sucessão e fertilização ‘post mortem’

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Direito Civil VI Atividade estruturada semana 4 Título: Sucessão e Fertilização ‘Post Mortem’ Anna Paula Gonçalves Resumo: O presente trabalho tem por finalidade analisar os efeitos jurídicos da reprodução humana assistida no direito de família e das sucessões, principalmente no que tange a inseminação post mortem homóloga, apresentando assim, respostas as questões levantadas no caso concreto da semana 4. Página 1 de 19

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O presente trabalho tem por finalidade analisar os efeitos jurídicos da reprodução humana assistida no direito de família e das sucessões, principalmente no que tange a inseminação post mortem homóloga.

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Direito Civil VIAtividade estruturada semana 4

Ttulo: Sucesso e Fertilizao Post MortemAnna Paula GonalvesResumo: O presente trabalho tem por finalidade analisar os efeitos jurdicos da reproduo humana assistida no direito de famlia e das sucesses, principalmente no que tange a inseminao post mortem homloga, apresentando assim, respostas as questes levantadas no caso concreto da semana 4. 1. CASO CONCRETO ANALISADO

Roberto, casado com Ktia, em 2009 descobriu ser portador de grave forma de cncer. Ao ser informado sobre que uma das consequncias do tratamento poderia ser uma possvel infertilidade, Roberto, em deciso conjunta com sua esposa, resolve armazenar seu smen em clnica de Curitiba para que, recuperando-se, pudesse dar continuidade ao projeto parental sonhado pelo casal. No entanto, Roberto no se recuperou e acabou morrendo no incio de 2010. Ktia, certa de que gostaria de ter um filho de seu finado marido procurou a clnica onde o material biolgico estava armazenado a fim de realizar procedimento de fertilizao in vitro. Como seu marido no havia autorizado expressamente a realizao da fertilizao post mortem, a clnica se negou a realizar o procedimento, respaldada por entendimento do Conselho Federal de Medicina. Ktia, certa de que esse era o desejo de seu marido, props ao em face da Clnica para obter a realizao do procedimento. Em liminar, foi-lhe assegurada a realizao do procedimento e em 22/06/2011 nasceu a filha do casal Luiza Roberta.

2. CONCEITO DE REPRODUO HUMANA ASSISTIDA E OS PRINCIPAIS PROCEDIMENTOS UTILIZADOS

Como bem observa o filsofo Habermas, o desenfreado desenvolvimento tecnolgico provoca, no seio da sociedade, fissuras indelveis e rupturas com a ordem at ento vigente, impulsionando-nos criao de novos conceitos e institutos capazes de promover a adaptao necessria aos tempos modernos.

O mesmo entendimento possui Daniela Soares Hatem. Salienta a autora que "As novas questes criadas pelo progresso no campo da gentica colocam em xeque concepes arraigadas h sculos, e por vezes abrangem, todo um novo entendimento a respeito da vida".

Diante da realidade vislumbrada, necessrio se faz incluir, entre as temticas que tiveram alterados ou ampliados os seus conceitos e os seus paradigmas, a referente reproduo, pois tal vocbulo, h bem pouco tempo, poderia indicar, apenas, a capacidade natural de procriao, ou seja, aquela proveniente da conjuno carnal. Porm, na atualidade, o ato ou efeito de reproduzir-se, de gerar, de procriar, de multiplicar, de perpetuar-se pode ser atingido por outros mtodos que no o presumvel.

Afirma-se isto, pois, hoje, tcnicas que compreendem a chamada "[...] fertilizao artificial, fecundao artificial, fecundao por meios artificiais, impregnao artificial, concepo artificial, semeadura artificial, inseminao artificial, fecundao in vitro ou fertilizao matrimonial [...]"so realidade no meio mdico e na vida daqueles impossibilitados de reproduzirem-se atravs do meio convencional.

