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Brasil 2017 SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

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Brasil2017

SUBSÍDIOSPARA O DEBATE

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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

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IV CONFERÊNCIA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL

O BRASIL NA DÉCADA DOS AFRODESCENDENTES:RECONHECIMENTO, JUSTIÇA, DESENVOLVIMENTO E IGUALDADE DE DIREITOS

Brasília, 2017

SUBSÍDIOSPARA O DEBATE

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PRESIDENTE DA REPÚBLICA Michel Temer

MINISTRA DE ESTADO CHEFE DO MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOSLuislinda Valois

SECRETÁRIO NACIONAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL Juvenal Araújo

Distribuição e Informações

Ministério dos Direitos HumanosSecretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR/MDH

Setor Comercial Sul - B, Quadra 9, Lote C, Edifício Parque Cidade Corporate, Torre A, 10º andar, Brasília/ Distrito Federal – CEP 70308-200 Tel.: (61) 2027 3051 e 2027 3744

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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

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MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS

Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Conselho Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

IV Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial - IV CONAPIR

O BRASIL NA DÉCADA DOS AFRODESCENDENTES: RECONHECIMENTO, JUSTIÇA, DESENVOLVIMENTO E IGUALDADE DE DIREITOS

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EXPEDIENTE

Conteúdos e redaçãoAna Karyna SobralAna Lúcia Pereira Daniel Garcia DiasEdgard Aparecido de MouraEliseu de Oliveira NetoFlávio Robin da Silva CorreiaGabriela Cruz da SilvaIrcílio ChissolucombeIsmália AfonsoJohn Land CarthKátia FavillaLuiz Carlos de LimaMarcus Vinícius Barbosa PeixinhoRaquel DiasRogério Vilela B. de A. FrancoSilvia Nascimento Cardoso dos Santos Cerqueira

Revisão de textoDênis Rodrigues da Silva

Projeto gráfico e diagramaçãoAssessoria de Comunicação do Ministério dos Direitos Humanos

Coordenação editorialSubcomissão de Metodologia, Temas, Subtemas e Relatoria

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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

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COMISSÃO ORGANIZADORA NACIONAL

Juvenal Araújo Junior Secretário da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Ministério dos Direitos Humanos - SEPPIR/MDH

Sionei Ricardo Leão de Araújo Coordenador-Geral do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial - CNPIR/SEPPIR/MDH

Adeildo Araújo Leite (Movimento Negro Unificado -MNU/CNPIR)

Ana Cristina Conceição dos Santos (Rede Nacional de Negros e Negras Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - RNLGBT/CNPIR)

Ângela Cristina dos Santos Guimarães (União de Negros e Negras pela Igualdade -UNEGRO/CNPIR)

Anna M. Canavarro Benite (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros - ABPN/CNPIR)

Arilson Ventura (Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas -CONAQ/CNPIR)

Byany Sanches Mourão (Rede Amazônia Negra - RAN/CNPIR)

Carlos Alberto Ricardo Junior (Secretaria Nacional de Cidadania - SNC/MDH/CNPIR)

Célio René Trindade Vieira (Ministério do Esporte - ME/CNPIR)

Dandara Lucas Pinho (CNPIR)

Dandara Tonantzin Silva Castro (Coletivo Nacional de Juventude Negra - ENEGRECER/CNPIR)

Dara Sant’Anna Carvalho Ignácio (União Nacional dos Estudante - UNE/CNPIR)

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Deuzília Pereira da Cruz(Grupo de Mulheres Negras Dandaras no Cerrado - GMNDC/CNPIR)

Eduardo Gomor (Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão - MPOG/CNPIR)

Edvaldo Pereira Brito (CNPIR)

Ericka Siqueira Nogueira Filippeli (Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres -SPM/SeGov/CNPIR)

Frei David Raimundo Santos (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes - EDUCAFRO/CNPIR)

Hélcio Eustáquio Rizzi (Fundação Nacional do Índio - FUNAI/MJSP/CNPIR)

Henoc Pinto Neves (Centro de Artesanatos Tikuna Içaense - CAITI/CNPIR)

Iêda Leal de Souza(Central Única dos Trabalhadores - CUT/CNPIR)

Ircílio Chissolucombe(Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações - MCTIC/CNPIR)

Jason Cirqueira dos Santos(Ministério do Trabalho - MT/CNPIR)

João Mendes da Rocha Neto(Secretaria de Governo - SeGov/CNPIR)

Jorge Adolfo Freire e Silva (Ministério da Cultura - MinC/CNPIR)

José Carlos Calon (Centro de Estudos e Discussões Romani - CEDRO/CNPIR)

Juliana Ferreira Simões (Ministério do Meio Ambiente - MMA/CNPIR)

Kátia Favilla (Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário - MDSA/CNPIR)

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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

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Katia Maria Barreto Souto(Ministério da Saúde - MS/CNPIR)

Luana Carolina Corrêa Martins (Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doenças Falciformes - FENAFAL/CNPIR)

Luiz Carlos de Lima (Ministério da Integração Nacional - MI/CNPIR)

Magda Fernandes (Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP/CNPIR)

Manoela Dutra Macedo (Casa Civil - CC/CNPIR)

Marcelo Martiniano (Ministério das Cidades - MCid/CNPIR)

Nathanael Souza e Silva (Ministério das Relações Exteriores - MRE/CNPIR)

Nuno Coelho Alcântara Junior (Agentes Pastorais Negros - APN/CNPIR)

Patrícia Tiomno Tolmasquim (Confederação Israelita do Brasil - CONIB/CNPIR)

Raquel Dias (Ministério da Educação - MEC/CNPIR)

Silvia Nascimento Cardoso dos Santos Cerqueira (CNPIR)

Mãe Tuca D’Osoguiã (Edmar Barbosa Bonfim)(Casa de Cultura Ilê Asé d’Osoguiã - CCIAO/CNPIR)

Ualid Hussein Ali Mohd Rabah (Federação Árabe Palestina do Brasil - FEPAL/CNPIR)

Ubiraci Matildes de Jesus (Fórum Nacional de Mulheres Negras - FNMN/CNPIR)

Vanderlei Lourenço Francisco (Fundação Cultural Palmares - FCP/MinC/CNPIR)

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COORDENAÇÃO EXECUTIVA DA IV CONAPIR

Adeildo Araújo (MNU/CNPIR)

Andréa Valentim Alves Ferreira Coordenadora-Geral de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial/SEPPIR/MDH

Arilson Ventura (CONAQ/CNPIR)

Byany Sanches Mourão (RAN/CNPIR)

Dandara Tonantzin Silva Castro(UNE/CNPIR)

Gabriela Cruz da Silva,Coordenadora-Geral de Promoção da Igualdade Racial/SEPPIR/MDH

José Carlos Calon (CEDRO/CNPIR)

Rogério Vilela B. de A. FrancoCoordenador de Articulação de Políticas de Ações Afirmativas/SEPPIR/MDH

Silvia Nascimento Cardoso dos Santos Cerqueira (CNPIR)

Sionei Ricardo Leão de Araújo Coordenador-Geral do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial/SEPPIR/MDH

SUBCOMISSÃO DE METODOLOGIA, TEMAS, SUBTEMAS E RELATORIA

Andréa Valentim Alves Ferreira Coordenadora-Geral de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial/SEPPIR/MDH

Ângela Cristina Santos Guimarães (UNEGRO/CNPIR)

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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

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Ircílio Chissolumcombe (MCTIC/CNPIR)

Kátia Favilla (MDSA/CNPIR)

Patrícia Tiomno Tolmasquim (CONIB/CNPIR)

Ualid Hussein Ali Mohd Rabah (FEPAL/CNPIR)

SUBCOMISSÃO DE COMUNICAÇÃO

Dara Sant’Anna Carvalho Ignácio (UNE/CNPIR)

Dênis Rodrigues da Silva Analista Técnico de Políticas Sociais-Especialista/SEPPIR/MDH

Frei David Raimundo Santos (EDUCAFRO/CNPIR)

Jimmyana Sousa Nunes da Rocha Coordenadora de Políticas da Igualdade Racial/SEPPIR/MDH

Luiz Carlos de Lima (MI/CNPIR)

Mãe Tuca D’Osoguiã Edmar Barbosa Bonfim (CCIAO/CNPIR)

SUBCOMISSÃO DE ARTICULAÇÃO E DE MOBILIZAÇÃO

Ana Karyna Sobral (MPOG/CNPIR)

Bruno Machado Teté Diretor de Departamento de Igualdade Racial/SEPPIR/MDH

Eliane da Silva Souza (FUNAI/MJSP/CNPIR)

Henoc Pinto Neves (CAITI/CNPIR)

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Milton Santos Silva (RNLGBT/CNPIR)

Nuno Coelho de Alcântara Junior (APN/CNPIR)

Raquel Dias (MEC/CNPIR)

Ubiraci Matildes de Jesus (FNMN/CNPIR)

SUBCOMISSÃO DE LOGÍSTICA

Antônio Carlos Basílio da Silva (Instituto Nacional de Tecnologia Social – INATES/CNPIR)

Célia Zenaide da Silva (CFP/CNPIR)

Floraci Pereira dos Santos Chefe de Divisão de Serviços Gerais/Secretaria Executiva/MDH

Hugo Nister Pessoa Teixeira Assistente/SEPPIR/MDH

Luana Carolina Corrêa Martins (FENAFAL/CNPIR)

Rogério Vilela B. de A. Franco Coordenador de Articulação de Políticas de Ações Afirmativas/SEPPIR/MDH

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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

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ORGANIZAÇÃO DA IV CONAPIR___________________________________________ 7

APRESENTAÇÃO_______________________________________________________ 14

DO RECONHECIMENTO DOS AFRODESCENDENTES___________________________ 16

Estratégias para reconhecimento e enfrentamento ao racismo.......................................18Marco Legal para Educação Étnico-Racial: Garantias de Continuidade.......................18Participação e Inclusão para o Reconhecimento.....................................................................20Povos Ciganos............................................................................................................................................22

DA GARANTIA DE JUSTIÇA DOS AFRODESCENDENTES________________________ 23

Acesso à justiça e enfrentamento ao racismo............................................................................23Algumas medidas propostas pela Década Internacional de Afrodescendentes.......23Prevenção e punição de todas as violações de direitos humanos que afetem a população afrodescendente.................................................................................................................24Sistema prisional...................................................................................................................................... 26

