi-ço que Bauleo analisa em suas Notasde Psiquiatria e Psicologia Social, ouseja, tento visualizar como são os vín-culos EQUlPE/USUÁRIO, se a equipetem clara a diferença entre pedido edemanda, como circula a informaçãodentro da equipe e se os canais de co-municação estão livres, como se traba-lham modelos teóricos dentro da insti-

tuição e se existem espaços para a ela-boração das ansiedades? I

Imagino, desta forma, que podemosconstruir uma base teórica comum a

partir da análise de textos para, então,aprofundar a análise prática. Mas a equi-pe nem me ouve: não lê os textos, nãose propõe a discutir e começa a questi-onar minhas propostas. Aparece, aqui,a primeira questão: querem que eu façauma lista de atividades que supra as ne-cessidades dos pacientes crônicos e da-queles que estão em surto.

Começo a perceber que não se trata,simplesmente, de passar informação auma equipe. A supervisão de ativida-des deve ter o caráter da TerapiaOcupacional, ou seja, em primeiro lu-gar, a investigação, como nos mostraBenetton em TrilhasAssociatil'as2 . Ob-

servo que estou repetindo a mesma re-lação que a equipe para com os pacien-tes. Como irei construir o vínculo paci-ente x terapêuta x atividade, ou melhor,equipe x supervisar x atividade?

Esta equipe identificada como o pa-ciente seria tal qual um paciente grave,bem regredido, enquanto que a ativida-de, que seria o próprio material de su-pervisão, poderia traçar uma trilha quelevasse à inserção social, no caso, à re-alização do trabalho institucional. Cadagesto, cada palavra, cada atividade pro-posta deixaria sua marca impressa nocorpo do grupo e registrada nas minhasanotações.

Hoje posso ter claro esse procJque, na época foi empírico. Tal q:~própria históriadaTerapiaOcupaci~"através da ação e da análise dos re5itros é que se constitui a teorizaçãü

Entretanto tinha clara a neces..j

de de constituição de um corpo. :"1equipe que pudesse constituir um ;1po. Recomeço, então, pelo conC"~iRespondo, com vários exemplos. lt wJ

as atividades que poderia, ser us~quando e com que pacientes. A -,que a questão é pôr em prática as iu_ ie não somente ter idéias. Para d.. ~

claro o que estou falando, peço que ".Iterapêutaescrevaseushobbiese ~ 1

dades que gostaria de aprender eU' . ]

folha de papel. Apresento à eqL.M~gama enorme de atividades que 1desse exercício.

Porém minha questão perm. _~como colocá-Iosna ação sem tL -Jtransformá-Ias em TO.s? De que ~ ~

de vista supervisioná-Ias? Onde_ ~

barram os conceitos de terar" .supervisor e professor?

Segundo Andreoli, em um e

:sobre crise, "0 encontro com a k _

representa uma das experiênciascomplexas e desconcertantes qu_possa vivenciarem psiquiatria.EI,. _

ca emoções desagradáveis, põe-nl .confronto com situações insuportupode nos tomar incapazes de per.-

de perceber".1 ,

Vou seguindo em frente, mas U'

~referência passa a ser de equipe/:-ente: pensar e perceber são as meta.. ,rapêuticas. '

Proponho um laboratório de a~..dades onde digo que poderão eXç'dmentar e aprender como usar os YTJteriais básicos. Sugiro que façmr ~casa uma atividade estruturad_

conceituo atividades, expressão, çpo, agrupamento, produção, esté~ ~

análise de atividade.

I Bauleo, A. Notas de Psicologia e Psiquiatria Social -SP -Editora Escuta, 1988, pago 27 à 35.

2 8enetton, M.J. - Trilhas Associativas, Amplialldo Recursos lia Clíllica da Psicose -SP -Lemos Editorial, 1991, pago 79.

3Diatkine, R.; Quartier - Frings, F. e Andreoli, A. -Psicose e Mudallça - SP - Casa do Psicólogo Livraria e Editora -1993, pag.38.

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Fazemos vários grupos de argila,desenho, pintura e colagem. Enquantoparte da equipe fica muito à vontade ese satisfaz com as conceituações quevou fazendo, outros ficam impacientese irritados pela "obrigatoriedade" daatividade.

