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CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 62, p. 413-434, Maio/Ago. 2011 413 Luciano Rodrigues Costa SUBCONTRATAÇÃO E INFORMALIDADE NA CONSTRUÇÃO CIVIL, NO BRASIL E NA FRANÇA Luciano Rodrigues Costa * Este artigo apresenta uma análise comparativa do mercado de trabalho do setor da Construção Civil, no Brasil e na França, em um contexto de flexibilização. Fruto de pesquisas de campo em canteiros de obras, nesses dois países, o texto aborda especificidades da informalidade dos contratos de trabalho no setor, que vêm produzindo uma transferência das ilegalidades das grandes para as pequenas empresas. No caso Francês, mediante as agências de temporários. No Brasil, através das pequenas empresas clandestinas, denominadas “gatas”. Enfatizam-se a per- cepção dos trabalhadores frente às ilegalidades e suas estratégias para se manter no mercado. No caso Francês, ressalta-se o trabalho de imigrantes clandestinos ou portadores de títulos de estadia precários, viabilizados pelas agências de temporários. No Brasil, percebe-se que o setor sempre se organizou com base na informalidade e busca, aos poucos, fidelizar os trabalhado- res, ainda que se mantenha predominante o trabalho informal. PALAVRAS-CHAVE: informalidade, subcontratação, construção civil, trabalho, precariedade. O trabalho, na construção civil, sempre foi marcado por duas características, que, du- rante muito tempo, foram interpretadas como idiossincráticas: a informalidade dos contratos de trabalho e a instabilidade destes postos. A informalidade diz respeito ao uso de elevado con- tingente de trabalhadores independentes e de assalariados não-registrados. A alta instabilida- de no setor, por sua vez, se traduz num regime particular de emprego, caracterizado, sobretu- do, por sua elevada rotatividade. O caráter descontínuo do processo produtivo, no qual pre- domina o princípio da sucessão (em que há eta- pas somadas para dar origem a um produto fi- nal, e não a simultaneidade das atividades, como ocorre em vários setores industriais), sempre acentuou a mobilidade da força de trabalho, dan- do-lhe uma característica específica. Essa alta rotatividade é favorecida não só pela demanda por diferentes especialidades, em cada etapa da obra, mas, também, pelo caráter extremamente cíclico da atividade. Essas especificidades do tra- balho na construção civil fazem com que a figu- ra do “peão” seja o seu personagem principal. O termo, comumente atribuído aos trabalhadores do setor, significa, justamente, aquele que roda, e não tem estabilidade (Morice, 1992). Não é por acaso que a construção civil sempre foi uma “porta de entrada” para imigrantes e para migrantes de origem camponesa, sem “qualifica- ção” profissional reconhecida. Indivíduos oriun- dos de migrações definitivas, temporárias ou, ainda, derivadas da alternância entre atividades rurais e urbanas, sempre encontraram, na cons- trução civil, o primeiro emprego, sobretudo, de- vido à simplicidade de algumas de suas tarefas. O predomínio de trabalhadores com menor qua- lificação formal e com baixos salários demons- tra a vulnerabilidade a que estão submetidos. Esse perfil da força de trabalho nessa ati- vidade, entretanto, não é recente. O setor, com efeito, funciona, há muitas décadas, com formas precárias de trabalho. Com relação à realidade brasileira especificamente, pode-se pensar que * Doutor em Ciências Sociais, com estágio sanduíche na Université de Toulouse le Mirail. Professor substituto na UFV (Universidade Federal de Viçosa). Av. P.H Rolfs s/n, Campus Universitário. Cep: 36570-000 - Vicosa, Minas Gerais – Brasil. [email protected]

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Luciano Rodrigues Costa

SUBCONTRATAÇÃO E INFORMALIDADE NA CONSTRUÇÃOCIVIL, NO BRASIL E NA FRANÇA

Luciano Rodrigues Costa*

Este artigo apresenta uma análise comparativa do mercado de trabalho do setor da ConstruçãoCivil, no Brasil e na França, em um contexto de flexibilização. Fruto de pesquisas de campo emcanteiros de obras, nesses dois países, o texto aborda especificidades da informalidade doscontratos de trabalho no setor, que vêm produzindo uma transferência das ilegalidades dasgrandes para as pequenas empresas. No caso Francês, mediante as agências de temporários. NoBrasil, através das pequenas empresas clandestinas, denominadas “gatas”. Enfatizam-se a per-cepção dos trabalhadores frente às ilegalidades e suas estratégias para se manter no mercado.No caso Francês, ressalta-se o trabalho de imigrantes clandestinos ou portadores de títulos deestadia precários, viabilizados pelas agências de temporários. No Brasil, percebe-se que o setorsempre se organizou com base na informalidade e busca, aos poucos, fidelizar os trabalhado-res, ainda que se mantenha predominante o trabalho informal.PALAVRAS-CHAVE: informalidade, subcontratação, construção civil, trabalho, precariedade.

O trabalho, na construção civil, semprefoi marcado por duas características, que, du-rante muito tempo, foram interpretadas comoidiossincráticas: a informalidade dos contratosde trabalho e a instabilidade destes postos. Ainformalidade diz respeito ao uso de elevado con-tingente de trabalhadores independentes e deassalariados não-registrados. A alta instabilida-de no setor, por sua vez, se traduz num regimeparticular de emprego, caracterizado, sobretu-do, por sua elevada rotatividade. O caráterdescontínuo do processo produtivo, no qual pre-domina o princípio da sucessão (em que há eta-pas somadas para dar origem a um produto fi-nal, e não a simultaneidade das atividades, comoocorre em vários setores industriais), sempreacentuou a mobilidade da força de trabalho, dan-do-lhe uma característica específica. Essa altarotatividade é favorecida não só pela demandapor diferentes especialidades, em cada etapa da

obra, mas, também, pelo caráter extremamentecíclico da atividade. Essas especificidades do tra-balho na construção civil fazem com que a figu-ra do “peão” seja o seu personagem principal. Otermo, comumente atribuído aos trabalhadoresdo setor, significa, justamente, aquele que roda,e não tem estabilidade (Morice, 1992). Não épor acaso que a construção civil sempre foi uma“porta de entrada” para imigrantes e paramigrantes de origem camponesa, sem “qualifica-ção” profissional reconhecida. Indivíduos oriun-dos de migrações definitivas, temporárias ou,ainda, derivadas da alternância entre atividadesrurais e urbanas, sempre encontraram, na cons-trução civil, o primeiro emprego, sobretudo, de-vido à simplicidade de algumas de suas tarefas.O predomínio de trabalhadores com menor qua-lificação formal e com baixos salários demons-tra a vulnerabilidade a que estão submetidos.

Esse perfil da força de trabalho nessa ati-vidade, entretanto, não é recente. O setor, comefeito, funciona, há muitas décadas, com formasprecárias de trabalho. Com relação à realidadebrasileira especificamente, pode-se pensar que

* Doutor em Ciências Sociais, com estágio sanduíche naUniversité de Toulouse le Mirail. Professor substituto naUFV (Universidade Federal de Viçosa).Av. P.H Rolfs s/n, Campus Universitário. Cep: 36570-000 -Vicosa, Minas Gerais – Brasil. [email protected]

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oferece um perfil acentuado de algumas das con-dições de seu mercado de trabalho. As formastradicionais de contratação da construção civil,antigamente vistas como diferenciadas e particu-lares, estenderam-se para outros setores, consti-tuindo-se, atualmente, não mais formas atípicas,mas a forma predominante em várias atividades.As contratações atuais têm sido, muitas vezes,realizadas através da flexibilização dos contratos,das redes de subcontratação, da compressão sala-rial e da ausência dos direitos trabalhistas, entreoutras formas que caracterizam as transforma-ções no mercado de trabalho contemporâneo. Asnovas formas de contratação se constituem combase na flexibilidade e na precarização salarial e,com elas, produz-se uma obliteração das fron-teiras entre a formalidade e a informalidade, emum cenário no qual a precarização do trabalhose dá, também, no âmbito das modalidades con-tratuais legais, e não somente no meio do traba-lho não-registrado.

Essa precarização, no entanto, não se cons-titui como uma novidade no setor, já que elesempre praticou formas ilegais de contratação,com as quais as fronteiras entre o formal e oinformal se revelam fluidas. A construção civiloferece um campo privilegiado de observaçãoda realidade atual, justamente pelo caráter hí-brido do seu mercado de trabalho, expresso emdiversos momentos do processo produtivo e sobdiferentes arranjos. Uma primeira modalidadede articulação se caracteriza pela alternância en-tre o trabalho formal, realizado nas empresas, eos pequenos trabalhos informais, de curta dura-ção e em pequena escala, denominados de “bis-cates”. A descontinuidade do processo produti-vo, determinada pelos ciclos de atividade pró-prios do setor, além disso, torna comum a de-missão em massa, ao fim de cada empreendi-mento, a qual se faz acompanhar, sempre, daspromessas de reinserção, em uma nova obra.Entre a finalização de uma obra e o início deoutra, os trabalhadores alternam períodos deocupação e de desocupação, o que torna a incer-teza na ocupação uma rotina. A informalidade

também se conjuga à formalidade, dentro doscanteiros de obras, quando os trabalhadores,muitas vezes vinculados formalmente, dispõem-se a realizar tarefas pagas por produtividade, forados horários normais de serviço, como uma al-ternativa de ampliação de seus rendimentos.Contribui para isso o fato de muitos profissio-nais, sobretudo, migrantes, morarem no própriocanteiro da obra. Nesse caso, o espaço de traba-lho envolve suas vidas diárias, de modo que tra-balhar nos horários e inclusive nos dias de des-canso passa a ser uma opção de aumento de gan-ho mensal.

Uma segunda modalidade, que revela ocaráter híbrido do setor, diz respeito à reduçãodo prazo de execução das obras, cada vez maiscurto, o que faz com que as empresas se utili-zem largamente dos contratos por produtivida-de, nos quais, normalmente, o registro do traba-lhador é uma forma de mascarar as ilegalidadescometidas em relação à não-atribuição dos di-reitos trabalhistas. Transferem-se para o traba-lhador todos os encargos previdenciários, alémda responsabilidade de “construir o seu salário”.