DO DESENVOLVIMENTO DOS AFRODESCENDENTES___________________________ 27

Desenvolvimento e superação das desigualdades..................................................................27Racismo Institucional e Saúde...........................................................................................................29 Política Nacional de Saúde Integral da População..................................................................31Cultura............................................................................................................................................................32Racismo e Cultura................................................................................................................................... 34

DISCRIMINAÇÃO MÚLTIPLA OU AGRAVADA DOS AFRODESCENDENTES____________ 36

Direitos Sexuais e reprodutivos e a violência obstétrica.....................................................36Discriminação múltipla ou agravada dos afrodescendentes...................................................36Direitos sexuais e reprodutivos .............................................................................................................37Gravidez na adolescência....................................................................................................................37Violência obstétrica.................................................................................................................................38Religiões tradicionais de matriz africana.....................................................................................39Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros - LGBT.....................41Políticas de Promoção da Igualdade Racial................................................................................42

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS____________________________________________ 45

SUMÁRIO

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Entre os dias 27 e 30 de maio de 2018, acontecerá em Brasília a IV

Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial – IV CONAPIR. É um grande encontro de representantes da sociedade civil e do governo para dialogar sobre a luta para o enfrentamento do racismo no Brasil. As etapas subnacionais – que incluem as conferências livres, municipais, regionais, estaduais e distrital – iniciaram-se em 2017, com o desafio de deflagrar um grande debate nacional sobre as políticas públicas para o combate à discriminação e à violência racial no Brasil.

Na I CONAPIR, ocorrida em 2005, o tema “Estado e Sociedade - Promovendo a Igualdade Racial” possibilitou estabelecer as propostas em torno das quais se organizam os doze eixos do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Já em 2009, a II CONAPIR centrou-se na avaliação dos “Avanços, Desafios e Perspectivas da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial”, num momento de expansão da criação de órgãos municipais e estaduais voltados para esta temática.

Em 2013, na III CONAPIR, o tema “Democracia e Desenvolvimento sem Racismo: por um Brasil afirmativo” tornou possível a discussão e a proposição de

mecanismos para o enfrentamento ao racismo e demais formas de intolerância, assim como a promoção da igualdade racial visando o desenvolvimento da democracia com justiça social no Brasil.

A IV CONAPIR tem por objetivos: I - promover o respeito, a proteção e a concretização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais da população afrodescendente; II - fortalecer as ações relacionadas ao gozo de direitos e à igual participação dos afrodescendentes em todos os aspectos da sociedade brasileira; III - promover o maior conhecimento e respeito em relação ao legado, cultura e contribuições diversificadas da população afrodescendente de povos e comunidades tradicionais, conforme a representação no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial-CNPIR e no Decreto 6040, de 07 de fevereiro de 2007; e IV - fortalecer o cumprimento dos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário relacionados aos direitos dos afrodescendentes.

A IV CONAPIR terá como tema central “O Brasil na década dos afrodescendentes: reconhecimento, justiça, desenvolvimento e igualdade de direitos” e as discussões serão orientadas por quatro subtemas:

APRESENTAÇÃO

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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

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• I – “Do reconhecimento dos afrodescendentes” – sobre estratégias para o reconhecimento e o enfrentamento ao racismo, partindo das abordagens: a) direito à igualdade de oportunidades e à não discriminação; b) educação em igualdade e conscientização; c) participação e inclusão;

• II – “Da garantia de justiça aos afrodescendentes” – como se procede o acesso à justiça e de que forma poderá se dar quando do enfrentamento ao racismo, com as pautas de discussão: a) acesso à justiça; b) prevenção e punição de todas as violações de direitos humanos que afetem a população afrodescendente; c) sistema prisional;

• III – “Do desenvolvimento dos afrodescendentes” – quais os meios para o desenvolvimento com justiça social como forma de superação das desigualdades presente no Brasil, com os tópicos: a) direito ao desenvolvimento e medidas contra a pobreza; b) educação; c) empreendedorismo, emprego e renda; d) saúde; e) moradia;

• IV – “D i sc r im inação múltipla ou agravada dos afrodescendentes” – avanços

e perspectivas das políticas de promoção da igualdade no Brasil, abordando os seguintes pontos: a) gênero, o que incluirá os direitos sexuais e reprodutivos e a violência obstétrica; b) religiões tradicionais de matriz africana; e c) lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros - LGBT.

A IV CONAPIR tem como principal viés oportunizar e fortalecer o diálogo e a cooperação entre órgãos e entidades governamentais e não governamentais de promoção da igualdade racial, onde deverão ser apontados possíveis a justes nas políticas de igualdade ora em curso, e fortalecidas as relações das mesmas com as políticas sociais e econômicas em vigor.

O presente documento traz contribuições para subsidiar delegadas e delegados nos debates e elaboração das resoluções da IV Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

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DO RECONHECIMENTO DOS AFRODESCENDENTES

DÉCADA INTERNACIONAL DOS AFRODESCENDENTES: RECONHECIMENTO, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

Em setembro de 2015, os 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) chegaram a um acordo sobre a ambiciosa agenda que inclui 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que buscam, até 2030, erradicar a extrema pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar das pessoas, e ao mesmo tempo proteger o meio ambiente. Em dezembro de 2013, esses mesmos 193 países aprovaram a criação da Década Internacional dos Afrodescendentes. O período iniciado em dezembro de 2014 e que se estende até 2024 marca um esforço para reconhecer e modificar as condições de vida das aproximadamente 200 milhões de pessoas afrodescendentes vivendo principalmente nas Américas.

Seja como descendentes das vítimas do tráfico transatlântico para exploração do trabalho escravo nos séculos passados ou como migrantes mais recentemente, essas pessoas formam alguns dos grupos

mais pobres e marginalizados. Estudos e pesquisas de órgãos nacionais e internacionais demonstram que pessoas afrodescendentes ainda têm acesso limitado a educação de qualidade, serviços de saúde, moradia e segurança.

Em muitos casos, a situação permanece praticamente invisível, e pouco reconhecimento e respeito são dados aos esforços das pessoas de ascendência africana para buscar compensação por sua condição atual. Todos eles são, com frequência, vítimas de discriminação perante a justiça, enfrentam alarmantes índices de violência e discriminação racial. Além disso, seu grau de participação política é baixo, tanto nas votações quanto na ocupação de cargos políticos. Adicionalmente, os afrodescendentes podem sofrer de múltiplas formas de discriminação quando sua identidade racial se intersecciona com idade, sexo, idioma, religião, opinião política, classe social, incapacidade, origem e outros.

Para enfrentar a complexidade dessa situação, a década dos afrodescendentes traz como tema reconhecimento, justiça e desenvolvimento. Com base nesses três conceitos, o documento também assinado pelos 193 países – inclusive o Brasil – se desdobra em alguns compromissos: o direito à igualdade e à não discriminação; a educação para a igualdade e ampliação da conscientização; o acesso à justiça; o direito ao desenvolvimento e medidas contra a pobreza; educação; emprego; moradia; saúde; e as ações contra a discriminação múltipla ou agravada.

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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

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As organizações internacionais e regionais são chamadas para sensibilizar, disseminar e apoiar os países na implementação plena e efetiva dos compromissos assumidos no âmbito da Declaração e Programa de Ação de Durban e da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, recolhendo dados estatísticos, incorporando os direitos humanos nos programas de desenvolvimento, honrando e preservando a memória histórica dos afrodescendentes.

Em nível nacional, os Estados-membros devem adotar medidas concretas e práticas por meio da efetiva implementação de quadros jurídicos, políticas e programas de combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata enfrentados por afrodescendentes, tendo em conta a situação particular das mulheres, meninas e jovens do sexo masculino.

A promoção e proteção dos direitos humanos das pessoas afrodescendentes têm sido uma preocupação prioritária das Nações Unidas. A Declaração e Programa de Ação de Durban, adotados em 2001 na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância, identificaram elementos fundamentais nas estratégias internacionais, regionais e nacionais que precisam ser implementadas para o enfrentamento ao racismo que afeta a população afrodescendente. Reconheceu-se também o sofrimento

causado pelo colonialismo e lamentou-se que seus efeitos e a persistência suas práticas esteja entre os fatores que contribuíram para a desigualdade econômica e social que perdura em muitas partes do mundo.

Reconheceu-se que a escravidão e o tráfico de escravos são um crime contra a humanidade, sempre deveriam ter sido – especialmente o comércio transatlântico de escravos – e que estão entre as maiores fontes e manifestações de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias relacionadas.

O processo de Durban deu mais visibilidade à população afrodescendente e contribuiu para o avanço significativo da promoção e proteção de seus direitos. Contudo, apesar dos avanços, o racismo e a discriminação racial, tanto direta como indireta, continuam a manifestar-se na desigualdade de oportunidades.

Um esforço de desagregação de dados por raça/cor realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2017, jogou luzes sobre a realidade da população negra brasileira. Apesar dos avanços obtidos na qualidade de vida neste século, homens e mulheres pretos e pardos ainda têm um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) menor que a população branca e foi somente em 2010 que os negros alcançaram um patamar que os brancos já possuíam desde 2000.

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Quando os dados são observados por estados, as maiores diferenças porcentuais entre o IDH da população branca e o IDH da população negra, em 2010, foram observadas no Rio Grande do Sul (13,9%), Maranhão (13,9%) e Rio de Janeiro (13,4%) e, por outro lado, as menores diferenças porcentuais foram registradas nos estados de Amapá (8,2%), Rondônia (8,5%) e Sergipe (8,6%).

O IDH é calculado levando em consideração expectativa de vida ao nascer, a escolaridade da população adulta, o fluxo escolar da população jovem e a renda per capita das populações. Essa análise também nos oferece novos instrumentos para olhar os problemas que temos de enfrentar. A violência urbana que atinge com mais força os homens jovens e a violência doméstica no Brasil também tem cor. É na vida das mulheres negras que esse problema avança.

