apostila streptococcus completa
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Universidade Federal do Espírito Santo
Centro de Ciências da Saúde
Curso de Medicina
Departamento de Patologia
Disciplina de Microbiologia
Streptococcus
Felipe Sampaio Soares
Miguel Gagno Nunes
Paulo Augusto Wetler Damazio Martins
Pedro Luiz Silva Dias
Thais Leibel Sant’anna Santos
Vitória - ES – 2009
Sumário
Introdução............................................................................................................2
Streptococcus pyogenes......................................................................................3
Aspectos gerais.........................................................................................3
Fisiologia e Estrutra...................................................................................4
Patogênese e Imunidade..........................................................................5
Doenças clínicas.......................................................................................9
Diagnóstico Laboratorial..........................................................................21
Tratamento, Prevenção e Controle.........................................................27
Streptococcus agalactiae...................................................................................28
Estrutura..................................................................................................28
Patogênese.............................................................................................31
Síndromes clínicas..................................................................................36
Epidemiologia..........................................................................................39
Diagnóstico Laboratorial..........................................................................41
Tratamento..............................................................................................42
Prevenção e Controle..............................................................................43
Relato de Casos................................................................................44
Outros Streptococcus β Hemolíticos..................................................................46
Streptococcus viridans.......................................................................................47
Streptococcus pneumoniae...............................................................................51
Fatores de virulência...............................................................................51
Patogênese.............................................................................................59
Doenças clínicas.....................................................................................59
Diagnóstico..............................................................................................62
Epidemiologia..........................................................................................65
Tratamento..............................................................................................67
Prevenção e Controle..............................................................................68
Bibliografia.........................................................................................................70
Introdução
O gênero Streptococcus é formado por diversos cocos Gram-positivos
dispostos aos pares ou em cadeias. A maioria é anaeróbia facultativa, algumas
são capnofílicas (necessidade de CO2 aumentado para crescimento). Os
estreptococos são catalase negativos.
Nesta apostila iremos abordar as seguintes espécies de estreptococos: S.
pyogenes, S. agalactiae, S. viridans, S. pneumoniae e alguns outros
Streptococcus β hemolíticos. Será abordado as estruturas principais
componentes de virulência bem como as doenças clínicas a distribuição
dessas na população, os tratamentos recomendados e as formas de prevenir e
controlar a infecção por esses patógenos,
A diferenciação das espécies no gênero é feita a partir do uso de 3 esquemas
sobrepostos, são eles: (1) Propriedades sorológicas, (2) padrões hemolíticos:
hemólise completa (beta), hemólise incompleta (alfa) e ausência de hemólise
(gama), (3) propriedades bioquímicas.
Streptococcus pyogenes
ASPECTOS GERAIS
É a espécie mais importante de estreptococos do grupo A sendo
responsável por doenças supurativas e não supurativas. É comumente a causa
de faringite bacteriana, além disso, está associada a doenças graves que
levam risco a vida.
O estreptococos do grupo A está normalmente presente na orofaringe de
crianças saudáveis e adultos jovens. As tonsilites podem ser causadas por
diversos agentes, mas o Streptococcus pyogenes é o mais importante agente
etiológico. Estima-se que 75% dos casos de tonsilite na faixa etária entre dois e
10 anos sejam de etiologia viral, mas a maioria das tonsilites é tratada com
antibióticos. Possivelmente, o uso excessivo de antibióticos no tratamento das
faringotonsilites se deve às dificuldades em diferenciar tonsilites virais das
causadas por Streptococcus pyogenes e ao fato de o tratamento com
antibióticos prevenir futuras complicações, como a febre reumática.
Normalmente a doença por S. pyogenes é causada por meio de cepas
recém – adquiridas capazes de estabelecer uma infecção de faringe ou de pele
antes que anticorpos específicos sejam produzidos ou que microrganismos
competidores sejam capazes se proliferar. Na faringite causada por S.
pyogenes, aglomerações como salas de aula e creches aumentam a
oportunidade de o microrganismo se disseminar (de pessoa a pessoa através
de perdigotos), particularmente durante os meses de inverno. Pioderma,
erisipela, celulite, fasciite são precedidas tipicamente pela colonização inicial da
pele com o estreptococo do grupo A, então o microrganismo é introduzido em
tecidos superficiais ou profundos através de uma descontinuidade da pele.
FISIOLOGIA E ESTRUTURA
S. pyogenes são cocos GRAM positivos esféricos de 1 a 2 μm de
diâmetro, β – hemolíticos (produzem hemolisina), dispostos em cadeias curtas
nos espécimes clínicos e em cadeias mais longas em meio líquido. São
anaeróbios facultativos e catalase negativos, o que permite diferenciá-los da
família Micrococacceae. O crescimento é ótimo em meio sólido enriquecido
com sangue, mas é inibido se o meio contém altas concentrações de glicose
(possuem metabolismo fermentativo). Após 24 horas de incubação são
observadas colônias brancas de 1 a 2 mm com grandes zonas de μ –
hemólise.
S. pyogenes possui esqueleto básico estrutural da parede celular semelhante
em composição àquela encontrada em outras bactérias Gram – positivas. Na
parede celular, estão os antígenos grupo – específicos e tipo – específicos.
O carboidrato grupo – especifico (antígeno de grupo A de Lancefield) é
um dímero de N – acetilglicosamina e ramnose. Este antígeno é usado para
classificar os estreptococos do grupo A em relação aos outros grupos de
estreptococos.
Nos estreptococos virulentos, a Proteína M é a principal proteína tipo –
específica. A proteína M possui duas cadeias polipeptídicas complexas em
uma alfa hélice ancorada na membrana citoplasmática, estende-se através da
parede celular e projeta-se acima da superfície celular. O terminal carboxil
ancorado na membrana citoplasmática e a porção da molécula na parede
celular são comuns aos outros estreptococos do grupo A. O terminal amino,
que se estende acima da superfície celular, é responsável pela variabilidade
antigênica observada entre mais de 100 sorotipos de proteínas M. As proteínas
M são subdivididas em moléculas de classe I e classe II. As moléculas de
classe I compartilham antígenos expostos, enquanto as proteínas de classe II
não têm antígenos expostos compartilhados. A colonização com S. pyogenes é
regulada através da imunidade específica para a proteína M da cepa
colonizadora e pela competição com outros microrganismos presentes na
orofaringe. Pacientes não tratados produzem anticorpos antiproteína M
bacteriana específica que pode resultar em uma imunidade duradoura.
Estreptococos α – hemolíticos e não – hemolíticos são capazes de produzir
bacteriocinas, as quais suprimem o crescimento dos estreptococos do grupo A.
Uma proteína secundária tipo – específica é a proteína T (resistente à
tripsina). A função estrutural dessa proteína é desconhecida. Embora a
classificação epidemiológica de S. pyogenes tenha sido tradicionalmente
baseada na identificação dos tipos M ou T específicos por aglutinação com
anticorpos antiM ou antiT específicos, é provável que este procedimento seja
substituído pelo seqüenciamento do gene emm que codifica a proteína M.
Outros importantes componentes na parede celular de S. pyogenes
incluem proteínas de superfície semelhante a M, ácido lipoteíco e proteína F.
Um complexo de mais de 20 genes que compreendem a superfamília dos
genes emm codifica as proteínas semelhante a M. Estes genes codificam para
as proteínas semelhante a M e outras proteínas que se ligam a
Imunoglobulinas (Ig). O ácido lipoteicóico e a proteína F facilitam a ligação com
a célula hospedeira por se complexar com a fibronectina, que está presente na
superfície da célula hospedeira. Estudos demonstraram que as proteínas de S.
pyogens ligantes à fibronectina e laminina funcionam como adesinas e
invasinas. Muitos autores postularam que as proteínas ligantes à fibronectina e
laminina podem levar a uma infecção longa persistente nas células epiteliais.
Uma cápsula externa de ácido hialurônico com moléculas repetidas de
ácido glicurônico e N-acetilgicosamina previne a fagocitose da bactéria. A
cápsula é antigenicamente indistinguível do ácido hialurônico do tecido
conectivo dos mamíferos. Assim, as cepas encapsuladas de S. pyogenes são
mais provavelmente responsáveis por infecções sistêmicas graves.
PATOGÊNESE E IMUNIDADE
A virulência dos estreptococos do grupo A está relacionada com a
capacidade da bactéria de aderir à superfície das células hospedeiras, invadir
as células epiteliais, evitar a opsonização e a fagocitose e produzir toxinas e
enzimas. O ácido lipoteicóico, a proteína M e a proteína F são os mais
importantes antígenos que medeiam a aderência às células do hospedeiro. A
aderência inicial é uma interação fraca entre o ácido lipoteicóico e os locais de
ligação de ácidos graxos na fibronectina e nas células epiteliais. A aderência
subseqüente envolve a proteína M, a proteína F e outras adesinas que
interagem com receptores específicos da célula hospedeira.
S. pyogenes também tem múltiplos mecanismos para evitar a
opsonização e a fagocitose. A região conservada da proteína M pode se ligar
ao fator H β - globulina do soro, o qual é uma proteína reguladora da via
alternativa do complemento. O componente C3b do complemento é
desestabilizado pelo fator H. Assim, quando o C3b se liga à superfície celular
na região da proteína M, C3b é degradado pelo fator H e a fagocitose é
evitada. O efeito é superado somente quando o paciente produz anticorpos
opsônicos tipo – específicos antiproteína M específica. A ligação do
fibrinogênio à superfície da proteína M também bloqueia a ativação do sistema
complemento pela via alternativa e reduz a quantidade de C3b ligado. As
proteínas semelhantes a M interferem na fagocitose. Finalmente, todas as
cepas de S. pyogenes podem produzir peptidases de C5a, uma serina protease
que inativa C5a. Assim a formação de abscessos é inibida até que o paciente
seja capaz de neutralizar a peptidase com anticorpos específicos.
Exotoxinas Pirogênicas
As Exotoxinas pirogências estreptocócicas (Spes), originalmente
chamadas toxinas eritrogênicas, são produzidas por cepas lisogênicas de
estreptococos.
Quatro toxinas termolábeis imunologicamente distintas (SpeA, SpeB, SpeC e
SpeD) têm sido descritas em S. pyogenes. As toxinas agem como
superantígenos, interagindo com ambos os macrófagos e as células T
auxiliares, com a liberação de IL – 1, IL – 2, e IL – 6; TNF – α e TNF – β; e
interferon γ. Estas citocinas estão relacionadas ao choque e falência de órgãos
observados em pacientes com a síndrome do choque tóxico estreptocócico e
com a erupção observada em pacientes com escarlatina, embora seja incerto
se a erupção resulta do efeito direto da toxina sobre o leito capilar ou, mais
possivelmente, é secundário a uma reação de hipersensibilidade.
Estreptolisinas S e O
A estreptolisina S é não – imunogênica, estável ao oxigênio e que pode
lisar eritrócitos, leucócitos e plaquetas. Também estimula a liberação do
conteúdo lisossômico após engolfamento, com subseqüente morte da célula
fagocítica. A estreptolisina S é produzida na presença de soro e é responsável
pela β – hemólise característica observada no meio Agar sangue.
A estreptolisina O é uma hemolisina lábil ao oxigênio, capaz de lisar
eritrócitos, leucócitos, plaquetas e células em cultura. Anticorpos são
prontamente formados contra a estreptolisina O, uma característica que a
diferencia da estreptolisina S e é útil para documentar uma infecção recente
por estreptocócica do grupo A (teste antiASO). No entanto, pelo fato de a
estreptolisina O ser irreversivelmente inibida pelo colesterol dos lipídios da
pele, pacientes com infecções de pele por S. pyogenes não desenvolvem
anticorpos antiASO. Esta hemolisina é antigenicamente relacionada às toxinas
lábeis ao oxigênio produzidas por Streptococcus penumoniae, Clostridium
tetani, Clotridium perfringens, Bacillus cereus e Listeria monocytogenes.
Estreptoquinases
Pelo menos duas formas de estreptoquinase (A e B) têm sido descritas.
Estas enzimas medeiam a clivagem do plasminogênio, liberando a protease
plasmina, que, por sua vez, cliva fibrina e fibrinogênio, resultando na lise de
coágulos e depósitos de fibrina. Assim, estas enzimas podem clivar coágulos
sanguíneos e depósitos de fibrina e facilitar a rápida disseminação de S.
pyogenes no tecido infectado. Anticorpos direcionados contra essas enzimas
(anticorpos antiestreptoquinase) são marcadores úteis de infecção.
Desoxiribinucleases
Quatro DNases A a D imunologicamente distintas foram identificadas.
Estas enzimas não são citolíticas, mas podem despolimerizar DNA livre
presente no pus. Este processo reduz a viscosidade do material do abscesso e
facilita a disseminação dos microrganismos. Os anticorpos desenvolvidos
antiDNase S são um importante marcador de infecção por S. pyogenes,
particularmente para pacientes com infecções cutâneas, porque estes não
desenvolvem anticorpos antiestreptolisina O.
Peptidase de C5a
A peptidase de C5a causa degradação de C5a, comprometendo a
atuação deste como mediador da inflamação através do recrutamento e
ativação de células fagocíticas.