A construção civil, contudo, deve ser en-tendida dentro de um contexto mais amplo demudanças ocorridas no mundo do trabalho, so-bretudo, nas últimas décadas. O fato é que ainformalidade tem se consolidado como um im-portante mecanismo de regulação do mercadode trabalho, no qual o crescimento do desem-prego e das atividades não-institucionalizadas serevela uma constante, também nos países consi-derados de Primeiro Mundo, onde as imigraçõesinternacionais vêm impondo desafios aos Esta-dos Nacionais. O alcance universal de algunsdesses fenômenos oferece uma possibilidade dese conectar, conceitualmente, as análises do mer-cado de trabalho brasileiro, ou mesmo da Amé-rica Latina, à análise do que acontece nos paísesindustrializados. As reflexões de Portes e Castells(1989) e Sassen (1989) demonstram que o fenô-meno da informalidade não é uma característicaexclusiva dos países em desenvolvimento, nemde setores excluídos de uma economia industri-

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alizada, mas uma contingência da vida econô-mica contemporânea. Ou seja: “a economia in-formal não é uma eufemismo para a pobreza,mas sim uma forma específica de relação de pro-dução, já a pobreza é um tributo da distribui-ção.” (Portes; Castells; Benton, 1989, p.22). Ainformalidade, interpretada por organismos comoa OIT, nos anos 1970, como um desajuste da in-dustrialização, que poderia ser superada a partirdo desenvolvimento dos países, passa a ser enten-dida, mais recentemente, como uma estratégia degestão do trabalho, centrada na subcontratação ena precarização dos contratos. Assim, a análiseda velha noção de informalidade, de uma dimen-são comparativa, torna-se útil para o entendimentodas mudanças no mercado de trabalho contem-porâneo. Se, nos anos 1960 e 1970, imaginava-seo desenvolvimento de países como o Brasil atra-vés da ampliação do trabalho assalariado, e, por-tanto, da redução da informalidade, a partir de1990, o que se verificou foi uma difusão de novasformas contratuais nos países industrializados, nosquais a informalidade atual das relações de traba-lho, nesses países, apresenta contornos próximosà dos países latino-americanos.

Nos países desenvolvidos, os fluxos mi-gratórios vêm impondo intensos debates em tor-no da interdependência crescente, no quadro damundialização, entre a economia informal e aformal. O endurecimento das medidas repressi-vas dos Estados nacionais, frente à entrada deimigrantes, através dos instrumentos de coope-ração entre os países, que permitem a expulsãocoletiva de imigrantes “indocumentados”, con-trapõe-se à porosidade das fronteiras. Em rela-ção a migrantes com vínculo de trabalho (Carnet,2008), percebe-se certa tolerância, que, entre-tanto, não está ligada a argumentos humanistasou à solidariedade. De todo modo, se a econo-mia informal, por um lado, se apresenta comoindispensável à dinâmica econômica, por outro,intensifica-se o controle sobre as fronteiras(Peralva, 2007). O aparente paradoxo, produzi-do pela ambivalência das instituições estatais daseconomias receptoras de imigrantes, explica-se,

justamente, pela interdependência entre a for-malidade e a informalidade das relações de tra-balho. Nesse contexto, a política de tolerânciada imigração irregular se torna “a condição sinequa non do desenvolvimento da função econô-mica dessa imigração: fazer dos novos imigran-tes os novos explorados do capitalismomundializado, longe das proteções e das garan-tias que oferecem as legislações do trabalho”(REA, 2005, p.6). A manutenção de trabalhado-res em situações ilegais parece responder às exi-gências econômicas de alguns setores, como é ocaso da construção civil, em que se percebe umaconvergência entre a ilegalidade das estadias dosimigrantes e os tipos de fraudes existentes nasformas dos contratos de trabalho.

A precariedade do trabalho, na constru-ção civil não é um fato recente, não apenas naschamadas regiões em desenvolvimento, comotambém em países mais desenvolvidos, como aFrança. Mesmo nos chamados Trinta Anos Glo-riosos, quando as indústrias europeias (a auto-mobilística, por exemplo) procuraram estabili-zar sua mão de obra, a construção civil não semostrou, efetivamente, preocupada em ampa-rar legalmente seus trabalhadores. As caracte-rísticas da atividade, como se demonstrou aci-ma, tornam uma necessidade a alta flexibilidadeem relação ao trabalho, a qual, conjugando-se àsflutuações conjunturais, faz do recurso a umamão de obra pouco qualificada e pouco remune-rada a principal alternativa, mesmo que isso pro-duza a desregulamentação das condições salari-ais e das proteções sociais. No caso francês, umaspecto se destaca. Trata-se do crescimento sig-nificativo da utilização do trabalho temporáriopor parte das construtoras, agenciado por em-presas especializadas nesses tipos de contrato,os quais apresentaram um aumento considerá-vel no setor, desde a sua legalização em 1972.

Quanto ao Brasil, migrações internas sem-pre forneceram mão de obra necessária à cons-trução civil, sobretudo para os principais cen-tros econômicos do país. O setor representa, paraos migrantes jovens, de origem rural e baixa es-

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colaridade, vindos de regiões mais pobres do país,a oportunidade do primeiro emprego, de inser-ção em setores urbanos e de ascensão social. Asportas dos canteiros de obras sempre estiveramabertas a esses jovens. Para os empresários dosetor, eles significam uma mão de obra de baixocusto, habituada às dificuldades do trabalho pe-sado do campo e, ainda, motivada para enfren-tar as adversidades da nova localidade e dos can-teiros de obras. Os jovens migrantes, além dis-so, possuem certa experiência em relação aos tra-balhos e às ferramentas utilizadas na constru-ção, com as quais se familiarizam muito cedonos serviços rurais. Atualmente, parece que orecrutamento dos trabalhadores se concentramais nas periferias das grandes cidades do quena dependência de migrações (Tomasi, 1999).Como demonstra Cockell (2008) para o caso deSão Carlos, em São Paulo, a construção pareceabsorver um novo perfil de trabalhador, o dosprofissionais qualificados que se tornaram obso-letos e foram descartados de vários segmentosdo mercado de trabalho. Em que pese esses no-vos elementos, os migrantes representam, ainda,um grande contingente de trabalhadores nos can-teiros de obra brasileiros, nos quais se observamfortes ligações com modelos culturais e modos devida típicos da cultura camponesa e artesanal.Devido à dependência de uma mão de obra flexí-vel em algumas ocupações pouco qualificadas, aconstrução continua sendo uma opção, sobretu-do para as empresas de pequeno porte.

Naturalmente, a especificidade da produ-ção no setor precisa ser levada em conta, quandose investiga quaisquer aspectos relacionados às suasatividades. A grande variabilidade, a flexibilida-de e, sobretudo, a descontinuidade do processoprodutivo produzem uma elevada instabilidade,bastante característica. A especificidade se revelaem inúmeras condições (sociais, econômicas,culturais, técnicas, estéticas etc.), definindo aconstrução por um modo próprio de ser e defazer, diferente daquele de outros setores indus-triais. Mesmo reconhecendo que cada setor pro-dutivo possui especificidades, as características

intrínsecas da construção civil tornam-se funda-mentais para se entenderem as características dasrelações de trabalho, pois é o contexto dadescontinuidade e de grande variabilidade das ati-vidades que induze a um elevado índice deinformalidade e a formas precárias dos contratosde trabalho, a alta rotatividade e as subcontratações,conformando também uma realidade vivenciadapelos países desenvolvidos. Se a natureza dastarefas aproxima o setor do artesanato, por ou-tro, o uso do planejamento e de concepções téc-nico-científicas na organização do trabalho naconstrução civil a aproxima dos setores indus-triais. As características do processo produtivo daconstrução dependem dos saberes de ofício, nosquais a autonomia dos trabalhadores se revela comoum elemento fundamental para o desenvolvimen-to das tarefas. Isso levou o setor a “resistir”, mes-mo com as várias tentativas de implementação, aolongo do século XX, das práticas tayloristas degestão do trabalho. Portanto, as especificidadesdessa atividade fizeram com que se instituísse umtipo de gestão muito particular, envolvida por re-lações pessoais, paternalistas, muitas vezes auto-ritárias, em um jogo de relações de confiançaque têm como figura emblemática o mestre deobras.

Este artigo analisa o mercado de trabalhodo setor da construção civil na França e no Bra-sil, com base em pesquisas etnográficas realiza-das em canteiros de obras, em ambos os países,destacando dois temas principais. O primeiro dizrespeito ao trabalho dos imigrantes e suas for-mas de contratação, com ênfase nas agências detemporários francesas. O segundo tem como focoa informalidade dos contratos de trabalho e atransferência das ilegalidades para outras empre-sas – na França, para as agências de temporários,e, no Brasil, para as empresas denominadas “ga-tas”. Sobre esse último aspecto, no caso brasilei-ro, são analisados os dados sobre formas de con-tratos clandestinos de trabalho, bem como a per-cepção dos trabalhadores sobre tais ilegalidades.Na França, o trabalho de campo ocorreu na ci-dade de Toulouse, com duração de quatro me-

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ses. No canteiro de obras pesquisado, quando daminha chegada, havia quarenta pessoas traba-lhando, sendo somente quatro franceses, queassumiam cargos de chefia, e o restante consti-tuído de imigrantes. No Brasil, a pesquisa se rea-lizou na Região Metropolitana de Belo Horizon-te (RMBH), durante seis meses. No canteiropesquisado no Brasil, eram vinte e três pessoastrabalhando, doze com contratos informais eonze com formais, ou seja, nesse último caso,com carteira assinada.

O trabalho temporário na construção francesa

O trabalho temporário na França tornou-se a forma mais conhecida de intermediação demão de obra nos canteiros, sendo predominanteem alguns ofícios. As mudanças na legislação dotrabalho ocorridas na década de 1970, na Fran-ça, quando, de fato, generalizou-se essa formade contrato, ajudam a compreender a evoluçãodo trabalho temporário nesse país. Naquele mo-mento, observavam-se algumas tendências an-tagônicas: as dificuldades do processo de demis-são, devido à legislação trabalhista, acabou porfacilitar o uso do trabalho temporário. Uma leide julho de 1973 dava mais garantias aos traba-lhadores, condicionando as demissões a justifi-cativas “reais e sérias”, ou seja, estabelecia que,obrigatoriamente, deveriam dizer respeito aocomportamento dos trabalhadores ou estar liga-das a uma situação econômica delicada,vivenciada pela empresa (Jounin, 2008), o quedificultava as demissões. O setor da construçãocivil praticava, largamente, demissões ao fim decada obra, e foi diretamente atingido por essamudança na legislação. Desde então, passou aser sua pauta de reivindicação, por meio das en-tidades de classe, um tipo de contrato específi-co, que atendesse às suas necessidades, ou seja,que permitisse demitir, livremente, ao fim decada empreendimento. Uma lei anterior – de ja-neiro de 1973 – já instituía a proibição daintermediação da mão de obra com fins lucrati-

vos, o que deixou o setor da construção em situ-ação delicada, uma vez que fazia uso dessa prá-tica, denominada marchandage. Se essas duasleis objetivaram a estabilização dos contratos,outras, elaboradas na mesma década, acabarampor causar efeitos inversos. Um exemplo é umalei de dezembro de 1975, que legalizou asubcontratação. Antes disso, em janeiro de 1972,um ano antes da proibição da intermediação damão de obra, regulamentaram-se as agências detrabalho temporário, as chamadas travailtemporaire, posteriormente denominadasintérim, as quais centralizavam esses contratos.A legislação específica reclamada pelo setor – ade um único contrato para cada canteiro – só foiefetivada muito tardiamente, em 1978, quandoo próprio setor da construção já tinha encontra-do, por si mesmo, uma solução: a da utilizaçãoem massa das agências de temporários e dos CDD(Contratos por Tempo Determinado), que torna-ram inúteis os contratos por canteiro.