Simplesmente aponto estas diferen-ças e relaciono isso aos pacientes.

Rdomamos as discussões verbais

onde proponho mapeannos os gruposem andamento tentando esclarecer seus

objetivos e métodos.

Logo na primeira discussão surgealgo super impol1ante: o psicólogo quecoordena os grupos de jardinagem odeiaplantas e terra! Ao incentivá-Io a falarek vai se dando conta da impossibili-dade de manutenção desse grupo já que,na prática, n.1Ü vem conseguindon.'ali1.á-lo. É melhor combinar com os

pacientes que vão "Iimpar o quintal" cfazer realmente isso do que ter propos-to um grupo de jardinagem e, na horade faz\:-Io, ir varrer o quintal.

Ao discutir os grupos opcrativoscncontramos diversas dificuldades, a

cnmeçar pela proposta poucoesdarecida e pl'la falta de forma,,'ão dosprofissionais. Entretanto, o que eles tra-ZL'mcomo di ficuldade é a própria do-L'n,,'a,ou seja, como se pode fazer umgrupo operativo quando os pacientesticam entrando e saindo da sala. um r:IZ

xixi no meio do grupo e outro fala coi-sas lksconexas o tempo todo?

Questiono o ideal de trabalho lkssaequipe. Será que acham certo trabalharcom grupos ou o ml'lhor sL'ria um tra-balho individual? Com que tipo de gru-po esperam trabalhar? Por que ficam ir-ritados quando o paciente sai da sala?

A rL'spostaaparl'ce com dareza, paramim e para eks: queriam um grupooperati\ o de neurÓticos e não depsicóticns. Se o ob.Íl'ti\n dL)grupo foreSsL'.o terap\:uta sempre estar:í insatis-

feito, por outro lado. se ele olhá-Io como potencial que realmente pode forne-cer, talvez algo se transforme.

Neste momento penso nos meus pró-prios grupos de supervisão: qual o meuobjetivo? Transformá-Ios em T.O.s?Ainda não posso responder com clare-za, mas sei que o objetivo final é pro-mover o FAZER institucional. Segun-do a concepção operati va de gruposdeveríamos estabelecer um ECRO (es-quema conceitual rd'erencial operati vo)grupal.

Fazendo outra referência aAndreoli:

"um grupo que trabalha com coerênciatem um sentimento de identidade que oprotege"..1

Trabalhamos conceitos gerais de tra-tamento tais como: noções detemporalidade. espacialidade, desejo,vínculo, comunicação verbal e não ver-bal. limite ete. Além disso. conceitllo o

sofrime"nto (lestes pacientes e amaleabilidade do atendimentoinstitucional.

Mais uma vez a equipe interrompeesse processo reclamando da lentidãodas discussões. estávamos discutindo há

6 meses e, segundo eles. nada havia mu-dado. Falam sobre o final de semana.

onde não se faz qualquer atividade ereferem a precariedade da estruturainstitucional.

Como podem fazer qualquer progra-maçiio se ficam sozinhos na casa com10 a 12 paciL'ntes por 6hs'?

Pergunto qual o objL,tivode tais plan-tões e qual a expectativa da in~tiluiçiio.

Não sabem responder e fica explíci-ta a falta de argllll1L'nt:l\;ãL)teÓrica daequi pe. Proponho qUL'fa(;am um proje-to escrito e. depois. peçam mudançasinstitucionais.

Clk'~amos a um consenso sobre ofinal de semana como tendo que ter

.I)ialkin~, I{; Quarti,'r - I'ring ~: L'Andn'nli, A - nhra l'Ílada - pago ~6.

como referência a sociabilização e, por-tanto, sendo o mais próximo possívelde um fim de semana de uma pessoaqualquer.

II

Escrevem, elaboram, internalizamos conceitos, conseguem que a institui-ção se organize para ter estagiários eatendentes de enfermagem assessoran-do os plantonistas, porém, quando têmque defender suas idéias perante o res-tante da equipe, a discussão morre.

Aponto várias vezes a necessidadede retomarmos e aprofundarmos o pro-jeto, mas não há repercussão. Percebo,também, que há um sentimento de aban-dono em relação a mim, como se eufosse "culpada" por expô-Ias a uma dis-cussão sem bases suficientes.

