subsídios para a história da tauromaquia em salvaterra de magos - séc xix, xx, xxi

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Page 1: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

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Page 2: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA TAUROMAQUIA EM SALVATERRA DEMAGOS

Séc. XIX, XX, XXI

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Autor: Gameiro, JoséEditor: Gameiro, José Rodrigues

Morada: Bairro Pinhal da VilaRua Padre Cruz, Lote 42120-059 Salvaterra de [email protected]ção: Onlinehttp://www.historiadesalvaterra,blogs.sapo.pt

Janeiro 2011

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Page 3: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Para os meus sobrinhos:

Cláudio José, Rogério,

Diogo, Mariana, Rui, e

Cláudio Nuno, Cujo grande apoio não devo esquecer, sempre atento na colaboração, nesta e nas anteriores edições online já publicadas

Com um carinho especial, para o meu cunhado, Manuel Fernandes Travessa, um apaixonado,destas “coisas” dos toiros.

Por último, para o meu cunhado: Ma Travessa, Um apaixonado, O MEU CONTRIBUTO

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Page 4: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Sou descendente de gente simples do campo, meu avô paterno, foi campino, como foram todos os seus irmãos.

A minha passagem pelo mundo da festa brava, cingiu-se apenas na escrita

de uma ou outra notícia, ou artigo de alguma efeméride, como: “Os 76 anos sobre a morte do famoso toureiro ribatejano, natural de Salvaterra de Magos; Vicente Roberto”, que foi publicada no “Diário do Ribatejo”, ou as entrevistas sobre: “Os 50 anos da inauguração da praça de toiros de Salvaterra” e, a entrevista ao antigo forcado, “José Hipólito – Figura Típica da Terra” que foram publicados no jornal “Aurora do Ribatejo”.

Em 1976, fiz notícia jornalística, de uma jornada reivindicativa de toiros de morte em Portugal, que teve lugar no salão nobre do Clube Desportivo Salvaterrense, e, na sua sequência, meses depois levou à morte de toiros na praça de Salvaterra. Um outro artigo fiz sair no já desaparecido jornal Vale do Tejo, quando do falecimento do aficionado António Cadório. De vez enquanto lá me aparecem pedindo a minha ajuda, entusiastas destas coisas dos toiros, ou estudantes interessados em saber algo sobre a morte do Conde dos Arcos, ocorrida num brinco de toiros, aqui em Salvaterra. Esta morte, para muitos é ainda uma incógnita e motivo de grandes discussões entre aficionados, e não só, também os que gostam de “contos e lendas” ligados à terra, tentam desvendar o que apenas se sabe pelo que está escrito.

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O meu espólio sobre a temática taurina em Salvaterra, sendo guardado ao longo de muitas décadas, não é coisa que valha, são documentos recolhidos por carolice, que cruzam dados sobre lavradores/ganadeiros que aqui tinham terras, desde o séc. XIX, e faziam criação de toiros. O campino tinha lugar de destaque naquelas importantes casas agrícolas, como guardador das manadas de gado bravo. Os cavaleiros, toureiros e moços de forcados, são outros componentes que enriqueceram a festa brava nos séc. XX e XXI, desta vila ribatejana. Com tais documentos, pensei se não valeria a pena agrupar todo este material e, com ele fazer um livro, para não se perder tanta informação, que muito valerá aos interessados em aprofundar Sendo uma tradição de séculos, não só ribatejana, aqui está esta edição – “Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos- séc. XIX, XX e XXI” . É um pequeno trabalho que ficará ao dispor de quem um dia queira fazer um estudo profundo da história da tauromaquia em Salvaterra de Magos.

Se isso vier a acontecer, já me sinto contente !!

Janeiro de 2011 JOSE GAMEIRO (José Rodrigues Gameiro)

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A Última corrida de Touros em Salvaterra Nota Prévia

A trágica morte do jovem fidalgo, Manuel José de Noronha e Menezes, 7º Conde dos Arcos, filho do Marquês de Marialva, numa corrida de touros, em Salvaterra de Magos, tem servido para muita transcrição ao longo dos tempos, levou a que Luiz Augusto Rebello da Silva, numa das suas obras marcantes, e um marco de referencia do romantismo português, no séc. XIX.

Ao longo dos tempos, em tudo quanto é editado sobre Salvaterra, não deixa de aparecer,” A Morte do Conde dos Arcos”. Conto que sendo romanceado, segundo alguns autores, foi escrito cerca de 70 anos depois do acontecimento.

A MORTE DO CONDE DOS ARCOS

“O sr. D. José, primeiro do nome, era em Salvaterra um rei em férias. –A verdade é que os maldizentes notavam, em segredo, que Sua Majestade, estava sempre ao torno e o Marquês no trono. O prolóquio fundava-se na habilidade mecânica do monarca como torneiro, e no carácter dominador do marquês como ministro.

Vicejavam os campos em plena primavera. A amendoeira cobria-se de flores, os bosques esfolhavam-se, as veigas vestiam-se e matizavam-se, e a brisa doidejava indiscreta arregaçando o lenço à

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donzela que passava, ou roubando um beijo à rosa perfumada. Tudo eram alegrias e cânticos… os rouxinóis nas moitas, o coração nos amores, e a natureza nos sorrisos ao sol esplêndido que a dourava.

O Rei estava em férias em Salvaterra e, uma tourada real chamara a corte a restante fidalguia do país a esta vila. Os fidalgos respiravam nestas ocasiões menos oprimidos. Não os assombrava tão de perto a privança do ministro. Os touros eram bravos, os cavaleiros destros, o anfiteatro pomposo, e o cortejo das damas adorável. O prazer na boca de todos. Por cúmulo de venturas o Marquês de Pombal ficara em Lisboa, retido pelo conflito com o embaixador de Espanha.

Contava-se em segredo nos recantos do palácio o diálogo entre o enviado castelhano e o secretário de estado português, louvando-o uns em voz alta, para os ecos daquelas paredes repetirem os elogios, crucificando-o outros sem piedade, para saciarem os ódios.

As devotas e os fidalgos puritanos eram pelo espanhol, e pediam a Deus que os rebates da guerra próxima despenhassem o plebeu nobilitado do seu pedestal político. Os magistrados e os homens de capa e volta, defendiam o marquês e respondiam com meios sorrisos às fogosas jaculatórias dos zelosos do trono e do altar.

O Marquês de Pombal, tinha-se negado com firmeza às concessões exigidas imperiosamente pelo governo castelhano:

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– Muito bem, - atalhou o embaixador – um exército de sessenta mil homens entrará em Portugal e fará … - O quê ? – Perguntara o marquês, sorrindo-se com a tremenda luneta assentada e no tom mais indiferente.

- Fará entender a razão e a justiça de el-rei, meu amo, a Sua Majestade, e a vossa excelência! – Redarguiu meia oitava acima o espanhol, supondo o ministro fulminado.

Sebastião José de Carvalho franziu as sobrancelhas, carregou a viseira, e cravando a vista e a luneta no diplomata, retorquiu-lhe friamente: - Sessenta mil homens muita gente é para casa tão pequena; mas querendo Deus, el-rei meu amo e senhor, sempre há-de achar onde possa hospedá-la. Mais pequena era Aljubarrota e lá couberam os que D. João de Castela trouxe.

Vossa excelência pode responder isto ao seu governo. E, levantando-se para despedir o embaixador, acrescentou: - Bem sabe vossa excelência que pode tanto cada um em sua casa, que mesmo depois de morto é precisos quatro homens para o tirarem!

O embaixador saiu jurando por Dyos y la Virgem Santíssima, e o marquês preparou-se para a guerra. O caso é, como dizia o nosso Zeferino na Sobrinha do Marquês, que Sebastião José de Carvalho foi um grande ministro e que fez muito pela nação. Hoje há menos quem responda assim à letra às ameaças dos estrangeiros.

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Berra-se muito, dorme-se a sono solto ao som dos hinos patrióticos e depois salva o castelo de madrugada e está salva a pátria.

O marquês de Pombal prezava as artes e protegia e animava as classes médias. Esse pouco que o reino progrediu deveu-se a ele. Se a indústria nunca acabou de sair da infância, a culpa quase toda foi dos maus governos que sucederam ao seu, e também do povo que não quis trabalhar deveras…

Mas vamos aos touros reais. Desses é que o ministro não gostava nada. Queria-os ao arado e não à farpa, e parecia-lhe melhor, que os toureadores, sendo fidalgos, servissem o Estado com a pena ou com a espada, e, sendo mecânicos, que lavrassem, tecessem e

ganhassem honradamente a vida, enriquecendo-se a si e à nação.

Mas el-rei D. José, cedendo em tudo ao marquês, quanto aos touros não admitia reflexões. Nisto era rei a valer e Bragança legitimo. Os fidalgos sabiam-no e por isso desfrutavam doces prazeres – a satisfação do gosto nacional e a contradição da vontade do ministro.

Desatendê-la sem perigo e pela mão do soberano era para eles um deleite e um triunfo. Nestas funções não vigorava a severidade das últimas pragmáticas. Outro motivo de júbilo. Quem queria podia arruinar-se em luxuosos vestidos, enfeites e toucados.

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As bordaduras e os recamos de ouro, os veludos e sedas de fora, talhados à francesa, resplandeciam constelados de pérolas e diamantes. Por cima dos mais ricos trajos e das mais vistosas cores desenrolavam-se os anéis ondeados das empoadas cabeleiras. As damas ostentavam as graças de seus donaires e tufados, e emoldurando o belo oval dos rostos nos penteados caprichosos, sorriam-se para os gentis campeadores, e seus olhos cheios de luz e de promessas estimulavam até os tímidos.

Correram-se as cortinas da tribuna real. Rompem as músicas. Chegou el-rei, e logo depois entra pelos camarotes o vistoso cortejo, e vê-se ondear um oceano de cabeças e de plumas. Na praça ressoam brava alegria as trombetas, as charamelas e os timbales.

Aparecem os cavaleiros, fidalgos distintos todos, com o conto das lanças nos estribos e os brasões bordados no veludo das gualdrapas dos cavalos. As plumas dos chapéus debruçam-se em matizados cocares, e as espadas em bainhas lavradas pendem de soberbas talins.

Os capinhas e forcados, vestem com garbo à castelhana antiga. No semblante de todos brilha o ardor e o entusiasmo.

O Conde de Arcos, entre os cavaleiros, era quem dava mais na vista. O seu trajo, cortado à moda da corte de Luiz XV, de veludo preto, fazia realçar a elegância do corpo.

Na gola da capa e no corpete sobressaiam as finas rendas da gravata e dos punhos. Nos joelhos as ligas

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bordadas deixavam escapar com artificio os tufos de cambraieta alvíssima.

O conde não excedia a estatura ordinária; mas, esbelto e proporcionado todos os seus movimentos eram graciosos. As faces eram talvez pálidas de mais, porém animadas de grande expressão, e o fulgor das pupilas negras fuzilava tão vivo e por vezes tão recobrado, que se tornava irresistível.

Filho do marquês de Marialva e discípulo querido de seu pai, do melhor cavaleiro de Portugal, e talvez da Europa, a cavalo, a nobreza e a naturalidade do seu porte enlevavam os olhos.

Ele e o corcel, como que ajustados em uma só peça, realizavam a imagem do centauro antigo. A bizarria com que percorreu a praça, domando sem esforço o fogoso corcel, arrancou prolongados e repetidos aplausos.

Na terceira volta, obrigando o cavalo quase a ajoelhar-se diante de um camarote, fez que uma dama escondesse turvada no lenço as rosas vivíssimas do rosto, que decerto descobririam o melindroso segredo da sua alma, se em momentos rápidos como o faiscar do relâmpago pudesse alguém adivinhar o que só dois sabiam.

El-rei, quando o mancebo o cumprimentou pela última vez, sorriu-se, e disse voltando-se: - Porque virá o conde quase de luto à festa ? Principiou o combate.

Não é propósito nosso descrever uma corrida de touros. Todos teem assistido a elas e sabem de

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memória o que o espectáculo oferece de notável. Diremos só que a raça dos bois era apurada, e que os touros se corriam desembolados, à espanhola.

Nada diminuía, portanto, as probabilidades do perigo e a poesia da luta. Tinham-se picado alguns bois. Abriu-se de novo a porte do curro, e um touro preto investiu com a praça. Era um verdadeiro boi de circo. Armas compridas e reviradas nas pontas, pernas delgadas e nervosas, indício de grande ligeireza, sinal de força prodigiosa.

Apenas tocara o centro da praça, estancou como deslumbrado, sacudiu a fronte e, escavando a terra impaciente, soltou um mugido feroz no meio do silêncio, que sucedera às palmas e gritos dos espectadores.

Dentro em pouco as capinhas, saltando a pulos as trincheiras, fugiam à velocidade espantosa do animal, e dois ou três cavalos expirantes, denunciavam a sua fúria.

Nenhum dos cavaleiros se atreveu a sair contra ele. Fez uma pausa. O touro pisava a arena ameaçador e parecia desafiar em vão um contendor. De repente viu-se o Conde dos Arcos firme na sela provocar o ímpeto da fera e a haste flexível do rojão ranger e estalar, embebendo o ferro no pescoço musculoso do boi.

Um rugido tremendo, uma aclamação imensa do anfiteatro inteiro, e as vozes triunfais das trombetas a charamelas encerraram esta sorte brilhante. Quando o nobre mancebo passou a galope por baixo do

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camarote, diante do qual pouco antes fizera ajoelhar o cavalo, a mão alva e breve de uma dama deixou cair

uma rosa, e o conde, curvando-se com donaire sobre os arções, apanhou a flor do chão sem afrouxar a carreira, levou-a aos lábios e meteu-a no peito. Investindo depois com o touro, tornado imóvel com a raiva concentrada, rodeou-o estreitando em volta dele os círculos até chegar quase a pôr-lhe a mão na nuca.

O mancebo desprezava o perigo e pago até da morte pelos sorrisos, que seus olhos furtavam de longe, levou o arrojo a arrepiar a testa do touro com a ponta da lança. Precipitou-se então o animal com fúria cega e irresistível. O cavalo baqueou trespassado e o cavaleiro, ferido na perna, não pôde levantar-se. Voltando sobre ele o boi enraivecido arremessou-o aos ares, esperou-lhe a queda nas armas, e não se arredou senão quando, assentando-lhe as patas sobre o peito, conheceu que o seu inimigo era um cadáver.

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Este doloroso lance ocorreu com a velocidade do raio. Estava já consumada a tragédia e não havia expirado ainda o eco dos últimos aplausos.

De repente um silêncio, em que se conglobam milhares de agonias, emudeceu o circo. Rei, vassalos e damas, meio corpo fora dos camarotes, fitavam a praça sem respirar e erguiam logo a vista ao céu como para seguir a alma que para lá voava envolta em sangue.

Quando mancebo, dobrado no ar, exalava a vida antes de tocar no chão, um gemido agudo, composto de soluços e choro, caiu sobre o cadáver como uma lágrima de fogo. Uma dama desmaiada nos braços de outras senhoras soltara aquele grito estridente, derradeiro ai do coração ao rebentar do peito. El-Rei D. José com as mãos no rosto, parecia petrificado. A corte desta vez acompanhava-o na sua dor. Mas o drama ainda não tinha concluído. Quem sabe!?

O terror e a piedade iam cortar de novas mágoas o peito a todos. O Marquês de Marialva assistira a tudo do seu lugar. Revendo-se na gentileza do filho, seus olhos seguiam-lhe os movimentos brilhando a cada sorte feliz.

Logo que entrou o touro preto, carregou-se de uma nuvem o semblante do ancião. Quando o Conde dos Arcos saiu a farpeá-lo, as feições do pai contraíram-se e a sua vista não se despregou mais da arriscada luta.

De repente o velho saltou um grito sufocado e cobriu os olhos, apertando depois as mãos na cabeça. Os

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seus receios haviam-se realizado. Cavalo e cavaleiro rolavam na arena, e a esperança pendia de fio ténue !

Cortou-lhe rapidamente a morte, e o marquês perdido o filho, luz da sua alma e ufania de suas cãs, não preferiu uma palavra, não derramou uma palavra; mas os joelhos fugiam-lhe trémulos, e a elevada estatura elevou-se vergando ao peso da mágoa excruciante.

Volveu, porém, em si, decorridos momentos alivia palidez do rosto tingiu-se de vermelhidão febril subitamente. Os cabelos desgrenhados e hirtos revolveram-se-lhe na fronte inundada de suor frio como as sedas da juba de leão irritado.

Nos olhos amortecidos faiscou instantâneo, mas terrível, o sombrio clarão de uma cólera, em que todas as ânsias insofridas da vingança se acumulavam.

Em um ímpeto a presença reassumiu as proporções majestosas e erectas como se lhe corresse nas veias o sangue do mancebo que perdera.

Levando por acto instintivo a mão ao lado, para arrancar da espada, meneou tristemente a cabeça. A sua boa espada, cingira-a ele próprio ao filho neste dia que se convertera para sua casa em dia de eterno luto.

Sem querer ouvir nada, desceu os degraus do anfiteatro, seguro e resoluto como se as neves de setenta anos lhe não branqueassem a cabeça. – Sua majestade ordenou ao marquês de Marialva, que aguarde as suas ordens! – disse um camarista, detendo-o pelo braço.

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O velho estremeceu como se acordasse sobressaltado, e cravou no interlocutor os olhos desvairados, em que reluzia o fulgor concentrado dum pensamento imutável .

Desviando depois a mão que o suspendia, baixou mais dois degraus.- Sua majestade entende foi já bastante desgraçado e não quer perder nele dois vassalos…- El-rei manda nos vivos e eu vou morrer! – atalhou o ancião, em voz áspera, mas sumida – Aquele é o corpo do meu filho! – e apontava para o cadáver – Está ali!

Sua majestade pode tudo menos desarmar o braço do pai, menos desonrar os cabelos brancos do criado que o serve há tantos anos. Deixe-me passar, e diga isto.

D. José vira o marquês levantar-se e percebera a sua resolução. Amava no estribeiro-mor as virtudes e a lealdade nunca desmentidas. Sabia que da sua boca não ouvira senão a verdade, e a ideia de o perder assim era-lhe insuportável.

Apenas lhe constou que ele não acedia à sua vontade, fez-se branco, cerrou os dentes convulsos e, debruçado para fora da tribuna, aguardou em ansioso silêncio o desfecho da catástrofe.

A esse tempo já o marquês pisava a praça, firme e intrépida como os antigos romanos diante da morte. Dentro do peito o seu coração chorava, mas os olhos áridos queimavam as lágrimas quando subiam a rebentar por eles. Primeiro do que tudo queria a vingança.

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Por impulso instantâneo, todo o ajuntamento se pôs de pé. Os semblantes consternados e os olhos arrasados água, exprimiam, aquela dolorosa contenção de espírito, em que um sentido parece concentrar todos.

- Deixai-o ir ao velho fidalgo! A mágoa, que o trespassa, não tem igual. O fogo, que lhe presta vida e forças, é a desesperação. Deixai-o ir, e de joelhos! Saudai a majestade do infortúnio. O pai angustiado ajoelhou junto do corpo do filho e pousou-lhe depois um ósculo na fonte. Desabrochou-lhe o talim e cingiu-o, levantou-lhe do chão a espada e correu-lhe a vista pelo fio e pela ponta de dois gumes.

Passou depois a capa no braço e cobriu-se. Decorridos instantes estava no meio da praça e devorava o touro com a vista chamejante, provocando-o para o combate.

Cortado de comoções tão cruéis, não lhe tremia o braço e os pés arreigavam-se na arena como se um puder oculto e superior lhos tivesse ligado repentinamente à terra.

Fez no circo um silêncio gélido, tremendo e tão profundo, que poderiam ouvir-se até as pulsações do coração do marquês, se naquela alma de bronze o coração valesse mais do que a vontade.

O touro arremete contra ele. Uma e muitas vezes o investe ego e irado, mas a destreza do marquês esquiva sempre a pancada. Os ilhais da fera urfam de fadiga, a espuma franja-lhe a boca, as pernas vergam e resvalam, e os olhos amortecem de cansaço. O ancião zomba da sua fúria. Calculando as distâncias,

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frustra-lhe todos os golpes sem recuar um passo. O combate demora-se.

A vida dos espectadores resume-se nos olhos. Nenhum usa desviar a vista de cima da praça. A imensidade da catástrofe imobiliza todos. De súbito solta el-rei um grito e recolhe-se para dentro da tribuna. O velho aparava a peito descoberto a marrada do touro, e quase todos ajoelharam para rezarem por alma do último marquês de Marialva.

A aflitiva pausa apenas durou momentos. Por entre as névoas, de que a pupila trémula se embaciava, viu-se o homem crescer para a fera, a espada fuzilar nos ares e logo após sumir-se até aos copos entre a nuca do animal.