Atualmente, a França possui dezenove ti-pos de contrato de trabalho, sob a responsabili-dade do Ministério do Emprego, da Coesão So-cial e da Moradia (Druck, 2007). Seis desses ti-pos se destacam. São eles: o CDI (Contrato deTrabalho de Duração Indeterminada); o CDD(Contrato de Trabalho de Duração Determina-da); o Contrato de Trabalho Intermitente; o Con-trato de Trabalho Temporário; o CNE (Contratopara Novos Empregos); e o CI-RMA (Contratode Inserção: Renda Mínima e Atividade). A leique viabilizou a utilização das agências de tem-porários, no seu início, foi pensada como umaforma de minimizar a informalidade e combatero desemprego. Atualmente, entretanto, comodemonstraremos, essas agências são, na verda-de, uma forma de legalizar a “precarização”, so-bretudo dos imigrantes clandestinos, para osquais os seus efeitos são ainda mais perversos.

Os contratos temporários, realizados atra-vés das agências têm, por lei, o mesmo estatutoque os chamados CDD, no ponto em que estabe-lecem que devem ser assinados até quarenta eoito horas após o início do trabalho, predizendo

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o fim da empreitada. Contudo, o que, de fato, acon-tece, de uma forma ilegal (mas muito comum nes-sas agências), é que tais contratos não preveem ofim da missão, nem são entregues ao trabalhador,o que faz com que ele fique à mercê da demissão aqualquer momento, sem nenhuma garantia de re-gularização posterior. Teoricamente, as agências detemporários são as fornecedoras de mão de obrapara os canteiros. Na prática, todavia, a contrataçãose dá por outros meios. Comumente, os chefes doscanteiros possuem seus próprios grupos fixos detrabalhadores, que os acompanham nas obras. As-sim, quando há a necessidade de novos operários,eles são indicados pelos próprios trabalhadores quejá se encontram no canteiro de obras. Trata-se deuma prática de recrutamento através de redes soci-ais informais (Lima, 2006). Assim, as agências setornam meras intermediárias na contratação dos tra-balhadores, com a única vantagem de promover,para as construtoras, a possibilidade de descartedo trabalhador a qualquer momento, sem quais-quer custos envolvidos no processo de demissão.

No setor de construção francesa, são asempresas de temporários que acabam por assu-mir, completamente, os riscos associados às prá-ticas do trabalho ilegal. Com a possibilidade derecorrer às agências, as construtoras conseguemcontornar as obrigações legais, transferindo paraelas todos os riscos envolvidos nos vários tiposde contratos feitos de forma ilegal. As obriga-ções legais, então, têm de ser cumpridas inte-gralmente por essas agências, as quais, muitasvezes, também as ignoram. O que se pode con-cluir é que as empresas de temporários acabampor “organizar” a precariedade. Se, pela lei, elassão obrigadas a fornecer um trabalho de tempodeterminado, no cotidiano, devido às práticasilegais por elas mesmas cometidas, acabam porfornecer um trabalho de tempo indeterminado,preservando, para a empresa utilizadora, a pos-sibilidade de se desvencilhar do trabalhadorquando quiser. O que parece mais estranho éque o trabalhador sans papier, ou seja, aqueleque não tem autorização de permanência no país,uma vez vinculado às agências de temporários –

seja por meio da apresentação de papéis falsos,seja por meio de uma falsificação oferecida pe-las próprias agências –, passa a ter as obrigaçõestributárias e a ser possuidor de todos os direitostrabalhistas. Com isso, o imigrante passa a pos-suir uma documentação que regulariza, aindaque precariamente, sua situação ilegal no país.

A média de duração do trabalho temporá-rio na construção civil, na França, é de seis sema-nas. No canteiro pesquisado, entretanto, pôde-senotar a presença de trabalhadores temporáriosque se encontram nessa situação há muitos anos.São temporários que, apesar dessa condição, es-tabelecem uma relação duradoura de fidelidade,seja com a agência, seja com a construtora, daqual permanecem reféns, sujeitos a uma demis-são a qualquer momento. Muitas vezes, continu-ar temporário se torna uma escolha do trabalha-dor, pois o rendimento líquido dos temporários émaior do que o dos contratados, uma vez que doseu salário não são abatidos os direitos trabalhis-tas. Para os imigrantes, cujo objetivo principal é oacúmulo rápido de dinheiro, manter-se na condi-ção de temporários se mostra uma estratégia de-sejável. Muitos deles argumentam, além disso, emfavor da sensação de liberdade trazida pelo traba-lho temporário, que lhes permite viajar aos seuspaíses de origem, ou lembram as vantagens depoderem acionar o seguro desemprego ou traba-lharem clandestinamente. Também os trabalha-dores brasileiros com contrato por produtividade(“a metro”) valorizam essa liberdade, e, com ar-gumentos muito parecidos, pensam na possibili-dade de buscar outras atividades, preservando aautonomia no trabalho e na vida. No caso brasi-leiro, os trabalhadores mais jovens preferem otrabalho por produtividade, e os mais velhos, otrabalho formal. Na França, a preferência não sedá em relação à idade, mas em relação à condiçãode estadia. Mesmo com a grande instabilidade, otrabalho temporário possui, para o imigrante, avantagem de lhe proporcionar maiores rendimen-tos, sendo isso o que mais interessa para seu pro-jeto de vida, voltado, na grande maioria dos ca-sos, para o retorno ao país de origem. Na França,

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ao contrário, os imigrantes já estabelecidos, ou ospróprios franceses, valorizam o trabalho regis-trado, que lhes garante maior estabilidade.

Assim, o trabalho temporário, como es-tratégia para acionar o seguro desemprego, é lar-gamente utilizado, na França, principalmente,pelos estrangeiros, visando à ampliação de seusrendimentos. Para os imigrantes, a ausência dedocumentos não é vista como um empecilho, jáque as possibilidades de trabalho clandestino sãovárias entre as pequenas prestadoras de servi-ços. Nelas, a falsificação ou mesmo o aluguel ouempréstimo de documentos são práticas recor-rentes entre os trabalhadores. Com documentosfalsos, eles se dirigem às agências de temporári-os, as quais, sem verificar a sua autenticidade, ena certeza de não serem fiscalizadas, enviam otrabalhador para a empresa demandante do ser-viço. É o que relata Imane, um servente de pe-dreiro argelino de quarenta e dois anos, entre-vistado durante a pesquisa de campo:

– Eu vou te falar um negócio, mas você não podefalar aqui não, hein: há uns três anos, eu trouxeum primo meu da Argélia. Aqui, eu dei meusdocumentos a ele e ele levou na agência de tem-porários. E com isso foi normal, ele trabalhou epôde pegar o seguro desemprego, normal.

Perguntado sobre se agência havia verifi-cado se era verdadeiro ou falso o documento,Imane responde:

– Não, nada, nada. E ele trabalhou bem, ele traba-lhou um ano com estes documentos, como jointer[trabalhador especializado em acabamento, nasempresas de gesso], sem nenhum problema. De-pois ele pegou o seguro desemprego normal, étudo. Isso muita gente faz aqui, mas eu só fizporque estava na família.

Por fim, ponderando sobre os possíveisproblemas com a fiscalização, o imigrante disse:

– Ele trabalhou aqui um ano, com os meus docu-mentos. Depois, ele comprou um carro e foi em-bora, normal. Ele ficou muito contente. Agora, sedescobrem, vão os dois pra prisão, eu mais doque ele. Porque agora está mais difícil fazer isso;antes era mais fácil. Eu fiz, mas já tem três anos.Eu não fiz isso de graça não, ele me dava duzen-tos euros a cada mês. É interessante pros dois,porque eu ganho uma porcentagem e ele ganha o

chômage [seguro desemprego], que dá quase mileuros por mês, durante um ano. Eu faço isso tam-bém: trabalho um tempo, pego o chômage e de-pois eu trabalho au noir [“no negro”]. No finaldo mês, dá bastante dinheiro. Isso é obrigatório;pra ganhar mais dinheiro, tem que fazer isso.

Todas essas ilegalidades praticadas pelasagências de temporários – da ausência de verifi-cação da autenticidade dos papéis à produçãode documentos falsos para os trabalhadores –poderiam colocá-las em situação irregular dian-te da fiscalização e torná-las sujeitas a punições.No entanto, isso – segundo Jounin (2008) – rara-mente ocorre, de modo que tais agências quasenunca são fechadas. Os trabalhadores imigran-tes, legalmente fragilizados, com documentos depermanência provisória, ou, muitas vezes, semquaisquer documentos, economicamente neces-sitados de trabalho, possuem uma pequena ca-pacidade de fazer valer os seus direitos. Os tem-porários do canteiro são convocados por váriasagências diferentes, de maneira a dificultar aemergência de um coletivo de trabalhadores or-ganizados, que apresentem, por exemplo, reivin-dicações unificadas. Nesse sentido, as incertezasimpostas pelo trabalho temporário constituemuma potente arma de controle do trabalhador.

A concentração étnica nos ofícios

A presença maciça de imigrantes em fun-ções subalternas, no canteiro pesquisado, reve-lou uma ausência de estrangeiros em postos maiselevados da hierarquia, como o chefe do cantei-ro e o chefe de equipe, ambos franceses. Comexceção de um pedreiro aprendiz, todos os de-mais operários eram imigrantes ou de origemestrangeira.

Parece ser unanimidade, entre os traba-lhadores, que a presença maciça de estrangeirosna construção civil ocorre por causa do desinte-resse da maioria dos franceses pelos trabalhos bra-çais dos canteiros de obras. Grande parte dosmigrantes chega com o objetivo muito bem de-finido de ali trabalhar por algum tempo, para

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retornar a seu país de origem com algum recurso.Alguns possuem metas estabelecidas e claras doquanto precisam para realizar algum projeto emseus próprios países. É raro, pois, encontrar al-gum imigrante, na construção, com pretensões dese estabelecer definitivamente na França.