Em razo da variada nomenclatura citada, deve-se esclarecer que "[...] a expresso mais aceita Reproduo Assistida (RA), em face da denominao dada pelo Conselho Federal de Medicina [...]".

De acordo com o at aqui exposto, mister se faz a compreenso do significado atribudo s formas artificiais de concepo do ser humano. Assim, necessrio indicar ser cabvel conceituar reproduo humana assistida como o "conjunto de tcnicas que favorecem a fecundao humana, a partir da manipulao de gametas e embries, objetivando principalmente combater a infertilidade e propiciando o nascimento de uma nova vida humana".

Nas palavras de Andra Aldovrandi e Danielle Galvo de Frana, tal mtodo de reproduo consiste na "[...]interveno do homem no processo de procriao natural, com o objetivo de possibilitar que pessoas com problemas de infertilidade e esterilidade satisfaam o desejo de alcanar a maternidade ou paternidade".

Conforme o Enunciado nmero 105 do Conselho da Justia Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, a concepo artificial pode ser classificada em quatro modalidades, quais sejam: Homloga, Homloga post mortem, Heterloga e Bisseminal. A inseminao artificial homloga est prevista no inciso III do art. 1597 do Cdigo Civil Brasileiro de 2002, que dispe acerca do reconhecimento da filiao.

Consiste na implantao do material fecundante, ou seja, do espermatozide, do marido ou companheiro no tero da mulher. Para Ferraz (2009, p. 44) a inseminao artificial homloga: Foi a primeira tcnica de reproduo humana praticada pelos mdicos [...]. A fertilizao artificial na modalidade homloga post mortem, de acordo com as pesquisas realizadas por Machado (2008), baseia-se na implantao do material fecundante (smen criopreservado) do marido ou companheiro, no tero da mulher, sendo que, poca da fecundao, o marido ou companheiro j se encontrava falecido. Esse procedimento tem suscitado grandes discusses no mbito dos direitos sucessrios.

A concepo artificial heterloga corresponde utilizao de material fecundante de um doador frtil, que no seja do marido ou do companheiro (doador que, em regra, tem sua identidade preservada), a ser implantado no tero da mulher, com o consentimento do casal. Este procedimento utilizado nos casos de insuficincia ou ausncia de espermatozoides, bem como doenas hereditrias.

Por fim, a tcnica da procriao artificial bisseminal empregada nos casos de insuficincia de espermatozoides do marido ou companheiro. Procede-se implantao no tero da mulher de uma mistura de materiais fecundantes de duas pessoas distintas (marido e doador frtil cuja identidade fica preservada), porm com caractersticas fsicas similares (FERNANDES, 2005).

As tcnicas de reproduo assistida vm, nos ltimos tempos, ganhando espao no ordenamento jurdico brasileiro, inclusive objeto de discusses que desafiam a biotica. Essas tcnicas visam o combate infertilidade, permitindo a possibilidade de procriao por casais que no a conseguem de forma natural para exercer a maternidade ou paternidade. A tcnica que se d com a implantao de gametas masculinos na mulher, considerada como fecundao in vivo. J a fertilizao in vitro um pouco mais complexo visto que retira os gametas masculinos e femininos, para assim ser fecundado em laboratrio para s aps esse procedimento o embrio ser implantado no tero (LEITE).

Silva descreve como se d essa tcnica in vitro:

Essa tcnica compreende o desenvolvimento de vrias etapas, como: a induo da ovulao, a puno folicular e cultura dos vulos, coleta e reparao do esperma, completando-se com a inseminao e cultura dos embries. Na ovulao normal, ocorre a liberao de apenas um vulo, com a induo, procura-se aumentar o nmero de vulos, a fim de se conseguir maiores chances na obteno de embries.

Como o surgimento deste tipo de tcnica de procriao humana, tambm conhecida como inseminao artificial heterloga Lbo contribui dizendo que:

A primeira tentativa conhecida de inseminao artificial heterloga aconteceu na Frana em 1886, com animais. Em 1963 registrou-se a primeira inseminao com smen humano congelado, tendo havido sucesso em 1978, com o nascimento do primeiro beb de proveta (Luise Brown) na Inglaterra. No Brasil, o primeiro beb de proveta nasceu em 1984, no Paran.

