meninas só querem brilhar

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Meninas só querem brilhar de Camila JustinoIlustração de Isabela Donatodiario-ferrie.blogspot.comAlice Ferrie tem sonhos mirabolantes. Toda menina tem.Ela sé nao imagina que coisas muito mirabolantes e bem cabeludas podem acontecer (de verdade!) sem que nadinha seja planejado em seus sonhos.Ninguém, ninguenzinho mesmo disse para Alice que crescer seria assim... ver tanta coisa acontecer que nem avalanche descendo morro abaixo!Crescer significa ver seu corpo mudando sem pedir licenca, as vontades parecem desgovernadas, os meninos parecem indecifráveis e as amigas de infancia comecam a ter atitudes que voce nao entende.Se Alice Ferrie fosse um extra terrestre seria compreensível.Afinal, a escola, a familia e o mundo ao redor comeca a se transformar em algo que ela nao consegue captar.Acontece que Alice Ferrie é apenas uma menina sonhadora e tudo que ela deseja é brilhar.Meninas sonhadoras nao desistem nunca e para encontrar o brilho de uma vida boa, divertida e com digna trilha sonora, Alice vai ter que enfrentar o maior desafio de todos: ela mesma!OBS: Meninas sonhadoras devem desconfiar que o primeiro passo para realizar um sonho é transformar algo dentro de si, algo maluco e as vezes ate odiável. - By Alice Ferrie. Trecho retirado de seu blog ou facebook.

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Meninas só querem brilhar

Ficha técnica do drama de uma garota chamada Alice Ferrie (eu!):

TURMA DA LAMA (os lameiros mais insuportáveis da escola e do mundo. Lugar de origem: óbvio que só poder ser a lama):

Mariano: O implicante maior.

Tomás: O implicante Segundo.

Alexandre: O insuportávelsuper. (na infância eu o odiava, ele me chamava carinhosamente de coelha de Marte. O tempo passou, tudo passa e deixei de ser a coelha de Marte (viva àquela invenção da odontologia: os aparelhos!). Alexandre se revelou um garoto fofo, lindo e tudo de bom. Acontece que ele deve sofrer de algum distúrbio mental porque depois de me pedir em namoro, depois de viver momentos lindos e vergonhosos (eu tinha vergonha de beijá-lo!)... Ele resolveu sumir da minha vida! Acreditem se quiserem: não posso amar um garoto assim! Mas, infelizmente acontece de a gente gostar de alguém que faz a gente pirar!

AS MELHORES AMIGAS DO MUNDO TODO:

Betina: Carinhosa ao extremo, lenta ao extremo. Não se sacrifica para ser o que ela não é. Entendem? Ela se adora do jeito que é. Muito difícil encontrar uma menina que se ama completamente, uma menina que não inveja os peitos de ninguém, uma menina que não liga de ter pernas muito finas!

Naty: Patricinha, tem a tendência de encarar o mundo de forma meio histérica. Juro, não sei como conseguimos nos tornar esse trio inseparável. A Naty sempre foi a menina rica, a menina que tem tudo, a menina quase metida. Quase, nunca foi. É meio desesperada, pois quer ser admirada pelos outros.

RESULTADO: Nós. Uma torta confeitada de sabores e cores diversas. Somos doces na medida certa. Existe uma parte nossa que adora fazer escândalo por coisas bobas. Sim, temos muito mel e açúcar, mas também somos feitas de chocolate amargo. A vida precisa de muitos sabores e é assim que a gente vai crescendo!

MELHORES AMIGOS EM MUITOS CASOS:

Meu teto: antes de dormir converso tudo com ele. Nos dias tristes ele me escuta sem fazer julgamentos.

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Meu blog: ele atura todas as minhas palavras.

SONHOS

Encontrar algum amor, ser correspondida e viver um grande romance;

Fazer uma grande revolução para a PAZ MUNDIAL;

Ser atriz ou cantora;

Andar de balão com minhas amigas;

Ser bióloga;

Ser jornalista;

Morar num apartamento com minhas amigas;

Ser diplomata;

Ter uma fazenda com muitos animais;

Reservar passagens de foguete para a primeira viagem em volta da terra que vai acontecer no futuro;

Vestir roupas de época com minhas amigas para tirarmos muitas fotos.

Sonho secreto (não pode ser revelado em hipótese alguma)

Reconquistar Alexandre.

Deletar esse sonho assim que possível!

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O começo (apenas mais um)

Depois de algum tempo em terras gélidas do Canadá estou exprimida nessa poltrona de avião e vejo algumas nuvens. Quando eu era pequena pensava que poderia deitar e rolar nos flocos de nuvens, pensava que nuvem era feita de algodão-doce. O tempo passa e a gente cresce. Descobrimos que as nuvens não têm sabor, as nuvens são apenas partículas de água (que sem graça). Descobrimos que os amores podem não ser correspondidos, descobrimos que podemos carregar sonhos mirabolantes, frustrações, mais alguns detalhes como espinhas gigantes na ponta do nariz, menstruações inconvenientes e meninos lindos que possuem o dom de se transormarem em E.Ts implicantes e bipolares. A gente cresce e continua pertencendo àquela família que não escolhemos, aquela que a gente tem desde o berço (fazer o quê!). Mas temos a sorte de formar uma outra família: no meu caso, minhas melhores amigas Betina e Naty. Para elas tenho coragem de confessar todas as minhas fraquezas, os meus dramas doidos e até os sonhos mais idiotas que meus pais nunca entenderiam. Com elas o mundo pode ficar mais doce, até mais bobo e cor de rosa. Por que não? Em segredo, ainda acreditamos que as nuvens podem ser feitas de algodão-doce. Desde crianças somos inseparáveis. Resolvemos desbravar o mundo JUNTAS. Nossa primeira descoberta, por exemplo, foi na infância. Descobrimos que quando pulamos da cama não podemos voar como o Peter Pan (frustração total!). E já que não voamos de verdade, voamos em sonhos e pensamentos!

Coisas que descobri com minhas amigas:

1. Ir para escola encarar certas pessoas é obrigatório;

2. Ir para escola e aceitar desaforo de meninos desaforados NÃO É OBRIGATÓRIO. Mas quase sempre aceitamos os desaforos porque podemos ser pateticamente bobas;

3. Não ser a mais bonita exige esforço sobrenatural. Afinal, não queremos ter uma trajetória sem graça na carreira escolar;

4. Comer certas coisas fazem aparelhos de dente ficarem sujos;

5. É possível conversar com o teto antes de dormir ainda mais naqueles dias insuportáveis e dramáticos que ninguém te entende. Quem pode te entender mais do que um teto de cimento pintado de branco? Aprendam: tetos nunca julgam;

6. Os meninos mais bonitos podem ser os mais implicantes;

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7. Os meninos mais feios se vingam quando se tornam adultos. Eles são rejeitados na escola, não têm necessariamente uma vida social ativa e, por isso, gastam horas estudando muito. Um belo dia, a inteligência deles se destaca e todos começam a adimirá-los, é aí que eles se tornam seguros, legais, engraçados e divertidos. Quando essa mutação acontece pode ser tarde demais para nós, meninas. Inteligência atrai! É o que dizem mesmo, mas eu vou deixar para gostar de um menino mais inteligente quando eu for mais velha. Infelizmente eu estou com problemas, gostar de um menino da Turma da Lama é TRASH!

8. Os meninos mais bonitos e implicantes podem levar uma lição e descobrir que você é a menina mais legal do mundo, descobrir que você é única, superexclusiva, interessantíssima (como diz minha mãe), que você é espetacular, apesar de toda a conspiração do universo contra você. Inclusive, esse mesmo menino pode se apaixonar e te pedir em namoro. Isso não é magia. Isso é ser genial! Haha! (ou será que isso é conto de fada?);

9. As meninas podem ser convencidas apenas pelo fato de elas terem um guarda-roupa invejável, um peito de superadolescente e um cabelo mais comprido e mais invejável ainda;

11. As meninas podem se orgulhar de serem inteligentes e legais ( mesmo que possa parecer monotono);

12. É inevitável: um dia a gente chora escondida no banheiro.

E com tanta descoberta, eu, Betina e Naty já podemos escrever até um livro sobre nossa amizade, sobre nossas descobertas, dramas e tudo que nos deixa afobadas e loucas! Somos apenas meninas cheias de sentimentos. E quando tudo está perdido, descobrimos mais uma coisita importante:

13. Fazer reuniões emergenciais entre melhores amiga pode resolver todos os dramas existenciais. Nessas reuniões criamos metas para um futuro melhor e pacífico na sociedade escolar.

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Sexta,

Ainda vejo nuvens pela janelinha. Estou em paz com o mundo e nem estou com tanto medo do avião cair. Conversei muito com meu anjo da guarda antes do aviao decolar. Estou doida para pisar em solo nacional e contar para todos os brasileiros o que Alice Ferrie aprontou no Canadá. Ainda não sou uma garota independente como gostaria de ser, meus pais ainda me perseguem. Tudo bem que eles pagam minha escola, comida e tudo mais pela minha sobrevivência na terra. É que eles apostam muito no meu potencial, estão sempre dizendo isso. Querem que eu me transforme numa mulher bem resolvida.Eu confesso que meu maior potencial é pensar no Alexandre, nas minhas amigas (em como é sensacional conversar com elas sobre o tudo e sobre o nada deitadas no tapete do quarto) e nos meus sonhos imaginários que raramente acontecem como, por exemplo, acordar mais alta (com 1,70m) com cabelos compridos, ruivos, exóticos e sedosos.

Talvez meus pais estejam certos.

Talvez seja hora de crescer e de mostrar ao mundo o verdadeiro potencial de Alice Ferrie.

Cansei de ser uma menina que sofre por coisas idiotas. Preciso sofrer por coisas mais dignas que não sejam meninos. Para que chorar se seus sutiãs são feios se você ainda nem tem peito direito? CANSEI de sofrer por coisas banais, afinal daqui a dez anos serei uma mulher, preciso me preparar para esse evento!

Essa viagem de avião está mudando minha visão de mundo. Uau!

Nossa, quando tempo estive cega? Eu não preciso do Alexandre para ser feliz, eu não preciso invejar o cabelo da Isabela Neves.

Preciso pensar em algo grandioso, algo que ocupe meu pensamento com coisas produtivas.

Quem sabe se...

DEPOIS DE ALGUNS MINUTOS, meu coracao estava acelarado. Pela primeira vez eu nao estava abalada por causa de um amor nao correspondido. Eu nao pensava no que eu gostaria de ter. EU PENSAVA EM QUEM EU GOSTARIA DE SER! O pensamento veio e anotei tudo:

Eu preciso usar meu potencial para salvar o mundo da miséria. Posso ajudar os oprimidos que passam fome no mundo, posso organizar uma revolução que realize algo como a PAZ MUNDIAL!

Acho que meus pais vão se orgulhar por isso.

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Sim, eu devo ter uma missão especial, não é à toa que entre bilhões de espermatozóides eu fui a mais veloz, consegui ultrapasar todos meus concorrentes. A fertilizadora foi eu! Preciso honrar os outros espermatozóides que não foram sortudos como fui.

Incrível!

O Alexandre estava impedindo o nascimento de uma revolucionária brilhante: Alice Ferrie.

Sábado – um belo dia para chorar quando você ama um menino e o tal menino não te ama. O negócio é NÃO SE RENDER A ESSE SENTIMENTO!

Finalmente em casa! Finalmente no meu quarto. É exatamente nesse quadrado mínimo que nascerá a maior revolução de todos os tempos da história. Vou precisar retirar todos esses posters de celebridades, imagina que ridículo se preparar para uma grande missão sendo assistida pelo amadíssmo ídolo teen Chay Suadinho?! Acho que o rosto dele não combina muito para as minhas futuras missões!

Percebo o quanto eu era infantil. Estou me tornando uma adolescente com muita personalidade e coragem e maturidade.

Antes de contar para as meninas do meu mirabolante plano, preciso pesquisar na internet algumas celebridades da PAZ MUNDIAL. Primeiro preciso pesquisar até o que é paz mundial.

(OBS.: quase não pensei no Alexandre hoje. Só entrei no facebook dele três vezes. Isso é um excelente sinal).

Seguem as primeiras anotações de uma revolucionária (momento histórico!):

– Revolucionárias não são fúteis. Elas estão preocupadas em salvar o mundo da tragédia. Revolucionárias não se preocupam com maquiagem. Mas euzinha não serei uma revolucionária desleixada. Usarei só um pouco de brilho labial.

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Celebridades revolucionárias:

– Joana d’Arc é uma grande inspiração porque era apenas uma garota quando saiu em cima de um cavalo guiando uma tropa inteira (4.000 homens!). As garotas não partiam para missões como essa. Em vez de pensar em casamento, Joana d’Arc queria defender a nação! Uau! Parece que desde menina ela escutava vozes, como se fossem sinais do céu. Essas vozes a guiavam e a protegiam. Joana foi muito respeitada por ter conseguido vencer batalhas. Depois ela virou até santa padroeira da França! Não é para qualquer uma, hein!

– Robin Hood roubava dos ricos para dar aos pobres. Existem muitos desenhos e filmes que prestam homenagem a esse herói. Mas eu não vou ter coragem de roubar dinheiro de ninguém.

– Nelson Mandela é adorado por muitas celebridades do mundo pop. Mas o mais importante é que Nelson Mandela foi um revolucionário por lutar pelas diferenças sociais na África. Lá, os negros, mestiços e indianos não tinham direitos como os brancos tinham (muito revoltante isso, né!). Ele divulgou a Carta da Liberdade! Nelson foi muito corajoso – e óbvio que muitas pessoas não gostam de pessoas corajosas que lutam pelos direitos do povo; então ele foi à prisão. Ficou trancafiado por 27 anos. Depois acabou saindo da prisão e dividiu o prêmio Nobel da Paz com outro sujeito de nome bem difícil de escrever. Ainda se tornou o primeiro presidente negro da África do Sul! (uau, uau!).

– (Mohandas Karamchand) Gandhi (para os íntimos, simplesmente, Gandhi). Ele foi um revolucionário que apoiava a revolução pacífica sem violência. Seus lemas eram verdade e não-violência. Que sábio, esse cara!

Uma frase dele:

O bravo não é quem não sente medo, mas quem vence esse medo.

– Outros revolucionários – pesquisar depois.

Características dos revolucionários:

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– Pensam em primeiro lugar no próximo (item muito difícil. Eu só penso em mim mesma, como nao pensar em mim ja que eu sou o centro de todo eu?);

– Possuem muita coragem, inteligência, agilidade, bondade (esse item, eu acho, é moleza);

– Querem fazer a diferença, o objetivo é construir um mundo melhor para todos (essa sou eu!)

O que um revolucionário pode fazer:

– Impedir a guerra (como? como? como?);

– Oferecer alimento para aqueles que passam fome;

– Plantar muitas árvores (já uso ECOBAG – sacola ecologicamente correta);

– Defender o ser humano contra a maldade;

– Montar um acampamento, de preferência na rua, em frente a algum lugar onde mora alguém que comete injustiças sociais.