As atividades exercidas pelos imigrantes,no canteiro pesquisado, possuem estreita relaçãocom a sua origem. Os portugueses, que fazemparte de uma migração mais antiga, iniciada ain-da na década de 1970, encontram-se atualmentevinculados a ofícios mais especializados, até mes-mo ocupando cargos de chefia, como os de chefesde canteiros e de equipes, ou possuindo peque-nas prestadoras de serviços para a empresa prin-cipal – são os chamados “artesãos”. Os magrebinos(marroquinos, argelinos e tunisianos), em suamaioria, são trabalhadores de ofícios como car-pinteiros (coffreurs), armadores (ferrailleurs) epedreiros de acabamento, também podendo ocu-par a posição de serventes (manœuvres). Os imi-grantes africanos subsaarianos, negros em suagrande parte, são manœuvres, responsáveis pelostrabalhos mais pesados do canteiro. As própriasagências de trabalho temporário trazem consigouma imagem da nacionalidade correspondentecada função. Essa concentração étnica nos ofíci-os, entretanto, não é resultado de uma organiza-ção estruturada. O que se observa é um recruta-mento descentralizado dos profissionais, no qualatuam a agência de temporários, o chefe do can-teiro e a empresa utilizadora. A precarização doscontratos faz com que se institua, entre os tra-balhadores, uma concorrência que impede a con-centração absoluta de uma etnia em determina-dos ofícios. Como afirma Jounin (2006), não exis-te uma política centralizada e que segrega, nemuma estruturação prévia, mas há uma conjun-ção de elementos que acaba por explicar a ten-dência da concentração étnica.

Um desses elementos diz respeito à con-dição de estadia. Como demonstra o mesmo Jounin(2006), no caso dos ferrailleurs, para quem as con-dições de trabalho são as mais precárias e mal re-muneradas, as empresas optam por procurar os tra-

balhadores legalmente mais vulneráveis, ou seja,os sans papier (sem documentação legal), ou aque-les que têm apenas uma permissão precária de esta-dia. Alguns grupos étnicos se encaixam nessa situ-ação, em especial os magrebinos e africanossubsaarianos, dos quais um grande contingente sesubmete à subcontratação por intermédio das agên-cias de temporários. Outra situação completamen-te diferente é a vivenciada pelos trabalhadoresoriundos da Comunidade Europeia, notadamenteos portugueses, que, desde 1991, possuem o di-reito de livre circulação nos países europeus. Essedireito veio a confirmar uma preferência antiga emenos formalizada do Estado francês em relaçãoaos imigrantes de Portugal, considerados mais“assimiláveis” do que outros. Isso explica as van-tagens dos portugueses, que ocupam cargos dechefia e posições mais estáveis, em contraste coma situação vivida pelos demais imigrantes.

Um segundo elemento étnico no recruta-mento do trabalho na construção diz respeito àgestão racista da mão de obra. De fato, o cantei-ro representa um espaço onde diversas formasde racismo são praticadas, formas que, aliás, nãose limitam aos canteiros de obras, encontrando-se presentes também nas agências de temporári-os e nas empresas utilizadoras.

Compartilhado pelos recrutadores, o racis-mo se instituiu como parte do senso comum. Co-locar-se contra isso representa correr um riscocomercial. Não há interesse algum em mudar essequadro, do qual Jounin fornece alguns traços:

... se um indivíduo de origem magrebina, semqualificação, apresenta-se a uma agência de tem-porários, ele será enviado para a empresautilizadora como ajudante de armação de ferra-gem; se o indivíduo é um maliano, como ajudan-te simples. A agência conclui que os magrebinossão “feitos para” a armação e os malianos “feitospara” serem serventes. E ela terá razão, uma vezque foi a própria agência que os fez armadoresou serventes (Jounin, 2006, p.5).

O terceiro elemento tem a ver com o recru-tamento através das redes sociais informais, pormeio das quais os trabalhadores vinculados a umaempresa indicam outros indivíduos para os traba-lhos. O processo da imigração é sempre viabilizado

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por outros trabalhadores já imigrados, de mesmanacionalidade, através de redes de informações quenão só possibilitam a obtenção de trabalho – quasesempre, no mercado “negro” (clandestinamente) –, como, também responsabilizam-se pela recepçãodos novos migrantes. Grande parte deles, ao che-gar, não possui autorização de permanência no país(carte de séjour), o que faz com que as maioresoportunidades se concentrem no mercado “negro”,ou mesmo nas agências de temporários, com asquais o estrangeiro se vincula, seja através de do-cumentos falsos, seja usando documentos empres-tados por algum concidadão.

O fato de os grupos já estabelecidos pos-suírem maior facilidade em arrumar empregopara outros trabalhadores, tais como membrosda família e amigos, também estabelece uma dis-criminação indireta, uma vez que grupos novos,dentro de um determinado ofício, não possuemgrandes possibilidades de fazer indicações. Nossetores em que determinados grupos étnicos setornam a maioria, por serem os pioneiros, o re-crutamento tende a se dar por meio de uma redede contatos pessoais, o que produz nichos étni-cos dentro de um mesmo ofício. Nesses casos,tais nichos étnicos não só viabilizam oportuni-dades de empregos, mas ensinam as competên-cias necessárias, supervisionando o desempenhodo indivíduo.

Qualificação e trabalho temporário

A pesquisa de campo, realizada na Fran-ça, revelou uma dimensão muito singular daqualificação profissional, no meio da construçãocivil. Mesmo que este estudo não tenha focaliza-do diretamente as agências de temporários, asentrevistas com os trabalhadores, dentro e forados canteiros, mostraram alguns indícios sobrecomo essa intermediação de mão de obra vemdefinindo as qualificações. As agências, atual-mente, reconfiguram as atribuições de qualifica-ção, o que contribui para a reconstrução de ummercado de trabalho, no qual as regras burocrá-

ticas ou convencionais passam a ser, cada vezmais, minimizadas.

Para se compreender a relação entre asagências de temporários e a qualificação, é pre-ciso, primeiro, entender que o trabalho tempo-rário significa um modelo de empregodescontínuo e incerto, que se distingue, inclusi-ve, do CDD (Contrato de Tempo Determinado),do qual se aproxima por possuir a mesma formajurídica, com um empregador intermediário en-tre o trabalhador e a empresa que utiliza os ser-viços. As agências, como intermediárias, possu-em várias funções, dentre as quais a de executaras ilegalidades, como bem definiu Jounin (2008).Pela legislação, as funções de empregador sãodivididas entre a agência de temporários, queconserva as prerrogativas de quem emprega, e aempresa que se utiliza dos serviços, a responsá-vel pelas condições de execução dos trabalhos.Na prática, essa distinção, baseada na divisãoentre o empregador legal e o de fato, é fluida,permitindo diversos arranjos.

As transformações devidas às agências detemporários refletem duas tendências, aparente-mente contraditórias: de um lado, elas induzemespecializações, ao criarem novas fronteiras nointerior dos ofícios, até então considerados unifi-cados; de outro, produzem uma homogeneizaçãono interior de um determinado ofício, atravésda supressão dos níveis de qualificação. O ofíciode coffrage, no qual certos trabalhadores são osresponsáveis pelas fôrmas de concretagem devigas, pilastras e paredes, é um exemplorevelador. As agências procuram, especificamen-te, os bancheurs, trabalhadores especializadosem uma parte somente da coffrage, qual seja, ada montagem mecânica de fôrmas de aço para aconcretagem. Tal fato ocorre também em outrosofícios, como, por exemplo, no de ferraillage,uma vez que as agências procuram somente osattacheurs, profissionais responsáveis por umapequena parte do trabalho de amarração das ar-maduras de ferro. O efeito dessas reduções levaà limitação do “saber fazer” do trabalhador, jáque se parcela o ofício, reduzindo, assim, as pos-

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sibilidades de uma absorção mais ampla dos sabe-res relacionados a um determinado trabalho. Comoconsequência, reduzem-se o reconhecimento e aremuneração do empregado. Chama a atenção, ain-da, o fato de que tais serviços, muitas vezes sim-plificados, não são destinados aos trabalhadoresmenos qualificados, pois, se alguém mais capaci-tado não encontra uma missão correspondente àsua qualificação, acaba tendo de realizar ativida-des que estão aquém de sua capacitação.

Para selecionar e recrutar trabalhadores, asagências utilizam o Certificado de Trabalho ou aficha de pagamento fornecida pelo empregadorprecedente. Esses documentos atestam a qualifica-ção do candidato, sendo primordiais para que elese insira em uma nova missão. É através deles quetanto as agências de temporários quanto as empre-sas exercem a função de empregador, produzindoefeitos contraditórios em relação às oportunidadesque surgem para o trabalhador, seja fechando-as,seja abrindo-as.

Os trabalhadores, na França, ao mesmotempo em que buscam ampliar a sua qualifica-ção, procuram obter o reconhecimento de umofício que lhes permita um maior ganho. No en-tanto, eles estão sempre à mercê da dualidadeque existe entre as agências de temporários e asempresas que fazem uso dos serviços prestados.Se as agências não podem classificar o trabalha-dor sem antes obter o reconhecimento da em-presa, essa última deve atestar as aptidões doempregado para exercer determinado ofício. Asempresas, entretanto, sempre alegam que preci-sam de um certificado de trabalho fornecido so-mente pelas agências, para autorizar o trabalha-dor a exercer o ofício no canteiro. As agênciastêm um enorme interesse em preservar o víncu-lo com o trabalhador, pois ele é o objeto centraldo seu trabalho. Tendo isso em vista, abusamdas promessas de, na missão seguinte, dedicarum maior empenho em relação à classificaçãodo empregado, exatamente como fazem os em-pregadores brasileiros. No entanto, como afir-mam vários temporários, o interesse primordialdas agências é o de preservar a esperança dos

trabalhadores, sem, de fato, cumprir qualquerpromessa. Apesar de conscientes disso, paramuitos, a estagnação de sua classificação não émotivo suficiente para se desvincularem da agên-cia, pois, apesar da execução de tarefas abaixode sua real qualificação, tais indivíduos estão in-tegrados ao núcleo estável das agências, atravésdas quais conseguem missões regulares e certas,o que não deixa de ser muito apreciado.

O blefe e a mentira também fazem partedas estratégias para ampliar a qualificação do tra-balhador. São procedimentos usados tanto pelasagências de temporários quanto pelos trabalha-dores, visando à obtenção do certificado de tra-balho, o que permite a um empregado procurar,em outras agências, um serviço mais qualifica-do. Eis o que fala Imane, o servente de pedreiroargelino, sobre uma de suas tentativas de conse-guir uma ocupação através de uma agência detemporários:

No meu CV, eu marquei pedreiro, mas não quali-ficado. Depois, eu coloquei carpinteiro, porqueeu já fiz um pouco, eu trabalho, mas não sou umbom profissional nesta área. Eu coloquei ofíciosque eu já tinha feito, mas não profissionalmente.

Perguntado sobre se haveria algum tipode verificação da qualificação pela empresa, oimigrante responde:

Tem não, não tem nada, nada… Muita gente fazisso. Mas tem que fazer pelo menos um pouco.Aqui na França você tem que mentir um pouco,senão você não trabalha na construção, porque,na construção, eles perguntam se você tem expe-riência. Se você não tem, eles dizem não; então, agente é obrigado a mentir. Você é obrigado a men-tir um pouco, é obrigado. Todo mundo faz isso.