O Brasil desde o início deste século tem se dedicado a elaborar e melhorar os diagnósticos sobre seus diferentes grupos populacionais. O país acumulou conhecimento sobre o que é necessário e como fazer. A consciência da complexidade do racismo também está dada.

Esse é um período de importantes compromissos internacionais. Tanto no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como no da Década Internacional dos Afrodescendentes, há muito a ser feito. A contribuição direta

e a plena participação de mulheres e homens negros – que historicamente se organizaram ao longo dos séculos contra o racismo – será fundamental para que consigamos – coletivamente – cumprir os compromissos de construir uma sociedade mais justa em que todas as pessoas consigam se beneficiar do desenvolvimento.

ESTRATÉGIASPARA RECONHECIMENTOE ENFRENTAMENTOAO RACISMO

MARCO LEGAL PARA EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL: GARANTIAS DE CONTINUIDADE

O que garante que as políticas educacionais de enfrentamento ao racismo podem ter efetiva continuidade, independentemente de conjunturas transitórias? A resposta para tal indagação encontra-se entranhada no percurso histórico da construção da própria política, ou seja, seu arcabouço legal de caráter internacional. Observe-se que a temática dos direitos humanos, dos direitos civis, é uma pauta que interessa ao desenvolvimento do Brasil, mas principalmente interessa a uma agenda internacional amparada por tratados, convenções e instituições internacionais fortes, monitorada pela

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SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

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Organização das Nações Unidas em seus diversos setores da atuação. Assim, passamos a fazer uma revisão histórica do marco legal de forma a fazer perceber que a temática étnico-racial permanece em pauta efetiva nos trabalhos do Ministério da Educação, bem como nas pastas dos demais governos de estados e munícipios do país.

A Educação para as relações étnico-raciais como proposta de trabalho institucional, figurando nos documentos do Conselho Nacional de Educação e do Ministério da Educação, foi uma das principais conquistas advindas das lutas históricas da população negra brasileira.Chegar à escola já foi uma conquista que exigiu muito esforço e militância aguerrida para demonstrar o quão graves e injustos são as políticas públicas que desconsideravam as necessidades da população negra, em geral mais carente e destituída de direitos gerais, como é perceptível nos textos constitucionais anteriores à Constituição Federal de 1988.

A Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada no ano de 2001 em Durban, na África do Sul, foi certamente um divisor de águas no que diz respeito a alavancar no Brasil ações mais efetivas que garantissem alguma implementação real de educação para enfrentamento do racismo. Na introdução do livro “Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais”, Eliane Cavalleiro lembra que o século passado não teve efeito para melhoria

da educação dos afro-brasileiros nem avanços para a justiça aos negros em geral, senão depois de sua segunda metade, com a Lei Afonso Arinos de 1951, onde a discriminação racial passou a caracterizar-se como contravenção penal. Esse início de construção de um marco legal se respaldou, segundo ela, na atuante elaboração acadêmica dos eminentes Abdias do Nascimento, Clóvis Moura e Lélia Gonzales, entre outros(as), contrapondo-se aos textos nefastos dos que defendiam a pseudo democracia racial.

A partir dali, Cavalleiro relaciona as intervenções do Movimento Negro Organizado como a Convenção nº 111 da OIT (1958); o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); e, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968), que serviram como subsídio para a preparação da Constituição Federal de 1988. A Carta Magna, no seu artigo 5º, inciso XLII, dos Direitos e Garantias Fundamentais, e no seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, passou a considerar como condenável toda a prática de racismo e determinou como sendo direito inalienável as manifestações culturais, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo ou idade. Graças ao caminhar deste conjunto de textos legais foi possível a Lei Caó (Lei nº 7.716/89) e a Lei Federal nº 10.639/2003, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-

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LDB no sentido de incluir no currículo da Educação Básica o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e, posteriormente, a Lei nº 11.645/2008, que incluiu na redação da LDB o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena.

A força do marco legal que incide positivamente sobre a educação brasileira em defesa de um ensino que combate racismos, preconceitos e intolerâncias correlatas, tem se perpetuado. Ainda que existam adversidades no cenário político brasileiro, esta força se manifestou nas ações do Conselho Nacional de Educação-CNE, como na construção do Parecer nº 03/2004 e na Resolução nº 01/2004, que instituíram as Diretrizes Curriculares Nacionais-DCNs para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana; no Plano Nacional de Implementação das DCNs da Educação Étnico-Raciais, lançado em 2009; na Lei nº 12.288/2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial; na Resolução CNE nº 8, de 20 de novembro de 2012, que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica; e, na Lei nº 12.711/2012, sancionada em agosto daquele ano, garantindo a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos.

Compreendendo isso, no que precisamos avançar? Talvez o primeiro aspecto é construir uma rede de avaliação continuada para que sistemas, sociedade e governo possam acompanhar com maior facilidade as boas práticas de aplicação deste arcabouço legal; maximizar e aumentar as experiências que já estejam em andamento; garantir que a educação para as relações étnico-raciais estejam realmente presentes em todas as modalidades e níveis da educação, incluindo a rede particular, de educação técnico-profissionalizante e as escolas militares.

Então, o desafio para mais uma década dos afrodescendentes é o cumprimento integral de tudo que está expresso no conjunto do marco legal desenvolvido principalmente durante estas duas décadas do século XXI.

PARTICIPAÇÃO E INCLUSÃO PARA O RECONHECIMENTO

Para contribuir com a efetiva participação e inclusão, e garantir o Reconhecimento conforme as diretrizes elencadas na Década Internacional de Afrodescendentes, os países devem adotar medidas que possibilitem a participação plena, igual e efetiva da população negra na vida pública e política sem discriminação, de acordo com o direito internacional dos direitos humanos.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos surgiu a partir do Pós-guerra

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como resposta às atrocidades cometidas durante o nazismo. Neste contexto, os direitos humanos reconstruíram-se como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Os valores elencados nesta conjuntura adotaram a primazia da pessoa humana, por meio do Sistema Nacional de Direitos Humanos, com o objetivo de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais. A sistemática internacional, como garantia de proteção, instituiu mecanismos de responsabilização e controle internacional, que são acionados quando o Estado se mostra falho ou omisso na tarefa de implementar direitos e liberdades fundamentais, conforme descrito nos acordos internacionais. O aparato internacional de proteção e as obrigações internacionais, quando absorvidas pelo Estado, reafirmam o seu compromisso e a aceitação do monitoramento internacional, no que se refere ao respeito aos direitos fundamentais em seu território.

A Constituição brasileira de 1988, ressalta e reafirma o marco jurídico da institucionalização dos direitos humanos e da transição democrática no país, demarca uma conquista e consagra o primado do respeito aos direitos humanos como paradigma propugnado para a ordem internacional.

Ao falarmos em participação, vimos que existe uma imensa dificuldade da gestão pública para garantir a participação popular e, principalmente, reafirmar o

compromisso com a diversidade do nosso povo. As ações em prol da população negra necessitam modificar a realidade, e para isso é necessário fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e atuação conjunta entre governo e sociedade civil, a exemplo dos Conselhos de Direitos. A população negra ao longo desses anos vem demonstrado sua rica expressão na participação e complementa os avanços através da participação dos atores da sociedade civil. Os movimentos sociais mostram que a vontade de participação dos afrodescendentes não se contenta apenas com o processo de realização das conferências, mas anseia institucionalizar-se e permanecer atuante de forma transversal e descentralizada para efetivação das políticas públicas. O movimento negro promoveu importantes conquistas através de mecanismos participativos e essa efetiva participação resultou em importantes conquistas para população negra. Podemos citar aqui algumas dessas grandes conquistas, como a criação da SEPPIR, a criação do Estatuto da Igualdade Racial, a instituição da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, de 2009, a Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro brasileira, as Leis de Cotas 12.711/2012, que reserva 50% das vagas nas universidades federais, e a 12.990/2014, que reserva 20% das vagas em concursos públicos em âmbito federal, e o Programa Brasil Quilombola, entre outras conquistas importantes.

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Para continuarmos os avanços, o Estado deve superar alguns entraves ainda existentes no que concerne ao respeito à opinião pública e a garantia da participação. Vale destacar que o Racismo Institucional coloca-se como a maior barreira a ser superada quando tratamos de participação e inclusão dos afrodescendentes nos espaços de decisão e participação.

Nos dias de hoje, é difícil acreditar que as pessoas ainda são excluídas do meio social em razão de suas características físicas, como a cor da pele.

Quando falamos em inclusão, entendemos que ela está ligada a todas as pessoas que não têm as mesmas oportunidades dentro de uma sociedade. Os excluídos socialmente também são os que não possuem condições financeiras dentro dos padrões impostos pela sociedade, sendo a população negra a população mais pobre do país. Além das desvantagens socioeconômicas, a opressão de gênero e raça produz a violência simbólica. Por isso, reafirmamos a importância das ações afirmativas para a garantia do acesso aos direitos e inclusão social dos afrodescendentes. Pensar as ações afirmativas como mecanismos de justiça social é promover uma inclusão que assegura a presença de grupos historicamente excluídos nos espaços de representatividade e poder.

Cabe destacar que a elite branca brasileira ainda resiste aos avanços, realizando campanhas difamatórias

contra a ação dos órgãos de governo que têm desempenhado um papel importante em defesa da população negra. Os dados revelam que as cotas são um grande instrumento de inclusão dos negros e negras nos espaços de ensino e no mercado de trabalho. Importante também ressaltar que a inclusão não termina com o ingresso, é necessário desenvolver estratégias de acesso e permanência nos espaços conquistados.

Outro destaque importante, é a reflexão que temos de fazer diante da crise no cenário político. Podemos ressaltar a importância de inserir as ações afirmativas em uma eventual reforma política. Também é emergente a nossa reflexão sobre a questão de que “ negro não vota em negro”. Esta reflexão cabe à superação do estigma de que somente o homem branco possui representatividade quando se fala de competência, capacidade e inteligência. Precisamos eleger os(as) nossos(as) representantes para que nossos direitos e nossas conquistas tenham garantia.

POVOS CIGANOS

Quanto aos Povos Ciganos, que chegaram ao Brasil a partir do século XVI como vítimas da perseguição na Europa, até hoje são objeto de preconceito e discriminação, apesar de constituírem uma população de centenas de milhares de pessoas que vêm participando da construção e do crescimento do país desde a época colonial.

