streptococcus bovis streptococcus ”: uma avaliação...
TRANSCRIPT
-
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Complexo Streptococcus bovis / Streptococcus
equinus: Uma Avaliao Fenotpica e Genotpica
de Carter Taxonmico e Epidemiolgico
FELIPE PIEDADE GONALVES NEVES
Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Ges
Rio de Janeiro
2008
-
Livros Grtis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grtis para download.
-
ii
Complexo Streptococcus bovis / Streptococcus
equinus: Uma Avaliao Fenotpica e Genotpica
de Carter Taxonmico e Epidemiolgico
FELIPE PIEDADE GONALVES NEVES
Rio de Janeiro
2008
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Cincias
Biologicas (Microbiologia), Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Ges
(IMPPG), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos
requisitos necessarios obteno do ttulo de Doutor em Cincias
(Microbiologia).
Orientador: Profa. Dra. Lcia Martins Teixeira
-
iii
Complexo Streptococcus bovis / Streptococcus
equinus: Uma Avaliao Fenotpica e Genotpica
de Carter Taxonmico e Epidemiolgico
Autor: Felipe Piedade Gonalves Neves
Orientador: Lcia Martins Teixeira
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Cincias Biologicas
(Microbiologia), Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Ges (IMPPG), da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessarios obteno do ttulo de Doutor em
Cincias (Microbiologia).
Aprovada por:
_______________________________________
Presidente, Profa. Lcia Martins Teixeira
_____________________________________
Profa. Beatriz Meurer Moreira
_____________________________________
Profa. Vnia Lucia Carreira Merquior _____________________________________
Profa. Maria Cristina Plotkowski
_____________________________________
Profa. Regina Maria Cavalcanti Pilotto Domingues (Revisora)
Rio de Janeiro
Fevereiro 2008
-
iv
FICHA CATALOGRFICA
Neves, Felipe Piedade Gonalves
Complexo Streptococcus bovis / Streptococcus equinus: Uma Avaliao Fenotpica e
Genotpica de Carter Taxonmico e Epidemiolgico / Felipe Piedade Gonalves Neves. - Rio
de Janeiro: UFRJ/ IMPPG, 2008.
xvi, 158 f.: il.; 31 cm.
Orientador: Lcia Martins Teixeira
Tese (doutorado) UFRJ/ Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Ges/ Programa de Ps-
graduao em Cincias Biologicas (Microbiologia), 2008
Referncias Bibliogrficas: f. 134 - 158
1. Complexo Streptococcus bovis / Streptococcus equinus. 2. Caracterizao fenotpica. 3.
Caracterizao genotpica. 4. Susceptibilidade a antimicrobianos. 5. Taxonomia. 6. Epidemiologia
molecular. I. Teixeira, Lcia Martins. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de
Microbiologia Prof. Paulo de Ges, Programa de Ps-graduao em Cincias Biologicas
(Microbiologia). III. Ttulo
-
v
O presente trabalho foi realizado no Laboratrio de Apoio Biotecnolgico do
Departamento de Microbiologia Mdica, Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de
Ges (IMPPG), Centro de Cincias da Sade (CCS), Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), sob a orientao da Profa. Dra. Lcia Martins Teixeira
-
vi
"Todos me dizem que o meu sucesso certo
afinal e que s devo preservar. Mas, apesar de
no saber como isso vai acontecer, fao tudo
quanto posso para acreditar nisso e no deixarei
de fazer o que de mim depender."
Bicketech
-
vii
Agradecimentos
Ao final de mais uma importante etapa em minha vida, reservo este espao para
agradecer a todos que fizeram parte, direta ou indiretamente, dessa longa caminhada e,
assim, contriburam para a realizao desse trabalho e tambm para a minha realizao
pessoal e profissional.
Primeiramente, a Deus, presena constante em minha vida e que, com certeza, me
ajudou a enfrentar todos os obstculos. S tenho a agradecer por tudo.
A minha me-guerreira, Celeste, mulher batalhadora e dedicada, que, sozinha,
enfrentou muitas barreiras e venceu. Conseguiu criar seus filhos com toda a dignidade,
formando-os para a vida. Voc merece uma esttua. Perdoe-me pelos momentos de
impacincia.
Ao meu irmo, Rafael, companheiro e amigo. Dividimos tantas coisas: segredos,
alegrias... E agora mais uma, sua filhinha Gioavana. Minha afilhada est chegando! Vou
ser um tio-padrinho coruja.
A minha namorada, Tatiana, companheira leal, pelo carinho, dedicao e
incentivo. Obrigado por voc existir e por ser essa pessoa to especial. O futuro nos reseva
uma surpresa muito boa. Te amo muito, demais, praca e ziriziguizum!
Aos meus avs maternos, Mrio e Da, que se foram durante meu Mestrado e
Doutorado. Dei-lhes o orgulho de me ver formado na faculdade e continuarei me
esforando para que sempre se sintam orgulhosos de mim. Sei que, de onde esto, sempre
olharo por mim. Saudades!
A Profa. Lcia Martins Teixeira, exemplo de profissionalismo e competncia, cuja
experincia e sabedoria me fizeram crescer pessoal e profissionalmente. Tenho certeza de
que fiz a escolha certa ao optar por seu laboratrio. Obrigado por todos os ensinamentos,
pela oportunidade e confiana.
A Profa. Vnia Lcia Carreira Merquior, amiga e orientadora, no s no
trabalho, mas tambm na vida. Contigo aprendi e continuo aprendendo muito. Ter a
oportunidade de compartilhar sua companhia como colega de laboratrio, como nos
-
viii
dois ltimos anos, foi uma experincia nica e com a qual tirei vrias lies. Te admiro
muito!
A Giseli da Silva da Costa, por todo o excelente trabalho desenvolvido em conjunto
e sem a qual essa dissertao jamais teria sido concluda. No sei o porqu, mas essa
menina morre de medo de mim. Ser que sou muito mau? Enfim, te agradeo por toda a
colaborao e amizade durante essa longa caminhada, no at Miguel Couto (que tambm
longe), mas sim o Doutorado. (risos)
Ao meu grande amigo Rafael Silva Duarte, um ser humano de enorme corao e
inteligncia. Foi a primeira pessoa que eu conheci quando cheguei no laboratrio em
2003, quando ainda fazia Mestrado pela UERJ. Ensinou-me muita coisa, desde tcnicas
laboratoriais a lies de vida. Obrigado por toda a confiana, respeito e carinho em mim
depositados.
A minha grande amiga Rachel Leite Ribeiro, que, desde os tempos da Graduao
em Cincias Biolgicas na UERJ, l em 1999, me acolheu como um irmo caula. Gosto
muito de ti e toro por voc sempre. Deus, com certeza, te reserva um futuro brilhante, pois
voc merece. No desista nunca.
A Camille Moura, menina divertidssima, com um bom humor mpar (s podia ser
geminiana tambm). Perco a conta de quantos momentos engraados passamos durante
esse perodo. Momentos que, com certeza, tornaram mais agradvel essa etapa da minha
vida. Valeu filhote, fica de bigode no, hein! (risos)
Ao Felipe Cruz, que chegou ao laboratrio no ltimo ano do meu Doutorado, mas
com quem logo fiz amizade. Obrigado por sempre rir das minhas piadas, que muitos
consideram sem-graa, mas na verdade s os inteligentes conseguem perceber a
sagacidade delas.
A Fabola Kegele, que entrou no laboratrio praticamente junto comigo.
Competente e dedicada, sempre vai em busca do que quer. Ela s tem um probleminha com
os seus pneumococos: eles no gostam de amplificar essas tais de pbps. , Cus! ,
Vida! (risos) Sucesso sempre.
A Jaqueline Martins e Filomena Rocha, pessoas importantssimas no laboratrio,
sem as quais o mesmo no anda. Obrigado por toda a ateno e presteza sempre que
precisei.
-
ix
Aos antigos e novos integrantes do Laboratrio de Apoio Biotecnolgico (IMPPG),
Bruna Bellei, Carlos Zarden, Tatiana Abreu, Gabriela Reis, Eduardo Costa, Clarissa
Christiano, Juliana Caiero, Ccero Dias, Rosana Barros, Silvia Mondino e Suely
Fracalanzza, pela convivncia sempre agradvel. Boa sorte em tudo o que almejarem.
Estarei torcendo sempre para todos vocs.
Aos meus grandes amigos Gustavo Zoletti e Marcos Dornelas, por todos os
momentos compartilhados durante esses quatro anos. Nos divertimos muito nesse tempo,
principalmente nos churrascos e seminrios. Quanta enrolao! (risos) Obrigado por toda
amizade e companheirismo gratuitos.
s amigas Karla Rodrigues, Luiza Lessa, Natalia Iorio e Roberta Caboclo por
todos os momentos vividos. Cada uma de vocs foi e continua sendo muito importante em
uma parte dessa minha trajetria. Obrigado tambm, e muito, pelas cervejas no bloco A s
sextas-feiras, afinal ningum de ferro, n?
s amigas e professoras Regina Domingues e Ktia Santos, por todo o carinho,
apoio e incentivo. Nunca esquecerei a considerao que vocs tm por mim.
A toda equipe do Streptococcus Laboratoty do CDC (Atlanta, EUA), principalmente
Arnold Steigerwalt, Bernard Beall, Glria Carvalho, Patricia Shewmaker, Richard
Facklam e Roger Morey..
Ao Prof. Jos Mauro Peralta, chefe do Laboratrio de Sorologia, por toda
considerao e respeito.
Aos amigos do Laboratrio de Sorologia do IMPPG, Carlos Ausberto, Regina
Peralta, Margareth, Mauro, Ronald, Nathlia, Adriana, Laura, Diva, Jorge, Maria Jos,
Helena e Tiana, pela ajuda sempre presente e os inmeros momentos de boas conversas.
Aos amigos dos diversos laboratrios, bibliotecas e secretarias do IMPPG, por
todo apoio, alegrias, sorrisos e carinho, principalmente Dalziza, Lo e Ricardo.
A todos os professores e funcionrios do IMPPG, pela ateno que me foi
concedida sempre que precisei.
A todos os professores e funcionrios da Disciplina de Microbiologia e Imunologia
da FCM/UERJ, por todo o carinho que sempre demonstaram por mim. Serei sempre grato
a esta instituio, pois foi ali onde tudo comeou.
-
x
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), a
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), a Finaciadora
de Estudos e Projetos (FINEP), a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel
Superior (CAPES) e ao Ministrio da Cincia e Tecnologia (MCT/Pronex), por todo o
suporte financeiro para a execuo do projeto.
-
xi
RReessuummoo
Complexo Streptococcus bovis / Streptococcus equinus: Uma Avaliao Fenotpica e Genotpica de Carter Taxonmico e Epidemiolgico
Autor: Felipe Piedade Gonalves Neves Orientador: Lcia Martins Teixeira
Resumo da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Cincias Biolgicas (Microbiologia), Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Ges (IMPPG), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Doutor em Cincias (Microbiologia).