Nas construções pesadas (gros œuvre), exis-te um sub-reconhecimento das qualificações.Mesmo os trabalhadores que, na prática, conse-guem “subir” na estrutura hierárquica dos ofícios,somente desfrutarão do reconhecimento formal deuma nova classificação após severas avaliações, queduram meses ou mesmo anos, ainda que se basei-em sobre o ofício que já desenvolvem cotidiana-mente no canteiro. Muitos chefes de equipes oude canteiros, por exemplo, iniciaram-se nessas

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funções antes de obterem a formalização corres-pondente. Frequentemente, o trabalho realmenteexecutado pelo trabalhador não corresponde à suaqualificação. Para os trabalhadores habilitados, tam-bém se torna comum a execução de tarefas menosqualificadas, pois, durante o processo de trabalho,pode ocorrer de não haver postos correspondentespara todos. No trabalho temporário, é praticamenteimpossível acontecer essa correspondência (excetonos casos de blefe e de mentira), uma vez que aflexibilidade das agências de temporários permitereajustar as qualificações aos postos corresponden-tes. Para os trabalhadores, então, os certificados detrabalho exigidos pelas agências funcionam apenascomo indicadores de sua capacidade, e não comoum título que garanta seu direito a certos postos,em acordo com uma qualificação estável.

Assim, constata-se que as agências de tem-porários vêm “apagando” parcialmente as regrastradicionais de reconhecimento das qualificações,substituindo-as por relações desvinculadas dasnegociações coletivas. O trabalho temporário, emtese, continua preservando as convenções, mas oque ocorre, na prática, é um uso particular delas.O fato é que a Convenção Coletiva não conseguemais desempenhar o papel de classificadora dosempregos, de detentora da determinação das ta-refas, como tampouco o de fonte estabilizadorados trabalhadores nos ofícios alcançados, pois nãoé mais capaz de evitar o regresso a trabalhos me-nos qualificados, nem de estipular o valor do tra-balho, que é mesmo negociado caso a caso. Nessecontexto, a obtenção de uma qualificação aparecemuito mais vinculada às estratégias paternalistasde um “favor” do que a uma real avaliação dosméritos dos trabalhadores.

O rendimento das agências de temporáriosse vincula, exclusivamente, à quantidade de pes-soas que elas enviam para as empresasutilizadoras. Quanto maior o número de traba-lhadores qualificados, maior será a quantidade debenefícios atribuídos à agência. Pelos relatos dostrabalhadores, entretanto, percebe-se o seguinte:se, por um lado, os serventes representam, emtermos de retorno financeiro, para as agências,

muito menos que os trabalhadores qualificados,por outro, os custos sociais dos trabalhadoresmenos qualificados são menores. Com isso, a ob-tenção da classificação do trabalhador acaba serealizando por meio de um cálculo econômicodas agências, em seu próprio benefício. Tal fatomostra que a dimensão suplementar da qualifica-ção dos trabalhadores não aparece propriamentecomo um valor em si, nem referência para a dis-tribuição de salários, mas como elemento atrela-do às estratégias econômicas das agências.

A prestação transnacional de serviços

A prestação transnacional de serviço éuma forma de subcontratação do trabalho, que,legalmente, existe há muito tempo, mas que sópassou a apresentar um grande crescimento nosúltimos dez anos. O setor da construção civiltem uma característica definidora: a de produ-zir onde se consome o produto. É impossível,para as empresas construtoras, o deslocamentoda produção, isto é, a transferência de serviçospara outros lugares, com o aproveitamento demão de obra local, como podem fazer outrossetores de atividades, como a indústria de têx-teis e as metalúrgicas. Utilizar a concorrênciainternacional, no caso da construção civil, signi-fica fazê-la vir ao país onde serão utilizados osserviços. O que acontece, no entanto, na prática,é que uma empresa, por exemplo, portuguesa,que vai prestar serviço para uma construtora, naFrança, não existe, de fato, em funcionamento,em Portugal. Ou, se existe, mantém somente al-guns empregados como forma de regularizar a“exportação” de trabalhadores, que ganham, naverdade, o salário português, com toda a cotizaçãosocial portuguesa, em um tipo de subcontrataçãoque representa um barateamento de custos, paraa empresa que se utiliza de tais serviços. Isso,contudo, é considerado ilegal. O problema é comofiscalizar, no país de origem, a existência real daempresa. Joaquim, um pedreiro português, for-nece um relato da situação em Toulouse:

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Aqui em Toulouse têm muitas empresas de Por-tugal, e agora tem muita polonesa também. Elasvêm aqui trabalhar e trazem muita gente de lá. Eeles ganham o salário de lá. Eles moram todosjuntos, tudo apertado em T2 [apartamento dedois cômodos]. Moram cinco, seis, sete, em umlugar de dois lugares. Eles andam sempre jun-tos, e não conversam porque não falam nada emfrancês. Eles vêm aqui só pra trabalhar e não gas-tam nada, só vêm pra juntar dinheiro. Eles man-dam tudo pro seu país. Isto tem muito, muito.

Os empregados vinculados às empresas depaíses de fora da Comunidade Europeia não pos-suem o direito de trabalhar para uma firma lo-cal. Assim, qualquer desentendimento no traba-lho deve ser evitado, pois os trabalhadores estãoimpedidos de procurar serviços em outro lugar,uma vez que não têm permissão para permane-cer legalmente no país. Estão presos a uma em-presa, e, por isso, são considerados pelos chefescomo empregados dóceis e de fácil lida. Os tra-balhadores deslocados têm autorização de per-manecer na França somente enquanto estão tra-balhando. Se quiserem abandonar o serviço, pre-cisam voltar ao seu país de origem, ou entrarpara a clandestinidade. É desse modo que a pres-tação transnacional de serviços se torna um me-canismo de incentivo às irregularidades, contri-buindo, em parte, para a existência de trabalha-dores sans papier.

Tal situação demonstra bem que os pro-cedimentos utilizados pelas empresas do setorda construção civil, para o provimento de mãode obra na França, incluem, de fato, diversasformas de ilegalidade, seja em relação à presta-ção transnacional de serviços, seja no queconcerne à atuação das agências de trabalho tem-porário, que recorrem, inclusive, como se suge-riu, à falsificação e à comercialização de docu-mentos falsos.

Informalidade e subcontratação : o casobrasileiro

No Brasil, a construção civil executa, tra-dicionalmente, tipos de contrato de trabalho quedivergem das normas estabelecidas pela Conven-

ção Coletiva do setor, que são regidas pelas for-mas legais baseadas na CLT (Consolidação dasLeis Trabalhistas). A clandestinidade nas obrasbrasileiras é uma realidade há muito tempo co-nhecida, sendo os contratos informais – vistoscomo normais – praticados por grande parte dasempresas do setor. A naturalidade das práticasse revela com o fato de os trabalhadores não pos-suírem nenhum receio em falar dos contratos,expondo, em detalhes, as formas segundo as quaisforam estabelecidos. A mesma naturalidade, con-tudo, não se traduz nas falas dos engenheiros edos encarregados responsáveis pela gestão docanteiro. Ainda que se trate de práticas bastanteconhecidas, a abordagem do tema, nas entrevis-tas e nas conversas informais com os dirigentes,sempre gera desconforto.

As ilegalidades, bastante diversificadas,são estabelecidas através de acordos orais. Alémda clandestinidade integral dos contratos de tra-balho, comum entre os empregados que ganhampor produtividade, por empreitada, ou entre osque estão vinculados aos empreiteiros denomi-nados “gatos”, encontram-se várias formas declandestinidade parcial.

Uma das práticas mais comuns de clan-destinidade integral está presente no atraso daassinatura da carteira de trabalho. A empresa,normalmente, pede ao trabalhador para trazer acarteira já no primeiro dia de serviço, com a pro-messa de registro. A expectativa da assinatura,sempre adiada, pode durar meses, em algunscasos com a justificativa de que o trabalhadorainda estaria em período de teste, para uma pos-sível classificação em um ofício, como é comumentre os serventes. Quando questionados sobreisso, a resposta dos trabalhadores é quase sem-pre a mesma: “... ele me disse que vai assinar,mas até agora…”. Frequentemente, sobretudoquando o trabalhador começa em um canteirojá avançado, em que, segundo os dirigentes, apresença da fiscalização é menos provável, a obratermina sem que o esperado registro formal acon-teça. Entre os trabalhadores que possuem contra-tos por produtividade (“a metro”), permanecen-

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do autônomos, vive-se situação semelhante. Nes-se caso, a assinatura da carteira visa a evitar mul-tas, em uma eventual fiscalização, mas estádissociada das garantias dos direitos trabalhistas.

De fato, a carteira de trabalho funciona, nocanteiro, como um elemento contraditório. Sendo elacorrespondente ao currículo profissional dos traba-lhadores – em que estão registrados, além do seuofício, as empresas nas quais trabalharam e o seutempo de permanência –, um registro de curta dura-ção, com menos de três meses, por exemplo, podesignificar algum problema do trabalhador, associan-do-o ao rótulo de “biscateiro”. Por isso, quando otrabalho sem a assinatura da carteira aproxima-se dofim das obras do canteiro, ou quando os serviços sãode curta duração, os próprios trabalhadores prefe-rem não ter o registro, o que significaria marcá-lo comuma “carteira suja”, podendo gerar problemas, emfuturos empregos. Os empregadores, então, tendema adiar o registro dos trabalhadores, que, em algunscasos, permanecem nas obras durante meses, semnenhum vínculo formal.

Outra ocorrência comum acontece quandoa empresa compele o trabalhador a tirar uma novacarteira de trabalho. Tal fato ocorre, sobretudo, emrelação aos funcionários que possuem experiênciaprofissional registrada, e tem como objetivo prin-cipal camuflar as ilegalidades cometidas. As se-guintes situações são as mais comuns, no que dizrespeito à “nova” carteira de trabalho: i) o saláriodo emprego anterior era maior do que o propostopela empresa, no ato da contratação; ii) a empresaadmite trabalhadores com categoria profissionaldiferente daquela registrada na carteira; iii) há ex-cesso de registros de curta duração, o que podecaracterizar aquela “carteira suja”, acima referida.Tudo isso faz com que seja muito comum, paraum trabalhador do setor, possuir várias carteirasprofissionais, algumas delas com registros frauda-dos. Paradoxalmente, a carteira de trabalho é umdocumento e referência central para a empresa, noprocesso de seleção. O engenheiro-proprietário,Neilor, explica como recruta e o que analisa nacarteira de trabalho dos candidatos:

Eu normalmente olho o que aconteceu, quantotempo o cara está sem fichar, quanto tempo ficoufichado, nas últimas empresas. Passaram, outrodia, duas pessoas aqui, pra trabalhar de serven-te. Eu peguei a carteira deles, e um estava até meioalcoolizado. Fui conversar com eles. Peguei a car-teira de um e vi que ele tinha um mês numa em-presa, dois meses na outra, um mês numa tercei-ra empresa. Aí você desconfia. [...] Muita gente,quando vem trabalhar aqui, fala: “o meu serviçoaqui é só de um mês”. A maioria deles tira umacarteira nova, está limpinha. Você põe aquele re-gistro de trinta dias, de quarenta e cinco dias,que é o contrato de experiência, por exemplo. Àsvezes, o cara não quer isso, fica com medo dechegar na próxima obra e a pessoa não aceitar,porque ele tem somente trinta dias de um térmi-no de contrato. O cara fica com medo.