3. REGULAMENTAO DA REPRODUO ASSISTIDA NO BRASIL

No ordenamento jurdico brasileiro no existe nenhuma normatizao especfica que regulamente a reproduo humana assistida, ou seja, a procriao da forma no convencional diferente da natural.O Cdigo Civil Brasileiro fala em reproduo humana assistida apenas no art. 1.597 quando trata da presuno de filiao dos filhos concebidos a partir da utilizao dessas tcnicas:Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constncia do casamento os filhos:I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivncia conjugal;II - nascidos nos trezentos dias subsequentes dissoluo da sociedade conjugal, por morte, separao judicial, nulidade e anulao do casamento;III - havidos por fecundao artificial homloga, mesmo que falecido o marido;IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embries excedentrios, decorrentes de concepo artificial homloga;V - havidos por inseminao artificial heterloga, desde que tenha prvia autorizao do marido. Esse artigo nada regulamenta de efetivo a respeito da utilizao das tcnicas de reproduo humana assistida. Assim diante dessa situao de inexistncia de regulamentao legal restou ao Conselho Federal de Medicina editar resoluo que regulou aos procedimentos a serem adotados e seguidos pelos mdicos ao tratar e utilizar essas tcnicas. O Conselho Federal de Medicina editou uma Resoluo CFM de n 1.95710, de 1992, adotando Normas ticas para a utilizao das Tcnicas de Reproduo Assistida, como dispositivo deontolgico a ser seguido pelos mdicos, dispondo que: As tcnicas de Reproduo Assistida (RA) tm o papel de auxiliar na resoluo dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriao quando outras teraputicas tenham se revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas.4. ANUNCIA DO MARIDO PARA REALIZAO DA REPRODUO HUMANA ASSISTIDA E SUAS CONSEQUNCIAS PARA A FILIAO

A luz do art. 1597 do Cdigo Civil, acima transcrito, observamos que a anuncia do marido apenas exigida em casos onde ocorra a inseminao artificial heterloga, ou seja, quando, na fecundao, se utiliza o smem de um outro homem, um doador annimo. Nos casos de inseminao homloga, no h nenhuma condio expressa. Sendo assim, podemos presumir que, nos casos em que o material utilizado o do marido, no h necessidade de expressa autorizao deste.

Portanto, conclumos que, quando o material utilizado para a fecundao artificial for o do marido, considera-se este o pai do nascituro, ainda que sem a expressa autorizao deste.

Porm, quando se fala de inseminao artificial homloga post-motem, no h um posicionamento legal quanto prvia autorizao do de cujus.

No que concerne a possibilidade de criopreservao do material gentico, o item 3 da seo V da Resoluo 1.358/92, estabelece a necessidade dos cnjuges ou companheiros, no momento da criopreservao, expressarem por escrito sua vontade quanto ao destino que ser dado aos pr-embries criopreservados, em caso de divrcio, doenas graves ou de falecimento de um ou de ambos.

No entanto, a Resoluo 1.358/92 no esclarece quanto ao consentimento informado no que tange ao smen criopreservado do marido ou companheiro falecido. Entretanto, em razo da falta normativa, utiliza-se o que restou estipulado no item V.3, quanto aos pr-embries, e defende-se o entendimento de que a mulher apenas poder proceder a fertilizao quando tambm houver consentimento expresso do marido, autorizando a referida prtica.

Na tentativa de minimizar as discusses quanto ao tema, o Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal, na I Jornada de Direito Civil, sob coordenao do ilustre ministro Ruy Rosado, aprovou o Enunciado n. 106 com o teor.