O complexo Streptococcus bovis / Streptococcus equinus, freqentemente referido como estreptococos do grupo D, composto por espcies altamente relacionadas, cuja diferenciao difcil utilizando os mtodos convencionais de identificao. Nos ltimos anos, o interesse por esses microrganismos foi renovado, sobretudo por seu envolvimento em vrias infeces humanas, principalmente endocardite e pelas evidncias de sua associao com bacteremias e a ocorrncia de cncer de clon. Apesar das importantes contribuies de estudos recentes, a posio taxonmica precisa de algumas das espcies continua controversa. Por outro lado, variaes nas metodologias e nos critrios usados por diferentes autores dificultam a comparao dos dados existentes na literatura. Considerando a necessidade do desenvolvimento e/ou aplicao sistemtica de metodologias que permitam a discriminao e identificao precisa das diferentes espcies deste complexo, e dando continuidade a um estudo taxonmico iniciado por nosso grupo, o presente trabalho teve como objetivo caracterizar fenotpica e genotipicamente uma coleo de 213 amostras isoladas de diferentes fontes clnicas, as quais haviam sido presuntivamente identificadas como pertencentes ou relacionadas a este complexo. Uma coleo de 23 amostras de referncia foi tambm includa. Das 213 amostras clnicas, 134 foram confirmadas como membros do complexo, com base nos resultados de testes fisiolgicos e de anlise dos perfis de protenas totais obtidos por eletroforese em gel de poliacrilamida em presena de dodecil sulfato de sdio. Sua identificao ficou assim distribuida: S. gallolyticus subsp. gallolyticus (55 amostras), S. gallolyticus subsp. pasteurianus (52 amostras) e S. infantarius subsp. coli (27 amostras). Tais amostras foram submetidas a testes de susceptibilidade a antimicrobianos, atravs da tcnica de disco-difuso e, quando resistentes, a testes para determinao dos respectivos genes de resistncia, atravs de reaes em cadeia da polimerase. Todas as 134 amostras clnicas foram sensveis a penicilina, a vancomicina e a nveis elevados de gentamicina. As taxas mais elevadas de resistncia foram observadas para canamicina (91,8%), tetraciclina (68,7%) e eritromicina (20,1%). O fentipo HLSR (High-Level Streptomycin Resistance) foi observado em 4,5% (6/134) das amostras. Destas, 3 apresentaram o gene ant(6)-I. Com relao aos fentipos de resistncia a
-
xii
eritromicina, a nica amostra com resistncia intermediria a este antimicrobiano apresentou o fentipo M e carreava o gene mef(A). Das 28 amostras resistentes a eritromicina, 18 apresentaram o fentipo iMLSB e, dessas, 14 eram portadoras dos genes erm(A) e/ou erm(B). O fentipo cMLSB foi observado em 10 amostras e todas apresentaram o gene erm(B). Dos determinantes de resistncia a tetraciclina pesquisados, o gene tet(M) foi o prevalente, sendo encontrado em 79,4% (73/92) das amostras resistentes a tetraciclina, seja isoladamente ou associado ao gene tet(L) ou ao gene tet(O). A anlise dos perfis de restrio do gene que codifica o rRNA 16S, utilizando as enzimas AflIII e HaeIII separadamente, mostrou-se menos discriminatria quando comparada a anlise dos perfis de protenas, j que, embora tenha permitido diferenciar as espcies S. equinus e S. infantarius, as amostras de S. gallolyticus e S. alactolyticus apresentaram perfis idnticos. A tcnica de PFGE, alm de servir como um instrumento de diferenciao intra-especfica (tipagem), tambm mostrou ser uma alternativa interessante para a diferenciao das espcies e, em alguns casos, das subespcies. Nossos resultados contriburam para a elaborao de um esquema de caracterizao fenotpica bastante til para a identificao das espcies e subespcies deste complexo. Palavras-chave: complexo Streptococcus bovis / Streptococcus equinus, caracterizao fenotpica, caracterizao genotpica, susceptibilidade a antimicrobianos, taxonomia, epidemiologia molecular.
Rio de Janeiro
Fevereiro 2008
-
xiii
AAbbssttrraacctt
Streptococcus bovis / Streptococcus equinus Complex: A Taxonomic and Epidemiological Approach based on Phenotypic and Genotypic
Characterizations Author: Felipe Piedade Gonalves Neves Advisor: Lcia Martins Teixeira
Abstract of the Dissertation presented to the Programa de Ps-graduao
em Cincias Biolgicas (Microbiologia), Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Ges (IMPPG), Univesidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as part of the requirements to receive the degree of Doctor in Sciences (Microbiology).
The Streptococcus bovis / Streptococcus equinus complex, often referred as group D streptococci, is composed by highly related species that are normal inhabitants of human and animals intestinal tract. An increasing interest in the precise identification of these microorganisms was generated by their involvement in serious infections in humans, mainly endocarditis, and the finding of a strong association between bacteremia and the occurrence of colon cancer. In recent years, considerable progress has been achieved in the characterization and delineation of the taxonomic status of this complex of microorganisms. However, the differentiation of some of the species remains problematic because of the overlap of phenotypic and even molecular characteristics, and some controversies have arisen by the use of different methodologies and by the proposal of new species and/or subspecies. Considering the need of the development and/or plenty application of methods to assist in their accurate identification and differentiation, and continuing a taxonomic study initiated by our group, an array of phenotypic and genotypic techniques was performed to characterize 23 reference strains as well as a collection of 213 clinical isolates, mostly recovered from blood, obtained between 1970 and 2006, which had been presumptively identified as belonging or related to this complex. Based on whole-cell protein profiles analysis, in conjunction with the physiological characterization, 134 of the 213 clinical isolates were confirmed as members of this complex: S. gallolyticus subsp. gallolyticus (n=55), S. gallolyticus subsp. pasteurianus (n=52) and S. infantarius subsp. coli (n=27). The highest resistance rates among all clinical isolates tested were found to kanamycin (91.8%), tetracycline (68.7%) and erythromycin (20.1%). The only isolate that showed intermediate resistance to erythromycin carried the mef(A) gene and displayed the M phenotype. Of the 28 erythromycin resistant isolates, 18 presented the iMLSB phenotype and 14 of them carried the erm(A) and/or erm(B) genes. The cMLSB phenotype was detected in ten isolates and all of them had the erm(B) gene. Among the 92 tetracycline resistant isolates, the tet(M) gene was the prevalent (79.4%), found exclusively or associated with the tet(L) or tet(O) genes. Six isolates exhibited high-level resistance to streptomycin and three of them carried the ant(6)-I gene. 16S rRNA gene restriction analysis, using AflIII and
-
xiv
HaeIII enzymes separately, showed to be less discriminatory than WCPP analysis. By using this technique, S. equinus and S. infantarius species could be differentiated from S. gallolyticus and S. alactolyticus after digestion with HaeIII. AflIII restriction allowed further differentiation between S. infantarius and S. equinus strains and even the delineation of S. infantarius subspecies. However, patterns obtained for S. gallolyticus and S. alactolyticus isolates were identical. PFGE analysis was shown to be an interesting alternative for the discrimination of these species and, in some cases, subspecies. Our results contributed for the elaboration of a phenotypic characterization scheme that may be useful for the identification of the members of this complex. Key words: Streptococcus bovis / Streptococcus equinus complex, phenotypic characterization, genotypic characterization, taxonomy, antimicrobial susceptibility, molecular epidemiology.
Rio de Janeiro
February 2008
-
xv
SSuummrriioo
Pgina
RESUMO xi
ABSTRACT xiii
INTRODUO 1
OBJETIVOS 38
MATERIAIS E MTODOS
1. Amostras Bacterianas
2. Caracterizao Fisiolgica das Amostras Bacterianas
2.1. Colorao pelo Mtodo de Gram
2.2. Produo da Enzima Catalase
2.3. Observao do Tipo de Hemlise
2.4. Hidrlise da Esculina em Presena de Bile (BE)
2.5. Crescimento na Presena de 6,5% de Cloreto de Sdio (NaCl)
2.6. Hidrlise de L-leucina--naftilamida (LAP) e de L-pirrolidonil--naftilamida (PYR)
2.7. Hidrlise do Amido
2.8. Produo de cidos a partir de Glicognio, Inulina, Lactose, Manitol, Melibiose,
Metil--D-glicopiranosdeo, Metil--D-glicopiranosdeo, Rafinose e Trealose
3. Caracterizao Fisiolgica Atravs do Sistema Comercial Miniaturizado API 20 Strep
4. Testes de Susceptibilidade aos Antimicrobianos
4.1. Tcnica de Disco-Dufuso
4.2. Determinao de Fentipos de Resistncia a Eritromicina
5. Anlise dos Perfis de Protenas Totais
5.1. Preparao de Extratos contendo Protenas Celulares Totais
5.2. SDS-PAGE
6. Anlise atravs de Seqenciamento do Gene que Codifica o rRNA 16S (Gene rrs)
7. Anlise dos Perfis de Fragmentao dos Produtos de Amplificao do Gene rrs
7.1. Extrao do DNA
7.2. Amplificao do Gene rrs
7.3. Digesto dos Produtos de Amplificao com Endonucleases de Restrio
7.4. Eletroforese e Anlise dos Produtos Amplificados
8. Deteco atravs de Tcnicas de PCR de Genes Envolvidos na Expresso de
Resistncia a Eritromicina, Tetraciclina e Nveis Elevados de Estreptomicina
8.1. Deteco de Genes de Resistncia a Eritromicina
8.1.1. Extrao do DNA
40
40
41
41
42
42
43
43
43
44
44
45
45
45
46
47
47
48
49
51
51
51
52
53
54
54
54
-
xvi
8.1.2. PCR
8.2. Deteco de Genes de Resistncia a Tetraciclina
8.2.1. Extrao do DNA
8.2.2. PCR Multiplex
8.3. Deteco do Gene Envolvido na Expresso de Resistncia a Nveis Elevados de
Estreptomicina
8.4. Eletroforese e Anlise dos Produtos Amplificados
9. Anlise dos Perfis de Fragmentao do DNA Cromossmico por PFGE
54
55
55
55
56
57
57
RESULTADOS 60
DISCUSSO 103
CONCLUSES 132
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 134
-
1
IInnttrroodduuoo
Os microrganismos do gnero Streptococcus so cocos Gram-positivos
arranjados em cadeias ou aos pares. Uma caracterstica peculiar deste grupo
no produzir a enzima catalase. Os membros deste gnero so exigentes em
termos nutricionais, necessitando de meios complexos, contendo soro ou sangue,
para o seu crescimento. Embora os Streptococcus cresam na presena de
oxignio, eles so incapazes de sintetizar o composto heme e, por isso, no
possuem metabolismo respiratrio, sendo anaerbios facultativos, ainda que a
necessidade de CO2 durante o perodo de crescimento seja varivel entre as
diferentes espcies. Glicose e outros carboidratos so metabolizados por
fermentao, sendo o cido ltico o principal produto final deste metabolismo
(RUOFF, WHILEY & BEIGHTON, 1999).