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Praticamente não existem dados oficiais sobre a presença dos Povos Ciganos e de sua distribuição pelo território nacional, o que indica o grau de invisibilidade que o Estado brasileiro tem conferido às etnias ciganas. É urgente que seja realizado um censo demográfico indicando quantos são e onde estão os ciganos e suas comunidades.

O Racismo Institucional atinge de maneira cruel os Povos Ciganos, com crianças fora das escolas; alto grau de analfabetismo entre jovens e adultos; dificuldades de acesso à assistência social – inclusive de idosos(as) –; pessoas ainda sem Registro Civil de Nascimento e todas as dificuldades advindas daí, como a burocracia para sepultamentos; resistência dos governos municipais para permissão de permanência de comunidades itinerantes, entre outros.

Os Povos Ciganos têm direito a escola, saúde, moradia e segurança como seres humanos e cidadãos e cidadãs brasileiros(as) que são! Seus direitos básicos e fundamentais precisam ser garantidos, como a inviolabilidade de seus lares, e as comunidades ciganas devem ter acesso a serviços e à promoção social, respeitadas a sua trajetória e costumes, assim outros povos e comunidades tradicionais.

DA GARANTIA DE JUSTIÇA DOS AFRODESCENDENTESACESSO À JUSTIÇA E ENFRENTAMENTO AO RACISMO

ALGUMAS MEDIDAS PROPOSTAS PELA DÉCADA INTERNACIONAL DE AFRODESCENDENTES

1. Introduzir medidas para garantir a igualdade perante a lei, especialmen-te no desfrute do direito à igualdade de tratamento perante os tribunais e outros órgãos de administração da Justiça;

2. Eliminar estereótipos institucionaliza-dos relacionados à população afro-descendente e aplicar sanções apro-priadas contra autoridades policiais que agem com base na filtragem racial;

3. Assegurar que a população afrodes-cendente tenha acesso pleno e efetivo a proteção e recursos perante os tri-bunais nacionais competentes e outras instituições estatais contra quaisquer atos de discriminação racial e o di-reito de buscar reparação adequada ou satisfação perante esses tribunais por qualquer prejuízo sofrido em razão dessa discriminação;

4. Adotar medidas efetivas e apropria-das, incluindo medidas legais quando

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necessário, para combater todas as formas de racismo, especialmente a disseminação de ideias baseadas em superioridade racial ou ódio, incitação ao ódio racial, violência ou incitação à violência racial, como também ativi-dades de propaganda racista e par-ticipação em organizações racistas. Os países também são incentivados a garantir que essas motivações sejam consideradas como um fator agravante da pena para efeitos de sentença;

5. Facilitar o acesso à justiça para pesso-as afrodescendentes vítimas de racis-mo, fornecendo as informações legais necessárias sobre os seus direitos e assistência jurídica;

6. Prevenir e punir todas as violações a direitos humanos que afetam a po-pulação afrodescendente, incluindo violência, atos de tortura, tratamento desumano ou degradante, incluindo aqueles cometidos por autoridades públicas;

7. Assegurar que as pessoas afrodes-cendentes, como qualquer outra pes-soa, possam desfrutar de todas as garantias do devido processo legal e igualdade perante a lei, conforme con-sagrado nos instrumentos internacio-nais de direitos humanos relevantes, e, especificamente, o direito à presunção de inocência, o direito à assistência jurídica e a um intérprete, o direito a um tribunal imparcial e independente, garantias da justiça e todos os direitos que assistem os presos;

8. Reconhecer e lamentar profundamen-te o indescritível sofrimento e males infligidos a milhões de homens, mu-lheres e crianças como um resultado da escravidão, do tráfico de escravos, do comércio transatlântico de escra-vos, do colonialismo, do apartheid, do genocídio e de tragédias passadas, observando que alguns países tomem a iniciativa de desculpar-se e pagar reparações, quando apropriado, pelas violações graves e massivas cometi-das. E invocar aqueles que ainda não demonstraram remorso ou desculpa-ram-se para que encontrem alguma maneira de contribuir para a restau-ração da dignidade das vítimas.

PREVENÇÃO E PUNIÇÃO DE TODAS AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS QUE AFETEM A POPULAÇÃO AFRODESCENDENTE

A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu 137.516 denúncias de violações de direitos humanos em 2015, uma média de 376 registros por dia. O balanço do Disque 100 ou Disque Direitos Humanos revela quem são as principais vítimas de violações de direitos no país. No que se refere ao recorte por raça/cor dessas denúncias, verifica-se que as maiores vítimas são pessoas negras.O perfil das denúncias de violações de direitos das crianças e adolescentes é de 57,5% de meninas e meninos pretos

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e pardos; das denúncias relacionadas às pessoas com deficiência, 56% dos informados são pretos e pardos. A tendência se repete nas denúncias de violações dos direitos da população LGBT, em situação de rua e pessoas em restrição de liberdade. A única exceção é em relação ao grupo das pessoas idosas, onde 52% das denúncias são de pessoas idosas brancas.

Com relação ao Disque 100, as denúncias relativas ao grupo Igualdade Racial cresceram 5.811% no ano de 2015 em relação ao ano de 2014.

A repressão à livre circulação da população negra, especialmente dos homens negros, tem sido uma prática usual no Brasil e objeto de reiteradas denúncias pelo movimento negro. Nas operações policiais, as revistas e pedidos de documentos de identificação, em primeiro lugar para os homens negros - com a exigência de carteira de trabalho assinada - podem ser relatadas de norte a sul do país.

É preciso estar vivo para desfrutar de direitos. É preciso ser livre para usufruir a democracia. É preciso não ser discriminado para ampliar habilidades e conhecimento como seres humanos. No caso brasileiro, a violação de direitos, expressa nas manifestações cotidianas e generalizadas de racismo e de discriminação racial, é a base da violência letal a que a população negra é submetida.

A grave situação da segurança pública, incluindo a violência generalizada e os abusos policiais afetam majoritariamente a população afrodescendente.

É necessário assegurar que as investigações de todos os atos de racismo e discriminação racial, particularmente aqueles cometidos por oficiais da execução da lei, sejam realizados de maneira imparcial, oportuna e exaustiva, que os responsáveis sejam levados à justiça de acordo com a lei e que vítimas recebam satisfação imediata e justa por qualquer dano.

Outras medidas importantes:

9. Adotar programas de treinamento policial com ênfase no uso da força de acordo com o critério da propor-cionalidade;

10. Enfrentar o aumento, nos anos recen-tes, de atos de incitação ao ódio que visam e afetam gravemente a popu-lação afrodescendente e as religiões de matriz africana, seja envolvendo o uso de meios de comunicação im-pressos, audiovisuais ou eletrônicos, ou quaisquer outros meios;

11. Encorajar os governos a incluírem em seus relatórios do mecanismo de revi-são periódica universal do Conselho de Direitos Humanos, informações sobre medidas de prevenção e combate ao racismo;

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12. Estimular os governos a desenvolverem programas culturais e educacionais que visam combater o racismo, dis-criminação racial, xenofobia e intole-rância correlata e melhorar o enten-dimento mútuo entre diversas culturas e civilizações;

13. Realizar campanhas efetivas de mídia para melhorar a prevenção, combate e erradicação de todas as manifesta-ções de racismo, xenofobia e intole-rância correlata.

SISTEMA PRISIONAL

O perfil socioeconômico das pessoas privadas de liberdade é majoritariamente composto por pessoas negras e pardas, jovens, oriundas de espaços populares, com baixa escolaridade e pertencentes às camadas mais pobres da população.

Em 2005 havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos, ou seja, considerando-se a parcela da população carcerária para a qual havia informação sobre cor disponível, 58,4% era negra. Já em 2012, havia 292.242 negros presos e 175.536 brancos, ou seja, 60,8% da população prisional era negra.

Constata-se assim que quanto mais cresce a população prisional no país, mais cresce o número de negros encarcerados. O crescimento do encarceramento é mais impulsionado pela prisão de pessoas negras do que brancas.

Os jovens representam 54,8% da população carcerária brasileira. Considerando-se os dados do InfoPen - Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias sobre a população no período de 2005 a 2012 e as estimativas para a população brasileira acima de 18 anos no mesmo período, é possível observar que o encarceramento de negros aumentou mais do que o encarceramento de brancos.

Em 2012, para cada grupo de 100 mil habitantes brancos acima de 18 anos havia 191 brancos encarcerados, enquanto para cada grupo de 100 mil habitantes negros acima de 18 anos havia 292 negros encarcerados, ou seja, proporcionalmente o encarceramento de negros foi significativamente maior do que o de brancos.

Algumas medidas importantes a serem tomadas:

• Assegurar que as pessoas privadas de liberdade em regime de prisão pre-ventiva e temporária sejam submeti-das sem demora a julgamento e que sejam adotadas medidas para corrigir a excessiva e inadequada adoção de prisões cautelares;

• Propor aos estabelecimentos prisio-nais, critérios objetivos, em harmonia com a legislação, para categorizar as pessoas privadas de liberdade - por exemplo, com base na reincidência ou na natureza da infração cometida (crimes hediondos, violentos e não vio-

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lentos) -, assim como a sua separação dentro dos espaços de privação de li-berdade, como em diferentes galerias, alas, celas, dormitórios ou quartos;

• Criar ou disponibilizar mecanismos de denúncias de violações de direitos dentro das unidades de privação de liberdade, assegurando-se as garan-tias do devido processo e o direito à defesa;

• Promover a participação dos agentes públicos responsáveis pela privação de liberdade em formações e capa-citações adequadas, tendo em vista normas nacionais e internacionais;

• Garantir o melhor tratamento de saú-de possível às pessoas privadas de liberdade;

• Garantir a salubridade do espaço físico das unidades de privação de liberdade;

• Oferecer acompanhamento e assis-tência jurídica das medidas impos-tas às pessoas privadas de liberdade, pelos órgãos do sistema de justiça, particularmente a Defensoria Pública e Varas responsáveis pela execução das medidas privativas de liberdade;

• Fortalecer os órgãos de controle ex-terno e interno do sistema de justiça, como ouvidorias e corregedorias.