Outras Enzimas
Hialuronidase e nucleotidase difosfopiridina (DPNase) foram descritas
como enzimas presentes em estreptococos do grupo A, porém desconhece-se
o papel dessas enzimas na patogênese.
Fatores de virulência Ação/Características
Cápsula de ácido hialurônico Antigenicamente indistinguível do
ácido hialurônico dos mamíferos.
Previne a fagocitose da bactéria
Proteína M Principal fator de virulência; medeia a
aderência às células do hospedeiro e
protege contra a ação do sistema
complemento
Proteína F e Ácido lipoteicóico Facilitam a ligação com a célula
hospedeira por se complexar com a
fibronectina presente na superfície da
célula hospedeira
Hialuronidase Auxilia na disseminação do S.
pyogenes
Estreptoquinase Medeia a clivagem do plasminogênio,
liberando plasmina, que cliva fibrina e
fibrinogênio, resultando na lise de
coágulos e depósitos de fibrina,
facilitando a rápida disseminação de
S. pyogenes
Dnases – tipos A, B, C e D Despolimerizam DNA livre presente
no pus, reduzindo a viscosidade do
material do abscesso. Isso facilita a
disseminação S. pyogenes
Exotoxinas pirogências
estreptocócicas (Spes)
Atuam como superantígenos,
interagindo com macrófagos e células
T auxiliares, ocorrendo liberação de
citocinas
Estreptolisinas O e S
Lisam eritrócitos, leucócitos e
plaquetas
DOENÇAS CLÍNICAS
Doenças Supurativas Estreptocócicas
Faringite
Ela ocorre com maior freqüência em crianças entre 5 e 10 anos de
idade. A infecção é disseminada por meio do contato direto das pessoas com
as secreções nasais ou saliva das pessoas infectadas.
O organismo pode colonizar as gargantas das pessoas sem produzir
sintomas. Geralmente se desenvolve 2 a 4 dias após a exposição ao patógeno,
com surgimento abrupto de dor de garganta, febre, mal-estar e cefaléia. A
faringe posterior pode aparecer eritomatosa com um exsudato, e a
linfadenopatia cervical pode ser proeminente. Apesar destes sinais e sintomas
clínicos, a diferenciação da faringite estreptocócica e viral é difícil. As crianças
pequenas geralmente apresentam sintomas muito brandos para o diagnóstico.
O teste específico pode ser feito com testes bacteriológicos ou sorológicos.
Os fatores de risco incluem infecção recente por estreptococos na
família ou membros da casa. A incidência é de 5 entre cada 1000 pessoas.
Escarlatina
É uma complicação da faringite
estreptocócica que ocorre quando a cepa infectante
é lisogenizada por um bacteriófago temperado que
estimula a produção de uma exotoxina pirogênica,
em 1 a dois dias após os sintomas clínicos iniciais
de faringite se desenvolverem. Uma erupção
eritematosa difusa aparece inicialmente no pescoço e no tórax, disseminando-
se posteriormente por todo o corpo. A área ao redor da boca é geralmente
poupada (palidez ao redor dos lábios), bem como a palma das mãos e a sola
dos pés. Um revestimento branco-amarelado inicialmente cobre a língua, e
mais tarde se desprende, revelando embaixo uma superfície vermelha e
inflamada (“língua de morango”). A erupção que clareia quando pressionada é
mais bem visualizada no abdome e nas dobras da pele (linhas de Pastia). O
exantema pode também ser mais denso na virilha. A erupção desaparece após
5 a 7 dias e é seguida de descamação. A febre escarlatina era inicialmente
uma doença infantil comum e grave, mas atualmente é facilmente tratável,
desde o advento da terapia antibiótica.
Os fatores de risco para essa doença são as infecções da garganta por
estreptococos, embora menos de 50% dos pacientes que desenvolvem a febre
escarlatina possuam um histórico de dor de garganta.
Pioderma (Impetigo)
Pioderma é uma infecção de pele
confinada, purulenta, que afeta
primariamente áreas expostas (face,
braços, pernas). A infecção se inicia
quando a pele é colonizada com S.
Pyogenes após contato direto com
pessoas ou fômites infectados. O microorganismo é introduzido no tecido
subcutâneo através de uma abertura na pele (como picadas de inseto,
arranhões ou cortes pré-existentes nesta região). Roupas e toalhas podem,
também, ser via de transmissão, em casos mais raros. As vesículas se
desenvolvem, progridem para pústulas, e então se rompem e formam uma
crosta que as cobre. Os linfonodos regionais podem se tornar aumentados,
porém sinais sistêmicos de infecção são raros. A disseminação secundária
dérmica da infecção causada por arranhadura é típica.
O pioderma é observado inicialmente durante os meses quentes e
úmidos de verão em crianças pequenas com pouca higiene pessoal. Embora o
S. pyogenes seja responsável pela maioria das infecções estreptocócicas de
pele, os estreptococos dos grupos C e G também estão implicados. O
Staphylococcus aureus está também comumente presente nas lesões. As
manifestações cutâneas, desta forma, variam de acordo com o agente
infeccioso.
As cepas de estreptococos que causam infecções de pele diferem daquelas
que causam faringite, embora os sorotipos que causam pioderma possam
colonizar a faringe e estabelecer um estado de portador persistente. O
diagnóstico é feito, geralmente, pela visualização das lesões. Exame de
sangue e biópsia podem ser recomendados.
Recomenda-se que o tratamento seja iniciado em até 48 horas após o
aparecimento dos sintomas, visto que esta doença, em casos não muito
frequentes, pode evoluir para um quadro mais grave, como febre reumática,
varicela, glomerolunefrite ou se espalhar em outros órgãos; além da
possibilidade de causar manchas nas regiões afetadas. Antibióticos orais,
derivados da penicilina, são requeridos. Pomadas à base de mupirocina
podem, também, ser recomendadas pelo médico.
Ferver a roupa da criança afetada e evitar que ela ou qualquer outra
pessoa manipule as feridas são medidas importantes para que não haja a
contaminação de outras regiões do corpo ou de mais indivíduos. Bons hábitos
de higiene, como lavar as mãos frequentemente e evitar o uso de toalhas e
roupas de outras pessoas são outras medidas.
Erisipela
Erythros: “vermelho”, pella: “pele”.
Nomes populares: esipra, mal-da-praia, mal-do-monte,
maldita, febre-de-santo-antônio.
Os primeiros sintomas podem ser aqueles comuns a qualquer infecção:
calafrios, febre alta, astenia, cefaléia, mal-estar, náuseas e vômitos. As
alterações da pele podem se apresentar rapidamente e variam desde um
simples vermelhidão, dor e edema (inchaço) até a formação de bolhas e feridas
por necrose (morte das células) da pele. A localização mais freqüente é nos
membros inferiores, na região acima dos tornozelos, mas pode ocorrer em
outras regiões como face e tronco. No início, a pele se apresenta lisa, brilhosa,
vermelha e quente. A área da pele envolvida é tipicamente elevada e
diferenciada da pele não envolvida. Com a progressão da infecção, o inchaço
aumenta, surgem as bolhas de conteúdo amarelado ou achocolatado e, por
fim, a necrose da pele. É comum o paciente queixar-se de “íngua” (aumento
dos gânglios linfáticos na virilha), além de dor localizada.
A erisipela ocorre em pessoas de qualquer idade, porém é mais comum
nos diabéticos, obesos e nos portadores de deficiência da circulação venosa
dos membros inferiores. Não é contagiosa.
A porta de entrada quase sempre é uma micose interdigital (as famosas
“frieiras”), mas qualquer ferimento pode desencadear o mal.
O diagnóstico é feito apenas pelo exame clínico, analisando os sinais e
sintomas apresentados pelo paciente. Não há necessidade de nenhum exame
de sangue ou de outro exame especial da circulação, a não ser para
acompanhar a evolução do paciente.
Quando o paciente é tratado logo no início da doença, as
complicações não são tão evidentes ou graves. No
entanto, os casos não tratados a tempo podem progredir
com abscessos, ulcerações (feridas) superficiais ou
profundas e trombose de veias. A seqüela mais comum é
o linfedema, que é o edema persistente e duro (não forma
uma depressão na pele quando submetido à compressão
com os dedos), localizado principalmente na perna e no tornozelo, resultante
dos surtos repetidos de erisipela.
O Tratamento pode ser feito pelo uso de antibióticos, redução do
inchaço, fazendo repouso absoluto com as pernas elevadas, principalmente na
fase inicial. Pode ser necessário o enfaixamento da perna para diminuir o
edema mais rapidamente; Deve ser feito também o fechamento da porta de
entrada da bactéria, tratando as lesões de pele e as frieiras; Limpeza adequada
da pele, eliminando o ambiente adequado para o crescimento das bactérias;
Uso de medicação de apoio, como antiinflamatórios, antifebris, analgésicos e
outras que atuam na circulação linfática e venosa.
A prevenção das crises repetidas de erisipela podem ser evitadas
através de cuidados higiênicos locais, mantendo os espaços entre os dedos
sempre bem limpos e secos, tratando adequadamente as frieiras, evitando e
tratando os ferimentos das pernas e tentando manter as pernas desinchadas.
Deve-se evitar engordar, bem como permanecer muito tempo parado, em pé
ou sentado. O uso constante de meia elástica é uma grande arma no combate
ao inchaço, bem como fazer repouso com as pernas elevadas sempre que
possível.
Procurar um especialista quando apresentar qualquer dos sintomas iniciais da
doença, relatados anteriormente.
Celulite
A celulite envolve tipicamente a pele e os tecidos subcutâneos mais
profundos, e a distinção entre pele infectada e desinfectada não é esclarecida.
A infecção é mais comum nos membros inferiores e, freqüentemente, inicia
com uma alteração cutânea causada por uma pequena lesão, uma úlcera ou
uma infecção fúngica entre os dedos dos pés. A celulite causa inflamação, dor,
calor e hiperemia. Algumas áreas podem apresentar aspecto de equimose e
podem apresentar pequenas bolhas. Os sintomas da infecção podem incluir
febre, calafrios, cefaléia e complicações mais graves (p.ex., confusão mental,
hipotensão arterial e aumento da freqüência cardíaca).
É necessária a identificação precisa do microorganismo causador,
porque muitas bactérias diferentes podem causar celulite, especialmente após
mordidas de seres humanos ou de animais, ou após lesões produzidas na
água.
O tratamento imediato pode evitar que a infecção se dissemine rapidamente e
atinja o sangue e outros órgãos. Freqüentemente, a celulite é tratada com
penicilina ou uma droga do tipo da penicilina (p.ex., dicloxacilina). Os indivíduos
com celulite leve podem utilizar antibióticos orais. Os indivíduos idosos e
aqueles com uma celulite que se dissemina rapidamente, com febre alta ou
qualquer outro sinal de infecção grave comumente recebem uma injeção de
antibiótico antes de iniciar o tratamento com antibióticos orais. Quando houver
infecção dos membros inferiores, estes devem ser mantidos elevados e devem
ser realizados curativos com panos úmidos e frios. Se as pernas estiverem
infectadas, deve-se mantê-las elevadas. A aplicação de compressas úmidas e
frias alivia o desconforto e reduzem a inflamação. Quando a celulite retorna, é
provável que exista uma condição subjacente (p.ex., pé de atleta) que
predispõe o indivíduo a apresentá-la e esta também deve ser tratada.
Fasciite Necrosante
Fasciite necrosante (também chamada de gangrena estreptocócica) é
infecção bacteriana destrutiva e rapidamente progressiva do tecido subcutâneo
e fáscia superficial, é caracterizada por uma destruição extensiva do músculo e
do tecido adiposo. Está associada a altos índices de morbimortalidade, se não
tiver tratamento precoce. Recentemente, inúmeros casos publicados têm
demonstrado aumento na freqüência e gravidade dessa infecção,
particularmente causada pelo Streptococcus do grupo A (GAS) e que acomete
até mesmo pessoas jovens e saudáveis.
Classifica-se em tipo I, quando causada por flora mista de anaeróbios e
outras bactérias, e tipo II, quando causada pelo GAS isolado ou associado ao
Staphylococcus aureus. Os fatores predisponentes incluem: doenças crônicas
e malignas, abuso de álcool, uso de drogas endovenosas, lesões da pele como
varicela, úlceras crônicas, psoríase, cirurgia, traumas abertos e fechados, entre
outros. Clinicamente destacam-se: a dor intensa, o edema grave, a rápida
progressão e a resposta pobre à antibioticoterapia.
O microorganismo (referido pelos meios de comunicação de “bactéria
carnívora”) é introduzido no tecido através de uma abertura na pele (p. ex.,
cortes pequenos ou trauma, infecção viral vesicular, queimadura, cirurgia).
Inicialmente há uma evidência de celulite, em seguida se forma uma bolha e se
desenvolvem os sintomas sistêmicos e a gangrena. As características dessa
doença são a toxicidade sistêmica, a falência de múltiplos órgãos e a morte;
dessa maneira, é necessária a pronta intervenção médica para salvar o
paciente. Diferente da celulite, que pode ser tratada com terapia antibiótica, a
fasciite deve também ser tratada agressivamente com procedimentos
cirúrgicos, como o debridamento do tecido infectado.