A composio da parede celular dos estreptococos similar de outras
bactrias Gram-positivas, sendo formada primariamente de peptideoglicano, no
qual esto inseridos diversos carboidratos, cido teicico, lipoprotenas e
protenas antignicas de superfcie (KILIAN et al., 2005).
A identificao deste gnero relativamente complexa, levando a utilizao
de diversos esquemas fenotpicos, dentre os quais se destacam: padres
hemolticos em meios de gar-sangue de carneiro (permitindo a classificao em
-
2
, ou no-hemolticos), caractersticas de patogenicidade, grupagem sorolgica
baseada nas diferenas antignicas do carboidrato C (classificao de Lancefield,
1933) e caractersticas bioqumicas (LARSEN,1995).
Atualmente, embora esses esquemas ainda sejam de grande utilidade, a
introduo e ampla aplicao de mtodos moleculares tm trazido importantes
contribuies para a identificao e caracterizao precisa desses
microrganismos. Entre os membros do gnero Streptococcus cuja taxonomia e
mtodos de caracterizao tiveram avanos significativos, oriundos da aplicao
de mtodos moleculares, esto aqueles anteriormente denominados de
estreptococos do grupo D.
Os estreptococos possuidores do antgeno do grupo D eram, antigamente,
divididos em duas categorias: os enterococos e os no-enterococos. A partir de
meados da dcada de 1980, a taxonomia desse gnero sofreu modificaes
significativas (KILIAN et al., 2005). Com a alocao dos enterococos em um novo
gnero (Enterococcus), os estreptococos do grupo D ficaram representados, em
termos de importncia mdica, pela espcie Streptococcus bovis. Uma vez que
esses microrganismos tambm so positivos para o teste da hidrlise da esculina
em presena de 40% de bile, a sua diferenciao daqueles pertencentes ao
gnero Enterococcus se baseia em provas bioqumicas, tais como o crescimento
na presena de 6,5% de cloreto de sdio (NaCl) e a hidrlise do L-pirrolidonil--
naftilamida (teste do PYR), para os quais so negativos. Outra caracterstica
diferencial a sua maior susceptibilidade aos antimicrobianos, pois, em geral, os
-
3
enterococos so mais resistentes penicilina, a cefalosporinas e aos
aminoglicosdeos. semelhana dos enterococos, esses microrganismos so
encontrados normalmente no trato gastrintestinal em 5-16% da populao normal,
sendo este a sua principal porta de entrada para bacteremias e endocardites,
embora tambm haja suspeitas da participao do trato urinrio, da rvore
hepatobiliar ou da orofaringe atuando como origem para estas infeces
(SIEGMAN-IGRA & SCHWARTZ, 2003; SINAVE, 2007).
Uma particularidade interessante dos S. bovis sua tendncia de se
encontrar associado ao cncer de clon, embora no haja evidncia de qualquer
relao etiopatognica. Devido a esta associao, recomendvel pesquisar-se
este tipo de cncer em pacientes com bacteremia causada por esses
microrganismos (SINAVE, 2007). Acredita-se que essa associao seja resultado
de dois fatores: (i) mudanas na microbiota do clon em pacientes com carcinoma
de clon, uma vez que Klein et al. (1977) observaram um aumento na taxa de
colonizao por S. bovis (56%) nesses pacientes; e (ii) o fato de que esta bactria
possa ter uma propenso especfica tanto para invadir a mucosa intestinal quanto
para desenvolver bacteremia e endocardite. Contudo, os fatores que promovem o
aumento da colonizao, o acesso circulao sistmica e o alojamento em
vlvulas cardacas ainda permanecem por ser elucidados.
Em termos de patognese, como os S. bovis fazem parte da microbiota
intestinal, no por acaso que uma proporo razovel de pacientes com
bacteremias por esses microrganismos apresenta concomitantemente leses no
-
4
trato gastrintestinal (ALAZMI et al., 2006). Baseado nesse conceito, Klein et al.
(1977) descreveram os primeiros casos de endocardite por S. bovis associados
com carcinoma de clon. Desde ento, vrios relatos vm sendo descritos,
corroborando essa associao (STEINBERG & NAGGAR, 1977; CROWLEY,
AHOLA & BEHAR, 1978; LEVY, VON REYN & ARBEIT, 1978; SALTZMAN,
BRAND & MCKINLEY, 1981; ZARKIN et al., 1990; BALLET et al., 1995; GOLD,
BAVAR & SALEM, 2004).
No est claro se o S. bovis tem um papel etiolgico no carcinoma de clon
ou se meramente um marcador para a doena. Alguns pesquisadores sugerem
que o aumento da colonizao por essa bactria no trato gastrintestinal pode ser
responsvel por essas leses. Antgenos extrados da parede celular dessa
bactria foram capazes de estimular a produo de citocinas inflamatrias e
promover leses pr-malignas em modelos animais (ELLMERICH et al., 2000;
BIARC et al., 2004). Os S. bovis so capazes de causar inflamao crnica no
clon e, de um modo geral, doenas inflamatrias crnicas esto associadas a
leses malignas, como esofagite de Barrett, gastrite crnica secundria a infeco
por Helicobacter pilori levando ao carcinoma gstrico, doena inflamatria do
intestino no carcinoma de clon e hepatite B ou C crnica causando hepatoma
(KOK et al., 2007).
Em 1993, Darjee & Gibb documentaram que no havia distino entre
pacientes com cncer de clon e indivduos saudveis utilizando a tcnica de
immunoblotting para a deteco do ttulo de anticorpos contra S. bovis.
-
5
Por outro lado, outros estudos demonstraram resultados contraditrios.
Atravs de ensaios de espectrometria de massa por imunocaptura, utilizando
anticorpos do soro de pacientes com cncer de clon, Tjalsma et al. (2006)
analisaram 20 indivduos e conseguiram detectar antgenos de S. bovis em 11 de
12 pacientes com cncer de clon, sendo que nos oito pacientes-controle no
foram detectados antgenos de S. bovis. Alm disso, antgenos de Escherichia
coli, oriundas do trato gastrintestinal, no reagiram com os soros obtidos dos
pacientes com cncer de clon. Em adio, antgenos de S. bovis tambm foram
detectados em pacientes com plipos, indicando que a infeco por essa bactria
ocorre precocemente durante a carcinognese. Um desses antgenos detectados
foi identificado como uma protena de superfcie de ligao a heparina, que pode
estar envolvida na ligao s clulas tumorais. Segundo esses pesquisadores,
esses achados, em conjunto, reforam a hiptese de que leses no clon
fornecem um nicho especfico para S. bovis, resultando em infeces silenciosas
associadas ao tumor. Estas infeces, contudo, s se tornam aparentes em
pacientes com um sistema imune comprometido, levando bacteremia, ou com
leses nas vlvulas cardacas, causando endocardite (TJALSMA et al.,2006).
Na medida em que houve uma maior interesse acerca dos S. bovis,
principalmente devido a sua forte associao com bacteremia e a ocorrncia de
cncer de clon, e com o advento de tcnicas moleculares a partir de meados da
dcada de 1980, novas metodologias foram introduzidas para o estudo desses
microrganismos, constatando-se a complexidade dessa espcie e a necessidade
de esclarecimento de questes taxonmicas, o que tem gerado a descrio de
-
6
vrias espcies novas que comporiam um complexo de espcies bastante
relacionadas, que tem sido freqentemente referido como grupo ou complexo
Streptococcus bovis / Streptococcus equinus.
Este grupo de estreptococos apresenta as seguintes caractersticas em
comum: cocos Gram-positivos, que se apresentam como clulas esfricas ou
ovides arranjadas aos pares ou em cadeias curtas, catalase-negativos, imveis,
no-esporulados, no-pigmentados, anaerbios facultativos; so alfa ou no-
hemolticos e no crescem em caldo contendo 6,5% de NaCl; no hidrolisam a
arginina e o hipurato de sdio; no produzem fosfatase alcalina e PYRase;
produzem LAPase e acetona; apresentam colnias circulares, lisas e inteiras
quando crescidos em meio gar-sangue ou gar nutriente; crescem em caldo
Man, Rogosa, Sharpe (M.R.S.) sem produo de gs; crescem a 45C mas no a
50C; e a maioria hidrolisa a esculina e cresce na presena de 40% de bile
(SINAVE, 2007).
A seguir so apresentados alguns aspectos de espcies descritas, at o
momento, como pertencentes ou relacionadas ao complexo S. bovis / S.
equinus:
Streptococcus equinus______________________________________________
Streptococcus equinus (equinus, latim, eqinos = cavalo). Esta espcie foi
descrita em 1906 por Andrewes & Horder (apud HODGE & SHERMAN, 1937)
-
7
como sendo um microrganismo que no possua propriedades patognicas, no-
hemoltico, que apresentava a forma de cocos Gram-positivos arranjados em
cadeias curtas, isolado originalmente de intestino e estrume de cavalos.
Caractersticas adicionais compreendem a fermentao da sacarose, salicilina e
coniferina e a no fermentao de lactose, manitol e, geralmente, de rafinose e
inulina, embora algumas amostras variantes utilizem esses acares. Estes
microrganismos apresentam ainda uma temperatura mnima de crescimento
relativamente alta (25C), sendo evidenciado pouco ou nenhum crescimento em
culturas a 20C.
Hodge & Sherman (1937) demonstraram que o S. equinus no hidrolisava o
amido, sendo este teste considerado importante, visto que em muitos aspectos o
S. equinus parecia ser relacionado a espcie S. bovis, que hidrolisava amido
ativamente. Em 1962, Dunican & Seeley determinaram que o S. equinus era
capaz de hidrolisar o meio de amido se este possusse um carboidrato facilmente
fermentvel como a glicose, por exemplo, e que no estivesse em uma atmosfera
com 5% de CO2 e 95% de N2.
Streptococcus bovis________________________________________________
Streptococcus bovis (bovis, latim, bovinos). Esta espcie foi descrita por
Orla-Jensen em 1919, que a isolou de fezes bovinas. Amostras de S. bovis so
caracterizadas pelo crescimento em temperaturas que variam de 22C a 45C,
pela capacidade de formao de cpsulas e hidrlise do amido. A fermentao de
-
8
inulina e rafinose varivel, enquanto manitol ou outros lcoois no so
fermentados. Estes microrganismos tambm so capazes de fermentar a
arabinose (apud KIEL & SKADHAUGE, 1973).
Nesse mesmo ano (1919), Orla-Jensen isolou outro grupo de
estreptococos, semelhante ao S. bovis, encontrados no leite e em fezes bovinas,
sendo proposto o nome Streptococcus inulinaceus, pela capacidade de fermentar
a inulina mais intensamente que o S. bovis, mas no hidrolisar o amido com a
mesma intensidade. Tais amostras diferiam do S. bovis por no formar cpsulas e
por ter uma variao de temperatura de crescimento menor. Alm disso, a
fermentao do manitol foi uma caracterstica encontrada no S. inulinaceus,
enquanto que a arabinose no era fermentada (apud KIEL & SKADHAUGE, 1973).