DO DESENVOLVIMENTO DOS AFRODESCENDENTESDESENVOLVIMENTO E SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES

Conforme o Relatório das Desigualdades de Raça, Gênero e Classe, publicado pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa da UERJ, entre os anos de 2011 e 2015, 35% dos pretos e 34% dos pardos1 recebiam entre 1/2 salário e um salário mínimo e apenas 2% dos pretos e 2% dos pardos recebiam acima de cinco salários mínimos, quando 7% dos brancos recebiam mais de cinco salários mínimos. Cabe ressaltar que dados do IBGE destacam que, somados pretos e pardos, 54% da população brasileira é negra, 45% branca e 1% indígena ou amarela. “Apesar do aumento dos rendimentos nos últimos 4 anos ter ocorrido para todos os grupos da população, os brancos permanecem em posição de franca vantagem em relação aos pretos e pardos, com rendimento em torno de 80% superior ao de pretos e pardos ao longo de todo o período. É importante notar que a despeito de ter havido crescimento de renda para todos os grupos, a desigualdade entre eles permaneceu praticamente inalterada.” (LEÃO, CANDIDO, CAMPOS, FERES JÚNIOR, 2017, pág. 8).

1 Conforme critérios de raça e cor do IBGE.

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Para Amartya Sen o desenvolvimento não deve ser medido somente pelo aumento da industrialização, avanços tecnológicos, aumento do PIB, da renda média per capita, mas sim deve incluir indicadores de melhoria da vida dos indivíduos, com o fortalecimento de suas liberdades. O acesso à saúde, educação, a garantia dos direitos civis, o direito ao território, devem ser incluídos nas políticas de desenvolvimento. “O que as pessoas conseguem realizar é influenciado por oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras, como boa saúde, educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas” (SEN, 2010, pág. 18).

A ONU, no documento sobre a Década Internacional de Afrodescendentes, destaca a importância da participação de negras e negros nos processos decisórios e na distribuição igualitária dos benefícios resultantes deste desenvolvimento.

Segundo o Caderno de Resultados População Negra, analisando a superação da pobreza de junho de 2011 a abril de 2015, apesar da redução da pobreza multidimensional entre pretos, pardos e indígenas de 12,26% em 2002 para 1,7% em 2013, há ainda uma grande diferença quando observada em relação aos brancos, que possuíam em 2013 taxa de 0,5%. Esta diferença é ainda mais acentuada quando analisado o meio rural, sendo de 4,9% para pretos, pardos e indígenas e de 0,4% para os brancos. Importante destacar que a maioria das

comunidades quilombolas e dos povos indígenas encontram-se na área rural do país (Caderno de Resultados População Negra, BSM, 2015).

10,3 milhões de famílias que estão inseridas no Cadastro Único dos Programas Sociais são chefiadas por negras/os, destas, 67% são beneficiárias do Programa Bolsa Família e 88% são chefiadas por mulheres negras. Do total de famílias beneficiárias do Bolsa Família, 75% são de famílias de negras e negros.

“O racismo e seus reflexos na distribuição dos recursos são e l em entos es truturantes da desigualdade social no Brasil. O peso de seus efeitos é reafirmado por meio da evidenciação estatística de sua magnitude. A persistência da diferenciação racial no acesso a serviços públicos, na aquisição de cap acidades e na posição social desvela as consequências da atuação sistemática de mecanismos de produção e reprodução das desigualdades em vários campos da vida social.” (SILVA, 2013, pág. 14).

A agenda mundial dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável-ODS é composta por 17 objetivos e 169 metas. Os ODS 1. Erradicação da Pobreza e o 10. Redução das Desigualdades apresentam diversas metas, como:

a) “1.5 Até 2030, construir a resiliência dos pobres e daqueles em situação de vulnerabilidade, e reduzir

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a exposição e vulnerabilidade destes a eventos extremos relacionados com o clima e outros choques e desastres econômicos, sociais e ambientais;

1.a Garantir uma mobilização significativa de recursos a partir de uma variedade de fontes, inclusive por meio do reforço da cooperação para o desenvolvimento, para proporcionar meios adequados e previsíveis para que os países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos (LCDs), implementem programas e políticas para acabar com a pobreza em todas as suas dimensões

1.b Criar marcos políticos sólidos, em níveis nacional, regional e internacional, com base em estratégias de desenvolvimento a favor dos pobres e sensíveis a gênero, para apoiar investimentos acelerados nas ações de erradicação da pobreza.”

b) “10.1 Até 2030, progressivamente alcançar e sustentar o crescimento da renda dos 40% da população mais pobre a uma taxa maior que a média nacional”;

c) “10.2 Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2015).

RACISMOINSTITUCIONAL E SAÚDE

A história da população negra no Brasil é marcada por desigualdade e resistência. Sua chegada ao Brasil inicia-se no século XVI, por meio do tráfico transatlântico de negras e negros escravizados, provenientes de vários lugares do continente africano, para trabalharem nos engenhos e lavouras de cana-de-açúcar no período colonial. Além de serem submetidas a trabalhos forçados, estas pessoas eram destituídas de seus laços e vínculos familiares, sendo-lhes impostas outras formas de vida. Este processo não ocorreu sem resistência, os quilombos constituíram umas das principais estratégias de organização e oposição ao sistema escravocrata.

A abolição oficial da escravatura ocorreu somente em 1888, durante o Brasil Império, tendo a população negra no Brasil vivido por mais de três séculos sob o regime de escravidão. Apesar da abolição e do posterior reconhecimento das graves violações decorrentes da escravização, a população negra continua em grande medida excluída socialmente do acesso a vários bens. A falta de políticas no período pós-abolição que incluíssem esta população nos processos produtivos e sociais, assim como o imaginário sobre sua inferioridade, contribuiu para a continuidade da sua marginalização na sociedade brasileira. Ainda hoje, são frequentes as discriminações raciais, associando negras e negros a estereótipos

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negativos, de subalternidade, que reforçam sua marginalização social, econômica, política e cultural.

Vale mencionar que são recentes as políticas de promoção da igualdade racia l promovidas pelo Estado brasileiro. O racismo é um fenômeno cuja dinâmica é atualizada ao longo do tempo nas estruturas da sociedade. Os significados que ele reproduz incidem sobre o tratamento dado aos grupos raciais, influenciando os acessos e as oportunidades. Desta forma, o racismo cria e/ou potencializa as vulnerabilidades, impondo barreiras de acesso a direitos ou negligenciando necessidades.

O Racismo Institucional está diretamente ligado à forma como a sociedade está estruturada e com a falta de reconhecimento da cidadania plena da população negra, resultando na redução do acesso integral a bens e serviços de qualidade, menor participação e negligência das necessidades específicas, potencializando agravos à saúde.

As práticas discriminatórias oriundas do racismo são eventos que emergem em vários âmbitos: nas relações interpessoais, na família, na distribuição geográfica dos espaços urbanos, na formação de círculos sociais e mesmo nas instituições, dificultando e muitas vezes impedindo o acesso a um serviço de saúde de qualidade.

A construção de equidade racial em saúde para a população negra é um compromisso firmado pelo Ministério da Saúde na portaria 992/2009, que instituiu a Política Nacional de Saúde Integral para a População Negra, cuja marca é:

“reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais e condições de saúde, com vistas à promoção da equidade em saúde”, conforme divulgação no Portal da Saúde(http://portalsaude.saude.gov.br).

O racismo secularmente praticado con-tra a população negra afeta a garantia de acesso aos serviços públicos de saúde e é fator estruturante na desumanização da atenção prestada a este contingente populacional.

A saúde e o adoecimento estão relaciona-dos a uma série de fatores socioeconômi-cos e culturais que afetam a integridade física e psicológica, individual e coletiva. As condições históricas de inserção so-cial, somadas às condições de moradia, renda, saúde, localização geográfica e autoconceito positivo ou negativo são elementos que determinam o acesso a bens e serviços também de saúde.

Os séculos de escravização da população negra influenciaram negativamente na inserção dessa população na sociedade brasileira, contribuindo para um desigual

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e desfavorável acesso a direitos e oportu-nidades, inclusive de saúde. Estas carac-terísticas se refletem no quadro epide-miológico dessa população, evidenciando iniquidades e vulnerabilidades no acesso às condições promotoras de saúde.

Segundo o Censo 2010, em 10 anos a estrutura da população mudou em ter-mos de cor ou raça, com destaque para uma maior proporção das pessoas que se autodeclaram como pretas e pardas, de 44,7% da população em 2000 para 50,7% em 2010. Destaca-se uma maior concentração de pretos e pardos no Nor-te e no Nordeste; e, no Sudeste e Sul uma maioria de pessoas da cor branca, o que acompanha os padrões históricos de ocupação do país (IBGE).

Seguindo a tendência de aumento de au-todeclarações de pessoas negras (pretas e pardas), a Pesquisa Nacional por Amos-tras de Domicílios 2013 mostrou que 53,1% da população brasileira se autodeclarou negra (45% parda e 8,1% preta), enquanto 46,1% branca e 0,8% amarela e indígena.

O Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) define população negra como “o conjunto de pessoas que se au-todeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística IBGE”. As categorias de raça/cor utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Ge-ografia e Estatística (IBGE) são: branca, preta, parda, amarela e indígena.

Vale ressaltar que a agregação de pre-tos e pardos no grupo “negros” justifica--se pelo fato de que do ponto de vista estatístico as populações pretas e par-das têm características muito similares, quando comparadas à população branca, em indicadores socioeconômicos; além disso, as discriminações, potenciais ou efetivas, sofridas por pardos e pretos são de ordem racial (OSÓRIO, 2003).

POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO

Instituída pela Portaria nº 992 de 13 de maio de 2009, a Política Nacional de Saú-de Integral da População Negra- PNSIPN visa garantir a equidade e a efetivação do direito à saúde de negras e negros. Tendo como marca o reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico--raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde, com vistas à promoção da equi-dade em saúde, a Portaria nº 992 esta-belece objetivos, diretrizes, estratégias e responsabilidades da gestão em muitas esferas.

Entre suas diretrizes e objetivos, inclui ações de cuidado, atenção, promoção à saúde e prevenção de doenças, bem como de ges-tão participativa, participação popular e controle social, produção de conhecimento, formação e educação permanente para trabalhadoras e trabalhadores da saúde, visando à promoção da equidade em saú-de da população negra.