OBS.: quase não penso no Alexandre.

OBS. II: preciso arrumar um pôster da Joana d’Arc ou de qualquer outro revolucionário para colocar no meu quarto.

OBS: Preciso mandar fazer um porque nao encontroposter pronto para comprar nas bancas.

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Domingo de manhã – para quem não está com dor de cotovelo (que é o meu caso) é um excelente dia para tomar decisões bombástica, geniais e fabulosas! Hehehe...

Fui conversar com meus pais sobre minha nova meta de vida. Convoquei a família toda para uma reunião na sala, inclusive meu irmão. Por mais que ele possa parecer um menino abobado, pode ser que um dia queira ser um seguidor da irmã revolucionária Alice Ferrie.

Meus pais foram muito legais porque toparam sentar no sofá para escutar minhas palavras com muita atenção:

– Pai e mãe, chegou o momento – eu disse, me preparando para o discurso de uma futura líder da paz.

Meus pais estavam distraidos, pensando em outras coisas. Bom, que pena para eles porque um grande momento iria acontecer e eu ia ser a causadora!

– Então, pai e mãe. Eu cansei dessa vida fútil que eu levava. Os meninos só fazem a gente sofrer, e muito! – Era difícil revelar meus sentimos mais profundos para meus pais. Mas eu precisava ter coragem, assim começa a vida de uma revolucionária! – Além disso, eu nunca vou ter as roupas que sempre quis ter e cansei de pagar mico por coisas bobas, ficar sofrendo por amor e por celebridades que nem sabem que eu existo! Depois de muito refletir, descobri meu verdadeiro dom! Nasci para ser uma revolucionária pela PAZ MUNDIAL!

Meus pais me olhavam ainda desconfiados, mas mesmo assim respeitaram o momento que exigia silêncio. Meu irmãozinho começou a bater palmas, confesso que gostei dessa atitude dele. Isso prova que ele tem potencial para ser meu seguidor num futuro, porque agora ele é um comedor de melecas e etc.

– Gostaria de comunicar isso! Ainda não sei se vou seguir os passos de Joana d’Arc, de Nelson Mandela, Gandhi, ou mesmo Robin Hood, estou vendo ainda.

Nesse momento parece que os meus pais estavam de queixo caído.

– Minha filha, Robin Hood é uma lenda maravilhosa, mas roubar não é o ideal, mesmo que eu ache importante a gente ajudar os probres!

– Ai, mãe, tá bom! É claro que não vou roubar ninguém, estou apenas dando um exemplo! – Minha mãe sempre cortando o clima, nem parece a mãe de alguém tão que nem eu. – Olha, o que eu quero dizer é que sua filha decidiu abraçar uma causa muito nobre: a humanidade! – Nossa, de onde eu tinha tirado aquelas palavras?

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– Eu acho isso fantástico, minha filha. – Finalmente a ficha dela tinha caído.

– Pois é, mãe, está na hora de me preocupar com o bem-estar do próximo, do mundo! – Eu realmente estava me sentindo muito confiante dizendo todas essas palavras.

Meu pai, que até então estava mudo, resolveu dizer alguma coisa:

– E por onde você vai começar, minha filha?

– Essa que é a questão, pai, ainda estou planejando. Só sei que serei muito importante, e se eu for assim como Joana d’Arc, serei santa um dia!

– Alice, minha querida, você não deve ajudar os outros só para se tornar importante ou só para virar santa. Você tem que ter uma vontade de dentro, um amor muito grande pela causa. – Meu pai como sempre falando o óbvio como se eu fosse uma ingênua. – E além disso, Joana d’Arc foi importante naquele tempo, hoje em dia o mundo precisa de novas guerreiras, e guerreiras não são apenas aquelas que lutam armadas. – Novamente, meu pai dizendo o óbvio!

– Eu seeeeeeeeeeei, pai! Ai, eu sei! Nossa, eu ainda nem terminei de falar! – Respondi, meio irritada com meu pai.

– Então continue – disse minha mãe.

– Agora não lembro mais o resto do meu discurso.

– Eu já tenho uma ideia! – emendou minha mãe, toda animadinha.

– Qual ideia? – perguntei, mais ou menos empolgada.

– O Seu Inácio, que trabalha no jardim da casa da nossa vizinha, precisa de alguém para ajudar a esposa dele. – Minha mãe estava ficando empolgada.

– E o que isso tem a ver com esse assunto, mãe? Aliás, como eu posso ajudar a esposa do Seu Inácio? – Eu estava chocada com a sugestão maluca da minha mãe!

– Alice, escuta sua mãe! A esposa do Inácio é adulta, mas ela só está aprendendo a ler agora, o Seu Inácio está procurando alguém para ajudar a esposa no dever que eles passam na escola que ela começou a frequentar. Ela está com muita dificuldade de aprender, precisa de alguém para ajudar na leitura dos textos.

– Você está querendo dizer que a minha revolução vai ser ajudar uma adulta a fazer o dever de casa? – Minha mãe é muito sem noção. – Eu estou aqui falando da PAZ MUNDIAL e você fala para eu ler palavrinhas para a esposa do Inácio?!

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– Alice Ferrie, ponha-se no devido lugar! – Eu realmente não acho engraçado quando minha mãe fala desse jeito. – Se a senhorita quer fazer alguma revolução no mundo ajudando pessoas, precisa primeiro começar na vizinhança! É um teste para saber se você leva jeito para a revolução. – Minha mãe fica falando em “testes” só para usar uma antiga psicologia, tipo ela acha que quando me testa eu vou me sentir desafiada e vou fazer o que ela manda, mas eu não estou nem aí.

– Você verá, vocês verão como realizarei ainda muitos atos heroicos no mundo. Mas se é para agradar você e a vizinhança, eu vou ajudar a esposa do Seu Inácio porque eu sou uma pessoa de IMENSO CORAÇÃO! – Acho que é proibido recusar pedidos de mãe. Fazer o quê!

Bom, está certo que meu primeiro ato revolucionário não é lá uma coisa muito heroica... não é algo digno de filmes, não vou para batalha, não vou atravessar desertos nem serei presa. Mas se é para começar assim, eu não ligo.

Fiquei tão ocupada com esse negócio de revolução que o dia voou! Nem deu tempo de pensar no Alexandre direito e nem falei com minhas amigas ainda desde que cheguei de férias. Não vejo a hora de chegar na escola e contar tudo para as meninas! Quem sabe elas não querem me ajudar nessa minha nova tarefa.

Segunda-feira em TRÊS PARTES.

É DEMAIS PARA MIM.

PARTE UM:

Momentos antes de ir para a escola: dia mundialmente famoso por significar o COMEÇO DA SEMANA em que TUDO pode acontecer. Esse dia pode ser traumático ou glorioso. A primeira segunda-feira do ano pode definir nosso destino para sempre! Em casos irrepetíveis, pode ser o melhor dia do ano, mas isso é muuuito raro, é muito difícil ter um amor correspondido logo no primeiro dia de aula.

Antes de ir para escola, tentei procurar algum acessório que demonstrasse look de revolucionária da paz. Sei lá, algo que pudesse ser identificado como: pô, essa menina aí faz alguma coisa muito especial na vida.

Algo para que o Alexandre pudesse pensar: perdi a garota dos meus sonhos.

Algo para Naty e Betina pensarem: Nossa, essa é minha amiga, tenho orgulho dela!

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ÓBVIO que não encontrei nada que demonstrasse tudo isso. Mas tudo bem, o que vale são meus pensamentos criativos e preciosos. O que tenho na cabeça é uma revolução, e apenas com esse pensamento vou contaminar todos da escola sem precisar de acessórios especiais.

Não estou nem aí para minha espinha!

AI, QUE FRIO NA BARRIGA, QUE SAUDADE DAS MENINAS, QUANTO SENTIMENTO NUMA MENINA SÓ.

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PARTE DOIS (ESSE DIA NÃO TERMINA!)

FINALMENTE NA ESCOLA:

Frio total na barriga. No fundo, eu estava com muito medo de encontrar as meninas depois de tanto tempo. Sei lá, na férias cada uma vai para um lado. E mesmo que a gente converse pela internet, não é a mesma coisa! Vai que nossa relação fica abalada?! Vai que a gente nã tem mais assunto? ÓBVIO que não ia comentar isso com elas, mas estava muito

ansiosa!

Vi as meninas e elas estavam me esperando, como sempre, no nosso canto preferido.

Quando me viram, vieram correndo em minha direção. Foi uma delícia sentir aquele abraço coletivo novamente. Nada estava diferente, éramos as mesmas, inseparáveis e unidas para sempre em nosso destino! Férias não distanciam amigas.

– Amigaaaa! – Betina passou as mãos no meu cabelo. – Você está mais linda do que antes!

– Betina, você é muito educada. – Minha amiga é sempre tão carinhosa. – E você está mais estilosa e hippie como nunca! E Naty, que estilo é esse? Você está tão diferente! – A Naty estava com um visual tão novo, eu nem tinha palavras para definir.

Ela estava de cabelos amarrados, usando um óculos todo moderninho, estava sem suas pulseiras barulhentas, sem sua correntinha de ouro – onde estava minha amiga perua?

– Alice, amiga! Tanta coisa aconteceu! Tanta coisa para contar! – Naty berrava. Pelo menos sua voz era a mesma.

– Eu posso imaginar... – respondi, ainda chocada com a mudança do visual de Naty.

Sentamos juntas em cima de um degrau do pátio. Aquele era nosso degrau de sempre, o pedaço de cimento em que desabafamos alegrias e dramas existenciais. Futuramente aquele degrau será uma calçada da fama, teremos nossas mãos impressas naquele chão, amigas inseparáveis e revolucionárias que fizeram história na escola! Não tive muito tempo para sonhar acordada, as meninas pareciam ter novidades.

– Então, Alice. Eu agora sou uma nerd declarada! – Disse Naty toda orgulhosa.

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– Hum? E desde quando? Virou gênia de matemática ou alguma coisa do gênero durante essas férias? – eu perguntei.

– Alice...Alice... Onde você esteve? Parece mais ingênua... Ser nerd não tem nada a ver com gostar de estudar ou não. Ser nerd é a mais nova tendência. Uma questão de estilo, uma questão de poder...

Ai, socorro, minha amiga está mais uma vez sofrendo a síndrome da personalidade.

– Nós somos o presente e o futuro. Nós, os nerds, fazemos o mundo girar, entendeu?

– Liga não, Alice, Naty está sendo influenciada... – interrompeu Betina fazendo cara de hippie.

– Não estou sendo influenciada. É simplesmente uma opção e eu tenho vocação. Estou tentando inventar um aplicativo para a internet, ficarei rica e popular em todo o mundo. Imagina? Mas pode deixar que não vou esquecer vocês, NUNCA!

– Naty, você já é rica! – Eu disse. Minha amiga estava surtando, coitada! Tão nova e completamente doida.

– Mas eu quero ser rica por conta própria, conquistar meu próprio império. Virtual, óbvio! Em breve moraremos numa mansão, nós três, uma mansão azul com portas pintadas de pink! – Naty continuava na piração.

– Acho que ela comeu muita banana hoje! – eu disse olhando para Betina.

– É o seguinte, Alice. Você lembra da Roberta da nossa sala?

– O que tem aquela nerd? Essa sim é nerd de nascença!

– Pois é, eu não sei o que deu naquela menina, se bem que os neurônios dela sempre foram diferentes, né... Pois é, nas férias ela inventou um negócio revolucionário na internet – comentou Betina. – Todo mundo só fala disso!

– A Roberta se tornou uma lenda viva no primeiro dia da escola! – Disse Naty com olhos brilhantes.

Enquanto eu estava mirabolando uma revolução universal a Roberta já estava famosa (de verdade!) por ter inventado alguma coisa genial no mundo da informática? Oh, céus!

– E que negócio é esse que ela inventou? – perguntei.

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– É assim. Você baixa o aplicativo que ela inventou. O aplicativo se chama meama e esse aplicativo finge que é você, só que ele finge que você é uma versão melhorada de você mesma. Entendeu? – Disse Naty.

– Não entendi nada! – Eu estava perdendo a paciência! Que loucura!

– Quantas vezes você entrou no Facebook e conversou com Alexandre on-line? – perguntou Betina.

– Várias vezes! Mas isso é passado, hoje em dia nem sei o que ele está fazendo da vida! – eu declarei com toda a convicção de uma revolucionária!

– Tudo bem, Alice. Mas no passado, você já conversou com ele e sentiu que escreveu coisas idiotas? – perguntou Betina.

– Quase sempre me sentia uma idiota conversando com ele... – Tive que confessar.

– Se você abaixa o aplicativo meama você não vai se sentir uma idiota! Pelo contrário, você só vai falar coisas geniais! Esse aplicativo pega o melhor de você e ainda escreve por você! Cara, essa menina é uma gênia! – Definitivamente, Naty estava me cansando!

– Essa menina é uma idiota, isso sim! Ela passa os dias de suas férias sem vida social e resolve inventar um negócio mais idiota ainda que finge ser você, mas que não é você coisa nenhuma!

– Olha, Alice, eu baixei o aplicativo e fiz um teste com Naty. Ela conversou comigo pelo computador e disse que nem percebeu que não era eu de tão parecido comigo o aplicativo. O aplicativo usava as palavras que eu uso, eu parecia até mais engraçada do que já sou, não foi Naty? – Até a Betina estava encantada com a invenção da Roberta.

– Gente, o aplicativo é perfeito! Eu estou até reconquistando o Tomás! Todo dia ele pensa que conversa comigo pela internet, mas na verdade é o aplicativo que diz as coisas mais perfeitas do mundo. O Tomás está me amando! Óbvio que ele pensa que sou eu!

Nesse momento eu sentei no degrau. Eu não sabia se vomitava ou se fingia um desmaio. Até que seria uma boa ser resgata para bem longe daquela escola. O pior é que as meninas não paravam de falar!

– Pois é, gente... a Roberta dormiu pobre e nerd e acordou rica, milionária e linda! Ela não tem nem 15 anos de idade e já entrou para a lista das mulheres mais bem-sucedidas do mundo só com essa invenção! Estão todos os meninos babando nela

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agora, a empresa GRAPE já a contratou para trabalhar lá em Nova York. – A Naty parecia um robô hipnotizado.

– Peraí, peraí! – Oh, help, help, o que estava acontecendo? O mundo girava rápido demais. – E onde está a Roberta?

– Está ali. – As meninas apontaram para uma multidão do outro lado do pátio.

– Ali onde? – eu perguntei.

– É que está todo mundo em volta dela querendo fazer amizade, essas coisas. Ela está aproveitando a popularidade dela. Ela não é uma deusa? – Naty estava eufórica.

– Naty... acho que você precisa se tratar! – Eu disse revoltada. – Ah, grande coisa inventar esse aplicativo! Eu é que não vou usar, imagina se eu quero que um aplicativo idiota se passe por minha pessoa, eu sou muito melhor que isso! – De repente, avisto Alexandre no meio daquela multidão: ele também estava tentando falar com Roberta? Eu fui até a lua e voltei. Todos da escola estavam em volta da Roberta, menos eu, Naty e Betina.