Sherman (1937), aparentemente negligenciando a importncia dada por
Orla-Jensen para a capacidade de S. bovis formar cpsulas e incapacidade de
fermentar o manitol, concluiu que essas diferenas no justificavam a
considerao de S. inulinaceus como uma espcie distinta, propondo que deveria
ser considerado como uma variante do S. bovis. Num artigo seguinte, Sherman
(1938) relatou que uma proporo substancial de amostras de S. bovis fermentava
manitol. Este ponto de vista tem sido geralmente aceito a partir de ento (apud
KIEL & SKADHAUGE, 1973).
Em 1937, Sherman publicou o seu esquema de classificao que separava
o gnero Streptococcus em quatro grupos (piognicos, lticos, enterococos e
-
9
viridans). A diviso dos enterococos de Sherman exclua o S. bovis e o S.
equinus, pois estes microrganismos no cresciam a 10C e nem em meio
contendo 6,5% de cloreto de sdio, sendo por estes motivos agrupados na diviso
viridans.
Em 1964, Deibel descreveu em seu trabalho de reviso sobre os
estreptococos do grupo D que, sorologicamente, os estreptococos pertencentes a
diviso dos enterococos de Sherman possuam o antgeno do grupo D de
Lancefield. Os estreptococos do grupo D foram reconhecidos, desde ento, como
S. bovis, S. equinus e a diviso denominada, por Sherman, de enterococos, que
consistia de S. faecalis, S. faecium e sua variante durans.
Facklam (1972) descreveu que os microrganismos S. bovis, S. bovis
variante e S. equinus eram reconhecidos por no crescerem em caldo
Streptococcus faecalis (SF), nem temperatura de 10C e nem em caldo
contendo NaCl a 6,5%. A hidrlise do amido e a formao de polissacardeos
mucides em gar ou caldo contendo 5% de sacarose eram as caractersticas
singulares de S. bovis entre as amostras do grupo D. Facklam verificou que as
amostras de S. bovis variante no hidrolisavam o amido, nem formavam muco em
gar ou caldo contendo 5% de sacarose ou produziam cidos a partir do manitol.
Tais amostras cresciam em leite litmus ou formavam cidos a partir da lactose,
diferindo, portanto, de S. equinus. Facklam hesitou em designar o biotipo S. bovis
variante do grupo D como uma nova espcie devido ao nmero limitado de
amostras reportadas e limitao do espectro de testes. Ficou desde ento
-
10
definido que amostras tpicas de S. bovis, encontradas em seres humanos, seriam
pertencentes ao biotipo I, enquanto que as amostras de S. bovis variante
comporiam o biotipo II (FACKLAM, 1972).
Portanto, levando-se em considerao inicial a fermentao do manitol, foi
desenvolvida a caracterizao fenotpica de amostras de S. bovis em dois
biotipos: o biotipo I, que compreende amostras manitol positivas e o biotipo II,
compreendendo amostras manitol negativas. O biotipo II pode ainda ser dividido
em dois subtipos, baseado em caractersticas fenotpicas determinadas pelo
sistema Rapid Strep. O biotipo II.1 composto por amostras que fermentam
amido, melibiose e glicognio, mas no trealose, e que no produzem -
glicuronidase e -galactosidase (GARVIE & BRAMLEY, 1978; COYKENDALL &
GUSTAFSON, 1985). As amostras do biotipo II.2 fermentam trealose, mas no
amido e glicognio e produzem -glicuronidase e -galactosidase (COYKENDALL
& GUSTAFSON, 1985; KNIGHT & SHLAES, 1985). Esta terminologia foi, at
algum tempo atrs, comumente usada para a identificao de amostras de origem
clnica (RUOFF et al., 1989).
Com base em resultados de estudos de hibridizao DNA-DNA, Farrow et
al. (1984) propuseram uma classificao em seis grupos genmicos, a maioria dos
quais englobaria amostras do complexo S. bovis / S. equinus e outras espcies
relacionadas. Esses autores concluram que o S. equinus e o S. bovis so
sinnimos por apresentarem grau de homologia de DNA-DNA acima de 70% e os
enquadraram no grupo de homologia 1. O epteto S. equinus deveria ter prioridade
-
11
de uso sobre a denominao S. bovis, mas raramente usado em bacteriologia
clnica humana. Utilizando esta mesma metodologia, outros autores demonstraram
no haver similaridade suficiente entre amostras de S. bovis dos biotipos I e II
isoladas de humanos e as amostras-tipo de S. bovis e S. equinus para consider-
las variantes de uma mesma espcie. Foi observado tambm que amostras de S.
bovis biotipo II.2 de origem humana eram muito relacionadas geneticamente s
amostras de S. bovis biotipo I (COYKENDALL & GUSTAFSON, 1985; KNIGHT &
SHLAES, 1985).
A partir de 1984, ano marcado pela publicao da proposta de criao do
gnero Enterococcus (SCHLEIFER & KILPPER-BLZ, 1984), separando esses
microrganismos dos demais estreptococos do grupo D, e do trabalho acima
referido de Farrow et al. (1984), apresentando resultados de estudos moleculares
sobre esses microrganismos, diversos outros estudos foram sendo publicados,
sobretudo a partir de meados da dcada de 1990, contribuindo para a aquisio
de um conhecimento mais amplo e o aumento do nmero de espcies
consideradas como pertencentes a essa categoria de estreptococos, como
apresentado a seguir:
Streptococcus alactolyticus__________________________________________
Streptococcus alactolyticus (a.lac.to.ly.ti.cus., prefixo grego a = no; nome
latino lac, lactis = leite; adjetivo grego lyticus = que digere; alactolyticus, que no
digere leite). Espcie descrita por Farrow et al. (1984), pertencente ao grupo de
-
12
homologia 6, para englobar amostras lactose negativas isoladas de porcos e
galinhas, que eram previamente chamadas de S. equinus. Entretanto, Bentley,
Leigh & Collins (1991) relataram que a espcie S. alactolyticus, aparentemente
associada exclusivamente a animais claramente um txon distinto, embora sua
afinidade filogentica com o complexo S. bovis / S. equinus seja evidente.
Streptococcus intestinalis___________________________________________
Streptococcus intestinalis (in.test.in.alis., adjetivo masculino latino
intestinalis, pertencendo ao intestino), Em 1988, Robinson et al. propuseram o
nome de S. intestinalis para um grupo de estreptococos beta-hemolticos e
ureolticos que eram membros predominantes da microbiota intestinal de porcos.
Em 1999, Vandamme et al. verificaram que o motivo para a espcie S. intestinalis,
descrita por Robinson et al. em 1988, ser beta-hemoltico estaria no fato de os
pesquisadores terem usado o meio Brain-Heart Infusion Agar (BHI-A) acrescido de
5% de sangue, um meio que no normalmente usado para caracterizao de
hemlise, e demonstraram que as amostras de S. intestinalis eram alfa-
hemolticas em gar Columbia suplementado com sangue. Baseados, ainda, em
ensaios de hibridizao DNA-DNA e em perfis de protenas totais, estes autores
sugeriram que Streptococcus intestinalis (ROBINSON et al., 1988) fosse um
sinnimo jnior de Streptococcus alactolyticus (FARROW et al., 1984), o que
posteriormente foi confirmado por Schlegel et al. (2003).
-
13
Streptococcus caprinus_____________________________________________
Streptococcus caprinus (caprinus, latim, da cabra). A espcie S. caprinus foi
descrita por Brooker et al. em 1994 englobando estreptococos encontrados no
intestino de cabras selvagens. capaz de crescer em meio complexo contendo
cido tnico, formando halos de clareamento, e tambm de crescer em meio
complexo com menos de 2,5% (p/v) de taninos condensados, derivados de Acacia
aneura. Entretanto, Sly et al. (1997) observaram que a espcie S. caprinus
tratava-se de um sinnimo da espcie Streptococcus gallolyticus (OSAWA,
FUJISAWA & SLY, 1995), mas o epteto especfico gallolyticus tem a prioridade
nomenclatural.
Streptococcus gallolyticus___________________________________________
Streptococcus gallolyticus (gallolyticus, adjetivo masculino latino, que digere
galato). Osawa et al. (1995) demonstraram que amostras isoladas de coalas,
ces, vacas e outros animais pertenciam ao grupo de homologia 2 de Farrow et al.
(1984) e propuseram o nome de Streptococcus gallolyticus, baseado na
capacidade destas amostras degradarem o galato. Os autores observaram que
essas amostras degradavam os taninos com liberao de cido glico e, em
seguida, havia descarboxilao do cido glico em pirogallol. Algumas amostras
requerem crescimento em atmosfera enriquecida com CO2. Estes microrganismos
crescem a 10C e 45C, mas sua temperatura tima de crescimento de 37C.
-
14
Estes autores tambm incluram em seus estudos amostras de infeco
humana de S. bovis pertencentes aos biotipos I e II e, baseados em estudos de
reassociao de DNA, relacionaram as amostras dos biotipos I e II.2 a espcie S.
gallolyticus. Estudos posteriores confirmaram, atravs da anlise do perfil de
protenas totais e da utilizao de sondas especficas para o rRNA 16S, que
nenhuma amostra de origem humana denominada S. bovis pelos critrios at
ento utilizados estava relacionada ao grupo de homologia 1 descrito por Farrow
et al. (1984), o qual compreendia as amostras de referncia de S. bovis e S.
equinus, e foi sugerido que todas as amostras humanas de S. bovis I e II.2 fossem
identificadas oficialmente como S. gallolyticus (NELMS et al., 1995; DEVRIESE et
al., 1998). Por sua vez, Clarridge et al. (2001) demonstraram, atravs de testes
fenotpicos e do sequenciamento do gene que codifica o rRNA 16S, que as
amostras de S. bovis do biotipo II.2 constituam uma genoespcie distinta de S.
bovis, S. gallolyticus e S. infantarius.
Streptococcus infantarius____________________________________________
Streptococcus infantarius (in.fan.tari.us., adjetivo latino infantarius
relacionado aos infantes). Em 1997, Bouvet et al. propuseram a nomenclatura de
Streptococcus infantarius para algumas amostras do grupo de homologia 4
proposto por Farrow et al. (1984). Em 2000, Schlegel et al. validaram a
nomenclatura e propuseram a diviso em duas subespcies: S. infantarius subsp.
infantarius para amostras -glicosidase negativas e esculina variveis e S.
infantarius subsp. coli para amostras -glicosidase e esculina positivas. As
-
15
amostras descritas por Coykendall & Gustafson (1985) e Knight & Shlaes (1985)
como S. bovis II.1 foram relacionadas a espcie S. infantarius e encontravam-se
distribudas em ambas as subespcies.