Um bramido, que atroou o circo, e o baque do corpo agigantado na arena, encerraram o estremo acto do funesto drama. Clamores uníssonos saudaram a vitória.

O marquês, que tinha dobrado o joelho com a força do golpe, levantava-se mais branco do que um cadáver. Sem fazer caso dos que o rodeavam, tornou a abraçar-se com o corpo do filho, banhando-o de lágrimas e cobrindo-o de beijos.

O touro ergueu-se, e, cambaleando com a sezão da morte, veio apalpar o sitio onde queria expirar. Ajuntou ali os membros e deixou-se cair sem vida ao lado do cavalo do conde dos Arcos.

Nesse momento os espectadores olhando para a tribuna real estremeceram. El-rei, de pé e muito

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pálido, tinha junto de si o marquês de Pombal, coberto de pó e com sinais de ter viajado depressa.

Sebastião José de Carvalho voltava de propósito as costas à praça falando com o monarca. Punia assim a barbaridade do circo. – Temos guerra com a Espanha, senhor.

E inevitável. Vossa majestade não pode consentir que os touros lhe matem o tempo e os vassalos. Se continuássemos nesse caminho … cedo iria Portugal à vela.

- Foi a última corrida marquês. A morte do conde dos Arcos acabou os touros reais enquanto eu reinar– Assim o espero da sabedoria de vossa majestade. Não há tanta gente nos seus reinos, que possa dar-se um homem por um touro.

- El-rei consente que vá em seu nome consolar o marquês de Marialva ? - Vá ! É pai. Sabe o que há-de dizer-lhe…!

- O mesmo que ele me diria a mim, se Henrique estivesse como está o conde. El-rei saiu da tribuna, e o marquês de Pombal, entrando na praça em toda a majestade da sua elevada estatura, levantou nos braços o velho fidalgo, dizendo-lhe com voz meiga e triste:

- Sr. Marquês! Os portugueses, como V. exª., são para darem exemplos de grandeza de alma e não para os receberem. Tinha um filho e Deus levou-lho. Altos juízos seus!

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A Espanha declara-nos a guerra e el-rei, meu amo e senhor, precisa do conselho e da espada de v.exª. e travando-lhe da mão, levou-o quase nos braços até o meterem na carruagem.

D. José I, cumpriu a palavra dada ao seu ministro. No seu reinado não mais se picaram touros reais em Salvaterra.”

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II

O CONDE DOS ARCOS - A SUA ORIGEM E

MORTE

NOTA PREVIA

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É pela carta real de 2 de Fevereiro de 1620 que,

pela primeira vez se fala deste título; Conde dos Arcos.

É um título atribuído com conotação à povoação de

Arcos de Valdevez.

Segundo alguns historiadores, o nascimento do 7º

Conde dos Arcos; D. Manuel José de Noronha e

Menezes, terá acontecido em Marvila, no ano de 1740.

Em 1989, quando pesquisava o local onde teria

existido o “Teatro Régio de Salvaterra”, pessoas que

agora teriam 115 anos de idade, disseram-me que na

meninice deles, o povo falava que o sítio onde teria

acontecido a corrida, era num terreno aberto, por

detrás do Paço das Damas. Lembravam-se, que no

primeiro quartel do séc. XX, aquela zona foi urbanizado

com algumas casas. E que alguns lhe chamavam

“Canto da Ferrugenta”, outros o “Páteo do Pardalada”.

Quanto ao registo da morte sabe-se foi feito nos serviços da secretaria do paço real de Salvaterra e, do mesmo, fez notícia a “ Gazeta de Lisboa”, jornal da época.

A POLÉMICA

A curiosidade em conhecer melhor o que foi escrito por Rebello da Silva, sobre a “Última corrida de toiros em Salvaterra e a morte do Conde dos Arcos” tem levada à realização de vários colóquios, onde as

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inúmeras intervenções, causam sempre alguma polémica. Também em 2003, Vitor Escudero, considerado um investigador no mundo dos toiros, em Portugal, Arraigadamente disse numa reunião de aficionados, realizada em Salvaterra, “É uma das maiores mentiras da nossa História”, o Conde dos Arcos morreu, na Murteira (Samora Correia).

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De acordo com o registo cronológico dos titulares “Conde dos

Arcos”, regista-se a sua morte em 1779, mas em documentos

usados posteriormente, como: “certidão de óbito”, a sua morte

ocorreu em 10 de Fevereiro de 1778.

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Já antes, Pizarro Monteiro, falecido em 1991, deixou

escrito em 1982, que a morte do Conde dos Arcos,

nunca aconteceu de maneira trágica em Salvaterra,

mas sim de morte natural, conforme uma oração

fúnebre deixada escrita em 1778.

Também quando das obras, realizadas na Igreja

Matriz da vila, em 1958, o padre José Rodrigues Diogo,

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pároco da freguesia, em presença de três pedras

tumulares em frente ao altar daquele templo, disse:

Uma delas é do Bispo João Soalhães, fundador da

Igreja, em 1296, cujo orago é S. Paulo. Uma outra é, do

Conde dos Arcos, veio do convento de Jericó, quando

do sismo de 1858.

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III

TOIROS DE MORTE EM SALVATERRA

Depois do acontecido em 1762, com a morte do

Conde dos Arcos, vários abusos com mortes de toiros

aconteceram em praças portuguesas.

Em 1921, Joaquim Mella, na praça de toiros das

Caldas da Rainha, estoqueou um toiro e, logo de

seguia em Salvaterra de Magos, o toureiro

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“Faculdades”, que muitas vezes fez parelha com os

irmãos Roberto(s), abateu toiros o que deu origem à

publicação de uma nova lei que revogava as anteriores

proibições, que vinham de 1837 e 1838.

Novamente e apesar das proibições, em 1927,

foram mortos toiros em praças de Portugal. Novo

decreto-lei, foi publicado no Diário do Governo, de 11

de Abril de 1928, estabelecendo pesadas sanções para

os prevaricadores, bem como aos proprietários das

praças.

Em 1952, Manuel dos Santos, estoqueou um toiro no

Campo Pequeno e, mais tarde coube a vez ao matador

António dos Santos. Os anos decorriam e os

aficionados, toureiros e ganadeiros pugnavam, mesmo

em surdina, pela morte dos toiros na arena, das praças

portuguesas,

Aproveitando as incertezas políticas que pairavam

em Portugal, depois da revolução dos cravos, em 1974,

novamente o “mundo” ligado a festa tauromáquica,

realiza em Salvaterra de Magos, no dia 18 de

Dezembro de 1976, no salão do Clube Desportivo local,

um colóquio, Da reunião, fiz noticia que foi publicada

no jornal “Diário do Ribatejo” em 18 de Dezembro de

1976, que aqui transcrevo:

26

Page 27: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

“Sim, toiros de morte em Salvaterra de Magos foi a palavra de

ordem, no colóquio realizado no passado dia 18, no Salão do

Clube Desportivo Salvaterrense. Promovido pela Comissão

Pró-Toiros de Morte em Portugal e apoiada pela Comissão da

Praça de Toiros de Salvaterra, e na sequência de outras

sessões sobre o mesmo tema, foi levada a efeito uma sessão

e esclarecimento sobre a situação da tauromaquia em

Portugal e dar a conhecer o ponto da situação sobre o

movimento que se está a desenvolver para as corridas na

próxima temporada, sejam integrais. Compunham a mesa do

colóquio: Dr. Queirós (advogado), José Júlio, Parrreirita

Cigano, António Portugal, Ludovino Bacatume Mestre Batista

(toureiros). Rogério Amaro (critico e pegador de toiros), João

Ramalho(ganadeiro) João Mascarenhas, Chony, Francisco

Rocha (aficionados), e ainda as senhoras; Isabel Cadencio e

Carolina Bacatum. Foram ainda convidado e, estiveram

presentes; forcados, campinos e alguns elementos da

Comissão que tinham em seu poder a gerência da praça de

toiros da misericórdia local.

Abriu o colóquio, o sr, Chony que fez algumas

considerações sobre as perspectivas e a sua viabilidade dos

toiros de morte em Portugal. Seguidamente foi dada a palavra

ao ganadeiro João Ramalho, que fez uma síntese dos toiros

de lide e as dificuldades na sua criação. O dr. José Queiró,

27

Page 28: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

começou a sua intervenção, por fazer algumas considerações

ao processo judicial, onde estão envolvidos os matadores e

cavaleiros, que intervieram na já célebre corrida de 31 de

Outubro do corrente ano, em Vila Franca de Xira. Depois fez

algumas análises ao Decreto-Lei, que proíbe os toiros de

morte em Portugal e que data de 1836,e que foi confirmado

pelo Decreto de 1919, que prevê para as infracções nalguns

pontos multas de 2$00 e 15$00, mais tarde em 1921 saiu a

Portaria que vem de igual modo regulamentar as corridas de

toiros e suas implicações, ainda em 1928, saiu outro Decreto-

Lei sobre igual matéria e que na opinião jurista, tal matéria

publicada, está desde há muito ultrapassada, e que urge

modificar. Pela sua intervenção recebeu grandes aplausos.

O crítico de toiros do “jornal de noticias” e forcado, Rogério

Amaro, iniciou a sua intervenção sobre o papel dos moços de

forcados e a necessidade de os agrupamentos serem

reduzidos, se os toiros de morte for uma realidade, foi muito

aplaudido. José Júlio, António Portugal e Parreirita Cigano

descreveram cada uma à sua maneira o papel do matador de

toiros, em Portugal e em Espanha, Por todos foi condenado o

obsoleto Decreto, que ainda regula as corridas com toiros de

morte em Portugal. As senhoras, Isabel Cadencio e Carolina

Bacatum, referiram-se ao papel das senhoras no ambiente

tauromáquico, aplaudiram e incentivaram os elementos da

28

Page 29: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Comissão Pró-Toiros de Morte a prosseguir a sua luta, que

era aliás a luta de todos os aficionados.

O sr. João Mascarenhas, que na sua intervenção, empregou

grande entusiasmo e bastante aficion, começou por exortar os

presentes a apoiar a Comissão, que está a trabalhar no

projecto, que se espera dentro de algum tempo venha a ser

entregue ao governo. Fez uma critica, às ausências dos

aficionados, que servem nos meios da comunicação social, e

manifestou a sua grande alegria, por naquela sala encontrar

grande número de jovens e que se estava em presença de

novos aficionados. Loduvino Bacatum, também deu uma

achega, focando os aspectos dos toureiros, que sendo

reconhecidos como trabalhadores na sua profissão, nalguns

Ministérios, inclusive o do Trabalho, não podiam ser

matadores de toiros, em Portugal, também deu a conhecer

pormenores ao público presente de como tem sido o

“mister”de empresário neste país, e que num futuro muito

próximo, tal condição, terá que ser mais humana.

Ao entrar-se no período de perguntas aos elementos que

compunham a mesa, assistiu-se a um dialogo, muito vivo e

entusiasta, com perguntas que pelo seu conteúdo, verificava-

se que os aficionados Salvaterrianos, estavam deveras

preocupados com o futuro das corridas de toiros, muito

especialmente com as de toiros de morte, sendo muito

29

Page 30: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

frequente ouvir-se “a petição para a frente”, começar com os

toiros de morte em Portugal, ela se efective, mas terminaram,

com a morte do Conde de Arcos, na Primavera de 1762.

Por último foram exibidos filmes, dando conta à assistência de

como são frias e sem motivação, as corridas de toiros em

Portugal, em paralelo com as realizadas em Espanha, onde o

público vê o espectáculo, cheio de vibração quando o matador

remata a faena, com o estoque final. A assistência, cerca de

três centenas e meia de pessoas, saiu deveras entusiasmada,

assinando por fim as listas, para a respectiva petição de toiros

de morte em Portugal. 18-12-76 * JOSE GAMEIRO

**************

Uns meses depois, num ambiente, então descrito de

provocar a lei, na praça de toiros de Salvaterra, em 15 de

Maio de 1977, os toureiros Armando Soares e o espanhol “El

Macareño”, estoquearam 4 toiros. Do acontecido, o jornal

“Aurora do Ribatejo”, publicou notícia, em 25 de Maio de 1977.

30

Page 31: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

I

V CRIADORES DE TOIROS EM SALVATERRA

Nota Prévia

No séc. XIX, existem registos de lavradores de

Salvaterra de Magos, para além de terem, a sua

31

Page 32: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

actividade agrícola, desenvolviam a criação de gado

bravo. Havia as pequenas e grandes ganadarias.

Nas pequenas, trabalhavam um restrito grupo que

não passavam do Moiral, Contra Moral e Campinos.

Nos meses da Primavera e Verão, o gado pastava

nas terras frescas da bacia do rio Tejo. Como no

campo de Salvaterra e Lezíria Grande (Vila Franca de

Xira).

No tempo de Outono e Inverno, alimentavam-se do

pasto da charneca, lá para os lados do Chaparral e

Coelhos, pastando algumas vezes nas terras frescas,

que viriam a pertencer anos depois à Barragem de

Magos.

RODRIGO FERREIRA DA COSTA (Dr.)

Natural de Salvaterra de Magos, foi médico e criador

de gado bravo, por volta de 1873, forneceu vários

curros de toiros para a praça do Campo de Sant`Ana.

Falecer em 1878, na sua terra-natal.

ANTONIO FERREIRA ROQUETTE

Natural de Salvaterra de Magos, teve casa agrícola

nesta vila, foi criador de toiros, com divisa: turquesa e

branco. Os seus toiros gozavam de grande fama.

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Page 33: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Enviou alguns curros para a praça de Sant`Ana, em

Lisboa e chegou a fornecer curros para Madrid. O

lavrador de Alpiarça, João Ignácio da Costa, comprou-

lhe alguns toiros, para apurar as suas rezes. Tal como

seu irmão, José Ferreira Roquette, foi toureiro e

cavaleiro amador, conseguindo grande popularidade.

JOSE LUIZ DE BRITO SEABRA

Nasceu em Salvaterra de Magos, em 30 de Agosto

de 1845, foi dono com sua mãe do palacete construído

nesta vila, que mais tarde passou a propriedade da

família Monte Real. Foi lavrador e ganadeiro,

presidente da câmara municipal de Salvaterra de

Magos, membro da Junta Geral do Distrito de

Santarém. Foi sócio fundador do Real Club

Tauromachico Portuguez, fundado em 23 de Fevereiro

de 1892. Faleceu em Valada, no dia 27 de Julho de

1893.

ANTONIO JOSE FERREIRA DA SILVA

Nasceu a 19 de Setembro de 1889, filho do ganadeiro

com o mesmo nome, forneceu toiros para serem

corridos em várias praças dos pais, a sua divisão era

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Page 34: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Azul, e as manadas pastavam nos campos de

Salvaterra.

ROBERTO DA FONSECA JUNIOR

Nasceu em Salvaterra de Magos, filho reconhecido

do antigo bandarilheiro, Roberto da Fonseca, quando

da abertura do seu testamento * Nos últimos anos do

séc. XIX, pretendeu ser toureiro, convencido de que

não tinha aptidões artísticas, dedicou-se à criação de

toiros de lide.

JOSE FERREIRA ROQUETTE

JFR

Nasceu em Salvaterra de Magos, era irmão de

António Roquette, teve uma manada de toiros bravos,

com a divisa verde.

JOÃO ANTÓNIO FERNANDES

Pequeno lavrador, natural de Salvaterra de Magos,

tinha uma vacada e, alguns toiros de selecção, que

pastavam nos campos da vila, junto ao Tejo. Forneceu

curros para várias praças dos pais.

ROBERTO & ROBERTO

34

Page 35: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

(Vicente Roberto e Roberto da Fonseca),

RR

Nasceram em Salvaterra de Magos, como

bandarilheiros ganharam fama e proveito, dedicaram-

se à agricultura e tiveram uma ganadaria de toiros de

lide, que pastavam nos seus campos de Salvaterra. Um

curro de toiros desta ganadaria, foi corrido na arena do

Campo de Sant`Ana, em Dezembro de 1987, onde teve

lugar a última corrida nesta praça. Actuaram os

cavaleiros Casimiro Monteiro, Alfredo Tinoco, José

Bento de Araújo e D. Luiz do Rego.

Estes ganadeiros integraram em Portugal, o primeiro

lote, que construíram “Tentaderos” para testarem as

suas vacas e, para tal construíram um, na sua Herdade

dos Coelhos.

FRANCISCO FERREIRA LINO

FFL

* Nasceu em Salvaterra de Magos, filho de João Francisco

Lino, iniciou a actividade agrícola, aos 18 anos, depois

35

Page 36: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

de passar pelo comércio em Lisboa. De pequeno

lavrador, foi comprando propriedades e, por volta de

1915, acabou de construir o seu Palacete, cujo começo

vinha antes do terramoto de 1909, na sua Quinta da

Ómnia. A sua ganadaria, teve início naquela época,

sendo os seus animais oriundos de António Ferreira

Roquette.

JOSE VICENTE DA COSTA RAMALHO

Filho do lavrador e benemérito, Gaspar da Costa

Ramalho, em 1936, era detentor de casa agrícola, com

criação de toiros, que pela fama adquirida nas praças

portuguesas, começaram a ser solicitados para as

arenas de Espanha.

IRMÃOS ROBERTO

(Vicente Roberto Ferreira da Fonseca, Roberto Ferreira da

Fonseca (Dr.) e,

João Roberto Ferreira da Fonseca)

36

Page 37: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

IR

Receberam por herança casa agrícola e ganadaria, de

seu pai João Roberto, que por sua vez recebeu da firma

Roberto & Roberto. A Ganadaria, na primeira metade

do séc. XX, muita fama lhes deu.

JOÃO RAMALHO

(JOÃO JOSE DE MORAES SARMENTO COSTA RAMALHO)

Nasceu em Salvaterra de Magos, filho do lavrador e

ganadeiro; José Vicente da Costa Ramalho * Sede:

Quinta da Gatinheira (Salvaterra de Magos) * Divisa:

Lilás e Branco

* Historial: Em 1961 compra 30 vacas Toiros a José

Pedrosa e 1 toiro e 4 vacas “Chamaco”, vindas de

Pinto Barreiros, com ferro de irmãos Roberto

(Salvaterra de Magos) * Em 1963, compra 8 vacas

Urquijo x Alves do Rio, a Dr. José Manuel Andrade

(linha toda dada ás filhas: Thereza e Helena Ramalho)

37

Page 38: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

JOSE LUIS PEREIRA DIAS

Natural da Malveira (Oeste), na década de 70 do séc.

XX, veio para Salvaterra de Magos, onde tem morada *

Divisa: Azul e Preto * Toiros oriundos: José Manuel

Andrade, Engº Ruy Gonçalves e Cabral de Ascensão *

Antiguidade: 1976

FELICIDADE DIAS

(Felicidade da Conceição Filipe Pereira Dias)

38

Page 39: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

* Nos anos 70 do séc. XX, fixou residência em

Salvaterra de Magos * esposa do ganadeiro José Dias

e, mãe dos Irmãos Dias * Divisa: Encarnado e Amarelo

* Toiros oriundos: Andrade Salgueiro e Manuel César

Rodrigues * Ganadaria conhecida desde 1984.

IRMÃOS DIAS

José Luís Pereira Dias e Felicidade da Conceição Filipe

Pereira Dias

Filhos de José Dias e Felicidade Dias,

* Ganadaria desde 1976 * Tem sede em Salvaterra de

Magos (Ribatejo) * Toiros oriundos de Norberto

Pedroso, que iniciou uma ganadaria em 1910, com

vacas portuguesas de Manuel Duarte Oliveira e

Condessa da Junqueira. De Emílio Infante da Câmara,

também adquiriu algumas vacas e sementais.

THEREZA E HELENA RAMALHO

(Thereza Margarida e Helena Rita Bastos de Moraes

Sarmento Ramalho)

39

Page 40: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

*Morada na Quinta da Gatinheira (Salvaterra de

Magos) * Divisa: Laranja e Verde Musgo

* A sua ganadaria é oriunda de seu pai João

Ramalho. Antiguidade já conhecida em 1976, nos

últimos anos deixaram de ter registo, passando os

seus animais a integrar a ganadaria de seu pai, com o

fim de serem corridos em Espanha.

V

CRIADORES DE CAVALOS EM SALVATERRA

Nota Prévia

As terras de Salvaterra de Magos, junto ao rio Tejo,

férteis em aluvião, onde a erva fresca era muito

convidativa para a criação de gado cavalarem.

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Page 41: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Nas Estatísticas de Portugal, dos últimos anos do

séc. XIX, constam que a produção animal, de gado

bovino, cavalar e asno, criada neste concelho, tinha

grande peso na economia do pais, quer em quantidade

e qualidade. O burro, era aproveitado em grande

quantidade para os cruzamentos com (égua/cavalo),

dando origem ao Macho/Mula, para os trabalhos mais

exigentes da lavoura.