Fiquei pensando sobre isso, obser-vando a mudança de atitude em relaçãoa mim. Agora eu já era a "mãe" queexpõe seu "filho" para o mundo. sendosuas dificuldades reflexo de sua prÓpriaimaturidade.

Convido a Jô Benetton para umapalestra ao grupo. Ela discorre sobreo potencial terapêutico das ati\ idadescotidianas, sobre a terapiaocupacional e teorias de atendimentoinstitucional. Deixa como mensagema possibilidade que uma equipe comoesta tem ele criar sua prÓpria linha deatendi mento tendo como rcfer0ncia as

linhas psicolÓgicas e a pdticainstitucional. Outro papel importantedessa palestra foi avalizar meus co-nhecimentos perante a equipe.

Já na reuniiio seguintL' con1L'çamospedidos de refer0ncias IL'Óricas.Indicotextos (k T.O.. grupos operati \OSe aná-lise institucional.

Est:Í\'amos trabalhando h:í quase umano e. quando entro na insti\Ui~'ão. j:ínão tenho a sen...a.;ão de "morte" queme oprimia de inÍL'iL).Parece que há al-guma cai...a SL'transformando. mas ain-da '1:lL)é palp:í\el.

Acho até que estamos indo bem,quando os plantonistas de final de se-mana comunicam que estão indo pro-curar outra supervisão, com um psica-nalista que já dirigiu uma instituição eque tem muitaexperiência com pacien-tes graves.

Checando esse "pedido" apareceainda uma desconfiança em relação àminha formação de T.O., uma interfe-rência pela forma como fui contratada(fui contratada pela dona da instituiçãoe não chamada pela equipe), uma re-presália por eu "tê-Ios deixado" expos-tos às críticas da equipe quando apre-sentaram o projeto e, no meu modo dever, uma boa forma de não colocar emandamento vários novos projetos e ati-vidades.

Chamo a atenção deles para todosestes pontos. E ainda ouço que, por euanotar todas as supervisões em um ca-derno, a desconfiança é ainda maior:quem será que vai ler isso? Respondoque marcar a história é fundamentalpara sair da psicose.

Estava, nesse momento, fazendo re-ferência a dois pontos: se por um ladoeles esquecem a necessidade de histó-ria quando tratam de psicóticos, poroutro lado repetem esse sintoma ao ne-gar sua própria necessidade históricaquando em supervisão. Parece que fa-zem exatamente o que os analistasinstitucionais caracterizam como ten-

dência de uma equipe: repetir o sinto-ma da população atendida. Acho, tam-bém, muito interessante quererem "ex-pulsar" a T.O. quando não conseguementrar na ação.

Sem saída, já que a instituição não vaime demitir para contratar outrosupervisor, vamos em frente.

Neste ponto do processo já não hámais grupos de teatro e em algumasmanhãs só se realiza um grupo de ativi-dades. Os grupos propostos são coeren-tes com o desejo e identificação do co-ordenador e atividades de lazer (passei-os, culinária, jogos e vídeo) caracteri-

zam os finais de semana.

Começamosum aprofundamentonapostura do coordenador e nametodologia das atividadesinstitucionais. Avaliamoso caráter for-

mal de funcionamento dos grupos e arigidez de conduta em só responder aquestões terapêuticas durante o desen-volvimento dos grupos.

Entramos no conceito de atendimen-to institucional. Este tema evolui ao

ponto de um plantonista referir que, paratomar o plantão de domingo mais agra-dável e muito mais produtivo, deixou o"psicólogo" no portão, querendo dizerque a formalidade da interpretação econduta terapêutica muitas vezes impe-de a "ação terapêutica".

Parece que esta equipe está come-çando a formar um corpo, mas algunsdos plantonistas, conforme já acon-teceu várias vezes, resolvem sair dainstituição. Isto é suficiente para cau-sar outra crise, da qual eu me apro-veito para questionar a funcionalida-de e a realidade desse projeto. Ouseja, é possível imaginar que alguémvá trabalhar num final de semana parao resto da vida? Se isso tem caráterprovisório num projeto de vida pro-fissional, tem que ser olhado sob esseprisma para sua viabilização enquan-to proposta de trabalho.

