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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO BACHARELADO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO PUBLICIDADE E PROPAGANDA TERCEIRA REALIDADE: O PODER POLÍTICO DE STALIN SOBRE A FOTOGRAFIA Rodrigo Petruzzi da Silva Orientadora Profª Doutorª Maria Berenice da Costa Machado PORTO ALEGRE 2012 RODRIGO PETRUZZI DA SILVA

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Stalin

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  • 1

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAO

    BACHARELADO EM COMUNICAO SOCIAL HABILITAO PUBLICIDADE E PROPAGANDA

    TERCEIRA REALIDADE: O PODER POLTICO DE STALIN SOBRE A FOTOGRAFIA

    Rodrigo Petruzzi da Silva

    Orientadora Prof Doutor Maria Berenice da Costa Machado

    PORTO ALEGRE

    2012

    RODRIGO PETRUZZI DA SILVA

  • 2

    TERCEIRA REALIDADE: O PODER POLTICO DE STALIN SOBRE A FOTOGRAFIA

    Trabalho de concluso de curso de graduao

    apresentado ao Departamento de

    Comunicao da Universidade Federal do Rio

    Grande do Sul, como requisito parcial para

    obteno do ttulo de Bacharel em

    Comunicao Publicidade e Propaganda.

    Orientadora: Prof Dr Maria Berenice da Costa

    Machado

    PORTO ALEGRE, RS 2012

  • 3

    TERCEIRA REALIDADE: O PODER POLTICO DE STALIN SOBRE A FOTOGRAFIA

    Trabalho de concluso de curso de graduao

    apresentado ao Departamento de

    Comunicao da Universidade Federal do Rio

    Grande do Sul, como requisito parcial para

    obteno do ttulo de Bacharel em

    Comunicao Publicidade e Propaganda.

    Orientadora: Prof Dr Maria Berenice da Costa

    Machado

    BANCA EXAMINADORA: ___________________________________ Prof Andra Bracher ___________________________________ Prof Maria Berenice da Costa Machado ___________________________________ Prof Maria Helena Weber

  • 4

    RESUMO

    Esta pesquisa abrange a anlise de cinco fotografias e suas devidas

    manipulaes ocorridas durante o regime de Josef Stalin na Unio Sovitica (1922-

    1953). Os objetivos so compreender de que maneira estas alteraes afetaram a

    memria social sovitica sobre os documentos fotogrficos e seus personagens e

    quais os mtodos utilizados pelo lder do governo para conseguir legitimar seu poder

    diante do povo. A base do contedo composta por uma bibliografia que envolve o

    contexto histrico e social da Unio Sovitica e conceitos sobre poder, fotografia,

    memria e documento social.

    Palavras-chave: Stalin; manipulao; fotografia; memria; poder.

  • 5

    ABSTRACT

    This research covers the analysis of five photographs and their proper

    manipulations occurred during the regime of Josef Stalin in the Soviet Union (1922-

    1953). The goals are to understand how these changes affected the Soviet social

    memory and photographic documents about their characters and what methods are

    used by the leader to get the government to legitimize its power to the people. The

    basis of the content consists of a bibliography which involves the historical and social

    context of the Soviet Union and concepts about power, photography, memory and

    social document.

    Keywords: Stalin, manipulation, photography, memory, power.

  • 6

    NDICE DE IMAGENS

    Imagem 1 .................................................................................................................. 47Imagem 2 .................................................................................................................. 48Imagem 3 .................................................................................................................. 49Imagem 4 .................................................................................................................. 50Imagem 5 .................................................................................................................. 51Imagem 6 .................................................................................................................. 51Imagem 7 e detalhe ................................................................................................... 52Imagem 8 .................................................................................................................. 54Imagem 9 .................................................................................................................. 54Imagem 10 ............................................................................................................... 55Imagem 11 ................................................................................................................ 57Imagem 12 ................................................................................................................ 57Imagem 13 ................................................................................................................ 58Imagem 14 ................................................................................................................ 59Imagem 15 ................................................................................................................ 60Imagem 16 ................................................................................................................ 61Imagem 17 ................................................................................................................ 61Imagem 18 ................................................................................................................ 62Imagem 19 ................................................................................................................ 63Imagem 20 ................................................................................................................ 69

  • 7

    SUMRIO 1. Introduo .............................................................................................................. 82. Contextualizao Histrica: Estado Sovitico no Sculo 20 ........................... 112.1 A Revoluo Russa ............................................................................................. 11

    2.1.1 Guerra Civil ...................................................................................................... 13

    2.1.2 Nova Poltica Econmica NEP ...................................................................... 15

    2.1.3 Ascenso Poltica de Stalin .............................................................................. 16

    2.2 Stalinismo ............................................................................................................ 21

    2.2.1 Planos Quinquenais ...................................................................................... 23

    2.2.2 O Apogeu da Ditadura ................................................................................... 24

    3 O Poder do Estado e a Fotografia como Documento Social ......................... 293.1 Aparelhos do Poder .......................................................................................... 29

    3.2 Legitimidade dos Poderes de Stalin ................................................................. 33

    3.3 Aparelhos Ideolgicos Soviticos ..................................................................... 35

    3.4 - Fotografia como Documento Social .................................................................. 38

    3.5 Censura e Manipulao Fotogrfica ................................................................. 41

    3.6 Lembranas: Memrias e Realidades .............................................................. 43

    4. Stalin e a Terceira Realidade: Fotografias Originais e Alteradas ................... 46Fotografia 1 - Velhos Bolcheviques ........................................................................... 47

    Fotografia 2 O Sumio do Comissrio. ................................................................... 51

    Fotografia 3 Prximo a Lenin ................................................................................. 54

    Fotografia 4 Quatro, trs, dois, um. ........................................................................ 57

    Fotografia 5 Afogado em Sangue ........................................................................... 61

    5. Consideraes Finais ......................................................................................... 65Referncias Bibliogrficas ..................................................................................... 71Glossrio .................................................................................................................. 73

  • 8

    1. Introduo O incio do sculo 20 foi um perodo conturbado, e assim como foi o de transio

    e consolidao do governo sovitico, deve sempre ser analisado com ateno extra,

    principalmente nas questes miditicas, pois so elas que promovem a propagao

    dos ideais e fortalecem ou enfraquecem os lderes. Aps a morte de Lenin, o

    comando comunista russo ficou sem um nome de liderana, o que provocou a

    disputa de cargo principalmente entre Stalin e Trotsky. O primeiro acabou vencedor

    e comeou sua campanha de caa oposio. Stalin utilizou-se de seu poderio

    quase ditatorial para interferir diretamente na memria social da Unio Sovitica,

    com objetivos de apagar fatos e pessoas da histria do pas e forjar acontecimentos

    caluniosos.

    O tema desta pesquisa e seu objetivo principal analisar como o poder de Stalin

    interferiu na memria social de documentos fotogrficos soviticos, que se

    transfiguram na memria e na prpria histria sovitica. Seu regime durou trinta e

    um anos (1922 1953), mas suas marcas e consequncias esto presentes nos

    governos e anos posteriores a sua morte. Aprofundando esta anlise, buscamos

    entender alguns traos da vida social na Unio Sovitica no regime de Stalin e como

    seu poder ganhou legitimidade diante da populao.

    O objeto de estudo so cinco fotografias do livro The Commissar Vanishes

    (1997) de David King. Segundo o autor, as fotos ali presentes so os documentos

    originais e vm acompanhadas de suas manipulaes sofridas durante o governo de

    Stalin. O livro foi elaborado por um trabalho minucioso do autor, um colecionador

    ingls, que passou vinte e sete anos na Unio Sovitica recolhendo registros e

    vasculhando museus em busca do que considera as fotografias originais do regime

    de Stalin.

    Com base em conceitos de fotografia, principalmente nos que se referem

    realidades, elaborados por Kossoy (1999) e presentes no captulo trs desta

    pesquisa, sugerimos que a inteno de Stalin, com suas manipulaes fotogrficas,

    era criar uma terceira realidade e torn-la a nica e absoluta na Unio Sovitica.

    Para isto buscamos os pilares de sustentao necessrios para a implantao desta

    realidade, que acreditamos encontr-los nos aparelhos ideolgicos e repressivos do

    estado. As fotografias originais e suas manipulaes, segundo King (1997), juntos

    contextualizao histrica do momento de cada registro e as tcnicas de

  • 9

    manipulao utilizadas, resultam na anlise das cinco fotografias selecionadas para

    esta pesquisa.

    A primeira fotografia analisada a Imagem 1 - Velhos Bolcheviques. Sua

    escolha se deu pelo fato de que em seu registro e modificaes esto presentes

    tanto os traos de extermnio de inimigos, como a inteno de apresentar uma

    amizade ntima com Lenin e o culto a personalidade de Stalin.

    A segunda fotografia a Imagem 2 O Sumio do Comissrio. A fotografia

    tachada como original pelo autor e sua modificao, representam, principalmente, a

    inteno de excluso de Trotski de imagens ao lado de Lenin. Esta evidncia de

    inteno justificou sua presena na anlise.

    A terceira fotografia a Imagem 3 Prximo a Lenin. Esta fotografia foi

    selecionada para anlise pois em sua modificao fica clara outra tcnica de Stalin

    para ter sua figura aproximada a de Lenin. Neste caso ligando-se a um amigo em

    comum do antigo lder, o escritor Gorki.

    A quarta fotografia a Imagem 4 Quatro, Trs, Dois, Um. Esta fotografia e

    suas manipulaes foram escolhidas pelo fato de cada um dos registros fazer parte

    de um perodo do governo de Stalin, desde sua posse at prximo a sua morte,

    podendo ligarmos as modificaes s intervenes do regime.

    A quinta e ltima fotografia analisada a Imagem 5 Afogado em Sangue. Este

    registro e sua modificao esto presentes porque na histria por trs das imagens

    temos Stalin sendo vtima de seu prprio regime. Obviamente quem foi retirado da

    foto no foi ele, e sim um membro de seu governo, mas sua inteno no era de

    exclu-lo da fotografia, e somente a fez por necessidade poltica.

    Estruturalmente esta pesquisa dividida em quatro partes. Primeiro expomos o

    contexto histrico que antecedeu o governo de Stalin e o seu prprio governo, com

    dados sociais, econmicos, polticos e conflitos. Baseio-me nas obras dos

    historiadores mundiais Eric Hobsbawn e Pierre Brou e nos estudiosos soviticos

    Edward Carr, Isaac Deutscher e Dmitri Volkogonov. Somam-se tambm as leituras

    de diversos livros de Trotski e um manifesto de Stalin.