O mais forte preditor de mortalidade associado com FN é a idade. Em
pacientes com menos de 35 anos de idade, a taxa de mortalidade é
significativamente mais baixa (0%) quando comparada com a mortalidade em
pacientes acima de 70 anos (65%).
Outros fatores significativamente associados com aumento do risco de
mortalidade são a TS-LS, a hipotensão sem outros comemorativos da TS-LS e
a bacteremia. No entanto, esta última só pode ser detectada em prazo que
varia de 24 a 48 horas depois da apresentação, não servindo como marcador
clínico à admissão.
A mortalidade pode chegar a 100% nos casos não tratados
cirurgicamente e quando há miosite.
Os exames radiológicos são úteis, e o diagnóstico diferencial deve ser
feito principalmente com celulite em seu estágio inicial. O tratamento, que deve
ser precoce, é feito com antibióticos de amplo espectro, debridamento cirúrgico
agressivo e medidas de suporte clínico e nutricional.
Algumas modalidades terapêuticas têm sido associadas com melhora do
prognóstico. A administração de clindamicina, isoladamente ou em combinação
com a penicilina, tem sido associada com diminuição da mortalidade quando
comparada com outros antibióticos.
Síndrome do Choque Tóxico Estreptocócico (SCT)
Embora a incidência de doenças graves por S. pyogenes tenha
declinado uniformemente após o advento de antibióticos, essa tendência
mudou dramaticamente no final da década de 1980, quando infecções
caracterizadas por toxicidade multissistêmica foram relatadas. Vários fatores
têm sido sugeridos para explicar esse aumento, incluindo o aparecimento de
estirpes mais virulentas, maior número de pacientes com condições que
interferem com o sistema imunológico e alterações na comunidade que
facilitam a transmissão do estreptococo.
A porta de entrada mais freqüente para o Streptococcus β hemoliticus do
grupo A é a pele e as membranas mucosas, embora em cerca de 45% das
situações não seja possível identificar uma porta de entrada. A SCT também
pode ocorrer como uma complicação rara de faringite.
A associação entre varicela, uso de anti-inflamatórios não esteróides e
fasciíte necrosante por Streptococcus pyogenes tem sido discutida sem que se
tenha chegado a um consenso, no entanto o uso de anti-inflamatórios não
esteróides é, por alguns autores, desaconselhado nesta infecção vírica. A
ocorrência de choque e falência multiorgânica no início da infecção caracteriza
a SCT e ajuda a diferenciá-la de outro tipo de infecções invasivas.
A SCT por Streptococcus β hemoliticus está associada a elevada
mortalidade, cerca de 30%, havendo maior risco em idades inferiores a cinco
anos e superiores a sessenta e cinco anos, em pacientes com diabetes
mellitus, doenças pulmonares ou cardíacas crônicas e imunodeficiências, e
quando há hipotensão ou a doença atinge múltiplos órgãos.
Os mecanismos patogênicos da SCT por estreptococo ainda não são
totalmente conhecidos, mas foi sugerida a associação com as exotoxinas
pirogênicas, que são também as responsáveis pelo exantema da escarlatina, e
que pertencem ao grupo dos superantígenos que são capazes de estimular a
proliferação e a ativação dos linfócitos T e macrófagos resultando na produção
de grandes quantidades de citocinas. É a ação das citocinas que leva ao
choque e a necrose tecidual.
Os pacientes com essa síndrome inicialmente experimentam uma
inflamação do tecido mole no sítio da infecção, dor e sintomas inespecíficos
como febre, calafrios, mal-estar, náuseas, vômito e diarréia. A dor se intensifica
à medida que a doença progride para o choque e a falência dor órgãos (p. ex.,
rins, pulmões, fígado, coração) – características semelhantes àquelas da
síndrome do choque tóxico estafilocócico. No entanto, os pacientes com a
doença estreptocócica têm bacteremia e a maioria tem fasciite necrosante.
As cepas de S. pyogenes responsáveis por essa síndrome, diferem das
cepas que causam faringite, uma vez que a maioria das que causam a
síndrome do choque tóxico pertencem aos sorotipos M 1 ou 3, e muitas
apresentam uma cápsula de mucopolissacarídio ácido hialurônico proeminente
(cepas mucóides). Outra característica proeminente destes microorganismos é
a produção de exotoxinas pirogênicas, particularmente SpeA e SpeC.
A evolução da doença é muitas vezes dramaticamente rápida, sendo
necessário um elevado grau de suspeita para um pronto diagnóstico e início da
terapêutica apropriada.
A varicela é um fator de risco importante para as infecções invasivas
pela bactéria em crianças previamente saudáveis. Esta associação parece ser
explicada pelo fato da varicela lesar a integridade da pele e das membranas
mucosas criando assim uma porta de entrada, mas também pela
imunodepressão transitória causada pelo próprio vírus.
Outra associação importante referida na literatura é o uso de anti-
inflamatórios não esteróides (AINES) e o desenvolvimento de fasciíte
necrosante por Streptococcus β hemoliticus do grupo A. Os AINES diminuem a
atividade granulocítica e a produção de citocinas mascarando os sinais de
progressão da doença como febre, dor e sinais inflamatórios locais, o que leva
a atraso no diagnóstico. Há autores que aconselham prudência no uso de
AINES na varicela.
A penicilina mantém-se o tratamento de escolha para o Streptococcus β
hemoliticus do grupo A. No entanto modelos animais com miosite
estreptocócica têm verificado uma diminuição da eficácia da penicilina devido
ao baixo ritmo de replicação da bactéria quando o inóculo é grande. Como a
clindamicina inibe a síntese proteica, a sua eficácia não é afetada por este
fenômeno. Atualmente recomenda-se a terapêutica conjunta com penicilina e
clindamicina nas infecções graves por Streptococcus β hemoliticus do grupo A.
Outras Doenças Supurativas
O S. pyogenes tem sido associado a uma variedade de outras infecções
supurativas, incluindo sepse puerperal, linfangite e pneumonia. Embora estas
infecções ainda possam ser observadas, tornaram-se menos comuns após a
introdução de terapia antibiótica.
Bacteremia
O S. pyogenes é um dos mais comuns estreptococos β-hemolíticos
isolados em hemoculturas. Os pacientes com infecções localizadas como
faringite, pioderma e erisipela raramente têm bacteremia. No entanto, as
culturas de sangue de pacientes com fasciite necrosante ou síndrome do
choque tóxico são positivas para o microorganismo; a mortalidade nesta
população de paciente se aproxima de 40%.
Doenças Estreptocócicas Não-supurativas
Febre Reumática (FR)
A FR é uma doença inflamatória difusa, não supurativa, do tecido
conectivo, que ocorre como complicação tardia pós-infecção das vias aéreas
superiores pelo estreptococo do grupo A de Lancefield. Comporta-se como
afecção crônica com surtos agudos recorrentes. Trata-se de uma doença
sistêmica que acomete caracteristicamente as articulações, a pele, tecidos
subcutâneos, sistema nervoso central (SNC) e o coração, podendo levar a
cardites graves e até ao óbito. O envolvimento do coração se manifesta como
uma pancardite (endocardite, pericardite, miocardite) e está frequentemente
associado a nódulos subcutâneos. Pode ocorrer um dano crônico e progressivo
das válvulas cardíacas. As manifestações nas articulações podem variar de
artralgias a artrite franca, com envolvimento de múltiplas articulações num
padrão migratório (i.e., mudanças de envolvimento de uma articulação para
outra).
A fase aguda da FR é caracterizada por processo inflamatório agudo
necessitando de internação clínica e, em alguns casos, de intervenções
cirúrgicas. O manejo clínico dos pacientes na fase aguda está bem
estabelecido, sendo o suporte para a vida e a redução da sintomatologia,
medidas essenciais para controlar as manifestações tóxicas da doença.
Durante a fase crônica pode-se desenvolver a Doença Reumática Valvar
Crônica (DRVC), que se instala de 10-20 anos após o surto inicial, um
processo que acomete preferencialmente as válvulas cardíacas,
comprometendo suas funções. Na DRVC não há evidências para tratamento
específico senão a prevenção primária após o surto inicial agudo a ser
realizada com agentes antimicrobianos como a penicilina.
Sua incidência é mais observada em crianças, adolescentes e jovens em
sua fase mais produtiva, levando a incapacitação para o trabalho, onerando
assim o sistema previdenciário. Alguns estudos têm demonstrado a presença
de inflamação continuada nos pacientes com DRVC, porém a fisiopatogenia do
processo ainda não foi bem elucidada. Vários são os mecanismos
responsáveis por desencadear o processo inflamatório na doença, dentre os
quais incluem-se: exacerbação da imunidade celular e humoral e ativação do
sistema complemento. O estudo de todos estes 2 fatores é importante para que
haja maior compreensão da doença, principalmente na sua fase crônica.
O estresse oxidativo vem sendo observado em diversas doenças que
cursam com processos inflamatórios e imunológicos associados. A oxidação de
diversas moléculas como proteínas, lipídios, açúcares e ácido
desoxirribonucléico (DNA), têm sido associados a diferentes enfermidades
como: insuficiência renal, doenças neurológicas, reumatológicas e cardíacas.
A incidência de febre reumática nos Estados Unidos diminuiu de um pico
de mais de 100.000 casos por ano relatados em 1961 a 122 casos relatados
em 1994 (o último ano de notificação compulsória). Ao contrário, em países em
desenvolvimento, é muito mais comum, com uma estimativa de 100 casos por
100.000 crianças por ano. Tipos M específicos (p. ex., tipos 1, 3, 5, 6 e 18)
causam a doença. A febre reumática está associada a faringite estreptocócica,
mas não com infecções estreptocócicas cutâneas. Como poderia ser esperado,
as características epidemiológicas da doença são semelhantes àquelas da
faringite estreptocócica. Embora a doença ocorra mais comumente em
pacientes com faringite estreptocócica grave, até um terço dos pacientes
podem apresentar infecções brandas ou assintomáticas. A febre reumática
pode sofrer reicidiva com infecção estreptocócica subseqüente se não for
usada profilaxia antibiótica. O risco para recorrência diminui com o tempo.
Como nenhum teste diagnóstico específico pode identificar pacientes
com febre reumática, o diagnóstico é feito com base nos achados clínicos e em
evidências documentadas de uma infecção recente por S. pyogenes, como (1)
resultados de cultura, (2) detecção de antígenos do grupo A, ou (3) uma
elevação dos anticorpos antiASO, antiDNase B, ou anti-hialuronidase. A
ausência de títulos seria uma forte evidência contra febre reumática.
Glomerulonefrite
A glomerulonefrite ocorre cerca de três semanas após a infecção por
estreptococo do grupo A de sorotipo nefritogênico. A doença afeta cerca de
15% dos indivíduos infectados, embora muitos casos sejam subclínicos e se
resolvam. É uma rara complicação da infecção estreptocócica, que pode
seguir-se a faringites (comumente no inverno) ou infecções cutâneas
(comumente no verão), causadas principalmente pelo sorotipo M12. Epidemias
de impetigo causadas por sorotipos nefritogênicos resultam na alta incidência
de glomerulonefrite em crianças, cuja freqüência é maior entre os meninos. As
características epidemiológicas da doença são semelhantes àquelas da
infecção estreptocócica inicial.
Na glomerulonefrite pós-estreptocócica, anticorpos são formados contra
um antígeno estreptocócico implantado no glomérulo durante a infecção.
Ocorre alteração da permeabilidade da membrana glomerular, permitindo a
deposição dos complexos imunes pré-formados. O antígeno estreptocócico
pode estabelecer reação cruzada com estruturas glomerulares ou diretamente
ativar o complemento com subseqüente atração de células inflamatórias.
Neutrófilos são atraídos ao glomérulo por produtos da ativação do
complemento. Os depósitos imunes iniciam a glomerulonefrite difusa
proliferativa, afetando as células mesangiais e endoteliais.
A maioria dos pacientes apresenta a síndrome nefrítica aguda incluindo
hematúria com urina escura, proteinúria, sedimento urinário, retenção líquida,
edema, hipertensão com redução da função renal, dor de cabeça, anorexia,
náusea e vômito. A sorologia mostra aumento dos títulos de anticorpos anti-
estreptolisina, mas sua ausência não exclui o diagnóstico, pois alguns sorotipos
nefritogênicos não produzem estreptolisina. O diagnóstico é determinado
com base na apresentação clínica e na descoberta de evidência de infecção
recente por S. pyogenes.
A antibioticoterapia não parece influenciar a progressão da
glomerulonefrite aguda. Na ausência de falência renal aguda somente a terapia
de suporte com agentes anti-hipertensivos e diuréticos para o controle da
pressão sanguínea e da retenção de líquidos é necessária. Os pacientes
jovens geralmente se recuperam prontamente. Cerca de 95% dos pacientes se
recuperam espontaneamente com retorno da função renal normal dentro de
três a quatro semanas e sem seqüelas. Quando há atraso na resolução da
doença, falência renal severa e progressiva, dor nas articulações,
hepatoesplenomegalia e febre persistente podem ocorrer, então a biópsia é
indicada para assegurar que não existe uma causa mais séria para a doença.