Streptococcus macedonicus_________________________________________
Streptococcus macedonicus (ma.ce.do.ni.cus., adjetivo masculino latino;
macednicos, da Macednia, Norte da Grcia, de onde a bactria foi
primeiramente isolada). Espcie descrita por Tsakalidou et al. (1998), isolada do
queijo grego Kasseri (feito com leite de ovelha e/ou cabra). No hidrolisa a
esculina.
Streptococcus waius________________________________________________
Streptococcus waius (waius, substantivo neo-zelands maori waiu = leite).
Espcie descrita por Flint, Ward & Brooks (1999), compreendendo amostras de
estreptococos isoladas do leite e laticnios e que toleram a pasteurizao (72C/
15 s), crescem em temperaturas acima de 52C, em caldo contendo NaCl a 7% e
em uma faixa de pH variando de 4,0 a 10,0. Baseados em anlises da seqncia
do espaador intergnico 16S-23S, anlises de fingerprinting de DNA obtidos
atravs do polimorfismo gentico gerado a partir da amplificao randmica de
segmentos de DNA (Randomly Amplified Polymorphic DNA - Polymerase Chain
Reaction, RAPD-PCR) e da tcnica de eletroforese em campo pulsado (Pulsed
Field Gel Electrophoresis, PFGE), experimentos de hibridizao DNA-DNA e em
-
16
testes fenotpicos, Manachini et al. (2002) consideraram as espcies S.
macedonicus e S. waius sinnimos, sendo que S. macedonicus tem prioridade
nomenclatural.
Streptococcus pasteurianus__________________________________________
Streptococcus pasteurianus (pas.teu.ri.an.us., do Instituto Pasteur, onde a
espcie foi caracterizada). Espcie descrita por Poyart, Quesne & Trieu-Cuot
(2002) que compreende amostras anteriormente caracterizadas como S. bovis
biotipo II.2.
Streptococcus lutetiensis____________________________________________
Streptococcus lutetiensis (lu.teti.en.sis., de Lutcia, Paris, onde a espcie
foi caracterizada). As amostras de Streptococcus lutetiensis, espcie descrita por
Poyart, Quesne & Trieu-Cuot (2002), eram previamente designadas como S.
infantarius subsp. coli.
Apesar de estudos recentes terem trazido importantes contribuies, ainda
h controvrsias com relao taxonomia de algumas espcies desse grupo de
microrganismos. Portanto, diferentes propostas de classificao taxonmica tm
sido descritas desde ento.
-
17
Poyart, Quesne & Trieu-Cuot (2002), com base no seqenciamento do gene
sodA, que codifica a enzima superxido dismutase dependente de mangans (Mn-
SOD), definiram cinco diferentes clusters dentre as espcies que compem o
complexo S. bovis / S. equinus:
As amostras-tipo de S. equinus e S.bovis compreenderiam um cluster, e, por
questo de prioridade nomenclatural, prevaleceria a designao S. equinus;
As amostras-tipo de S. gallolyticus, S. caprinus, S. macedonicus e S. waius
foram alocadas em um cluster, correspondendo a uma nica espcie,
denominada S. gallolyticus;
As duas subespcies que constituam a espcie S. infantarius foram
separadas em dois clusters distintos, sendo que um desses clusters
compreendeu a espcie S. infantarius e incluiu a amostra-tipo de S.
infantarius subsp. infantarius. O outro cluster foi representado por S.
infantarius subsp. coli, levando a proposio de sua reclassificao como
uma nova espcie, denominada S. lutetiensis;
O cluster restante compreendeu todas as amostras previamente identificadas
como S. bovis biotipo II.2, cuja nomenclatura proposta foi S. pasteurianus.
Em seguida, Schlegel et al. (2003; 2004) publicaram novos estudos sobre a
sistemtica das espcies deste complexo e, com base em resultados fenotpicos,
anlises genticas e filogenticas (hibridizao DNA-DNA e seqenciamento do
gene que codifica o rRNA 16S) propuseram que as espcies S. gallolyticus (S.
bovis biotipo I e S. caprinus), S. bovis biotipo II.2 (S. pasteurianus), S.
-
18
macedonicus e S. waius constituam um mesmo DNA cluster dividido em trs
diferentes subgrupos. De acordo com os critrios atuais para definio de
espcies, foram propostas as denominaes S. gallolyticus subsp. gallolyticus
subsp. nov., S. gallolyticus subsp. pasteurianus subsp. nov. e S. gallolyticus
subsp. macedonicus subsp. nov.. Esses autores tambm confirmaram que S.
alactolyticus, S. equinus, S. gallolyticus e S. macedonicus so, respectivamente,
sinnimos anteriores de S. intestinalis, S. bovis, S. caprinus e S. waius e dividiram
as espcies deste complexo em quatro genomoespcies distintas. So elas:
Genomoespcie 1 corresponde espcie S. equinus, agrupando as
amostras-tipo de S. equinus e S. bovis;
Genomoespcie 2 inclui as espcies previamente identificadas como S.
gallolyticus, S. macedonicus e S. pasteurianus, as quais foram subdivididas
em trs subespcies: S. gallolyticus subsp. gallolyticus, S. gallolyticus subsp.
macedonicus e S. gallolyticus subsp. pasteurianus;
Genomoespcie 3 rene a espcie S. infantarius, que foi novamente
dividida em duas subespcies: S. infantarius subsp. infantarius e S.
infantarius subsp. coli, as quais haviam sido reclassificadas,
respectivamente, como S. infantarius e S. lutetiensis por Poyart, Quesne &
Trieu-Cuot (2002);
Genomoespcie 4 representada pela espcie S. alactolyticus.
Devido variao das metodologias, critrios e denominaes empregadas
pelos diversos autores, torna-se difcil a comparao e avaliao de vrias
-
19
informaes j existentes na literatura sobre os membros desse complexo de
microrganismos. Algumas espcies ou variantes de estreptococos do complexo
S. bovis / S. equinus no so conhecidas como agentes etiolgicos de infeces
em seres humanos, embora estabeleam infeces em animais. Outras raramente
so isoladas de processos patolgicos em hospedeiros humanos. Na rea de
microbiologia mdica, os estreptococos do grupo D que apresentam importncia
clnica so ainda freqentemente referidos como S. bovis e seus biotipos, uma vez
que ainda faltam estudos empregando as denominaes mais recentemente
propostas.
Embora ocasionalmente os estreptococos do grupo D estejam associados
com infeces do trato urinrio, peritonite espontnea, meningite e sepse
neonatais e raramente com artrite sptica, endoftalmite, osteomielite vertebral e
peritonite associada dilise peritoneal ambulatorial contnua, a bacteremia e a
endocardite so os quadros clnicos mais comuns causados por estes
microrganismos (CALDERN, PEIR & PEALVER, 1992; HECHMANN-
WITTRUP et al., 1999; VILAICHONE et al., 2002; GAVIN et al., 2003; BLEIBEL et
al., 2007; SINAVE, 2007).
No entanto, esses microrganismos no so freqentemente isolados a partir
de bacteremias nos EUA e o SENTRY Antimicrobial Surveillance Program no
lista os estreptococos do grupo D entre os 20 microrganismos mais freqentes
responsveis por infeces da corrente sangnea naquele pas. Eles foram
identificados apenas em 0,8% das bacteremias causadas por estreptococos,
-
20
sendo que S. pneumoniae foi a espcie mais freqente deste gnero causadora
deste tipo de infeco. De acordo com o SCOPE Program de 30 hospitais norte-
americanos, os estreptococos em geral correspondem a 6% de todas as amostras
isoladas de hemoculturas e, dessas, os S. bovis representam 2,4% (SINAVE,
2007).
Internacionalmente, os dados do SENTRY indicam que os estreptococos do
grupo D foram identificados em 1,3% e 6,9% das bacteremias estreptoccicas no
Canad e na Amrica Latina, respectivamente (SINAVE, 2007).
Por outro lado, nos EUA, os microrganismos mais comumente encontrados
como agentes etiolgicos de endocardite infecciosa subaguda em vlvulas nativas
de pacientes que no haviam sido submetidos a tratamento com drogas
intravenosas foram os estreptococos da categoria dos viridans e os S. bovis
(SINAVE, 2007). Na Alemanha, Kupferwasser et al. (1998), analisando 177 casos
de endocardite infecciosa, verificaram que os S. bovis foram responsveis por
12,5% dos casos.
Os estreptococos do grupo D respondem por cerca de 5,0% a 15,1% de
todos os casos de endocardite infecciosa (KUPFERWASSER et al., 1998;
HERRERO et al., 2002; TRIPODI et al., 2004; FERREIROS et al., 2006). Em
alguns pases, a freqncia de endocardite por S. bovis vem aumentando
significativamente nos ltimos anos. A proporo de endocardites estreptoccicas
cresceu de 10,9% para 23,3% aps 1989, sendo que, na Frana, essa proporo
-
21
foi para 56,7%, em contraste com o resto da Europa (9,4%) e os Estados Unidos
(6,0%). Estudos recentes revelaram que os S. bovis so responsveis por 25% de
todos os episdios de endocardite infecciosa na Frana (HOEN et al., 2002; 2005;
GIANNITSIOTI et al., 2007).
Estas infeces acometem principalmente os idosos, com idade acima de
50 anos (idade mdia 67 anos). Essa faixa etria consideravelmente superior
dos pacientes com endocardite causadas por outros estreptococos, estafilococos
e outras bactrias (SINAVE, 2007). Tambm apresentam uma alta taxa de
mortalidade (45%), quando comparadas a endocardites causadas por outros
microrganismos (25%) (KUPFERWASSER et al., 1998). Por outro lado, Tripodi et
al. (2004) observaram uma taxa de mortalidade menor (16,7%) em pacientes com
endocardite por S. bovis.
Bacteremia por esses microrganismos tambm so comuns em pacientes
HIV positivos com uma taxa de mortalidade bastante elevada (71%). O papel da
AIDS em facilitar o desenvolvimento desse processo infeccioso incerto, porm
acredita-se que alteraes na regulao imune e mudanas na microbiota do
clon possam promover essa infeco sistmica (ALAZMI et al., 2006).
O S. bovis biotipo I est relacionado a bacteremias com ou sem endocardite
e leses malignas ou pr-malignas no clon, enquanto que o S. bovis biotipo II
est mais associado com bacteremia de origem hepatobiliar (SINAVE, 2007).
Corredoira et al. (2005) observaram que, em 50% dos pacientes com bacteremia
-
22
por S. bovis II, a porta de entrada para a infeco foi a rvore hepatobiliar, em
contraste com apenas 5% dos pacientes com bacteremia por S. bovis I. Ruoff et
al. (1989) e Corredoira et al. (2005) investigaram a associao entre neoplasias
intestinais e bacteremias por S. bovis e observaram que, respectivamente, em
seus estudos, 71% e 57% dos pacientes com bacteremias por S. bovis I
apresentavam leses malignas ou pr-malignas no clon. Em contrapartida, S.
bovis II estava associado a leses no clon em apenas 17% e 15% dos casos,
respectivamente. Da mesma maneira, a associao entre bacteremia e
endocardite foi muito maior com S. bovis I em ambos os estudos (94% e 74%,
respectivamente) do que com S. bovis II (18% e 15%, respectivamente). Adotando
as nomenclaturas recentemente propostas, a subespcie S. gallolyticus subsp.
gallolyticus estaria mais freqentemente associada a bacteremias em pacientes
com cncer de clon do que S. gallolyticus subsp. pasteurianus e as duas
subespcies de S. infantarius.