    No captulo seguinte buscamos uma relao entre o poder de manipulao,

    doutrinao e represso ideolgica com os documentos sociais, focando no objeto

    de pesquisa que a fotografia. A primeira parte voltada para este vis poltico de

    ideologia, expondo teorias de um contexto poltico global atravs dos pensamentos

  • 10

    de Tchakhotine e Althusser e outros especificamente soviticos, como os Hollander.

    A segunda parte tomamos o conhecimento fotogrfico de Gisle Freund, Kossoy e

    Barthes. A primeira com enfoque relao entre fotografia e documento, os dois

    ltimos em uma relao semitica de signos e smbolos. Logo segue uma anlise

    sobre documento e memria social, fundamentada por pensadores como Foucault,

    Halbwachs, Pomian e Le Goff.

    O quarto captulo a juno de todo este conhecimento obtido e sua utilizao

    para a anlise de cinco documentos de imagem e suas manipulaes no regime de

    Stalin. As fotografias foram retiradas da coleo do colecionador ingls David King e

    so sempre contextualizadas pelos relatos obtidos por entrevistas do historiador

    ingls Orlando Figes de sobreviventes do perodo Stalinista. No final de cada anlise

    expomos as fotografias lado a lado, para que as manipulaes possam ser

    visualizadas com maior clareza.

    Por fim temos as consideraes finais, aonde iremos apresentar as concluses

    finais sobre a anlise das fotografias e suas manipulaes.

  • 11

    2. Contextualizao Histrica: Estado Sovitico no Sculo 20 De acordo com Brou (1996), a Rssia era a bomba relgio do sculo 20, os

    conflitos com o Czar Nicolau II, a participao mortal na Primeira Guerra Mundial,

    alm da fome, pobreza e falta de perspectiva, apenas fortalecem esta afirmao.

    Correntes iluminadas pelos pensamentos marxistas formaram-se na idia de

    combater a monarquia autocrata, e seus seguidores, sabendo que nenhum

    agrupamento poltico poderia fazer uma revoluo sozinho, necessitavam de uma

    organizao, de uma liderana, e na Rssia esta se deu principalmente na figura de

    Lenin. A revoluo se concretizou e seu grande mrito foi, segundo Brou (1996), ter

    conquistado a convulso de uma sociedade inteira com suas contradies e suas

    aspiraes. Neste captulo, atravs de bibliografias especficas sobre tema,

    contextualizaremos historicamente o Estado Sovitico desde sua construo com a

    Revoluo Russa at a queda de Stalin, que o foco desta pesquisa.

    2.1 A Revoluo Russa O historiador Edward Carr deixa explcito os propsitos desta revoluo no

    primeiro pargrafo de seu livro A Revoluo Russa de Lenin a Stalin (1979), o

    primeiro desafio claro ao sistema capitalista sendo ao mesmo tempo uma

    consequncia e causa de seu declnio. A Rssia contava com sua economia rural

    estagnada e tinha seus trabalhadores, os campesinatos, famintos e miserveis.

    Somado a isso, temos o comeo da industrializao e sua penetrao na primitiva

    economia local, que provocou a ascenso da classe forte, influente e rica, que era

    dos industriais e financeiros. Este novo patamar econmico estimulou a infiltrao de

    ideias liberais ocidentais, que se chocavam diretamente com poder autocrata russo

    (CARR, 1979).

    Simultaneamente, a participao na Primeira Guerra Mundial arrasava o moral

    das tropas e a economia russa. Dezesseis milhes de russos foram mobilizados,

    entre os quais doze milhes eram camponeses, a consequncia foi uma severa

    reduo na mo de obra agrcola e diminuio das produes. Isso refletiu na

    economia urbana, os preos dos alimentos subiram e o abastecimento s grandes

    cidades ficou escasso. A maior parte da diminuta produo era dirigida s tropas,

    que j somavam quatro milhes de baixas entre mortos, mutilados e enfermos. O

    exrcito tambm requisitava o gado dos pequenos e mdios agricultores, tirando-os

    ao mesmo tempo um instrumento de trabalho e uma fonte de recursos (BROU,

  • 12

    1996). A situao tornou-se insustentvel quando uma manifestao de mulheres foi

    reprimida pelo exrcito do czar, no entanto, o que se viu, foi uma mudana de lados

    e o estopim para o comeo da revoluo, como afirma Hobsbawn (1994, p.67): A

    fragilidade do regime se revelou quando as tropas do czar, mesmo os leais cossacos

    de sempre, hesitaram e depois se recusaram a atacar a multido, e passaram a

    confraternizar com ela.

    O czar Nicolau II renunciou e era o fim da dinastia dos Romanov. Em

    contrapartida comeou um perodo de dualidade de poder, de um lado os sovietes

    operrios e do outro a burguesia liberal. Estes ltimos buscavam neutralizar o

    movimento das massas por meio de concesses polticas, procurando deixar a

    revoluo como uma revolta burguesa e nada alm disso, tendo auxlios

    fundamentais no seio do partido operrio e popular daqueles que por suas defesas e

    ideais passaram a ser chamados de mencheviques. Aqueles que se opuseram a

    este apoio e defenderam prioritariamente o poder dos operrios foram chamados de

    bolcheviques. Foi uma diviso de ideais entre os sovietes, tornando tripla a disputa

    pelo poder. Os bolcheviques passaram a lutar pela sada da guerra e da disputa,

    pelo fim da fome que atacava a populao e por uma diviso justa de propriedades

    (BROU, 1996, p.12). O resultado destas investidas so confirmadas por

    Hobsbawn:

    O slogan "Po, Paz, Terra" conquistou logo crescente apoio para os que o propagavam, em especial os bolcheviques de Lenin, que passaram de um pequeno grupo de uns poucos milhares em maro de 1917 para um quarto de milho de membros no incio do vero daquele ano (HOBSBAWN, 1994, p.68).

    Este slogan foi um dos pilares das Teses de Abril redigidas por Lenin, que de

    acordo com Brou (1996, p.18), apontava aos camponeses e operrios a luta pelo

    poder dos sovietes, para que a revoluo russa marcasse o incio da revoluo

    mundial, em suas palavras Brou afirma:

    (...) Lenin, com as Teses de Abril, aderia de fato teoria revoluo permanente formulada por Trotski a partir das lies da Revoluo de 1905: somente os operrios e os camponeses, atravs da ditadura do proletariado exercida pelos sovietes, poderiam transformar a Rssia e dar assim o pontap inicial da revoluo mundial. Trotski, novamente presidente do Soviete de Petrogrado, quem dirigiu a insurreio de outubro na capital. dolo dos operrios e dos marinheiros, adquiriu grande popularidade (BROU, 1996, p.19).

  • 13

    Segundo Brou (1996), esta profunda aderncia da massa que possibilitou

    frear e canalizar os burgueses e os socialistas conciliadores, fazendo-se sentir

    realmente quando, em outubro de 1917, liderados por Lenin, terminam com a

    dualidade do poder e passam a governar com todo o poder aos sovietes, foi a

    Revoluo de Outubro. Um decreto sobre a imprensa previa a interdio dos jornais

    que no reconhecessem o poder dos sovietes e as empresas privadas foram

    tomadas pelo comando operrio, que passou a adminstr-las.

    2.1.1 Guerra Civil Dentro do partido, a paz deveria ser, entre os brados levantados durante a

    revoluo, o primeiro direito conquistado. No entanto, do outro lado o inimigo fazia

    reivindicaes. Alemanha e ustria-Hungria lanaram um ultimato Rssia onde

    esta ltima deveria reconhecer a independncia de Litunia, Bielo-Rssia, Letnia,

    Polnia e Ucrnia, em troca de um acordo de paz. Os bolcheviques dividiram-se em

    duas frontes: a primeira, defendida por Lenin, aceitava as condies alems pois o

    Estado j no possua mais recursos para sustentar uma campanha militar e

    necessitava de ressalvas econmicas para se manter no poder. J a segunda,

    defendida por Bukharin, acreditava que aceitar as condies impostas seria curvar-

    se ao imperialismo alemo e portanto uma traio revoluo mundial, deveriam

    ento encerrar as negociaes, fazer campanhas para alistamentos macios e

    promover uma guerra revolucionria (BROU, 1996).

    De acordo com Brou (1996) a soluo partiu de Trotski, que mesmo no

    contando com total apoio de Lenin, viu sua ideia ser aprovada pelo Conselho Central

    por 9 votos a 7. Ela consistia em a Rssia sair da guerra e desmobilizar as tropas,

    sem assinar um tratado de paz. Este desligamento da guerra sem o consentimento

    dos inimigos provocou uma forte investida do exrcito alemo, que alm de tomar

    diversas rotas ferrovirias e armamentos do debandado exrcito russo, exigiu, alm

    das antigas reivindicaes, a independncia da Finlndia, de todos os pases

    blticos e uma indenizao de seis bilhes de marcos-ouro, para encerrar as

    investidas. Aceitar esta deciso seria reduzir o territrio russo em 27% de sua

    superfcie cultivvel, 75% de sua produo de carvo, ferro e ao e 40% do seu

    proletariado industrial. Voltou pauta do Conselho Central a aceitao das

    exigncias alems, dividindo-o novamente: um lado, apoiado por Lenin e Trotski,

  • 14

    no via sada seno a aceitao; o outro, apoiado por Bukharin, opunha-se

    categoricamente assinatura do tratado. Por 7 votos a 4 foi decidida a aceitao do

    tratado alemo em conjunto com suas demandas (BROU, 1996, p.36).

    Essa instabilidade no Partido foi um incentivo reestruturao da oposio, e os

    denominados brancos, contrrios revoluo e a favor da volta da monarquia,

    ganharam fora com a ajuda tanto da Alemanha quanto dos aliados (Estados

    Unidos, Frana, Inglaterra). A Rssia teve seu territrio controlado nas fronteiras

    com a Europa e na costa pacfica, onde sofreu baixas severas de tropas, alm de

    pilhagem e incndios das reas perdidas. O comando do Exrcito Vermelho foi

    passado para Trotski na esperana de suportarem as investidas, de acordo com

    Brou:

    Os vermelhos se beneficiaram primeiramente da concentrao de suas foras, superiores em nmero, em face da disperso de seus adversrios menos numerosos. (...) a massa camponesa escolhera o lado dos vermelhos: estes lhe ofereciam um futuro e garantiam a terra que os brancos ameaavam retomar. Isto resultou numa atitude favorvel das populaes e na lealdade dos soldados. Nas guerras civis, a superioridade poltica sempre tem primazia sobre a tcnica pura. Outra prova pode ser encontrada no fato de que a falta de entusiasmo e a resistncia de seus soldados bem como o medo da confraternizao e do contgio revolucionrio frearam a interveno dos aliados (BROU, 1996, p.40).