– Gente, vamos para lá também, precisamos pegar algumas dicas com Roberta, quem sabe ela não quer levar a gente para Nova York também. Podemos ser quatro revolucionárias estilosas, vamos aparecer em todas as revistas. Dizem que a Roberta vai ser capa de doze revistas, acreditam nisso? Dizem até que ela vai se emancipar... Que os pais vão assinar um documento dizendo que ela é maior de idade, que ela pode fazer o que quiser, inclusive morar sozinha em Nova York. Acreditam nisso? Acreditam nisso? Ai, é muita emoção! – Naty parecia estar enfeitiçada pela onda Roberta.

– Eu nem entendo de informática direito... – Disse Betina, desapontada. – Eu nunca poderia ir para Nova York com vocês para trabalhar na GRAPE.

– HEEEEI! – eu dei um berro tão alto que os carros da rua devem ter pensado “de onde vem essa sirene?”. Está certo que carro não pensa, mas quem se importa? Eu estava fora de mim, minhas amigas também e todos da escola. Eu precisava gritar.

Dois segundos de silêncio. Todos voltaram os rostos para mim. O grupo que estava do outro lado do pátio me reconheceu, alguém disse: “Ah, é só a Alice”. “É mesmo”, o outro respondeu e imediatamente voltaram a atenção para Roberta. Alexandre nem me viu, devia estar no meio do bolo que puxava o saco de Roberta.

Eu fiquei vermelha de vergonha, raiva, decepção e mais um milhão de sentimentos ruins.

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– O que está acontecendo com vocês? O que está acontecendo? Uma garota descobre esse negócio e, de repente, todos ficam enfeitiçados por ela? – No fundo eu estava me sentindo humilhada, eu pensava que tinha chegado na escola com uma ideia genial, mas no fundo era tudo uma idiotice.

– Esse é o mundo em que vivemos, Alice. Se a gente não corre atrás, o mundo nos engole... – Betina estava reflexiva.

O sinal tocou e era hora de enfrentar a realidade. Ver todos da minha sala, inclusive Alexandre e seus companheiros da Lama. Ver a Roberta sentada lá na frente com aquela cara de sempre. Mas agora é diferente: ela, Roberta, é a nova deusa da galera.

Ai, que raiva.

Meu primeiro dia como revolucionária foi por água abaixo.

PARTE TRÊS.

ESSE DIA NÃO TERMINA NUNCA. SOCORRO!

Dentro da sala de aula – PANE TOTAL

A essa altura, depois de tanta informação, eu sentia meu estômago apertado.

Fiquei fazendo força com o pensamento, quem sabe dessa vez eu não conseguiria desaparecer como naqueles filmes? É o poder do pensamento. Poder do pensamento. Alice Ferrie, desaparece, por favor, eu estou falando para Alice Ferrie desaparecer! Fiquei focada nisso, mas o meu pensamento não é genial que nem o da Roberta. Eu continuava na sala de aula.

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Eu estava me preparando para a sessão tortura.

Primeira etapa da sessão:

– Ver o Tomás e o Mariano, da Turma da Lama, passando por mim. O outro membro da turma da Lama é o Alexandre (sem comentários. Sufoco total).

“Por favor, não parem aqui, sumam da minha frente, vão lá para o fundo fazer piadinhas, mas não aqui na minha frente.” Eu ainda tentava usar a força do pensamento, mas pelo visto a minha força do pensamento tem efeito contrário.

– Graaande Alice Ferrie! – berrou o insuportável Mariano. – Fez muitos bonecos de neve no Canadá? – Ele riu que nem uma hiena.

– Virei mestre em arremesso de bolas de neve em pessoas patéticas. E você, se aprimorando na arte de ser insuportável? – Eu tive que me defender.

– Eu podia escrever um manual sobre o tema, não é mesmo? – E ele seguiu para os fundos me deixando num vácuo absoluto.

Pelo visto eu tinha ido viajar, mas o meu país era outro. Minha escola estava possuída por acontecimentos terríveis. Minhas melhores amigas tinham surtado, em especial a Naty, os meninos da Lama, que num passado distante tinham sido nossos namorados, voltaram a ser os seres mais insuportáveis do planeta, e a Roberta tinha ocupado uma categoria de popularidade em escala mundial.

O Tomás passou por mim e deu um peteleco na minha orelha. Sem comentários.

Alguns minutos depois eis que surge o magnífico Alexandre, o garoto dos sonhos que foi atacado pela síndrome do fantasminha e, por isso, sumiu da minha vida me deixando arrasada e infeliz.

– Ei, Alice – ele disse com a voz meio baixa.

Eu continuei muda olhando para frente. Se eu olhasse nos olhos dele eu podia me perder novamente no labirinto do amor, ou então no labirinto da fúria. Por que ele teve que nascer na mesma época que eu, por quê?

– Ei, Alice? – Alexandre ainda tentava me cumprimentar.

Eu continuei ignorando.

– Alice Ferrie? – ele disse mais alto.

Eu fingi que tinha uma mosca rondando meu ouvido e fiquei abanando o ar com minhas mãos. Fazendo papel de maluca, mesmo!

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– Isso é um sinal para não falar com você? – ele perguntou.

Seu descarado, seu coisa mais coisa. Eu pensava, mas tentava demonstrar soberania na minha interpretação.

– Alice, o que você está fazendo com as mãos? – perguntou Betina.

– Uma mosca, tô ouvindo uma mosca no meu ouvido. Vocês não conseguem ouvir essa mosca? – respondi.

As meninas desabaram de rir e eu CONSEGUI DEIXAR O ALEXANDRE SEM GRAÇA. Valeu a pena fazer papel de maluca que ouve moscas invisíveis.

– Ah, entendi... Já que é assim... – Alexandre finalmente foi para o fundo da sala de aula.

Eu era a menina mais infeliz do mundo. Quase. Eu não pedia dinheiro no sinal, nem era uma órfã maltratada e explorada por uma tia malvada, como a Cinderela. Eu era apenas uma garota sufocada por sentimentos confusos e tristes.

Depois que Roberta Zigoto entrou na sala de aula eu percebi que além de triste eu era burra. Depois que Isabela Neves entrou na sala de aula eu percebi que além de triste e burra eu era feia e despeitada. Alice Ferrie era uma ilusão inventada apenas na minha cabeça, aquela menina que sempre dava um jeito em tudo virou fumaça. Eu já imaginava a cena: daqui a algumas semanas meus pais me encontrariam no armário com 182 kilos a mais em volta de 591 embalagens vazias de chocolate branco, nadando em lágrimas amargas e salgadas. Eu viraria uma lenda na escola, minha história seria contada e repassada entre as gerações, a moral da história seria: não siga o exemplo de Alice Ferrie, uma menina que não aguentou o tranco e comeu chocolate branco escondida no armário até explodir.

Terça-feira – Os dias precisam seguir.

Minha revolução foi por água abaixo. Porque existe uma menina chamada Roberta que fez a maior revolução de todos os tempos: a revolução tecnológica. Como eu não pensei nisso antes? Eu estava me imaginando com armaduras sobre um cavalo branco ajudando povos em sofrimento enquanto a Roberta cria um negócio que todo mundo acha o máximo! No fundo eu achei o máximo, mas só no fundo porque A VERDADE É QUE ESSE APLICATIVO É SÓ UMA FORMA DE USAR UMA MÁSCARA PARA QUEM NÃO TEM CORAGEM DE DAR AS CARAS!

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Está certo que seria muito útil se no mundo existisse uma Alice Ferrie (uma versão melhorada. Versão TURBO ALICE FERRIE) para conversar com o Alexandre pelo facebook, por mensagens. Eu confesso que falo muita idiotice quando estou apaixonada. Mas quem não sofre a síndrome dos apaixonados? Será que foi pelas idiotices que ele me abandonou? Será que sou idiota? Ai, socorro.

Mesmo que eu usasse esse aplicativo, mesmo que o Alexandre se apaixonasse por esse aplicativo com o programa se passando por mim, mesmo assim eu teria que encontrá-lo cara a cara algum dia e ele acabaria descobrindo que eu não sou superalice, sou apenas EU. E EU, muitas vezes, falo coisas idiotas. ASSIM COMO ELE, ASSIM COMO QUALQUER UM.

De qualquer forma, estou revoltada.

Sou apenas uma menina que escreve em um blog e a Roberta deve me achar muito antiquada.

A Roberta deve estar arrumando as malas dela para ir morar em Nova York. Ela vai ter um escritório só para ela (com paredes rosas e amarelas) no último andar de um edifício de espelhos. É o que todo mundo fala na escola.

Quando cheguei em casa, tinha bife acebolado, farofa (oba, oba!), arroz e feijão (ok) e brócolis passado no alho (adoooro!). Bafo total, mas não vou beijar nem me aproximar de nenhum menino, quem se importa? Vou me entupir de alho e cebola! Eu estava satisfeita de voltar para essa rotina de chegar em casa, deixar a mochila no quarto e correr para a cozinha para perguntar: o que tem de bom para comer?

Até que voltar das férias pode ser bom. Só que minha felicidade só durou até levar o garfo com farofa à minha boca.

– Alice, quem é Roberta Zigoto? – minha mãe perguntou com toda a cara de pau.

Deve ter saído farofa pela minha orelha.

– Me recuso a falar sobre essa pessoa durante a refeição.

– Alice, olha como se comporta, menina! No meu trabalho só falam dela, e pelo visto ela está na mesma escola que você, e pelo cálculo de idade cheguei à conclusão que ela estuda na sua sala.

– Nossa, mãe. Você descobriu o Brasil.

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– Menina, depois que comer você vai direto para o quarto repensar a forma como trata sua mãe! Quanto desaforo!

Sério, eu estou surtando. Assim que minha mãe começou a falar, meus olhos se encheram de água. Com muito orgulho eu tentei até comer mais um pedaço de bife, tentei engolir um dente de alho inteiro para ver se meu sofrimento diminuía, mas o choro vinha com mais força. Tive que levantar por uma força maior.

– Ninguém me entende, ninguém me entende! – Levantei com a cara vermelha e fui correndo para o meu quarto. Eu precisava me jogar na cama e abraçar meu travesseiro.

Assim que saí da cozinha, ouvi meu irmão perguntando para minha mãe:

– Mãe, você descobriu o Brasil?

Sério, minha família tem problemas. Com certeza existe alguma coisa de errado.

Eu sou um fiasco da humanidade. O que Joana d’Arc faria nessa situação?

Certamente nem ela saberia porque ela vivia em um tempo sem computadores e celulares. A vida deveria ser mais fácil e menos dramática.

Minha mãe me ama muito e depois de meia hora bateu na porta do meu quarto. Óbvio que eu fingi que não ouvi. Eu estava chorando, e MUITO!

Mães têm o direito de abrir a porta caso você se recuse a responder seus chamados. Foi extamente isso que ela fez.

– Alice? O que está acontecendo? – Ela sentou na beirada da minha cama. Ahhh, eu tenho pavor quando ela faz isso. É um sinal que quer dizer: precisamos conversar seriamente e você pode se abrir, esse é o momento. Até que no fundo eu gosto quando ela faz isso. Apesar de odiar.

– Ninguém me entende. – Frase de abertura para qualquer diálogo.

– Como ninguém te entende? Se você falar posso tentar entender. – Tom carinhoso. É o que as mãe fazem quando tentam aproximação.

– Essa Roberta Zigoto inventou o aplicativo meame e agora ela é a máxima das máximas no mundo – eu disse de cara emburrada.

– Mas não é o máximo que ela seja da sua sala?

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– Então você quer que seu seja mais uma na multidão? Quer que eu chegue para a Roberta e diga “Nooossa, Roberta, que máximo essa sua invenção, estou muito feliz que você seja da minha sala!”. Ai, mãe, de que mundo você é?

– E qual o problema?

– Mãe, não é possível conversar com quem tem mais de quarenta anos, ainda mais sendo uma mãe que nem você é.

– Alice, você está fazendo tempestade em copo d’água e, mocinha, está na hora de saber argumentar, conversar sobre seus sentimentos! Ontem mesmo você queria ser uma revolucionária para ajudar a humanidade, hoje está mal-educada com todos, inclusive sua mãe!

Ai, mães.

– ISSO MESMO, MÃE! Ontem eu era uma menina segura, confiante, feliz e tudo o mais! Cheguei na escola toda animada, eu ia fazer alguma revolução. Ia até chamar as meninas para me ajudarem a dar as aulas de reforço para a esposa do Seu Inácio. Eu tinha um filme lindo e planejado na minha cabeça, entende? Só que esse filme virou um conto de fadas idiota! A Roberta Zigoto foi mais esperta que eu e inventou uma coisa muito mais legal do que ajudar a humanidade. Aliás, o negócio que ela inventou vai ajudar a humanidade a ser menos boba, a falar coisas lindas e inteligentes. O mundo vai ser melhor graças a ela! – Ufa, falei mesmo!

– Calma, Alice. Você não está enxergando direito. Isso que a Roberta inventou é apenas uma moda passageira e além do mais ninguém quer um aplicativo que fica se fingindo de gente! As pessoas cansam disso, ninguém que ser genial o tempo todo. Se for assim, como a gente vai crescer, como a gente vai sentir frio na barriga? Já a sua ideia de fazer algo pelo mundo é algo muito lindo, aposto que todos na escola vão te admirar por você estar ajudando uma adulta a aprender a ler e escrever. Você precisa ter personalidade, acreditar nos seus ideias... – Daí minha mãe começou a falar de virtudes e eu não conseguia mais prestar atenção naquelas palavras.

– Tá bom, mãe, tá bom... obrigada e desculpa se fui grossa na hora do almoço. – É a melhor maneira de se encerrar um papo sério com a mãe.

Antes de sair, minha mãe falou uma frase que me fez ficar pensativa.

– Filha, a inveja não constrói grandes personagens. É o pior sentimento que alguém pode ter.

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Quando ela saiu do quarto eu já estava mais calma, engoli meu choro, arrotei o alho que comi no almoço e resolvi fazer um quadro dos meus sentimentos e das metas para este ano.

PESSOA O QUE FEZ COMO ME SENTI E AGORA?Mãe Tentou me

aconselhar.Até que ela foi legal com seus conselhos de mãe.

Ainda estou pensando sobre o assunto.

Roberta Zigoto Inventou o meame

Com inveja. Que coisa horrível! Estou me sentindo péssima com isso!

Ainda estou surtando. Mas não quero ter inveja.

Betina e Naty Acham o máximo a existência da Roberta Zigoto.

Com ciúmes Preciso mostrar que não sou ciumenta nem chata.

Alexandre Tentou falar comigo e eu ignorei por puro orgulho.

Coração devastado, solitário e apaixonado.

Não sei! E AGORA?