Eles ouvem, mas não conseguemtransformar para ação. Em vez dissoquestionam sua própria formação e ca-pacidade de intervenção junto aos pa-cientes. Surge a necessidade de organi-zar a passagemde comunicaçãoe a con-tinuidade de projeto semana x final desemana.

Este tema vai permeando todas asdiscussões. Sem que se tenha uma res-posta.

Uma das psicólogas traz para super-visão a montagem de um grupo de se-xualidade. Acho isso super interessan-te, primeiro por que essa mesma psicó-loga, há algum tempo, pediu que eu nãousasse saias curtas ou bermudas pois

-' Página 38 '0

,

isso agravava um processo onde "

Jxualidade dos pacientes estava maflorada e de difíciIcontrole, em se~do lugar me pareceu importante ~esse assunto já pudesse ser abon;"oficialmente".

Como ainda estamos com falt..

pessoal para os finais de semanapsicóloga que faz 6hs/dia nas mandurante a semana,precisa diminuirhorários, a direção da instituição:põe que os profissionais quejá esti,:instituição se reorganizem para c..'os horários em aberto.

Tomando isso como incentiH',

ganizam-se da seguinte form.lterapêuta das tardes, durantea s.:,

na, continua a mesma; nas manr.}cam 4 profissionais que se re\e-com os dias fixos na semana e, ..mesmos terapêutas, rodiziam pla~:nos finais de semana.

Dentro desse novo projeto as ,,'

dades a serem realizadas deve!"

combinadas com os pacienteseu\'" ,

jeto escrito deve ser feito.

Apesar de, logo na primeira se"de implantação, um dos membro..sa equipe colocar sob suspeita a \'w

de terapêutica e a crença de quedará certo, o grupo consegue ir em'te pois ouve quando afirmo que ~dúvidas podem ser resquícios do "-

ma institucionalque impede novo".

jetos de seguirem em frente.

Estamos, numa tentativa de eSllecer uma fomm coerente de COIr

cação, fazendo role-plays das ati.des iniciadas em que somos sujeite:um coordenador que deverá ser quonado e auxiliado ao final da ativi

Desta forma, propiciamos que tsaibam exatamente como as outras

vidades funcionam e quais as prelsas de seu coordenador, além disso

tabelece-se um campo de experimção e referência prática.

Esta forma de comunicação dI..

ser implementada por dados clínicos equestões específicas de grupos de paci-entes tão logo se possa passar da fasebásica de troca de dados.

Um Novo Olhar:

Ao definir Terapia Ocupacional,Benetton diz que "é a arte de aplicarconhecimentos científicos e empíricose certas habilidades específicas, decor-rentes do uso de atividades, à criaçãode estruturas, dispositivos e processosque são utilizados para converter recur-sos físicos, psicológicos e sociais emformas adequadas à prevenção, manu-tenção e tratamento em Saúde, Educa-ção, na áreaSocial e outrascorrelatas".5

A partir do momento que tomo essaequipe como um paciente a ser tratado,esqueço as questões individuais e apli-co a Terapia Ocupacional para orientarmeu olhar sobre o grupo.

Desenvolvendo essa idéia, quandofalamos do uso de atividades estamosnos referindo a uma gama imensa deações, expressões, falas, processos eprodutos que não precisam estar restri-tos ao que habitualmente vimos nos la-boratórios de atividades (argila, pintu-ra, desenho, tricôt, etc). No caso destassupervisões, faço referência a todo tipode produção, verbal e não verbal, comosendo a "atividade" desta situação tera-pêutica, por exemplo: discutimos, fize-mos listas de atividades, escrevemosprojetos, avaliamos procedimentos, ex-perimentamos técnicas de artesanato,fizemos role-plays de técnicas grupais,ensaiamosfalas a serem levadasao res-to da equipe, discutimos manejo compacientes e até tomamos sorvete, numasituaçãoem que me pedem alimento (te-órico, no caso) e aceitando o trocadi-lho, levo um tijolo de sorvete para divi-dirmos.