    Mesmo saindo vitoriosa da Guerra Civil, o governo da situao viu a Rssia

    mergulhar em uma crise econmica e estrutural. Grande parte do pas estava

    devastado pelas batalhas, o sistema de transportes que contava com dezoito mil

    locomotivas e um trfego de dez milhes de toneladas em 1913, passou a ter

    apenas quatro mil locomotivas e um trfego de trs milhes de toneladas. Os

    executivos e empresrios abandonaram ou sabotaram suas antigas fbricas,

    deixando-as totalmente no controle dos comits operrios, que careciam de meios,

    tcnica e experincia para administr-las. Do ponto de vista poltico e moral tambm

    ficaram marcas, o humanitarismo, que levou os bolcheviques a abolirem a pena de

    morte e libertar aqueles que os haviam combatido anteriormente, teve de ser

    esquecido. Com medo de que a instabilidade fortalecesse novamente os simpticos

    monarquia, a tcheka1

    1 Comisso Extraordinria encarregada de combater a contra-revoluo e a sabotagem ao regime

    foi encarregada de assassinar o antigo czar e todos os

    membros de sua famlia. (BROU, 1996). Um xodo urbano se fez presente quando

    a inflao estourou, o que por sua vez repercutiu na desintegrao do proletariado.

  • 15

    Os camponeses recuaram para uma economia de subsistncia e no produziam em

    excesso pois teriam suas produes confiscadas pelas autoridades sem receber

    nenhum benefcio. O descontentamento das classes fez com que voltasse tona

    alguns mencheviques e seus ideais e em resposta a todas as ameaas foi

    convocado o 10 Congresso do Partido (CARR, 1979, p.37).

    2.1.2 Nova Poltica Econmica NEP O perodo da NEP no s modelou o que viria a ser a estrutura constitucional permanente da URSS, como tambm determinou as linhas a serem seguidas durante muitos anos, em suas relaes com os pases estrangeiros (CARR, 1979, p.43).

    Esta citao ilustra a dimenso das consequncias desta nova poltica

    econmica votada e adotada a partir do 10 Congresso. As principais mudanas

    foram sentidas em todos os setores da economia, comeando pela agricultura. De

    acordo com Brou (1996, p.53), o campons, aps pagar um valor proporcional

    sua produo, poderia vender seu estoque excedente. Para que isso ocorresse era

    necessrio estimular a indstria, principalmente a pequena e artesanal, a produzir

    mercadorias que despertassem desejo de compra nos camponeses. Sendo assim,

    permitiu-se a liberdade de atividade no setor de servios de pequeno porte, as

    empresas com menos de vinte funcionrios antes estatizadas foram devolvidas aos

    seus ex-donos e foi aberta a possibilidade de concesses s empresas estrangeiras

    dispostas a investir nas riquezas naturais russas, atravs de sociedade mista com o

    Estado. A proposta do NEP fica evidente nesta afirmao de Carr:

    Era a inverso da poltica do comunismo de guerra. A idia era encorajar o campons a produzir para vender, recriar um mercado rural para reanimar a indstria e, simplesmente, recriar um sistema de mercado a partir disso (BROU, 1996, p.54).

    Com a reintroduo dos processos de mercado ocorre o surgimento de novas

    classes sociais. No campo, nota-se o kulak, o campons abastado, de acordo com

    Carr (1979, p.41) o campons pobre produzia para subsistncia (...) se procurava o

    mercado era mais frequentemente como comprador do que como vendedor. O kulak

    produzia para o mercado e tornou-se um pequeno capitalista. Esta classe poderia

    ser considerada como o verdadeiro senhor da aldeia, pois era, de fato,

    economicamente seu dono. Controlava os demais camponeses pelas dvidas ou

    pelo trabalho que lhes podia oferecer, e este distanciamento e poderio que crescia

    sem cessar provocava o descontentamento da massa rural pobre.

  • 16

    Descontentamento este pouco questionado pelos membros do Partido ao passo que

    as produes dos kulaks proporcionavam suprimentos suficientes para alimentar as

    cidades (BROU, 1996, p.55).

    Nas cidades ocorre o surgimento dos nepman, pessoas ligadas a NEP. Eram

    estes os empresrios, os novos comerciantes e fornecedores de novos servios.

    Houve um crescimento dos tcnicos, engenheiros, contadores e outros

    especialistas, todos seduzidos pelos altos salrios que o governo oferecia para estes

    cargos. O nvel de vida desta nova classe contrastava com o das massas, o que

    provocou novamente o interesse destas aos ideais mencheviques e anarquistas. A

    situao bolchevique defendia o congelamento dos salrios e era contra a greve

    contra o Estado Operrio, j os mencheviques e anarquistas defendiam o aumento

    salarial e denunciavam os novos patres. Segundo Brou (1996, p.55) o partido

    entende que no pode ceder, que deve impor sua vontade de vencer aos

    trabalhadores cansados, e esta imposio fica evidente nas medidas tomadas

    posteriormente, como a supresso da imprensa menchevique, social-revolucionria

    e anarquista, e lderes da oposio exilados ou presos. Era o final do que restara da

    democracia sovitica.

    2.1.3 Ascenso Poltica de Stalin O desligamento da democracia e o distanciamento do ideal inicial bolchevique

    promovem um desinteresse nos militantes e alguns integrantes do Partido. Em

    contra partida nota-se um crescimento do aparelho partidrio, principalmente dos

    militantes profissionalizados, assalariados pelo partido. Ao invs de ocorrer o

    restabelecimento das eleies pela base, assiste-se cada vez mais a nomeao por

    via da recomendao. Os nomeados e seus nomeadores, por estes motivos ,

    passaram a ser chamados no partido e na imprensa como os apparatchiki, ou

    homens do aparelho. Para alguns membros, os apparatchiki organizavam a

    promoo, no aparelho, de homens sua imagem e, sobretudo, a eles devotados,

    afastando sistematicamente os autnticos militantes comunistas. De acordo com

    Brou:

    Os senhores deste aparelho, cuja influncia se fazia sentir a cada dia um pouco mais, eram velhos bolcheviques at ento em segundo plano, aqueles que no possuam as qualidades de dirigentes de massa mas as de organizadores pacientes e tenazes (BROU, 1996, p.57).

  • 17

    Neste perfil de organizadores pacientes e tenazes em que o autor os enquadra,

    destaca-se principalmente a figura de Josef Stalin, que em abril de 1922

    designado como secretrio geral do Comit Central do Partido, um ms aps o

    primeiro acidente vascular de Lenin. Quando este ltimo volta ao trabalho depois de

    um perodo de afastamento para recuperao, surpreende-se com a maneira pela

    qual Stalin havia acumulado poder e autoridade. Notou um aumento da burocracia

    no Estado e dentro do Partido, fato pela qual passou a desconfiar da personalidade

    de Josef Stalin, o que fica evidenciado em trechos de sua carta ao congresso,

    considerado seu testamento poltico, que alm de criticar abertamente a figura de

    Stalin, prev o rompimento deste com Trotsky:

    Creio que o fundamental no problema da estabilidade, desde este ponto de vista, so tais membros do CC como Stalin e Trotsky. As relaes entre eles, a meu modo de ver, encerram mais da metade do perigo desta diviso que se poderia evitar (...) O camarada Stalin, tendo chegado ao Secretariado Geral, tem concentrado em suas mos um poder enorme, e no estou seguro que sempre ir utiliz-lo com suficiente prudncia. (...) Stalin brusco demais, e este defeito, plenamente tolervel em nosso meio e entre ns, os comunistas, se coloca intolervel no cargo de Secretrio Geral. Por isso proponho aos camaradas que pensem a forma de passar Stalin a outro posto e nomear a este cargo outro homem que se diferencie do camarada Stalin em todos os demais aspectos apenas por uma vantagem a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais correto e mais atento com os camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstncia pode parecer ftil tolice. Porm eu creio que, desde o ponto de vista de prevenir a diviso e desde o ponto de vista do que escrevi anteriormente sobre as relaes entre Stalin e Trotsky, no uma tolice, ou se trata de uma tolice que pode adquirir importncia decisiva (...) (LENIN, 1922)2

    .

    Vale ressaltar que este documento, assim como o combate de Lenin Stalin nos

    seus ltimos meses de vida, foram por muito tempo negados, sendo levados ao

    conhecimento pblico apenas atravs de Trotski. Atualmente sabe-se que so fatos

    incontestveis devido ao aparecimento e descoberta de documentos e cartas

    (BROU, 1996, p.58).

    De acordo com Carr (1979), Trotski devia sua posio no partido ao forte apoio

    de Lenin, contudo, com a incapacidade deste ltimo, Trotski era uma figura isolada e

    sem vontade nem poder para chegar liderana do Partido. Por outro lado, trs

    lderes destacados, Stalin, Zinoviev e Kamenev, uniram-se, formando a trica, para

    impedir qualquer crescimento na atuao de Trotski. Este perdeu mais fora quando

    em dezembro de 1922 Lenin sofreu seu segundo acidente vascular, e em maro de 2 Disponvel em www.marxists.org acessado em 4 de Outubro de 2012

  • 18

    1923 sofreu seu terceiro, que encerrou definitivamente a participao poltica do

    lder. Ainda neste mesmo ano uma grande crise afetou o pas, o NEP parecia no

    dar resultado e a situao ficou conhecida pela alcunha dada por Trotski: a crise da

    tesoura3

    O motivo do nome era o fato de que as curvas dos preos industriais e dos

    preos agrcolas no paravam de se afastar, assim como as lminas de uma

    tesoura. Enquanto os preos industriais disparavam, os agrcolas estavam

    estagnados, retraindo as compras e reduzindo o mercado. Como soluo Stalin

    defendia a manuteno da NEP, o rebaixamento por decreto dos preos industriais e

    a reduo dos impostos para reconquistar camponeses, enquanto Trotski

    pronunciou-se por um aumento dos impostos sobre os kulaks, o que permitiria ao

    Estado investir mais na indstria e iniciar o planejamento.

    .

    Um momento de turbulncia social comea a instaurar-se com princpios de

    greves e algumas iniciativas de conflitos (BROU, 1996). A propsito desta agitao

    o Bir Poltico instaurou a proposta de que todos os membros do Partido

    denunciassem crticas e veleidades de oposio. Trotski no concorda com esta

    interveno e atravs de um manifesto contra a burocracia do Partido e o seu

    autoritarismo, ataca diretamente a figura de Stalin. A resposta a esta oposio ao

    aparelho por Trotski e seus simpatizantes descrita por Brou:

    O aparelho revidou com todas as armas de que dispunha. A partir de ento passou a controlar rigidamente a publicao dos artigos. O Bir de Organizao, sob as ordens do secretariado-geral, recorreu sistematicamente s transferncias compulsrias e ao afastamento dos opositores. A maioria dos membros do Comit Central e da Juventude Comunista, partidrios da Oposio, foi nomeada para postos do Partido na Sibria e numerosos militantes da oposio foram enviados ao exterior (BROU, 1996, p.63).