Tomás e Alexandre, TURMA DA LAMA

Me debocharam e fizeram hora com a minha cara.

Argh! Argh!

Esposa do Seu Inácio

Precisa da minha ajuda para o dever da escola.

Útil e produtiva. Vou ajudar. Pelo menos alguém nesse mundo precisa se mim.

??? ??? ??? ???

RESULTADO DO QUADRO:

EU me sinto: Ciumenta, invejosa, solitária, apaixonada, devastada e “argh”.

???

Nossa, que medo, preciso mudar isso URGENTEMENTE. Caso contrário, eu sou uma perdedora!

Os únicos pontos positivos do quadro mostram que eu também me sinto: útil e produtiva.

Pelo menos não sou um caso perdido. Preciso mudar minha trajetória.

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Quarta-feira – Tentando dar a volta por cima. Meu nome completo deveria ser Alice Daavoltaporcima. Sempre tentando recomeçar...!

Passei um batom rosa claro na boca e isso demonstra certa vaidade, ou seja: otimismo em relação à vida. Gente, preciso praticar o que chamam de autoestima.

Na escola as cenas pareciam se repetir. Mas EU não precisava me repetir.

Estou disposta a ser uma menina feliz mesmo que eu não vá para Nova York trabalhar no escritório da GRAPE.

Vontade de falar palavrão de gente adulta. Juro. Mas sou fina e vou me segurar.

Quando as meninas surgiram no pátio da escola tentei demontrar tranquilidade, não poderia revelar todo meu turbilhão de sentimentos infantis, ciumentos, invejosos e etc. Não sou essa bruxa má!

– E aí, como vai minha mais nova melhor amiga nerd? – perguntei, dando um longo abraço em Naty.

– Pelo menos durmo mais, os nerds não se preocupam tanto com a aparência, então não preciso demorar para escolher a combinação entre brinco, pulseira e sapato! – Naty suspirou. – Até que vale a pena o sacrifício de manter essa aparência nerd. Dá muito trabalho não ser vaidosa!

– Logo você se acostuma, Naty. Precisamos nos adaptar. Afinal, tudo na vida é uma questão de escolha! – Eu estava muito inspirada mesmo!

– Nossa, Alice! É verdade! Eu ainda não sei se viro nerd ou continuo hippie, quase ninguém é hippie hoje em dia... – Betina parecia perdida no ar.

– Só não consigo me acostumar com o fato de não estar namorando o Alexandre! Eu preciso aceitar isso! – Enquanto eu falava os três meninos da turma da Lama atravessavam o pátio. Eles realmente não são os meninos mais lindos do universo, quase nenhuma menina deu bola pelo fato de eles estarem passando por perto. Menos eu, Naty e Betina. Ficamos nós três admirando e odiando aqueles meninos implicantes e surreais. Surreais, sim! Meninos que mexem com nossos sentimentos mais profundos. Isso é surreal.

– Gente, vamos falar alguma coisa com eles? – eu disse baixinho para as meninas.

– Você está doida, Alice?! Esqueceu que ele não quer nada com você! – Naty respondeu.

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– Ah, gente, hoje eu acordei boba. Acho que esqueci o passado, sei lá, quero novas emoções, ontem fui tão mal-educada com ele, acho que não tem nada demais ir lá... – Meus olhos babavam de emoção só de olhar para aqule garoto!

– Eu apoio, Alice! Mas o que a gente fala? – Betina sempre apoiando minhas maluquices.

– Eu tenho conversado com o Tomás direto pelo facebook... mas não sou eu, é óbvio que o aplicativo que a Roberta inventou está fazendo todo o trabalho de se passar por mim! E agora... Se eu for com vocês e falar alguma idiotice? E se ele perceber que sou interessante na internet e boba na vida real? E se ele descobrir que estou usando o aplicativo? – Naty parecia que ia surtar!

– Qual é, amiga! Você é muito mais interessante ao vivo, só que ele ainda não percebeu isso porque é um menino na puberdade. Infelizmente gostamos de garotos que ainda estão na puberdade. – Realmente achava que Naty precisava encarar a realidade.

– Eu vou lá, vocês vêm comigo? – Fui levantando, indo em direção dos meninos. Meu coração estava acelerado e por um segundo eu quis voltar atrás, mas eu não sou menina que volta atrás. Eu preciso mudar o meu destino e a primeira coisa é enfrentar os meninos da turma da Lama.

As meninas começaram a me seguir, no fundo a gente queria dar vários pulinhos de nervoso, de riso, de tudo, mas a essa altura seria demais. A gente daria pulinhos depois. Escondidas no banheiro.

– O que você vai falar, Alice? Ai, Meu Deeeeus... – Naty dizia baixinho para ninguém em volta ouvir.

Os meninos estavam a cinco passos da gente. A quatro. Estávamos caminhando em direção a eles. Eles estavam sentados no chão jogando cartas, sei lá, devia ser alguma coisa sem graça de meninos da puberdade. Internamente eu estava surtando, o que falaria com eles? Pânico, acende a luz da emergência!

Um passo de distância do abismo e, nesse momento... , EU RESOLVI PASSAR DIRETO, ignorando a presença deles. Nem cumprimentei nem nada.

Como eu não parei, as meninas também não pararam.

UMA VERGONHA FORA DO COMUM TOMOU CONTA DE MIM, simplesmente eu estava com vergonha de me aproximar dos meninos. Acho que regredi no tempo, não é possível! Seguimos direto e nem olhamos para a cara deles. A Betina fez uma cara péssima de quem estava com dor de barriga, no fundo era o pensamento dela

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querendo dizer: Ei, a gente não ia falar com os meninos? Nesse momento eu já queria rir da cara da Betina. A Naty tentava disfarçadamente arrumar seu cabelo, ela não podia dar na cara que era uma nerd preocupada com seu cabelo. Quando ela percebeu que não paramos para falar com os meninos, ela desarrumou seu cabelo de novo. No fundo ela queria ficar bonita com cara de perua na frente do Tomás. A Naty é uma pessoa louca, mesmo!

Fui andando para o banheiro e as meninas atrás. Finalmente estávamos seguras em ambiente feminino (nem tão seguras assim, outras meninas não podiam saber que a gente tinha VERGONHA DE FALAR COM MENINOS, ainda mais os meninos da TURMA DA LAMA). Demos um milhão de gargalhadas e quase fizemos xixi nas calças de tanto rir.

Apesar de a gente não ter trocado uma palavra com eles, valeu muito a pena ter vivido esse momento com minhas melhores amigas. A alegria compartilhada é a melhor COISA DO MUNDO. Quer dizer, a vergonha compartilhada entre amigas pode ser a melhor coisa do mundo! Na sala de aula eu ainda ria sozinha. Nesse fim de semana vamos fazer um REUNIÃO EMERGENCIAL DA LIGA FEMININA na casa da Naty para decidirmos JUNTAS O NOSSO FUTURO EM RELAÇÃO a esses pirralhos que amamos. Não podemos passar os dias dessa forma, ou seja: rindo escondidas no banheiro!

Quinta-feira – mais um dia exprimido entre quarta e sexta. Os astros preparam alguma supresa para mim! Será, será?

A esposa do Seu Inácio se chama Leandra. Há mil anos atrás, quando eu era uma pirralha sem noção, eu era apaixonada por um menino chamado Leandro. Isso não tem nada a ver, afinal a esposa do seu Inácio se chama Leandra. Mesmo assim achei engraçado. Seria uma mera coincidência? Seria um sinal nos céus para esquecer o Alexandre e voltar a gostar do Leandro? Por que minha cabeça fica voando tão longe? Preciso andar com os pés no chão e não na lua!

Bom, a Leandra é uma senhora adulta que está aprendendo a ler. Óbvio que tive vontade de perguntar um milhão de coisas para ela do tipo “Por que a mãe dela não levou ela para a escola quando era pequena?”. Mas eu fiquei com vergonha de perguntar, minha mãe disse que preciso aprender a ser discreta.

A Leandra é uma senhora bem legalzinha, apesar de ler com muuuita dificuldade. Para mim é tão óbvio ler qualquer palavra. Eu nem preciso pensar para ler, eu saio lendo e

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pronto! A Leandra fica horas olhando para as palavras sem entender direito o que significam as letras. A gente tinha que ler um texto que falava de uma menina chamada Emília que gostava de comer milho. Coisa bem óbvia, não é mesmo? Nada muito profundo, mas a Lendra empacou na palavra MILHO, aí ela olhava para mim, depois olhava para o texto, olhava para mim e eu disse:

– O texto não está na minha testa, Leandra!

– Eu sei que não! Eu quase sei isso aqui... – Leandra tentava identificar as letras.

– “L” com “O” forma “LO”, certo? LO, LO! – Eu dizia pacientemente para Leandra.

– “L” com “H” com “O” forma o quê? – Eu tentava estimulá-la, apesar de quase gritar! Para mim era fácil ler a palavra MILHO, mas para ela parecia uma missão impossível. Comecei a pensar que ensinar o som do L com H era muito difícil, afinal o H não serve para quase nada. Como explicar que existe uma letra que não serve para nada, mais para enfeitar? Pelo menos eu acho que a existência do H é assim. NULA! Eu queria que o Alexandre fosse um H, um menino nulo! O H não tem som, o H não tem cara de nada, fica só pegando carona nos sons das outras letras. Não importa um H em minha vida!

Eu viajei LEGAL!

Aliás, nem lembro como foi aprender a ler! Seria tão mais fácil se fosse MÍLIO em vez de MILHO! Aposto que a Leandra entenderia na hora, ela leria com muito mais facilidade sem a letra H.

Leandra voltava a olhar para o texto desapontada. Deve ser muito difícil querer ler e não conseguir. De repente, eu entendi TUDO! Muitas vezes eu não entendo o mundo ao meu redor, eu NÃO CONSIGO LER O MUNDO E FICO OLHANDO COM CARA DE BOBA PARA AS PESSOAS. Na verdade, não é cara de boba, É CARA DE DESESPERO! Eu e Leandra somos pessoas desesperadas por respostas.

O mundo se assemelha a um milho confuso! Muitas vezes não entendemos porque existe um H no meio do caminho para complicar uma coisa tão simples.

O Alexandre é o menino H na minha vida! Eu quero fingir que ele não existe, mas lá está ele! Eu quero ler o que acontece na sua cabeça, mas não consigo ler as ações dele. Ele é enigmático como um H.

NOSSA, EU ESTOU MUITO INSPIRADA!

Ou

PIREI DE VEZ?

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Depois de algum tempo, a Leandra entendeu e conseguiu ler... MILHO!

– Ah, era só esse “agazinho” aqui no meio que estava me confundindo! – ela riu de si própria.

– Esses “agazinhos” sempre aparecem, mas depois de um tempo a gente aprende a decifrá-los, Leandra! – fiz a observação com entusiasmo e com ar de revolucionária.

Eu realmente me senti bem melhor depois de ter dado minha primeira aula para Leandra. Estou me sentindo IMPORTANTE! Quem aprendeu muito fui eu. Além disso, quando fazemos algo útil para o próximo nos sentimos bem melhor e esquecemos dos nossos problemas. Estou me sentindo nas alturas com o meu primeiro passo RUMO À REVOLUÇÃO!

Minha mãe está toda orgulhosa de mim e isso prova que não sou uma menina tão problemática e inútil quanto eu pensava.

FIM DE SEMANA. FIM DE SEMANA! – Será que o vento soprará ao meu favor? Será que o vento fará uma ventania em minha vida?

Nada como um fim de semana. Eu não preciso ficar olhando para Roberta Zigoto nem para os meninos da Lama nem para as professoras nem para ninguém. No fim de semana a gente pode escolher que cara a gente quer ver! OBA! Isso quer dizer que só vou encontrar minhas amadíssimas prediletas e forever: Betina e Naty.

Ainda não conseguimos nenhuma aproximação com os meninos da Lama e talvez isso seja bom porque eles são uns pirralhos que não souberam valorizar nosso amor. A Roberta Zigoto está toda milionária, mas nem para dar uma festinha de comemoração ela se presta. Se eu fosse a nova milionária do pedaço, eu daria uma grande e linda festa temática para toda a escola (menos para os meninos da Lama).

Minha mãe disse que esse meu pensamento é um absurdo total e que se eu ficasse milionária, ela não ia deixar eu gastar dinheiro com festas para pessoas que nem ligam para mim. Mas aí eu disse que a Roberta vai ser emancipada, ou seja, ela não vai precisar mais pedir autorização para mãe e mais ninguém porque quem é emancipada é considerada MAIOR DE IDADE! Minha mãe perguntou se eu quero me emancipar e eu disse: óbvio que não, vou morar embaixo da ponte?

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Então minha mãe me chamou de interesseira e aí eu disse que ela é que era interesseira porque se eu fosse milionária ela ia ficar tomando conta do meu dinheiro e ia ficar decidindo o que fazer com ele (o dinheiro) e comigo.

Ainda bem que meu pai entrou no meio porque eu e minha mãe estávamos surtando juntas com pensamentos viajantes! Ele sempre diz que eu e minha mãe somos muito iguais mesmo com a diferença de idade. Creeedo, será que sou igual minha mãe?!

Não vem ao caso ficar falando bobagem nesse espaço, não posso gastar tempo com futilidades. Hoje na reunião com as meninas (eu e Betina vamos acampar no quarto da Naty! Yeahhh!) vou fazer a proposta que adiei durante toda a semana, vou perguntar para elas se elas topam fazer alguma revolução comigo! Essa revolução será a salvação porque desse jeito esqueço definitivamente o Alexandre!

AINDA FIM DE SEMANA – CASA DE NATY, A AMIGA PERUA QUE SE TRANSFORMOU NUMA NERD.

– Por que você não está vestida de nerd? – foi a primeira pergunta que fiz quando vi a Naty estilo toda perua.

– Ai, gente, em casa eu posso me vestir do jeito que sou, né?! – suspirou a Naty fazendo barulho com suas pulseiras, exibindo um lindo cabelo super bem tratado.

– Em casa eu me sinto à vontade usando meu hobby verde. Até trouxe ele para usar, pode ser? – perguntei.

– Claro, amiga, mas ele já deve estar ficando curto, né? Você deve ter esse hobby há uns mil anos! – provocou Betina.

– Bê, o meu hobby verde é tamanho único adulto, ele era enorme há muito tempo atrás, agora está ficando do tamanho certo! E você, Bê, trouxe algum traje para nossa reunião?

– Claro que trouxe! Trouxe uma saia indiana autêntica que ganhei da minha madrinha. A saia está cheia de boas vibrações.

– Vamos precisar de boas vibrações mesmo porque ultimamente uma onda de azar toma conta de nossas vidas, mas não por muito tempo – comentei, com muita confiança.

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Levamos nossas mochilas para o megaquartolindo da Naty e espalhamos nossas roupas, maquiagens, revistas femininas, frutas, biscoitos e chocolates. Era nosso kit de sobrevivência para nosso retiro emergencial das meninas. Colocamos nossos trajes e sentamos em roda sobre o tapete pink e felpudo de Naty.