O que se percebe aqui é uma evidente con-tradição. Ao mesmo tempo em que as empresas,com raras exceções, não oferecem estabilidade aseus profissionais, elas exigem trabalhos anteri-ores estáveis, registrados em carteira, como atri-buto necessário à admissão. Os contratos de ex-periência, como o citado por Neilor, indicamoutra forma utilizada para se adiar o registro dostrabalhadores. Por lei, o contrato de experiência– que não pode durar mais de três meses – sópode ser usado para profissionais que não tive-ram registro em carteira, em um determinadoofício, durante os últimos doze meses. São osserventes os mais contratados a título de experi-ência, e os que mais permanecem nessa situaçãopor tempo indeterminado, pois os empregado-res, quase sempre, adiam a sua legalização. Teo-ricamente, o contrato de experiência seria umaforma de testar a eficiência do profissional, an-tes de ele ser contratado, formalmente. Entre-tanto, no caso de um servente, por exemplo, é óbvioque não são necessários três meses para a averi-guação das capacidades, pois se trata de um pro-fissional em funções eminentemente servis.O fato é que o contrato de experiência funciona,essencialmente, para adiar a formalização.

O Contrato por produtividade (“a metro”)

O contrato por produção, denominado, nocanteiro, como “a metro”, é a forma de trabalho

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clandestino mais comum, na construção civil, naregião Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).Nesse tipo de contrato, muito comum entre ospedreiros de acabamento, de alvenaria, carpintei-ros, armadores e gesseiros, a recompensa do traba-lhador corresponde à quantidade de metros qua-drados produzidos, durante o mês. Nas entrevis-tas a priori, ele figura como o tipo de contrato pre-ferido pelos trabalhadores, uma vez que seus gan-hos podem chegar a até três vezes mais que o “sa-lário do sindicato”. “Trabalhar a metro” é deseja-do por grande parte dos trabalhadores de ofício.Não se trata, todavia, de um contrato oferecido atodos, o que faz com que os detentores dele pos-suam um status de excelência profissional. Nor-malmente, a justificativa do empregador para autilização de tais contratos é a curta permanênciados trabalhadores no canteiro, o que torna onero-so registrá-los.

As vantagens do contrato “a metro”, parao empregador, são muitas, e de vários tipos: i)redução dos custos trabalhistas, pois não se pa-gam encargos, tais como o décimo terceiro salá-rio, férias, cesta básica, vale-transporte, e, sobre-tudo, os encargos relativos ao processo de demis-são; ii) aumento da produtividade; iii) rapidez nosserviços, decorrente da transferência, para o tra-balhador, da responsabilidade de ele mesmo cons-truir seu salário, dispensando o controle relacio-nado à produtividade, muito comum entre osregistrados. Ou seja, como o domínio sobre “ofazer” pertence aos trabalhadores, e a via autori-tária não garante um controle eficaz da produ-ção, esses “incentivos” se tornam, de fato, impor-tantes; iv) ampliação da previsibilidade de custo,pois se pode orçar a obra antes de começá-la.

Para os trabalhadores, o contrato “a metro”se tornou a única possibilidade de ampliação deganhos, pois, em vários aspectos, encontram-sesubmetidos a uma prática que, além de negar seusdireitos trabalhistas, produz instabilidade, o quenão é desejável, especialmente, pelos trabalhado-res mais velhos. Isso se confirma através do de-poimento de Jorge, um pedreiro de acabamentode cinquenta e três anos, quando questionado so-

bre se sua preferência seria trabalhar “fichado” (comregistro formal em carteira) ou “a metro”:

Prefiro trabalhar fichado, claro! Com certeza. Tra-balhar “a metro” é muita insegurança. É um sofri-mento de uma hora você não encontrar “a metro”.Aí, eu prefiro ficar pelo menos uns seis, sete me-ses, devido ao meu INSS, em um serviçodigno.Você está ali todo dia, aquele horário. Vocêpode fazer dívida, você pode fazer um compro-misso com aquilo ali.Todo mês você tem ele. Sa-indo dali, eu tenho o meu seguro desemprego, te-nho meus acertos. Não é ruim trabalhar fichado,não é ruim. Só que, pra quem trabalha fichado,ganhando aí oitocentos reais por mês, não dá.

As vantagens de trabalhar por produtivi-dade, uma vez que os ganhos, realmente, au-mentam, não parecem ser suficientes para queesse trabalhador deixe de almejar a estabilidade.Frente à elevada instabilidade, na construção,Jorge revela uma estratégia, relacionada ao rit-mo do trabalho, que visa a minimizar as incerte-zas do dia a dia. Nessa estratégia, ganha desta-que o controle que possui do seu ofício:

Esse negócio do ritmo, no trabalho “a metro”, é oseguinte: não adianta eu trabalhar muito e ganharmuito, que, depois de um tempo, o serviço aquiacaba, e eu tenho que ir procurar outro serviço; ecorre o risco de não achar “a metro”. Eu faço oseguinte: se eu vejo que está ruim de serviço, napraça – não pode nem falar isso aqui não [risos]–, eu vou num ritmo que dá pra tirar um poucomais do que o “salário do sindicato”. Mas se esti-ver tendo muita obra, e as firmas estiverem pre-cisando de serviço de acabamento – porque euconheço muita gente aqui que mexe com obra –,aí eu pego em um ritmo mais pesado. Aí dá praganhar mais, e até juntar um pouquinho, sem fi-car pensando que não vai ter trabalho.

As afirmações do pedreiro, contudo, nãoparecem corresponder à opinião dos trabalhadoresmais jovens, e, sobretudo, dos aspirantes ao con-trato “a metro”, que, no canteiro pesquisado, repre-sentam a maioria. Pouco inclinados a se manteremna situação de assalariados (com salário mensal deR$ 778,00), os mais jovens tendem a se lançar aoencontro das diversas variantes do trabalho clan-destino e precário, fundamentados na recusa aovalor irrisório do “salário do sindicato” e nas pou-cas vantagens que podem esperar do Estado.

A certeza de que serão “obrigados” a estabe-lecer um acordo com a empresa quando do pro-

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cesso de demissão, em relação ao recebimento damulta rescisória, contribui para fortalecer o desin-teresse dos operários quanto à formalização. Eismais um motivo para buscar trabalhar por produ-tividade, o que, nos últimos tempos, devido aocrescimento do setor, torna-se ainda mais atraentepela facilidade em se conseguir outra colocação nomercado quando findam os trabalhos, no canteiro.

Tal ideia é corroborada pela colocação deClério, de trinta e quatro anos, sobre o trabalhopor produtividade:

É mais interessante, porque, se você trabalha,numa firma dessa aí, um ano, o direito que vocêtem pra receber não dá mais do que dois mil re-ais. E olha lá se dá, ainda, pelo acordo que elesfazem. Então, você, trabalhando na produção, não,você já está tirando seu salário, já está tirandotudo que você tinha o direito de receber, já estátirando muito mais.

A transferência da responsabilidade parao indivíduo, no momento da elaboração de seusalário, não considera as contingências que en-volvem o trabalho nos canteiros. O setor da cons-trução civil, com efeito, possui a especificidadede estar submetido rotineiramente a várias con-tingências. Uma delas – nada desprezível – dizrespeito às condições meteorológicas. Outros fa-tores que também interferem na produtividade,apenas para lembrar alguns, seriam os atrasosna compra de materiais, a ausência ou realocaçãode ajudantes e o refazer do serviço quando seconstatam falhas nos trabalhos executados, o quesempre gera insatisfações.

Outra maneira de trabalho “a metro” é avivenciada pelos trabalhadores formais, em umcontexto no qual a inter-relação entre formali-dade e informalidade se torna muito clara. Otrabalho “a metro”, aqui, é um incentivo para otrabalhador ampliar seu rendimento, ainda queaumentando, e muito, a sua quantidade de ser-viço diário. Nesse caso, o operário registrado naempresa e com alguns direitos assegurados rece-be uma cota de trabalho, em metros quadrados,que deve ser feita por dia. Se ele produzir alémda cota prevista, recebe por produtividade, ouseja, pela quantidade de metros quadrados exe-

cutados em uma semana de trabalho.A principal crítica dos trabalhadores a esse

último tipo de contrato refere-se ao fato de quea cota já é muito elevada, e o ganho por produti-vidade nunca chega a representar um percentualmaior que 10% do salário fixo. O que se perce-be, então, é que se trata de mais uma estratégiade aumento da produtividade, sem aumentarmuito o ganho do trabalhador.

O Trabalho por empreit ada

Esse tipo de contrato difere do “a metro”pela forma como se estipula o valor do trabalhoe pela particularidade das subcontratações. Ocontrato por empreitada é estabelecido entre umtrabalhador de ofício e a construtora, de acordocom um preço fixo pré-estabelecido para o tra-balho a ser realizado. A empreitada constitui umamodalidade muito comum, sobretudo entre ostrabalhadores que permanecem na obra desdeseu início, como os encanadores e os eletricistas.Pelas próprias características dos seus processosprodutivos, esses profissionais não possuem ati-vidades regulares, como os demais. Suas inter-venções se desenvolvem em etapas, sempre de-pendentes da realização de outros trabalhos. Aempreitada, então, é a forma encontrada por es-ses profissionais para venderem seus serviços avárias empresas, ao mesmo tempo, de modo aotimizar as horas ociosas restantes em cada cantei-ro. Para atenderem aos diversos canteiros, encana-dores e eletricistas, por exemplo, quase semprecontam com ajudantes, às vezes, profissionais ex-perientes, com os quais estabelecem acordos tam-bém informais.