    Lenin faleceu em 21 de janeiro de 1924. Em seu funeral Stalin distinguiu-se de

    seus colegas com uma nota de extrema adorao e dedicao causa, nunca

    utilizada pelos companheiros: ns comunistas seriam os discpulos humildes e

    leais, comprometidos com a realizao de todas as instrues do mestre morto

    (CARR, 1979, p.68). Segundo Brou (1996, p.65) o Partido estava nas mos do

    aparelho e o aparelho nas mos do secretrio-geral, que se tornara, deste modo, o

    senhor de todo o pas, uma vez que o Partido Comunista era o nico partido. O 3 Primeira crise econmica aps a implantao da NEP, recebe este nome justamente por seu grfico, apresentado por Trotski, mostrar duas retas cruzando-se, uma ascendendo (preos dos manufaturados) e outra declinando (preos agrcolas), assemelhando-se a forma de uma tesoura.

  • 19

    ataque personalidade de Trotski acirrou depois que Lenin no estava presente

    mais para lhe dar suporte. Stalin, numa tentativa de descredibilizar o oponente,

    declara que a revoluo permanente defendida por Trotski bate de frente com a

    teoria da revoluo proletria de Lenin, citando que este ltimo muitas vezes havia

    previsto em seus escritos a possibilidade de uma vitria do socialismo num s pas.

    Isso fortalecia o orgulho nacional, apresentando a revoluo como uma realizao

    especificamente russa e a construo do socialismo como um grandioso feito do

    proletariado russo que serviria de exemplo para o mundo, alm de ligarem todas

    estas mudanas figura de Stalin (CARR, 1979, p.73).

    Em reflexo Crise da Tesoura, mudanas estavam sendo analisadas. Stalin

    defendia fielmente as ideias de Bukharin, membro do Comit Central, que acreditava

    no sucesso da industrializao atravs da prosperidade do campons. Outra

    proposta surgia de um antigo colaborador do prprio Bukharin, Preobrajenski, e

    homem de confiana de Zinoviev e Kamenev. O inevitvel conflito das ideias

    resultou na expulso de Preobrajenski do Partido e foi o ponto inicial para o

    esfacelamento da trica (BROU, 1996). Segundo o mesmo autor, o fato culminante

    para o fim da unio entre Stalin, Zinoviev e Kamenev foi aps o debate literrio,

    onde Trotski publicaria seus escritos as Lies de Outubro, atacando severamente

    todos os membros da trica.

    Diante das acusaes, Zinoviev e Kamenev reclamaram a expulso de Trotski

    do Partido, entretanto Stalin colocou-se contra a expulso. Essa atitude o elevou a

    uma posio de neutralidade diante da viso dos membros do Partido, e

    propositalmente, trouxe prejuzos para o prestgio tanto de Zinoviev e Kamenev

    quanto de Trotski. A ruptura proporcionou uma nova parceria para a oposio, era a

    Oposio de Esquerda, que apesar de terem ideais contraditrios, compartilhavam

    do mesmo inimigo, Stalin. Eram os dois dissidentes da trica unidos a Trotski, que

    referiu-se a estes como Sancho Pana de duas cabeas, pois antes eram rivais e

    agora aliados. Lutavam em defesa do proletariado, buscando aumento nos impostos

    dos kulaks, iseno fiscal dos camponeses, fim da ditadura do aparelho sobre o

    Partido e a volta do ideal de Revoluo Permanente e Mundial (BROU, 1996,

    p.80).

    A oposio organiza uma ofensiva e tenta persuadir as clulas do partido

    secretamente, enquanto Trotski pede ao Partido a volta da democracia interna. A

  • 20

    proposta recusada e a Oposio de Esquerda qualificada como uma faco

    ilegal. Algumas clulas do Partido tomam lado dos opositores, mas so facilmente

    destrudas quando suas figuras principais so excludas pelo aparelho do Partido. O

    golpe final na oposio dado durante o 15 Congresso do Partido, onde Stalin

    relaciona a publicao no exterior do Testamento de Lenin a um comunista

    americano amigo de Trotski. O resultado a expulso de Trotski e Zinoviev do

    Partido (BROU, 1996). Carr afirma que outras medidas foram tomadas para

    combater a oposio:

    A eliminao da oposio legal era parte de um processo que concentrava e centralizava a autoridade combinada do partido e do Estado, tornando-a absoluta. (...) A limitada liberdade at ento permitida a imprensa, de expressar a opinio independente em relao a questes perifricas (...), desapareceu quase que por completo, sendo o controle imposto silenciosamente, no pela censura direta, mas por modificaes entre os diretores dessas publicaes e em seus conselhos editoriais (CARR, 1979, p.112).

    Segundo Carr (1979), no mesmo perodo ocorre uma proliferao de diferentes

    escolas literrias, nenhuma delas crtica ao regime. Mas uma em especial, a

    Associao dos Escritores Proletrios de Todas as Rssias, reivindicava o controle

    de todas as publicaes literrias e lanou uma campanha para a revoluo

    cultural. Isso acontece em 1928 quando todas as publicaes ficam sob o controle

    do Partido e do Estado, inclusive os registros fotogrficos originais.

    A massa de militantes da oposio permaneceu aptica. O imediato contra-

    ataque, as transferncias, as suspenses, as excluses, tudo intimidava. A classe

    operria tinha receio de perder seus empregos e por isso no se manifestava. A

    maioria dos dirigentes da Oposio queria evitar a excluso, aproximando-se ao

    mximo da legalidade e no formando faces, os contrrios foram exilados para

    Sibria ou sia Central. A imprensa publicava calnias as quais a Oposio no

    podia responder e diante de tais poderes somados vontade de permanecer no

    partido, membros da oposio, entre eles Kamenev, decidiram por capitular sob

    pedido de Stalin, renunciando as ideias antes defendidas. Aqueles que recusaram-

    se a capitulao foram exilados na Sibria e sia, Trotski entre eles (BROU, 1996,

    p. 85).

    De acordo com Brou (1996), quando combateu a Oposio de Esquerda,

    Stalin utilizou-se dos ideais de seu aliado Bukharin, defendendo os kulaks. A

    Oposio via nesta classe o verdadeiro inimigo do socialismo e enquadrava-a como

  • 21

    a base para a reestruturao do capitalismo, mas tambm via perigo no centro do

    Partido na medida que estes no percebiam o crescimento da direita. Stalin

    demorou para se dar conta do crescimento econmico e de poder do kulaks, alerta

    do qual ele havia zombado de sua Oposio outrora. O crescimento da classe

    provocava enorme desigualdade e dependncia nos campos, alm de afetar na

    produo de trigo devido a estocagem por parte dos proprietrios.

    Stalin comeou a tender para uma guinada esquerda, coletivizando os campos

    e acelerando a industrializao, isto iria repartir, de forma positiva, a opinio de sua

    oposio, mas em contrapartida iria criar conflitos negativos no seio do Partido.

    Estes conflitos geraram um novo grupo oposicionista. A Oposio de Direita era

    formada por Bukharim, Rykov e Tomski, no entanto poderia nem ser considera

    oposio pois foi derrotada sem nem ao menos ter atacado. O grupo percebeu as

    tendncias esquerdistas de Stalin e era ciente dos poderes da ditadura do aparelho,

    vide Oposio de Esquerda, e este medo levou-os a contatar e informar o exilado

    Trotski da idia de formao de um bloco com foco apenas na volta da democracia

    interna. Em 1929, apesar da aproximao com os direitistas, Trotski foi expulso da

    URSS e diante disso os trs oposicionistas fazem sua autocrtica confessando

    estarem com concepes erradas. Era o fim das lutas polticas, no futuro haveria

    apenas batalhas no aparelho (BROU, 1996, p.89).

    2.2 Stalinismo Sem oposio e com o controle do aparelho do Partido em suas mos, Josef

    Stalin teve domnio absoluto da Unio Sovitica durante seu perodo de governo.

    Em 21 de Dezembro de 1929, Stalin comemorou seu 50 aniversrio. Desde sua

    nomeao a secretrio-geral do partido, sua fora residira na administrao rgida e

    meticulosa do Partido, nomeando os postos chaves no partido e no Estado. Ele

    reuniu sua volta pessoas de sua confiana cujo seus lugares no partido dependiam

    de seu cargo. Portanto estes membros lhe deviam uma fidelidade pessoal

    inquestionvel. A Promoo Lenin4

    4 Incorporao, de responsabilidade de Stalin, de novos membros para o Partido em sua maioria proletrios sem experincia poltica

    havia levado ao partido inmeros membros

    proletrios fidedignos e manipulveis. Quanto a doutrina partidria, tentou de todas

    as foras moldar os ideais de Lenin ao seu governo, procurando ser visto no como

    um inovador, mas como um adorador e discpulo de Lenin, nas palavras de Carr

  • 22

    (1979, p.154), a tentativa espria de atribuir a teoria do socialismo num nico pas a

    Lenin foi exemplo de sua preocupao em fundamentar sua autoridade na

    autoridade do mestre.

    Seu retrato estava em todas as paredes de todas as casas e estabelecimentos

    comerciais, geralmente ao lado do de Lenin. As palavras de Stalin eram

    constantemente citadas na imprensa, como as de Lenin, e sempre tratadas com

    autoridade. Estas prticas atingiram o apogeu na comemorao de seu aniversrio,

    marcado por uma manifestao gigantesca de adorao pessoal. Diferentemente de

    Lenin, Stalin apresentava uma vaidade que exigia uma obedincia e reconhecimento

    de sua infalibilidade (CARR, 1979, p.154).

    Poderia se justificar nesta necessidade de reafirmao e suposta insegurana

    as diversas fotografias manipuladas retirando opositores e antigos desafetos

    registradas em seu governo, itens que veremos no captulo quatro. Nenhuma crtica

    aberta nem discordncias eram divulgadas pela imprensa do Partido e revistas

    especializadas. Carr (1979, p.154) define bem este momento, Stalin tornou-se uma

    figura distante, isolada, exaltada acima dos mortais comuns, e na verdade, acima de

    seus colegas mais prximos. Era cruel e vingativo com qualquer um que se opunha

    sua vontade, conquistasse sua antipatia ou ressentimento.

    A dedicao ao socialismo a um s pas vestia perfeitamente seu governo.