Casos isolados de encefalopatia hipertensiva têm sido causados por
glomerulonefrite assintomática, indicando o largo espectro da doença pós-
estreptocócica.
Diagnóstico Laboratorial
Microscopia
A coloração de Gram de espécimes de tecido afetado pode ser usada
para fazer um rápido diagnóstico preliminar de infecções de tecidos moles ou
pioderma por S. pyogenes. Como os estreptococos não colonizam
normalmente a superfície da pele, a observação de cocos Gram-positivos aos
pares e cadeias em associação a leucócitos é importante. Ao contrário, os
estreptococos são parte da microbiota da orofargine, assim sua presença em
espécime respiratório de um paciente com faringite tem pouco valor preditivo.
Cultura
Apesar da dificuldade de coletar
swabs da orofaringe de crianças, o espécime
deve ser obtido a partir da orofaringe
posterior (p.ex., tonsilas). Poucas bactérias
estão presentes nas áreas anteriores da
boca, e a boca (particularmente a saliva) é
colonizada com bactérias que inibem o
crescimento de S. pyogenes. Portanto, a contaminação, mesmo de um
espécime coletado apropriadamente, pode prejudicar ou suprimir o crescimento
de S. pyogenes. O isolamento de S. pyogenes de paciente com impetigo não é
um problema. A superfície em crosta de lesão é suspensa, e o material
purulento e a base da lesão são usados para a cultura. Espécimes para cultura
não devem ser obtidos de pústulas de pele que estejam abertas ou drenando,
porque podem estar superinfectadas com estafilococos. Os microorganismos
são rapidamente isolados nas culturas de tecidos e de sangue obtidas de
pacientes com fasciite necrosante, no entanto, relativamente poucos
microorganismos podem estar presentes na pele de pacientes com erisipela ou
celulite.
Como discutido previamente, os estreptococos são fastidiosos e
apresenta exigências nutricionais para o crescimento. Antibióticos (p. ex.,
trimethoprim-sulfametoxazol-trimetoprima) podem ser adicionados as placas de
Agar sangue para suprimir o crescimento das bactérias da microbiota oral.
Embora estas placas seletivas sejam úteis, o crescimento de S. pyogenes
nessas placas pode ser retardado e a incubação prolongada (2 a 3 dias) deve
ser usada. Não se tem certeza de que a atmosfera de incubação deve ser
utilizada. Como todas as cepas de S. pyogenes produzem estreptolisina S, o
padrão hemolítico das culturas bacterianas nas placas de Agar sangue pode
ser detectado quando as culturas são incubadas em atmosfera ambiente sem
suplementação com CO2.
Identificação
O S. pyogenes foi historicamente identificado por sua suscetibilidade à
bacitracina. Neste método, um disco saturado com bacitracina é colocado na
superfície de uma placa inoculada com estreptocococs do grupo A, após
incubação por 18 horas, as cepas inibidas pela bacitracina são consideradas
estreptococos do grupo A.
Os estreptococos do grupo A são identificados definitivamente através
de demonstração do carboidrato grupo-específico, uma técnica que não era
prática até a introdução de testes de detecção direta de antígeno.
A diferenciação de S. pyogenes de S. anginosus e todos os outros
estreptococos β-hemolíticos pode ser realizada rapidamente através de
demonstração através da presença da enzima L-pirrolidonil arilamidase (PYR).
Esta enzima hidrolisa a L-pirrolidonil-β-naftilamida, liberando a β-naftilamina,
que é detectada na presença de p-dimetilaminocinamaldeído pela formação de
um composto vermelho. A vantagem deste teste específico é que se leva
menos de um minuto para determinar se a reação é positiva (S. pyogenes) ou
negativa (S. anginosus).
Detecção de Antígenos
Uma variedade de testes imunológicos usando anticorpos que reagem
com o carboidrato grupo-específico na célula bacteriana pode ser usada para
detectar os estreptococos do grupo A diretamente nos swabs da orofaringe. O
antígeno é extraído através do tratamento do espécime com ácido nitroso ou
pronase por cinco minutos. O extrato é, então, misturado com anticorpos
específicos que estão imobilizados sobre uma membrana filtrante (ensaio
imunoenzimático [EIA, do inglês immunoassay]) ou ligados a partículas de
látex. O desenvolvimento de um indicador positivo no EIA ou de aglutinação
das partículas de látex representam um resultado positivo.
Embora estes testes sejam muito específicos, a sensibilidade é baixa
(provavelmente não melhor que 90%); portanto, todos os resultados negativos
devem ser confirmados pela cultura. Uma sonda de ácidos nucléicos altamente
específica e sensível também está disponível para a identificação direta de S.
pyogenes em espécimes clínicos.
Detecção de Anticorpos
Os pacientes com doença por S. pyogenes produzem anticorpos para
muitas enzimas específicas. Embora os anticorpos contra proteína M sejam
produzidos e importantes para manutenção da imunidade, esses anticorpos
aparecem tarde durante a evolução clínica de doença e são tipo-específicos.
Ao contrário, a medida de anticorpos contra a estreptolisina O (o teste ASO) é
útil para confirmar febre reumática ou glomerulonefrite aguda resultante de uma
infecção estreptocócica de orofaringe recente. Estes anticorpos aparecem 3 a 4
semanas após exposição inicial ao microorganismo e então persistem.
Um título de ASO elevado não é observado em pacientes com pioderma
estreptocócico. A produção de outros anticorpos antienzimas estreptocócicas,
particularmente DNase B tem sido documentada em pacientes com pioderma e
faringite estreptocócicos. O teste antiDNase B deve ser realizado quando se
suspeita de glomerulonefrite estreptocócica.
Utilização de marcadores moleculares na identificação de sorotipos de S.
pyogenes
Surtos de doenças infecciosas freqüentemente resultam de exposição a
uma fonte comum do agente etiológico, em que os microrganismos envolvidos
são clonalmente relacionados. Entretanto, existe diversidade no nível de
espécie, e microrganismos isolados de diferentes fontes, em diferentes tempos
e diferentes regiões geográficas, podem ser diferenciados ou classificados
dentro de sorotipos.
Os sistemas de tipagem sorológica baseados na superfície exposta da
proteína M permitem estabelecer relação entre os sorotipos de estreptococos
do grupo A com as doenças que eles causam. O reconhecimento do antígeno
T também tem sido útil, embora os antígenos T não sejam específicos. A
sorotipagem por antígenos M e/ou T pode distinguir entre recorrências
causadas por uma nova linhagem de S. pyogenes e a persistência de uma
linhagem original, porém, muitas linhagens não podem ser tipadas devido à
falta de anti-soro tipo-específico apropriado. A sorotipagem destes antígenos
pode ser insuficiente para diferenciação clonal em estudos epidemiológicos, ao
passo que técnicas moleculares podem identificar linhagens dentro de um
mesmo sorotipo sendo, portanto, indispensáveis para a elucidação de surtos.
Em anos recentes, vários estudos epidemiológios envolvendo S.
pyogenes têm utilizado métodos moleculares, como Restriction Endonuclease
Analysis (REA), Ribotyping, tipagem do gene emm, PFGE (Pulsed-field gel
electrophoreis) e RAPD (Random amplified polymorphic DNA). Estas técnicas
têm mostrado uma boa capacidade de diferenciação entre vários clones de
estreptococos do grupo A porém, a maioria destes métodos requer muito
tempo, e são caros, além de tecnicamente exigentes.
Muitas técnicas moleculares usadas para tipagem baseiam-se na
separação eletroforética de fragmentos de DNA de diferentes comprimentos
moleculares. O resultado é representado por um padrão de bandas em um gel.
É uma técnica que apresenta facilidade com a qual os padrões são
interpretados e relacionados, bem como praticidade, facilidade técnica, custo e
tempo.
O seqüenciamento do gene emm, que codifica a proteína M, é utilizado
para a caracterização de sorotipos de estreptococos do grupo A. Uma vez que
as seqüências emm 5’ podem ser eficiente e confiavelmente utilizadas para
identificar sorotipos M, este sistema de tipagem é uma ferramenta molecular
epidemiológica com a qual se pode investigar e monitorar a diversidade dos
isolados.
MLST utiliza seqüências internas de loci housekeeping, que são
comparadas para caracterizar os isolados, enquanto ribotyping, ou tipagem do
DNA ribossomal, é uma variação de RFLP-Southern blotting, na qual as probes
15 são derivadas de genes do rRNA 16S e 23S.
A eletroforese em campo pulsado, ou PFGE, envolve a lise bacteriana in
situ e utiliza enzimas de restrição para clivar o DNA. Os fragmentos de DNA
cromossomal são submetidos à eletroforese, na qual a direção da corrente
elétrica é mudada em intervalos pré-determinados e os padrões dos
fragmentos de DNA resultantes são comparados. PFGE também é amplamente
utilizado nas investigações epidemiológicas envolvendo S. pyogenes e seus
resultados mostram correlação com os tradicionais métodos de sorotipagem da
proteína M e T, além de distinguir os isolados pertencentes ao mesmo tipo M.
RAPD, também chamado Arbitrary Primed PCR (AP-PCR), é mais fácil,
rápido e menos oneroso que outros métodos de tipagem molecular e tem sido
utilizado na resolução de assuntos epidemiológicos envolvendo estreptococos
do grupo A. O método recebe atenção por sua simplicidade, rapidez e por
requerer mínimas quantidades de DNA genômico. A estratégia básica envolve
a amplificação de fragmentos ao acaso do DNA genômico, com um único
primer de seqüência arbitrária. A ligação do primer ao DNA é favorecida pela
baixa temperatura de anelamento. Os múltiplos produtos de PCR são
separados de acordo com o tamanho por eletroforese em gel de agarose. Os
padrões de RAPD resultantes de diferentes isolados podem então ser
comparados. Polimorfismos entre sorotipos são detectados como diferenças
entre os padrões de fragmentos de DNA amplificados. RAPD é uma ferramenta
que possibilita a diferenciação entre sorotipos.
O uso de um único primer no RAPD permite reconhecimento apropriado
de um amplo número de sorotipos de estreptococos do grupo A, mas a
eficiência do RAPD pode ser aumentada pelo uso paralelo de vários primers. A
otimização das condições da PCR é de grande importância para a
maximização do poder discriminatório do RAPD. Os padrões de RAPD
produzidos são altamente dependentes das condições específicas da reação e
da concentração dos reagentes. Variações na temperatura de anelamento, a
proporção da concentração primer-DNA e a concentração de magnésio afetam
os resultados. As sensibilidades dos diferentes primers à variações nestes
parâmetros pode ser 16 diferente. Até mesmo o uso de um termociclador
diferente pode causar variação.
Tratamento, Prevenção e Controle
O S. pyogenes é muito sensível à penicilina. A eritromicina ou uma
cefalosporina oral pode ser usada em pacientes com um histórico de alergia a
penicilina. No entanto, esta terapia é ineficaz em pacientes com infecções
mistas que envolvem Staphylococcus aureus. O tratamento nestes casos deve
incluir oxacilina ou vancomicina. Os novos macrolídios (p. ex., azitromicina,
claritromicina) não são mais efetivos do que a eritromicina, e a utilidade das
tetraciclinas e sulfonamidas é limitada por causa da resistência ou fraca
resposta clínica. O debridamento cirúrgico agressivo e a drenagem devem ser
prontamente iniciados em pacientes com infecções sérias de tecidos moles.
O estado portador persistente na orofaringe pode ocorrer após uma
terapia longa. Este estado pode vir de um mau uso pelo paciente da duração
da terapia prescrita, reinfecção com uma nova cepa, ou de estado de portador
persistente em um foco infeccioso seqüestrado. Aos pacientes que portam o
microorganismo na orofaringe, pode ser dado um tempo adicional de
tratamento porque a resistência à penicilina não foi observada em cepas
isoladas desses pacientes. Se o estado de portador persistir, um tratamento
repetido não é indicado, porque a terapia antibiótica prolongada pode perturbar
a flora bacteriana normal. A terapia antibiótica em pacientes com faringite
acelera o alívio dos sintomas e, se iniciada em 10 dias da doença clínica inicial,
previne a febre reumática.
Streptococcus agalactiae
Reconhecido em 1920 como agente causador de mastite bovina, doença
que deu o nome a bactéria. A espécie Streptococcus agalactiae é a única que
possui o antígeno do grupo B. Geralmente coloniza o trato gastrointestinal e o
trato geniturinário de adultos saudáveis. Esses não apresentam sintomatologia
de infecção por S. agalactiae, mas sobre certas circunstâncias, ambientais e do
hospedeiro, o patógeno passa a apresentar capacidades invasivas e de evasão
de imunidade, sendo por isso causador de doenças de sério risco de vida.
Mas o S. agalactiae é conhecido, principalmente, por infectar neonatos e
mulheres grávidas, sendo mais notório, no período próximo ao parto, causando
nos recém nascidos sepse, meningite e pneumonia.