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A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra expressa o compromisso de governo com a diminuição das desigual-dades sociais que acometem a população negra, sendo o racismo uma de suas ex-pressões mais fortes. Reafirma também as responsabilidades de cada esfera de gestão do SUS na implementação de suas ações e na articulação com outros setores do governo e da sociedade civil, em es-pecial com os movimentos sociais negros.

A construção da Política Nacional de Saú-de Integral da População Negra conta com princípios e diretrizes, além da pre-visão de acompanhamento e avaliação subsidiados pelo Comitê Técnico de Saú-de da População Negra, tanto em nível nacional, quanto em instâncias estaduais e municipais. O estabelecimento deste Plano é um dos padrões de uma gestão descentralizada e participativa, proposta pelo Ministério da Saúde, para garan-tir a promoção de equidade em saúde com participação social para além de Conferências Nacionais de Saúde e do Conselho Nacional de Saúde

Com o objetivo de estabelecer estraté-gias de aplicação da Política de Saúde da População Negra, o III Plano Operativo da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra – publicado em abril de 2017 – visa garantir o acesso da popula-ção negra às ações e serviços de saúde de forma oportuna e humanizada, con-tribuindo para a melhoria das condições de saúde desta população. O Plano visa

também a redução das iniquidades de raça/cor, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, geracionais e de classe.

As estratégias do III Plano Operativo es-tão estruturadas em 05 eixos: Acesso da População Negra às Redes de Atenção à Saúde; Promoção e Vigilância em Saú-de; Educação Permanente em Saúde e Produção do Conhecimento em Saúde da População Negra; Fortalecimento da Participação e do Controle Social e Mo-nitoramento e Avaliação das Ações de Saúde para a População Negra.

O Plano inclui também povos e comuni-dades tradicionais ao estimular o pre-enchimento pelas equipes de Atenção Básica do campo “é membro de povo ou comunidade tradicional?”, que consta na ficha de cadastro do sistema E-SUS/AB. A coleta desta informação é importante para tomada de decisões, pela gestão do SUS, voltadas a atenção à saúde dessas populações. Além disso, reconhece que as comunidades tradicionais de matriz afri-cana e toda cultura derivada da presença negra no Brasil são espaços de produção de saúde e de reafirmação de cidadania.

CULTURA

O Brasil é famoso mundialmente pela miscigenação de seu povo, fato louvado de forma clara pela sua cultura popular. Infelizmente não lembramos o custo des-sa miscigenação, que na verdade teve a cultura indígena apagada, a cultura negra

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ignorada para a valorização da cultura eurocêntrica. Historicamente houve a es-colha de determinada cultura como boa cultura e a desvalorização as demais, fato que persiste até hoje. Num discurso raso, vemos que a música tida como “erudita” é a música clássica europeia, enquanto o funk, um exemplo contemporâneo de música de periferia e portanto ligada ao povo negro, sofre o preconceito que o samba já sofreu em outras épocas.

A cultura é a forma de um povo se per-petuar. Muito além da arte, cultura é a resistência de um povo. Os ciganos por exemplo, hoje não tem um país ou conti-nente, mas além da questão sanguínea, se perpetuam através da cultura, das mú-sicas, costumes, crenças etc. Quando a política de estado de um país, elege uma cultura como melhor ou principal, está fazendo um claro Racismo Institucional contra as demais populações.

Se na música, o samba é tido como prin-cipal música negra e conseguiu sair do gueto para o gosto popular, a Congada, o Jongo, o Maracatu e outros são muito menos conhecidos. O samba originou-se dos antigos batuques trazidos pelos afri-canos que vieram como escravos para o Brasil. Esses batuques estavam geralmen-te associados a elementos religiosos que instituíam entre a população negra uma espécie de comunicação ritual através da música e da dança, da percussão e dos movimentos do corpo.

“Uma das possíveis origens, segun-do Nei Lopes, seria a etnia quioco, na qual samba significa cabriolar, brincar, divertir-se como cabrito. Há quem dia que vem do banto semba, com o signi-ficado de umbigo ou coração. Parecia aplicar-se a danças nupciais de Ango-la caracterizadas pela umbigada, em uma espécie de ritual de fertilidade. Na Bahia surge a modalidade samba de roda, em que homens tocam e só as mulheres dançam, uma de cada vez. Há outras versões, menos rígidas, em que um casal ocupa o centro da roda.” (ALVITO, 2013. Pág. 80).

Congada como o nome sugere, vem da coroação dos antigos reis africanos do Congo. São cantos e danças junto a vio-lões, violas, reco-recos, atabaques, sanfo-nas e cavaquinho; o Jongo acreditamos vir de Angola, e significa divertimento. É uma expressão cultural vocal acompa-nhada por instrumentos musicais e dança. Para alguns é tido como um “tipo de sam-ba”, outros dizem que é a própria origem do samba e pode ser chamado Caxambu, Dança do Jongo, Bambelô, dentre outros. O Maracatu é uma música brasileira com origem em Pernambuco e tem relação com o candomblé. O ritmo é marcado por instrumentos de percussão e a dança se desenvolve num cortejo com rei, rainha e sua corte.

A Capoeira é uma luta que tomou forma de dança para tornar possível o apren-dizado e treino nos engenhos sem le-

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vantar suspeitas dos capatazes. Durante décadas a capoeira foi proibida no Brasil. A liberação da prática aconteceu apenas na década de 1930, quando uma variação (mais para o esporte do que manifestação cultural) foi apresentada ao então presi-dente Getúlio Vargas pelo Mestre Bimba, que adorou e a chamou de “único esporte verdadeiramente nacional”. Atualmente a Capoeira é Patrimônio Cultural Brasileiro, recebendo em 2014 o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

A África é o continente com maior diversi-dade cultural de todo o mundo. As religi-ões de matriz africana foram duramente atacadas pelos católicos brasileiros, então pouco da cultura de origem se manteve. Da miscigenação dessas religiões surgi-ram novas crenças, que chamamos de Candomblé (que teve origem no nordeste brasileiro) e a Umbanda (com origem no Rio de Janeiro). Na religião podemos ver com clareza a força do racismo, perene até os dias de hoje, onde terreiros são in-vadidos, destruídos. A hegemonia cultural mostra seu lado mais cruel ao associar o Exu (um orixá das religiões africanas) como sinônimo do demônio (símbolo do mal na religião cristã).

Os negros e negras serviram a casa gran-de por séculos. Talvez isso explique que foi na alimentação é onde houve o me-nor apagamento da cultura negra. São famosos os pratos vatapá, acarajé, caru-ru, mungunzá, sarapatel, baba de moça, cocada, bala de coco, atualmente reco-nhecidos como comida do Brasil.

RACISMO E CULTURA

Estudar as relações entre o racismo e a cultura é levantar a questão da sua ação recíproca. Se entendermos cultura como “conjunto dos comportamentos motores e mentais nascido do encontro do ho-mem com a natureza e com o seu seme-lhante”, devemos dizer que o racismo é um elemento cultural. Através do humor, histórias e chistes, o ódio, a xenofobia e o preconceito passam a permear sim a cultura de um povo. Segundo a Escala de Preconceito de Allport (ALLPORT, 1954) temos as seguintes categorias:

ANTILOCUÇÃO - É um grupo majoritário fazendo humor abertamente sobre um grupo minoritário. A fala se dá em termos de estereótipos e imagens negativas. Ela, além de criar um ambiente preconceitu-oso, agressivo e hostil, ainda estabelece o cenário para erupções mais sérias de preconceito. Depois de anos, o Brasil tem conseguido enfrentar seu humor racista, machista e homofóbico, mas com forte reação de humoristas e da população que deseja seguir fazendo piada sobre populações estigmatizadas. Uma par-cela de humoristas mais engajados tem levantado a bandeira de que humor se faz com os poderosos, isto é, não se faz piada com minorias, mas sim como forma de protesto.

ESQUIVA - O contato com as pessoas do grupo minoritário passa a ser ativamente evitado pelos membros do grupo majo-

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ritário. Pode não se pretender fazer mal diretamente, mas o mal é feito através do isolamento. Isso pode ser visto em favelas, guetos. Muitas vezes essa esquiva busca justificativa no medo da criminalidade, sem uma reflexão sobre porque os ne-gros, ciganos, ou mesmo LGBTs estão na situação de marginalidade. Vira um efeito de auto alimentação do racismo com um medo simbólico.

DISCRIMINAÇÃO - É a negação propria-mente dita de oportunidades e serviços ao grupo discriminado, acrescentando preconceito à ação. A população negra sofre isso claramente no Brasil, em rela-ção a empregos, salários, saúde, educa-ção, moradia etc. Um bom exemplo pode ser conferido no artigo Grávidas negras e pardas recebem menos anestesia no parto, disponível no endereço eletrônico https://www.geledes.org.br/gravidas-par-das-e-negras-recebem-menos-anestesia--no-parto/.

ATAQUE FÍSICO - O grupo majoritário vandaliza as coisas do grupo minoritário, queimam propriedades e desempenham ataques violentos contra indivíduos e gru-pos. Danos físicos são perpetrados contra os membros do grupo minoritário.

EXTERMÍNIO - Quando o grupo majo-ritário busca a exterminação do grupo minoritário. Segundo o Índice de Vulne-rabilidade Juvenil à Violência e Desigual-dade Racial 2014, no Brasil, o jovem negro tem 2,5 vezes mais chance de ser morto. Logicamente esse dado vem da condi-ção de marginalidade que a população

negra se encontra, mas também dessa perpetuação do racismo na cultura e da escalada de intolerância e ódio.

O que existe de mais cruel no racismo cultural é sua capacidade de renovação e refinamento.

Com o embate promovido pelos movi-mentos sociais e a com evolução da ci-ência, o racismo vulgar e simplista que achava no biológico a base material da doutrina (forma comparada de crânios, quantidade e configuração dos sulcos do encéfalo, características das camadas celulares do córtex, dimensões das vérte-bras, aspecto microscópico da epiderme etc.) foi sendo substituído por argumen-tação mais fina e portanto mais difícil de combater.