Entre os vários criadores do gado da raça cavalar,

constava a casa agrícola, Cadaval, de Muge.

PORFIRIO NEVES DA SILVA

Natural de Salvaterra de Magos, foi grande lavrador

com terras no concelho onde nasceu e, nos concelhos

vizinhos. Era respeitado por todo o Ribatejo

(anteriormente Estremadura), pela dedicação a que se

entregou à criação do gado cavalar. Nos registos

antigos do Ministério do Exército, verifica-se que foi

muito pretendido, pela qualidade do seu gado, que

apresentava na remonta, todos os anos.

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Page 42: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Em 1907, foi Administrador-Interino da Câmara

Municipal da sua terra-natal, o que lhe valeu o seu

toponímico à rua que mais tarde passou a Gen.

Humberto Delgado.

JOÃO OLIVEIRA E SOUSA

Oliveira e Sousa, sendo engenheiro,

pertenceu aos quadros do exército, com

o posto de Capitão.

Era abastado lavrador, com residência

em Salvaterra de Magos, contava em

1935, com propriedade nos concelhos de Salvaterra de

Magos, Coruche, Benavente, Vila Franca e Azambuja.

Também possuía propriedades no norte do pais, pois

era oriundo da zona da Guarda.

Na sua actividade agro-pecuária, dedicava grande

apreço pela criação do gado cavalar, onde incluía bons

exemplares nascidos de uma éguada da raça lusitana,

que pastava por vezes na Lezíria Grande (Vila Franca

de Xira). A sua coudelaria, proveio de António José da

Silva, que em 1893, já cuidava de criar bons

exemplares de cavalos, destinados à remonta,

realizada pelo exercito português. Com a sua morte, os

filhos, continuaram a casa agrícola (Oliveira e Sousa,

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Page 43: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Herdeiros), tendo os netos o cuidado de continuarem a

administram a Casa Agrícola. As instalações da

Coudelaria, são na Quinta do Massapez, em Salvaterra

de Magos

IRMÃOS ROBERTO

(João Roberto da Fonseca, em 1939, com 78 anos de

idade, pai de Vicente Roberto da Fonseca; de Roberto

da Fonseca (Dr.) e de João Roberto Ferreira da

Fonseca), tendo a sua casa agrícola, dedicava especial

atenção à criação do gado bravo e do gado cavalar.

Teve exemplares em várias exposições em

Salvaterra.

Em 1928 recebeu um diploma, pela presença de 10

poldros, considerados de grande qualidade, numa

exposição do então Ministério da Guerra.

ANTONIO DA SILVA LAPA

Natural de Salvaterra de Magos, desde jovem, como

agricultor interessou-se pela criação de gado cavalar.

Depressa, escolheu e veio a manter uma raça de

cavalos que destinava à cavalaria militar e desportiva.

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Page 44: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Para esse tipo de exemplares, usava o cruzamento

do Português “Alter” com “Zapota”, animal das terras

da Andaluzia (Espanha). Aos 76 anos de idade, ainda

era um credenciado criador de cavalos.

MENEZES & IRMÃO, LDª

Os irmãos José Eugénio de Menezes e António

Eugénio de Menezes, fundaram uma Sociedade

Agrícola. Por falecimento deste último, passou a

pertencer à firma, seu filho, António de Menezes.

Foram criadores de cavalos raça Lusitano, em terras

de Salvaterra e do Pombalinho (Santarém).

JOSE LOPES FERREIRA LINO

Nasceu em Salvaterra de Magos, em 1914, na

década de 60, sendo funcionário da câmara municipal

de Salvaterra de Magos, fazia uma pequena agricultura

e, tinha gosto pela criação de cavalos e éguas, que

pastavam nas terras de Alcamé (Vila Franca),

apresentando-os depois à venda na Remonta Anual,

que o exército fazia em Salvaterra de Magos.

44

Page 45: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Sendo um grande aficionado da festa brava, possuía

um jogo de cabrestos, que fazia exibir nas Festas da

terra.

***********************

******* *******

45

Page 46: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

VI

A DINASTIA ROBERTO

Nota Prévia

Desde menino de escola, ouvia falar dos Roberto(s).

Diziam que foram toureiros. Nesse tempo, talvez em

1955, passando eu, na rua Cândido dos Reis (Antiga

Rua S. António), dei comigo envolvido entre uma

multidão, que em grande alegria descerravam uma

placa de homenagem aos irmãos toureiros. Esse

grande número de pessoas, estavam ali com os

representantes da Casa do Ribatejo, deixando uma

lápide na parede, por cima da porta de um prédio da

família, o seu preito de gratidão, aos homens que um

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Page 47: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

dia honraram Salvaterra e o Ribatejo, com as suas

belas actuações em praças de toiros de Portugal e

Espanha.

O tempo passou…! Nunca mais, os seus conterrâneos

se lembraram deles, nem uma rua com o seu

topónimo.

Foram simplesmente esquecidos. Os autarcas,

aqueles que decidem, nunca tiveram em conta, o seu

valor artístico que levou a todos os cantos, o nome de

Salvaterra, nem a lembrança da sua benemerência.

A ORIGEM

O nome Roberto referenciado em Salvaterra de Magos, nos meados do séc. XVIII, segundo alguns estudos genealógicos, estará ligado aos falcoeiros, vindos da Holanda, como mestres daquela arte. Henrique Jacob (1744-1829), um deles, casou com Ana Josefa de Vasconcellos, desta vila, e daí o início da dinastia – Os Jacob (s). António Roberto da Fonseca, tal como os seus irmãos Luís Roberto da Fonseca, Tito da Fonseca e Antão José da Fonseca, nasceram em Angra do Heroísmo (Açores), vindo ainda crianças para Lisboa. Estando instalados em Salvaterra de Magos, segundo algumas crónicas da época, tropas da última das três invasões francesas, Um outro grupo de militares, estava aquartelado no lado norte do Tejo, num palacete de Valada. Aqui em Salvaterra de Magos, houve forte confronto com o exército português, tendo o povo local muito ajudado nesse combate militar.

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Muitos residentes da vila foram foragidos. António Roberto da Fonseca, recebeu a protecção dos Conde de Almada, que tinham á época um palacete na vila. (1). Aos 12 anos de idade, mostrou algumas aptidões para enfrentar toiros de lide. Seus irmãos, Tito, Luís e, o Antão, também exprimiam este gosto e, tourearam alguns anos.

********

(1) – Palacete, que tendo brasão de pedra dos Almadas, nos anos 50 do séc. XX, era propriedade da família Roquette *

ANTÓNIO ROBERTO DA FONSECA,

Nele foi encontrada muita aficion, foi bandarilheiro profissional, a sua apresentação pública, foi na então pequena povoação da Glória (Glória do Ribatejo), depois de receber lições de: Manuel Faria, António Cordeiro e Vicente Tinoco, afamados lidadores da época. Toureou na antiga praça de toiros existente no Salitre (Lisboa), com seus irmãos; Antão e Luís Roberto, que faleceu em 1862.

* Retirou-se da profissão de picar toiros, em 1859, bastante velho e arruinado de saúde. Veio a falecer em Salvaterra de Magos, a 21 de Março de 1882. Os seus três filhos; Vicente Roberto, Roberto Jacob da Fonseca e João Roberto, também

enveredaram pela arte do toureio.

Algumas crónicas da época, da especialidade taurina, conservam textos, das actuações destes “monstros” da tauromaquia portuguesa, que foram

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Vicente e Roberto da Fonseca. A tourear, ganharam fama e proveito, mas foram humildes na vida cívica.

Depois de retirados das arenas, recolheram-se à vida da agricultura, na sua terra natal, Salvaterra de Magos.

A agricultura, e a criação de gado bravo, foram caminhos bem aproveitados, que deixaram a seus descendentes. Em relação ao filho, João Roberto da Fonseca, atingiu um plano pouco lisonjeiro nesta arte dos toiros.

VICENTE ROBERTO

Nasceu na vila de Salvaterra de Magos, em 1836.

Foram seus pais, António Roberto da Fonseca e D.

Maria Gertrudes da Fonseca. Seu pai, foi também um

toureiro distinto. Vicente Roberto, chegou a aprender o

ofício de alfaiate; manifestando, porém decidida

vocação para o toureio, principiou a aplicar-se à arte

tauromáquica, toureando em Almada com 13 anos de

idade.

O Conde de Vimioso, que assistia à corrida ao ver a

maneira como Vicente Roberto acabava de evidenciar

a sua aptidão para as lides

taurinas, depois da corrida

desceu à arena, abraçou-o,

incentivando-o ao estudo, e

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ofereceu-lhe um trajo de “luces” de bandarilheiro. Fato

de azul e oiro, que seria o primeiro, que vestiu de uma

brilhante carreira.

Quando aprendia o ofício de alfaiate, em Vila Franca

de Xira, fez parte da filarmónica da terra, no intuito de

aproveitar o denominado “BOI PARA A MUSICA”, o que

se costumava tocar nas corridas no Ribatejo. Aos 18

anos, começou a apresentar-se como toureiro de

profissão, juntamente com seu pai e seu irmão João

Roberto, que era igualmente um excelente executante,

entre outros artistas.

Em 1858, estreou-se na praça de toiros do Campo

de Sant`Ana, e estão bem vivas na memória de todos

as ovações que ali alcançou. A sua reputação firmou-

se cada vez mais, e em 1861, entrou para o quadro de

artistas contratados pelo empresário Domingos

Alegria. Os críticos da época, não se fartavam de o

elogiar, sempre que actuava, os jornais chegavam a

fazer segunda edição, só para venda em Lisboa.

O seu primeiro benefício realizou-se em 1862,

apresentando-se nele também seu irmão, Roberto da

Fonseca, que sendo convidado a tomar parte se

recusara, dizia: não ter grande habilidade, grande era

a sua grande modéstia.

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A insistência foi muita, actuou e brilhou na arena de

tal sorte que depois veio a tornar-se um dos mais

notáveis mestres do toureio nacional. É impossível dar

nota de todos os triunfos, ovações e festas artísticas

de Vicente Roberto; o público correia sempre

pressuroso a saudá-lo freneticamente e os bilhetes

atingiam um preço elevadíssimo, com praças sempre

cheias. Toureou em todas as praças de Portugal, e pela

primeira vez, em 1865, na de Badajoz, correndo touros

desembolados e com sorte inovadoras, como a

“Cadeira”, alcançando um legítimo sucesso.

Em 1892, foi convidado pela nova sociedade

“Empresa Tauromáquica Lisbonense”, para actuar com

seu irmão Roberto da Fonseca, no dia 18 de Agosto, na

corrida à portuguesa, na inauguração da praça de

touros do Campo Pequeno, em Lisboa. Na Figueira da

Foz, toureou a 10 de Setembro de 1888, numa sorte de

cadeira, ficou gravemente ferido e teve de recorrer a

uma enfermaria da misericórdia local. Debatendo-se

entre a vida e a morte, recebeu inúmeras provas de

simpatia e dedicação, tanto do digno provedor

comendador Afonso Ernesto de Barros, que havia

pouco tempo tinha sido agraciado com o titulo de

visconde da Marinha Grande, como de Frederico

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Nogueira de Carvalho, Fernando de Mello, José Jardim,

que pertenciam ao pessoal médico e enfermagem do

hospital.

Apenas se restabeleceu do lamentável desastre,

contemplou aquela instituição, com um importante

donativo, e no seu testamento deixou-lhe mais um

legado. Com tal colhida, a sua saúde agravou-se, ficou

débil cada vez mais, e a medicina usando todos os

recursos declarou-se impotente, e após um doloroso e

prolongado martírio, faleceu às 11 horas da manhã, do

dia 1de Junho de 1896, rodeado de toda a família que

durante tanto tempo disputou à morte aquela preciosa

existência. Pessoa dedicada ao bem e ao útil, e que

mais uma vez deu eloquentes provas de grande

amizade e solidariedade que havia entre os irmãos

Roberto, o seu sobrinho, o nosso prezadíssimo amigo e

distinto bandarilheiro João Roberto, que algum dia será

o digno representante dessa raça de artistas(1).

PRIMEIRO ANO APÓS A SUA MORTE

O jornal semanário “ PRETO E BRANCO” publicado

em 1867, faz o elogio fúnebre a Vicente Roberto,

quando da passagem do primeiro aniversário após a

sua morte.

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(1) - Foi testamenteiro do tio; Roberto Jacob da Fonseca e continuou com a casa agrícola, deixando depois a seus filhos, que passaram a usar o ferro Irmãos Roberto

“Vimos hoje, com a alma alanceada por uma profunda

saudade, registar o primeiro aniversário do falecimento

dessa simpática individualidade que se chamou Vicente,

prestando a devida homenagem a esse incomparável

amigo que soube conquistar um nome imorredoiro no

toureiro português, onde é contado entre os seus

grandes mestres, nobilitar-se por actos

de filantropia em que reflectiu a bondade da sua alma.

Na mais grato para nós do que evocar esse vulto saudoso, que sempre nos distinguiu com uma imerecida simpatia; o que

sentimos é não podermos dizer com profundos traços de verdade o que Vicente Roberto valeu como homem e como

artista; mas a palidez da nossa linguagem será animada

pela afectuosa lembrança que das brilhantes qualidades

deste ilustre morto, todos conservam arreigadas na

alma. Graças à extrema lhaneza e afabilidade do seu

trato, à honradez imaculada do seu carácter e ao seu

53

Page 54: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

coração sempre aberto às emoções do bem, Vicente

Roberto viu criar-se e desenvolver-se em volta de si uma

enorme simpatia e consideração, o que sem dúvida

devia contribuir para suavizar a vida, límpida como o

cristal, mas torturada pela doença que se agravara

enormemente nos últimos anos. Amigo delicado,

galgava por cima das maiores dificuldades e sacrifícios

para servir os seus amigos, fazendo um perfeito

contraste com a sociedade actual, tão degenerada;

filantropo benemérito, via na felicidade dos outros a sua

própria felicidade; era assim que despendia uma grande

parte da sua fortuna, adquirida já nos trabalhos da

arena, já na agricultura e criação de gado bravo, em

proteger hospitais, montepios e outras casas de

beneficência, e em socorrer muita pobreza ignorada,

enxugando muitas lágrimas e fazendo renascer a

esperança no peito dos desgraçados.

Como bandarilheiro, Vicente Roberto, ocupou desde

muito novo um dos primeiros lugares entre os mais

ilustres artistas tauromáquicos de Portugal.

Ágil, audacioso e infatigável, a sua vida de toureiro foi

uma série ininterrupta de calorosos triunfos; só seu

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Page 55: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

irmão Roberto Jacob da Fonseca, o podia igualar no

trabalho de bandarilhas, nos recortes à cabeça do toiro

sem o auxilio da capa e em outras sortes que executava

com graça e arte inexcedíveis e que faziam bramir de

entusiasmo os aficionados.

A sua fama de lidador exímio estendeu-se até à

própria Espanha, chegando a tourear em Badajoz, com

seu irmão Roberto da Fonseca, touros desembolados.

Ali, as espanholas que se deliciavam com essas lutas

titânicas entre o homem e o animal, e que aplaudem

com frenesim o pouco edificante espectáculo do toiro

que ajoelha agonizante aos pés do matador, as

espanholas, delirantes de entusiasmo ao ver o grande

artista endoidecer, subjugar e dominar o toiro com voltas

e mais voltas garbosas da sua capa vermelha,

prorromperem na mais veemente manifestação,

cobrindo o distintíssimo artista com uma nuvem de flores

e palmas. Dessas ovações delirantes que lhe

embriagaram a alma, conservava Vicente Roberto as

mais saudosas recordações. E nos últimos anos de sua

vida como não lhe seria doloroso ver-se impossibilitado

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Page 56: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

para o toureio que tanto amava por causa da cruciante

doença que dia a dia lhe vinha minando a existência!

De vez em quando, a pedido dos amigos, lá descia à

arena para colocar um magistral par de ferros em que se

revelava sempre o primoroso e distinto artista de outros

tempos.

Nessas ocasiões que bem raras eram, divisava-se-lhe

na fisionomia, cheia de bondade, uma passageira

alegria, e Vicente Roberto saia sempre da praça coberto

das mais ruidosas ovações de apreço e simpatia.

O nosso semanário, não comporta longas biografias,

razão porque nos limitamos a condensar uns traços

biográficos que resumem em síntese luminosa, o alto

valor desse homem que a par dum grande artista foi um

honrado e infatigável trabalhador, chegando a adquirir

uma opulenta fortuna, e um coração de oiro que

espalhou tantos benefícios pelos pobrezinhos da sua

terra natal, e por diversos estabelecimentos de caridade

do nosso país; uns e outros ainda pranteiam a perda

irreparável que sofreram e delas sobram as bênçãos e

flores, o mármore frio do seu túmulo.

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Page 57: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Hoje, dia do primeiro aniversário da sua morte,

depomos sobre o túmulo do nosso querido amigo um

“BUQUET” de sinceras saudades, ate porque

recordamos o povo da sua terra, desfilando reverente e

comovido perante o féretro e espargindo mil bênções

sobre aquele que foi um dos seus filhos mais dilectos e

um dos seus mais devotados protectores. Assim,

Vicente Roberto, que durante a vida se viu rodeado dos

maiores afectos e admirações, depois de morto teve

todas as honrarias a que tinha direito, sendo conduzido

à sua última morada por entre alas compactas dos

amigos. Vicente Roberto, evidenciando mais uma vez os

seus sentimentos piedosos, deixou em testamento

vários legados às Misericórdias; de Salvaterra de

Magos, Figueira da Foz, Coruche, Santarém e ao

Montepio de Salvaterra.

O grande artista reviverá na memória da família

amantíssima, no coração da qual deixou um imenso

vácuo, e na lembrança dos que tiveram a felicidade de

privar com ele, e conhecer as qualidades do seu

belíssimo carácter.

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Page 58: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

(Coimbra, 1 de Junho de 1897 – António Júlio (Vale de

Sousa)

ROBERTO JACOB DA FONSECA

“ Um amigo aficionado de Salvaterra, pede-me duas

linhas sobre o ex-bandarilheiro, que foi Roberto Jacob

da Fonseca.

Artista de um valor tão extraordinário, que é das

tarefas mais difíceis falar dessa glória da tauromachia

portugueza, que foi a maior figura do toureio antigo, e

a nossa maior relíquia, que hoje possuímos, vivendo na

sua linda Salvaterra, de tão grandes e históricas

tradições taurinas.

Inaugura-se hoje ali, a sua

nova praça de touros, que a

aficion do Ribatejo, aguardava

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Page 59: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

com impaciência, e a ela vae assistir, dirigindo a sua

primeira corrida de touros o bom velhinho, Roberto da

Fonseca, que foi um toureiro tão extraordinário, que a

sua grande fama não só foi conhecida em Portugal,

chegando até às praças de Hespanha, onde tanto se

exige dos seus artistas, e ali Roberto da Fonseca, fez a

mais brilhante das figuras, honrando a arte

portugueza, de lidar rezes bravas. Recorda-me ainda

com saudade, a tarde que o vi pela primeira vez, em

uma festa artística, dos Irmãos Robertos, na extinta

praça do Campo de Sant`Ana, onde o querido

bandarilheiro, tantas tardes de glória teve em

companhia do seu irmão Vicente, outro grande artista

já falecido, e do seu sobrinho o nosso amigo João

Roberto da Fonseca, actualmente retirado das lides

taurinas, mas ainda um verdadeiro aficionado, e um

dos mais reputados ganaderos portuguezes. Roberto

da Fonseca, que ainda hoje não teve quem o

egualasse, reuniu à sua esbelta figura, grandes

conhecimentos, grande hagilidade, de que era

possuidor, tornando-se o primeiro bandarilheiro

portuguez, saindo das sortes com elegância e frescura,

pisando sempre os verdadeiros terrenos, e assim

cravava no morilho dos touros excelentes pares de

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Page 60: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

bandarilhas, que os velhos aficionados ainda hoje

recordam com grande saudade.

Com a moleta, foi dos artistas portuguezes o primeiro,

que se dedicou a este toureio do vizinho reino, para o

que tinha muita habilidade, tendo tardes em que

estava primoroso.

Ainda inaugurou a praça do Campo Pequeno a 18 de

Agosto de 1892, em companhia dos seus colegas; ALFREDO

TINOCO, MINUTO, FERNANDO OLIVEIRA, VICENTE ROBERTO,

JOSÉ PEIXINHO, JOÃO CALABAÇA e RIO SANCHO, todos eles

já falecidos. Dos onze artistas, que há 28 anos

inauguraram a nova praça de Lisboa, apenas existem

ROBERTO JACOB DA FONSECA, JOÃO ROBERTO, RAFAEL

PEIXINHO e PESCADEIRO, este ausente em Hespanha, e

hoje retirado do toureio

. Depois da inauguração do Campo Pequeno, em

poucas corridas Roberto da Fonseca tomou parte,

despediu-se ao público aficionado, na festa artística

que seu sobrinho, João Roberto ali realizou, estando

magistral.