O desenvolvimento de infecções por estreptococo do grupo B reflete o
sucesso da colonização do epitélio vaginal, penetração das barreiras
placentárias, evasão da imunidade, aquisição de nutrientes e capacidade de
romper a barreira hematoencefálica, expressando assim diversos fatores de
virulência os quais mediam a interação com a célula hospedeira e interferem
nos mecanismo da imunidade inata.
A patogenicidade desse estreptococo é um modelo de grande valor para
analisar infecções causadas por patógenos encapsulados e analisar infecções
no período perinatal.
ESTRUTURA
São cocos gram-positivos que apresentam uma cápsula polissacarídea,
diversas proteínas de superfície. Suas colônias apresentam um aspecto
cremoso e uma zona estreita de β hemólise.
Podem ser caracterizados por: (1) antígeno polissacarídeo de parede
celular grupo específico; (2) polissacarídeos tipo específicos; (3) proteína de
superfície.
Cápsula Polissacarídea e Sorotipos
O Streptococcus agalactiae apresenta uma cápsula de polissacarídeo. A
tipação capsular é muito importante epidemiologicamente além de ser o maior
fator de virulência com atividade antifagocitária.
Os sorotipos capsulares conhecidos são: Ia, IB, II, III (clássicos,
identificados por Lancefield), V, VI e VIII.
Genômica
Foram identificadas sequências genômicas para os sorotipos III e V, e
em ambas há aproximadamente 15 regiões dispersas ao longo do genoma, as
quais contém genes para muitas proteínas de superfície, supostos fatores de
virulência e a maioria dos genes codificadores de proteínas únicas a essa
espécie. É importante observar a enorme homologia das proteínas do S.
agalactiae com as proteínas das espécies, Streptococcus pneumoniae e
Streptococcus pyogenes (Figura. 1).
Proteínas de Superfície
FIGURA 1. O Streptococcus agalactiae apresenta 2144 proteínas das quais 683 são únicas a espécie, 1060 apresenta homologia com ambas as outras espécies e 401 homologia com apenas uma das outras espécies.
Antígeno C
Composto de duas proteínas α e β proteínas, a primeira tripsina
resistente e a segunda tripsina sensível. Cepas que expressam o antígeno c
tem que expressar pelo menos uma das duas proteínas.
Família das Proteínas Alp. (Figura 2)
Identificados quatro membros que são a α proteína, Rib, R28 e a Alp2
proteína. Essa família de proteínas apresentam sequências repetitivas
terminais o que é comum em bactérias Gram-positivas e organismos
superiores. Por essas Características são um modelo para o estudo de
proteínas com sequências repetitivas.
α Proteína (α C Protein, ACP)
É tripsina resistente, essa propriedade é utilizada pra identificação de
cepas que possuem essa proteína. É mais encontrada nos sorotipos Ia, Ib, II e
quase nunca encontrada nos sorotipos III e V.
Proteína Rib
É uma proteína de alto peso molecular que apresenta relação com a α
proteína, sendo também resistente a tripsina, mas a imunização por reação
cruzada não ocorre para essas duas proteínas. É encontrada na maioria das
cepas do sorotipo III, algumas cepos do II e poucas do V.
Proteína R28
Foi identificada primeiramente na espécie Streptococcus pyogenes e sua
caracterização mostra a relação com as proteínas α e Rib. Apresenta
imunização por reação cruzada com a proteína Rib. É expressa nos sorotipos V
e VIII.
Proteína Alp2
É A proteína mais rara de ser encontrada em cepas dentre as outras
constituintes da família das Alp proteínas. É encontrado em poucas cepas dos
sorotipos Ia, III e V.
C5a Peptidase
Localizada na superfície, é uma protease que inativa o C5a humano o
qual é quimiotático e produzido na ativação do complemento.
Proteína β
É uma proteína sensível a tripsina encontrada em todos as cepas do
sorotipo Ib, na minoria dos sorotipos Ia, II e V e quase nunca em cepas do
sorotipo II.
Proteína Lmb
É uma lipoproteína de superfície.
Outras Proteínas de Superfície
Fbsa proteína (proteína ligante ao fibrinogênio); Proteína Sip; Proteína
Spb1.
FIGURA 2. Proteínas da família Alp que são comumente expressas em cada sorotipo.
PATOGÊNESE
Fatores de Virulência
(Tabela 1)
Fator de virulência Função
Proteína R28 Ligação a células epiteliais cervicais
C5a peptidase
(ScpB, ScpA)
Cliva o C5a humano inativando-o; inibe a quimiotaxia de
neutrófilos e inibe ativação do complemento; liga-se a
fibronectina.
β proteína Liga-se a Iga-Fc e fator H; adesão a células humana, inibe
ativação do complemento; inibe quimiotaxia de neutrófilos;
Proteína Lmb Adesão e transporte de metais; liga-se a laminina
(controverso) promovendo colonização e invasão tecidual.
FbsA proteína Liga-se ao fibrinogênio.
Spb1 proteína Internalização da bactéria às células do hospedeiro.
Ácido lipoteicóico
(LTA)
Adesão às células epiteliais.
Hialuronidase Degradação da matriz extracelular (MEC).
Pili Adesão e colonização da célula hospedeira
ACP (α proteína) Interação com glicosaminoglicanos.
β-hemolisina Formadora de poros, lise celular.
GBS GAPDH
(Gliceraldeido-3-
fosfato
desidrogenase de
estreptococus do
grupo B)
Ativação do plasminogênio e degradação da MEC.
Ácido Siálico
capsular
Prejudica a opsonização, ativação do complemento e
fagocitose.
Superóxido
desmutase (SodA)
Neutralizador de Ros.
Pigmento
carotenóide
Neutralizador de Ros.
Glutationa Neutralizador de Ros.
Fatores ativadores
de apoptose
Ativam a apoptose via caspase 3 e cisteína protease
citosólica (clivagem de proções da proteína Bcl-2.
Aderência a Superfície Epitelial do Hospedeiro
(figura 3)
A patogênese, por Streptococcus do grupo B (GBS), pode ser
evidenciada primariamente pela colonização assintomática do hospedeiro,
principalmente o trato urogenital de mulheres e o trato gastrointestinal. O
Streptococcus agalactiae liga fortemente às células epiteliais da vagina em
condições de pH ácido, o que é normal na mucosa vaginal. Isso ocorre pela
fraca adesividade à membrana pelo ácido lipoteicóico (LTA) e a interações de
grande afinidade mediada pelas proteínas superficiais hidrofóbicas.
A ScpB (C5a peptidase) liga-se a fibronectina e é importante na
aderência às células hospedeiras. A aderência a laminina depende da proteína
Lmb. Em cada caso essa interação receptor-ligante ajuda o estreptococo do
grupo B a aderir a células epiteliais. Recentemente foi descoberto que o GBS
apresenta pili componente que é mais estudado em bactérias gram-negativas,
onde são responsáveis pela adesão e colonização de células humanas, é
considerado que o pili apresenta a mesma função no Streptococcus agalactiae.
Invasão através das Barreiras Epiteliais
(figura 3)
O GBS secreta toxinas e fatores de virulência de superfície (invasinas)
que promovem a entrada e sobrevivências com as células hospedeiras.
Ultimamente é mostrado que o Streptococcus agalactiae apresenta um nicho
de sobrevivência intracelular, este pode ser quebrado e causar danos ao tecido
do hospedeiro e ativar uma resposta inflamatória.
O GBS também produz a hialuronidase enzima capaz de degradar a
matriz extracelular (MEC). A adesão do FbsB, Lmb e ScpB com a MEC é
importante na invasão tecidual. A interação de ACP com glicosaminoglicanos
promove a internalização da bactéria. O dano celular resulta da ação da β-
hemolisina, uma toxina formadora de poros que lisa epitélio pulmonar, células
endoteliais e compromete as barreiras do hospedeiro. GBS mutantes
desprovidos de β-hemolisina são menos ábeis de penetrar nas barreiras
pulmonares e produzir infecções sistêmicas, quando comparadas a tipos
selvagens. O estreptococo do grupo B pode ligar-se a resíduos de lisina do
plasminogênio do hospedeiro através do GAPDH.
FIGURA 3As proteínas de superfície Fbs A/B, ScpB, Pili, Bib A, LTA e ACP mediam a ligação às células epiteliais, à MEC, fibrinogênio e fibronectina. A β hemolisina promove a invasão.
Resistência a Imunidade Inata
(figura 4)
Assim que a atravessa as barreiras epiteliais ou alcança tecidos
profundos, o sistema imune do hospedeiro é ativado para acabar com a
infecção para que isso ocorra com eficiência é necessário que haja anticorpos
específicos e ativação do complemento. Isso é quantitativamente e
qualitativamente deficiente em recém nascidos, mais ainda em prematuros.
A ligação ao fator H pelo GBS é um fator de evasão da imunidade, a
cápsula sializada é um fator anti-fagocítico por prejudicar a deposição de
fatores do complemento na bactéria. Por isso o Streptococcus agalactiae
mutante deficiente em ácido siálico são mais facilmente mortos por neutrófilos.
A redução de C3 (dependente de ácido siálico) junto com a clivagem do
C5a pela ScpB reduz a quimiotaxia de neutrófilos. A ligação da β proteína ao
fator H e a IgA prejudica a deposição de C3b na superfície bacteriana.
Quando englobado o GBS sofre ação de espécies reativas de oxigênio
(ROS), porém são resistentes a esses, pois produz glutationa, superóxido
desmutase e pigmentos carotenóides, esses sistemas são capazes de
metabolizar e inativar as ROS.
A indução da apoptose um mecanismo alternativo de defesa,
dependente da ativação da caspase-3 ou por ativação de cisteínas proteases
citosólicas que clivam a proteína Bcl-2.
FIGURA 4
Ativação Inflamatória e Sepse
Quando ocorre rompimento das barreiras epiteliais e evasão da resposta
imune o GBS estabelece um bacteremia, e isso ocorrendo há liberação de
citocinas pró-inflamatórias por células epiteliais danificadas, por quebra da
MEC, por macrófagos locais ( IL-1, IL-6, TNF-α), causando um processo
inflamatório sistêmico e conseqüências sistêmicas disso, podendo resultar em
choque.
SÍNDROMES CLÍNICAS
Doença Neonatal de Início Precoce
Aproximadamente 80% das infecções em neonatos por Streptococcus
aaglactiae ocorrem antes de uma semana de vida, e são chamadas de
infecções de início precoce. (figura 5)
Os neonatos com doença de início precoce adquirem o microorganismo
de suas mães, que apresentam colonização assintomática por GBS, durante o
parto. A maioria dessas infecções ocorrem com o espalhamento crescente da
bactéria no líquido amniótico e posterior aspiração, pelo recém nascido, desse
fluido contaminado. Também pode ocorrer infecção por membranas intactas.
As síndromes clínicas encontradas nessa doença são: sepse, meningite,
pneumonia, celulite, osteomielite, e atrite séptica. Infecções sanguíneas com ou
sem pneumonia são observadas em 89% dos casos, meningite é menos
comum ocorrendo em aproximadamente 10 % dos casos.
As infecções por GBS podem resultar em morte, sequelas neurológicas
e raramente podem recorrer. Estimativas recentes sugerem que a fatalidade é
de 4 a 6% sendo que na década de setenta, essa estimativa era de 55%, a
essa diminuição deve-se o diagnóstico precoce, medidas profiláticas em
gestantes e antibiótico terapia. As sequelas neurológicas são observadas em
decorrência de meningite e são mais observadas em crianças prematuras.
FIGURA 5. Porcentagem dos casos de infecções em recém nascidos. Notar que aproximadamente 80% ocorre antes de uma semana de vida. E dos casos de infecções de início precoce aproximadamente 80% ocorre antes da criança completar um dia de vida.
Doença Neonatal de Início Tardio
A patogênese da doença de início tardio é menos conhecida, mas
alguns casos provavelmente refletem a aquisição do microorganismo durante
passagem pelo canal do parto, e 50% das mães com filhos infectados
apresentam a mesmo sorotipo GBS que o causador da infecção na criança.
Infecções nasocomiais e de comunidade possivelmente também estão
envolvidos nessas infecções. Essa doença ocorre após uma semana de vida
até dois meses e 3 meses de vida.
Síndromes clínicas incluem: sepse, meninginte, pneumonia, celulite,
osteomielite e artrite séptica.
Enquanto houve um declínio na incidência de infecções de início
precoce a incidência de doenças tardia permanecem constantes.
Infecções na Mulher Grávida
GBS infecta mulheres grávidas e causam desde brandas infecções no
trato urinário até doença que oferecem risco de vida, sepse e meningite.
Infecções por S. aglactiae são causas conhecidas de nascimentos de
crianças mortas, por isso mesmo a mãe tendo um eficiente sistema imune e as
infecções geralmente não serem sérias, é necessário ter cuidado com essas
infecções em gestantes. Inclusive alguns autores dizem que há relação entre
infecção por GBS e nascimentos prematuros.