– E agora? – perguntou a dona da casa.

– Devemos recitar algum mantra indiano antes da nossa reunião? – Só podia ser Betina.

E assim ficamos aproximadamente alguns minutos tentando imitar a Betina a cantar um tal de mantra indiano. Foi uma experiência interessante apesar de ficar com vontade de rir o tempo todo. A Betina estava superséria, nossa, que orgulho da minha amiga ZEN! Logo depois já estávamos prontas para comer um trilhão de bobagens e falar mal dos meninos da Lama.

– Até hoje não acredito na nossa história, a gente odiava esse meninos, depois a gente se apaixonou por eles e eles por nós... E agora odiamos novamente? E parece que eles nem ligam! A gente se cruza na escola e nem se cumprimenta! Isso não é surreal? – Naty ainda tinha o coração bastante ferido porque ela ama muito o Tomás.

– Essa história é patética demais! E ainda por cima, A GENTE QUE FICA COM VERGONHA DE FALAR COM ELES! Eles deviam estar rastejando atrás da gente! Esse meninos são uns infantis, me passa um chocolate branco, Naty! – Só chocolate branco para me acalmar mesmo.

– Alice, não é só porque você está revoltada que precisa encher a cara de chocolate branco! Isso não é legal, depois você pode virar aquelas compulsivas que a gente vê no Discovery Home and Healthy. – Betina tentava me instruir.

– Isso mesmo, Bê! Eu não quero me tornar uma compulsiva, nem uma perdedora, e por isso decidi focar minhas energias na revolução! – Tive que me levantar para o discurso histórico que faria em alguns instantes!

– Revolução? – Perguntou Naty.

– Pois bem... Já ouviram falar de Joana d’Arc? De Nelson Mandela? De Gandhi ou Robin Hood?

– Eu já vi um filme sobre Joana d’Arc! – Naty levantou a mão toda empolgada, ela queria demonstrar que é antenada em filmes.

– Quando cheguei das férias... – Nesse momento eu tentava reproduzir uma cena de filme, quando alguém vai falar uma coisa muito importante, sabe? – Eu cheguei à conclusão que estava levando uma vida muito idiota. Minha vida se baseava apenas na

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escola, e uma vida digna não pode se basear apenas na escola... afinal, a escola é o lugar onde meninos partem nossos corações! Comecei a procurar na internet revolucionários do mundo, pessoas que fizeram algo maior para a nação! Foi aí que fiz um arquivo com esses revolucionários que existiram de verdade, menos o Robin Hood, claaro!

As meninas me olhavam e não diziam nem uma palavra. Fiz um minuto de silêncio para ver se alguém produzia alguma interferência positiva no meu discurso! Mas elas insistiam em ficar caladas.

– E aí, amigas? – Tive que perguntar.

– Mas o que a gente vai fazer? Você quer ser uma revolucionária, é isso? – perguntou Naty.

– Revolucionários vivem acampados! – Betina estava se empolgando.

– Nem sempre... eu ia contar para vocês essa semana, mas estava todo mundo tão empolgado com esse programa da Roberta que me senti mais uma vez uma idiota total! Eu queria ser uma revolucionária, mas foi ela quem fez uma revolução! – Abaixei a cabeça nesse momento.

– É mesmo... Ela é um gênio, fez uma grande revolução na internet, o mundo nunca mais vai ser o mesmo depois do meame.

– Nada a ver, Naty! – Betina tentava me consolar. – O que a Roberta inventou é apenas um aplicativo bobo.

– Você fala isso porque não sabe mexer direito no facebook! – disse Naty.

– Meninas, não vamos brigar! Essa reunião é justamente para chegarmos a um acordo – Nossa, que voz da sabedoria!

– O que a Roberta inventou pode ser uma revolução da era digital. Tudo bem, legal! Mas será que no futuro ela vai ser lembrada por ter feito uma coisa fantástica para a sociedade? – perguntou Betina.

– Exatamente isso que eu estava pensando, Bê! O Gandhi foi um pacífico e será lembrado para sempre pelas sua ações! Ele é megafomoso por isso! – eu dizia, muito empolgada.

– Ele era um pacifista. – Me corrigiu Betina.

– Ai, gente, vocês estão viajando! Sou mais inventar alguma coisa para a era digital e ficar rica e famosa. – Naty não tinha entrado muito no nosso clima.

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– O negócio não é ficar famosa, gente! O legal é fazer alguma coisa boa para o mundo! – Bê tinha muita vocação para a revolução do bem.

– Olha, a gente começou a conversar sobre isso e nem falamos sobre meninos! – eu berrei de alegria.

A Naty, que nem estava curtindo muito o papo, ficou super feliz por se lembrar que nem lembrara dos meninos por alguns minutos.

– Ai, que saco! Se é assim que eu esqueço o Tomás, tudo bem... Eu vou participar desse plano com vocês! – Ela disse. – Mas que tipo de revolução vamos fazer?

Nos abraçamos com intensa alegria e partimos para o plano RUMO À REVOLUÇÃO.

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Nossa, essa vida de revolucionária nos deixa sem tempo para nada! Deixamos de ser superficiais, deixamos de pensar em meninos infantis, mas não deixamos de ser vaidosas. A Naty topou tirar as olheiras dela cultivadas com muito empenho para se tornar nerd e foi tomar sol com a gente. Providenciamos rodelas de pepinos nos olhos.

– Essa piscina é para ser aproveitada, amiga! – eu disse enquanto sentia o sol perfurar os pepinos que estavam sob meus olhos.

– Pois é, mas quando a gente for revolucionária não vai ter isso de piscina, vocês sabem, né? Joana d’Arc até se vestiu como homem para liderar o exército!

– A gente é uma versão mais moderna e fashion da Joana d’Arc. Não precisamos abrir mão completamente do sol – continuei.

– Vocês precisam se lembrar que não somos emancipadas, não vamos poder abandonar nossas casas. Caso contrário, nossos pais colocam a polícia atrás da gente! – Naty até que estava se empolgando.

– Nossa, imagina que divertido!

– É, mas nada de polícia. Podemos fazer alguma coisa com permissão dos pais. Podemos ser contra o sistema, mas primeiro precisamos entrar no sistema! – Sempre quis dizer isso! Ah, ah.

– Que tal se a gente criar um blog? – perguntou Betina.

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– Ai, gente, essa coisa de blog está ultrapassada. No meu blog só entram vocês e blog não tem nada de revolucionário, o que a gente vai escrever nele? Precisamos fazer uma ação no mundo real! – Realmente, continuo escrevendo blog porque amo isso, mas quase ninguém entra nele ou deixa comentário.

– A gente pode fazer as ações revolucionárias e depois divulgamos num jornalzinho na escola e no bairro – sugeriu Betina.

– É... Parece que minha amigas estão voltando para o tempo dos primatas, quem é que liga para papel? HELLOOO! Quanto mais papel, mais árvore morta! Vocês vivem em que planeta? – Até que Naty estava bem espertinha. – Revolução deve ser algo novo e não velho!

– Já seeeeeei! Bela tacada, Naty! Era isso que eu precisava ouvir! – eu disse. – Podemos plantar árvores pela cidade, podemos fazer várias coisas e depois fazer um pequeno jornal de papel para distribuir pessoalmente OLHO NO OLHO, entende? ISSO É REVOLUÇÃO, está todo mundo ficando sem coragem de se olhar, de se falar, que nem aconteceu na escola. A gente só tem coragem de expor nossas ideias quando não sentimos a respiração, nem o suor, nem o cheiro, nem os tiques do outro. – Ai, fiquei sem ar de tanta empolgação!

– AHHHH, que genial! Vai acabar sendo uma revolução contra o programa que a Roberta inventou, afinal, tudo que ela inventou é para evitar o contato entre pessoas! – Betina até se levantou. O engraçado é que os pepinos não caíram no chão e continuaram grudados em seus olhos.

– Nós somos meninas que gostamos do CARA A CARA, OLHO NO OLHO! Vamos fazer as ações revolucionárias e depois faremos um jornal de papel para distribuir pessoalmente.

Demos mil pulos de alegria e caímos na piscina.

Sábado à noite – Notícias bombásticas!

Eu nem queria, mas a Naty fez questão de mostrar como funciona o meame.

– Como você mesma disse, Alice... Podemos ser contra o sistema, mas precisamos pelo menos conhecê-lo um pouco! – Como eu ia contestar essa afirmação feita por Naty?!

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Fiquei impressionada. Eu, Betina e Naty só ficamos olhando: o aplicativo REALMENTE FINGIA QUE ERA A NATY. Isso é louco demais.

Olha um trecho da conversa:

– Tomás? Tá on? – Perfil atuando por Naty

– Blz, Naty?

– Tudo bem... estou assistindo o novo episódio de Walkslow. – Perfil falso e falante de Naty.

– Sério? Eu também. Pena que essa é a última temporada. – Tomás sendo educado.

– A gente podia combinar de assistir juntos o último episódio, o que acha?

NESSA HORA A GENTE GRITOU. COMO ASSIM? O PERFIL FALSO DE NATY CHAMOU O TOMÁS PARA ASSISTIR O ÚLTIMO EPISÓDIO DE WALKSLOW?

Quando lemos isso, a Naty se desconetou do programa. Ela estava com as mãos trêmulas. Imagina o que o Tomás ia pensar dela? Ele ia dizer para a escola toda que a Naty é uma oferecida!

– Realmente, precisamos fazer uma revolução! Esse programa é patético!

A Naty ficou brava e vermelha mas depois de cinco minutos começamos a rir que nem três bobas! A gente precisava agir, e logo.

Começamos a planejar ideias geniais para colocarmos no nosso jornal!

Pensando bem, plantar uma árvore no quintal é ridículo para ser notícia de jornal. Imagina a matéria:

“Natália, Betina e Alice plantam árvores no quintal de casa.”

Que ridículo!

Até a hora de dormir a gente ficou brincando de escrever matérias de jornal. Como nunca tínhamos feito nada de revolucionário para colocar no jornal, ficamos brincando de fazer matérias com os meninos.

PRIMEIRA MATÉRIA

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Meninos com síndrome da idiotice atacam corações de três meninas. O segredo deles é utilizar a técnica de “ignoramento”. Apesar da técnica, que exige TOTAL IGNORAÇÃO, eles resolveram abrir a boca na última semana quando se dirigiram a Alice Ferrie, uma garota muito simpática que apenas tenta ser feliz. O primeiro menino atacado pela síndrome múltipla da idiotice se chama Mariano (pode ser reconhecido como o grande chatão, idiota-chefe ou outros nomes terríveis). Ele se aproximou de Alice exalando uma atmosfera de intimidação:

– Brincou muito de fazer boneco de neve durante as férias? – É a frase mais inteligente que um garoto afetado por essa síndrome consegue dizer.

Essa frase demonstra um momento (não muito raro) de estupidez típica de meninos afetados pela tal síndrome. Mariano já é procurado pela Nação das Meninas Desesperadas. Tomás, amigo do rapaz e vítima da mesma síndrome, não utilizou a fala, mas fez um movimento que demonstra total desiquilíbrio: ele deu um peteleco na mesma Alice, sendo que ela estava descontraída na sala se aula. (Na verdade, ela estava deprimida, mas não quer falar sobre o assunto.)

Alexandre, que completa o lamentável trio, surgiu em seguida e tentou iniciar um contato com a menina que, a essa altura, já estava traumatizada e muito mais deprimida. Alice Ferrie utilizou a estratégia de simular que não era com ela e ainda fingiu que uma mosca a incomodava. Hoje, Alice Ferrie confessa que, por alguns segundos, deve ter sido atacada por idêntica síndrome, a da idiotice. Afinal, ela foi bem idota. Felizmente, só foi atacada por alguns segundos. Mariano, Tomás e Alexandre continuam soltos na escola utilizando essa técnica contra meninas do bem como Naty, Betina e Alice.

Favor entrar em contato com a Nação das Meninas Desesperadas caso eles apareçam.

E não se esqueçam: IDIOTICE GERA IDIOTICE!

FIM!

SEGUNDA MATÉRIA:

Perfil falso de Naty chama Tomás para assistir o último episódio de Walkslow. A menina, coitada, está surtando!

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AH, AH, AH! Que matérias hilárias! Essa foi fácil de escrever!

PENSAMENTO ALEATÓRIO

Meus sonhos são os mais lindos. Antes de dormir fiquei imaginando eu e as meninas distribuindo jornais na saída da escola. Que roupa eu devo usar nesse dia tão especial? Quando eu estava com pensamentos produtivos, a imagem do Alexandre apareceu na minha cabeça. Juro que foi sem querer. A imagem dele se aproximou da minha imagem (sim, eu estava me imaginando também)... a imagem dele foi chegando perto de mim e deu um beijo na minha boca.

Socoooorro! Estou ficando maluca.

Domingo – dia de ficar em casa amando a família que se tem!

– Mãe, eu e as meninas vamos produzir um jornal.

– Que ideia ótima, filha! E o que vocês vão escrever no jornal?

– Vamos escrever matérias sobre nossas ações revolucionárias.

– E que ações revolucionárias?

– Isso que a gente não sabe... a gente quer plantar umas árvores, ajudar quem precisa, sabe? Será que eu posso falar sobre minha atitude nobre de dar aula para a Leandra?

– Não pega bem, minha filha. Aliás, não pega bem fazer ações legais só para se promover num jornal, né, Alice?

– Mãe, mas o negócio é divulgar boas ações para que o pessoal também sinta vontade de ajudar, me entende?

– Entendo, querida. Mas não sei se a Leandra vai querer se expor num jornal. A gente precisa pensar sobre isso, conversar com ela...

– Ah, tá... – Na minha cabeça eu já tinha uma bela forma de me autopromover, minha mãe está certa, só quero aparecer!

– Você de vez em quando visita o abrigo de idosos comigo, tem a Madame Chérie que mora lá...

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Eu fiquei um pouco triste quando minha mãe falou isso... Lembrei da época em que fizemos uma festa lá e o Alexandre me pediu em namoro... Nossa, foi um tempo tão bom. Eu era feliz e não sabia! Senti até uma fincada no coração, sabe?

– É... acho que podemos fazer uma entrevista com Madame Chérie, ela bem que gosta de aparecer... Vou pensar nisso tudo, mãe...

Saí da sala de cabeça baixa. Me deu uma saudade do Alexandre, a gente até que se dava bem. Era tão bom conversar com ele... O que o tempo fez com nós dois? De repente, me vejo odiando um menino que eu amava?

No corredor encontro com meu irmão que imitava um dinossauro. Nesse momento eu percebi que não podia perder a oportunidade.

– Vem aqui, meu querido irmão, preciso conversar com você no meu quarto.

Ele veio atrás de mim imitando o bichão pré-histórico.

Eu precisava ter algumas conversas semanais com meu mano, afinal, não quero que ele machuque o coração de meninas no futuro.

– Olha só, daqui a alguns anos você vai crescer e vai entrar na puberdade.

– O que é puberdade?