Dedicou-se depois à sua lavoura em Salvaterra,

encontrando-se ainda hoje à frente da sua casa

agrícola, o que foi um dos melhores ornamentos das

touradas em Portugal. Um grupo de amigos de

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Page 61: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Coruche, pediu-lhe a sua presença na praça da terra e,

em 18 de Agosto de 1899, toureou pela última vez.

Já muito velhinho, apareceu em 17 de Novembro de

1921,a presidir a corrida organizada pela Associação

dos Toureiros Portugueses, no campo pequeno,

amparado por José Bento Araújo, desceu à arena e aí

recebeu do público que esgotava a praça, a maior

ovação da sua vida, pois a aficion não o havia

esquecido.

Hoje, dia 1 de Agosto de 1920, vae inaugurar como

director da corrida, a nova praça, onde estará presente

o distinto e apreciado cavaleiro tauromáquico JOSE

CASIMIRO, outra glória da nova geração, e estamos

certos que a sua primeira sorte, será oferecida ao

respeitável toureiro, que com a sua presença, ali se

vão iniciar de novo as corridas de touros em

Salvaterra.”

O SEU TESTAMENTO

Roberto Jacob da Fonseca, que na sua juventude foi

bandarilheiro, tal como seu irmão Vicente, granjeou

fama e fortuna, nas arenas de Portugal e Espanha. No

seu último testamento, deixou expresso toda a sua

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Page 62: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

vontade, várias vezes modificada, antes de falecer.

Este último desejo, foi fechado no dia 24 Agosto de

1920, tendo o seu falecimento ocorrido no dia 8 de

Maio de 1923, com 79 anos de idade.

. Uma certidão foi passada, por António Emiliano

Garrido da Silva, há época secretário da administração

do concelho de Salvaterra de Magos, a pedido do seu

testamenteiro, o sobrinho João Roberto da Fonseca.

“Eu, Roberto Jacob da Fonseca, solteiro, de setenta e nove

anos de edade, natural da freguesia da vila e concelho de

Salvaterra de Magos, onde resido, filho legitimo de António

Roberto da Fonseca e de Maria Gertrudes Roberto, já

falecidos, faço o meu testamento pela forma seguinte:

Seguinte: - Em primeiro lugar declaro que de mulher ser livre,

com quem podia casar: houve um filho que é Roberto da

Fonseca Júnior, casado, natural e morador em Salvaterra de

Magos e a quem pelo presente testamento eu reconheço e

perfilho, para que ele tenha e gose todos os direitos, que a lei

concede aos filhos perfilhados. – Pelas forças da metade livre

aliás, da metade, cuja livre desposição a lei me permite, deixo:

- A Dona Vitalina Pasehoa (da Fonseca), solteira, de Salvaterra

de Magos, o seu uso fructo, de todas as minhas terras, para que

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Page 63: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

o gose enquanto viva for, ficando a propriedade das mesmas

terras a seus filhos, se, casando, e do matrimónio os vier a ter;

e os não tendo, ficará do, aliás, ficará por sua morte a

propriedade dita a meu sobrinho João Roberto da Fonseca; no

caso de este ser falecido, ficará tal propriedade a seus filhos,

dele meu sobrinho. Ao dicto meu sobrinho João Roberto da

Fonseca deixo em plena propriedade todos os meus celeiros,

abegoarias e palheiros, incluindo o terreno das cavalariças, que

está por vedar, bem como a chamada casa da capela e da

machina.

Com o ónus de ser meu primeiro testamenteiro. Como

especial demoustração da minha amizade, deixou-lhe todos os

meus brindes e objectos artísticos, que passarão para a sua

posse nas trez victrines

que estão encerrados com os que pertenceram a meu irmão

Vicente Roberto, e a meu sobrinho já pertencem, segundo

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Page 64: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

disposição testamentaria do dito meu irmão. Se á data da

minha morte meu sobrinho fôr falecido ficarão estes legados a

seus filhos. – A cada um dos filhos de meu sobrinho João

Roberto da Fonseca, deixo a minha corrente e relógio de ouro.

– Aos filhos de Roberto Anica, deixo duzentos escudos. – A

Vicente Anica deixo cento e cincoenta escudos. – Deixo mais:

- cento e cincoenta escudos a cada um dos seguintes: António

Anica- A João Carvalho Anica duzentos e cincoenta escudos,

aos filhos do falecido Doutor Gregorio Fernandes, um conto de

reis para todos, e á Excelentíssima Senhora Dona Sofia

Rodrigues Fernandes trezentos escudos, pedindo desculpa a

todos da singela lembrança, que lhes deixo, signal apenas da

muito veneração em que tenho a memoria do Doutor Gregorio

Fernandes; a cada um dos meus afilhados: Dona Amélia

Garcia de Carvalho, Vicente Roberto Garcia de Carvalho, e

Roberto Isaac da Nazareth, cento e cincoenta escudos; - A

Vitalina Isaac, duzentos escudos; ao meu amigo Joaquim

Paulino Duarte, ou caso seja falecido, a sua esposa, duzentos

escudos, ao meu afilhado Armando Santos ficará pertencendo

o meu anel de brilhantes, que está em uma caixinha de metal

dentro da montra. A Manuel Aleixo de Carvalho, se á data do

meu falecimento estiver ao serviço da Sociedade Roberto &

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Page 65: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Roberto, cento e cincoenta escudos; - aos meus velhos creados

Manoel Bernardino, Francisco Feijão, Miguel Galricho,

Roberto Gil e Francisco Morcego, se á data do meu

falecimento estiverem ao serviço da Sociedade Roberto &

Roberto, cem escudos a cada um; se alguns deles tiver falecido

no dito serviço,

revertará a importância

do seu legado para seus

legítimos herdeiros; - A

cada creado que na

minha casa, ou na

sociedade Roberto &

Roberto, tiver mais de

cinco anos de serviço, cincoenta escudos; - ao abegão Lino da

Silva duzentos escudos, se estiver de Roberto & Roberto, e,

caso tenha falecido nesse serviço, fica a mesma importância

cabendo a seus filhos; aos meus servidores Manoel Ribeiro e

Joaquim Almeida, se ainda o forem á data da minha morte,

cem escudos a cada; a Justa Pereira Lérias, duzentos escudos, e

a sua filha mais velha cincoenta escudos, a Maria das Dores

Carcereira, cem escudos; a Urbina Conceição e Rosa Pirralha,

se estiverem ao meu serviço, cem escudos a cada uma; deixo

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Page 66: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

ainda ao Hospital da Santa casa da Misericórdia de Salvaterra

de Magos, mil e quinhentos escudos; ao Hospital da Santa

Casa da Misericórdia de Coruche, mil escudos, ao Hospital de

Jesus Christo da Santa casa da Misericórdia de Santarém,

Santarém, quinhentos escudos, ao Hospital da Misericórdia da

Figueira da Foz quinhentos escudos; Quero que aos pobres de

Salvaterra sejam distribuídos cento e cincoenta escudos em

esmolas; e que por alma de meus paes e irmãos, se apliquem

trinta missas, e por minha alma vinte, todas de esmola não

inferior a um escudo; Se á data da morte existir Instituição que

destribua habitualmente sopa aos pobres de Salvaterra, quero

lhe sejam entregues duzentos escudos. Se por enfelecidade

dos que precisam, tal instituição não existir, será esta quantia

devidida por quinze jornaes, sendo nove de Lisboa, á escolha

do meu testamenteiro, e seis do Porto á escolha do meu amigo

velho amigo Júlio Gama, Redactor das Gasetas das Aldeias, a

esses jornaes espero dever a fineza da distribuição pelos seus

pobres, das quantias que lhes forem entregues, deixando eu

aqui á Imprensa do meu paiz o meu agradecimento, pelo

carinho, com que sempre se referiu á minha família,

apreciando-nos como artistas.

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Page 67: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

As contribuições a pagar pelo usofructo das propriedades que

fica a Dona Vitalina Paschoa da Fonseca, e a devida pelos

legados em dinheiro a particulares, ficam a cargo da minha

testamentaria. Todos os legados em dinheiro serão pagos em

moeda corrente no paiz e cumpridos dentro do ano posterior á

minha morte. Quero que por sua morte sejam depositados no

meu jazigo a já referida Dona Vitalina Paschoa da Fonseca e

meu sobrinho João Roberto da Fonseca, sua mulher e filhos, a

não ser que, por sua vontade ou de seus herdeiros hajam de o

ser em outro local. Nomeio meus testamenteiros: em primeiro

lugar meu sobrinho João Roberto da Fonseca, e em segundo

lugar o meu amigo Joaquim Ferreira Pedroza, a quem peço

aceite este encargo e a lembrança de trezentos escudos. Quero

que dos benefícios deste testamento seja excluído quem, sob

qualquer protesto, ou com qualquer intuito que não seja o de

fazer cumprir extremamente as suas, suas cláusulas. Tomar a

iniciativa de sobre ele levantar, aliás levantar letigio ou pleito.

E, no caso por mim não esperado, que tal se dê, se considedará

como não excripto tudo o que a esse referi. Quero que o meu

funeral, modesto, mas decente seja ordenado pelo meu

testamenteiro. E assim tenho feito o meu testamento, que quero

revogue qualquer outro que em data anterior, tenha feito.

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Page 68: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

E declaro que o mandei escrever, e que depois de o ter bem

lido e conferido e achado em tudo, conforme com a minha

ultima vontade, rubriquei as folhas e assigno no final,

conscientemente e livre de qualquer coacção ou imposição.

Em tempo declaro que os legados a Urbina Conceição e Rosa

Piralho serão de duzentos escudos, e não de cem, como por

lapso se escreveu. E tendo novamente lido todo o meu

testamento, achei em tudo conforme com a minha ultima

vontade e conscientemente e livremente o vou assignar depois

de ter rubricado as folhas, tendo tudo sido encripto a meu rogo.

Salvaterra de Magos, vinte e quatro de agosto de mil

novecentos e vinte. ainda em tempo uma declaração:

a meu sobrinho João Roberto da Fonseca, e na sua falta a seus

filhos, deixo como atrás digo todos os objectos artísticos e

brindes, com as vitrines em que estão guardados, tanto os

meus, como os que foram de meu irmão Vicente, quer sobre

este haja ou não disposição testamentária em favor do dito meu

sobrinho; porem quero que, comquanto se faça arrolamento e

avaliação desses objectos em qualquer tempo, para efeitos

convenientes, nunca a sua entrega possa ser exigida sem que

passe um ano sobre a minha morte. Uma vez mais li todo o

meu testamento, e parecendo-me nele deixar bem expresso o

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Page 69: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

meu pensamento o declaro a expressão da minha ultima

vontade, pelo que muito livre e espontaneamente o vou

assignar, depois de rubricar as folhas. Salvaterra de Magos,

vinte e quatro de Agosto de mil novecentos e vinte aliás

Salvaterra de Magos, vinte e quatro de Agosto de mil

novecentos e vinte (assignado) Roberto Jacob da Fonseca”

- Saibam quantos virem este auto de aprovação de testamento

cerrado, que aos vinte e quatro dias do mez de agosto do ano

de mil novecentos e vinte, nesta vila de Salvaterra de Magos e

escriptório da Firma Comercial Roberto & Roberto, na rua

denominada do almirante candido dos reis, onde vim eu

Notário Francisco César Gonçalves. O chamado do testador;

aqui estava pessoalmente presente Roberto Jacob da Fonseca,

solteiro, proprietário, de maior edade; Sui guris, anarador nesta

mesma vila de Salvaterra, e as trez testemunhas edoneas,

adeante nomeadas e no fim assignadas; e tanto eu notario

como as ditas testemunhas conhecemos aquele testador

Roberto Jacob da Fonseca pelo próprio e nos certificamos de

que ele está em seu perfeito juízo e de livre de toda e qualquer

coação. E por ele testador Roberto Jacob da Fonseca me foi

apresentado neste acto, em presença das mesmas testemunhas,

este testamento e disposição, declarando como ela é a sua

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Page 70: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

ultima vontade, o qual testamento, que eu vi, sem o ler está

escripto por pessoa diversa do testador , está rubricado e

assignado pelo mesmo testador, contem cinco laudas e mais

trez linhas de outra lauda e não tem borrão algum, entrelinhas,

emenda, ou nota marginal. E por verdade lavrei este auto, que

principiei em logo em seguida á assignatura do testamento e o

continuei sem interrupção, sendo testemunhas a tudo presentes

desde o principio até ao fim. Carlos de Novaes Barreiros,

Chefe da Secretaria da Câmara Municipal deste concelho –

Manoel da Silva Robeiro, Chefe da Repartição de Finanças

deste mesmo concelho – e José de Vasconcelos, Thesoureiro

da Fazenda Publica deste concelho. Todos trez casados, de

maior edade, cidadãos portuguezes, hábeis para testemunhas,

residentes nesta vila de Salvaterra de Magos, os quaes todos

assignam, com os seus nomes a dita primeira testemunha

Carlos de Novaes Barreiros, o qual efectivamente o leu neste

acto, em voz alta pelo testador em lugar deste e vão agora

todos assignar, como fica dito. E eu referido Notário Francisco

César Gonçalves o escrevi e assigno em raso depois de

egualmente lida em voz alta esta declaração por mim Notário e

pela dita primeira testemunha para esse fim indicado pelo

testador. Declaro que li este auto de aprovação do meu

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Page 71: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

testamenteiro e o reconheci conforme a minha vontade – (ass)

Roberto Jacob da Fonseca. (assignados sobre duas estampilhas

fiscaes no valor total de um escudo e cincoenta centavos, e

devidamente inutilizadas) Roberto Jacob da Fonseca - Carda

Silva Ribeiro – José de Vasconcelos – O Notário Francisco

César Gonçalves. Emolumentos seis escudos e cincoenta

centavos. Tem mais coladas duas estampilhas de contribuição

industrial no valor total de oitenta e dois centavos e uma

estampilha fiscal de um centavo e meio todas devidamente

inutilisadas e assignadas pelo Notário Francisco César

Gonçalves . (Na capa do testamento) Testamento de Roberto

Jacob da Fonseca, aprovado nesta vila de Salvaterra de Magos

aos vinte e quatro de Agosto de mil novecentos e vinte perante

mim Notário (ass) Francisco César Gonçalves. E nada mais

constava do dito testamento cerrado que bem e fielmente para

aqui fiz copiar em mão e poder do apresentante a quem o

entreguei do que dou fé . Foi lavrado nesta Administração o

respectivo auto de abertura apresentação e publicação deste

mesmo testamento, como consta do livro numero dois de autos

de abertura ou publicação de testamentos cerrados de folhas

um a folhas dois sob numero um. Administração do Concelho

de Salvaterra de Magos, oito de Maio de mil novecentos e

71

Page 72: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

vinte e trez. António Emiliano Garrido da Silva. E por ser

verdade fiz passar a presente cópia de certidão que assigno e

vae autenticada com o selo branco desta secretaria”

JOÃO ROBERTO DA FONSECA

Nasceu em Salvaterra de Magos, no

dia 19 de Março de 1860, sendo

neto, de António Roberto da

Fonseca, foi-lhe dado o nome do

pai. Por ter ficado órfão muito

cedo, foram seus tios; Vicente e

Roberto, que o protegeram e foram seus mestres na

vida artística. Toureou pela primeira vez em Alcácer do

Sal, a pedido do avô de João Núncio. A partir daí os

convites não mais pararam. Toureou depois em Vila

Franca de Xira, Santarém e Coruche. Em 1878,

apresentou-se no Campo Sant`Ana, num espectáculo

taurino, em benefício de uma creche. Um ano depois,

esteve na Barquinha, alternou com seus tios e Marcel

Botas, os toiros eram do dr. Máximo da Silva Falcão.

Esteve brilhante a tourear, nas sortes de saída do

curro e junto às trincheiras.

72

Page 73: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Os cartazes de algumas praças de Portugal

anunciavam-no em destaque e, em 1982, actuou em

Lisboa, com João Costa, afamado bandarilheiro. João

Roberto, nesta corrida esteve de tal sorte que deu um

brilharete a bandarilhar. Com a doença de seu tio

Vicente, começou a ser mais solicitado em Lisboa,

fazendo um contrato de seis épocas. Demolida a praça

de Sant`Ana, João Roberto passou a ser visto, na arena

do Campo Pequeno. Pelos êxitos alcançados, a sua

presença era muito solicitada em vários pontos do

país, pois deliciava os espectadores no capear na sorte

de “cadeira”, e na sorte de bandarilhar. Em Portalegre,

no ano de 1895, fez a sua despedida das arenas..

Um tempo depois, ainda pisou o recinto da praça da

sua terra - Salvaterra de Magos, num festival de

beneficência. Com a morte de João Roberto, terminou

a mais notável geração de toureiros, da mesma

família, em Portugal.

Foram seus filhos: Vicente Roberto da Fonseca,

nasceu em 2 de Dezembro de 1891, Dr. Roberto

Ferreira da Fonseca e João Roberto Fonseca

73

Page 74: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

**************************

VII

BANDARILHEIROS

Nota Prévia

Muitos nomes dos salvatorianos ilustres que pelo

seu destemido valor, actuaram em praças do país,

quer como cavaleiros, quer como bandarilheiros, não

tiveram grande espaço nas crónicas taurinas, dos

jornais da época. Da nobre família Costa Freire, sabe-

se Joaquim Pedro da Costa Freire, foi um grande

equitador, com fama em todo o Ribatejo toureiro.

Outros dos seus membros, ainda no séc. XIX, foram

amadores tauromáquicos, disso atesta as recordações

de ramalhetes de flores, bem guardados no palacete

da família.

ROGÉRIO AMARO

Rogério Amaro, nasceu em Salvaterra de Magos,

em 1943, conseguiu a alternativa de bandarilheiro.

Durante muitos anos foi peão de brega, dos

cavaleiros; Simão da Veiga Júnior e João Branco

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Núncio e, dos matadores de toiros; Manuel dos Santos

e Diamantino Viseu, entres outros. Terminou a sua

longa carreira ligada aos toiros, como director de

corridas.

JOAQUIM DA CONCEIÇÃO

Em 10 de Maio de 1953,

numa

corrida realizada, em

Salvaterra de Magos, sua terra

natal,

fez prova de alternativa de

Aspirante a Bandarilheiro.

Na comissão de apreciação

esteve presente o matador de

toiros Diamantino Viseu.

FRANCISCO FAZ-CORDAS

“El-Palhota”, nasceu em Salvaterra de Magos, foi

viver para Vila Franca de Xira, onde esperava

encontrar, espaço para a sua aficion, pois os toiros

eram a sua paixão. Entrou no mundo da tauromaquia,

como Bandarilheiro. A sorte não lhe sorriu, para

sobreviver, com um pouco de habilidade, lá foi

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Page 76: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

vivendo, fazendo os seus pequenos trabalhos

artísticos, em ferro e arame, com motivos taurinos.

ANTÓNIO CADÓRIO

Nasceu em 27 de Dezembro de 1921, ainda jovem,

na aprendizagem da arte de sapateiro, ficou a ser

conhecido pelo “Mestiço” . Foi

aprendiz do mestre daquela arte,

João Ferreira, conhecido por João

Coxinho, por ter uma perna

amputada.

Como as muitas tertúlias que existiam dos 52

sapateiros existentes na vila de Salvaterra de Magos, a

do mestre João Coxinho, torcia pelo matador de toiros;

Diamantino Viseu. Cadório, grande aficionado,

sempre viveu para a tauromaquia, queria ser

bandarilheiro. Desejando ter lugar e brilhar nas arenas,

sonhando abalou até Vila Franca de Xira.

Ali, viveu toda a sua vida com a profissão de

sapateiro. Dos seus sonhos, mais não fez que ensinar a

arte de tourear, numa escola que montou. De lá

saíram toureiros de fama, como José Júlio e José

Falcão, pois queria que eles brilhassem mais nas

76

Page 77: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

arenas, que os seus conterrâneos; Irmãos Vicente e

Roberto da Fonseca.

Já entrado na idade, António Cadório, regressou à

sua Salvaterra. Comigo falou algumas vezes das suas

frustrações e, até da maneira como era ignorado pelas

gentes da sua geração, pois dos novos já o esperava.

Ia fazendo os seus “biscates” de sapateiro. Viajava

muitas vezes na carreira, pois ia levar/buscar calçado,

aos seus antigos fregueses (Vila Franca, Alhandra e

arredores).

Era na estação das carreiras, que me falava da bela

arte de tourear a pé, como que tentando convencer-

me: “há muitos anos que não se toureia com sortes de

“gaiola” e de “navalha”, como ouvia dizer na nossa

terra, quando era miúdo, que aqueles brilharam e

tiveram glória, fama e proveito.