Infecções em Homens e Mulheres Não Grávidas
A incidência de doenças invasivas em homens e mulheres não grávidas
vem crescendo, por, principalmente duas razões: (1) um aumento da
prevalência de cepas virulentas; (2) e um aumento do número de adultos que
apresentam doenças crônicas.
As síndromes clínicas são apresentadas na tabela 2. Quando há
infecção por GBS e há bacteremia de causa conhecida, a mortalidade é de
31%.
EPIDEMIOLOGIA
Fatores de Risco
Doença Neonatal de Início Precoce e de Início Tardio
Entre 15 e 35% das mulheres grávidas são colonizadas por GBS no trato
genital e/ou no reto, porém a incidência de neonatos que desenvolvem a
doença é de 1 a 2 por 1000 nascimentos.
Fatores de risco para a infecção de início precoce estão descrito na
tabela 3. Os principais fatores que aumentam o risco do recém nascido são: (1)
suscetibilidade do hospedeiro, (2) grande quantidade de microorganismos no
trato genital materno.
A virulência do sorotipo III está relacionada a sua ocorrência quando há
meningite e em infecções de início tardio, a prevalência de algum cepa
causando doença de início precoce não é vista já que essa é causada por
diversos sorotipos.
A susceptibilidade do recém nascido aumenta quando o nível de
anticorpos-anticapsular materno, contra o sorotipo infectante, é baixo.
Infecções na Mulher Grávida
Os fatores de risco maternos podem aumentar siguinificavelmente a
probabilidade de doenças em neonatos. GBS bacteriuria durante a gestação,
ruptura prematura das membranas fetais, febre durante o parto, tachas
Incidência de doença de início precoce e de início tardio nos EUA ao longo do tempo. AAP - American academy of pediatrics; ACOG – American college of obstetrician and gynecologists. As setas indicam quando foram instruídas diretrizes na profilaxia da doença de início precoce.
TABELA 3
sanguíneas de anticorpos-anicapsulares baixas e história de filho que já teve
doença de início precoce são fatores de risco e para que o neonato não
desenvolva a doença devem ser tomadas medidas profiláticas.
Infecções em Homens e Mulheres Não Grávidas (tabela 4)
Essas infecções acometem hospedeiros imunudeficientes, debilitados,
com doenças crônicas (diabetes mellitus e câncer). O risco de uma infecção
invasiva em diabéticos é de catorze vezes o risco de adultos saudáveis serem
infectados.
O gráfico 1 mostra a incidência das doença invasivas por GBS de acordo
com a idade.
TABELA 4
GRÁFICO 1
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
Cultura
O material de cultura de ser coletado de um swab vaginal e um anal. O
S. agalactiae cresce facilmente em meio enriquecido. A β hemólise às vezes
está ausente ou pode ser de difícil visualização. É bom selecionar o meio para
suprimir o crescimento de outras bactérias, pode-se usar caldo LIM com
colistina e ácido naçidíxico.
O médico pedinte do exame tem que especificar o propósito do exame, e
tomar medidas de coleta e transporte do material adequadas, por exemplo o
material de coleta não pode ser do cérvice.
Detecção do Antígeno
O objetivo desse exame é detectar o antígeno grupo específco, são
utilizados os seguintes métodos: coaglutinação estafilocócica, aglutinação com
látex e EIA. Esses teste são muito insensíveis para serem usados como meios
de triagem em mulheres grávidas.
PCR
A reação em cadeia polimerase é utilizada para detectar ácidos
nucléicos. Há dois testes disponíveis nos EUA, um produzido recentemente
Métodos de detecção em um grupo de pacientes (mulheres não grávidas), de acordo com as técnicas laboratoriais.
mas que apresenta praticamente os mesmos valores do que o primeiro teste
aprovado pelo FDA. Tabela 5.
TRATAMENTO
A penicilina G é a droga de escolha, o S. agalactiae, pode apresentar
tolerância a essa droga e por isso pode ser associada a um aminoglicosídeo.
Pacientes alérgicos a penicilina, é utilizado a vancomicina como terapia
alternativa.
PREVENÇÃO E CONTROLE
A figura 6 mostra o padrão de prevenção das doenças neonatais, esse é
focado principalmente em uma quimioprofilaxia dada a gestante de acordo com
os fatores de risco.
Após a introdução dessa quimiprofilaxia a incidência das doenças
neonatais caiu drasticamente o q pode ser observado no gráfico x.2.
Vacina
FIGURA 6
Os anticorpos anticapsulares promovem uma imunidade protetora, essa
informação combinada com o uso eficaz da vacina polissacarídea
penumocóccica em adultos, sugerirram que o uso de um vacina em mulheres
grávidas poderia proteger recém nascidos, essa vacina seria baseada na GBS
polissacarídeo purificado. Porém foi constatado que esses polissacarídeos são
pobremente imunogênicos.
Verificou-se que a vacina conjugada com o toxóide-tetânico, estudo em
animais, aumentou a imunidade, isso indica que a prevenção perinatal pode ser
feita com a imunização por essa vacina.
A partir do desenvolvimento dessa vacina, vem sendo tentado a
produção de novas vacinas.
O licenciamento dessa vacinas é de grande dificuldade pois afeta fatores
éticos ao tentar testar as vacinas em mulheres grávidas.
RELATO DE CASOS
Uma Recém Nascida com Lesões Epiteliais
Recém nascida com rash cutâneo presente ao nascimento. Gravidez
sem complicações. Mãe apresentava anticorpos contra rubéola e HSV. A
criança apresentava lesões pustulares de pele. Cultura retrovaginal da mãe foi
positiva para GBS.
Endocardite Infecciosa Causada por Streptococcus agalactiae
Homem, 39 anos, não apresentava fatores de risco para infecção por
GBS, internado no hospital após 3 dias de febre, seguido de ataxia, vertigem e
diplopia. Paciente estava sonolento, discreta hemiparesia da face. Ausculta
revelou intenso murmúrio mesosistólico na área da aorta que irradiava até o
pescoço. Hematócrito apresentava neutrofilia. Função hepática normal. LCE
com presença de PMN e mononucleares, cultura negativa. Cultura sanguínea
positiva para Streptococcus agalactiae sensível a ampicilina, penicilina,
resistente a vancomicina.
Outros Estreptococos Beta-Hemolíticos
Os grupos C, F e G são os mais comumente associados a doenças
humanas entre os outros estreptococos beta-hemolíticos. Particularmente
importantes, são os microrganismos do grupo dos Streptococcus anginosus
(dentro do qual estão S. anginosus, S. constellatus e S. intermedius) e o
Streptococcus dysgalactiae. Os microrganismos do grupo dos S. anginosus
podem possuir polissacarídio capsular do grupo A, C, F ou G. O S.
dysgalactiae pode possuir polissacarídio do grupo C ou G. Uma cepa individual
possui apenas um único tipo de antígeno de grupo, o que condiz com o fato de
uma espécie ser um grupo de organismos intimamente relacionados.
Os microrganismos do grupo dos S. anginosus crescem como pequenas
colônias com uma zona estreita de beta-hemólise, nas culturas em placa com
ágar sangue. O crescimento ocorre em dois dias de incubação. As espécies do
grupo dos S. anginosus estão associadas primariamente à formação de
abcessos.
Streptococcus do grupo C. Cultura de S. anginosus, espécie formadora de colônias pequenas.
O S. dysgalactiae cresce como grandes colônias com uma zona ampla
de beta-hemólise, nas culturas em placa com ágar sangue. Esse
comportamento é semelhante ao do S. pyogenes. Assim como o S. pyogenes,
o S. dysgalactiae provoca faringite, algumas vezes, associada à
glomerulonefrite aguda, mas não com febre reumática.
Streptococcus do grupo C. Cultura de S. dysgalactiae, espécie formadora de colônias grandes.
Outro microrganismo do grupo é o Streptococcus bovis. Lancefield
classificou a cepa original como beta-hemolítica. No entanto, a maioria das
cepas é alfa-hemolítica e não beta-hemolítica, sendo, portanto, reclassificada
como pertencente aos estreptococos viridans. O S. bovis é clinicamente
significante porque as cepas causadoras de bacteremia estão associadas a
neoplasias no cólon.
Estreptococos Viridans
Os estreptococos viridans formam um grupo heterogêneo de
estreptococos alfa-hemolíticos e não-hemolíticos. O nome viridans é derivado
de viridis (que significa “verde” em latim), pelo fato de várias dessas bactérias
produzirem um pigmento de cor verde no meio ágar sangue no qual são
cultivadas.
Colônias alfa-hemolíticas de Streptococcus mitis
Microbiologistas europeus e americanos não chegaram a um consenso
em relação à nomenclatura taxonômica dessas espécies, o que a torna
confusa. Diferentes nomes de espécies podem ser encontrados na literatura.
Nos Estados Unidos, mais de 20 espécies foram identificadas e são
classificadas em 5 subgrupos.
Grupos Espécies
Anginosus S. anginosus, S. constellatus,
S. intermedius
Mitis S. mitis, S. pneumoniae, S. sanguis,
S. parasanguis, S. gordonii,
S. crista, S. oralis
Mutans S. mutans, S. sobrinus, S. cricetus,
S. rattus, S. downei, S. macacae
Salivarius S. salivarius, S. vestibularis,
S. thermophilus
Bovis S. bovis, S. alactolyticus,
S. equinus
Não-agrupável S. acidominimus, S. suis
Muitas amostras de estreptococos viridans não possuem um carboidrato
grupo-específico. No entanto, tem sido relatada sua reação com alguns grupos
de carboidratos. Isso ocorre com os membros do subgrupo anginosus e com a
espécie Streptococcus bovis do subgrupo bovis. Deve ser observado que o
Streptococcus pneumoniae é membro do subgrupo mitis dos estreptococos
viridans. O S. pneumoniae é intimamente relacionado às espécies
estreptocócicas viridans, embora seja discutido separadamente.
Como a maioria dos outros estreptococos, as espécies viridans são
nutricionalmente fastidiosas, requerendo meios de cultura complexos
suplementados com produtos sanguíneos e, com frequência, incubação em
atmosfera com mais CO2, de 5% a 10%. Algumas cepas são nutricionalmente
deficientes, crescendo apenas na presença de piridoxal, que é a forma ativa da
vitamina B6. Usualmente, estes microrganismos podem crescer em culturas
com sangue. No entanto, não podem crescer quando são subcultivados, a não
ser que seja utilizado meio suplementado com piridoxal. Dois novos gêneros,
Abiotrophia e Granulicatella, foram criados para reclassificar estas cepas,
embora muitos investigadores se refiram a elas como, simplesmente,
estreptococos nutricionalmente deficientes.
Os estreptococos viridans colonizam a orofaringe, o trato gastrointestinal
e o trato genitourinário. Raramente, são encontrados sobre a superfície da
pele. Os ácidos graxos de superfície são tóxicos para eles. Estes
microrganismos são mais comumente associados a cárie dental, endocardite
subaguda e infecções intra-abdominais supurativas, mas podem também
causar outras variedades de infecções. Embora coletivamente classificadas
como estreptococos viridans, muitas espécies estão associadas a doenças
específicas. A cárie dental, por exemplo, está associada a S. mutans e S.
sobrinus. A endocardite subaguda está associada a S. gordonii, S. mitis, S.
mutans, S. oralis e S. sanguis. A formação de abcessos está associada a S.
anginosus, S. constellatus e S. intermedius. A sepse em pacientes com
mucosite e neutropenia está associada a S. mitis. As neoplasias do trato
gastrointestinal estão associadas a S. bovis.
Doenças Espécies
Cárie Dental S. mutans, S. sobrinus
Endocardite Subaguda S. mitis, S. sanguis, S. gordonii,
S. oralis, S. mutans
Abcessos S. anginosus, S. constellatus,
S. intermedius
Sepse em mucosite com neutropenia S. mitis
Neoplasias do trato gastrointestinal S. bovis
No passado, a maioria das cepas de estreptococos viridans era
altamente suscetível à penicilina, com MICs de menos de 0,1
micrograma/mililitro. Hoje, no entanto, tornaram-se comuns estreptococos
moderadamente resistentes, com MICs para penicilina de 0,2 a 2
microgramas/mililitro, e estreptococos altamente resistentes, com MICs para
penicilina maiores que 2 microgramas/mililitro. A resistência é particularmente
comum no subgrupo mitis. Infecções com amostras moderadamente
resistentes podem ser tratadas com uma combinação de penicilina e um
aminoglicosídio. Infecções graves causadas por cepas resistentes à penicilina
devem ser tratadas com antibióticos alternativos, como cefalosporinas de
amplo espectro ou vancomicina.
Streptococcus pneumoniae
Streptococcus pneumoniae, frequentemente referido como pneumococo,
é uma espécie constituída por cocos Gram-positivos que se dispõem aos pares
ou em cadeias curtas. Quando se apresentam aos pares, as bordas adjacentes
são achatadas e as externas lanceoladas, lembrando o formato de chama de
vela. Como as demais espécies do gênero Streptococcus, os pneumococos
são anaeróbios facultativos, não produzem catalase e crescem bem em ágar
sangue e em outros meios ricos. Em ágar sangue, as colônias são α-
hemolíticas e imprimem cor esverdeada ao meio. São auxotróficos para a
colina, um dos principais constituintes da parede celular. Embora seja
encontrado com freqüência no trato respiratório superior de indivíduos normais,
S. pneumoniae é um dos principais patógenos humanos, responsável, em
particular, por infecções graves em crianças e indivíduos idosos.