Enunciado n. 106 da I Jornada de Direito Civil - art. 1597, inciso III: para que seja presumida a paternidade do marido falecido, ser obrigatrio que a mulher, ao se submeter a uma das tcnicas de reproduo assistida com o material gentico do falecido, esteja na condio de viva, sendo obrigatrio, ainda, que haja autorizao escrita do marido para que se utilize seu material gentico aps sua morte.

Assim, h de estar expresso que o smen doado poder ser utilizado para a tcnica de reproduo artificial aps o seu falecimento.

Desta sorte, sem a devida autorizao expressa do marido, tal prtica seria vedada, visto que, como bem ensina Silmara Chinelato, no se pode presumir que algum queira ser pai depois de morto, devendo o smen ser destrudo se no houver manifestao expressa de vontade quanto inseminao post mortem.

Observando este entendimento, se tal prtica viesse a se concretizar, sem a devida autorizao expressa do marido, considerar-se-ia o smen do marido falecido como material proveniente de doador annimo, no apresentando qualquer reflexo no direito de famlia ou no direito sucessrio.

Todavia, em que pese a omisso legislativa, o direito ter que responder objetivamente frente s futuras demandas e existncia de um sujeito concebido atravs da tcnica referenciada.5. FUNDAMENTOS UTILIZADOS PARA CONCEDER A LIMINAR QUE AUTORIZA A INSEMINAO ARTIFICIAL HOMLOGA POST MORTEM

O Magistrado poderia ter se pautado no entendimento de que, uma vez que o de cujus depositou seu smem em um banco, no para doao, mas sim para ser utilizado posteriormente por ele mesmo, isso j caracteriza-se como princpio da autonomia da vontade, uma vez que ele deixou seu material reservado para, caso ocorresse um fato extraordinrio, ele ainda pudesse vir a realizar a vontade de ser pai, evidenciando o projeto parenteral.

Importante exemplo vem da Frana em decorrncia do caso Parpelaix, vejamos em um breve relato o que ocorreu:

Foi ajuizada uma ao perante o Tribunal da Grande Instance de Crteil Frana, mas na realidade o problema comeou antes.

Alain Parpelaix vivia em unio estvel com Corinne R. quando foi diagnosticado com cncer nos testculos. Seu mdico informou da probabilidade de vir a ser acometido de esterilidade em decorrncia do tratamento quimioterpico que seria realizado.

Diante dessa possibilidade Alain decidiu depositar o produto de uma coleta no banco de Esperma no Cecos, no ano de 1981. Nos anos seguintes 1982 e 1983 submeteu-se a diversos tratamentos com objetivo de eliminar a doena que o acometia.

Porm, apesar de todos os cuidados mdicos dispensados, veio a falecer em 25 de dezembro de 1983, deixando assim Corinne viva.

Corinne e os parentes de Alain solicitaram ao Cecos que providenciassem a devoluo do esperma coletado para que fosse realizada a inseminao artificial em Corinne. Porm, Cecos no fez a entrega do material coletado.

Dessa forma, no restou outra possibilidade seno o ingresso em juzo para a obteno e realizao da inseminao artificial.

Diante da lide submetida ao judicirio o Tribunal assim se manifestou:

Cabe fixar os limites da questo: Tal questo se refere a devoluo viva do esperma de seu falecido marido, a questo relativa a inseminao dependeria obviamente do pedido ser acolhido e, mais particularmente da conscincia da viva e do mdico que lhe assistir para a dita inseminao.A questo quanto a filiao da criana ainda por nascer, no se encontra presente no caso. Sobre a interpretao das vontades de Alain Parpelaix e do Cecos: as diferentes declaraes apresentadas nos debates e especialmente as de Pierre e Danielle R., pais de Corinne P. e atitude de Alain que durante a doena, e com a concordncia da companheira, quis preservar sua chances de procriar; atitude solenemente confirmada dois dias antes de sua morte atravs de um casamento religioso civil; a tomada de posio dos pais de Alain neste procedimento, que tiverem condies de conhecer as intenes profundas de seu filho, constituem um conjunto de testemunhos e de presunes que estabelecem, com certeza, a vontade formal do marido de Corinne P., de tornar sua esposa me de um filho comum, quer a concepo dessa criana ocorresse em vida ou aps sua morte.Cecos no provou e nem alegou que preveniu Alain sobre sua oposio a devolver o esperma, aps a sua morte, aceitou a vontade de Alain.Alis, houve a respeito do tema uma mudana de atitude dessa associao que s comeou a advertir os doadores de sua posio a respeito sobre este ponto, aproximadamente dois anos aps a aceitao do esperma de Alain.Igualmente o acordo estabelecido entre Alain e Cecos, no poderia se submeter ao regime jurdico da doao de rgos, previsto pela Lei francesa de 22.12.1976, tendo em vista a diferena da natureza entre o esperma e os rgos do corpo humano.Tudo indica que o acordo fechado de 1991 entre Alain e o Cecos constitua um contrato especfico comportando para Cecos a obrigao de conservao e de restituio ao doador, ou devoluo do esperma a quem era destinado.Nem as condies de conservao ou de devoluo do esperma de um marido falecido, nem a inseminao de sua viva so proibidas ou mesmo previstas por um texto legislativo ou regulamentar. Alm disso, eles no se chocam com o direito natural, um dos fins do casamento sendo a procriao.

6. DIREITO DE HERANA DO FILHO NASCIDO DE INSEMINAO ARTIFICIAL HOMLOGA POST MORTEM O ordenamento Jurdico brasileiro, nada prev o direito sucessrio em casos de reprodues homlogas post-mortem, porm, a doutrina apresenta-se divergente quanto ao caso.

A capacidade sucessria, segundo Gonalves (2008), consiste na legitimidade para suceder. Aqueles dotados de capacidade estaro aptos para receber a herana deixada pelo falecido. Assim sendo, o indivduo que no esteja impedido legalmente de receber a herana, e tenha preenchido os requisitos exigidos por lei, gozar de legitimidade sucessria e far jus a herana ou legado, salvo se recus-los, conforme assevera Gonalves (2008, p. 50): No direito sucessrio vigora o princpio de que todas as pessoas tm legitimao para suceder, exceto aquelas afastadas pela lei. Conforme dispe o art. 1.798 do Cdigo Civil, tero capacidade sucessria todos aqueles que estejam vivos ou ao menos concebidos quando da morte do autor da herana. A regra anunciada pelo cdigo admite uma exceo, em que o individuo mesmo no tendo sido concebido, ter legitimidade para suceder, hiptese fundada na prole eventual, disciplinada no art. 1.799, inciso I do Cdigo Civil. Conforme constatamos, neste caso, o autor da herana por meio de testamento contempla o filho da pessoa por ele apontada, devendo o futuro herdeiro ser concebido no prazo mximo de dois anos, caso contrrio perder a legitimidade para receber herana.

O Cdigo Civil trata em seu art. 1.597, inciso III, da paternidade presumida nos casos de filhos nascidos por inseminao artificial homloga, inclusive post mortem. Todavia, Nader (2008), lembra que no houve manifestao expressa no sentido de atribuir ao concebido post mortem, legitimidade para suceder na herana deixada pelo de cujus, situao capaz de gerar embates jurdicos, agravados pela ausncia de consenso doutrinrio. Na viso de Rigo (2009), o Cdigo Civil de 2002 apenas solucionou a questo quanto ao status de filho do indivduo gerado por meio de inseminao artificial homloga, inclusive post mortem, todavia, no mbito do direito sucessrio a qualidade de herdeiro necessrio questo doutrinariamente polmica. A corrente doutrinria mais numerosa defende a negao da capacidade sucessria do concebido post mortem. Integram esse grupo renomados especialistas como Maria Helena Diniz, Jos de Oliveira Ascenso e Slvio Venosa. Seu posicionamento se funda no dispositivo legal do art. 1798 do Cdigo Civil, o qual determina que: Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou j concebidas no momento da abertura da sucesso. Deste modo, na hiptese de inseminao artificial homloga pstuma, tendo o filho sido concebido aps a abertura da sucesso, estaria afastado do recebimento da herana deixada por seu pai, muito embora seja considerado filho do pr-morto, conforme garante o art. 1.597, inciso III do Cdigo Civil. Esse pensamento prima pela proteo dos herdeiros que j se encontravam nascidos ou concebidos quando da morte do autor da herana, evitando assim insegurana jurdica, vez que eles teriam que esperar indefinidamente pelo nascimento de criana, ou crianas, oriundas de inseminao, o que causaria revises sempre possveis de seus quinhes hereditrios. A partilha seria algo, portanto, provisrio e frgil. Defende Diniz (2003, p. 44) que:

[...] a capacidade para adquirir herana, inclusive por via testamentria, pressupe existncia de herdeiro, ou legatrio, poca da morte do testador. [...] Ao tempo do falecimento do autor da herana o herdeiro deve estar vivo, ou pelo menos concebido, para ocupar o lugar que lhe compete. Pessoa ainda no concebida (nondum conceptus) ao tempo da abertura da sucesso no pode herdar, salvo a hiptese do artigo 1.799, I, do Cdigo Civil. A respeitada professora, ao discorrer acerca da capacidade sucessria, se mostra totalmente fiel ao princpio da saisine, base de todo o direito sucessrio brasileiro. O princpio da dignidade da pessoa humana acabaria, desta forma, sendo vencido pela Segurana Jurdica. No mesmo sentido, Ascenso (1999) citado por Machado (2008, p.107) afirma que:

[...] toda a estrutura da sucesso est arquitetada tendo em vista um desenlace da situao a curto prazo. Se se admitisse a relevncia sucessria destas situaes, nunca seria praticamente possvel a fixao dos herdeiros e o esclarecimento das situaes sucessrias. E a partilha que porventura se fizesse estaria indefinitivamente sujeita a ser alterada. Venosa (2004) corrobora com esse entendimento, afirmando que no se deve atribuir a qualidade de herdeiro para a criana que atravs de inseminao artificial foi concebida aps a abertura da sucesso, em razo da incompatibilidade com a previso legal do art. 1798 do Cdigo Civil, sendo apenas possvel na hiptese de prole eventual. Se de um lado Venosa (2004, p. 96) nega a capacidade sucessria ao concebido postumamente, por outro, com relao ao reconhecimento da filiao diz que:

[...] o reconhecimento da filiao gera efeitos patrimoniais. Os filhos reconhecidos equiparam-se em tudo aos demais, no atual estgio do nosso ordenamento, gozando de direito hereditrio, podendo pedir alimentos, pleitear herana e propor ao de nulidade de partilha. Na convico de Diniz (2003), a prtica da fertilizao artificial aps a morte do doador do material fecundante, deve ser proibida, visto que a criana oriunda desta procriao artificial no poder herdar, tendo em vista que quando da morte do autor da herana, ainda no estava concebida.