”António Cadório, faleceu no dia 20 de Outubro de

1979. Um dia a sua prima Conceição, que lhe dera

albergue, deu-me o seu BI, para aproveitar a

fotografia, afim de ilustrar um artigo que mais tarde

publiquei no já extinto jornal Vale do Tejo. Maurício do

Vale, tendo por Cadório, grande respeito e afeição,

escreveu no jornal “Vida Ribatejana”, um artigo que

aqui registamos.

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Page 78: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

ANTÓNIO CADÓRIO, MUITO COLHIDO PELA VIDA

MORREU NOS CORNOS DA DOENÇA!

“Estou arrumado”, dizia-me há tempos no Campo

Pequeno, quando à hora do sorteio por ali apareceu,

conforme combinara com Mário Coelho. António

Cadório, toda uma face abalada, era a imagem da

amargura pelo que o destino lhe guardara. O bilhete que

o toureiro lhe ofereceu, apertou-o ele, Cadório com a

força de quem se agarra a algo querido pela última vez.

E quase o foi!...

Morreu António Cadório! Morreu um Ribatejano!

Morreu um coração aficionado! Morreu um simples-

grande Homem dos Toiros!!!

Um Homem do Ribatejo!

Desde o sonho que teve em ser toureiro ao não

consegui-lo, a vida pregou-lhe várias colhidas. A

incompreensão dos homens condena muitos

Homens!...Mas essa condenação é uma medalha com

outra face – a da nobreza de carácter e sentimento que,

tarde ou cedo (e, quase sempre, mais tarde…), lhes é

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Page 79: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

reconhecida e devidamente cantada! Muitos foram os

toureiros que passaram pelas suas mãos, pelos seus

olhos! Uns lograram voar para o êxito (José Falcão,

Vítor Mendes, Palhota, Boleiro e outros); uns

conseguiram sair da penumbra, mas não puderam ir

além: outros, nem uma coisa nem outra. Com uma vida

repartida por Vila Franca de Xira, Alhandra e Salvaterra

de Magos, António Cadório nunca soube fechar as portas

para quem quer que fosse! Moços pobres, sem

“padrinhos”, batiam-lhe à porta, e ele aí estava com as

suas ganas e o seu saber.

Uma vida que valia a pena historiar e que, só por si,

seria um romance, um drama. Vivendo pobremente,

arranjava sempre aquele tempo e aquele mínimo de

cifrões para andar com os seus “maletillas”, de tenta em

tenta, daqui para ali.

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Page 80: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

A

“Palha Blanco” viu-o muitas vezes encostado à

trincheira a ver seus pupilos treinar. E pedia aos

toureiros que aconselhassem os seus rapazes, dizendo a

estes que ouvissem aqueles. Tinha bom sentido toureiro,

pelo que também opinava quando observava treinos de

“maestro”, como acontecia, às vezes, com Mário Coelho.

Este, aliás confessou sensibilizado que era de Cadório a

primeira muleta com que citou um bezerro (numa ferra,

já lá vai um bom par de anos!), bem como o escutava

quando trocavam impressões sobre toureio.

Morreu António Cadório! Muito colhido pela vida,

morreu nos cornos da doença! Morreu um dos poucos

poetas do toureio! Sonhador que era diante dos seus

“maletillas”, sonhando neles os êxitos que em si não

viveram, António Cadório merece o respeito de todos

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Page 81: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

nós, da Festa! Porque viveu, sonhando! Porque amou a

Festa, sonhando! Porque, talvez morresse nos cornos da

doença, sonhando que um toiro o matara na mais

imponente Monumental ou… na sua linda “Palha

Blanco”

Sepultado, no cemitério de Salvaterra de Magos,

sua terra-natal, o “Mestiço” como era conhecido, tem

na sua pedra tumular, uma poucas palavras; “uma

lembrança dos aficionados de Vila Franca de Xira”. Os

aficionados da sua terra, continuaram a tê-lo no

esquecimento.

*****************

************

*****

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Page 82: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

VIII

CAVALEIROS TAUROMÁQUICOS

TRAVESSA FERNANDES

(Rogério Manuel Silva

Travessa Fernandes),tal

como seu irmão Cláudio

José, entrou como

cavaleiro tauromáquico,

depois de actuar em

praças de Portugal, Espanha e, nos EUA (Califórnia).

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Page 83: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Fez a sua prova de cavaleiro praticante, em

Santarém, conforme noticiou o Jornal o Ribatejo, na

sua edição de 15 de Março de 1990.

Recebeu a alternativa, na monumental de Cascais,

no dia 24 de Julho de 1994, apadrinhado por José

Manuel Cortes. Daqui em diante, foram poucas as

corridas em que esteve presente. Com seu irmão,

associou-se na exploração de uma escola de ensino de

cavalos e cavaleiros.

CLAUDIO JOSÉ

(Cláudio José Silva Fernandes

Travessa). Tal como seu irmão

Rogério, desde muito novo teve o

sonho ser cavaleiro tauromáquico

e chegar à alternativa!

Depois de actuar, em Espanha,

durante alguns anos como

Rojenedor, foi até aos EUA, onde toureou na Califórnia.

Em Salvaterra, no dia 30 de Agosto de 1998, aos 23

anos de idade, obteve a alternativa, sendo seu

padrinho Joaquim Bastinhas. Nos anos seguinte, ainda

esteve presente nos cartazes de corridas em Portugal

e Espanha. Um Acidente, levou-o a ficar ausente dos

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Page 84: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

redondéis. Com seu irmão Rogério montou, uma

escola de ensinamento de cavalos e cavaleiros.

ANA BATISTA

(Ana Cristina Marramaque Batista), natural de Salvaterra de Magos, nasceu no dia 16 de Junho de 1978.

Ana Batista, desde muito nova quis ser cavaleira tauromáquica. A sua apresentação pública, vestindo de fato curto, foi na praça de toiros da sua terra-natal, em 1988, onde lhe foi destinado um novilho, toureando com o Praticante Cláudio José.

A sua alternativa, ocorreu dois anos depois, na praça de toiros de Coruche, em 8 de Julho de 2000, sendo seu padrinho; Joaquim Bastinhas. A sua carreira tem sido de grandes êxitos, tem estado presente em todas as arenas de Portugal.

Como figura do toureio a cavalo, também é muito apreciada em Espanha, onde se desloca todas as temporadas taurinas.

OUTROS CAVALEIROS AMADORES

Depois da praça de toiros de Salvaterra, ser

inaugurada, em 1920, alguns amadores, pelo gosto de

tourear a cavalo, não deixaram de ser solicitados a

actuar em arena, pois tinham angariado alguma

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Page 85: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

experiência. Passaram a constar em cartazes de

festivais taurinos em várias localidades do Ribatejo,

MÁRIO MARQUES

Mário Monteiro Marques, nascido a 17 de Maio de

1925, desde muito novo mostrou aptidões para a arte

equestre, era um artista na forma de ensinar os

animais.

Um acidente de viação, ocorrido em 25 de Março de

1858, tirou-lhe a vida e com ele foi o seu grande

sonho.

MONICA MONTEIRO

Mónica Monteiro, ainda menina, já manifestava o

gosto de andar a cavalo, pouco depois mostrava

grande tendência para a aficion, o toureio equestre era

a sua paixão. O Jornal o Ribatejo, na sua edição de 18

de Outubro de 1990, dava

a noticia que ela actuava,

com Cláudio Travessa,

entre outros amadores,

num espectáculo em

Santarém.

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Page 86: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

A sua apresentação pública, em Salvaterra de

Magos, sua terra-natal, foi em 1992. Os empresários

depressa viram nela uma cavaleira tauromáquica com

arte, que podia empolgar o público aficionado, nas

praças de toiros portuguesas. Treinava afincadamente,

esperando a sua oportunidade, foi convidada num

programa especial da Rádio Ribatejo, coordenado pelo

crítico, Paulo Beja, esteve ao lado de Ana Batista e

Sónia Matias. Em 1993, na Nazaré, num festival

taurino, em dia de carnaval, Mónica caiu do cavalo e,

foi internada de urgência em Leiria, tinha fractura de

crâneo. O estado de coma durou alguns dias, já estava

internada no hospital de Santa Maria. Recuperada, na

época seguinte, foi a Lagos tourear fazendo a prova de

cavaleira praticante, apareceu vestida com uma casa

de cor bordeaux filada a oiro. O sonho de ser cavaleira

tauromáquica, era uma meta, treinava diariamente.

Um dia quando regressava a casa pela estrada, o

movimento de carros era imenso, um pesado, apitou

por detrás, o animal teve medo, a Mónica caiu, ficou

paraplégica. Andou de cadeira de rodas, depois com

duas canadianas, depois ainda, só apoiada numa

canadiana.

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Page 87: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Não ficou esquecida, em 1997, o grande aficionado

salvaterrense; Manuel Fernandes Travessa, em

conjunto com um grupo de amigos, onde a família

Telles esteve presente, foi homenageado em

Salvaterra de Magos.

*************

******

IX

CRITICOS TAUROMÁQUICOS

D. PACO

(ROBERTO FERNANDES)

Num dia de Agosto de 1959, com a tarde a despedir-

se do calor, a brisa já se sentia convidando os clientes

do Café Ribatejano, a aproveitarem as sombras

daquelas árvores em frente,

iguais a tantas outras em todo o

jardim do Largo dos

Combatentes. Na esplanada,

debaixo de uma dessas sombras,

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Page 88: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

sentado numa cadeira de ferro, um homem já entrado

na idade, refrescava-se com uma água fresca,

daquelas engarrafadas.

Andava eu, por ali pois esperava a chegada da

carreira das 17,00 horas, que tinha paragem em frente

ao edifício da escola. O homem, viu-me vestido a

preceito, fardado com boné (era a farda de empregado

da camionagem), dirigiu-me a palavra: Então moço,

esperas alguma coisa!

Lá respondi ao que estava e, porque estava, enfim a

conversa foi ao ponto de saber de quem eu era e, filho.

Enfim, todos aqueles pormenores de quem tem

alguma curiosidade. Lá respondi, chamo-me:

José Rodrigues Gameiro !!

Convidou-me para me sentar, e beber uma água,

fazer-lhe companhia. De chofre, disse-me; eu conheço

o teu pai, é o “Zé Pataco” (1), é jardineiro na câmara,

somo velhos amigos de juventude. Quando cá venho,

conversamos muito sobre a nossa terra. Também ouvi

falar e conhecia grande parte da tua família, o teu

bisavô, o teu avô e os irmãos dele, foram grandes

campinos. Naqueles meus 14 anos de idade, fiquei

algo confuso. Agora o curioso era eu! Então o senhor

é de cá de Salvaterra! Sou, venho cá passar uma

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Page 89: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

semana de férias todos os anos. Um ano de ausência,

as saudades é muitas da família, da minha terra e dos

amigos. Olha,

********

(1) – A alcunha de Pataco, vinha de meu bisavô que a deixou a alguns

descendentes.

já perguntei ao meu amigo Zé Pataco, que me

confirmasse quem era aquele José Gameiro, que

escreve no jornal “Aurora do Ribatejo”, jornal que leio

todas as semanas. Afinal és tu…!

Estava eu, pronto para continuar a conversa, mas

com a chegada da carreira, lá me despedi, com um

aperto de mão.

O homem, ainda me disse, volto cá para o ano e,

temos muito que conversar….! À noite, em casa, lá fiz

a conversa sobre tal encontro, meu pai informou-me: É

o Roberto da Ferradora, é neto do Roberto que foi

toureiro. Olha, ele é muito apaixonado por toiros, julgo

que faz criticas das corridas.

Um ano se tinha passado !

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Page 90: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Um dia estava eu, na Central das Carreiras, na rua

Heróis de Chaves, a preparar os volumes das

encomendas, para seguirem para Marinhais e Glória do

Ribatejo, quando do lado do Jardim do Lopes, vinha um

homem vestido a preceito, com chapéu preto na

cabeça, acercou-se de mim, cumprimentou-me e num

instante: “Já não se lembra de mim!...” Apresentou-se,

recordou o nosso encontro, no ano anterior. “Olhe,

trago-lhe aqui um livro que lhe quero oferecer, são os “

Anais de Salvaterra de Magos”. O ano passado, ainda

soube pelo seu pai e, por outras pessoas amigas, que

tem gosto em saber coisas da nossa terra!

De imediato, abriu o livro e nele fez uma pequena

dedicatória. Nessa noite e nas seguintes, o livro foi

todo lido página por página e agora faz parte do meu

espólio. Quanto ao Roberto Fernandes (D. Paco), nunca

mais o vi, nem soube quem era um tal RUI DE

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Page 91: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

SALVATERRA, que em 1935, fazia crónicas

tauromáquicas.

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****************

X MOÇOS DE FORCADO

Nota Prévia

O rei D. José, determinou em 1762, que no seu

reinado não haveria mais corridas reais, em Salvaterra

foi a última. Mais tarde, em 1836, a rainha D. Maria II,

assinou o decreto que seríamos proibidos os toiros de

morte, em praças de Portugal. O palácio real de

Salvaterra, há muito tinha desaparecido após alguns

incêndios e, da derrocada provinda do sismo, de 1858.

O espaço onde tinha ocorrido, a morte do Conde dos

Arcos, estava agora rodeado de construções, era

conhecido pelo Canto da Ferrugenta (1). Os toiros

passaram a ser pegados. Os monteiros da choça,

foram convertidos em

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Page 92: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

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(1) - Joaquina Mendes, José Caleiro, Rosa Mendonça e Francisco

Costa(pessoas que viveram em dois séculos) – Foram por mim

entrevistados em 1989, para um trabalho “Em busca do Teatro Real

da Ópera de Salvaterra de Magos”.

moços de forcados. O povo fornecia os seus

elementos, aqueles mais destemidos, estavam sempre

na primeira fila

Quando da inauguração da praça de toiros de

Salvaterra de Magos, em 1 de Agosto de 1920, o grupo

de forcados, foi chefiado pelo capataz; Manuel Burrico,

de Vila Franca de Xira. Bastava haver um festival

tauromáquico em Salvaterra de Magos, ou em vilas

dos arredores, logo se formava um grupo de forcados,

como foi o caso de um que foi actuar a Leiria, em

1966, num festival a favor do União de Leiria, entre

outros figurou António Santos Paulo, conhecido por

António Béu.

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Page 93: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

1942 - Grupo de Forcados de Salvaterra numa corrida após o ciclone

Manuel Fróis Marques

(Manuel Lazão); morreu,

em 1948, num acidente,

num circo, na Feira de

Setembro de Benavente,

quando agradecia ao

público depois de ter

pegado um bezerro, uma

marrada, pelas costas,

fracturou-lhe a coluna

grupo de forcados

profissional de Manuel

Faia, Manuel dos Reis

(Manuel Ferrador),

primeiro lado direito

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Page 94: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

1956 - Grupo de

Forcados de

Salvaterra

1969 – Grupo de Forcados de Salvaterra

ANTÓNIO LAPA

Nasceu em Salvaterra de Magos, desde jovem

manifestou o gosto pela pega dos toiros. Seu pai,

também já tinha pegado toiros nas arenas. Um dia veio

ter às minhas mãos uma página do já desaparecido

jornal “O Diabo”, era do dia 22 de Outubro de 1985 e,

tinha um artigo assinado por Miguel Alvarenga, que

pela sua importância e significado aqui o

transcrevemos:

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Page 95: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

ADEUS DE ANTÓNIO LAPA

“ Dizem-me que te fostes embora, António Lapa.

Que entregaste a jaqueta ao Francisco Costa e te

despediste das arenas em Alcácer. Não pude lá estar.

Mas não quis deixar passar

o momento de aqui te prestar a

minha homenagem.

Ao teu valor, António Lapa.

Ao forcado completo que tu

foste. A mais que isso, António:

à amizade que se fez forte no

México e se foi prolongando

por estes tempos fora. Lembro-

me desse mês inesquecível .

Dessa camaradagem sem fim que fui encontrar entre

vocês todos, nesse México que não esquecemos mais.

Comigo, com todos os outros. O Hilário, o Costa, o

Silvino, o Fazé, o António Santos. Todos. Agora; dizem-

me que te foste embora. Que disseste adeus a uma

carreira que abraçaras de alma e coração, durante o

qual nunca, mas nunca, esqueceste tudo o que devias

ao mestre Nuno Salvação Barreto. Dizia-lo com

respeito. Com admiração. Com a firmeza e a justiça

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Page 96: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

que caracterizam os homens de bom carácter. Como

tu, António Lapa. Recordar-te, daqui te enviar o maior

dos abraços que houver na terra, é a minha

homenagem na hora da tua partida. Simples, António

Lapa. Mas sentida.

Adeus António Lapa! “

JOSE CARLOS HIPOLITO

Conhecia-o das brincadeiras das épocas carnavalescas

e, da fama que espalhava enquanto moço de forcado

Um dia pedi-lhe uma entrevista para eu publicar no

jornal “Aurora do Ribatejo”. Os dados que me

concedeu, foram publicados assim:

JOSÉ CARLOS HIPÓLITO

(O Timpanas)

- FIGURA TIPICA DA NOSSA TERRA –

Homem pequeno, com 53 anos de idade, dotado de

uma traquinice que o faz estar constantemente

sempre bem disposto.

Pelo Carnaval, desde há muitos anos, é o grande

animador das festas do nosso burgo, sendo tal a

imaginação e o talento nas figuras

por si encarnadas , que deixam sempre saudades.

No entanto o seu semelhante pode contar com ele nas

horas difíceis, estando sempre atento e vigilante no

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Page 97: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

seu posto de bombeiro voluntário, pois dá o seu

contributo à Associação de Bombeiros desta vila. Mas o

seu grande “martírio”, onde as saudades o vão

corroendo, é a festa brava. Quando fala de

tauromaquia todo o seu pequeno corpo se modifica, as

contracções notam-se na sua face, os seus nervos de

aço com que ainda há poucos anos empolgava

multidões nas Praças de Toiros, ficam fluidos – É um

homem vencido, cheio de saudades!... . Na esperança

que nos identificasse uma fotografia de foi publicada,

em 1957, na edição especial do Jornal – Vila

Ribatejana. Logo que poisou os olhos no retrato

mostrou-se nervoso, a sua calma desapareceu e nos

seus olhos algo bulia, o que não evitou que mesmo

disfarçadamente tentasse limpar uma lágrima rebelde

que já o incomodava. E enquanto me ia informando

dos nomes dos componentes do Grupo, Disse-nos;

“Olhe, foi neste grupo que peguei toiros pela primeira

vez e, foi em Coruche, já lá vão cerca de 30 anos”.

Uma das suas salas está repleta de quadros, onde se

podem apreciar várias sequências de pegas de caras,

por si efectuadas em centenas de actuações nas

Praças de Toiros, tanto no País como no Estrangeiro.

Hoje, exercendo a profissão de metalúrgico, foi na sua

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vida do campo que começou os seus primeiros

contactos com os toiros. Naquele tempo, ainda havia

a grade – uma forma de trabalhar a terra – onde os

bois, alguns bravos, depois de “bruxados”, tornavam-

se dóceis. Voltando à tauromaquia, vai-nos dizendo: “

Tenho muita estima pelo Sebastião Nabiço e, também

pelo Manuel Faia. Olhe! já me ia esquecendo do Albino

Fróis Marques e do seu irmão, o Manuel Lazão. A eles

devo muito do que sei da difícil arte de pegar toiros”.

“ No entanto não me posso

esquecer do Manuel dos Reis, o

Manuel Ferrador, pois com ele tive

tardes inesquecíveis. Bom

companheiro!...

Ao ver-mos uma foto, num

daqueles imensos quadros

pregados na parede, onde José C.

Hipólito esteve na cabeça de um possante toiro (510

Kgs), diz-nos que esta pega foi na Nazaré. Apontando

para umas outras, informa-nos “Aqui foi no Campo

Pequeno, a critica da época, por esta pega me chamou

o Pegador de Toiros mais pequeno de Portugal – O

Pigmeu com braços de aço. Esta aqui, foi em

Salvaterra com um “bicho” dos Robertos, também com

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cerca de 600 Kgs. Foi tão grande o delírio do público

que um espectador, nas barreiras me levantou em

peso, tal era o seu entusiasmo.

A um canto, num pequeno móvel, está a sua

jaqueta, o barrete, calção e os sapatos. Mostra-nos um

álbum com características orientais e, diz-nos: “ Aqui

guardo imensas recordações de algumas celebridades

do nosso mundo tauromáquico”, e mostra-nos

actuações com o mestre João Branco Núncio, mestre

David Ribeiro Telles, Manuel dos Santos, Diamantino

Viseu, Ricardo Chibanga, José Rosa Rodrigues e outros.

“Olhe, aqui nesta foto, foi quando o Manuel dos Santos

fez a sua festa de despedida, no Campo Pequeno.