Voltando à definição (...)" converter

recursos físicos, psicológicos e sociaisem formas adequadas à prevenção,manutenção e tratamento"(...). Este erao objetivo desde o início: fazer com queestes psicólogos se apropriassem dosrecursos de que dispunham converten-do-os em ação, ato, atitude, FAZERINSTITUCIONAL, conforme nomeiono relato das supervisões.

Quando entro nessa instituição, ahistória que me é narrada diz de um lu-gar de muitas tentativas que ao final depouco tempo eram destruídas pela pró-pna eqUIpe.

Ao iniciar meu trabalho observo, e

a observação é uma das formas princi-pais de investigação da TO., que os pro-fissionais que supervisiono nada sabemda história da instituição e consideramque tudo é feito daquela forma pela pri-meira vez. Ora, numa instituição queexiste há 10 anos muitas tentativas se-melhantes devem ter sido feitas.

As supervisões da equipe já haviamsido atribuídas a pessoas da própria clí-nica, com ou sem poder hierárquicodentro da estrutura; a pessoas especial-mente contratadas para isso; a uma auto-coordenação da equipe; mas nunca ha-viam contratado umaTO.. Talvez, tam-bém em nenhuma destas tentativas o

olhar fosse para uma equipe-paciente.

Se a exclusão social é que indica umpaciente para a TO.6, uma equipe queem 10 anos não pôde marcar seu lugarcomo clínica particular com determina-da linha de atuação junto à comunidadede atendimento à Saúde Mental de for-

ma global, está claramente indicada.

Bem, mas dessa forma estamos mu-dando o enfoque da nomenclatura Su-pervisão de Atividades.

Iniciamos com este termo por se tra-tar de um espaço para discussão das ati-

vidades realizadas com os pacientesdentro da instituição.

Agora, após 2 anos de trabalho, ca-racterizo a Supervisão de Atividadescom um caminho a ser trilhado por umaterapêuta ocupacional junto a uma equi-pe que faz atividades com pacientes gra-ves.

Por outro lado, não podemos imagi-nar isso como a única intervenção a serfeita. Fazendo novamente referência aBenetton:

"Na realidade penso que, para do-entes graves, a farmacologia, as técni-cas de intervenção na psique e as inter-venções na realidade não se excluemmas se complementam"7. Além da Su-pervisão deAtividades,estaequipe con-ta com reuniões de equipe que discu-tem os casos atendidos e seu respectivomanejo institucional, bem como ques-tões relacionais da própria equipe. Assupervisões clínicas, onde se discutiriateoria e prática com cada paciente ain-da são muito superficiais e talvez sómesmodepois da equipe aprendera usarseus recursos é que possa discuti-Ios.

E quanto ao grupo? Muito já se fa-lou e escreveu sobre grupos de uma for-ma geral. Pouco se falou sobre gruposem Terapia Ocupacional e, talvez, essaminha forma de usar as teorias grupaise a TO. seja um tanto fora do conven-cional, mas tentarei explicar tais con-ceitos.

"O entrelaçamento vincular propos-to por um grupo terapêutico potencializaa vivência, o manejo e o aparecimentoda ati vidade" segundo nos mostraFerrari e AguirreX .

Ora, não tomamoso grupocomotéc-nica de intervenção e sim como formade olhar para o paciente como um "sergrupal". Quando uso a TerapiaOcupacional, o faço a partir de um pa-

; Benetton,M.J. -A Terapia OCllpaciollal COIIIOll/slrl/lllel/to I/as Ações de SalÍde Mental em Tese (doutoramento): Universidade Estadual de Campinas,Faculdade de Ciência~ Médicas - Campinas - 1994, pago 6.

· Benetton, M.J. - A Terapia OCllpacional COIIIOlnslrulllento nas Ações de SalÍde Mental- obra citada - pago 7.

7 Benetton, M.J. -A Terapia Ocupacional COIIIOll/strl/mento I/as ações de SalÍde Mental - obra citada pago 8.

· Ferrari, S. e Aguirre, B. - Aspectos do funciol/alllel/to da clíl/ica de grllpos e slla especialidade lia Terapia Ocupaciol/al, emBoletim de Psiquiatria, Escola Paulista de Medicina -São Paulo - 1990 - vol. 22/23, pago22.