Em ambas as formas de contrato informalimpostas pela empresa pesquisada, isto é, tantono contrato “a metro” quanto no trabalho porempreitada, ficam claras as possibilidades de oempregador burlar a legislação trabalhista, esca-pando dos tributos previstos por lei, transferindoas ilegalidades para terceiros e, sobretudo, garan-tindo o poder de demitir o trabalhador a qualquer

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momento. São poucos os casos em que o trabalha-dor é registrado, o que acontece, geralmente, ou porquestões de afinidade com a chefia, ou porque elepertence a um pequeno núcleo fixo da construtora.O registro na carteira de trabalho, além de ampliar agarantia de fixação do profissional na obra pelo perí-odo em que ele é necessário, protege a empresa daimprevisibilidade de uma eventual fiscalização. Noscontratos por empreitada, entretanto, os profissio-nais subcontratados, em sua maioria, não possuemvínculo com a construtora, ou seja, não têm qual-quer registro formal. Nesses acordos informais, oprofissional empreiteiro se torna o responsável pe-las “pessoas que ele coloca no canteiro”, assumin-do riscos, como o das multas, que podem advir daausência de registros formais ou mesmo de possí-veis acidentes de trabalho. Essa é, na verdade, umadas grandes preocupações da construtora, que pro-cura deixar sempre clara, para o empreiteiro, a suaresponsabilidade frente aos possíveis problemas coma fiscalização, informando-lhe, inclusive, que, naeventualidade de autuações, as penalizações serãototalmente repassadas a ele, uma vez que, legalmen-te, é a Construtora a responsável por todos os profis-sionais que atuam em seus canteiros. Em alguns ca-sos, sobretudo no início da obra, a construtora pro-cede da mesma forma com os ajudantes. Ela registratodos os profissionais, mas delega ao empreiteirotodas as demais responsabilidades. Os empreiteiros,por sua vez, nunca pagam os direitos, todos negadospor meio dos acordos informais.

O acordo entre as partes, nesses termos,faz com que o trabalhador deixe de receber osbenefícios previstos em lei. O recolhimento doINSS, por exemplo, é burlado através de umaestratégia em que o contratante atribui vinte diasde falta ao trabalho, para cada um dos meses emque o trabalhador estiver vinculado à construto-ra. Com isso, paga-se somente o equivalente aosdez dias que, teoricamente, foram os trabalha-dos. A empresa paga o total referente ao mês detrabalho e, conforme acordado, o valor corres-pondente aos vinte dias é descontado no paga-mento mensal do trabalhador. O contratante,então, deposita todo mês um determinado valor

em conta, que é também descontado do contra-tado todos os meses.

Algo semelhante ocorre em relação aoFGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço)e à multa rescisória de 40% do valor desse fundo,obrigatória em caso de demissão de funcionáriosque permanecem mais de um ano com o registrona carteira – o que, diga-se de passagem, é bas-tante raro na RMBH. No caso da multa rescisória,existem duas práticas comuns: i) há um descontono rendimento mensal do contratado; ii) o di-nheiro da multa é entregue ao trabalhador, nopróprio sindicato, quando da homologação dademissão, e, em seguida, devolvido para o em-pregador, veladamente. Visando a eliminar a ne-cessidade de pagamento desse encargo e de todoo trâmite burocrático envolvido no processo dedemissão – sobretudo, a homologação, no sindi-cato –, a empresa sempre opta por, formalmente,demitir todos os trabalhadores antes de constarum ano de registro na carteira de trabalho. Naprática, contudo, eles continuam a trabalhar –informalmente – até o término dos serviços docanteiro. Essa parece ser a forma adotada pelaspequenas e médias empresas, fortalecendo a ins-tabilidade e fazendo com que, depois de onzemeses, os trabalhadores se vejam obrigados a aci-onar o seguro desemprego e a procurar outra co-locação no mercado de trabalho.

Acordos informais como esses, entre tra-balhador e empresa, baseados em uma série deilegalidades, como se vê, são normalmente acei-tos pelos funcionários, seja por conta da possibi-lidade de se aumentar o ganho mensal durante otempo trabalhado, seja por se atrelarem às expec-tativas de se vislumbrarem, na mesma empresa,possibilidades de trabalhos futuros. O recurso àJustiça do Trabalho, via sindicato, é algo distantedas perspectivas dos trabalhadores da construçãocivil, pois, em um meio social relativamente pe-queno, isso poderia comprometer futuras possi-bilidades de trabalho. Procurar a Justiça é mesmouma atitude rara, em um setor no qual os acordosnão só contam com a conivência dos envolvidos,como também são desejados por uma parte de-

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les. O trabalhador Clério é quem afirma:

Se você sair daqui, você vai no sindicato, vocêpode até receber... Mas você vai mexer com Justi-ça, vai mexer com essas coisas, e como diz o ou-tro, aquela porta ali, pra você, já fechou. Aqui[ele fala o nome da cidade], a gente conhece todomundo que mexe com obra. Os engenheiros e osmestres de obra também conhecem todo mundo.Se você levar uma firma na Justiça, pronto, ondevocê vai conseguir trabalho depois?

As diversas formas de contratos informaisexistem por conta da necessidade de as constru-toras reduzirem seus custos de produção. Tendoisso em vista é que elas investem na absorçãoinstável e informal do trabalho, sem vínculosempregatícios, gerando a alta rotatividade dostrabalhadores. A possibilidade de se desvenci-lhar do empregado a qualquer momento, semter de arcar com os custos envolvidos no proces-so de demissão, é, de fato, extremamente atra-ente no setor da construção civil.

As estratégias para se burlarem as leis tra-balhistas, gerando liberdade, no processo dasdemissões, viabilizam-se também por meio desubcontratações intermediadas por pequenos“empreiteiros” – os “gatos” –, normalmente pro-fissionais que se apresentam à construtora paraum determinado tipo de trabalho. O presidentedo Sindicato dos Trabalhadores da ConstruçãoCivil da RMBH explica a estratégia:

Funciona assim: uma empresa precisa fazer umacabamento. Aí vai e contrata um gesseiro, e eleleva mais três, quatro. Aí você chega dentro deuma obra e encontra várias pessoas de ramos di-ferentes, tudo irregular, totalmente informal.Existe isso demais. O empresário fala: “vem cá,estou precisando que você faça um azulejo pramim aqui!”. Vai lá e faz um contratozinho à partecom ele, sem registro nenhum. Aí, aqueleazulejista chama mais um tanto pra ajudar ele.Aí, vira essa zona.

Esse relato sugere bem as estratégias dasconstrutoras em relação à transferência, para osempreiteiros (“gatos”), das responsabilidadescom os direitos trabalhistas que elas mesmas nãopagam. Nesse âmbito, a empresa somente regis-tra os profissionais, transferindo os encargos parao empreiteiro, o “gato”, que passa a ser o respon-sável pelas eventuais multas que a construtora vier

a receber devido às ilegalidades cometidas.As estratégias para se burlar a legislação

trabalhista não se concentram somente em pe-quenas empresas, como a que foi objeto da pes-quisa de campo realizada para este trabalho. Atu-almente, as grandes construtoras têm investidona regularização dos empreiteiros, os”gatos”, atra-vés da ampliação da terceirização. Muitas vezes,elas incentivam seus próprios encarregados, mes-tres de obra, ou mesmo trabalhadores de ofíciomais experientes, a registrarem umamicroempresa de serviços específicos, que, nocanteiro de obra, passa a ser chamada deempreiteira. Essas mini-empresas são, muitas ve-zes, montadas com o propósito de servir somentea uma construtora. Com isso, essa última se be-neficia duplamente. Por um lado, ela burla a le-gislação e, por outro, garante a mesma qualidadeem suas construções, pois consegue manter osmesmos funcionários já treinados e habituadoscom seus padrões construtivos, às vezes, por anos.

A fiscalização

Os acordos entre a empresa e os traba-lhadores, no sentido de mascarar a real situaçãode clandestinidade, não se estendem a todos.Uma parte dos empregados no processo de cons-trução, sobretudo os de curta permanência, nãopossui registro algum em carteira, fato curioso, umavez que, devido à imprevisibilidade da chegadada fiscalização, as penalizações podem ser eleva-das. Diante disso, surgem duas questões. Por quea empresa prefere correr os riscos das multas? E,por que os acordos que mascaram a clandestinida-de não são estendidos a todos que estão em situa-ção irregular?

As respostas a essas perguntas podem serencontradas na forma como é feita a fiscalizaçãopor parte do Ministério do Trabalho, e na buro-cracia, que retarda a necessidade do efetivo pa-gamento das multas. O foco da fiscalização incidesobre os aspectos relativos à segurança dos ope-rários, no canteiro, aos equipamentos de uso pes-

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soal e de proteção contra acidentes; aos aspectosrelacionados ao bem-estar dos trabalhadores, taiscomo presença de refeitórios, de banheiros e la-vatórios; e ainda sobre as formas dos contratosde trabalho, além de uma série de exigências pre-vistas pelo código NR18.1

A presença da fiscalização nos canteirosde pequeno porte é rara. Como muitos dos pro-fissionais permanecem pouco tempo na obra, asconstrutoras acabam “jogando” com aimprevisibilidade. Mesmo a atuação sindical,nesse caso, não parece ser suficiente, como ex-plica o já citado presidente do Sindicato dos Tra-balhadores da Construção Civil da RMBH:

Quando a gente tem uma denúncia, a gente en-caminha pro Ministério do Trabalho. A gentepede fiscalização. Agora, infelizmente, tambémo Ministério do Trabalho é muito omisso, é umórgão que não funciona. Se, por exemplo, umempreiteiro pega uma obra de seis meses, sete,oito meses pra fazer, você costuma encaminharum ofício solicitando fiscalização justamente poresse tipo de coisa: “Ó, os trabalhadores estão tra-balhando a metro, por produção. Eles, não estãotendo um salário integral, conforme a regra daconvenção coletiva”. Aí os caras vão lá, você man-da um ofício e protocola lá. Aí, quando eles vãona obra, eles te ligam: “Ó, nós não estamos loca-lizando a obra não!”. “Claro que você não vai lo-calizar. [ela] Acabou!”.

As elevadas multas decorrentes da eventu-al autuação não parecem ser suficientes para quese formalizem os contratos. Como explica o enge-nheiro Neilor, proprietário da obra pesquisada:

Eles não vêm em toda obra não. Só mesmo setiver alguma denúncia. Aqui eles vieram porqueos vizinhos denunciaram, por causa do barulho,mas é raro. Tem quinze anos que eu construo aqui.Fiscal só apareceu em minhas obras três vezes.Mas quando eles vêm, eles chegam com o intuitode prejudicar. Não vai ajudar em nada. Não é ori-entar pra poder ajudar. Eles são muito arrogan-tes, muito, muito.

Além da possibilidade de o canteiro nãoser fiscalizado durante todo o processo de cons-trução, as multas, mesmo que sejam altas, sãopassíveis de recurso. Com a lentidão dos julga-

mentos, pode-se prorrogar por anos a efetivaçãode um pagamento. Algumas multas, não raro, ain-da acabam sendo abonadas. Por fim, quando umaempresa tem de arcar com as multas, de fato o pa-gamento ocorre anos depois do término da obra,que utilizou dezenas de trabalhadores com contra-tos informais.