Neste grupo (o de Adelino de Carvalho) estou eu e o

Manuel Ferrador. Esta fotografia, tem uma dedicatória

do Manuel dos santos, a mim”

“Numa digressão que fiz à China, onde o Manuel

dos Santos, nos levou – éramos três forcados – pois ele

organizou várias corridas em Hong-Kong, a praça foi

construída em canas de Bambu e, comportava cerce

de 8.000 espectadores. O Chibanga também foi.

“Olhe, em cerca de 5 meses que lá estivemos, peguei

36 toiros e, numa das corridas actuei com uma costela

partida, como pode ver por esta fotografia”. “ No

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Page 100: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

entanto por causa dos toiros, estive duas vezes em

Roma, uma no México e outra na Venezuela”.

Enquanto decorria a nossa conversa e nos mostrava

centenas e centenas de fotografias, vai-nos dizendo

que, no entanto depois destes anos todos a pegar

toiros e de muita “porrada” ter levado, não pode

esquecer tardes memoráveis que, viveu !

Um pequeno desgosto o acompanha e, diz-nos

“Ainda não fiz a minha festa de despedida !” “À cerca

de 5 anos, tentei organizar uma corrida. A então

Comissão da nossa Praça, depois de concordar, vai

criando dificuldades, e eu, já tinha a oferta de toiros,

cavaleiros e forcados e, se fosse necessário, alguns

toureiros também se me ofereceram. Tive de desistir,

pois a Comissão por ter começado a arrepiar caminho,

dificultou, dizendo que não poderia emprestar a Praça.

Olhe, que eu oferecia a receita para o Hospital. Não

chego a compreender como me puderam fazer aquilo.

E num tom magoado diz-nos, actuei em tantos

festivais graciosamente para a Misericórdia. No

entanto não perdi ainda a esperança de fazer a minha

festa de despedida e na minha terra, vou começar os

meus contactos novamente e espero que a actual

Comissão da Praça de Toiros me ajude, emprestando-

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me a praça, pois em contrapartida, a receita será para

o Hospital”.

E assim deixamos o José Carlos Hipólito – O

Timpanas de Salvaterra – entregue às suas

recordações e tristezas. O Pigmeu, com braços de aço,

com alguém um dia lhe chamou!

Que a sua ambição se realize, é o nosso grande

desejo.

******

Muitos outros nomes perderam-se, porque

envergaram a jaqueta poucas vezes e, outros

enveredaram por outros grupos, como: António

Rogério Amaro

XI

CAMPINOS

Nota Prévia

Moço Nogeiro, Roupeiro Novo, Roupeiro Velho, Contra-Moiral, Moiral e Campino-Mor, era a hierarquia do homem que guardava toiros no Ribatejo, ainda conhecida por volta de 1930.

O Campino, era uma figura de grande respeito entre os seus pares e, muito estimados pelos patrões. No trabalhar os cabrestos para a recolha dos toiros em praça. Na condução do gado nas pastagem e, a

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caminho das localidades onde os curros de toiros iam ser corridos, o povo respeitava-os por “grandes varas”.

No dobrar do séc. XX, os terrenos de pastagem encurtaram. As ganadarias, passaram por uma lenta mudança, notava-se mais naquelas alicerçadas em hábitos que vinham de séculos anteriores. O Feitor, Campino e Moiral, as três grandes figuras da Lezíria ribatejana, estavam em desaparecimento.

UMA FAMILIA DE CAMPINOS

António da Silva Cantante, meu avô paterno, tinha uma irmandade de cinco rapazes e uma rapariga. Uns tinham no apelido; Silva e outros, Galricho.

A alcunha de “Pataco”, veio de meu bisavô, Miguel Galricho, por ter recebido a oferta de mais um pataco, para trabalhar na Casa do Barão de Salvaterra.

A notícia do pagamento de mais dois vinténs, correu em toda a Lezíria, o que reconhecia no meio da campinagem, o seu valor de grande vara. A inveja foi tal, que não o livrou da alcunha de “Pataco” que deixou à descendência.

Já o meu Trisavô, foi um respeitável Campino-Mor, nas vacadas do rei D. Miguel, que pastavam em terras de Salvaterra e Pancas.

O antigo bandarilheiro Roberto Jacob da Fonseca, mais tarde lavrador e ganadeiro, contemplou o filho deste no seu Testamento, entre muitos trabalhadores da sua casa agrícola.

ALGUMAS HISTÓRIAS

Andava eu, pelos 14 anos de idade já escrevia para o jornal “Aurora do Ribatejo”. Do meu avô ouvi relatos

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da sua antiga vida de campino. Dessas recordações, guardei alguns apontamentos,

Agora para este trabalho, lá fui “rebuscar” aquelas informações, Meu avô, António da Silva Cantante, conhecido por António Pataco, viveu toda a sua vida de campino, no campo junto das manadas de toiros.

Um dia já entrado na idade, deixou a campinagem e foi guardar uma éguada afilhada, com 50 cabeças, da casa agrícola Menezes & Irmão, Ldª. No mês de S. Tiago, de 1944, deixou de todo aquela actividade, mas os seus dois irmãos, Éramos quatro rapazes, sendo todos filhos do mesmo pai e mãe, mas tínhamos nomes diferentes, O Manuel, morreu cedo.

O João e o José, continuaram na ganadaria Irmãos Roberto.

Os anos tinham passado, a idade e as forças, já não o deixavam “dar conta do recado”, como ele um dia me disse: “Os toiros bravos que conhecia como a palma das suas mãos, já não lhe obedeciam, aos gritos…É toiro lindo…!

“Já não era aquela “vara” de outros tempos…”

“Estava farto de tanta canseira, tantos foram frios dos invernos e os calores de muitos verões, anos a fio, em que esteve sentado na sela, com a manta aos ombros - a manta lombeira, quer cai-se geada, quer chovesse, guardando tantas cabeças de gado, que lhe perdeu o conto…”

A “velhice” tinha chegado !

Deixou na vila, a casa onde vivia, na rua d` água e, recolheu-se, com minha avó Emília e, meus tios; Manuel e Luís, numa pequena barraca de caniço, que construiu, nos terrenos do Rego, que alugou ao Dr.

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José de Menezes, seu antigo patrão. Ali vivia, do sustento de algumas vacas leiteiras, com a venda de leite, pois criava vitelos. Nos valados, perto dos poços onde as mulheres lavavam roupa (1), eram o local onde apascentava o gado, a erva fresca abundava.

Um dia sentado num pequeno banco, com fundo de “sumaúma” por ele entrançada, como bem sabiam fazer os campinos, além de esteiras e, fechar garrafões de vidro com cordel - disse-me: “Quando fores grande nunca queiras ser campino, aquilo é um trabalho dos Diabos; ama-se mais os animais do que a família.

Teu pai, não quis ser campino, também não quis aprender a endireitar a “Espinhela” (2) e fez bem!

*******

(1) – Pequenos tanques de cerca de um metro de fundo, onde a água era constante, as mulheres esgotavam-no, na lavagem da roupa. No fundo tinham pedra para assento dos pés, em cima no terreno, uma laje para a lavagem da roupa. Estendiam a roupa branca pela erva, para corar.

*********

(2) – Endireitar a Espinhela; era endireitar a coluna vertebral, que ele aprendeu com os campinos mais antigos – Os bezerros ficavam com as costas tortas porque o parto, algumas vezes acontecida com as vacas em pé e, os bezerros nestas condições tinham dificuldade em começar a andar. Depois da mãe, comer a placenta e limpar o animal com a língua, os campinos tapavam o pequeno animal e puxavam-no com uma corda (para evitar as marradas da vaca). O mais dextro, punha a cabeça do vitelo entre as pernas e, com as mãos fazia massagens ao longo das suas costas. Minutos depois o pequeno animal já andava para junto da mãe. Cheguei a ver avô fazer isto a alguns homens que o procuravam com dores nas costas.

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Dizia-me, eu, comecei aos 10 anos a guardar os bois da tralhoada, depois passei para as manadas de toiros bravos.

Ao entrar nos 25 anos de idade, um dia cheguei a campino-mor, numa casa agrícola da vila, de Salvaterra de Magos. Ainda, trabalhei com meu pai e, os meus irmãos João e o José, nos Roberto & Roberto, aqueles irmãos que, ganharam uma fortuna a tourearem em Espanha. As suas lembranças, eram sempre uma “lengalenga” do seu tempo de campinagem.

“Aquela dos toiros que iam ser corridos em Santarém!

Saíram da Herdade dos Coelhos, atravessaram a vila, ao cair da tarde de sexta-feira, foram toda a noite pela estrada do meio, pelos campos de Muge e Benfica, saíram para lá de Almeirim, quando o sol dava os primeiros sinais de vida, estavam a atravessar a ponte do Tejo, com todo aquele mar de gente, viam-se os barretes, os chapéus, coletes e casacos, voavam no ar, a querer tirarem os toiros que a gente mantinha entre os cabrestos. Aquela malandragem não nos dava descanso e, éramos para aí uns 30 campinos. O curro, tinha de estar em Santarém, na tarde de sábado para a corrida de domingo à tarde.

Eram dias de grande trabalheira, mas também a gente se vingava, era cá cada varada naqueles costados.

Também me contou, uma outra de um curro de toiros, que tinha de ser corrido em Vila Franca e, como era costume, saiam dos Coelhos, ao inicio da tarde, para aproveitar a maré do Tejo e, atravessar para

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Valada, através dos mouchões, ia-mos pelos campos da Azambuja e, a chegada a Vila Franca, a meio da tarde de sábado, para serem corridos no domingo às cinco da tarde. “A trabalheira começava logo depois do Maçapez, ia-mos por Trás-Monturos, a rapaziada não deixava os toiros descansados, alguém tinha passado o segredo, queriam tirá-los do meio dos cabrestos, ao passar da ponte da vala.

A gente percebia daquilo, já estávamos habituados e, a vara trabalhava logo nos “costados” deles. Depois em Valada e na Azambuja, era de ver gente a escorrer sangue, aqueles diabos não deixavam os animais sossegados e, davam-nos muito trabalho, para manter o gado no meio dos cabrestos.

Varada neles..! Era a ordem do campino-mor. Lino Garoto. Os nossos cavalos, os toiros e cabrestos, babavam-se por todo o lado.

Meu avô, gostava de beber o seu copito e, quando ficava um pouco “enxergado” como ele dizia, lá se lembrava de tocar um vira do campo ou o fandango, numa pequena gaita-de-beiços, já muito velhinha e desafinada.

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1936 – Quatro irmãos campinos

Com a música do fandango, ficava empolgado de tal maneira, que não resistia a tentar fazer o jogo de pernas. Era de ver e ouvir…!

Nunca se esquecia dos campinos, seus camaradas de outros tempos. Hó, que grande gente!

Grandes varas….!

Os seus três irmãos; João da Silva Galricho, José da Silva Galricho e Manuel da Silva, conhecido por (Manuel Pataco), o seu primo João Vitorino, o Lino da Silva, alcunhado por Lino Garoto, o Joaquim Quartilho, o Francisco Almeida e o Fernando Nobre.

Muitos outros que vieram mais tarde como: Manuel Luís, José Duarte Cantador, conhecido por “José da Moira” e, o Manuel Bernardo, estes últimos acabaram no José Lino.

TRAJE DO CAMPINO

No dobrar do século XX, os campinos, aquela gente que lidava com o gado bravo em plena Lezíria ribatejana, ainda mostrava a pele curtida por mil sóis. Os mais novos, já usavam o boné na cabeça, colete e

calça de ganga ou cotim, em dias de trabalho e, lá se via, muito poucos, com a cara ornamentada com uma pequena e larga patilha na

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cara, um pouco abaixo da orelha. As grandes suíças que por vezes “beijavam” os bigodes, com duas pontas bem finas e enroladas, foram caindo em desuso por volta dos anos 30, época da última geração de antigos campinos, muitos deles conhecidos e respeitados por grandes“Varas”.

O Campino, homem de têmpera rija, hábitos muito antigos, ainda tinha e tem vaidade em mostrar o seu vestuário. A jaqueta brincheta, barrete preto e cinta da mesma cor, era vestuário em tempo de trabalho. Em dias de festa, era substituído por um outro mais sobranceiro e luzidio, como: Barrete verde, com cercadura vermelha. Colete vermelho, ou azul, atado com cordões na frente enfeitados com botões metálicos, mostrando nas costas, desenhos genuínos, feitos muitas vezes por familiares. O ferro da casa agrícola (de que era trabalhador) é usado, no peito (lado esquerdo), em ferragem latão/cobre, em forma de brasão ou emblema.

A cinta vermelha, de lã com franjas, tem a função de apertar o corpo do campino. A camisa branca justa de colarinho redondo, pode ter efeitos desenhados, de uma fina linha.

O calção, de fazenda rapada azul-escuro, ou preto, enfeitado com botões metálicos do lado de fora da perna. A meia branca é usada por cima do joelho, arrendada, feita à mão. Os sapatos de salto de prateleira, usados com fivelas e espora.

OS RANCHOS FOLCLÓRICOS

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E A CONSERVAÇÃO DOS USOS E COSTUMES

Quando do aparecimento do rancho da Casa do Povo de Salvaterra de Magos, em 1980, sendo o garante da preservação e divulgação desta forma de vestir do nosso povo, usa nas suas actuações, o vestuário de campino e camponesa em dia de festa.

Para a confecção das roupas, recorreu-se a uma das últimas

costureira, que ainda sabia confeccionar este tipo de roupa, na vila, a artesã, Elvira Santana. Do vestuário do início do século XX e, muito usado ainda em 1920, a saia da mulher tinha uma roda (4 panos), franzida na cintura por um cós. A saia de castor, de cor vermelha, era usada por debaixo, na segunda posição.

Nos anos seguintes já no início da década de 50 passou a usar-se nos dias festivos a saia de castor (hoje, conhecido como feltro de 15) e, foi reduzido para três panos, como foi mostrado pelo Rancho dos Trabalhadores do Núncio Costa.

No rodado da saia, mais tarde, já em 1960, era usual ver-se o tecido de nome “riscado”, na confecção das blusas (camisas), das

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mulheres e camisas dos homens, entrava a “populine”. sendo o garante da preservação e divulgação desta forma de vestir do nosso povo, usa nas suas actuações, o vestuário de campino e camponesa em dia de festa.

Agora por tudo quanto é recinto de feira, exposições e corridas de toiros, o campino deixou o copo de vinho, adaptou-se ao seu tempo, o copo de cerveja.

*********************

***************

XII

A ORIGEM DA PRAÇA DE TOIROS

Segundo algumas publicações dos últimos anos do séc.

XIX, em Salvaterra de Magos, foi inaugurada no dia 2

de Agosto de 1891, uma praça de toiros construída em

madeira, com capacidade para cinco mil lugares,

sendo propriedade do hospital de Portalegre.

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Se não fora uma reportagem, feita a José Luís das

Neves, para o jornal “Aurora do Ribatejo” quando da

passagem do meio século da inauguração da praça de

toiros, não estariam disponíveis ao conhecimento

público, alguns documentos sobre esta importante

obra. “A praça de toiros é devida à acção de um grupo

de beneméritos; FRANCISCO MARIA GONÇALVES,

AUGUSTO DA SILVA, MANUEL LOPES GONÇALVES, LUIZ

GONÇALVES DA LUZ, ANTÓNIO HENRIQUES

ALEXRANDRE, AUGUSTO GONÇALVES DA LUZ, CARLOS

ALBERTO REBELO, PEDRO DE SOUSA MARQUES e JOSÉ

LUIS DAS NEVES, que se constituíram em Comissão

Construtora da Praça de Toiros”.

A obra ficou concluída em 1920, mas só foi entregue à

Santa Casa da Misericórdia de Salvaterra de Magos, no

dia 16 de Março de 1924, conforme consta da acta que

faz referência ao ofício da “Comissão” que entregava a

chave da praça.

Num estudo editado em livro sobre a Misericórdia

de Salvaterra de Magos, levado a cabo pelo Dr. José

Asseiceira Cardador, em 1968, podemos ler algumas

cópias de actas e ofícios.

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Naquela edição de José Cardador, ele referencia que

se serviu de documentos, que estavam na posse de

Fernando de Sousa Marques, filho de Pedro de Sousa

Marques, membro da comissão, onde transcreveu uma

Circular:

“De há muito que os salvaterrenses, e outros mais,

cuja longa permanência aqui os leva a considerar esta

também sua terra natal, vêm mostrando desejos, de

voltarem a possuir novamente uma PRAÇA DE

TOUROS, nesta localidade. E, para essa ideia se torne

um facto, combinaram os abaixo-assinados reunirem-

se quanto antes, o que fizeram ontem, em casa dum

dos signatários, deliberando o seguinte: Procurar levar

a efeito a construção, desse dito edifício e, uma vez

concluído, oferecê-lo ao Hospital da Misericórdia

desata vila; - Diligenciar falar e escrever a todos, sem

excepção, afim de angariar os donativos precisos para

a construção imediata do referido edifício, ficando todo

e qualquer desses donativos à responsabilidade dos

mesmos signatários, que prestarão contas a seu

devido tempo, ou antes mesmo, se lhes for exigido.

Inútil seria dizer que a construção de tal edifício de

espectáculos representará mais um engrandecimento

para a nossa terra e uma dádiva, cremos, de

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importante valor para o nosso hospital, casa de

caridade, esta que tão digna e merecedora é que a

ajudem. Assim, pois espera a Comissão que todos a

coadjuvem, por toda e qualquer forma, procurando

vencer sempre dificuldades que apareçam, afim de se

conseguir principiar e chegar à conclusão de tão útil e

desejado edifício. Nesta esperança, e agradecendo,

antecipadamente se subscreve com toda a

consideração e respeito.

Salvaterra de Magos, 18 de Setembro de 1919

* A Comissão *

Um oficio, com data de 18 de Setembro, dirigido ao

presidente da câmara Municipal de Salvaterra de

Magos, pedindo a cedência gratuita de terreno com

sessenta metros de diâmetro, no largo dos moinhos,

para nele se construir a praça de touros. Um outro

com a mesma data, enviado ao Ministro das Finanças,

são referidos no livro do Dr. Cardador, onde se pede

que sejam concedidos pinheiros, do Pinhal do

Escaroupim. Um outro documento do espólio de Sousa

Marques, é o original da ultima folha de férias

semanal.”

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O ofício, com o número 9 reza assim: A Associação de

Benemerência – Misericórdia de Salvaterra de Magos;

À Excelentíssima Comissão Construtora da Praça de

Touros desta Vila – Tendo chegado às minhas mãos o

ofício de V.Exª, que acompanhava a chave da Praça de

Touros, eu, em nome da Comissão Administrativa

tenho a honra de lhes agradecer a sua benemérita

intenção, e bem assim a todos os senhores que

concorreram para a construção, daquela propriedade,

que quiseram ser de grande humildade, colocando

apenas na sua frente, por cima da porta grande “

PRAÇA DE TOUROS DE SALVATERRA”

E, de lhes notificar que a acta da sessão de hoje lhes

fica exarado um voto de louvor pela sua bela intenção.

Saúde e Fraternidade.

Salvaterra de Magos, 16 de Março de 1924

(a) – O Presidente José Eugénio de Menezes

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PRAÇA DE TOUROS DE SALVATERRA DE MAGOS

Folha de Férias - 14 de Agosto de 1920

Operários que trabalharam na praça de touros

Augusto da Silva …… 7 dias 19,000 réis 133,000 réis

Bernardino Silva ……..7 dias 17,000 réis 119,000 réis

Jozé Torroais ………. 7 dias 17,000 réis 119,000 réis

Jozé Vedigal ……….. 7 dias 17,000 réis 119,000 réis

Francisco Remundo 7 dias 17,000 réis 119,000 réis

Libório Netto ………. 7 dias 16,000 réis 112,000 réis

Francisco Almeida… 7 dias 16,000 réis 112,000 réis

Justiniano Valente… 7 dias 16,000 réis 112,000 réis

Manuel Faz-Cordas .. 4 e ¼ 16,000 réis 68,000 réis

Manoel Montoia …. 2 e ½ 17,000 réis 37,000 réis

Constantino……… 6 dias 17,000 réis 102,000 réis

Jozé Miguel …….. 2 e ¾ 17,000 réis 46,600 réis

Jozé Traveça …….. 7 dias 15,000 réis 105,000 réis

Beijamim Baranda 7 dias 11,000 réis 77,000 réis

Francisco Santana .. 1 dia 13,000 réis 13,000 réis

Manoel Borrego … 1 e ½ 6,000 réis 9,000 réis

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Francisco Vitorino .. 6 dias 4,000 réis 24,000 réis

António Ferreira … 4 e ½ 4,000 réis 18,000 réis

António Baía ….. 7 dias 5,000 réis 35,000 réis

Manoel Boneco … 7 dias 5,000 réis 35,000 réis

António Remundo 7 dias 4,000 réis 35,000 réis

Manoel Figaredo .. 7 dias 13,000 réis 91,000 réis

O CICLONE DESTRUIU A PRAÇA DE TOIROS

Seis meses tinham passado, da comemoração dos

20 anos, da inauguração, quando no dia 15 de

Fevereiro de 1941, um forte ciclone que fustigou todo

o país, arruinou quase todo o edifício da praça de

toiros. A sua reconstrução ficou a dever-se aos

beneméritos; Gaspar da Costa Ramalho e Jorge de

Melo e Faro (Conde de Monte Real) e sua esposa D.