    Permitia exercer polticas socialistas com base no nacionalismo russo. Essa

    limitao, muitas vezes baseada em chauvinismos, teve seus mritos. Com sua

    fora foi possvel transformar a primitiva Rssia camponesa em uma enorme e

    moderna potncia industrial. Em suas palavras no artigo O ano de grande abertura:

    (...)Estamos seguindo a todo o vapor pela estrada da industrializao para o socialismo, deixando para trs o nosso tradicional atraso russo. (...) Estamos comeando a ser o pas do metal, o pas do automvel, o pas do trator. (...) E quando tivermos sentado a URSS num automvel, o campons em um trator, ento que os capitalistas, que se orgulham de sua civilizao, nos alcancem. Veremos que pases podem ento ser considerados atrasados, e quais os que sero adiantados. (...) Estamos 50 ou 100 anos atrasados em relao aos pases adiantados. Ou conseguimos alcan-los, ou eles nos esmagaro (STALIN apud CARR, 1979, p.155).

    O entusiasmo pelo grande salto frente dominou muitos membros do partido, e

    outros dedicados, numa situao ou noutra, construo do grande plano, e deixou-

    os indiferentes a outras consideraes. Era uma sociedade bem habituada a

  • 23

    associar o Governo opresso, e a trat-lo como um mal inevitvel (CARR, 1979,

    p.156).

    2.2.1 Planos Quinquenais Em 1928 uma nova crise se manifestou na Unio Sovitica, desta vez o foco era

    agrcola, no que ficou chamada Crise do Trigo. A produo estava baixa e o custo

    reduzido da semente forava os kulaks a estocarem e no venderem suas

    produes. Primeiramente foi ordenada uma medida de emergncia que permitia a

    apreenso dos estoques alm de um aumento no valor do produto, entretanto, aps

    ter um reflexo ainda negativo na economia e ver seu prestgio diminuir com os

    pequenos e mdios camponeses, Stalin decide por fim a NEP. Comea a

    coletivizao dos campos, exilando os kulaks e suas famlias para trabalhos

    forados na Sibria. A ideia era semelhante defendida pela Oposio de

    Esquerda, mas com Stalin as posses eram obtidas atravs de prises, deportaes

    e mortes.

    O movimento de coletivizao tinha bases populares, pois existia no campons pobre o dio pelos kulaques, o rancor, o medo. Para eles representava a anulao das dvidas, a tomadas das terras dos novamente, uma nova perspectiva (BROU, 1996, p.98).

    Aps a perseguio aos kulaques passou-se a ter a caa aos mdios

    agricultores. As terras coletivizadas foram repassadas em sua maior parte para

    cooperativas e algumas para domnio do governo, que contratava camponeses

    como funcionrios. Stalin, assim como fora defendido pela Oposio da Esquerda,

    forou a industrializao com o objetivo de criar uma indstria que no sustentasse

    somente a si, mas tambm aos transportes e a agricultura. O forte desenvolvimento

    se deu nas matrias primas brutas, nas industriais pesadas de ao, carvo, ferro e

    petrleo. Mas a indstria secundria e terciria, voltadas para bens de consumo da

    populao, esta continuava estagnada (BROU, 1996).

    Um dos smbolos junto coletivizao do campo para o crescimento dos

    camponeses era o trator. A palavra era de que esta mquina era imprescindvel caso

    desejassem um aumento de produo e econmico. O plano de ter uma fbrica em

    territrio sovitico existia desde 1920, e diante desta necessidade a idia se

    concretizou e em meados de 1930 a produo alcanava cinquenta mil tratores por

    ano. A fabricao de maquinrios incentivou a indstria automobilstica, um

  • 24

    programa de abertura de estradas foi feito e um acordo com a Ford de Detroit

    permitiu que a empresa fundasse uma indstria na Rssia. A produo era quase

    totalmente voltada para caminhes com objetivos industriais (CARR, 1979).

    Segundo Brou (1996), estas mudanas no plano econmico tiveram reflexos

    expressivos na condio social. Com a forte industrializao ocorre o xodo rural. As

    grandes cidades soviticas vem suas populaes duplicarem ou triplicarem. A

    maior classe social deixa de ser a de camponeses para ser a de operrios

    industriais. A mudana no acompanhava a poltica, existiam poucas polticas

    trabalhistas e as que haviam no eram praticadas. Os trabalhadores se viam

    aprisionados aos empregos, sendo qualquer falta ou resciso de trabalho vista como

    infrao, o que acarretaria no cancelamento de vale-refeio ou at expulso da

    famlia do alojamento empresarial ou coletivo. Os sindicatos ficavam tanto sob o

    controle do Partido quanto da direo das empresas, o que os tornava inteis nas

    reivindicaes de normas de trabalho ou discusso de contratos.

    Com objetivo de impedir o florescimento de revoltas e greves, todas ilegais,

    ocorre um fortalecimento da polcia poltica, a GPU. Ela ficou encarregada de vigiar

    e punir os trabalhadores, alm de ser a responsvel por distribuir, recusar e controlar

    as carteiras de trabalho. No combate s manifestaes, deportou milhes para os

    gulags5

    Ela era encarregada de vigiar tanto os cidados socialmente perigosos como todos os condenados a menos de trs anos cujas penas podia, assim, prolongar como quisesse. Em suma, o sistema repressivo se auto-alimentava. Estado dento do Estado, a GPU era fortemente controlada por Stalin, o que dava ao Estado sovitico, cada vez mais, o carter de um Estado policial (BROU, 1996, p.106).

    .

    2.2.2 O Apogeu da Ditadura As consequncias dos Planos Quinquenais tambm afetaram alguns grupos do

    aparelho. Muitos no concordavam com a coletivizao das terras e a

    industrializao forada, entre eles Riutin, um antigo aliado de Stalin nas pocas de

    combate Oposio de Esquerda e de Direita. Riutin escreveu um manifesto

    defendendo a expulso de Stalin como a nica soluo para o re-erguimento do

    Partido. O documento aglutinou um nmero de militantes marcante, obtendo

    5 Administrao Geral dos Campos de Trabalho Correcional e Colnias, era um sistema de campos de trabalhos forados para criminosos, presos polticos e qualquer cidado em geral que se opusesse ao regime da Unio Sovitica.

  • 25

    aprovao de Zinoviev e Kamenev. A represso a este movimento foi severa,

    resultando novamente na excluso e exlio destes ltimos e a exigncia de Stalin

    para que Riutin fosse executado, entretanto o Bir Poltico no o apoiou. Entre os

    votos contrrios estava o de Kirov, um velho bolchevique, chefe do partido em

    Leningrado e com grande popularidade na cidade. Apesar de ser adepto da

    coletivizao e da industrializao, percebeu a necessidade de abandonar estes

    mtodos e passou a defender o apaziguamento. Comea a surgir internamente a

    idia de Kirov ser o sucessor de Stalin. No 17 Congresso do Partido, Stalin percebe

    esta ameaa e parece aderir a esta tendncia de apaziguamento, declarando anistia

    aos kulaks e modificando o foco da GPU que passaria a ser chamada de NKVD.

    Mas na verdade ele se preparava para o combate, havia colocado no Comit Central

    dirigentes da NKVD e seus homens nos postos chefes do Partido. Stalin continuou

    secretrio geral e Kirov entrou no secretariado do Comit Central, como sendo o

    nmero dois (BROU, 1996).

    De fato, os acontecimentos que seguem a esta disputa pela liderana no

    Partido fortalecerem o poder de Stalin e sua autoridade. Em 1934 Kirov

    assassinado por Nikolaiev, um membro do Partido. No existem provas concretas

    que este crime foi a mando de Stalin, contudo existem evidncias que levantam esta

    hiptese. Nikolaiev j havia sido preso com uma arma no intuito de cometer este

    assassinato, entretanto foi solto sem justificativa e teve seu equipamento devolvido.

    No mesmo dia da morte de Kirov, Stalin, sem a consulta do Bir Poltico, criou um

    decreto privando os acusados de crimes de terrorismo de seus direitos de defesa.

    Por seguinte decretou que os procedimentos judiciais seriam acelerados, sem direito

    de apelao e com execuo imediata da sentena. Comea o massacre dos

    acusados.

    Os simpatizantes de Kirov exigiam respostas e justia, que Stalin providenciou

    em um julgamento de portas fechadas. Nele, Nikolaiev e outros onze homens,

    confessaram estarem seguindo instrues de um centro de oposio de

    Leningrado, ligado Trotski. Eles foram condenados a morte e executados

    imediatamente. Em um julgamento paralelo, tambm acusados por formao de

    oposio, Zinoviev e Kamenev foram condenados e presos. Algumas polticas de

    controle foram impostas: o porte de armas brancas torna-se passvel de cinco anos

    de priso, as penas passam a ser aplicadas aos maiores de onze anos, casos de

  • 26

    espionagem e emigrao so suscetveis de pena de morte e declarada a

    Solidariedade Familiar, onde qualquer parente direto de um criminoso, mesmo que

    ignorasse o crime, estaria sujeito a cinco anos de priso (BROU,1996).

    A imprensa fazia campanha contra os trotskistas. Todos os dias eram anunciadas prises de jovens terroristas trotskistas, etc. Enquanto isso, nas prises, centenas, talvez milhares de velhos bolcheviques estavam sendo preparados para confessar em processos que viriam (BROU, 1996, p.117).

    Estes processos ficaram conhecidos como Processos de Moscou. Em sua

    maioria, consistiam na forma de condenao reservada queles que haviam sido

    acusados por outros, mas que no podiam se apresentar ao pblico por no terem

    confessado seus crimes, abaixo uma lista com os principais destes processos e seus

    rus executados:

    Processo dos Dezesseis fuzilamento de Zinoviev, Kamenev e Smirnov. 1936

    Processo dos Dezoito fuzilamento de Piatakov, Muralov, Radek, Serebriakov.

    1937

    Processo dos Vinte e Um fuzilamento de Bukharin, Rykov, Rakovski. 1938

    Em comum, todos os envolvidos confessavam serem ou espies, ou

    sabotadores, ou terem envolvimento no assassinato de Kirov. No entanto, os

    processos, apesar de numerosos, eram excees. As execues sem processo

    eram a regra geral. Dos 1.966 participantes do 17 Congresso do Partido, 1.108

    foram presos e executados e final semelhante tiveram 98 dos 139 membros do

    Comit Central. No mesmo perodo, 90% das altas patentes do Exrcito foram

    exterminados e o massacre ultrapassou fronteiras, assassinando inimigos do

    sistema, como foi o caso de Trotski, morto em 1941 no Mxico pelo agente da NKVD

    Ramn Mercader (BROU, 1996).

    No fim, os interesses de Estado da Unio Sovitica prevaleceram sobre os interesses revolucionrios mundiais da Internacional Comunista, que Stalin reduziu a um instrumento da poltica de Estado sovitico, sob o estrito controle do Partido Comunista sovitico, expurgando, dissolvendo e reformando seus componentes vontade (HOBSBAWN, 1994, p.78).

    No mesmo perodo dos expurgos, via-se na Unio Sovitica o florescimento e

    desenvolvimento do culto personalidade de Stlin. De acordo com Brou (1996,

    p.123), a imprensa celebrava constantemente o chefe genial, o pai dos povos, o

    arauto da humanidade, o sol, numa exaltao mstica do chefe.