Outros possveis fatores de risco para o desenvolvimento de bacteremia por
S. bovis so plipos neoplsicos e outras leses malignas no trato gastrintestinal,
como carcinoma de esfago, estmago e pncreas e linfoma gstrico
(HERRINGTON et al., 1980; PIGRAU et al., 1988). H tambm relatos de
bacteremias por S. bovis associadas com doena crnica do fgado (ZARKIN et
al., 1990; TRIPODI et al. 2004), doena inflamatria do intestino (MOSHKOWITZ
et al., 1992) e parasitose intestinal (colite por Strongyloides stercoralis) (LINDER et
al., 2000).
-
23
S. infantarius subsp. infantarius pode ser isolado de fezes de humanos e j
foi detectado em hemoculturas, inclusive em casos de endocardite (MIHAILA-
AMROUCHE, SCHLEGEL & BOUVET, 2004). Amostras desta subespcie
tambm j foram isoladas de produtos alimentcios (laticnio e ervilha congelada).
J S. infantarius subsp. coli tem sido isolado exclusivamente de humanos, porm
de diversos espcimes clnicos, como fezes, urina e sangue, incluindo alguns
casos de endocardite (EUZBY, 2003).
Na literatura, h apenas a descrio de um caso de infeco por S.
gallolyticus subsp. macedonicus em seres humanos. Em 2002, Herrero et al.
reavaliaram os casos de endocardite causados por S. bovis entre os anos de 1975
e 1985 em um hospital nos EUA, atravs da anlise do gene que codifica o rRNA
16S. Assim, os autores demonstraram que uma amostra responsvel por um
quadro de endocardite no ano de 1978 era estreitamente relacionada a amostra-
tipo de S. macedonicus. Entretanto, no se sabe se quadros de endocardite
causados por S. gallolyticus subsp. macedonicus esto associados com cncer de
clon. Neste caso em particular, o paciente apresentava plipo cecal.
Atualmente, S. alactolyticus, S. equinus e as trs subespcies de S.
gallolyticus so as espcies pertencentes ao complexo S. bovis / S. equinus de
interesse na microbiologia veterinria.
S. alactolyticus normalmente encontrado no intestino de porcos e galinhas
e pode ser isolado de suas fezes, sendo uma das espcies predominantes no
-
24
clon de sunos. Esta espcie tambm j foi isolada em associao com
Corynebacterium suicordis de um caso de pericardite em suno, mas at o
presente momento nenhuma infeco foi atribuda formalmente a esta espcie
(EUZBY, 2003).
Amostras de S. equinus podem ser isoladas de intestino e fezes de seres
humanos, ruminantes (bovinos e ovinos), cavalos e porcos, sendo, s vezes,
isoladas da vagina de eqinos e, com menor freqncia, do tero de cadelas.
Estes microrganismos podem causar bacteremias em seres humanos, mastite em
ruminantes e, eventualmente, septicemia em ces (HODGE & SHERMAN, 1937;
EUZBY, 2003).
O S. bovis biotipo I foi renomeado por Osawa, Fujisawa & Sly (1995) como
S. gallolyticus e por Schlegel et al. (2003) como S. gallolyticus subsp. gallolyticus,
estando preferencialmente relacionado a infeces septicmicas em pombos,
denominadas estreptococoses (DE HERDT et al., 1994). Dentro dessa espcie,
diferentes fentipos podem ser reconhecidos em pombos: cinco biotipos e dois
sub-biotipos; cinco sorotipos e seis fentipos de sobrenadante de cultura. Um
esquema de caracterizao bioqumica, que compreende a fermentao de L-
arabinose, inulina, manitol e trealose, a produo de polissacardeo extracelular
em meio contendo sacarose e a observao de -hemlise, define os biotipos (1,
2a, 2b, 3, 4 e 5). Os cinco sorotipos (1-5), por sua vez, so determinados aps
ensaios de aglutinao em lmina utilizando soros hiper-imunes preparados contra
cinco amostras de referncia isoladas de pombos (DE HERDT et al., 1992). J os
-
25
seis fentipos de sobrenadante so classificados baseados na presena das
protenas extracelulares T1 (70kDa), T2 (68kDa) ou T3 (74kDa) e na presena ou
ausncia da protena A (185kDa), conforme observado aps eletroforese em gel
de poliacrilamida na presena de dodecil sulfato de sdio (SDS-PAGE) das
protenas do sobrenadante da cultura (VANROBAEYS et al., 1996). Embora o
papel dessas protenas na patognese ainda seja desconhecido, h uma alta
correlao entre o fentipo de sobrenadante e a virulncia da amostra, uma vez
que estudos sobre infeces experimentais demonstraram que as amostras
pertencentes aos fentipos A+T1, A+T2, A+T3 e A-T1 so altamente virulentas para
pombos, com uma morbidade ps-inoculao de 70% a 100%, enquanto que
amostras A-T3 e A-T2 so moderadamente ou pouco virulentas para essas aves,
respectivamente (VANROBAEYS et al., 1997).
S. gallolyticus subsp. gallolyticus tambm tem sido isolado de casos de
mastite bovina, assim como do rmen de cabras selvagens e fezes de diversos
animais, como ruminantes, cavalos, ces, pombos, coalas, cangurus e outros
(DEVRIESE et al., 1998).
S. gallolyticus subsp. pasteurianus j foi isolado de diversos espcimes
clnicos humanos, como lquor, sangue, urina e espcimes vaginais, sendo
responsvel por casos de sepse e meningite neonatais, infeces do trato urinrio
e endocardite (GAVIN et al., 2003; MIHAILA-AMROUCHE et al., 2004). Casos de
septicemia em aves (pato e peru) tambm j foram relatados para esta espcie
(EUZBY, 2003).
-
26
A espcie S. gallolyticus subsp. macedonicus foi isolada de queijo grego do
tipo Kasseri e tambm de queijos italianos. Amostras desta espcie foram isoladas
de biofilmes presentes em peas de ao inoxidvel utilizadas na indstria de
laticnios (TSAKALIDOU et al., 1998; FLINT, WARD & BROOKS, 1999; EUZBY,
2003).
Em seres humanos, os microrganismos pertencentes a este complexo,
principalmente S. gallolyticus subsp. pasteurianus, tambm so capazes de
causar sepse ou meningite neonatais fulminantes, que so clinicamente
indistinguveis daquelas causadas por estreptococos do grupo B. Nos casos de
infeco na forma precoce (dentro da primeira semana de vida), bacteremia a
manifestao clnica mais comum (72%), enquanto que meningite corresponde a
20% dos casos (GAVIN et al., 2003). Embora a sua associao com infeces
neonatais seja rara, possvel que a real freqncia destas infeces seja
subestimada, uma vez que muitas amostras clnicas de S. bovis podem ser
identificadas equivocadamente como enterococos ou estreptococos pertencentes
categoria dos viridans, como Streptococcus salivarius. A identificao precisa
de amostras de S. bovis causadoras de infeces neonatais tem importantes
implicaes na escolha do tratamento adequado, pois a penicilina G considerada
suficiente para o tratamento de infeces neonatais por esses microrganismos,
enquanto que vancomicina ou a associao com um aminoglicosdeo pode ser
necessria para o tratamento de infeces neonatais causadas por enterococos e
algumas espcies de estreptococos da categoria dos viridans (AMERICAN
ACADEMY OF PEDIATRICS, 2000).
-
27
Por outro lado, dados referentes resistncia aos antimicrobianos entre os
microrganismos desse complexo so raros na literatura. Em geral, amostras de S.
equinus, S. gallolyticus subsp. gallolyticus e S. gallolyticus subsp. pasteurianus
so sensveis in vitro aos beta-lactmicos e glicopeptdeos, mas j foi evidenciada
resistncia aos macroldeos, lincosamidas, cloranfenicol, nitrofurantona,
tetraciclina, sulfamida e trimetropim. Amostras de S. gallolyticus subsp.
macedonicus so susceptveis vancomicina, clindamicina, eritromicina e
oxacilina (EUZBY, 2003).
Mouton et al. (1997), analisando 19 amostras de S. bovis, observaram que
as concentraes mnimas inibitrias capazes de inibir 50% (CMI50) e 90% (CMI90)
das amostras para penicilina foram, respectivamente, 0,06g/mL (categorizado
como susceptvel) e 1g/mL (susceptibilidade intermediria). Apenas duas
amostras foram resistentes a esse antimicrobiano (CMI = 2g/mL).
Embora haja relatos de amostras resistentes a penicilina, a grande maioria
das amostras clnicas permanece sensvel (CMI 0,1g/mL). A penicilina G a
droga de escolha para o tratamento de infeces causadas por esses
microrganismos, inclusive endocardite. Para amostras com susceptibilidade
reduzida (CMI > 0,1g/mL e 0,5g/mL), a associao com um aminoglicosdeo
se faz necessria. J para as raras amostras com CMI > 0,5g/mL, o tratamento
deve ser idntico ao da endocardite enteroccica: associao sinrgica entre
ampicilina e gentamicina. Ceftriaxona e vancomicina podem ser utilizadas como
-
28
antimicrobianos alternativos em alguns casos, como por exemplo, em pacientes
alrgicos a penicilina (SINAVE, 2007).
Teng et al. (2001) observaram uma alta prevalncia de amostras de S.
bovis biotipo II.2 (S. gallolyticus subsp. pasteurianus) resistentes a tetraciclina e a
nveis elevados de eritromicina (71,7%). Em um estudo conduzido por Lee et al.
(2003), foi observado que todas as amostras de S. bovis isoladas de bacteremia
foram susceptveis a penicilina, cefalotina e vancomicina, sendo detectada
resistncia a clindamicina e eritromicina em 41% e 65% das amostras,
respectivamente. Siegman-Igra & Schwartz (2003) evidenciaram que duas
amostras de S. bovis isoladas de quadros de endocardite apresentaram
resistncia a nveis elevados de clindamicina (> 256g/mL).
Em 2004, Mihaila-Amrouche et al. realizaram um estudo sobre o impacto da
susceptibilidade aos antimicrobianos em amostras de estreptococos e enterococos
isoladas de pacientes com endocardite. Entre as 61 amostras de estreptococos do
grupo D, S. gallolyticus subsp. gallolyticus foi a espcie predominante (83,6% dos
casos), com 39% das amostras apresentando resistncia a altos nveis de
estreptomicina. Amostras de S. gallolyticus subsp. pasteurianus (6,6%) e S.
infantarius subsp. infantarius (9,8%) tambm foram analisadas neste estudo e as
trs espcies apresentaram baixos nveis de resistncia a gentamicina e
tobramicina. Tambm foi observada resistncia a eritromicina e clindamicina em
67% das amostras de estreptococos do grupo D. Embora a maioria das amostras
fosse resistente a vrios antimicrobianos, elas foram susceptveis aos
-
29
antimicrobianos recomendados para profilaxia durante procedimentos intestinais,
que incluem penicilina, amoxicilina, gentamicina e vancomicina.