– Puberdade é quando os meninos são atacados por um negócio que deixa eles bobos e feios.

Meu irmão ficou olhando para mim com uma cara muito séria.

– Mas você tem sorte de ter uma irmã bem legal. Se você ouvir meus conselhos, você não se tornará um pirralho chatinho, tá bom?

Ele fez que sim com a cabeça.

– Em primeiro lugar, sempre trate uma menina como se ela fosse uma diva. Em segundo, não se comporte como um retardado. Você precisa ter uma postura diferente, algo que só os meninos dos filmes têm. Você pode ser um deles basta cuidar da aparência e de sua educação!

– O que é uma diva?

– Diva é uma garota poderosa, linda e fantástica. Todas as mulheres do mundo devem ser tratadas como divas!

– Você é uma diva, Alice!

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Eu abracei meu irmão. Muitas vezes ele se comporta como um retardado, mas até que ele tem potencial para ser um garoto muito legal, diferente de outros que existem por aí.

Domingo à noite – No quarto. Quando a gente não quer estar curtindo com a família. Muitas vezes eu preciso ficar sozinha. Refletindo. Sonhando. Enlouquecendo!

Frase de Gandhi: “Você nunca sabe que resultados virão da sua ação. Mas se você não fizer nada, não existirão resultados”.

Isso que é mestre!

Não adianta ficar revoltada, não adianta mesmo. E até que estou aprendendo muito lendo sobre os revolucionários. Sabe, se a vida não está do jeito que a gente quer, precisamos tomar atitudes para ser feliz. Esse projeto do jornal está me deixando muito feliz, o mundo dá voltas e eu decidi que não quero enlouquecer. Pelo menos está resgistrado na minha história esse amor fracassado. Dizem que na vida de uma mulher muitos amores podem fracassar e já estou sofrendo só de pensar no próximo garoto que vai partir meu coração. Nem sei quem será esse garoto, mas estou com raiva dele antes de conhecê-lo.

CALMA, ALICE!

Use o pensamento positivo. Pensamento positivo. Pensamento positivo.

Mensagem nova no celular. OBA!

(Será que é o Alexandre dizendo que me ama perdidamente?)

(Será que é meu futuro amor que um dia vai me amar e que vai me fazer sofrer depois?)

Mensagem da Naty:

AMIGAS, meu pai comprou um terreno onde funcionava uma fábrica, ele quer fazer um reflorestamento na área. Isso quer dizer que temos um megaterreno para plantar árvores. Já temos a primeira página do nosso jornal. Beijos. (Nossa, estou com TPM profunda, estava com vontade de gritar e arrancar meus cabelos, mas com essa notícia fiquei até mais calma, e vocês?)

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Oba! Oba! Vamos plantar árvores! Nunca imaginava ficar tão feliz com uma mensagem que não foi enviada por um menino.

Segunda-feira –

Quando chegamos na escola, estávamos tão animadas sobre nossos objetivos que nem falamos sobre os meninos. A Naty estava meio desorientada por causa do Tomás. Ela queria sumir. Tentamos tocar nossa vida profissional sem pensar nos dilemas amorosos.

– Gente, precisamos pensar numa roupa legal para plantar as árvores. Vamos tirar fotos para colocar no jornal e eu não quero parecer uma ameba!

– Naty, a gente vai plantar árvores, vai ficar brega se a gente ficar produzida na foto – falei para Naty. – E além disso, você é uma nerd, se esqueceu?

– Ah, sabe... tô cansada de ser nerd. Acho que hoje é meu último dia como nerd! Tô de saco cheio! Tô revoltada! Preciso das minhas pulseiras!

– Eu também sinto falta das suas pulseiras e do cheirinho da sua maquiagem – declarou Betina.

– Meninas, voltando ao trabalho, estava pensando em fazer uma entrevista com Madame Chérie. A gente pode fazer uma visita no asilo e estimular as pessoas a também irem lá, assim como nós fazemos!

– Perfeito, perfeito!

Realmente, nós somos DEMAIS! Nem percebemos que nesse momento os meninos da Lama se aproximavam! Nem percebemos quando eles estavam do nosso lado. Pânico total! A gente nem pôde se preparar para esse instante!

– E aí, meninas? – Era a voz do insuportável Mariano.

Ficamos roxas de vergonha! Não somos tão descoladas como pensamos.

– E aí, tudo ÓTEMO! Melhor impossível! Somos como um bom vinho, melhoramos com o tempo! – Onde eu estava com a cabeça? – E para mostrar isso, estamos montando um jornal! – Ficaram todos desconcertados, pela minha frase maluca, pela cara de dedorientada da Naty...

O Tomás começou a rir demonstrando ser um idiota TOTAL!

– Jornal? Que coisa moderna! – ele fez esse infeliz comentário.

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– Pois saiba que é um jornal REVOLUCIONÁRIO! É algo inédito! – eu berrei, com muita raiva.

– Ah, é? – Finalmente o Alexandre pronunciou essas vogais, sim... E o que ele queria dizer com essas três letras, “Ah, é?”? Ele estava debochando ou mostrando interesse.

– É! Não podemos revelar o conteúdo agora, mas fiquem sabem que é mais interessante do que essa nova moda inventada pela Roberta Zigoto!

– Vamos esperar para ver... – disse Mariano.

– E vocês? O que andam fazendo da vida? – A Naty fez essa pergunta.

Os meninos se olharam.

– Tamo por aí – respondeu o Tomás. Será que entre os dois estava rolando um diálogo subliminar? Que caras de pau! Como conseguem conversar e fingir que não existe uma relação quase íntima na internet?

– Ah, então tá – comentou a Betina, querendo falar qualquer coisa só para não continuarmos naquele silêncio estranho.

– Então tá – disse o Mariano.

O sinal tocou. Hora de entrar para a sala de aula. Antes a gente teve que passar no banheiro para abafar nossos gritos e pulos. Como sempre, nosso diálogo foi patético, não conseguimos mostrar superioridade como gostaríamos. Uma conversa vazia, boba, que demonstra como nossas vidas não são tão emocionantes assim quando o assunto é: MENINOS.

Terça-feira – Dia de plantar árvores!

Cara, plantar árvore é um negócio muito complicado. Não é tão simples e poético. O pai da Naty levou nós três para o tal terreno gigantesco. O bom de ter uma amiga rica é que quando a gente chegou lá já tinha um ninhão de miniárvores. Quer dizer, mudas de árvore. Tinha também homens trabalhadores para nos ajudar. Depois descobrimos que a gente que era ajudante dos homens trabalhadores. Mas isso não importa. O que importa é que minha mãe está berrando comigo até agora porque não passei protetor solar e, além disso, não usei um chapéu horroroso que ela me deu. Quem trabalha no campo usa chapéu, Alice! Ela ficou buzinando isso na minha cabeça. Levei o chapéu, mas não quis adotar o look camponesa para tirar as fotos. Estou que nem um pimentão

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e um pequeno calo nasceu na minha mão. Nós esquecemos que para plantar uma árvore é preciso fazer um buraco e para fazer esse buraco precisa ter força para usar uma ferramenta que se chama esquecionome.

A primeira árvore demorou aproximadamente quarenta minutos para ser plantada. Dei até um nome para ela: Joana (homenagem à Joana d’Arc, óbvio!). Na segunda árvore, eu já estava meio cansada e nem dei nome para a coitada, eu não queria perder muito tempo. No total plantamos juntas 15 árvores; cada uma plantou cinco. O trabalho foi penoso e estou muito orgulhosa. Eu realmente acho que desperdiçar papel é uma afronta! Além de matar um ser vivo, além do ar que fica ruim sem as ávores, as pessoas precisam entender que plantar árvore não é uma brincadeira fácil e boba. Precisamos respeitar os plantadores de árvores e todas as pessoas que trabalham duramente no campo colhendo os alimentos. Esse pessoal é muito forte e guerreiro.

Eu realmente já penso e falo como uma revolucionária!

Bom, deixamos para tirar as fotos no final. Então nem precisa dizer que fiquei parecendo a menina tomatão. A Naty levou uma roupa extra para a sessão das fotos. Nossa amiga voltou a ser uma típica pati. Betina estava usando um colar feito de cipó para combinar com a árvore. (Sério... onde Betina consegue arrumar esses troços?)

Nem minha roupa nem o meu rosto saíram bem na foto porque o vermelho do meu rosto se destacou profundamente. Mas não vou ligar para essa futilidade, o importante é fazer boas ações. Da próxima vez vou usar protetor, prometo!

EM CASA, TRABALHANDO PARA O JORNAL:

Título da matéria:

Melhores amigas se reúnem para ajudar a construir um mundo melhor

Decidimos que esse será o título da matéria do jornal. Fazemos questão de colocar a frase MELHORES AMIGAS. O jornal é nosso, então escrevemos do jeito que queremos e essa é a melhor parte. EU AMO ESCREVER e estou muito apaixonada por essa ideia.

Matéria do jornal:

Na última semana, as melhores amigas de infância (melhores amigas para sempre) se reuniram numa propriedade que num passado remoto abrigou uma fábrica de tecidos. Quase não havia árvores por lá, apenas uma terra feia, sem vida, e sem ar fresco. As melhores amigas, preocupadas com o futuro, dedicaram toda sua tarde plantando árvores. Plantar árvores é uma tarefa que exige muita força, e embaixo de sol forte é

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mais difícil ainda. Mas meninas que se preocupam com o mundo não desanimam! Aos poucos, o terreno está ganhando centenas de árvores plantadas por outros trabalhadores ilustres! Minha gente, rasgar papel é tarefa fácil. Agora queremos saber o que você, nosso leitor, está fazendo para construir um mundo bom de se viver nele!

Apresentação do jornal. O termo profissional é EDITORIAL.

Querida leitora ou leitor: (meninas na frente, apreciamos a educação!)

Esse não é apenas um jornal feito de papel, é um espaço de ideias! É um jornal de meninas que resolveram sair da monotomia, um jornal feito por amigas que acreditam em ações humanas! Temos nossas obrigações escolares, nossas famílias e nossos amigos, nossos dias são agitados, com muitas obrigações, nossos pais e professores vivem nos exigindo um milhão de coisas. A vida estava boa, mas sentíamos que alguma coisa faltava! Somos tão novas, temos tantas ideias, por que não aproveitar para fazer algo novo e divertido? A gente fica tanto tempo na internet... Percebemos que na escola as pessoas não se olham muito na cara, mas quando chegam em casa ficam trocando mensagens com quem nem têm coragem de dizer OI. Isso não é uma maluquice?! Por isso o jornal! A gente resolveu que queria distribuir o jornal olhando nos olhos de cada pessoa. Queremos que vocês façam o mesmo... Leiam o jornal e o repassem para alguém! Conversem, olhem mais nos olhos uns dos outros! Precisamos aprender a ser mais humanos! As matérias são todas focadas em ações que fizemos no último mês. Por incrível que pareça, nossas ações não se resumem apenas em festas, acessórios, ídolos, meninos, TPM e etc. Acreditem se quiserem, mas somos meninas que desejam fazer MUITAS COISAS POR UM MUNDO MELHOR. Acabamos nos divertindo bastante, e claro, aprendemos como é revelador pensar no próximo. Nesse meio tempo, esquecemos até alguns problemas que não podem ser revelados neste espaço.

A gente gosta muito de falar e conversar. Se deixar, a gente continua escrevendo nossas ideias! Por isso, vamos encerrar por aqui, desejando uma boa leitura a todas e todos! Gostaríamos de convocar ideias de matérias, sugestões e reclamações.

Finalizamos com a frase do nosso mestre e revolucionário Gandhi, que também foi citada pela modelo linda, magra, loira e revolucionária Gisele Bündchen em uma entrevista:

“Devemos ser a transformação que queremos para o mundo.”

Com carinho,

Alice, Betina e Naty

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Quarta-feira –

Nossa, que vida mais produtiva! O jornal está quase pronto. A gente falou tanto que as pessoas precisam olhar mais nos olhos uns dos outros, mas estamos com muita vergonha de distribuir os jornais.

Essa vida de jornalista e de empresária é complicada! Nunca imaginei ser uma pessoa tão ASSIM QUE NEM EU (muito revolucionária) em plena juventude! Sou praticamente uma mulher bem resolvida, como dizem as revistas da minha mãe.

DETALHE MUITO IMPORTANTE: Hoje fiquei reparando meu rosto no espelho e é fato que meu bigode não para de crescer! JURO, é uma penugem loira. SEGREDO DA NAÇÃO: Alice Ferrie tem um bigodão e, além disso, continuo parecendo um TOMATÃO. Minha mãe fica dizendo que é normal ter essa penugem que protege nossa pele, mas Deus não podia dar um jeito de criar o ser humano do tipo mulher sem bigodes? Isso é uma injustiça. Quero ir no salão fazer o buço, isto é, depilar esse bigode, mas é óbvio que minha mãe não deixou – ela disse que se eu depilar vai crescer bigode de pelo grosso. Realmente, essa situação é um horror! Que vergonha da minha aparência!

Quinta-feira – Eu adoro quintas emocionantes.

BOMBA! NOTÍCIA BOMBÁSTICA! AHHHHH!

Ahh!

Ahh!

O Alexandre me mandou uma mensagem.

Repito: O Alexandre mandou uma mensagem em plena sala de aula.

Eu estava prestando atenção no que a professora dizia. Ela falava sobre o feudalismo. Gente, o feudalismo foi uma coisa triste, porque o feudo era um pedaço de terra grande e os donos eram os senhores feudais e eles mandavam nos servos, os pobres trabalhadores. Nossa, eu estava muito comovida e revoltada com essa história, já me imaginava sendo uma revolucionária nesse tempo. MAS, DE REPENTE, MEU CELULAR VIBROU. É proibido usar celular na sala de aula, mas é óbvio que eu não ia esperar o recreio para ler a mensagem. Quando o celular vibra significa que algum ser humano quer se comunicar comigo. Pode ser uma notícia muito importante!

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A mensagem era assim: Alice, precisa de alguma ajuda no jornal? Fiquei interessado.

CONGELEI. Ele está interessado? Ele está interessado em quê? Interessado em me amar, interessado no jornal, interessado em participar da minha vida? Interessado em ser meu amigo? Interessado em brincar com meus sentimentos? Essa frase “fiquei interessado” pode significar um zilhão de coisas!

Na mesma hora me tornei uma FORA DA LEI e escrevi uma mensagem para as meninas sem me importar:

O Alexandre se manifestou. Ele perguntou se eu preciso de alguma ajuda no jornal porque ficou interessado. Estou tremendo.

Naty escreveu:

Ele está te usando. Ele é louco, bipolar, muito típico para meninos como ele, um lama!

Betina respondeu:

Nossa, ele está interessado em você! Esquece o passado, aceita a ajuda!

Eu perguntei:

O que respondo para ele? Vocês estão malucas, cada uma acha uma coisa. Betina quer que eu convide o Alê para ajudar no jornal!

Naty disse:

De jeito nenhum! Ele não pode, o jornal é nosso, das meninas!