-. Página 39 .-

ciente-grupo, tomando, dessa forma,cada indivíduo como parte de um todo.

Estabelecer o "entrelaçamento vin-cular" faz parte de constituir esse gru-po como entidade para que se possaolhá-Ia como única.

Em Trilhas Associativas, Benettondiscrimina dois tipos de grupos em Te-rapia Ocupacional:

"O primeiro tipo - no qual cada pa-ciente fazia sua atividade e mantinha

com o terapêuta uma relação individu-al - identifiquei-o como grupo de ativi-dades. O outro - quando os pacientesresolviam fazer uma única atividade em

conjunto e o terapêuta poderia mantero grupo nessa relação de trabalho con-junto - denominei-o de atividadegrupal"9.

De forma a pensar sempre na "ativi-dade grupal" com fim, utilizei-me, mui-tas vezes, de "grupos de atividades"como meio para a realização da tarefa.

Durante esses dois anos, várias pes-soas saíram e outras várias entraram

para essa supervisão. Mesmo assim,podemos perceber uma evolução daequipe como um todo. Deste modo, ca-racterizo esse trabalho como indo além

da classificação do grupo quanto ao tipode atividade realizada.

Sei que estou entrando num campobastante controverso, mas utilizei-medas orientaçõesda concepção operativa

de grupo muitas vezes durante essesdois anos para tentar entender e marcaras questões que surgiam.

Os papéis estabelecidos, o lugar dosuposto saber da coordenação, as no-ções de grupos que interagem (equipe,instituição, sociedade), a definição deinstituição como um inter-grupos, asnoções de horizontal idade everticalidade, etc.1O

Benetton faz uma questão em suateses de doutoramento que gostaria derepetir aqui:

" será possível construir trilhasassociativas, (...), de tal forma a se po-der montar uma histó.;a de um gruponum determinado momento?" e mais "...

...montada a história de um grupo emum determinado momento, qual a rela-ção desta com a eventual construção dehistórias pessoais?,,1l .

Neste tipo de supervisão, apesar desaber que ocorre e ter observado inú-meras vezes o crescimento individualdos psicólogos que supervisiono, nãotenho a intenção de avaliar individual-mente essa evolução.Tomandoempres-tado um termo operativo, a tarefa éconstituição de um grupo e a interven-ção como T.O. é nesse corpo que se es-tabelece.

Como resposta à primeira perguntade Benetton, sobre as trilhasassociativas num grupo,posso observarcomo aconteceram, conforme relato

sobreas supervisões,masconcord,ela quando diz que: "é preciso an:explicar os grupos de te'"ocupacional pelas teorias psicolc,já aceitas para outras técnicas, repesquisas que definam e caracte .

esses grupos"12.

Conclusão:

Não podemos saber ainda a qt.minho esse processo irá nos levar.tudo, sabemos que esse é, sem dum campo onde a Terapia Ocupa~"pode crescer. Só nos falta investeexperimentar cada vez mais.

É importante salientar que, ..Ldos dados grupais de que me u'.apesar dos dados de arinstitucional, apesar desupervisionandos serem psicóapesar de não ter T.O. nessa ir,ção, nunca deixei de ter em vis:minha formação é essa e quedessa forma que de,supervisioná-Ios.

Hoje posso dizer que eles rtransformaram e nem irão se tI'...mar em T.O.s.Nenhuma das ath:

feitas nesta instituição pode ser ~

terizada como sendo te.

ocupacionaI.Entretantoeles vêm :"do um ótimo trabalho.

Será que teríamos um mesmocesso se esta supervisão fossepor outro profissional que nãoTerapêuta Ocupacional?

· B~netton. M.1. - Trilhas Associatims -obra cilada - pago 29

10Anolações pessoais do Curso para Formação de Coordenadores de Grupo - Hospilal- Dia "A CASA" - 1986 a ]989.

" Benetton. M.1. - A Terapia OCllpaciollal COI/IO lllslmlllelllo lias Ações de SaÚde Melllal - obra citada - pago I] 8.

"Benetton, M.1. - A Terapia OCllpaciollal COIIIOlllslmlllelllo lias Ações de SaÚde Melllal- obra dlada - pago 118.

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