Streptococcus pneumoniae.
FATORES DE VIRULÊNCIA
Os principais fatores de virulência de pneumococos incluem a cápsula, a
parede celular e várias proteínas localizadas na superfície da célula ou no
citoplasma.
Cápsula
A cápsula é polímero de alto peso molecular, composto de subunidades
oligossacarídicas repetitivas, cada uma contendo de duas a oito moléculas.
Protege a célula bacteriana da fagocitose e é considerada como o seu principal
fator de virulência. Devido à sua diversidade antigênica estrutural, a cápsula
polissacarídica além de fator de virulência primário, é explorada como alvo nas
reações sorológicas para a identificação e diferenciação de sorotipos. Os
polissacarídeos capsulares são a base da divisão dos pneumococos em mais
de noventa sorotipos distintos. A identificação dos sorotipos é feita por meio de
reações com anti-soros específicos. Para tal, uma das técnicas mais usadas é
a de intumescimento capsular ou reação de quellung. Os loci cap de vários
sorotipos já foram caracterizados, ocupam a mesma posição no cromossomo e
estão sujeitos à variação de fase, que torna os pneumococos mais facilmente
adaptáveis aos diferentes microambientes do organismo (ver adiante). O
polissacarídeo capsular de pneumococos é altamente imunogênico e é
utilizado no preparo das vacinas, pois induz o desenvolvimento de anticorpos,
que conferem proteção contra as infecções pneumocócicas invasivas.
Estrutura do Streptococcus pneumoniae.
Parede Celular
As estruturas básicas da parede celular dos pneumococos são o
peptideoglicano (PG) e os ácidos teicóico e lipoteicóico. Estes últimos são
quimicamente similares, diferindo em sua ligação com outros constituintes
celulares. O ácido teicóico (também conhecido como substância ou
polissacarídeo C) está ligado aos resíduos de ácido murâmico do PG, e o ácido
lipoteicóico (também conhecido como polissacarídeo ou antígeno F) aos
lipídeos da membrana citoplasmática. Ambos são ricos em resíduos de fosforil-
colina, um álcool aminado muito importante na biologia desses
microrganismos. Além de ser uma molécula-chave no processo de invasão, a
fosforil-colina atua como uma adesina, sendo ainda o sítio de ligação das
proteínas que se ligam à colina ou CBP (cholin binding proteins). Os genes
responsáveis pela adição de colina aos ácidos teicóicos são conhecidos,
sabendo-se também que mutações a seu nível podem ser letais. Resíduos de
colina são também encontrados como constituintes da parede celular de outros
patógenos respiratórios, como Haemophilus, Neisseria e Mycoplasma, o que
sugere que atuem como elementos de interação com a mucosa respiratória do
hospedeiro.
A parede celular dos pneumococos é um forte indutor de inflamação.
Este fato pode ser observado pela reprodução de sintomas característicos de
pneumonia, otite e meningite, após tratamento de animais de laboratório
apenas com os seus componentes. Assim, esta estrutura como um todo, ou
através de seus componentes, pode ser considerada um importante fator de
virulência e é capaz de exercer efeitos semelhantes aos observados por ação
das endotoxinas de bactérias Gram-negativas.
O ácido teicóico juntamente com o seu complemento de ácido murâmico
é também conhecido como substância C, conforme já mencionado. A proteína
presente no sangue humano, denominada de proteína C reativa, recebeu esta
designação porque tem a capacidade de precipitar, em presença de cálcio, a
substância C de pneumococos. Esta proteína está presente em baixos níveis
no sangue de indivíduos normais, tendo sua concentração aumentada na
vigência de processos inflamatórios.
Proteínas
A análise genômica dos pneumococos sugere a existência de um grande
número de proteínas de superfície, assim como proteínas citoplasmáticas, as
quais podem ser liberadas ou excretadas para o meio extracelular, em níveis
variados. Até o presente, no entanto, somente algumas parecem estar
envolvidas com a virulência da bactéria e têm sido alvo de estudos para a
elucidação da patogênese das pneumococcias e do desenvolvimento de novas
abordagens vacinais para a prevenção destas infecções.
Proteínas que se Ligam à Colina (CBP):
LytA, PspA e CbpA
Já foram identificadas várias proteínas que se ligam aos resíduos de
colina dos ácidos teicóicos, mas somente as seguintes parecem ter um papel
mais ativo como fatores de virulência: autolisina (LytA), proteína A da superfície
de pneumococos (PspA, pneumococcal surface protein A) e a adesina
conhecida como CbpA.
LytA é uma enzima pertencente ao grupo das autolisinas, responsável
pela degradação do peptideoglicano e consequente lise celular, na fase
estacionária do crescimento bacteriano e em presença de antibióticos ou outras
substâncias. Apresenta dois domínios funcionais, sendo um responsável pela
sua ligação à colina (C terminal) e o outro (N terminal) pela sua atividade
enzimática (amidase). Atua direta e indiretamente na patogênese da infecção
pneumocócica. Sua ação indireta é resultante da liberação dos constituintes da
parede celular e de pneumolisina, que são substâncias dotadas da capacidade
de causar inflamação.
A proteína de superfície PspA é expressa por virtualmente todos os
sorotipos de maior importância clínica e, em modelos animais, demonstrou
funcionar como um antígeno que promove o desenvolvimento de anticorpos
protetores. CbpA tem dado provas de ser uma importante molécula de adesão.
Mutantes deficientes em CbpA são incapazes de colonizar eficientemente a
mucosa respiratória de camundongos e de aderir a células pulmonares e
endoteliais. Além disso, amostras de pneumococos deficientes desta proteína
são incapazes de atravessar a barreia hemoliquórica in vitro, sugerindo um
possível papel na patogênese da meningite pneumocócica. Outras
propriedades de CbpA incluem a sua capacidade de se ligar a IgA secretora e
ao terceiro componente do complemento.
Adesina A da Superfície de Pneumococos (PsaA)
É uma lipoproteína que também desencadeia uma resposta protetora em
animais. Atualmente, acredita-se que sua função está ligada ao transporte de
íons Mn2+ e Zn2+ para o citoplasma da célula bacteriana e não à atuação como
adesina, como se deduziu quando de sua detecção inicial. É possível que seu
papel na adesão seja apenas indireto, já que a presença ou ausência de Mn2+ e
Zn2+ modulam a expressão de outros genes de virulência, como, por exemplo,
aqueles que codificam adesinas, particularmente CbpA. Devido a isto, alguns
autores preferem denominá-la apenas de antígeno A da superfície de
pneumococo.
Pneumolisina (Ply)
Esta hemolisina é uma citotoxina intracelular produzida por todas as
amostras clínicas de S. pneumoniae, que é liberada quando o microrganismo
sofre ação da autolisina. Faz parte de um grupo de proteínas comuns em
bactérias Gram-positivas, conhecidas como citolisinas dependentes de
colesterol, ou CDCs. Seu mecanismo de ação é, portanto, dependente da
ligação às moléculas de colesterol presentes nas células do hospedeiro. É
tóxica para quase todos os tipos de células eucarióticas, nas quais tem a
capacidade de criar poros que resultam em lise celular. Os poros são formados
por oligômeros da toxina que se inserem na membrana citoplasmática da
célula-alvo. Além de sua capacidade lítica, a pneumolisina expressa uma gama
de outras propriedades reconhecidamente citotóxicas, entre as quais estão a
diminuição dos movimentos ciliares das células do epitélio brônquico e a
inibição direta da fagocitose. Em baixas concentrações podem ainda estimular
a produção de citocinas inflamatórias, reduzir a migração de neutrófilos, a
proliferação de linfócitos e a síntese de anticorpos.
Hialuronidase (Hyl)
Esta enzima é membro da família das enzimas que clivam o ácido
hialurônico, sendo também produzida por outras espécies de bactérias Gram-
positivas. O ácido hialurônico, uma vez clivado ou degradado, torna o tecido
conjuntivo mais frouxo, o que facilita a invasão bacteriana. Assim sendo, Hyl
desempenha papel importante na patogênese das infecções pneumocócicas.
Neuraminidase (Nan)
Duas principais neuraminidades (NanA e NanB) foram descritas em
amostras de pneumococos. Essas enzimas clivam as moléculas de ácido
siálico ou neuramínico que fazem parte da estrutura da mucina, reduzindo a
viscosidade do muco. Estas enzimas também têm ação sobre glicolipídeos,
glicoproteínas e oligossacarídeos, alterando a superfície das células epiteliais
do hospedeiro, provavelmente expondo receptores e aumentando a
capacidade de aderência do microrganismo.
Diagrama da superfície da parede celular de Streptococcus pneumoniae.
IgA Protease
Esta enzima é capaz de degradar imunoglobulinas da subclasse A1 (é
uma IgA1 protease). Como estas fazem parte de um importante mecanismo de
defesa do hospedeiro, acredita-se que a produção de IgA1 protease possa ter
um papel significativo na virulência dos pneumococos, particularmente com
relação às mucosas do trato respiratório.
Aspectos Genéticos da Virulência
Muitos esforços têm sido feitos nos últimos anos para se entender a
genética dos mecanismos de patogenicidade de pneumococos, inclusive pela
análise seqüencial do seu genoma completo. O volume de informações já se
tornou grande, e assim somente abordaremos a questão da variação de fase,
que é crucial para compreendermos a versatilidade destes microrganismos em
se adaptarem aos diferentes ambientes que encontram na sua trajetória pelo
organismo do hospedeiro. Os pneumococos podem expressar de maneira
reversível, e com elevada frequência, muitos dos seus constituintes de
superfície associados à virulência, de acordo com suas necessidades de
sobrevivência no organismo. Isto é sugerido pelo estudo de dois tipos de
variantes coloniais que podem ser observados quando a bactéria é cultivada
em meio de ágar Todd-Hewitt acrescido de extrato de levedura: variantes
opaca e transparente. As diferenças entre os dois tipos de variantes não são
apenas morfológicas. Ao contrário, envolvem a expressão de constituintes que
são cruciais na virulência. A variabilidade na composição e expressão das
estruturas de superfície, aparentemente, está relacionada às diferenças na
capacidade de colonização e invasão, entre amostras de pneumococos. A
variante transparente apresenta maior capacidade de aderência do que a
variante opaca, fato este explicado pela menor expressão da cápsula e maior
de proteínas de superfície (tabela). Outro aspecto genético da virulência que
deve ser mencionado diz respeito à competência natural dos pneumococos
para realizar transformação, um mecanismo de troca genética. Muitas
evidências sugerem que não é só in vitro que o fenômeno ocorre. Parece ser
comum a troca de genes capsulares in vivo mesmo porque diferentes sorotipos
podem colonizar o indivíduo ao mesmo tempo. Adicionalmente, este processo
tem significância clínica, já que vem sendo responsabilizado pela aquisição de
resistência aos antimicrobianos, particularmente penicilina, por estes
microrganismos.
Características de Virulência das Variantes de Pneumococos de Colônia Transparente e de
Colônia Opaca
Características Transparentes Opaca
Cápsula + +++
Ácido teicóico +++ +
Colina +++ +
CbpA (proteína que se liga à
colina)
+++ +
PspA (proteína de superfície) + +++
Capacidade de colonização +++ +
Capacidade de invasão + +++
PATOGÊNESE
A infecção pneumocócica tem início com a colonização da nasofaringe
pelo microrganismo. Provavelmente, uma das proteínas mais importantes nesta
etapa é a CbpA. A partir da região inicialmente colonizada, os pneumococos
podem alcançar o ouvido médio, por meio da tuba auditiva, e os pulmões,
através dos brônquios. Podem, ainda, entrar na corrente circulatória por meio
de mecanismos ainda não bem estabelecidos. De acordo com as vias de
disseminação, o portador da bactéria poderá vir a ter otite média, pneumonia,
meningite ou mais raramente outros tipos de infecção. Para que os
pneumococos sobrevivam e se multipliquem, é necessário transpor as defesas
do organismo, representadas principalmente pela opsonofagocitose. Para isto,
dependem principalmente da presença da cápsula e das proteínas que
interferem com as atividades do complemento e dos anticorpos. A
disseminação dos pneumococos para o ouvido médio e para os pulmões é um
processo praticamente direto, mas, para atingirem as meninges, é necessário
atravessar a barreira hemoliquórica, normalmente impermeável às bactérias. A
reação inflamatória na infecção pneumocócica é, basicamente, causada pelos
elementos da parede celular que são liberados durante a autólise da bactéria,
que ativam o complemento e estimulam a produção de citocinas.
DOENÇAS CLÍNICAS
As doenças mais frequentemente associadas aos S. pneumoniae são
pneumonia, meningite, bacteremia, otite média e sinusite.