Assim como Diniz (2003), Gonalves (2008) um dos adeptos da corrente que nega a capacidade sucessria do concebido post mortem, e seu fundamento encontra tambm respaldo no contedo do artigo 1.798 do Cdigo Civil. Veementemente contrrios a esse grupo de doutrinadores que mencionamos, esto nomes como Maria Berenice Dias, Silmara Chinelato, Juliane Fernandes Queiroz e Carlos Cavalcanti Albuquerque Filho. Segundo Chinelato (2007) negar a capacidade sucessria do concebido por inseminao artificial pstuma, consiste em retroagir ao sistema jurdico anterior, em que vigorava a discriminao entre os filhos. Contudo, prevalece no atual sistema o princpio da igualdade entre os filhos e tendo a filiao reconhecimento por fora do art. 1597, inciso III do Cdigo Civil de 2002, da mesma forma dever ser atribudo o direito sucessrio aos concebidos postumamente. Na concepo de Albuquerque Filho (2006, p.190): [...] vedar reconhecimento e direito sucessrio a quem foi concebido mediante fecundao artificial post mortem pune, em ltima anlise, o afeto, a inteno de ter um filho com a pessoa amada. Pune-se o desejo de realizar um sonho. Queiroz (2001) utiliza como elemento de autorizao a prole eventual, situao em que o genitor atravs de testamento resguardaria os direitos sucessrios de seu futuro filho, o qual s iria ser concebido aps a sua morte dentro de um prazo mximo de dois anos. Assim, a aplicao desse instituto ao passo que protegeria a criana fruto desta modalidade de inseminao artificial, tambm evitaria uma insegurana jurdica para os herdeiros nascidos ou j concebidos quando da morte do autor da herana, pois se dentro do prazo de dois anos no fosse concebida a criana, os demais herdeiros no teriam que esperar indefinidamente pela diviso da herana. Portanto, Queiroz (2001, p. 80) conclui que:

[...] se o testador pode atribuir a sua herana prole eventual de terceiros, tambm o pode, sem qualquer restrio sua prpria prole. Ocorreria ento o emprego de analogia para assegurar direito sucessrio resultante das tcnicas de inseminao artificial. Contudo, para alguns operadores do direito, entre eles Vargas (2008), este entendimento inaceitvel, visto que o Cdigo Civil estaria dando tratamento diferenciado aos filhos, pois aqueles naturais, adotivos ou havidos por inseminao enquanto o doador estava vivo, teriam direitos sucesso legtima, enquanto que os concebidos por meio de inseminao post mortem somente teriam direito herana atravs da sucesso testamentria, com base na previso de prole eventual. Essa situao ensejaria um tratamento discriminatrio, proibido pelo ordenamento jurdico brasileiro e nos remeteria a outras questes: haveria justia em privar de direitos sucessrios filho concebido sem previso testamentria? Que razes levariam uma pessoa a depositar em um banco de smen seu material fecundante se no o desejo de ser pai? Leite (2010) reconhece o direito sucessrio apenas na hiptese da concepo ter ocorrido in vitro, enquanto o genitor estava vivo, ainda que a implantao no tero da receptora se d aps sua morte. Faz, portanto, uma distino entre o embrio (desenvolvimento do vulo j fecundado) e o smen criopreservado. Corrobora com esse entendimento Chinelato (2007), salientando que o embrio dispor de capacidade sucessria, pois o Cdigo Civil (art. 1.798) no distingue o locus da concepo e nem obriga que seja implantado. Requer to somente a concepo. Na opinio de Hironaka (2003), a inseminao homloga post mortem s deve ser permitida se houver autorizao do doador, que expressamente mencione o uso de seu material fecundante aps a morte, produzindo efeitos tanto na esfera do direito de famlia como no campo do direito sucessrio. Contudo, ainda que realizada esta tcnica de procriao artificial, sem permisso do doador do material fecundante, no h o que se cogitar em direito sucessrio, por se tratar de um ato anulvel em razo da ocorrncia do vcio de vontade. Mesmo entre aqueles que reconhecem o direito sucessrio do filho concebido mediante fecundao artificial pstuma, existe certa tendncia a estabelecer o prazo de dois anos para que ocorra a concepo, fazendo analogia ao prazo fixado em hiptese de prole eventual (CC 1.800 4). Com relao a isso, Dias (2011, p. 124) alerta que:

A tentativa de emprestar segurana aos demais sucessores no deve prevalecer sobre o direito hereditrio do filho que veio a nascer, ainda que depois de alguns anos. Basta lembrar que no h limite para o reconhecimento da filiao por meio de investigao de paternidade, e somente o direito de pleitear a herana prescreve no prazo de 10 anos (CC 205).