Teresa Castro Pereira Guimarães de Melo e Faro.

O primeiro, arcou com as despesas das bancadas,

que foram construídas em cimento, substituindo as de

madeira. O casal Monte Real, custeou as paredes

interiores, com seus pilares em tijolo e entre várias

divisões, os curros.

Para festejar a sua reconstrução, foram organizados

alguns festejos, onde se incluiu uma brilhante corrida,

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com a participação graciosa dos toureiros espanhóis;

Domingos Ortega e Luís Miguel Dominguim. A este

espectáculo, assistiu o presidente da república, Óscar

Carmona.

Com a receita dos espectáculos, foi entregue ao

Hospital da Santa Casa, um valor de 13.851$50 e um

outro de 115.176$65.

A CONSERVAÇÃO DA PRAÇA

A praça de toiros, tem tido ao longo dos anos altos e

baixos no campo da sua conservação. Em 1939, A

Revista Ilustrada “A Hora”, numa reportagem sobre o

concelho, dava conta que o edifício dava mostras de

um estado de ruínas. Em 1976, uma comissão que

tomou conta do seu funcionamento, além de efectuar

obras nas bancadas, aproveitando o seu espaço para

mais 900 lugares de espectadores, apetrechou-a de

iluminação de grande potencia, dando origem à

realização de espectáculos nocturnos.

Em 1986, a Provedoria da Misericórdia, custeou a

instalação de coberturas, para o sector “Sombra”, e

nos lugares destinados às entidades oficiais. O Mesmo

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aconteceu no espaço destinado à presença da banda

de música, por cima da zona dos curros.

Também, com uma série de homenagens que

ficaram registadas no interior da praça.

Na frente, no espaço, onde se encontrava a palavra

“DE”, foi colocada uma placa em mármore, com os

nomes dos seus obreiros. Daí para cá a provedoria sob

a presidência de Armando Rafael Oliveira, tem

destinado alguns cuidados na conservação de todo o

edifício da Praça de Toiros de Salvaterra de Magos.

A PRAÇA DE TOIROS FEZ 50 AN0S !

A Reportagem

“A convite de José Gameiro, colaborador, do

semanário “Aurora do Ribatejo”, com redacção em

Benavente, assumi há pouco tempo a direcção do

“Jornal de Salvaterra” uma página dedicada aos

assuntos do concelho.

A praça de toiros de Salvaterra, está prestes a fazer

meio século de inaugurada, justo é que dê aos seus

leitores alguns dados históricos da obra. O único

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membro da Comissão Construtora, felizmente ainda

vivo e de boa saúde, encontra-se entre nós, é

empregado no Grémio da Lavoura local, José Luiz das

Neves.

Contactado uns dias antes, ficou à nossa disposição

para uma entrevista. Eu, e o colaborador deste jornal,

José Gameiro, fomos encontrá-lo à sua mesa de

trabalho numa sala do rés-do-chão, do edifício, entre

guias de entrega de sementes e, lá se dispôs a

transmitir-nos as suas recordações. “A ideia da

construção da Praça surgiu no meu estabelecimento

de mercearia e vinhos, situado na rua Direita, onde

mais tarde veio a estabelecer-se Manuel Xavier da

Silva,

ali mesmo junto ao cruzamento com a Trav. do

Martins”

- “Pensamos na sua construção por inveja da que

havia em Benavente. Quando em 1918, depois de

assistir à inauguração desta, alguns aficionados de

Salvaterra, se juntaram na minha loja e mostraram

“ferro” por estarmos tão atrasados em relação aos

nossos vizinhos.

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Ali mesmo foi decidido que teríamos dentro de

pouco tempo uma praça melhor que a “deles”. O soco

na mesa, que frisou as últimas palavras, deu-nos a

medida certa da

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vibração que ainda produz no nosso entrevistado a

recordação da cena passada em 1918.

-“E olhem, que ficou realmente melhor”, continuou o

Sr. José Luís das Neves, que não tivemos coragem para

interromper. Construída em alvenaria, enquanto que a

de Benavente era de adobes e desapareceu uns meses

depois, pelo tremor de terra, enquanto a nossa está aí

que se pode ver !”

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“O grande problema como devem calcular”, continuou

o nosso entrevistado em resposta a nova pergunta,

“foram aonde arranjar dinheiro”.

“Depois de se conseguir por intermédio do então

Ministro do Comércio, Jorge Nunes, que a madeira

necessária fosse oferecida pelo estado e cortada no

Escaroupim, o dinheiro para o resto foi conseguido

com ofertas: dois tostões deste, três tostões daquele,

um cruzado do outro, foram as migalhas que juntas a

ofertas maiores formaram 74 contos de réis e picos

que custou a nossa praça”.

Quais foram as maiores e menor oferta em dinheiro

que conseguiram para a construção? Perguntámos !

“Olhem, se não me falha a memória, a maior foi do

sr. Porfírio Neves da Silva, que ofereceu um conto de

réis, que na altura era uma quantia choruda e a

menor… “O sorriso do nosso entrevistado faz-nos

antever uma revelação sensacional. “Foi do sr. José de

Menezes, que ofereceu 500 mil réis para não

pensarem mais nisso! “.

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Pessoa amiga tinha feito chegar à mão, do José

Gameiro, incansável nesta pesquisas, que supúnhamos

serem da inauguração da praça e, pedimos ao sr. José

das Neves que as identificasse; Eram realmente da

corrida inaugural e com uma lágrima teimosa a querer

fazer das suas, lá nos indicou o sr. Roberto Jacob da

Fonseca, inteligente da corrida; os srs. Henrique Avelar

da Costa Freire; Porfírio Neves da Silva; João Oliveira e

Sousa; João Vasco, Sílvio Moiro, Administrador; Manuel

Caetano Doutor, Corneteiro; Henrique José Ferreira

Martins, farmacêutico e animador do “Grupo do Ti

Martins” que se dedicava a patuscadas, Fernando Luís

das Neves, pai do nosso entrevistado, enfim um nunca

acabar de recordações. “Olhe, este aqui de chapéu,

sou eu!”.

José das Neves, mais à vontade e visivelmente

emocionado abre por sua vez o seu rosário de

recordações e mostra-nos jornais da época, programas

das corridas, e como curiosidade uma folha de férias;

Vimos, revimos tudo, e de repente “Olhem, tudo isto

ofereço ao Zé Gameiro, pelo interesse que tem nestas

coisas da nossa terra”

“Reparámos que na folha de férias, sendo a última

da semana na obra; os pedreiros ganhavam entre 15 e

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17 tostões e os serventes, entre um cruzado e oito

tostões e, 36 trabalhadores em 7 dias receberam

234.710 réis (dois dias de ordenado dum pedreiro de

1970).

Um exemplar do jornal “A Elite”, chama-nos a

atenção por na página 2, numa lista de 11 nomes, 10

terem à frente uma cruz. “É que todos esses já

morreram, só falto eu, ainda cá estou” explica o nosso

entrevistado, dizendo serem os componentes da

Comissão Construtora da Praça. “Neste último, já não

serei eu a pôr a cruz…!

- Eram o Pedro Sousa Marques, Luiz Gonçalves da

Luz, Augusto da Luz, Carlos Alberto Rebelo, Francisco

Maria Gonçalves, Augusto da Silva, Manuel Lopes

Gonçalves, Francisco Morais, António Henriques

Alexandre, Augusto de Almeida e José Luiz das Neves:

Um grupo que continha 5 operários, 4 comerciantes, 1

proprietário e 1 industrial de barbearia. A Comissão

organizadora das corridas era composta por: António

de Sousa Vinagre, Dr. Armando de Sousa Calado, Dr.

Roberto Ferreira da Fonseca, José Rebelo Andrade e

Henrique Costa Freire.

- Apontando para os programas que tínhamos entre

mãos, actuaram nesta 1ª corrida: Cavaleiros; José

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Casimiro e Adolfo Macebeiro Tomé, Vital Francisco

Rocha, Mateus Falcão e Manuel doa Santos, da Golegã.

- O grupo de Forcados; comandados por Manuel

Burrico.

Os 10 touros foram generosamente oferecidos pela

ganadaria Roberto & Roberto. - Não entregamos logo a

Praça à “Misericórdia”, afirma em resposta a uma

nossa nova pergunta.

- Durante um ano e tal, organizamos toiradas e

vacadas para arranjar dinheiro, para pagar as dividas

que ainda havia”.

- Nesse tempo era fácil organizar corridas, como

fumar um cigarro… Não havia tantos papéis e tantas

coisas a tratar e quando pensávamos fazer, fazíamos”.

- “Além de mais, não queríamos que aparecessem

no hospital contas para pagar

por despesas que nós

fizemos. A Praça foi

entregue livre de todos os

encargos”. - Sabendo o que

lhe custou colaborar na obra,

se voltasse ao ano de 1918,

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faria parte da Comissão Construtora da Praça?

Perguntámos.

“Apesar das muitas canseiras e do trabalho que tive,

se voltasse atrás fazia exactamente o mesmo, juntava-

se as mesmas pessoas e construíamos a Praça que

está ao cimo da Avenida. Não dou por mal empregado

o tempo que me ocupou”.- O nosso entrevistado é

interrompido e chamado à realidade pelo “interfone”

(um tubo metido na parede que liga a sala onde

estamos, com o 1º andar, em cada terminal tem um

bocal, com tampa), perguntavam-lhe assuntos de

serviço.

Faziam-no voltar a 1970. Já na mesa do seu serviço,

observava mais uma vez as fotografias que lhe

trouxemos.

Abre a gaveta e pega numa lupa; “ Este esteve

muitos anos em Lisboa… Estoutro foi para Muge… A

mulher do Luiz Caleiro, tem ainda a mesma cara…

dizia, revivendo os 27 anos que tinha em 1920.

José António Teodoro Amaro (Tamaro) – José Gameiro

*****

Nota: Original da entrevista, entregue na redacção do Jornal “Aurora do

Ribatejo”, mas por motivos de paginação e outros, foi publicada, com algumas

alterações como se encontra publicada na edição de 1 de Agosto de 1970.

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***********

Quando a praça de toiros fazia 72 anos de inaugurada, fiz sair no

dia 22 de Julho de 1992, no Jornal Vale do Tejo, uma artigo sobre a

efeméride, soube que José Luiz das Neves, depois de reformado, foi

de abalada com sua esposa, até Leiria, para casa de seu filho José

Luís. Aí faleceu e ali foi sepultado.

A CORRIDA INAUGURAL

Da edição do jornal “A Manhã” de 6 de Agosto de

1920, que já usamos anteriormente, transcrevemos as

crónicas do jornalista Batista Duarte, das corridas

inaugurais do Taurodromo que se encontra à entrada

da vila de Salvaterra de Magos.

“Com o cadáver do Conde dos Arcos estatelado na arena,

ensopado do seu sangue Marialva as almas opressas ainda

ante a figura romana, vestida de lenda, do velho fidalgo,

estribeiro-mor da corte, que de um golpe afundara a sua

espada, até aos copos, na nuca do toiro negro, nervoso e

brusco, que lhe estripara o filho, na própria tribuna onde

assistira ao espectáculo, “de toiros” ante a corte deslumbrante,

trapos à francesa constelados de pérolas, cabeleiras em

anéis, recamos de oiro e toucados milagrosos, o senhor rei D.

José prometeu a Sebastião de Carvalho e Melo:

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Page 128: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

-Foi a ultima corrida, Marquês. A morte do Conde dos

Arcos, acabou os touros reais em Salvaterra, enquanto eu for

rei…. O ministro, que vinha de levantar a luva que lhe lançara

D. José Torrero, embaixador espanhol, fitou o soberano e

retorquiu: -Assim o espero da sabedoria de vossa majestade.

Sucedeu isto no Verão de 1762. Estamos em 1920.

O Marquês de Pombal morreu há muito. Os reis passaram.

A promessa dos toiros passou também. O Ribatejano tem a

fidalguia, do sangue quente, o ar livre, criador: possue a

nobreza do trabalho, das searas e a visão sadia da Lezíria,

onde as terras frescas que orlam o rio Tejo, estão mescladas

de rebanhos e manadios pastando em sossego.

Salvaterra, ostenta pergaminhos; tem um Hospital da

Misericórdia, que é pobre como todos os hospitais, tem uma

mocidade destra e portuguesíssima, tem os homens feitos de

coração forte e mãos amigas, tem o respeito das suas

velhices e um grande amor às coisas tradicionais.

E Salvaterra, fez uma praça de toiros, imponente, hoje uma

das melhores da província, que custou cinquenta contos!

Inaugurou-a há três dias. A promessa do senhor D. José, está

absolutamente perdida para a história local. As duas touradas

de Domingo e Segunda-Feira passada foram duas “toiradas

reais!”…. “A praça é alegre, tem uma ordem de camarotes,

dois sectores sombra e dois sol e, comporta cinco mil

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Page 129: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

pessoas. A comissão organizadora das corridas era composta

por; António Sousa Vinagre, incansável trabalhador para a

organização das festas, Dr. Roberto Ferreira da Fonseca, Dr.

Armando dos Santos Calado, José Rebelo de Andrade e

Henrique da Costa Freire. A primeira corrida por profissionais,

foi brilhantíssima. Tudo quanto há conhecido de bons

aficionados, caiu em peso em Salvaterra de Magos.

À frente desses aficionados vimos o bom “velhote” e antigo

lavrador ribatejano; António Roberto Casaleiro, vulgo o

“Compadre Casaleiro”, decano dos aficionados, que apesar

dos seus 75 anos ainda corre lesto, com o seu grande

entusiasmo, a uma boa corrida de toiros. Dos Camarotes

pendiam lindas colchas, tudo numa decoração deslumbrante,

que juntamente com as toilettes das senhoras, davam um

conjunto encantador. A populaça que mostrava ter vindo dos

campos da lezíria, davam uma riqueza de cores garridas no

seu vestuário, que sombreava as casacas e chapéu alto de

muitos presentes. Mas eis que principia a função, a música dá

brilho ao espectáculo, na presidência está a veneranda

relíquia da tauromaquia portugueza, o grande bandarilheiro,

que o Campo de Sant`Ana aplaudiu freneticamente; Roberto

da Fonseca, com os seus 84 anos, mostra uma figura esbelta

vencendo a idade. Com um sorriso compassivo à rapaziada,

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Page 130: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

a praça a ir abaixo de tantas palmas, lenços e manifestações,

enquanto a banda executa o Hino Roberto da Fonseca.

Como o lindo circo ribatejano, fervia de entusiasmo febril.

De repente e a um sinal do director da corrida, o silêncio

trespassa os aficionados; sai dos curros o toiro com o nome

“Padeiro”. É um bicho de linda estampa, nobre e bravo, que

arranca de largo a largo, fino sangue. José Casimiro, que

brindara a Roberto da Fonseca, faz um toureio magistral, à

maneira Marialva, elegante e viril, inaugurando assim a praça

de Salvaterra, outrora corte de folguedos. Foram quatro ferros

cumpridos, dois à meia volta e dois à tira, e dois curtos a

fechar. O último dos quais de uma sorte digna de respeito.

O grupo de forcados entra no meio do redondel, e o seu

cabo Manuel Burrico, com o seu barrete oferece a pega a todo

o público.

De imediato perfila-se e vai para a cara do bicho, com uma

valente pega, que leva os espectadores ao rubro. E com este

começo foi a corrida por ali fora, como vamos descrever.

Se bravo e nobre foi o primeiro touro de cavalo, não

sabemos que dizer do sexto, “Cochicho” de seu nome, e que

lhe chama o moiral, touro de bravura, metendo a cabeça ao

estribo, do cavaleiro mal via o cite. José Casimiro, toureia

com alegria e arte, crava ferros com febril entusiasmo.

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Page 131: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

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Page 132: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Grande ovação recebe do público, da qual compartilha com

lavrador, João Roberto, sobrinho dos ex-bandarilheiros;

Vicente e Roberto da Fonseca. O forcado, de seguida voltou a

fazer uma rija pega. O outro cavaleiro, foi o simpático artista,

Adolfo Macedo, que também teve dois touros muito bravos; o

“Casquinha” e o “Gavião”. Pena foi que o artista lhes tivesse

dado uma lide muito precipitada, quase sempre à meia volta.

Se toureia com mais calma e tem saído mais vezes à tira,

como lhe indicaram os seus amigos, tinha feito um figurão.

Os toiros-reais! Há muito que se não vê nas nossas

arenas, quatro toiros de cavalo tão bravos!....

Os nossos parabéns à firma Roberto & Roberto, por tão

bravo curro oferecido. Dos nossos bandarilheiros; Teodoro e

Tomé, muito bem em quites, e com bandarilhas tiveram bons

pares. – Rocha, Falcão, Vital e Manuel dos Santos, da

Golegã. O último toiro, de nome “Criminoso”, foi o mais bravo

touro de pé.Teodoro Gonçalves, dedicou a sua faena ao seu

colega e ex-bandarilheiro, João Roberto, que saiu magnifica.

A direcção do velho Roberto da Fonseca, foi uma grande

licção!...Ainda lá tem a ralé do toureador o bom velhote !

A arrelia dele, se os animais eram mal corridos!....

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SEGUNDA CORRIDA

A segunda corrida, foi na Segunda – Feira, dia 2 de Agosto de 1920.

Logo pela madrugada, houve espera de gado. Os toiros saíram do

campo, cercados por cerca de 50 cavaleiros, bem montados, todos

de pampilho. À frente do gado, que vinha na ponta da unha, viam-se

o lavrador Francisco Ferreira Lino e o cavaleiro José Casimiro.

À entrada da vila, eram perseguidos por gente a pé, numa algazarra,

tentando acompanhar o cortejo. O povo que enchia o largo da

entrada da praça, logo vibrou, aos gritos de lá vêm eles!!

Os barretes e jaquetas no ar, tentavam tresmalhar algum toiro do

curro, que vinha entre os cabrestos.

Entrada de toiros no 2º dia da inauguração

A arte dos campinos, em conservar os animais bem juntos aos

cabrestos, era comentada aqui e ali. Que grandes homens, que

grandes varas !!

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Page 134: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

As várias facetas de uma entrada de toiros, por ser um espectáculo

esplêndido e cheio de alegria, onde o homem ribatejano, ali mostra a

sua galhardia nas esperas, são de uma descrição sempre

mesquinha. A condução do gado, desfez-se com a entrada pela

porta grande da praça, não houve problemas com os animais que

estavam seleccionados para a corrida que teria lugar pelas 5 horas

da tarde.

À hora marcada, a praça estava à cunha. Os cavaleiros amadores;

Adolfo Macedo e José Casimiro, apresentaram-se em arena, trajando

de curto, sendo acompanhados pelos bandarilheiros amadores:

D. Carlos Mascarenhas, D. Pedro de Bragança, Patrício Cecilio,

Francisco d`Oliveira, João Malhou da Costa e Rafael Gonçalves.

Os campinos de serviço eram; António Eugénio de Menezes

(Abegão), Joaquim Coimbra, Manuel Coimbra, Francisco Souto

Barreiros. Careca; António José Rebelo de Andrade. Papagaio; D.

Baltazar de Freitas Lino e ainda o Grupo Moços de Forcados de

Santarém. A corrida foi animada, os toiros que couberam a Adolfo

Macedo, não sendo bravos, não complicaram a lide, nem às pegas

dos forcados. José Casimiro, lidou com saber o primeiro bicho, que

saiu manso perdido e no qual cravou dois bons ferros compridos e

um curto. No segundo, ofereceu a sorte a Roberto da Fonseca que

era bravíssimo, e em seguida toureou bem, cravando dois soberbos

ferros compridos e três curtos magistrais. No sexto toiro, dedicou um

par dos ferros curtos aos seus amigos de Salvaterra, especialmente

ao grupo do “Ti Martins”. Os amadores; D. Carlos Mascarenhas, D.

Pedro de Bragança, Patrício Cecilio, Francisco d` Oliveira, João

Malhou da Costa e Rafael Gonçalves., todos tourearam e farpearam

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Page 135: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

bem. Foi ainda lidado um novilho, pelo filho mais novo do

bandarilheiro Teodoro, tendo dois pares de João Malhou, sido pouco

feliz. Os forcados amadores; tendo como capataz Jaime Godinho,

portaram-se á altura da sua fama; de caras e á cernelha.