Betina respondeu:

Gente, a aula até que estava interessante, mas agora não consigo prestar atenção em nada do que a Dona Corujinha diz!

Eu:

Ahahaha. Ah, e Naty, vc n pode ficar dando lição de moral pq convidou o Tomás para assistir “Walkslow”.

Naty:

Aaaaaaah, que insuportável é vc!

Betina:

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Ahahaha. É verdade!

Estávamos realmente numa bolha, eu e minhas amigas trocando mensagens confidenciais sobre o que eu poderia dizer para o Alexandre. Eu poderia estar liderando uma revolução com 98.989.898 pessoas montada num cavalo, mas se eu recebesse uma mensagem do Alexandre certamente iria parar TUDO só para checar meu celular. Para TUDO, que o Alexandre me mandou uma mensagem, minha gente! Acontece que eu não estava liderando uma revolução e a professora que apelidamos de Dona Corujinha (fazer o quê se ela parece uma corujinha?!) chegou perto da Betina e perguntou:

– Posso saber o que a senhorita está fazendo?

– Eu estou coçando minhas mãos. – Betina não poderia inventar uma desculpa melhor?!

– Mas você precisa coças suas mãos debaixo da carteira e ainda olhando para elas? Aliás, Betina, desde quando coceira nas mãos causa risos?

– É porque dizem que coceira nas mãos atrai dinheiro, então, nesse caso, eu achei muito engraçado o fato das minhas mãos estarem coçando. É um sinal de que vou ficar rica! Não tanto quando a Roberta Zigoto, né?! – Betina só piora a situação.

– Pois saiba que seu riso está atrapalhando o andamento da aula. É indelicado expor sua colega de sala, a Roberta, dessa forma! – A Dona Corujinha tinha virado uma fera.

De repente, estava todo mundo olhando e rindo da cara da Betina.

– Acho melhor você coçar as mãos na sala da diretoria. E não esqueça de levar seu celular e dizer para a diretora que suas mãos estavam coçando por causa das mensagens que estava trocando na sala de aula!

– Tudo bem... – Betina se levantou e foi caminhando para fora da sala de aula.

Nesse momento eu fiquei me sentindo muito mal pela Betina que levou a culpa sozinha. Coitada, ela estava até prestando atenção na sala de aula/

– Dona... Professora! – Imagina, se eu falasse Dona Corujinha... Foi por pouco! – A culpa foi minha. Eu que enviei uma mensagem para Betina. Vou para a diretoria com ela. – Tinha acabado de arruinar tudo. Olhei para Alexandre disfarçadamente e ele estava com uma cara vermelha. Na certa ele já sabia que encaminhei a mensagem que ele me enviou para as meninas.

– Eu também sou culpada, enviei a mensagem para Alice que enviou para Betina. – A Naty se levantou para se juntar a mim e Betina.

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Poderia ser um momento glorioso, já que fomos cúmplices: amigas inseparáveis agem dessa forma. Mas eu tinha acabado de queimar completamente meu filme com o Alexandre.

CONCLUSÃO 1: Levei uma pré-advertência. A diretora deu um sermão de mil horas. Disse que precisamos usar a tecnologia com mais responsabilidade e tudo o mais. Eu concordei com tudo que ela disse. Quem é que vai discordar da diretora? Mas, definitivamente, ela não entende que eu sou apaixonada pelo Alexandre e que ele enviou uma mensagem e que encaminhar para as meninas era uma situação de EMERGÊNCIA!

CONCLUSÃO 2: Eu e as meninas estamos cada vez mais unidas. Nossa amizade se fortalece numa situação assim. Depois que saímos da diretoria, nos abraçamos muito. (E, claro, rimos disfarçadamento com a emoção de compartilharmos JUNTAS a sala da autoridade maior!)

ÚLTIMA CONCLUSÃO: Ir para escola vermelha que nem tomatão pode dar sorte, mas em poucos minutos essa sorte se transforma em uma ida à diretoria e o filme queimado com aquele garoto que você ama.

PAUSA PARA REFLEXÃO:

Se a gente for pensar bem profundamente, o Alexandre é o culpado por tudo. Eu estava no sossego de quem presta atenção na aula, de quem sonha por um mundo melhor quando, de repente, chega essa mensagem que mudou o rumo da minha vida.

Ele bem que poderia ter se levantado no momento do conflito para dizer:

– Dona Corujinha, o culpado sou eu! Enviei uma mensagem para Alice porque na verdade estou louco por ela, não pude me conter e precisava escrever para ela. Gostaria de aproveitar o momento para me declarar. Alice Ferrie, quer namorar comigo? Dessa vez, tudo será diferente. Te tratarei como você merece. Alice, você é incrível.

Nesse momento ele viria na minha direção. A Dona Corujinha e todos os alunos estariam de queixo caído. Ninguém iria interromper essa cena mágica. Finalmente, o Alexandre se aproximaria de mim e: ME DARIA UM BEIJO NA BOCA!

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Fiquei sonhando com isso. ÓBVIO que se trata de um sonho. Ele não assumiu a culpa nem se declarou porque estava roxo de raiva por eu ter consultado minhas amigas sobre o que responder para ele.

A Betina está desorientada porque acha que vai ganhar um apelido depois de ter falado que estava coçando as mãos. Chegamos à conclusão que o apelido dela deve ser... Coceirinha! Ah, ah, ah!

Esta semana está muito tensa.

Muito tensa.

Outro pensamento perdido:

Alto teor de solidão.

Sexta-feira –

– Você precisa dizer alguma coisa para ele – Naty disse assim que cheguei na escola.

– Dizer o quê, dizer o quê? Estou muito confusa! Estou com vergonha de responder a mensagem – respondi.

– Vai lá agora! – disse Betina, ou melhor, Senhora Coceirinha!

– Você nem está parecendo a Alice Ferrie! – berrou Naty em meus ouvidos. – Seja mulher! É claro que você não precisa dizer que ele pode ajudar em nosso jornal, isso é uma coisa entre nós. Mas você pode agradecer a ajuda! Mesmo que ele seja um insuportável lameiro.

– Olha, eu vou até fazer isso! Mas você precisa virar mulher também e conversar com o Tomás! – respondi.

– Assim que gosto de ver minhas amigas, colocando os pingos nos “is”! – comentou Betina.

– Como assim, conversar com o Tomás? Eu não tenho nada para falar com ele cara a cara! Tá louca? – Naty estava furiosa.

– Você vive trocando mensagem fofa com ele pela internet, e da última vez até convidou ele para assistir o último episódio do seriado! – Eu tive que soltar um risinho.

– Mas não fui eu que convidei aquele idiota! Foi o meu perfil idiota! – disse Naty.

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– Mas por isso mesmo, você tem que ir lá e dizer TUDO. Dizer que aquela não era você e que você é você, não aquela! – expliquei.

– Hã?

– Ah, vai, você entendeu o que eu quis dizer! Você ainda está sendo falsa porque na vida real fica chamando ele de idiota, mas fica toda fofinha quando está on! – escancarei.

– Você também chama o Alexandre de idiota, mas é apaixonada por ele! E eu só falo mal do Tomás porque na vida real ele não dá nenhum sinal que gosta de mim. Isso me machuca! – respondeu Naty.

– Precisamos parar de ser assim... – eu disse baixinho. – Eu falo mal dele porque ele me deixa insegura, sabe... mas eu queria resolver isso de vez! Não quero lançar um jornal superrevolucionário e ao mesmo tempo ser uma menina medrosa que não consegue nem responder a mensagem do Alexandre!

– E eu não posso ser duas caras... Não aguento viver mais assim... – confessou Naty.

– É mesmo, gente! Vocês precisam ir lá! Eu estou mandando boas vibrações daqui. Está na hora de vocês assumirem quem vocês são! – Betina realmente manda boas vibrações de qualquer lugar!

– Mas a gente vai falar com eles agora? – perguntou Naty? – Seria tão mais fácil mandar uma mensagem para eles dizendo tudo!

– AAAIII, Naty! Vamos lá agora! – gritei. – Pelo menos EU vou falar com o Alexandre.

– Tá bom, eu vou, eu vou. Ai, que cena ridícula! – berrou Naty. – Betina, quem sabe você pode ir lá e distrair o Mariano enquanto a gente conversa com eles? Não quero o Mariano de ouvido em pé no que vou falar. Já basta a escola inteira vendo essa nossa movimentação!

– Movimentação de quem diz as coisas na cara! Movimentação de quem é sincera! – eu disse empolgada, mas com muito frio na barriga.

– O que a gente não faz por amigas, né? Vou lá, chamar o Mariano para dar uma volta comigo no bosque perto do parquinho – Betina falou.

Caímos na risada com o plano de Betina, no fundo era para disfarçar nosso nervosismo.

Os meninos estavam sentados no chão jogando aquele jogo de cartas indefinido. Não sei a graça de ficar trocando cartas de papel com números.

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– MENINOS! – Eu acho que assustei Tomás, Mariano e Alexandre com meu grito.

– MENINAS! – O Mariano berrou, tentando me imitar.

– Engraçadinho você... Vem aqui comigo, Mariano. – Betina é tão descarada e corajosa! – Quero te mostrar uma coisa lá no bosque. – Na verdade, ela é fogo mesmo!

Até Mariano ficou sem graça com essa intimação de Betina. Ele ficou mudo e vermelho, se levantou e seguiu Betina sem dizer uma palavra. Enquanto iam em direção ao bosque, ela olhou para trás e deu um sorrisinho. Hilário!

Sábado – De manhã cedo.

Ainda estou na cama encontrando forças para levantar. As lembranças do dia anterior me invadem, eu sempre penso que poderia ter sido diferente, e se eu dissesse isso?, se olhasse mais nos olhos dele? E se eu fosse mais descolada? E o pior pensamento de todos é: Eu devia ter ficado na minha, eu não devia ter procurado ele, que boba eu sou!

Mas estou orgulhosa de ter enfrentado a situação.

Depois que Betina saiu com Mariano, foi a minha vez de ter falado que queria conversar pessoalmente com Alexandre. Os meninos ficaram com cara de bobo! De repente, nós três aparecemos para dizer coisas sérias que precisam ser resolvidas sem ninguém por perto.

Alexandre se levantou:

– Podemos conversar enquanto andamos?

– Claro. – Eu sentia meu coração nas mãos, nas pernas, na cabeça, no corpo todo. Tudo saltando e tremendo.

A Naty ficou sentada onde o Alexandre estivera para ter a conversa dela em particular com Tomás. Eu e Alexandre seguimos pelo pátio. Que vergonha, gente. Fomos andando para perto do parquinho, mas do lado oposto ao que Betina e Mariano estavam. Essa parte da escola é mais reservada (ai, será que um beijo rolaria? Eu pensava em tudo!).

– Então? – Alexandre perguntou.

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– Então... – eu devia estar com uma cara amassada e rosa. – Você me mandou uma mensagem dizendo que estava interessado... – Força, coragem, Alice!

– Eu fiquei interessado no jornal – ele disse, com muita tranquilidade, como se fosse um menino menos idiota, mais maduro, nem parecia um membro da Turma da Lama.

– Ficou?

– Vocês falaram que ia ser um jornal diferente... queria escrever um artigo.

– Artigo? É mesmo? Que artigo?

– Eu quero fazer alguma coisa diferente, sei lá... – Nossa, eu amo esse garoto!

– Mas foi por isso que resolvemos fazer o jornal! Essa semana plantamos árvores, já temos a primeira notícia do jornal.

– Pô, então, eu vi uma menina no youtube... – Meu coração gelou. – Ela se chama Severn Suzuki, e falou umas coisas que mexeram comigo. – Coração parado. – Ela falou que se a gente não fizer alguma coisa agora, vamos nos destruir.

– Sério? Quer dizer, tooodo mundo já sabe disso, né? Óbvio, né! – Eu disse, toda atrapalhada.

– Você sabia, por exemplo, que muitos comésticos são tóxicos e possuem veneno?

– Não sabia.

– Você sabia que o sistema na maior parte das vezes faz você se sentir feia e infeliz?

– Isso eu sei, mais ou menos... eu queria comprar muitas coisas, mas não tenho dinheiro como a Roberta Zigoto. O sistema é muito injusto!

Alexandre riu de mim.

– Você está rindo de mim? – perguntei, quase brava.

– O sistema só quer que você compre coisas sem parar, você compra para se sentir mais feliz. Muitas coisas são úteis, mas outras não, eles te fazem comprar e comprar, queremos sempre o mais novo e o mais moderno. A mídia te engana, Alice!

– Não é legal ter coisas novas e modernas? – respondi com outra pergunta.

– Claro que é! Mas o ser humano está ficando doido, só pensamos em consumir e, enquanto isso, o mundo vai ficando pior, ainda tem muita gente vivendo na miséria, animais sendo extintos... é como Severn Suzuki diz! – Ele estava revoltado.

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Eu estava muito confusa com o papo do Alexandre.

– É verdade. Eu uso ecobag, sabe? Aquelas sacolas ecológicas – comentei, tentando fazer uma média.

– Já é um começo, mas precisamos fazer uma revolução maior! Eu acho que o jornal pode ser uma boa ideia, gostei dessa estratégia de entregar pessoalmente, sair desse mundo virtual um pouco.

– Pois é... – Minha cabeça fazia círculos. Ele falava tanta coisa complicada e eu não tinha nada inteligente para dizer.

– Então? – ele perguntou, empolgado.

– O quê? – Eu estava desnorteada.

– Posso participar?

– Ué, claro! – Como eu poderia dizer não depois desse discurso?

– A gente faz um artigo e depois mandamos para você.

– A gente quem? – Será que ele ia escrever um artigo junto com Tomás e Mariano?

– Eu e Ana.

Será que eu podia desmaiar? Como assim, Ana?

– Você e a Ana? Pode, claro, mas assim... quem é Ana?

– Ana é minha prima mais velha que está morando lá em casa. Ela que está me abrindo o olho sobre essas coisas todas.

– Ah, tá... quantos anos ela tem?

– 17. – Nossa, meninas de 17 anos exercem poderes sobre meninos em fase de puberdade!

– Ah, que legal.

– Pois é... Depois procura o vídeo da Severn Suzuki no youtube. Ela é foda! – Desde quando o Alexandre usava essa palavra? Devia ser coisa dessa tal prima Ana de 17 anos.

– Vou procurar a Severn, pode deixar. – Ai, que raiva desse menino! – Mas que bom, você não está chateado comigo... – Eu estava me referindo à mensagem que ele me enviou e que eu encaminhei para as menias.

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– Tem algum motivo para estar chateado?

– Não, nenhum!

– E você? – ele perguntou.

– Eu, o quê?

– Você estava meio irritada comigo, né?

– Nada!

– É porque me ignorou aquele dia na sala de aula... Mas, que bom. Eu gosto muito de você.

– Eu também. – Aaaaai, que vergonha.

– Agora somos amigos, né?

– Amigos de infância!

– Só você mesmo, Alice. Tá bom... amiga de infância!