Em contrapartida, a resistncia a glicopeptdeos j foi detectada em duas
espcies pertencentes ao complexo S. bovis / S. equinus. Duas amostras de S.
gallolyticus (S. gallolyticus subsp. gallolyticus), portadoras dos genes vanA e
vanB2 concomitantemente, e uma nica amostra de S. lutetiensis (S. infantarius
subsp. coli), que carreava apenas o determinante vanB2, foram isoladas de fezes
de bezerros na Holanda (MEVIUS et al., 1998). Em 2003, Dahl & Sundsfjord
confirmaram a identificao dessas amostras, atravs da anlise do gene sodA, e
demonstraram a transferncia in vitro do gene vanB2 presente nestas amostras
para amostras de Enterococcus faecalis e Enterococcus faecium, sugerindo a
possibilidade de disseminao destes determinantes de resistncia a vancomicina
para outras bactrias patognicas.
A aceitao e o uso amplo das novas designaes de membros do
complexo S. bovis / S. equinus depender da adoo, pelos microbiologistas
clnicos, de procedimentos que identifiquem, com preciso, cada uma das distintas
espcies (FACKLAM, 2002).
A caracterizao dos estreptococos do complexo S. bovis / S. equinus tem
sido realizada tradicionalmente atravs de testes fisiolgicos convencionais ou de
sistemas comerciais de identificao (p. ex. API 20 Strep, Rapid ID 32 Strep e
outros) e sorotipagem. A maioria destes sistemas comerciais destina-se a
-
30
identificao de microrganismos de importncia mdica e possui vantagens como:
necessidade de pouca manipulao e fornecimento de resultados rpidos e de
fcil interpretao. Entretanto, alguns problemas tm sido encontrados quanto
identificao de espcies novas, cujos testes fisiolgicos necessrios no so
conhecidos ou as informaes so incompletas. Outra desvantagem a
dificuldade apresentada por esses sistemas para a identificao de amostras de
origem animal (FERTALLY & FACKLAM, 1987; BASCOMB & MANAFI, 1998).
Alm disso, essas caracterizaes fenotpicas no so muito confiveis, devido
expresso varivel de determinadas caractersticas e a freqente ambigidade na
interpretao de alguns resultados (POYART, QUESNE & TRIEU-CUOT, 2002).
Desse modo, diferentes pesquisadores (FARROW et al., 1984; BENTLEY,
LEIGH & COLLINS, 1991; KAWAMURA et al., 1995; POYART et al., 1998;
SCHLEGEL et al., 2004) tm usado tecnologias baseadas em cidos nuclicos
para aprimorar a identificao das espcies bacterianas, inclusive dos
estreptococos.
Uma parte significativa destes estudos envolve a aplicao de tcnicas
baseadas na reao em cadeia da polimerase (Polymerase Chain Reaction, PCR),
associada ou no a outras tcnicas moleculares, empregando uma variedade de
determinantes genticos como alvo. Um alvo universal de DNA, ideal para ser
utilizado na identificao microbiana ao nvel de espcies, deve conter seqncias
de nucleotdeos bem conservadas para cada espcie, mas tambm variao
suficiente para permitir a identificao espcie-especfica (GOH et al., 1996).
-
31
As diferentes subunidades do rRNA, principalmente 16S e 23S, tm sido
utilizadas em estudos relacionados a evoluo e identificao de gneros e
espcies bacterianas, devido ao seu grau de constncia funcional, o que assegura
uma relativa representatividade da taxa de mudana evolutiva numa linha de
descendentes. Eles so universais, ou seja, esto presentes em todos os
organismos e assumem diferentes posies em suas seqncias, mudando ao
acaso em taxas muito diferentes, permitindo que a maioria das relaes
filogenticas seja medida. Essas seqncias so longas, o que permite que elas
forneam informaes adequadas (WOESE, 1987).
A ampla utilizao da anlise das seqncias de genes que codificam o
rRNA 16S como ferramenta taxonmica em bacteriologia permitiu a redefinio
das relaes genticas e filogenticas, previamente baseadas na anlise do
metabolismo celular (JENSEN, WEBSTER & STRAUS, 1993). Anlises
comparativas do rRNA 16S revelaram que as suas seqncias altamente
conservadas contm regies variveis, permitindo a diferenciao de gneros e
espcies e a determinao de suas relaes filogenticas e evolutivas (JAYARAO,
DOR & OLIVER, 1992). Esta metodologia bastante utilizada para a
identificao de espcies de estreptococos, onde as amostras que apresentam
seqncias com similaridade igual ou superior a 97% so consideradas como
pertencentes a uma mesma espcie (MAGEE, 1998).
A avaliao do carter polimrfico de seqncias-alvo pode ser
estabelecida atravs da amplificao parcial ou integral por tcnicas de PCR,
-
32
utilizando oligonucleotdeos iniciadores que reconheam regies altamente
conservadas que flanqueiam estes alvos de DNA. O tamanho e a seqncia do
produto desta amplificao podem ser utilizados para a identificao de gneros e
espcies. A anlise deste produto pode ser realizada atravs do seu
seqenciamento ou, alternativamente, atravs de sua digesto com
endonucleases de restrio e os fragmentos resultantes podem ser separados
eletroforeticamente. Se o produto de PCR contiver stios de reconhecimento por
enzimas de restrio, o perfil de fragmentao deste produto pode ser indicativo
de uma espcie em particular (JENSEN, WEBSTER & STRAUS, 1993).
Outras seqncias de DNA j foram analisadas com esse propsito,
inclusive para aplicao ao estudo do complexo S. bovis / S. equinus. Dentre
elas, destacam-se:
Anlise dos espaadores internos dos genes que codificam o rRNA 16S e
23S (Internally Transcribed Spacer, ITS) (MANACHINI et al., 2002).
O gene cpn60, que codifica a protena do choque trmico de 60kDa
(HSP60), tambm conhecida como chaperonina molecular (Cpn60),
homlogo GroEL ou MopA (GOH et al., 1996; 2000; HILL et al., 2004).
O gene rpoB, que codifica a subunidade da RNA polimerase
(DRANCOURT et al., 2004).
O gene sodA, que codifica a enzima Mn-SOD (POYART, QUESNE &
TRIEU-CUOT, 2002; SASAKI et al., 2004).
-
33
Diversos fatores contribuem para as dificuldades encontradas na
identificao dos microrganismos do gnero Streptococcus, tanto por mtodos
fenotpicos quanto por moleculares. A taxonomia desse grupo de bactrias tem
estado sob freqente reviso e muitas novas espcies vm sendo descritas,
freqentemente sem informaes suficientes sobre caractersticas diferenciais e a
extenso das variaes fenotpicas e genticas dentro das espcies propostas
(FACKLAM, 2002).
Nas ltimas dcadas, a taxonomia de procariotos sofreu profundas
alteraes na direo de um sistema que refletisse as relaes evolutivas entre os
organismos aproximando a classificao microbiana o melhor possvel da
realidade biolgica. O uso da homologia DNA-DNA associada a uma variedade de
caractersticas ecolgicas e fenotpicas na classificao de microrganismos foi
denominada de taxonomia polifsica por Colwell (1970). Colwell props a
integrao da informao do nvel molecular ao ecolgico de forma a se obter
identificaes e classificaes mais precisas e confiveis. Em princpio, toda
informao genotpica, fenotpica e filogentica pode ser incorporada na
taxonomia polifsica, mas a hibridizao de DNA tem papel central no
delineamento de espcies. A abordagem polifsica da taxonomia tem sido
praticada nos ltimos 20 anos e pressupe que as descries polifsicas de
espcie devem refletir relaes filogenticas, ser baseadas em hibridizao de
DNA do genoma total e fornecer informao genotpica, fenotpica e
-
34
quimiotaxonmica adicional que d consistncia espcie definida em termos
filogenticos.
Em 1977, Woese & Fox publicaram um trabalho sobre o uso de seqncias
do cronmetro rRNA 16S para a reconstruo da rvore da Vida.
Subseqentemente, demonstrou-se que a anlise das seqncias do rRNA 16S
seria extremamente til na afiliao filogentica de bactrias em espcies,
gneros e famlias (WOESE, 1987), sendo, ento, esta prontamente incorporada
taxonomia polifsica (STACKEBRANDT & GOEBEL, 1987).
Sob o ponto de vista metodolgico, um dos principais problemas na
taxonomia de procariotos, em geral, a identificao de linhagens em nvel de
espcie por meio apenas de testes fenotpicos e de seqncias de rRNA 16S, pois
as caractersticas fenotpicas entre as espcies existentes so muito semelhantes
e a natureza conservativa das seqncias do gene do rRNA 16S muitas vezes
limita o poder de discriminao deste mtodo em distinguir linhagens
geneticamente prximas.
Neste caso, o critrio decisivo para definir a relao ao nvel de espcie
ainda a similaridade obtida em ensaios de hibridizao de DNA entre genomas
de dois organismos (STACKEBRANDT et al., 2002). Amostras demonstrando
similaridade igual ou superior a 70% em condies timas de reassociao, igual
ou superior a 60% em condies de estringncia e com divergncia nas regies
homlogas igual ou inferior a 5% so consideradas como pertencentes a mesma
-
35
espcie (WAYNE et al., 1987). A hibridizao de DNA a parte mais laboriosa e
demorada na taxonomia de procariotos e requer equipamentos especiais, alm de
pessoal treinado. Os resultados obtidos com esta tcnica no so cumulativos em
bases de dados, sendo que cada experimento novo deve incluir as linhagens de
referncia.
Atualmente, a taxonomia polifsica um consenso entre sistematas, pois
integra dados fenotpicos, quimiotaxmicos, moleculares e genmicos com o
objetivo de representar a biodiversidade nos seus diferentes nveis, isto , de
linhagem supra-famlia (VANDAMME et al., 1996). Neste contexto, diversas
tcnicas moleculares, tanto fenotpicas quanto genotpicas, baseadas, em sua
maioria, em padres de bandas (fingerprintings), foram aplicadas na dcada
passada (DIJKSHOORN, TOWNER & STRUELENS, 2002). Dentre elas,
destacam-se: anlise do perfil de protenas totais atravs de eletroforese em gel
de poliacrilamida na presena de dodecil sulfato de sdio (Sodium Dodecyl Sulfate
- Polyacrilamide Gel Electrophoresis, SDS-PAGE), determinao da composio
de cidos graxos de cadeia longa por cromatografia lquido-gasosa (Gas-Liquid
Chromathograph, GLC), anlise de perfis plasmidiais, RAPD-PCR, PCR de
elementos repetitivos (Repetitive Elements - PCR, rep-PCR), PCR seguido de
polimorfismo de comprimento de fragmentos de restrio (PCR - Restriction
Fragment Length Polymorphisms, PCR-RFLP) de seqncias conservadas,
ribotipagem, polimorfismo de comprimento de fragmentos amplificados (Amplified
Fragment Length Polimorphism, AFLP), entre outras.