  • 27

    Em 1939 Stalin assina o pacto Germano-Sovitico ou Pacto Hitler-Stalin. Uma

    atitude defensiva, tendo em vista a frustrao em fazer alianas com Frana e

    Inglaterra. Este acordo acabou tornando-se um conjunto de possesses de terra,

    tendo a URSS em um ano incorporado ao seu territrio um total de 23 milhes de

    habitantes. Tem-se o fim da propaganda antifascista e invoca-se a tradio da

    Rssia Czarista e sua tradio com os povos germanos. Mas este perodo de

    estabilidade poltica com os alemes no dura um ano, segundo Hobsbawn (1994,

    p.46), a guerra foi revivida pela invaso URSS por Hitler em 22 de junho de 1941

    (...)uma invaso to insensata pois comprometia a Alemanha numa guerra em duas

    frentes que Stalin simplesmente no acreditava que Hitler pudesse contempl-la.

    Mas o que ocorre, a Alemanha assina o Pacto Tripartite junto Itlia e Japo,

    e invade a Iuguslvia, controlada pela URSS. Devido aos expurgos da crise de 1930,

    havia um certo despreparo militar e estrutural para uma guerra e foi necessria a

    libertao de diversos presos polticos para que certos cargos e funes pudessem

    ser exercidos com competncia. criado na URSS um sentimento nacionalista e

    patriota. O regime apela para os sentimentos ancestrais, exaltando as lutas

    histricas da Rssia czarista, o patriotismo russo, o amor pela terra natal,

    abandonando os temas da luta de classe e do internacionalismo proletrio.

    Conforme afirma Brou (1996, p.130), o inimigo no era mais o fascista e sim o

    alemo.

    A vitria dos aliados na Segunda Guerra Mundial ocorreu atravs de inmeras

    derrotas do exrcito nazista, principalmente as que se deram em sua invaso para o

    interior da Rssia. Erros estratgicos e planejamentos equivocados quanto

    logstica e previses climticas foram os principais responsveis pela expulso dos

    alemes do territrio sovitico, contudo Hobsbawn destaca outro ponto:

    Por outro lado, a verdadeira base da vitria sovitica foi o patriotismo da nacionalidade majoritria da URSS, os grandes russos, sempre a elite do Exrcito Vermelho, a que o regime sovitico apelou em seus momentos de crise. Na verdade, a Segunda Guerra Mundial se tornou oficialmente conhecida na URSS como "a Grande Guerra Patritica (HOBSBAWN, 1994, p.171).

    E ns podemos chamar tambm de a grande guerra de Stalin. Seu prestgio

    devido vitria cresceu muito. Aps a guerra, Stalin tido como o pai dos povos,

    Marechal Stalin, e a URSS tornou-se a segunda grande potncia mundial. A crise

    econmica social permanecia, entretanto a indstria dera um salto importante,

  • 28

    alcanando em poucos meses nveis superiores aos pr-guerra. Isso se deu ao fato

    do desmantelamento da indstria alem e sua transferncia para a URSS e

    integrao de novas foras econmicas por territrios conquistados e

    reconquistados. Com os acordos aps a Segunda Guerra, foi institudo um bloco de

    pases que seriam ocupados pelas foras soviticas, submetidas ao seu controle e

    denominados de democracias populares. A idia era manter o sistema vigente

    nestes pases, o capitalismo burgus, mas tendo a URSS controle das foras

    armadas e da polcia, alm destes pases terem de pagar indenizaes de guerra e

    ter designada a transferncia de suas fbricas para a URSS, principalmente as

    alems e hngaras (BROU, 1996).

    O socialismo se limitaria URSS e rea destinada por negociao diplomtica como sua zona de influncia, isto , basicamente a ocupada pelo Exrcito Vermelho no fim da guerra. Mesmo dentro dessa zona de influncia, continuaria sendo mais uma perspectiva para o futuro do que um programa imediato para as novas"democracias populares (HOBSBAWN, 1994, p.169).

    Nos anos de 1950 uma nova crise ameaava acontecer. As produes agrcolas

    haviam aumentado apenas 19% nos ltimos dez anos. Na tentativa de salvar o

    sistema Stalin comea a tomar medidas parecidas com o primrio comunismo de

    guerra, algo chamado por muitos de Stalinismo de Guerra. Tratava da estatizao

    das cooperativas camponesas. Um novo expurgo se preparava para acontecer,

    buscando bodes expiatrios pela crise, entretanto, em 5 de maro de 1953, Iossef

    Stalin morre aps um derrame cerebral. Deixa o plano fsico para ficar na histria e

    na memria, que ao que parecem, foram moldadas seu critrio.

    As variaes na reputao de Stalin, desde sua morte, aos olhos de seus compatriotas parecem refletir emoes confusas e conflitantes de admirao e vergonha. Essa ambivalncia pode persistir por um longo tempo. O precedente de Pedro, o Grande, foi invocado com frequncia, e espantosamente adequado. Pedro era tambm homem de formidvel energia e extrema ferocidade. (...) Stalin foi o mais impiedoso dspota que a Rssia conheceu desde Pedro, e tambm um grande ocidentalizador. (CARR, 1979, p.156)

  • 29

    3 O Poder do Estado e a Fotografia como Documento Social Neste captulo, atravs de pesquisa bibliogrfica e exemplificaes, sero

    expostos mtodos e medidas tomadas por estados em geral, e principalmente o

    Sovitico, para trabalhar a ideologia e a aceitao do povo seu favor. Como

    modificar ou oprimir uma forma de agir ou pensar? Como tentar sobrepor verdades e

    memrias de um povo ou nao? So questes abordadas nestes sub captulos. A

    seguir temos uma anlise sobre a fotografia, que ser o objeto de estudo do captulo

    quatro. Buscamos um enfoque maior no contexto que envolve a fotografia como

    documento social, baseada em significncias, representaes e interpretaes, pois

    so as que mais se encaixam com as propostas repressivas do governo sovitico de

    Stalin. Obviamente, vez por outra, a anlise tcnica vista em posicionamentos,

    enquadramentos e requadros. Contudo so para reforar a validade das

    manipulaes fotogrficas e toda a carga ideolgica que elas carregavam ao

    tornarem-se um objeto.

    3.1 Aparelhos do Poder Base de toda a Revoluo Russa, mas no necessariamente seguido risca, o

    Manifesto Comunista de Marx define o estado como uma mquina repressiva. O

    Estado seria constitudo pelos aparelhos de Estado, possuindo assim, seus

    aparelhos repressores.

    Apresentada desta forma, a teoria marxista-leninsta do Estado toca o essencial, e no se trata por nenhum momento de duvidar que est a o essencial. O aparelho de Estado que define o Estado como fora de execuo e de interveno repressiva a servio das classes dominantes, na luta de classes da burguesia e seus aliados contra o proletariado o Estado, e define perfeitamente a sua funo fundamental (ALTHUSSER, 1983, p.63).

    Os defensores afincos do Marxismo afirmam que o proletariado deveria tomar o

    poder do Estado para destruir o aparelho vigente, no caso o burgus, e

    primeiramente instaurar um novo modelo de aparelho de Estado, um aparelho

    proletrio, para depois destituir todos os poderes do Estado e os aparelhos de

    Estado e finalmente ter um sistema sem uma unidade Estatal. Louis Althusser

    (1983) defende que primeiro necessrio diferenciar o Estado dos seus aparelhos

    de Estado, e dentro desta ltima categoria, saber identificar os aparelhos

    repressivos e os ideolgicos. Repressivos seria o governo, a administrao, o

    exrcito, a polcia, os tribunais, as prises, seriam aqueles que funcionam, de certa

  • 30

    forma, atravs da violncia. Do lado dos aparelhos ideolgicos teramos instituies

    distintas e especializadas como aparelhos religiosos, escolar, familiar, jurdico,

    poltico, sindical, de informao e cultural. O autor define a grande diferena entre os

    dois como o Aparelho repressivo do Estado funciona atravs da violncia ao passo

    que os Aparelhos Ideolgicos do Estado funcionam atravs da ideologia

    (ALTUSSHER, 1983, p.69).

    Dos aparelhos ideolgicos do estado, o aparelho ideolgico escolar tido como

    um dos mais importantes para esta solidificao de ideal. o mais presente dentro

    de uma sociedade, tendo muitas vezes sua audincia obrigatria, cinco dias por

    semana, por pelo menos um turno, se encarregando de suas funes em todas as

    classes sociais desde o maternal, atingindo o ser humano em seu momento mais

    vulnervel e sendo sempre reforado pelos aparelhos ideolgicos familiares.

    Cabem a eles ensinar e educar os saberes e valores contidos na ideologia

    dominante (ALTUSSHER, 1983).

    Na URSS o currculo escolar inclua muitos cursos polticos, todos voltados para

    viso marxista leninista e com forte denegrio e ridicularizao de vises

    alternativas. Na sala de aula eram ensinados slogans, canes, saudaes e

    histrias de glrias do Partido Comunista (HOLLANDER, 1974). Por trs do

    aparelho ideolgico escolar temos um sistema coberto por uma ideologia j

    instaurada universalmente, na qual vemos as escolas como instituies neutras,

    com professores respeitosos e libertrios, aonde os filhos sero educados por

    conhecimentos e literaturas tambm neutras (ALTUSSHER, 1983). A seguir, dois

    depoimentos de pessoas que tiveram suas educaes em escolas soviticas

    durante o regime de Stalin, o primeiro de um aluno de uma escola convencional:

    Na escola, diziam: Vejam como no nos deixam viver sob o comunismo veja como explodem fbricas, descarrilam bondes, matam pessoas tudo isso feito por inimigos do povo. Enfiavam isso em nossas cabeas tantas vezes que deixvamos de pensar por conta prpria. Vamos inimigos em todas as partes. Diziam-nos que, se vssemos algum suspeito na rua, deveramos segui-lo e informar a seu respeito seria possvel que fosse um espio. As autoridades, o Partido, nossos professores todos diziam a mesma coisa. O que mais poderamos pensar? (BINDEL apud FIGES, 2010, p.329).

    O segundo de uma aluna de escola especial para crianas cujos pais foram

    presos ou condenados, e vemos nitidamente a interveno do Estado nos materiais

  • 31

    didticos, o depoimento ocorre aps o Partido instruir as instituies a retirarem de

    seus livros uma imagem de Tukhachevsky:

    Alguns dos garotos estavam deformando o rosto de Tukhachevsky nos livros, acrescentando um bigode ou um par de chifres. Um dos professores, Rakhil Grigorevna, disse a eles: Eu j disse isso s garotas, e agora direi a vocs: Darei um pedao de papel para cada um, e quero que colem cuidadosamente nos livros para cobrir o rosto de Tukhachevsky. Mas faam com cuidado, porque hoje ele pode ser uma m pessoa, um inimigo do povo, mas amanh ele e os outros podem retornar, e podemos voltar a v-los como pessoas boas. E, quando isso acontecer, vocs podero tirar o pedao de papel sem desfigurar o rosto. (GAISTER apud FIGES, 2010, p.355).