O racismo declarado, pautado na melani-na, tende a ficar mais sutil. O ódio que se pretende racional, individual, determina-do, genotípico e fenotípico, transforma-se em racismo cultural. O objeto do racismo já não é o “conceito de raça”, mas uma certa forma de existir. Os “valores oci-dentais” reúnem-se singularmente ao já célebre apelo à luta da “cruz contra o crescente”. Então surge uma ode contra a cultura islâmica como se essa fosse uma única. Faz-se o embate contra as culturas de periferia, sem mencionar que são as vinculadas à população negra. Cria-se uma ideia cultural coletiva de desejo de paz e ordem, de combate ao crime, quan-do o que está por traz é o extermínios das populações marginais, para desta forma exterminar quem está na periferia.

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É impossível subjugar homens e mulhe-res sem inferiorizá-los(as). O racismo é a explicação emocional e afetiva, algumas vezes intelectual, da inferiorização, per-mitindo a prática desta e negando sua própria situação de opressor. Se enten-dermos que cultura é uma série de refe-rências, pensamentos e reflexões de um povo, veremos que ela pode armazenar o ódio, a intolerância. Porém é também através dela, seja via políticas públicas ou movimento social organizado, que o ódio pode ser enfrentado, debatido e vencido. As ações culturais, que são afirmativas e empoderadoras são a ferramenta para se mudar a visão de um povo sobre si.

É fundamental que as políticas públicas para a população negra fujam dos es-tereótipos da banalização para mostrar o seu lado de cultura sublime, de força, de resistência à agressão e opressão, e assim trazer empoderamento, autoestima e orgulho para a população negra.

DISCRIMINAÇÃO MÚLTIPLA OU AGRAVADA DOS AFRODESCENDENTESDIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS E A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

DISCRIMINAÇÃO MÚLTIPLA OU AGRAVADA DOS AFRODESCENDENTES: GÊNERO

O enfrentamento da discriminação experimentada por indivíduos e grupos requer ferramentas adequadas às diversas situações em que se apresenta. Nesse sentido, cabe ao Estado adotar e implementar políticas e programas que forneçam proteção efetiva para as pessoas afrodescendentes que enfrentem formas de discriminação múltipla, agravada ou interseccional.Na década de 80, o movimento de mulheres negras conferiu maior visibilidade às questões específicas de saúde da mulher negra, sobretudo aquelas relacionadas à saúde sexual e reprodutiva. O racismo e o sexismo imprimem marcas segregadoras diferenciadas, que implicam restrições específicas dos direitos desse segmento, vitimando-o, portanto, com um duplo preconceito.

A perspectiva de gênero deve integrar a concepção e o monitoramento

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de políticas públicas, levando em consideração as necessidades específicas e as realidades de mulheres e meninas afrodescendentes, incluindo na área da saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, de acordo com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de avaliação, além de garantir o acesso adequado aos cuidados de saúde materna.

DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS

Os Direitos Reprodutivos são constituídos por princípios e normas de direitos humanos que garantem o exercício individual, livre e responsável, da sexualidade e reprodução humana. É, portanto, o direito subjetivo de toda pessoa decidir sobre o número de filhos e os intervalos entre seus nascimentos, e ter acesso aos meios necessários para o exercício livre de sua autonomia reprodutiva, sem sofrer discriminação, coerção, violência ou restrição de qualquer natureza.

A natureza dos Direitos Reprodutivos envolve direitos relativos: à vida e à sobrevivência; à saúde sexual e reprodutiva, inclusive, aos benefícios ao progresso científico; à liberdade e à segurança; à não-discriminação e o respeito às escolhas; à informação e à educação para tomada de decisão;

à autodeterminação e livre escolha da maternidade e paternidade; ao casamento, à filiação, à constituição de uma família; à proteção social à maternidade, paternidade e à família, inclusive no trabalho.

Os Direitos Sexuais e Reprodutivos têm como fontes as leis e implementação de políticas públicas de saúde, educação, trabalho, segurança pública que visem atender as especificidades de meninas jovens e mulheres.

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

Um dos eixos que perpassa a questão dos direitos sexuais e reprodutivos é a gravidez na adolescência, que ainda é mais recorrente em jovens negras de baixa escolaridade e renda, e moradoras de periferias.

Dados do Painel de Indicadores do Sistema Único de Saúde-SUS 2016 apontam que o percentual de mães adolescentes de 15 a 19 anos diminuiu entre os anos de 2000 a 2012 em todas as categorias de cor/raça. Entretanto, o percentual de partos em jovens negras foi superior à proporção de jovens brancas. Esses dados evidenciam que fatores como a educação precária, a desigualdade de renda e a dificuldade de acesso às políticas públicas influenciam na tomada de decisão das jovens negras, que se veem impossibilitadas de planejar sua reprodução e exercitar sua sexualidade com liberdade e autonomia.

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Neste contexto, propõe-se como questões ativadoras do debate:

1. Que ações intersetoriais podem ser viabilizadas para garantir a efetividade dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres negras?

2. Como viabilizar o pleno acesso de jovens e adolescentes negras, entre 10 a 19 anos, às políticas de educação, saúde, assistência social, emprego e renda, de forma a reduzir o percentual de gravidez indesejada nesta etapa da vida?

3. Quais leis, normas e políticas públicas são discriminatórias e devem ser revistas ou reformadas?

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

A violência obstétrica consiste na apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, por meio do tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização dos processos naturais, causando perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade. Tal conceito foi publicado em uma cartilha lançada em 2014 pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, baseando-se nas leis da Venezuela e da Argentina, nas quais a violência obstétrica é tipificada como um crime cometido contra as mulheres (Defensoria Pública do Estado de São Paulo, 2014).

Somente em 1993 acontece o Seminário Nacional de Políticas e Direi tos Reprodutivos das Mulheres Negras, um importante evento brasileiro que abordou as especificidades da violência contra as mulheres negras.

A violência obstétrica no Brasil tem maior incidência com mulheres em situação de vulnerabilidade social. Logo, as principais vítimas são as mulheres pobres e negras. Dados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos apontam que pelo menos seis de cada dez mortes maternas são de mulheres negras.

Mulheres pretas e pardas representaram 65,9% da parcela submetida a algum tipo de violência obstétrica em 2014, segundo estudo publicado nos Cadernos de Saú-de Pública da Fundação Oswaldo Cruz.

Neste contexto, propõe-se como questões ativadoras do debate:

1. Como implementar políticas públicas na área de saúde e direitos humanos que propiciem às mulheres negras, em especial as das camadas mais vulneráveis, a identificação da violência obstétrica?

2. Como criar canais de denúncia?

3. É necessário formar uma rede de proteção para as mulheres vítimas desse tipo de violência?

4. Como conscientizar os profissionais de saúde, que entendem que determinadas práticas são legítimas e afetas aos procedimentos legais?

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RELIGIÕES TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA

A população Afrodescendente no Brasil vive um tempo desafiador. Além da luta pela sobrevivência, a superação do racismo, do atraso social, econômico e político, muitos de nós temos que encarar o desrespeito e a intolerância em relação a suas formas mais diversas de expressar a fé. Sabemos que as religiões de matrizes africanas, são frequentemente alvo de preconceito e seus frequentadores e adeptos sofrem cotidianamente com agressões e ataques físicos e simbólicos contra seus símbolos e casas institucionais de culto, popularmente conhecidas como casa de santo/axé, roça ou terreiros (WALMYR, 2016).

A liberdade de crença é garantida no pensamento jurídico através da Constituição Federal do Brasil (1988), a qual dita no seu Art.5, Inc. VI, que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Apesar de todas as lutas já impetradas e consumadas com o destino de fazer valer os direitos dos povos negros, de algumas vitórias e de outras tantas lutas que se estendem e se arrastam para uma decisão final, sem respostas imediatas e plausíveis, os povos de Religiões de Matriz Africana ainda buscam reconhecimento e respeito para sua liberdade de culto e crença.

O Brasil é um país laico, porém essa laicidade deve ser estendida e entendida para todos. O direito constitucional deve ser garantido a todos(as) por meio de ações efetivas e rápidas, para que tenhamos um instrumento

positivando e legitimando nossas práticas e cultos como são.As comunidades tradicionais têm a terra como bem coletivo, espaço de manifestação da vida, da existência e carregam todos os valores da cultura, da ancestralidade e da história (NOGUEIRA, 2013). As contribuições dos povos tradicionais, e em especial dos povos das religiões de matriz africana, vão além do pilar de monitoria espiritual. As casas de axé ou terreiros desenvolvem ações sociais e promovem a cultura e práticas de a juda mútua, atividades que impactam diretamente sobre sua circunvizinhança, preservam e lutam pela manutenção da biodiversidade em seus locais de estabelecimento.

A busca pelo reconhecimento e igualdade também é uma prática cotidiana. A influência e supremacia de outras religiões tentam suprimir e acabar com práticas comuns e costumeiras às nossas religiões. Rituais e manifestações de fé podem acontecer livremente em outras religiões: benção, cura, milagres, transmutações e até a sacralização de animais, porém, no que cabe às práticas das religiões de matriz africana, usualmente são ligadas a rituais profanos e demonizados.

“Os oficios de uma missa, por exemplo, comportam uma série de atos simbólicos ou operações mágicas como bênçãos, a transubstanciação da hóstia em corpo de Cristo, entre outras, tanto quanto um ritual do candomblé ou umbanda” (NASCIMENTO, 2010).

Devemos combater a intolerância religiosa buscando nosso espaço em locais públicos, políticos e sociais, abrindo as portas de nossas casas para essa desmistificação e desassociação

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de nossas práticas a rituais demoníacos. Exercer nosso direito, assim como em outras crenças, de realizar bênçãos e rituais internos sem a violação de nosso espaço sagrado.

Precisamos exercer o direito de andar livremente pelas ruas usando nossas vestimentas brancas e nossos adornos, que nos identificam como adeptos do culto aos Orixás, Inkises, Voduns, Encantados e entidades de uma forma geral, a exemplo de outras religiões que estampam seus santos e deuses sem sofrerem ameaças à integridade física e moral de seus integrantes.