A pega de cara do primeiro touro efectuada de recurso e feita pelo

cabo, Jaime Godinho, foi magistral.

Palmas e voltas ao redondel, do qual compartilharam; Moura,

Barreno e Matos, assim como os irmãos Coimbra. A Direcção da

corrida, esteve a cargo do amador da velha guarda, o salvaterriano,

Rui Rebelo de Andrade, executada, com maestria. Foi um primor ….!

Enfim assistimos a duas touradas famosas, que não sendo reais,

não tentaram desfazer a lenda que conta Rebelo da Silva, mas

ficaram nos anais da tauromaquia salvaterrense. O curro foi oferecido

pelo novo ganadero; Francisco Ferreira Lino, com toiros oriundos da

antiga ganadaria; António Ferreira Roquette. O fotógrafo “Gambeta” e

outros, tiraram a diversos grupos e, a vários aspectos da assistência,

algumas fotografias, que ficarão para a história local.”

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XIII

UMA VIAGEM DE VILA FRANCA DE XIRA,

ATÉ SALVATERRA

Foi um dia para não esquecer pelos seus

participantes.

Realizava-se a segunda corrida da inauguração da

praça de toiros de Salvaterra de Magos. Uma comitiva

de Vila Franca de Xira, foi convidada. Cerca de 50

rapazes, que vieram a

Grupo visitante, à chegada no cais da vala real

Salvaterra, deram o nome Vila Clube Taurino ao

agrupamento. Os simpáticos rapazes alugaram duas

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Page 137: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

grandes fragatas, que navegou através do rio Tejo e,

da vala real da vila.

Numa fragata, foi organizada uma casa de jantar, com

um grande toldo e, ali nada faltava; mesas cadeiras;

casa de banho ao fundo; relógio de parede – tudo

decorado com muito gosto. Um guarda-vento, servia

de guichet para a entrada das comidas, pois durante a

Desfile dos visitantes – Largo dos Combatentes

viagem de ida foi servido o almoço e lanche. As

refeições eram feitas numa cozinha e entravam para a

casa de jantar, pelo dito guichet. A despensa era um

encanto..!

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Page 138: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Estava guarnecida, de cestos de verga com galinhas

e coelhos, além de um carneiro vivo, também para

matar e comer a bordo. O peixe para se conservar

fresco, estava metido em canastras, forradas a erva de

espadanas. A fruta era em grande quantidade.

Algumas caixas de cerveja estavam juntas a barris de

vinho (branco e preto). Para refrescar estes líquidos

também se preveniram de caixas com gelo. Uma

cozinheira e duas ajudantes, confeccionaram seis

pratos em cada refeição. Tendo a cozinha começado a

laborar pelas 5 da manhã. A primeira refeição, foi

servida pelas 10,00 horas e chegou até às 13,00 horas.

A outra um pouco mais frugal, começou pelas 15,00

horas e, havia quem estivesse acabar pelas 17,00

horas, quando o cais da vala de Salvaterra estava à

vista e, uma multidão acenava e gritava, sons ainda

não percebíveis, pelos visitantes.

A outra fragata, foi destinada a camarata, com uma

cama para cada passageiro, pois estava destinado

passar a noite na vila vizinha. Havia lavatório, espaço

de WC e guarda fato.

Chegados a Salvaterra e, com as embarcações já

atracadas, delas saiu o som da estudantina, sob a

direcção de Sabino Gomes, tocando a pandeireta, com

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Page 139: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

alegria e salero o dr. Genso. Iniciaram a caminhada

pela rua da Capela da Misericórdia, rodeados de muita

gente, passaram pela Igreja Matriz e do jardim do

edifício municipal.

A multidão acompanhante fez crescer o cortejo, até à

praça de toiros. Um tempo depois, com a praça

esgotada e em delírio, decorreu a corrida. A noite já

chegava, foram levantados muitos brindes pelos

nossos amigos de Vila Franca, não esquecendo o jornal

“A Manhã”, a quem todos os visitados dedicaram uma

estima. Endoidecido de alegria, perguntava Sabino

Gomes, com muita graça: - Gostaram do nosso lugre

de recreio?!... A noite foi passada em diversas casas

agrícolas, cujas famílias se empenharam em bem

receber.

Pela meia manhã de terça-feira, com a maré a

convidar o regresso, Carlos Gonçalves, lavrador de Vila

Franca e presidente do grupo e o “maitre d`hotel”, de

quem todos recebiam ordens, com grande prazer,

elogiando até os seus apetitosos menús. Despediu-se

das entidades e do povo de Salvaterra, com comovidos

abraços, dizendo: Até nisto foi à portuguesa antiga, a

festa de Salvaterra de Magos.”

* B. Duarte *

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Page 140: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Os periódicos da época, deram destaque ao

acontecimento, especialmente o jornal “A Época” que

ilustrou as suas páginas, com fotografias, dos barcos a

navegarem na vala real de Salvaterra e, o grupo de

visitantes no cais e em frente ao edifício da escola, no

Largo dos Combatentes, a caminho da praça de

toiros.”

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XIV

TOIROS EM DIA DE FEIRA

140

Page 141: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

NO DOBRAR DO SÉC. XX

No dobrar do século XX, o espectáculo taurino,

tinha na sua raiz emoções que vinham de tempos

imemoriais. Leis e mais leis, vieram condicioná-lo, a

última foi com o Decreto-Lei 306/91 de 7 de Agosto,

completado com o Decreto Regulamentar Nº 62/91 de

29 de Novembro, que queria harmonizar o espectáculo

taurino aos tempos que corriam.

Um novo “espartilho”, para a festa taurina, pois tudo

mudou e nada passaria a ser como dantes!

A tauromaquia vinha deixando de ter aquele

encanto, mesmo para os aficionados. Para os outros

ainda era uma festa ver todo aquele aparato, fora da

praça de toiros. Em 1950, a feira franca de Salvaterra,

ocorria como todos os anos em Maio e, nesse dia,

realizava-se uma das muitas corridas que tinham lugar

anualmente na praça de toiros da vila. No mês de

Setembro, realizava-se a feira da vizinha vila de

Benavente e, uma semana depois, a de Salvaterra.

Este dia festivo, contava sempre com uma corrida

de toiros. Há já algum tempo, o cartaz estava na rua

onde anunciava que vinham actuar os mestres

cavaleiros; João Branco Núncio e Simão da Veiga. Os

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Page 142: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

espadas, eram os matadores de toiros; Diamantino

Viseu e Manuel dos Santos. Abrilhantava a corrida a

banda de música dos bombeiros da vila. Os toiros

eram da ganadaria Irmãos Roberto e, os forcados,

eram do grupo de Manuel Faia, onde pegavam O

Timpanas e Manuel Ferrador, homens da terra. As

“claques de aficionados” que aqui existiam, tinham

agora mais uma vez oportunidade de ver actuar os

seus ídolos, pois ao longo do ano, dividiam-se em

acérrima discussão. Um grupo; apoiava João Núncio,

um outro Simão da Veiga. Quanto aos matadores de

toiros; era de ouvir qual o grupo de aficionados, que

sobrepunha o seu toureiro, em relação aos outros.

As discussões tinham lugar, nas oficinas dos

mestres sapateiros, nas oficinas dos barbeiros e,

continuava na sede do Clube Desportivo local, pois aí à

noite nos jogos das cartas, lá vinha à baila a aficion.

Naquele domingo de Setembro, os aficionados

visitantes que enchiam por completo as “tascas” da

feira e, as tabernas na procura dos bons “petiscos” da

terra, na hora da entrada param a corrida perdiam-se

entre a multidão.

O muro da Horta do Sopas, estava repleto de

curiosos vendo os cavaleiros “passeando” os cavalos..

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Page 143: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Nas janelas da praça, os espectadores, empoleirados

no gradeamento, tinham os olhos postos no mar de

gente que enchia a avenida, na esperança de verem

chegar os toureiros. De repente, gritam, lá vêm eles !!

Eram os matadores, entre o seu stafe, que vinham

à “paisana”, com os trajes de luces por baixo. Vinham

da Pensão do Café Ribatejano, onde estavam alojados.

De imediato foram rodeados por aquele multidão de

aficionados, até entrarem na praça. A corrida, estava

esgotada de espectadores e, durou cerca de três

horas. No final o matador, Manuel dos Santos, que foi

o triunfador, saiu pela porta grande, levado em

ombros, entre o delírio da multidão, que percorreu a

avenida, a rua Marquês de Pombal, a rua Heróis de

Chaves e, por fim chegou à Pensão. De imediato,

numa das janelas, agradeceu os aplausos daqueles

aficionados que delirantemente lhe batiam palmas.

*************

EMBOLADORES /FARPEADORES

143

Page 144: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

José Venscelau, já no início do século XX,

esmerava-se na feitura, de farpas/ ou bandarilhas,

embolando também os toiros em dias de corria. As

embolas, construídas à base de couro e que servem

para cobrir os cornos dos toiros, pois as pegas,

aconselhavam o seu uso. Este trabalho artesanal,

transmitiu a seu filho António, com quem trabalhou

durante muitas dezenas de anos a difícil maneira de

ornamentar os ferros (farpas),que são acessórios

necessários nos espectáculos taurinos, Tal artesanato,

foi continuado na família, por João Aleluia (João

Venscelau), sendo as farpas, muito procuradas

especialmente por emigrantes, para decoração das

suas tertúlias.

XV

A ORIGEM DO TOIRO DE LIDE

Da pena de António Relvado, colaborador que foi do

extinto Jornal Vale do Tejo, JVT, transcrevemos com a

devida vénia, o seu artigo.

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Page 145: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

“O toiro de lide constitui a maior inovação

Espanhola na criação de animais. Antes que os

Ingleses começassem a formar importantes raças

Vacuns e Porcinas, durante os séculos XVII e XVIII,

inclusive antes de 1791, criou-se o LIVRO

GENEALOGICO DO CAVALO, de puro sangue Inglês, ia-

se seleccionar em Espanha o toiro de lide, pois os

primeiros ganadeiros espanhóis controlavam e

anotavam a sua genealogia, comportamento e

características nos primeiros livros de ganadarias.

Das civilizações do passado chegou-nos alguns

enigmas difíceis de decifrar. Em torno do toiro existem

pinturas rupestres e representando o toiro desde o V

ao III milénio antes de Cristo.

Segundo numerosos arqueólogos, estas figuras

foram realizadas com a finalidade de indicar a

existência de caça abundante.

A fauna predominante ma Península Ibérica, durante

o Paleolítico era composta por cavalos, toiros, veados,

javalis e outras espécies de menor porte. O toiro

selvagem da Pré-História tinha como finalidade

alimentar o homem, caçá-lo, e usá-lo como elemento

de trabalho. O uro ou toiro selvagem, estava

domesticado no oriente desde épocas mais remotas.

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Page 146: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Assim, chegou à Europa Central e Nórdica formaram-se

muitas raças alpinas e centro europeias actuais.

As sucessivas variações climatéricas determinaram as

trocas de flora e fauna, eliminando numerosas

espécies.

Na Península Ibérica o clima nunca foi demasiado

rigoroso não alterando a flora e a fauna originando

migrações de gado vacum da Europa Central e Norte

de África, pois a Península estava unida ao Norte de

África.

A ERA DO TAURO

A era do Tauro corresponde aos anos 4513 a 2353

antes de Cristo, caracteriza-se pelas diversas

civilizações históricas por culto a divindades taurinas.

Em todas as culturas Mediterrâneas e no mundo Celta

a crença mágica das virtudes genéticas do toiro e a

sua transmissão ao homem fizeram dele figura sacra e

objecto de culto e de numerosos ritos religiosos e

celebrações festivas. Assim, na Mitologia Grega

aparece em forma de Minitauro. No Egipto, o Boi Ápis

e o deus da fecundação e da abundância, os Hebreus

adoravam o bezerro de ouro, na Babilónia são os toiros

alados e ainda temos o Celta Tamos e o toiro Irlandês

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Page 147: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Cualungé. O mundo romano adoptou o culto de origem

Persa Mitra, o jovem deus que sacrifica o toiro

primordial para fazer surgir o mundo. Há 2000 anos

Júlio César descrevia o Uro que habitava na selva

Hercínia na Alemanha, junto ao rio Danúbio de

carácter indómito, enorme bravura e ligeireza assim

como o divertimento que constitua a sua caça pelos

jovens. Era um animal enorme e perigosíssimo que

povoava os bosques da Europa Central e Nórdica. Os

Alemães chamavam-lhe Auerochs ou toiro selvagem.

Foi Júlio César que introduziu o vocábulo uros na língua

latina. O uro foi extinto na Europa na Idade Média, é o

antepassado selvagem de todas as raças bovinas

existentes.

O toiro de lide actual é de todos os descendentes

directos o que melhor conserva as suas

características.

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Page 148: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

O TOIRO NA HISPÃNIA

O toiro bravo descendente do uro ou toiro selvagem

da idade média, que abundava em toda a Europa,

trazido pelos Celtas. Situou-se no Norte de Espanha e

Portugal, tendo-se juntado com o gado procedente do

Norte de África durante o período glaciar.

Como na cultura Greco-Romana, o toiro está muito

ligado às raízes culturais Hispânicas. É o animal mais

emblemático, ao ponto de simbolizar a festa popular, e

a sua figura traduz todas as artes, desde as pinturas

rupestres aos toscos verracos ibéricos, as tendências

modernas da cultura Espanhola e Portuguesa,

representado em desenhos, gravados, pinturas,

esculturas e por pressuposto na nossa literatura. O

toiro representa um papel fundamental na economia

da península ibérica, pois modifica a paisagem devido

à necessidade das grandes vacadas, e propicia à

criação de feiras de gado que tanta importância tem

para o desenvolvimento dos povos e cidades.

O toiro de lide teve como, origem e solar em

Espanha, e desde aqui se estendeu e exportou a

Portugal, a França e numerosos países do Continente

Americano, principalmente durante o no séc. XX.

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Page 149: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Graças à concorrência de interesses de uma cultura

popular com profunda raiz taurina, as práticas

equestres dos nobres e cavaleiros da Idade Média. A

destreza para o jogo com toiros do pessoal

encarregado do seu manejo nas herdades e nos

matadouros, assim como a inteligente arte de criar e

seleccionar dos ganaderos, criou-se um belo animal,

uma das maiores jóias da zootécnica mundial.”

**************************

P.S. - Muitos anos já passaram, as tertúlias nas pequenas

oficinas de Sapateiros e Barbeiros desapareceram. Agora em

Salvaterra de Magos existe a Tertúlia do Clube Taurino

Salvaterrense, com sede na rua do Rossio

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

- Revista” Branco e Negro” ………………….. 1897

- Jornal “A Elite” ……………. 1 de Agosto de 1920

- Jornal “A Manhã” ……… 6 de Agosto de 1920

- Revista ”Touros e Toureiros” ………………. 1932

- Revista “A HORA” …………………………… 1939

- Jornal “Aurora do Ribatejo” ………………… 1970

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Page 150: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

* Reportagem dos 50 anos da inauguração

da Praça de Toiros)

- Livro “Contos e Lendas” edição “Colecção Civilização”

Última Corrida de Touros em Salvaterra * Rebello da Silva

- Livro “A Misericórdia de Salvaterra” – Dr. José Asseiceira

Cardador * Edição: 1968

* Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide –

Edições: 1986 e 1990

* A Origem do Toiro de Lide *Jornal Vale do Tejo, 1999

23.03.2000 – Pág. 15

* Jornal Vale do Tejo (António Cadorio) ……. Ano 1999

- Artigo de José Gameiro

CAPITULOS:

Pág. 3 – I Última Corrida de Toiros em Salvaterra

Pág. 21 - II O Conde dos Arcos – Sua Origem

Pág. 20 – III Toiros de Morte em Salvaterra

Pág .32 – IV Criadores de Toiros de Salvaterra

Pág. 41 – V Criadores de Cavalos em Salvaterra

Pág. 47 – VI A Dinastia Roberto

Pág. 75 – VII Bandarilheiros

Pág. 83 - VIII Cavaleiros Tauromáquicos

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Page 151: Subsídios para a História da Tauromaquia em Salvaterra de Magos - Séc XIX, XX, XXI

Pág. 88 - IX Críticos Tauromáquicos

Pág. 92 - X Moços de Forcado

Pág. 103 - XI Campinos

Pág. 112 -XII A Origem da Praça de Toiros

Pág. 138- - XIII Uma viagem de Vila Franca de Xira

Até Salvaterra

Pág.142 - XIV Toiros em dia feira, no dobrar do séc. XX

Pág.147 - XV A Origem do Toiro de Lide

Fotos:

Pág. 9 – Escritor Rebello da Silva – Foto a/dPág. 13 – Painel em Azulejo – Morte do Conde dos Arcos * Foto do AutorPág. 23 – 1950, Pintura, embalagem da caixa de bolos “Marialvas” Produto fabricado por Francisco Fonseca - Pintura de Martin MaquedaPág. 25 – Certidão de Óbito Conde dos ArcosPág. 31 - Noticia da Morte de Toiros em Salvaterra, com bilhete de entrada na corridaPág. 45 – Jogo de Cabrestos, da Casa Agrícola José

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Lino, trabalhados pelos campinos num jogo de Perícia, na Avenida da vila, pelas “Festas dos Toiros e do Fandango” – 1966 * O Lavrador, José Lino acompanha o desenrolar do trabalho dos campinos José da Moira e Manuel Bernardo - Foto Autor- 1988 Pág. 49 –António Roberto da Fonseca * a/dPág. 50 – Vicente Roberto da Fonseca * a/dPág. 59 – Vicente Roberto da Fonseca * a/dPág. 64 –Jarras de Porcelana, com Baquetes de Flores, Troféus conquistados pelos toureiros Irmãos Roberto - AutorPág. 66 – Um dos três Armários dos Troféus dos Bandarilheiros – Irmãos Roberto (s) – AutorPág. 73 – João Roberto da Fonseca (Lavrador) – a/dPág. 74 - Irmãos; Vicente Roberto da Fonseca, Roberto Ferreira da Fonseca (Dr.) e João Roberto da Fonseca ª a/d

Pág. 76 – Joaquim da Conceição, Bandarilheiro ª a/dPág. 77 – António Cadório * a/dPág. 80 – António Cadório e seus alunos; José Julio e José Falcão * Foto Jornal …..Pág. 83 - Rogério Travessa, Cavaleiro Tauromáquico, no dia da sua alternativa, em Cascais ª a/dPág. 84 - Cláudio José, no dia da sua alternativa, em Salvaterra de Magos * a/dPág. 85 – Ana Batista, Cavaleira Tauromáquica, no dia da sua alternativa, em Coruche * a/dPág. 86 - Mónica Monteiro, Aprendiz de Cavaleira

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Tauromáquica * a/dPág. 96 - António Lapa, Pegador de Toiros * a/dPág. 99 – José Carlos Hipólito, Pegador de Toiros ª a/dPág. 112 – José Luiz das Neves – Membro da Comissão que construiu a Praça de Toiros em SalvaterraPág. 122 – 1ª Roberto da Fonseca, Director da Corrida Inaugural da Praça de Toiros de Salvaterra – 1 de Agosto de 1920 * a/d 2ª Público assistindo à corrida inaugural da Praça de Toiros de Salvaterra * a/d - Entrada de Toiros para a Corrida Inaugural da Praça de Toiros de Salvaterra * a/dPág. 123 - 1970 - Página de Salvaterra, no Jornal “Aurora do Ribatejo –Benavente, publicando a reportagem dos 50 anos da inauguração da Praça de Toiros de Salvaterra * José Amaro e José GameiroPág. 127 – Manuel Burrico, Forcado que chefiou o grupo

na inauguração da Praça de Toiros de SalvaterraPág. 133 – Cartaz da 1ª Corrida inaugural da Praça de Toiros de Salvaterra * a/d Pág. 109 - Campino do Ribatejo, em traje de trabalho * a/d Pág. 111 - Campino* “A Tradição já não é o que era”?

* mgomes,blogspot.com/…/campino-doribatejohtml

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EDIÇÕES PUBLICADAS PELO AUTOR:

*Salvaterra de Magos, “Vila Histórica no coração

do Ribatejo” – Monografia

1ª Edição 1985 – 2ª Edição 1992 Esgotadas)

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” RECORDAR, TAMBÉM É RECONSTRUIR “

Colecção de Apontamentos Nº 0 – Nº 45

Online:

http://www.historiadesalvaterra.blogs.sa

po.pt

* História do Clube Desportivo Salvaterrrense

* Os Bombeiros Voluntários de Salvaterra de Magos,

e a sua Banda de Música

* Subsídios para História da Freguesia dos Foros de

Salvaterra

*Subsídios para a História de Salvaterra de Magos

Séc. XIII – Séc. XXI * Primeira Parte

(Colectânea Incompleta)

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