    Outro forte pilar dos aparelhos ideolgicos o aparelho familiar, afirmao que

    fica clara aps lermos um artigo publicado no Pravda (A Verdade), jornal mais

    popular e de maior circulao na URSS:

    dever sagrado dos pais instilarem em seus filhos, desde a tenra idade, preciosas qualidades como o amor Ptria socialista, a devoo causa do Comunismo, a honestidade, a diligncia e o desejo de servir o povo, lealmente, e de defender os resultados alcanados pela Revoluo. Isto exige uma constante e concentrada penetrao no mundo espiritual das crianas e um trabalho paciente e generalizado de educao. (HOLLANDER, 1974, p.33)

    Era importante este tipo de monitoramento, pois para Stalin, a famlia era

    coletivamente responsvel pelo comportamento individual de seus membros. Os

    familiares deveriam denunciar caso algum ente fosse considerado inimigo do

    sistema, contrrio a isto seria julgado cmplice e compartilhador da mesma opinio.

    Desta forma, a estrutura familiar se viu na necessidade de criar certas regras para o

    convvio, buscando falar calmamente, com pausas, dando ideias e opinies que

    ocultassem seus verdadeiros sentidos estranhos, vizinhos e etc. Os pais

    identificavam que crianas falantes eram perigosas e por isso partilhavam da idia

    de que quantos menos os filhos soubessem mais seguros estariam todos.

    Estas mudanas na personalidade sem dvidas afetaram a sociedade russa

    como um todo. O povo passou a ocultar suas personalidades, cotidianamente

    respeitavam os modos pblicos soviticos, contudo em seus ntimos, sofriam com

    questionamentos sobre suas vidas. Essa dvida sobre com quem voc estaria

    convivendo provocava a desconfiana dos soviticos, no sabendo se aquele ao seu

    lado sorrindo era ou no um espio inimigo ou simplesmente mais um cidado.

    Destas incgnitas surgiam denncias e relatos de inimigos ocultos, no somente

  • 32

    na grande populao, como tambm entre amigos, vizinhos e familiares (FIGES,

    2010)

    Este tipo de denncia se tornou uma sndrome e foi responsvel por um grande

    nmero de apreenses da NKVD e do Partido. Convictas de estarem fazendo seus

    papis patriticos, as pessoas denunciavam sem pudor. Acreditavam na propaganda

    sobre espies e inimigos e temiam ter problemas caso algum conhecido fosse preso

    e eles acusados por falta de vigilncia. Nessa angstia, as pessoas denunciavam

    antes mesmo que elas fossem denunciadas. Ter qualquer desavena amorosa,

    conflitos com vizinhos, inimigos pblicos, era sinnimo de uma denncia sujeita a

    interrogatrio e priso.

    Contudo, em um ambiente moldado a mortes e prises, de se esperar um

    nmero grande de crianas sem pais ou responsveis, jogadas nas ruas e acabando

    por ficar sob responsabilidade do Estado e criadas em orfanatos. Este era o local

    preferido para os recrutamentos do Partido, as crianas no possuam laos

    familiares e eram suscetveis as propagandas do regime pois no tiveram pais que

    as orientassem ou passassem valores e ideais alternativos. importante lembrar o

    mito de Pavlik Morozov, histria divulgada em toda a Rssia como o abc de

    introduo nas escolas, hospitais e orfanatos soviticos.

    Pavlik era filho de um campons e durante a coletivizao das terras propostas

    por Stalin, ao ver seu pai negar-se a entregar sua propriedade, Pavlik denunciou-o

    polcia especial, na poca GPU. Seu pai foi preso e condenado por dez anos de

    trabalho na Sibria, e durante a pena foi morto. Os parentes do falecido, ao

    descobrirem que a denncia havia partido de Pavlik, mataram o garoto em seus 13

    anos de vida. A famlia toda foi condenada e executada e Pavlik Morozov virou um

    mrtir da luta pelo regime e combate aos inimigos do povo.

    Como no compreendamos o que era uma famlia, nem tnhamos idia do que fosse um pai, o fato de Pavlik ter trado o pai no tinha nenhuma importncia para ns. O importante era que capturara um kulak, um membro da burguesia, o que, aos nossos olhos, fazia com que fosse um heri. Para ns, era uma histria sobre a luta de classes, no uma tragdia familiar. Se vivssemos em qualquer outro pas, teramos morrido de fome e de frio - era o que nos diziam... E, obviamente, acreditvamos em cada palavra. Descobrimos a vida, aprendemos a pensar e a sentir na verdade, a no pensar nem sentir, e sim a aceitar tudo que nos diziam - no orfanato. Tnhamos recebido do poder sovitico todas as idias que tnhamos sobre o mundo (NIKOLAEV apud FIGES, 2010, p.399).

  • 33

    3.2 Legitimidade dos Poderes de Stalin Assim como na Revoluo Russa a liderana se viu na figura de Lenin e Trotski,

    Stalin tornou-se um lder sovitico durante seu governo. Estas relaes de liderana

    entre massa-lder contm caractersticas tpicas, o lder exerce sobre o indivduo na

    multido ou na massa, uma ao semelhante de um hipnotizador: o indivduo

    procura identificar-se com ele, segui-lo cegamente. O ponto de apoio moral , nesse

    caso, transferido para fora de sua prpria personalidade (TCHAKHOTINE, 1967,

    p.246). De certo modo esta hipnose est presente no regime stalinista, entretanto

    este relato a define atravs do medo:

    No consigo nem pensar em uma analogia na histria da humanidade. Portanto preciso utilizar um exemplo da zoologia: o coelho hipnotizado pelo olhar da jibia... Todos ramos coelhos que reconheciam o direito da jibia de nos engolir; quem quer que fosse dominado por seu olhar caminharia com muita calma, sentindo na boca o gosto da perdio (FIGES, 2010, p.292).

    Os lderes parecem incapazes de ver a vida individualmente, percebendo-a

    apenas em blocos, coletivos ou massas, e assim, impe a eles sua vontade, sempre

    baseada na defesa de sua causa, muitas vezes com a sagacidade de um fantico.

    De um modo geral, no toleram crticas a si e contra seu governo, temendo que tais

    sejam prejudiciais ao seu prestgio (TCHAKHOTINE, 1967).

    Entretanto, se as atitudes e comportamentos do cidado devem se ajustar aos

    ideais dominantes, o Estado deve promover um programa para induzir seus

    cidados norma correta. No caso da URSS, os soviticos durante todas suas vidas

    recebem um fluxo de mensagens condizentes legitimidade do regime alm de

    convocaes e mobilizaes para colocar esta poltica em execuo. Com o objetivo

    de doutrinar politicamente toda sua populao, o Estado no somente diz quais

    ideais e comportamentos o povo deve seguir, como tambm aqueles que no deve

    seguir. importante destacar um dos pilares bsicos para a sustentao do regime

    sovitico, que o aparelho repressor. Quando a persuaso e a doutrinao falham,

    o Estado aciona seus meios de intimidao e punio para adequ-los ordem

    poltica (HOLLANDER, 1974).

    Estou sugerindo que o terror to importante para lidar com aqueles que o regime considera como cidados relativamente slidos quanto para lidar com aqueles que o totalitrio deseja eliminar ou pr fora de circulao por perodos flutuantes. Em outras palavras, o terror um meio de institucionalizar e canalizar a ansiedade.

  • 34

    O regime procura desenvolver em cada pessoa o medo incmodo de ter feito algo de errado, de ter deixado alguma coisa por fazer, de ter dito alguma coisa proibida (INKELES apud HOLLANDER, 1974, p.25).

    Abaixo um depoimento de Viacheslav Kolobkov, recordando o pnico de seu pai,

    um operrio de uma fbrica de Leningrado:

    Todas as noites, ele ficava acordado esperando o som do motor de um carro. Quando ouvia o som, sentava-se enrijecido na cama. Ficava aterrorizado. Eu sentia o cheiro de seu medo, da transpirao nervosa, e sentia seu corpo tremer, apesar de mal poder v-lo na escurido. Quando ouvia um carro, ele sempre dizia: Vieram me prender! Estava convencido de que seria preso por algo que teria dito s vezes, em casa, amaldioava os bolcheviques. Quando ouvia um motor sendo desligado e a porta de um carro sendo fechada, meu pai levantava e comeava a procurar em pnico pelas coisas das quais achava que mais precisaria. Ele sempre mantinha esses itens ao lado da cama para estar pronto quando eles viessem para prend-lo. Lembro-me das cascas de po que ficavam ali seu maior temor era partir sem levar po. Foram muitas noites em que meu pai praticamente no dormiu esperando um carro que nunca chegava (KOLOBKOV apud FIGES, 2010, p.293).

    Esta disciplina adquirida atravs do medo j era alertada por Tchakhotine (1967,

    p.238) como sendo precursora do anti-devotamento, devendo o lder se esforar

    para criar naqueles que comanda a convico de que toda a organizao est

    subordinada ao senso do dever, reflexo incondicionado de grau elevado e que ele

    prprio est submetido s mesmas obrigaes que seus homens. O medo era

    tamanho na populao sovitica que a lngua russa possui duas palavras para

    sussurrador, aquele que sussurra para no ser ouvido pelas autoridades o

    shepchushchii e aquele que sussurra pelas costas das pessoas para entreg-las as

    autoridades o sheptun. Estas palavras seguem nos dicionrios russos e esto

    incorporadas no idioma, como observa Orlando Figes, o poder real e o legado

    duradouro do sistema stalinista no estavam nas estruturas do Estado nem do culto

    ao lder, mas no stalinismo que entrou em todos ns. Apesar de contraditria, pois o

    stalinismo exatamente este culto ao lder sob um Estado estruturado, esta

    afirmao revela o quo marcada ficou a populao sovitica durante seu regime

    (FIGES, 2010, p.27).