-
36
Aplicando ento uma abordagem polifsica, envolvendo tcnicas
moleculares fenotpicas (anlise dos perfis de protenas totais por SDS-PAGE e
determinao da composio de cidos graxos de cadeia longa por GLC) e
genotpicas (seqenciamento do rRNA 16S e hibridizao DNA-DNA), nosso
grupo iniciou um estudo com o intuito de melhor esclarecer as relaes
taxonmicas das espcies pertencentes ao complexo S. bovis / S. equinus e
props a sua diviso em quatro espcies e sete subespcies (TEIXEIRA et al.
2005):
Streptococcus alactolyticus;
Streptococcus equinus, subdividida em 2 subespcies:
S. equinus subsp. equinus;
S. equinus subsp. bovis;
Streptococcus gallolyticus, subdividida em 3 subespcies:
S. gallolyticus subsp. gallolyticus;
S. gallolyticus subsp. macedonicus;
S. gallolyticus subsp. pasteurianus;
Streptococcus infantarius, subdividida em 2 subespcies:
S.infantarius subsp. infantarius;
S.infantarius subsp. coli;
Entretanto, como nos demais estudos taxonmicos, foram includas apenas
algumas amostras de referncia, sendo necessria a aplicao mais ampla das
-
37
recomendaes resultantes, envolvendo a anlise de amostras isoladas em
laboratrios de rotina diagnstica. Ou seja, estudos adicionais precisam ser
realizados levando em considerao os novos conhecimentos sobre a taxonomia
e nomenclatura dentro do complexo S. bovis / S. equinus, j que esses
microrganismos continuam sendo isolados, com freqncia significativa, em
hemoculturas de pacientes com bacteremia, sepse e endocardite.
Tais estudos contribuiro para a validao de novas metodologias e
recomendaes para a identificao, assim como para o conhecimento da
associao das diferentes espcies com quadros clnicos diversos, podendo
tambm servir de base para a elucidao de vrias outras questes sobre esses
microrganismos que permanecem por ser esclarecidas.
-
38
OObbjjeettiivvooss
Com base nos resultados j obtidos e considerando que os estreptococos
do complexo Streptococcus bovis / Streptococcus equinus ainda apresentam
aspectos a serem esclarecidos com relao a sua taxonomia e critrios de
identificao e, ainda, a necessidade do desenvolvimento e/ou aplicao
sistemtica de metodologias que permitam a discriminao e identificao precisa
das diferentes espcies pertencentes a este complexo, aliada a escassez de
trabalhos aplicando as recomendaes taxonmicas mais recentes ao estudo de
amostras isoladas de materiais clnicos, o presente trabalho teve como objetivos:
I. Dar continuidade ao estudo taxonmico, atravs da aplicao das
recomendaes do trabalho iniciado por nosso grupo para a identificao
fisiolgica das espcies pertencentes ao complexo S. bovis / S. equinus e de
tcnicas moleculares, baseadas na anlise de protenas e de DNA. Para tal,
amostras de referncia das diferentes espcies descritas at o momento como
pertencentes ou relacionadas a este complexo, bem como uma coleo de
amostras de origem clnica, foram analisadas comparativamente, quanto :
Caractersticas fenotpicas atravs de testes fisiolgicos convencionais e de
um sistema miniaturizado de identificao;
Anlise do perfil de protenas totais por SDS-PAGE;
-
39
Determinao dos padres de restrio dos produtos de amplificao do
gene que codifica o rRNA 16S (gene rrs);
Anlise por seqenciamento do gene rrs;
II. Caracterizar fenotpica e genotipicamente uma coleo de amostras isoladas de
materiais clnicos diversos. Para tal, foram empregadas as seguintes
metodologias:
Determinao do perfil de susceptibilidade aos antimicrobianos por tcnica
de disco-difuso;
Determinao de fentipos de resistncia a eritromicina por tcnica de duplo-
disco;
Deteco, por tcnica de PCR, da presena de genes envolvidos na
expresso de resistncia a eritromicina, tetraciclina e nveis elevados de
estreptomicina;
Caracterizao genotpica atravs da anlise dos perfis de fragmentao do
DNA cromossmico por PFGE;
-
40
MMaatteerriiaaiiss && MMttooddooss
1. AMOSTRAS BACTERIANAS
Foram estudadas 236 amostras, incluindo 23 amostras de referncia, sendo
12 amostras-tipo e 11 outras amostras de referncia das diferentes espcies
pertencentes ou relacionadas ao complexo Streptococcus bovis / Streptococcus
equinus (Tabela 1), e 213 amostras de origem clnica, em sua maioria cedidas
pelo Dr. Richard Facklam do Streptococcus Laboratory, Centers for Disease
Control and Prevention (CDC), Atlanta, Georgia, EUA. As amostras clnicas foram
isoladas de seres humanos (208 amostras) e animais (5 amostras) entre 1970 e
2006 e haviam sido presuntivamente identificadas como pertencentes ou
relacionadas a este complexo.
As amostras esto mantidas em tanques de N2 lquido, sob a forma de
suspenses em soluo contendo Skim Milk (Difco Laboratories, Detroit, Michigan,
EUA) a 10% (p/v) e glicerol (Reagen, Quimibrs Indstrias Qumicas S/A, Rio de
Janeiro, Brasil) a 10% (v/v). A reativao das amostras foi feita atravs da
semeadura em placas contendo Trypticase Soy Agar (TSA, Difco Labs.)
suplementado com 5% de sangue desfibrinado de carneiro (TSA-S) e incubao a
352C por 20h-24h em atmosfera com 5% de CO2.
-
41
2. CARACTERIZAO FISIOLGICA DAS AMOSTRAS BACTERIANAS
As amostras bacterianas foram caracterizadas por testes fisiolgicos
convencionais, com base nas recomendaes de Facklam (2002) e de Teixeira et
al. (2005), empregando os seguintes testes: observao das caractersticas morfo-
tintoriais pelo mtodo de Gram, produo de catalase, observao do tipo de
hemlise, hidrlise da esculina em presena de 40% de bile, crescimento na
presena de 6,5% de cloreto de sdio, hidrlise de L-leucina--naftilamida e de L-
pirrolidonil--naftilamida, hidrlise do amido, produo de cidos a partir de inulina,
lactose, manitol, melibiose, rafinose e trealose. Os critrios para interpretao
foram aqueles apresentados na Tabela 2. As amostras foram tambm testadas
quanto produo de cidos a partir de glicognio, metil--D-glicopiranosdio e
metil--D-glicopiranosdio.
2.1. Colorao pelo Mtodo de Gram
Aps o crescimento das amostras em TSA-S a 352C por 20h-24h em
atmosfera de CO2, foram preparadas suspenses bacterianas em soluo salina
fisiolgica (NaCl 0,85%) e, destas, foram feitos esfregaos em lminas de vidro.
Aps colorao pelo mtodo de Gram, os esfregaos foram observados ao
microscpio ptico em objetiva de 100X (imerso).
-
42
2.2. Produo da Enzima Catalase
A observao da produo de catalase foi efetuada por metodologia
convencional, em lmina de vidro. A partir de um crescimento recente em meio
TSA-S, uma suspenso espessa do microrganismo foi depositada sobre uma gota
de perxido de hidrognio (H2O2) a 3% (v/v). A formao de bolhas, resultante da
hidrlise da H2O2 por ao da enzima catalase, foi indicativa de reao positiva.
Os microrganismos do gnero Streptococcus so negativos para esse teste.
2.3. Observao do Tipo de Hemlise
As propriedades hemolticas foram observadas a partir do crescimento das
amostras em placas contendo meio TSA-S, aps incubao a 352C por 20h-24h
em atmosfera com 5% de CO2. Durante a semeadura, foram feitas picadas em
profundidade no gar com o auxlio de uma ala bacteriolgica, a fim de facilitar a
verificao do tipo de hemlise. A formao de halos de hemlise total ao redor
das colnias foi definida como -hemlise. Amostras que apresentaram halos de
hemlise parcial, adquirindo a colorao esverdeada, foram caracterizadas como
-hemolticas. Amostras que no produziram alterao dos eritrcitos presentes
no meio foram definidas como no-hemolticas.
-
43
2.4. Hidrlise da Esculina em Presena de Bile (BE)
As amostras foram semeadas em gar Bile Esculina (Bile Esculin Agar,
BEA, Difco Labs.) e incubadas a 352C por 20h-24h. A positividade do teste foi
considerada pelo escurecimento do meio, em funo da hidrlise da esculina em
esculetina, na presena de bile.
2.5. Crescimento na Presena de 6,5% de Cloreto de Sdio (NaCl)
O crescimento na presena de cloreto de sdio a 6,5% foi verificado atravs
da inoculao das amostras em meio HIB (Heart Infusion Broth, Difco Labs.),
suplementado com cloreto de sdio na concentrado de 6,5% (p/v); 0,1% de
soluo alcolica de prpura de bromocresol a 1,6% (p/v) e 0,1% (p/v) de D-
glicose. O resultado positivo foi indicado atravs da turvao do meio,
acompanhada ou no da mudana de cor do indicador, de prpura para amarelo,
em at sete dias de incubao na temperatura de 352C.
2.6. Hidrlise de L-Leucina--Naftilamida (LAP) e L-Pirrolidonil--
Naftilamida (PYR)
Para a execuo destes testes, uma suspenso espessa de cada amostra,
obtida a partir de um crescimento recente, foi preparada em 0,2mL de caldo Todd-
Hewitt (Todd-Hewitt Broth, THB, Difco Labs.) contendo 0,01% de PYR ou 0,02%
de LAP (Sigma Chemical Co., St Louis, EUA). Aps um perodo de 4h de
-
44
incubao a 352C, foram adicionadas uma a duas gotas de soluo reveladora
contendo dimetilamino cinamaldedo (Sigma Co.) a 1% em HCl a 10% (v/v). A
leitura do teste foi feita imediatamente e em at 10 min, aps agitao suave. A
positividade do teste foi considerada pelo aparecimento de colorao rosa forte ou
prpura.
2.7. Hidrlise do Amido
Para a verificao da produo de amilases, os microrganismos foram
cultivados em meio HIA (Heart Infusion Agar, Difco Labs.) contendo amido solvel
a 2% (p/v) (Sigma Co.) e incubados a 352C por 18h-24h. A reao positiva foi
verificada pelo aparecimento de uma regio no corada ao redor do crescimento,
aps adio de soluo lugol sobre a superfcie da placa. A colorao azul escura
(ou roxa) em toda a placa indicou a ausncia de hidrlise.
2.8. Produo de cidos a partir de Glicognio, Inulina, L