Decerto que o ordenamento jurdico brasileiro no vem acompanhando na mesma proporo os avanos cientficos alcanados nas reas mdicas. Especificamente no mbito da inseminao artificial homloga. Essa situao de descompasso, comprometeria a soluo de casos que envolvam os direitos das crianas advindas por meio dessa tcnica de reproduo humana assistida.

Para Dias (2011, p. 125):

Mesmo que tenha o autor da herana autorizado por escrito a fecundao depois de sua morte, questiona-se se o filho dispe de direito sucessrio, uma vez que no existia quando da abertura da sucesso. Claro que estas novidades alimentam acaloradas discusses e o surgimento de posies dspares, at porque a fecundao pode correr anos aps o falecimento de quem em vida manifestou o desejo de ter filhos. Entendo que, quando a legislao aceita o nascido posteriormente, no h de se negar o direito de herana. Ningum pode ir contra fato prprio. Quando reconhecida a qualidade de filho no pode se diferenciar a qualidade de sucesso, visto que as normas de direito hereditrio decorrem das relaes de famlia.

7. CONCLUSO Conclui-se ento que a partir do caso exposto na atividade estrutura, concordamos com a fertilizao '' in vitro'', posto que, seria da vontade do falecido obter um herdeiro. Pois mesmo que ele no pudesse ter realizado seu sonho em vida, caber esposa tornar realidade o projeto parental dos dois. Dessa forma, a ao interposta pela esposa do falecido em face da clinica foi a deciso correta diante de tal situao. Filsofo alemo contemporneo. Para ele, o papel da filosofia apenas o de emprestar coerncia ao relato dos resultados da cincia no que diz respeito Histria e aos dilemas e perspectivas da atualidade. (Cobra, Rubem Queiroz. Filosofia Contempornea: Resumos.2001).

QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurdicos e tcnicas de inseminao artificial. 2001, p. 63.

HATEM, Daniela Soares. Questionamentos Jurdicos diante das novas tcnicas de reproduo assistida. In: S, Maria de Ftima Freire de (org.). Biodireito. 2002, p.185.

Necessrio salientar no possurem as expresses reproduo e procriao, no tocante espcie humana, o mesmo significado. A reproduo requer a unio dos gametas feminino e masculino. Portanto, o ser gerado ter constituio gentica diferente da de seus genitores, no sendo, dessa forma, re-produzido. Assim, procriao seria o melhor termo a ser empregado. (QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurdicos e tcnicas de inseminao artificial. 2001, p. 69) Todavia, apesar da diferena semntica entre as expresses, sero elas, no trabalho, tratadas como sinnimos, em razo do emprego similar que recebem, cotidianamente.

FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa. 1986, p. 1490.

FRANA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 2001, p. 226.

Idem, Ibidem, p. 226.

RIBEIRO, Gustavo Leite apud ORSELLI, Helena de Azeredo. A Reproduo Humana Medicamente Assistida e seus reflexos jurdicos na filiao. Revista Jurdica da Universidade Regional de Blumenau, n.13, jan/jun, 2003, p. 69.

ALDROVANDI, Andra, FRANA, Danielle Galvo de. A reproduo Assistida e as relaes de parentesco. Jus Navigandi. n.58, ago. 2002.

Idem, p. 224.

BRASIL, Lei n 10.406 de 10 de janeiro. Cdigo Civil, 2002. Disponvel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm Acesso em 05 Mar. 2013.

Disponvel em http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1957_2010.htm. Acesso em 06 Mar 2013.

Material disponvel em http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf. Acesso em 23/09/2010.

Idem, p. 54.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Dos direitos da esposa sobre o esperma do marido in Procriaes artificiais e o direito. So Paulo: Editora RT, 1995.

LEITE, Gisele. Conseqncias jurdicas da fertilizao assistida da viva aps a morte do depositante. Disponvel em http://jusvi.com/artigos/701.

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