Pneumonia
A pneumonia pneumocócica se desenvolve quando as bactérias se
multiplicam nos espaços alveolares. Após aspiração, as bactérias crescem
rapidamente no fluido nutricionalmente rico do edema. Os eritrócitos, vazando
dos capilares congestionados, acumulam-se nos alvéolos, seguidos pelos
neutrófilos e então os macrófagos alveolares. A resolução ocorre quando se
desenvolvem anticorpos específicos anticapsulares, facilitando a fagocitose do
microrganismo e sua morte.
O surgimento das manifestações clínicas da pneumonia pneumocócica é
abrupto e consiste em calafrios intensos com tremores, febre persistente de
39°C a 41°C. O paciente frequentemente tem sintomas de infecção viral do
trato respiratório 1 a 3 dias antes do aparecimento dos sintomas. A maioria dos
pacientes apresenta uma tosse produtiva com escarro sanguinolento, e
comumente apresentam dor torácica (pleurisia). Como a doença está
associada à aspiração, é geralmente localizada nos lóbulos inferiores dos
pulmões (por isso o nome pneumonia lobar). No entanto, crianças e idosos
podem apresentar uma broncopneumonia mais generalizada. Os pacientes
geralmente se recuperam rapidamente após o início da terapia antimicrobiana
apropriada, com completa resolução radiológica em 2 a 3 semanas.
A taxa de mortalidade total é 5%, embora a probabilidade de morte seja
influenciada pelo sorotipo do microrganismo e pela idade e doença subjacente
do paciente. A taxa de mortalidade é consideravelmente mais alta em
pacientes com doença causada pelo S. pneumoniae tipo 3, bem como em
pacientes idosos e pacientes com bacteremia documentada. Os pacientes com
disfunção esplênica ou submetidos a esplenectomia podem também
desenvolver doença pneumocócica severa, como resultado de uma diminuição
da eliminação bacteriana da corrente sanguínea e produção deficiente dos
primeiros anticorpos. Nestes pacientes, a doença está associada a um curso
fulminante e alta taxa de mortalidade.
Comumente não se formam abscessos em pacientes com pneumonia
pneumocócica, exceto aqueles infectados com sorotipos específicos (p. ex.
sorotipo 3). Infusões pleurais são vistas em aproximadamente 25% dos
pacientes com pneumonia pneumocócica, e empiema (efusão purulenta) é uma
complicação rara.
Meningite
S. pneumoniae é um dos agentes mais comuns da meningite purulenta,
tanto na criança como no adulto. Pode resultar de bacteremias primárias, mas
muitas vezes se instala em associação a otites, sinusites e pneumonias. Em
pessoas que sofreram fratura do crânio, pode ocorrer devido a comunicações
que se estabelecem entre o espaço subaracnóideo e os seios paranasais. A
meningite pneumocócica pode ser letal, mesmo nos casos tratados
adequadamente. As taxas de mortalidade e deficiência neurológica grave são 4
a 20 vezes mais comuns em pacientes com meningite causada pelo S.
pneumoniae do que pelas meningites resultantes de outros patógenos.
Otite e Sinusite
S. pneumoniae é uma das principais causas de otites e sinusites.
Frequentemente, estes processos são complicações de infecções virais do
trato respiratório, que provocam obstrução dos seios paranasais e da tuba
auditiva. A infecção do ouvido médio (otite média) é observada principalmente
em crianças pequenas, mas a sinusite bacteriana pode ocorrer em pacientes
de todas as idades.
Bacteremia
Ocorre bacteremia em aproximadamente 25% dos casos de pneumonia
e em 80% dos casos de meningite pneumocócica. Ao contrário, em pacientes
com otite média ou sinusite geralmente a bactéria não está presente no
sangue.
Outras Doenças
A ocorrência de outras infecções de etiologia pneumocócica, tais como
endocardite e artrite, é rara.
Doenças Causadas por Pneumococo
Doenças não-invasivas Doenças invasivas *
Otite média aguda Bacteremia
Sinusite Pneumonia bacterêmica / empiema
Conjuntivite Meningite
Bronquite Sepse
Pneumonia Peritonite
Artrite / osteomielite
* Doença invasiva: isolamento do pneumococo de locais habitualmente estéreis (sangue, líquido
cefalorraquidiano, pleural ou sinovial).
DIAGNÓSTICO
Atualmente, diferentes abordagens diagnósticas são possíveis e
algumas delas dependem do local da infecção. A abordagem clássica é a
cultura em meios ricos, tais como ágar sangue e ágar chocolate. No ágar
sangue, os pneumococos formam colônias circundadas por halos de α-
hemólise, que podem ser facilmente identificadas através de testes simples,
tais como o de suscetibilidade à optoquina e o de bile-solubilidade.
Colônias de Streptococcus pneumoniae em placa de ágar sangue. Notar a presença de α-
hemólise e cor esverdeada do meio.
Em casos de meningite, a cultura deve ser sempre precedida do exame
microscópico de esfregaços corados pelo Gram, pois a presença de diplococos
Gram-positivos no material é altamente sugestiva de meningite pneumocócica.
Características morfotintoriais de Streptococcus pneumoniae: cocos Gram-
positivos aos pares (diplococos) e em cadeias curtas. A morfologia das
células (em detalhe) lembra o formato de chama de vela. As células
grandes com núcleo vermelho escuro são glóbulos brancos sanguíneos.
Uma coloração de Gram consistente com S. pneumoniae pode ser
confirmada pela reação de intumescimento (quellung) (inchaço em alemão).
Neste teste, anticorpos polivalentes anticapsulares são misturados com a
bactéria, e a mistura é examinada microscopicamente. Uma grande
refringência ao redor da bactéria é considerada uma reação positiva para S.
pneumoniae.
Reação de intumescimento capsular ou reação de quellung.
Outro método que pode ser usado tanto para o líquor como para o
sangue é a pesquisa de antígenos capsulares por diferentes técnicas
imunológicas. Mais recentemente, foi demonstrado que a metodologia da
reação em cadeia da polimerase (PCR) pode ser extremamente útil para o
diagnóstico das infecções pneumocócicas. A técnica pode ser aplicada
diretamente a diferentes materiais clínicos (escarro, sangue, líquor e secreções
em geral) e vários genes podem ser selecionados como alvos para serem
amplificados, entre elas o da pneumolisina.
EPIDEMIOLOGIA
S. pneumoniae é um habitante normal das vias aéreas superiores: cerca
de 5% a 70% dos indivíduos são portadores de um ou mais tipos sorológicos,
mas essa incidência é significantemente afetada pelos métodos usados para
detectar o microrganismo e pela população estudada. A colonização é mais
comum na criança e, de modo geral, tem início aos seios meses de idade. A
partir desta idade, a criança é sucessivamente colonizada por diferentes
sorotipos. A freqüência de portadores é mais elevada durante o inverno e
meses mais frios. Embora se acredite que os pneumococos de qualquer um
dos sorotipos capsulares possam causar infecções, alguns são mais
freqüentes, podendo a sua distribuição variar de acordo com a região e o
período de tempo. Vários estudos realizados em algumas localidades
brasileiras mostraram que os seguintes sorotipos estão entre os mais
freqüentes: 1, 3, 4, 5, 6B, 14, 19A, 19F e 23F. Os sorotipos associados com
doenças e com o estado do portador são os mesmos, mas acredita-se que as
infecções sejam causadas por sorotipos recém-adquiridos, e não pelos já
existentes no portador. As infecções pneumocócicas permanecem como uma
das principais causas de mortalidade em todo o mundo, especialmente em
crianças e idosos. Nos países em desenvolvimento, é estimado que pelo
menos um milhão de crianças morrem anualmente em decorrência da
pneumonia pneumocócica, sendo mais da metade com faixa etária inferior a
cinco anos.
Doenças pneumocócicas sérias são a principal causa de morte prevenível por vacina em
crianças menores de cinco anos.
Embora as cepas possam se disseminar através de gotículas
transmitidas pelo ar de um indivíduo para outro em uma população fechada, as
epidemias são raras. A doença ocorre quando os mecanismos de defesa
naturais (p. ex. reflexo da epiglote, apreensão das bactérias pelas células
produtoras de muco que recobrem os brônquios, remoção dos microrganismos
pelo epitélio respiratório ciliado e o reflexo da tosse) são logrados, permitindo
que os microrganismos que colonizam a orofaringe ganhem acesso aos
pulmões. A doença pneumocócica é mais comumente associada a uma doença
respiratória viral antecedente, como influenza ou sarampo, ou com outras
condições que interfiram na eliminação bacteriana, como doença pulmonar
crônica, alcoolismo, insuficiência cardíaca congestiva, diabetes melito e doença
renal crônica.
Grupos de risco para doenças invasivas causadas por S. pneumoniae
Crianças menores de 5 anos;
Idosos (> 65 anos);
Pessoas que apresentam comprometimento da resposta imune por doença congênita
ou adquirida (incluindo portadores do HIV sintomáticos e assintomáticos) ou que estão
em uso de tratamentos imunossupressores;
Portadores de asplenia anatômica ou funcional (inclui anemias hemolíticas, como
anemia falciforme e esferocitose);
Portadores de doenças crônicas (nefropatias, doenças cardiorrespiratórias, diabetes,
alcoolismo, cirrose, asma, doenças de depósito e trissomias);
Indivíduos com fratura de crânio, fístula liquórica e submetidos a cirurgia de crânio,
incluindo colocação de implante coclear;
Alguns grupos étnicos (índios Navajos, Apaches, nativos do Alasca e Austrália, raça
negra);
Pessoas que vivem em ambientes aglomerados (creches, escolas) ou que têm contato
com crianças;
Pessoas expostas à fumaça de cigarro;
Após infecções virais, particularmente pós-influenza e infecção pelo vírus sincicial
respiratório.
TRATAMENTO
Antes do advento dos antibióticos, o tratamento específico da infecção
por S. pneumoniae era realizado pela infusão passiva de anticorpos capsulares
tipo-específicos. Estes anticorpos opsonizados aumentavam a fagocitose
mediada por polimorfonucleares (PMN) e, consequentemente, levavam à morte
das bactérias. Esta imunoterapia deixou de ser realizada após a disponibilidade
da terapia antimicrobiana.
A penicilina rapidamente tornou-se o tratamento de escolha para a
doença pneumocócica. Para pacientes alérgicos à penicilina, agentes
alternativos efetivos incluíam cefalosporinas, eritromicina e, para meningite,
cloranfenicol. Foi documentada a resistência à tetraciclina. Pesquisadores da
África do Sul, em 1977, documentaram cepas de S. pneumoniae resistentes à
vários antibióticos, incluindo penicilina. Até 1990, a resistência a altos níveis de
penicilina (MIC de pelo menos 2 microgramas/mililitro) era relativamente rara.
Apenas 5% de todos os S. pneumoniae isolados nos Estados Unidos eram
considerados moderadamente resistentes (MIC de 0,1 a 1 micrograma/mililitro).
Esta situação, no entanto, mudou muito. Agora, é observada resistência à
penicilina em um terço das cepas isoladas nos Estados Unidos e em números
mais elevados em outros países. A maior resistência à penicilina está
associada à diminuição da afinidade do antibiótico pelas proteínas que se fixam
à penicilina presentes na parede celular bacteriana.
PREVENÇÃO E CONTROLE
O desenvolvimento de vacinas anticapsulares tem sido o maior objetivo
dos esforços para prevenir e controlar a doença. Anteriormente, foi
recomendada uma vacina polissacarídica pneumocócica 23-valente (com 23
polissacarídios capsulares diferentes) para crianças maiores de dois anos de
idade e adultos. Em fevereiro de 2000, foi licenciada uma vacina conjugada 7-
valente para crianças menores de dois anos de idade. Os polissacarídios são
antígenos T-independentes. Estimulam os linfócitos B maduros, mas não os
linfócitos T. Vacinas polissacarídicas são ineficazes para crianças muito novas
porque estas respondem pobremente aos antígenos T-independentes. Uma
resposta primária forte e uma resposta efetiva de reforço na reimunização
podem ser obtidas com a conjugação dos polissacarídios a proteínas, o que
estimula uma resposta de células T auxiliares. Vacinas conjugadas também
têm sido usadas para outros patógenos neonatais (como para Haemophilus
influenzae). Atualmente, a imunização com vacina pneumocócica 7-valente é
recomendada para crianças menores de dois anos de idade, enquanto a vacina
23-valente é recomendada para adultos que apresentam maior risco de adquirir
doença por S. pneumoniae. Aproximadamente, 94% das cepas isoladas de
pacientes infectados estão incluídas na vacina 23-valente ou são relacionadas
sorologicamente aos sorotipos presentes na vacina 23-valente. Estudos
longitudinais têm demonstrado que os sorotipos de S. pneumoniae associados
a doença não têm sido influenciados pelo uso da vacina. Em adultos normais, a
vacina 23-valente é imunogênica e a imunidade é duradoura. A vacina é menos
efetiva, no entanto, em pacientes com alto risco de doenças pneumocócicas,
como pacientes com asplenia, com anemia falciforme, com neoplasia
hematológica, com infecção por HIV, além de pacientes que sofreram
transplante renal e pacientes idosos.
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