O sinal tocou, eu olhei para o outro lado do parque e vi Mariano e Betina conversando, e nesse segundo e meio que os observei fui testemunha de nada mais e nada menos do que um beijo rolando solto entre os dois. Minha boca caiu no chão. Eu olhei para o chão com vontade de chorar e rir ao mesmo tempo. Como quis mostrar MATURIDADE, não comentei com o Alexandre a cena que surpreendi. Uma hora ele fica sabendo. Precisava focar na minha conversa com ele! (Gente, mas eu estava tão passada!)

– Alice, vamos indo para a sala?

– Hum-hum... – Perdi a capacidade de me expressar.

– Sabe que eu pensei por um momento... que você quisesse voltar a namorar comigo... – Alexandre disse essa frase numa naturalidade, disse essa frase quando já estávamos bem no meio do pátio.

– Jura? Viagem da sua cabeça! Você é meu amigo de infância. – Continuei andando e ele sorriu.

POIN, POIN, trepidava minha cabeça.

Ainda estou digerindo esse diálogo.

GLUPT, ROIN, IUIU, GRAAUU, ARRRR: assim estão meu estômago e todo meu pensamento.

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Sábado à tarde –

SÉRIO. QUE CONVERSA MAIS SURREAL. QUANDO EU TIVE O MOMENTO DE DIZER A VERDADE EU FIQUEI CALADA. QUE TIPO DE PESSOA SOU EU?

E quem é essa Ana? Aposto que deve ser uma menina fantástica com lindas tranças ruivas (assim que eu imagino!). Outra fantástica é a tal da Severn Suzuki que faz um discurso lindo na internet pedindo para os homens pararem de poluir e destruir o planeta. O discurso é uma coisa fora do comum, supertocante e dramático. Ela conquista todos com suas palavras. Uma verdadeira revolucionária de 12 anos de idade (hoje ela tem mais de 20 anos).

(No discurso, o cabelo de Severn estava até beeem despenteado, mas ninguém comentou isso!)

O Alexandre se transformou em outro garoto! Ele agora está mudado, pensando no mundo, pensando no sistema, no consumo e em todas essas palavras que adolescentes falam!

Eu me senti uma ingênua ao lado dele. Agora posso finalmente dizer que tenho um amor platônico por alguém interessante! Pelo menos meus sentimentos de paixão e loucura não são para um idiota qualquer. Mesmo que ele não queira nada comigo, mesmo que eu tenha perdido a oportunidade de dizer tudo o que queria. Ah, cansei mesmo disso. VOU SEGUIR MINHA VIDA, VOU SEGUIR COM O JORNAL E O QUE TIVER QUE SER SERÁ.

A Betina beijou o Mariano justamente por ser uma menina que vive o presente do momento. Isso é muito profundo e útil na vida! Ela pode se apaixonar, mas não fica enlouquecida, sabe? Eu perguntei para ela se vai rolar namoro, mas ela disse que não está preocupada com isso agora, o que tiver que ser será, ela me respondeu. Betina é nossa gurua!

A Naty, assim como eu, está com dor no corpo inteiro. Isso é dor de paixão mal resolvida, claro! Ela disse para o Tomás que estava usando o meame para conversar com ele pelo babybook e pelo celular.

Ele riu da cara dela, juro. Ele riu da cara dela e disse que já imaginava porque ela nem gostava de séries de TV, mas que estava tudo resolvido. (Como assim, tudo resolvido?)

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– E por que você é legal comigo na internet e na vida real me ignora? – Naty ainda teve coragem de perguntar isso bem na cara dele!

– Porque eu também estava usando o meame para conversar com você! – Descarado, descarado! Na verdade, os dois.

– Ai, que coisa mais idiota! – Naty disse, rindo de desespero. Aquela fofisse toda do Tomás era inventada!

– Que coisa mais idiota era a gente conversando pela internet usando o meame! Rá! – Ele deu uma risada que nem um menino típico da turma da Lama. – Eu estava me divertindo e querendo ver até onde isso ia dar...

– Então você continua um grosso e mal-educado? Aquilo tudo era fingimento?

– Continuo do jeito que sempre fui! – O Tomás disse na maior cara de pau.

– Um grosso e mal-educado? – Naty perguntou novamente para constatar.

– Isso mesmo!

– Ai, que alívio! Então posso falar mal de você à vontade sem ficar com peso na consciência?

– Claro que pode! Você sempre fez isso mesmo... por que parar?

– Ufa, obrigada. Agora deixa eu ir porque tenho coisas mais interessantes para fazer do que conversar com você! – Naty falou essa frase calmamente e foi indo em direção à sala de aula.

No recreio, ficamos rindo. Esse é o casal não-casal mais maluco que já vi na face da Terra.

As meninas nem ficaram bravas de eu ter deixado o Alexandre enviar o artigo para nosso jornal. Claro que elas entenderam a situação delicada que vivi nos meus minutos de desespero durante aquela... Agora ainda tem uma Ana no nosso jornal que nem conhecemos, mas pelo menos pode ser que ela acrescente algum conteúdo interessante.

– Meninas, estou com uma ideia mirabolante! O Alexandre e essa tal de Ana até me inspiraram. – A Naty estava toda empolgadinha. Parece que ela estava feliz por ter recebido a carta branca para falar mal do Tomás!

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– Ah, não! Não vem colocar Alexandre e Ana como casal, por favor! Já basta minha humilhação! Eles são primos, tá? É proibido usar esses nomes juntos um do lado do outro! Alexandre é uma coisa e Ana é outra, tá?! – eu berrei.

– Meninos da idade do Alexandre amam meninas de 17 anos – disse Betina.

– Não precisa buzinar na minha cabeça o que é óbvio! – respondi. – Deixa eu e meu amor platônico em paz, por favor. Me deixem viver isso, eu preciso, até esquecer ou encontrar outro caminho. Mas, por favor, não falem esses nomes juntos como se fosse um casal. – Cheguei a ficar até sem ar.

– Caaalma, Alice, não endoida, não! Você vai viver seu amor platônico, assim como eu vou viver meu amor platônico pelo Tomás! Não tem problema! A única bem resolvida aqui, que não tem amor platônico e que ainda beija na escola, é a Betina!

– Mas eu vivo o presente, já disse! – afirmou Betina com soberania.

– Tá bom, a gente já sabe disso, Betina, não precisa repetir. – Ela é uma gênia do relacionamento, mas não precisa ficar jogando na cara, né?!

– Então, mas voltaaaaaaaaando ao assunto dessa tal de Ana. Então... eu queria dizer que ela e... você sabe quem... me inspiraram num novo estilo para adotar!

Mais uma crise de personalidade de Naty.

Caímos na gargalhada sem-fim. Gargalhadas de amigas inseparáveis FOREVER.

Naty ia deixar de ser patricinha para ser uma revolucionária que vai contra o excesso de consumo e que usa roupas ecologicamente corretas que não foram feitas por trabalhadores explorados.

Segunda-feira – Sem desespero dessa vez.

Eu ainda continuo sendo uma menina neurótica e dramática. Continuo com pelos de bigode que só eu enxergo. Ainda possuo uma paixão platônica pelo Alexandre. Não sei qual é a dele, nem qual é a minha! Até sei a minha (amor, amor!), mas já que não sei o que passa na cabeça dele, resolvi que o melhor é me comportar como melhor amiga de infância. Quem sabe de uma amizade não nasce um romance avassalador?! Até hoje aquela última conversa fica ecoando na minha cabeça. Por enquanto, suspiro pelos cantos, sonhando acordada, imaginando o dia em que ele me abraçará. Ele se afasta

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um pouquinho e depois de me olhar por alguns segundos, gentilmente tirará com suas mãos os fios de cabelo que estão nos meus olhos para dizer:

– Fica comigo. Fica só comigo, Alice Ferrie.

Aí eu desmaio. E pronto.

Enquanto isso, me contento com essa LINDA AMIZADE COLORIDA (eu que acho isso). Acreditem! Ser melhor amiga de infância do menino por quem você é apaixonada tem muitos fatores positivos! Hehe.

Mas o nosso papo é só sobre revolução:

Mensagem do Alexandre (uh, uh!):

Alice, não compre roupas da XXXX, eles exploram trabalhadores menores de idade!

Minha resposta:

Que abuso! Não tenho previsão de quando vou comprar roupa, mas valeu! Na próxima edição vamos fazer uma matéria sobre isso. A galera precisa se alertar! E você, se for usar batom, use com moderação, eles possuem chumbo, sabia?

Mensagem do Alexandre:

Ah, ah! Engraçada você, pode deixar que no dia em que me vestir de mulher vou lembrar disso. Mas, sério, ouvi falar que esse negócio do chumbo é lenda.

Minha mensagem:

Você se veste de mulher?

Mensagem do Alexandre:

Alice! Claro que não, você já ouviu falar da expressão “senso de humor”?

Minha mensagem:

Ah, ah! Claaaro... eu estava brincando! Mas, sério? Cada um fala uma coisa, então, dessa história de batom com chumbo. É muita informação!

Mensagem do Alexandre:

É, a gente pode perguntar na escola para algum professor... Procura no youtube Story of Bottled Water. Também pode ser matéria do próximo jornal.

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Minha mensagem:

Estou indo ver agora.

Mensagem do Alexandre:

Depois me fala o que achou.

Gente, olha sóóó.

Estou amando esse momento.

OBS.: Betina continua dando beijinhos em Mariano escondida no bosque do parquinho.

E assim seguimos a vida...

SIM! Sou uma sonhadora romântica. Tenho amigas maravilhosas e uma família estranha que amo loucamente. Tudo muito bizarro. Mas é a verdade.

A Roberta Zigoto ainda é uma milionária que revolucionou o mundo dos aplicativos. Muita gente continua puxando o saco dela. Mas essa história dela ser emancipada e que ainda ia viver em Nova York era lenda. A escola é povoada por lendas.

(Eu quase virei uma lenda quando pensei em me esconder no armário com mais de 100 barras de chocolate branco. Ainda bem que isso não aconteceu!)

Uma coisa era verdade sobre a Roberta Zigoto: ela foi capa de duas revistas, pasmem! O ruim disso é que, óbvio, nós meninas ficamos com um pouco de inveja dela ser uma coisa que sempre sonhamos. Quem não quer ser capa de revista? Mas chorar e reclamar para quê?! O lado bom dessa história toda é que nossa escola está sendo superelogiada pelo ensino.

Roberta Zigoto continua sendo inteligente, sentada lááááá na frente prestando atenção na aula e, para falar a verdade, nem sei se a vida dela é tão emocionante quanto a minha: uma menina normal que busca emoção em tudo! Minha emoção, eu juro, é real. Não que a minha vida seja melhor que a dela. A vida dela é Ó-TE-MA, mas a minha também é, querida!

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Tenho uma aluna maravilhosa, a Leandra. Daqui a pouco ela nem vai mais precisar de mim, já está lendo palavras como MILHO, MULHER, MOLHADO e até MALHAÇÃO entre tantas outras. Eu estou tão feliz com isso... Não imaginava que ajudar alguém poderia ser tão legal. E olha, nem tenho vontade de ficar espalhando por aí o tanto que sou genial e maravilhosa por dar aulas de leitura para uma adulta que está aprendendo a ler! Inclusive estou tendo a ideia de dar aula de redação para a Leandra e para qualquer mulher e menina que queira escrever sobres dramas existenciais, espinhas gigantes, sentimentos malucos, bigodes escondidos, paixões platônicas, injustiças sociais, a revolta das sem peito contra as que usam sutiã tamanho grande... enfim, assunto é o que não falta! Muitas ideias na cabeça e um teclado (ou lápis e papel) na mão. TODA ESCRITORA QUE SE PREZA USA UM BLOQUINHO PARA ANOTAR INSPIRAÇÕES MARAVILHOSAS! É possível fazer anotações no celular, mas não é a mesma coisa. O bloquinho pode ser colorido, no bloquinho a gente faz coraçãozinho e depois rabisca de raiva. O bloquinho da escritora acumula aventuras desenhadas e escritas.

Na escola está todo mundo adorando o jornal DAS MENINAS. Vocês têm noção do que é pegar um pacote com centenas de jornais que você e duas melhores amigas produziram e escreveram? Você vai abrindo o jornal e vai vendo seu nome, das suas amigas... (da Ana e daquela pessoa, afe!) É uma sensação REAL de que você fez algo REAL. Entrega para cada aluno e professor, vê todo mundo lendo na hora do recreio (a gente se escondeu no banheiro, por nervosismo) e depois até a Roberta Zigoto chega perto da gente e diz que a gente é um grupo do feminismo. Geeente, só a Roberta mesmo! Nós já fomos até no asilo onde mora a Madame Chérie entregar o jornal para todos os velhinhos caduquinhos (mas fofos). Ela disse que estamos fazendo algo muito importante para a posteridade e que quando a gente for velha vamos lembrar disso com muito orgulho. Mas não é hora de pensar em velhice! O mais máximo de tudo é que agitamos nossa escola e nosso bairro!

Pois é, estão dizendo que fazemos parte do novo grupo de feministas da escola. Rááá! Mas não somos feministas, nem sabemos como isso funciona! Somos apenas meninas românticas que acreditam em direitos iguais, acreditamos num mundo unido e vibrante, recheado de boas notícias, de arte colorida, de abraços, de draminhas bobos que podem ser superados com muitas gargalhadas!

Ai, estou inspirada mesmo.

Muitas coisas mudaram por causa do artigo de Alexandre e Ana. O maior passo que dei: não pedi para minha mãe comprar caderno novo. Eu simplesmente estou usando

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um que ela nunca tinha usado, estava novinho. Só não tem aquela capa fashion, com aplicações de purpurina, sabe?

Ela ficou tão feliz com essa minha atitude. Ver o sorriso da minha mãe por uma decisão tão simples foi um presentão para mim! Será que estou ficando muito emotiva, ou muito imatura?!

Na escola eu até exibi um pouco meu caderno, que tem cara de antigo.

Mas é ÓBVIO que ainda sonho com looks encantados que saem da televisão. O Alexandre (suspiro, suspiro) estava certo: eles querem fazer a gente comprar tudo como se a gente precisasse de certas coisas para ser feliz.

E por incrível que pareça: EU ESTOU FELIZ DO JEITO QUE ESTOU. EU SOU FELIZ DO JEITO QUE SOU.

A minha imaginação, a minha mente (muitas vezes louca), é o maior bem que posso ter, E ISSO NÃO SE COMPRA NEM SE VENDE. Se CONSTRÓI. Eh, eh! Minha mente se expande com o tempo, daqui a pouco consigo mover objetos com ela! Será?

O jornal fez muito sucesso e semana que vem toda a escola vai plantar árvores no terreno do pai da Naty. Vai ser um megaevento. Depois a gente vai fazer um piquenique histórico. Vai ser a matéria de capa do jornal. Nós somos maravilhosas.

GEEEENTE, até parece que sou uma menina bem resolvida.

Até que Alice Ferrie tem vocação para ser feliz. Você tem?

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