    Sabamos que no podamos repetir para ningum o que escutvamos os adultos sussurrando ou o que os ouvamos dizer pelas nossas costas. Teramos problemas at mesmo se deixssemos que soubessem que tnhamos escutado o que haviam dito. s vezes, os adultos falavam alguma coisa e depois nos diziam: as paredes tem ouvidos ou segure sua lngua, ou alguma outra expresso que era interpretada como uma indicao de que o que tinham acabado de falar no deveria ter sido ouvido por ns. Crescemos aprendendo a ficar de boca fechada. Voc ter problemas por causa de sua lngua era isso que diziam para ns, crianas, o tempo

  • 35

    todo. Vivamos com medo de falar. Minha me costumava dizer que todos eram informantes. Tnhamos medo dos vizinhos e especialmente da polcia... Ainda hoje, quando vejo um policial, tremo de medo. (FIGES, 2010, p.26)

    3.3 Aparelhos Ideolgicos Soviticos Para reforar a doutrinao poltica na URSS temos alguns aspectos

    importantes de persuaso do povo. Comeando por uma alta visibilidade do

    contedo poltico, estando presente em todas as casas e estabelecimentos

    comerciais fotografias de Lenin, de Stalin, alm de bandeiras e faixas com slogans

    polticos. O segundo aspecto era a ampla extenso de penetrao do contedo

    poltico. Todas as escolas, fbricas, jornais, livros ou qualquer outro lugar que

    envolvesse aglomerao de pessoas ou trocas de informaes esto submetidos a

    comunicar o contedo ideolgico do regime. Desta maneira, fez-se vlida as

    palavras de Lenin sobre os canais pblicos de informao, de que seriam os

    instrumentos do partido para a socializao ou doutrinao poltica intensa e

    explcita.

    Na URSS, os meios de comunicao selecionam e interpretam os

    acontecimentos sua maneira para suas audincias, dando a elas um contedo

    coordenado e dirigido, e incapacitando-as de funcionar como indivduos com poder

    crtico. So estes meios que informam sobre os acontecimentos polticos e pessoais

    locais e mundiais, conferindo-lhes status e credibilidade e ignorando outros. Como

    exemplo pode-se citar o total desaparecimento de uma pessoa importante das

    colunas noticiarias, tirando-a do cenrio habitual e atual e transformando-a em uma

    no pessoa (HOLLANDER, 1974).

    Para a grande parte da populao, sempre havia duas realidades: a Verdade do Partido e a verdade obtida por meio da experincia. Mas nos anos do Grande Terror, quando a imprensa sovitica estava repleta de julgamentos encenados e dos feitos nefastos de espies e inimigos, poucos conseguiam ver alm da verso do mundo divulgada pela propaganda. Era necessrio uma fora de vontade imensa, geralmente ligada a um sistema de valores diferente, para que algum desconsiderasse os relatos da imprensa e questionasse as premissas bsicas do Terror. Para alguns, a adoo de uma viso crtica era a possibilitada por suas religies ou nacionalidades; para outros, tal viso era consequncia de outra ideologia ou de uma crena diferente no Partido; e para outros, talvez fosse resultado da idade (j tinham visto tanta coisa na Rssia que jamais acreditariam que a inocncia protegesse qualquer pessoa de ser presa). Mas para aqueles com menos de 30 anos, que s conheciam o mundo sovitico ou que no tinham herdado outros valores de suas famlias, era quase impossvel se distanciar do sistema de propaganda e questionar seus princpios polticos (FIGES, 2010, p.328).

  • 36

    Este controle era exercido pelo Estado atravs de reunies peridicas, ocorridas

    de quinze em quinze dias, no Departamento de Propaganda do Comit Central em

    Moscou. Eram chamadas de Conferncias de Instruo e nela estavam presentes,

    alm dos cargos do partido, editores-chefes dos meios de comunicao. Para eles

    eram passadas orientaes especficas para o tratamento de certas informaes em

    itens noticiosos futuros, alm de alertar sobre os erros polticos cometidos desde a

    ltima reunio. Como exemplo, um trecho de um sumrio de uma das Conferncias

    de Instruo:

    No perodo vindouro a imprensa deve fazer minuciosa propaganda dos resultados do Plano Quinquenal; mostrar, de uma maneira penetrante, a poltica do Partido e do Governo soviticos como um sistema unificado de medidas econmicas, polticas e ideolgicas, consolidadas pelo cenrio contemporneo da construo comunista; deve mostrar ampla e claramente o herosmo do trabalho da classe operria, o campesinato coletivo das fazendas, a intelectualidade, sua participao na realizao poltica do Partido e nas realizaes socioeconmicas e culturais do Pas (HOLLANDER, 1974, p.88).

    Dentro os meios de propaganda do partido, o jornal foi o de maior importncia no

    regime de Stalin, junto com os agitadores e propagandistas. Lenin j dizia: o jornal

    no apenas um fator de propaganda coletiva e de um agitador coletivo tambm

    um organizador coletivo (LENIN apud HOLLANDER, 1974, p.57). Por ser um

    registro impresso dos acontecimentos polticos, permite ser lido diversas vezes,

    estendendo o perodo de abrangncia de uma manifestao. Com alto ndice de

    analfabetismo, principalmente nos campos, tnhamos as leituras coletivas, feitas por

    agitadores locais do partido, que informavam o que estava escrito nas pginas do

    jornal populao.

    Posteriormente, este foi o mote para uma grande campanha de alfabetizao do

    povo sovitico, resultando em um crescimento de 74% no ndice de alfabetizao de

    indivduos at 50 anos entre 1926 at 1959, totalizando 98,5% da populao desta

    faixa. Quanto maior o ndice de leitura, maior ser o contato com o material poltico,

    para isto, mantida uma forte tradio literria russa, sendo os livros derrotados por

    preferncia apenas para os jornais. Entretanto isso no basta para que esta mdia

    no sofresse censuras. Todo contedo publicado dominado por questes

    ideolgicas, sendo um mercado regido pelo Estado e no pelos leitores, editores e

    autores (HOLLANDER, 1974).

  • 37

    A censura do regime chegava na forma de medo ao nvel domstico. Eram raros

    aqueles que escreviam em dirios, pois sabiam que caso fossem presos ou

    tivessem suas casas investigadas, a primeira coisa a ser confiscada seria o dirio,

    que por ser algo ntimo e pessoal, poderia de certa forma incriminar a vtima caso

    seus pensamentos fossem julgados antisoviticos. Por este temor que existem

    poucos registros escritos sobre o regime stalinista, o que resta so obras de

    partidrios, estadistas ou pessoas autorizadas a documentar, o que de certa forma

    valida mas descredita a total verdade. As histrias pessoais e individuais, onde

    atualmente busca-se uma nova verdade, encontram-se em sua totalidade na

    histria oral, que como sabemos, refm dos truques da memria.

    Tratando-se da URSS de Stalin, onde a memria envolvida por uma capa

    ideolgica e persuasiva, este recurso torna-se mais perigoso, porm ainda

    revelador. Muitos que viveram durante o regime, por medo, vergonha ou comodismo

    suprimem estas memrias, sendo incapazes de refletir sobre suas vidas pois

    acostumaram-se a no questionar, principalmente quando se trata moralidades.

    Outros justificam seus comportamentos com base em crenas e motivos impostos

    pelo passado (FIGES, 2010).

    Para encerrar este sub-captulo e adentrar diretamente na manipulao de uma

    das ferramentas dos aparelhos ideolgicos, segue abaixo o discurso de Brejnev no

    24 Congresso do Partido. Brejnev, apesar de ser um dos sucessores de Stalin,

    carrega em seu discurso os ideais de controle doutrinatrio e ideolgico atravs da

    censura e propaganda, evidenciando que esta era uma prtica dos governos

    soviticos. O que temos a seguir , na verdade, praticamente uma sntese de tudo

    que foi escrito at aqui:

    Camaradas! O trabalho ideolgico, o de propaganda6

    6 Propaganda Ideolgica: formadora de idias e convices de um povo, orientando seu comportamento social. geralmente uma verso da realidade na qual se prope a permanncia ou modificao de uma poltica de qualquer natureza. Atravs dela so disseminados, de maneira persuasiva, os ideais de um determinado grupo para toda a populao alvo (JAHR, 1999).

    e o de agitao das massas uma importante e responsvel esfera da atividade do Partido. Uma grande parte foi realizada at aqui. Todavia, deve-se firmar que ainda no estamos completamente satisfeitos com o estado de coisas neste setor. O Comit Central acha necessrio intensificar todo o nosso trabalho ideolgico e, acima de tudo, tornar a propaganda dos ideais comunistas e as tarefas concretas da nossa construo mais e vigorosas e mais significativas. No futuro imediato, um dos pontos centrais do trabalho de propaganda e de agitao de massa do partido ser ocupado pela explicao completa, s classes trabalhadoras, do significado e do alcance

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    das decises do nosso Congresso. Ser autenticamente capazes de transmitir toda a fora de nossa convico ideolgica s amplas massas do operariado e tomar uma atitude autntica e realmente criativa diante da causa da educao comunista do homem sovitico So estas as nossas tarefas principais neste terreno. Estamos vivendo em estado de guerra ideolgica sem trguas, que a propaganda imperialista move contra nosso pas e contra o mundo socialista, utilizando-se dos mtodos e meios tcnicos mais refinados. Todos os instrumentos de influenciar as mentes das pessoas que a burguesia possui a imprensa, o cinema, o rdio foram mobilizados para enganar o povo, para instilar nele a idia de que a sua vida, sob o Capitalismo, virtualmente um paraso, e de caluniar o Socialismo. Os meios areos esto virtualmente saturados de toda sorte de mentiras sobre a vida do nosso pas e nos pases socialistas irmos. dever dos nossos operrios, na frente de propaganda e da agitao de massa, manifestaram uma repulsa oportuna e decidida a esses ataques ideolgicos e mostrar s centenas de pessoas a verdade da sociedade socialista, do estilo de vida sovitico e da construo do comunismo no nosso pas. Isto deve ser feito com convico, persuaso e de maneira clara e vigorosa. A fora do nosso pas est precisamente na solidariedade do povo e na sua conscincia. O partido reforar, incansavelmente, esta fonte das nossas foras a indestrutvel unidade ideolgica e poltica do povo sovitico! (HOLLANDER, 1974, p.291)

    3.4 - Fotografia como Documento Social A fotografia permite investigaes e descobertas com possibilidades diversas na

    medida em que buscamos, atravs de metodologias adequadas, pesquisa e anlise,

    decifrarmos seu contedo e compreendermos a realidade que a originou (KOSSOY,

    1988). Entretanto, a fotografia carrega consigo um preconceito quando v seu

    registro ser elevado documento. Os principais motivos para esta restrio so de

    ordem cultural. Primeiro, nossa sociedade possui a tradio da escrita como forma

    de transmisso do saber e meio do conhecimento cientfico, e o segundo reside no

    espectador, que ter que analisar e interpretar a informao sendo que esta no

    transmitida em um sistema padronizado e codificado de signos, como o alfabeto.

    Esse preconceito est sendo colocado em cheque com a revoluo documental. O

    movimento defende o alargamento do conceito dado ao termo documento. Nas

    palavras de Samaran, No h histria sem documentos. H que tomar a palavra

    documento no sentido mais amplo, documento escrito, ilustrado, tra