Os acontecimentos atuais como agressões físicas a pessoas identificadas como pertencentes às religiões de matriz africana, mortes de babalorixás e ialorixás, invasão de nossos espaços sagrados, interrupção de cultos, queima e apedrejamento de nossos terreiros e casas não são mais que um pano de fundo onde se explicita a intolerância religiosa, tendo em vista que essas religiões são oriundas de escravos negros.

A nossa Constituição é clara, há liber-dade de culto no país. Felizmente, em 1889, quando proclamaram a República, afastaram a religião do Estado. O Estado é laico e não se mete em religião. Então cada um que professe a sua fé, cada um que se beneficie e ore a Deus ao seu modo.

“No candomblé não se pode comer em uma festividade de Orixá um bicho que não tenha sido morto da maneira tradicional. No matadouro industrial, por exemplo, não há respeito na morte de animais. É impossível manter as práticas do candomblé sem a sacralização dos animais. Se me proibirem de usar folhas, bem como o sangue do animal, acabou.” Leandro Encarnação da Mata, Baba Egbé da Casa de Oxumarê

Muitos afrodescendentes sofrem discri-minações múltiplas decorrentes de sua cor, sexo, idade, religião, raça e gênero. Desta forma, a união de todas as forças no sentido de amenizar esses impactos e erradicar o preconceito e a intolerância deve fomentar o trabalho dos órgãos de Políticas de Igualdade Racial já existentes nas esferas de governos e devemos ba-talhar pela criação de um número maior para ampliamos as áreas de atuação.

A oficialização das religiões de matriz africana também é uma luta que se en-contra sem soluções práticas e eficazes: a obrigatoriedade da inclusão da iden-tificação dessas religiões em questioná-rios e cadastros oficiais, a facilitação de processos e leis que indiquem de ma-neira prática e eficaz o reconhecimento e formalização das casas e, de fato, as tornem de direito.

É necessário o fortalecimento das nações e vertentes dentro das religiões de matriz africana, contemplando seus rituais e instrumentos, assim como também suas

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manifestações, com a finalidade de des-mitificar e popularizar nossas práticas.A Década do Afrodescendente, institucio-nalizada pela Organização das Nações Unidas, e a IV Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, organiza-da pelo CNPIR, são instrumentos públicos para que possamos amenizar e sanar o crescente número e incidências de atos de intolerância religiosa.

A criação de órgãos específicos de polícia especializada em crimes de intolerância religiosa, crimes de ódio e preconceito, assim como de órgãos e conselhos de igualdade racial, em municípios e estados, com sua adesão ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial-SINAPIR, são instrumentos que vem fortificar a nossa luta.

LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS, TRANSEXUAIS E TRANSGÊNEROS - LGBT

Apesar de constituírem a maioria da população brasileira, as pessoas negras continuam representadas de maneira estereotipada, distorcida e criminalizada, ao mesmo tempo em que sua participação ativa em nossa cultura e história é ignorada em muitos espaços. Quando se cruza a situação supracitada da população negra com a discriminação sofrida pela população LGBT, percebe-se que existe um duplo grau de preconceito sobre a população negra LGBT; onde se potencializam estereótipos negativos e violência simbólica e física.

A sociedade brasileira, estruturalmente racista, machista e baseada no patriarcalismo, faz com que a lgbtfobia vá além da violência no espaço público e adentre o âmbito familiar. A construção de políticas de proteção, segurança e emancipação social e econômica desta população negra LGBT é atribuição do Estado e da sociedade civil, em esforço conjunto e complementar.

Nos últimos 14 anos, a SEPPIR tem implementado a política de promoção da igualdade racial de forma transversal e intersetorial no âmbito da pactuação federativa e em relação à estrutura da administração federal. Junto a um conjunto de ministérios, a SEPPIR, por meio de seu Departamento de Políticas de Ações Afirmativas, é responsável pelas ações voltadas ao público LGBT negro.

Neste mesmo sentido, após realização da III Conferência Nacional LGBT, realizada no primeiro semestre de 2016, onde foram aprovadas deliberações que articulam a promoção da cidadania LGBT em interface com a promoção da igualdade racial, a SEPPIR vislumbrou possibilidades de articulação com parceiros para alcançar os objetivos das proposições. Desta forma, na construção de ações e atividades já previstas na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, na aplicação da Lei nº 10.639/2003, no apoio às campanhas sobre racismo, no Plano Juventude Viva e no sistema de proteção de direitos (centros de referências, Disque 100 e delegacias especializadas), a SEPPIR

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garantirá a diversidade de orientação sexual e identidade de gênero. Para tanto, a chamada pública de projetos de fomento ao SINAPIR lançada no primeiro semestre de 2017, contou com uma linha de apoio a projetos que contivessem a interface racial com a população LGBT. E no Plano Juventude Viva, que atualmente está em fase de reestruturação com apoio do Fundo de População das Nações Unidas-UNFPA, a abordagem da violência oriunda da discriminação de orientação sexual e de gênero aparecerá de forma mais clara e com metas a serem alcançadas.

A parceria com o UNFPA tem, dentre seus objetivos principais, o de desenvolver ações de Enfrentamento ao Racismo Institucional – com consultoria espe-cializada no âmbito do Plano Juventude Viva – desenvolvidas nos estados e mi-nistérios prioritários. A referida consul-toria também visa a realização de ações formativas para líderes jovens negros e negras, com vistas à formação de uma rede de juventude negra e enfrentamen-to ao racismo, com fundamental recorte na diversidade da população LGBT.

A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais tem sua marca no reconhecimento de que a discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero incide na determinação social da saúde, no processo de sofrimento e adoecimento decorrente do preconceito e do estigma social a que está exposta a população LGBT. Dentre

outras diretrizes pertinentes e de suma importância, destacamos a inclusão da diversidade populacional nos processos de formulação, implementação de outras políticas e programas voltados para grupos específicos no Sistema Único de Saúde-SUS, envolvendo orientação sexual, identidade de gênero, ciclos de vida, raça-etnia e território.

Por fim, cabe assinalar que é fundamen-tal para o sucesso das ações governa-mentais de promoção da igualdade ra-cial e superação do racismo considerar suas interseções com a temática de gê-nero e orientação sexual. Nos processos sociais de discriminação, as clivagens de raça, gênero e população LGBT se entrecruzam recorrentemente e formam dimensões estruturantes da realidade brasileira. O enfrentamento dessas dis-criminações precisa contemplar estraté-gias que abordem de maneira conjunta essas clivagens.

POLÍTICAS DE PROMOÇÃODA IGUALDADE RACIAL

Nas últimas décadas, o Brasil vem am-pliando o debate no que se concerne à questão racial, presente no processo de redemocratização do país pós período de Ditadura Civil-Militar, onde a Consti-tuinte de 1988 trouxe importante auxílio na discussão do tema.

O discurso da democracia racial, que esteve presente em parte do início do séc. XX, deu espaço para que o país, a

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partir da segunda metade do séc. XX e agora no século XXI, pudesse acompa-nhar a expansão das discussões sobre a desigualdade racial e as problemáti-cas resultantes desta desigualdade, que como descreve LIMA (2008, pág. 33): “Essa problematização envolve relações cotidianas, embates e ações práticas.”

A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, reconhece o racismo como cri-me inafiançável e imprescritível, e no Art. 68 do Ato das Disposições Constitu-cionais Transitórias-ADCT, reconhece a propriedade definitiva das propriedades quilombolas, além de reconhecer o patri-mônio e a diversidade cultural do povo negro nos Art. 215 e 216, o que deu força para a ampliação da discussão sobre a realidade racial no Brasil.

A criação da primeira instituição do Governo Federal para promoção da Igualdade Racial, a Fundação Cultural Palmares, em 22 de agosto de 1988, re-presentou um avanço nas políticas para a população negra. Ela está voltada à promoção, preservação e implementa-ção da arte e da cultura afro-brasileira por meio de três vieses: a) comprome-timento, b) cidadania e c) diversidade, apontando para uma política cultural que atue de maneira igualitária e inclusiva, valorizando as manifestações do povo negro como patrimônio nacional.

Progressos nas políticas públicas para a população negra merecem destaque, tais como as Leis Caó (7.716/1989) e Paim (9.459/2007). A III Conferência Mundial

contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocor-rida em 2001, que resultou na Declaração de Durban, contém diversas iniciativas que objetivam reparar e diminuir as desigualdades e discriminações raciais tão presentes na sociedade Brasileira. Destaca-se que o Brasil foi signatário.

Estruturando o debate em torno do ra-cismo e do combate às desigualdades raciais, a discriminação racial e as diver-sas faces da intolerância religiosa, por meio da Medida Provisória nº 111, de 21 de março de 2003, foi criada a Secreta-ria Especial de Promoção da Igualdade Racial-SEPPIR, tendo por finalidades:

• Formulação, coordenação e arti-culação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial;

• Formulação, coordenação e ava-liação das políticas públicas afir-mativas de promoção da igual-dade e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos étnicos, com ênfase na população negra, afetados por discriminação racial e demais formas de intolerância;

• Articulação, promoção e acompa-nhamento da execução dos pro-gramas de cooperação com orga-nismos nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados à implementação da promoção da igualdade racial;

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• Coordenação e acompanhamen-to das políticas transversais de governo para a promoção da igualdade racial;

• Planejamento, coordenação da execução e avaliação do Progra-ma Nacional de Ações Afirmati-vas;

• Acompanhamento da implemen-tação de legislação de ação afir-mativa e definição de ações pú-blicas que visem o cumprimento de acordos, convenções e outros instrumentos congêneres assina-dos pelo Brasil, nos aspectos re-lativos à promoção da igualdade e combate à discriminação racial ou étnica.

As atividades da SEPPIR têm como refe-rência a Lei nº 12.288/2010, o Estatuto da Igualdade Racial, que norteou a elabo-ração do Plano Plurianual-PPA 2012-2015. O resultado foi a criação do programa 2034 – Enfrentamento ao Racismo e Pro-moção da Igualdade Racial.

Políticas de Promoção da Igualdade Racial estavam presentes em outros 25 programas daquele PPA, assim como no PPA 2015-2019, onde totaliza 121 metas, 87 iniciativas e 19 ações orçamentárias, propondo desta forma a política racial de maneira transversalizada em várias áreas do Governo Federal.

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REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

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