As construtoras se preocupam em bemorientar seus empregados a negar quaisquer ile-galidades, em uma eventual abordagem de fis-cais. A empresa e os próprios empreiteiros ten-tam, de fato, transferir para os trabalhadores aresponsabilidade de convencer os fiscais sobre alegalidade de sua situação, de modo a evitar ouminimizar as punições. As empresas, ou os em-preiteiros, frente a uma eventual presença dafiscalização e dos interrogatórios, orientam ostrabalhadores, em situação clandestina, a daremrespostas que escamoteiem a verdade. Como ex-plica Jorge, pedreiro de acabamento: “Se chegaraqui e me perguntar, eu falo: eu estou fazendoum teste aqui pra eles, não sei se eles vão mequerer; é que eu comecei o trabalho hoje”. Per-guntado se teria sido orientado a responder as-sim, o trabalhador responde:

Aqui não, mas a gente sabe, né, das outras firmasem que a gente trabalhou. Todo mundo respondeisso. Mas eles, às vezes, não caem nessas, por-que eles perguntam: “Mas quem fez os outrosacabamentos dos banheiros?”. Eu falo que nãosei, mas o encarregado diz que foi um dos pe-dreiros fichados. Mas eles costumam multar as-sim mesmo. É por isso que eles assinam a suacarteira e põem você “a metro”. Isso não é certo.Todo mundo sabe que isso não é certo.

Esse relato demonstra, com eficácia, o queacontece com a maioria dos trabalhadores irre-gulares, no canteiro. Quando questionados pelafiscalização, respondem sempre algo semelhan-te, usando argumentos que possam minimizar aautuação da empresa. O trabalhador, então, aca-ba por proteger a empresa, negando informa-ções sobre a verdadeira situação de seu contratode trabalho, o que o coloca em um aparente pa-radoxo contra as leis que foram feitas paraprotegê-lo.

1 Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria daConstrução – Código de normas técnicas relativas à pre-venção de acidentes de trabalho. Quinto capítulo da CLT.

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Podemos pensar, hipoteticamente, em trêselementos para justificar essa atitude: i) os trabalha-dores de ofício, que possuem contratos informais,estão inseridos, há anos, em um mercado de traba-lho que estabeleceu a informalidade, o que faz comque eles não tenham alternativa. Dentro das possi-bilidades oferecidas pelo setor, o trabalho por pro-dutividade com um contrato informal é ainda a for-ma mais lucrativa, para eles; ii) em uma cidade pe-quena, em que os trabalhadores se conhecem e sãoconhecidos pelas construtoras, há um certo cons-trangimento, no momento de revelar à fiscalizaçãoos reais tipos de contrato. Há, ainda, o temor derecorrer ao Sindicato, pois, ao fazê-lo, os trabalha-dores ficariam “marcados” no mercado de trabalholocal, ou seja, não encontrariam nova colocação; iii)vive-se, nos canteiros, uma relação paternalista, quese estabelece entre os trabalhadores e o engenheiro,dono da construtora, visto como um “bom patrão”,por emprestar dinheiro, quando os funcionáriosprecisam desse tipo de ajuda, por permitir aos tra-balhadores saírem mais cedo, por algum motivo, epor “aceitar” o fato de alguns deles até morarem nocanteiro. Isso acaba por deixar os operárioscompromissados, vinculados pela amizade e pelacumplicidade sentidas em relação ao patrão e aosdemais encarregados. O que se percebe é que é pre-ciso que os trabalhadores compactuem com esseestado de coisas para se manterem na empresa, ga-rantindo-se, de algum modo, em um mercado detrabalho marcado pela incerteza.

FINALIZANDO

Este artigo pretendeu expor dados de pes-quisas de campo realizadas em canteiros de obras,no Brasil e na França. Os resultados parecem reve-lar, em alguns aspectos, situações, muito semelhan-tes, guardadas, obviamente, as especificidades quecaracterizam cada país. A precarização do trabalho,decorrente da clandestinidade das contratações, e ainformalidade parecem se consolidar como formasde regulação das relações trabalhistas, em um se-tor que sempre contou com um grande contingen-

te de mão de obra migrante, de baixa escolaridade,em ambos os países.

A diferença quanto à precarização dos tra-balhos, nos dois países, no âmbito da constru-ção civil, reside, essencialmente, na forma daspráticas ilegais. Como se pôde notar, na França,a precarização dos contratos se realiza, princi-palmente, pela intermediação das agências detemporários, através da utilização, em massa, dosimigrantes sem documentação legal. Apesar deassegurarem certos direitos trabalhistas, tais agên-cias produzem a instabilidade do trabalhador emrelação a seu ofício, pois garantem, para as em-presas utilizadoras, a possibilidade de se desven-cilharem do empregado a qualquer momento. Aprestação transnacional de serviços, que vem seconsolidando como uma estratégia para burlar alegislação francesa, nesse contexto, aponta paraesquemas bem organizados de fornecimentoclandestino de mão de obra.

O surgimento das agências de temporári-os, na França, no início dos anos 1970, foi umatentativa de o governo fornecer possibilidadesde contratos alternativos. Flexibilizando a legis-lação, tinha-se em vista, claramente, minimizara precariedade envolvida no trabalho informal.No entanto, ao menos no setor da construçãocivil, o efeito foi contrário. O que tentamos de-monstrar é que as agências possuem inúmeraspossibilidades de burlar a legislação, sobretudoatravés da reconfiguração dos contratos e da uti-lização maciça de imigrantes ilegais.

No caso brasileiro, a precarização se reali-za diretamente pelas construtoras, ou através dosagenciadores ilegais de pequeno porte, os deno-minados “gatos”. Esses últimos, em meio às cir-cunstâncias precárias do setor da construção ci-vil, conseguem viabilizar pequenos lucros, aorepassar serviços, por menores valores, a outrostrabalhadores.

O que se pode pensar, a partir da experi-ência francesa, é que os debates, no Brasil, sobrea desregulamentação dos mercados e aflexibilização das relações de trabalho, comopossíveis saídas para o desemprego e para o com-

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bate à informalidade, são questionáveis. Lembran-do que a utilização das agências de temporários foidesenvolvida, no seu início, como forma deminimizar a informalidade e combater o desem-prego, devemos reconhecer que elas servem, atu-almente, como uma forma de legalizar aprecarização, sobretudo, dos imigrantes clandesti-nos, para os quais os seus efeitos são ainda maisperversos.

Tanto no Brasil como na França, essaflexibilização das relações trabalhistas sempre foigrande. Também o empresariado, nos dois países,sempre dispôs de vantagens, tanto na contrataçãocomo na demissão de trabalhadores, sobretudo naspequenas empresas construtoras, que tendem autilizar meios informais de trabalho. Essa situaçãose reforça dentro de um quadro de competitividadecrescente, em que o cumprimento da legislaçãosurge como algo residual. Atualmente, em ambosos países e devido à fragilidade dos mecanismosde fiscalização, os empresários do setor, possueminúmeras estratégias para burlar a legislação, sejaela mais flexível, como no caso da França, sejamenos flexível, como no caso do Brasil.

Diferentemente do que ocorre na França, osetor da construção civil, no Brasil, ainda é muitoatrativo para os trabalhadores de origem rural,que migram para os grandes centros urbanos, ondeencontram, nas obras, seu primeiro emprego, exa-tamente como o fazem, na França, os imigrantes.É importante ressaltar que as grandes empresasbrasileiras estão envolvidas em um movimentode racionalização do processo produtivo, em umatentativa de reduzir as variabilidades típicas dostrabalhos nos canteiros. Os modelos de qualida-de, já muito comuns em outros setores industri-ais, têm contribuído não apenas para a ampliaçãodas exigências de qualidade, como também paracobrar dos trabalhadores um maior envolvimentocom as empresas. Com isso, tem-se percebido umaredução dos contratos informais praticados dire-tamente pelas grandes empresas. A essa reduçãocorresponde, entretanto, a transferência das ile-galidades para as empreiteiras terceirizadas, le-galmente registradas. Preserva-se, então, e de for-

ma crescente, a precarização dentro do que poderí-amos chamar de “novas institucionalidades” (Lima,2006) no mundo do trabalho, povoado, agora, pornovos personagens, como estagiários, cooperativas,pessoas jurídicas, misturados aos antigos trabalha-dores.

(Recebido para publicação em 06 de outubro de 2010)(Aceito em 27 de maio de 2011)

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SUBCONTRACTING AND INFORMALITY IN CIVILCONSTRUCTION, IN BRAZIL AND FRANCE

Luciano Rodrigues Costa

This paper presents a comparative analysis ofthe labor market of the construction industry in Braziland France, in a context of flexibility. This text, beingthe result of field research on construction sites in thesetwo countries, discusses specifics of the informal laborcontracts in the sector, which have produced a transferof illegalities from large to small businesses. In theFrench case, through temporary agencies. In Brazil,through small businesses underground, called “kittens.”The perception of workers against such illegalities andtheir strategies to stay on the market are emphasized.In the French case, the work of illegal or semi-legalimmigrants, made possible by temporary agencies. InBrazil, it is clear that the industry has always beenorganized based on informality and seeks, gradually,to retain workers, even though informal work remainspredominant.

KEYWORDS: informality, subcontracting, civilconstruction, labor, precariousness.

Luciano Rodrigues Costa - Doutor em Ciências Sociais, com Estágio Doutoral na Université de Toulouse leMirail UTM e na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Professor Substituto no Departamentode Ciências Sociais na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Participa do Acordo Capes-Cofecub (Brasil(USP) França UTM) “Trajetórias, circuitos e redes urbanas, nacionais e transnacionais e o seu impacto sobre aarquitetura institucional democrática”. Tem experiência na área de Sociologia do Trabalho, Teoria Sociológica,Sociologia das Organizações e Metodologia Científica. Publicou, entre outros textos, o artigo: O canteiro deobras é escola? Formação e qualificação profissional na Construção Civil. Teoria & Sociedade (UFMG) v. 17.2,p. 94-117, 2009.

SOUS-TRAITANCE ET INFORMALITÉ DANS LACONSTRUCTION CIVILE, AU BRÉSIL ET EN FRANCE

Luciano Rodrigues Costa

Cet article présente une analyse comparativedu marché du travail dans la Construction Civile auBrésil et en France, dans un contexte de flexibilité.Fruit des recherches de terrain effectuées sur deschantiers de construction dans ces deux pays, ce texteaborde les spécificités des contrats de travail informelsdans le secteur qui entrainent un transfert d’illégalitésdes grandes aux petites entreprises. Dans le casfrançais, ceci se fait par le biais des agences d’intérim,au Brésil, par le biais des petites entreprisesclandestines, appelées “gatas”. On y souligne laperception de ces illégalités par les travailleurs et lesstratégies utilisées pour rester sur le marché. Dans lecas français, l’accent est mis sur le travail des immigrésclandestins ou porteurs de titres de séjour précaires,rendus possibles par les agences de travail intérimaire.Au Brésil on peut se rendre compte que le secteur atoujours été organisé sur la base de l’informel maischerche progressivement à fidéliser les ouvriers, mêmesi le travail informel reste prédominant.

MOTS-CLÉS: informalité, sous-traitance, constructioncivile, travail, précarité.