somente a escritura – avaliacao de um principio protestante

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Somente a Escritura

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    Somente a Escritura avaliao de um princpio protestante

    Somente a Escritura avaliaode um princpio protestante

    Reao a Gunter Wenz, Evangelho e Bblia no contextoda tradio confessional de Wittenberg

    Gottfried Brakemeier

    Resumo: Estar falido o princpio protestante do sola scriptura? Constata-se umadeficincia normativa da Bblia a exigir um magistrio que a interprete correta-mente. Somente assim seria evitada a arbitrariedade exegtica responsvel peladiviso da igreja e a proliferao das denominaes. O presente artigo mostra serirrenuncivel a normatividade exclusiva da Sagrada Escritura sob pena de gravesprejuzos para a cristandade. Ela exige, isto sim, uma viso sinttica, articulan-do de modo concreto e contextual o evangelho de que porta-voz. Em assuntosda f crist, todos os enunciados no passam de opinies particulares, enquantono embasados no texto bblico.

    Resumen: Estar sin valor el principio protestante de sola scriptura? Se percibeuna deficiencia normativa de la Biblia al exigir un magisterio que la interpretecorrectamente. Solamente, de esa forma, se evitara la arbitrariedad exegticaresponsable por la divisin de la iglesia y la proliferacin de las denominaciones.El presente artculo patentiza ser irrenunciable la normatividad exclusiva de laSagrada Escritura bajo la pena de traer graves prejuicios para la cristiandad. Ellaexige, por ende, una visin sinttica, articulando de modo concreto y contextualel evangelio de que es porta voz. En asuntos de fe cristiana, todos los enunciadosno pasan de opiniones particulares, en cuanto no sustentados en el texto bblico.

    Abstract: Is the Protestant principle of sola scriptura a failed principle? It isaffirmed that there is a normative deficiency of the Bible that demands a teachingoffice to interpret it correctly. Only in this way would the exegetical arbitrarinessresponsible for the division of the church and the proliferation of thedenominations be avoided. This article shows that the exclusive normativity ofthe Holy Scriptures is unrenouncible under pains of serious damage toChristianity. They demand, certainly, a synthetic vision, articulating in a concreteand contextual way the gospel that they give voice to. In matters of Christianfaith, all pronouncements are simply personal opinions as long as they are notbased on the biblical text.

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    I

    A normatividade exclusiva da Bblia em assuntos de f e deconduta afirmao central do protestantismo. Forneceu-lhe o instru-mentrio crtico para denunciar os abusos que se haviam instalado na igrejado sculo XVI. Portanto, tem sido este o princpio reformatrio por exceln-cia. Ser consistente? Com ele a igreja da Reforma permanece ou sucum-be. Em tempos recentes, voltam a manifestar-se vozes pessimistas. Solascriptura seria um princpio falido, responsvel pela flagrante crisedo protestantismo. No haveria consenso quanto a seu significado e muitomenos quanto sua prtica. A Bblia, assim se alega, transformou-se emuma pedreira da qual todo o mundo extrai o material de construo de seuscastelos confessionais particulares. Seja homossexualidade, ordenao demulheres, direito propriedade, seja a prpria funo soteriolgica de JesusCristo, a Bblia aparentemente legitima qualquer posio. Parece con-firmar-se, como alertava E. Ksemann, que ela no fundamenta a unidadeda igreja, e, sim, a multipicidade das denominaes, bem como das corren-tes teolgicas que nelas se confrontam. Tornou-se vtima da arbitrariedadedos e das intrpretes.

    altamente oportuno, pois, reconscientizar-se da posio lu-terana no assunto, tal como definida em sua tradio confessional. Agra-deo ao professor Wenz pela excelente exposio, da qual me permito fazeralguns destaques para ento acrescentar reflexes avaliativas que, assimespero, sejam relevantes para a existncia crist hoje. A identidade lutera-na est ameaada de afundar no pluralismo religioso que mede a ver-dade evanglica pela cotao na bolsa religiosa de mercadorias e futuros. claro que, nessas condies, a defesa do sola scriptura j no faz sentido.Por isso mesmo, salutar iniciar com a lembrana de que o que est emjogo no um bem negocivel, e, sim, a palavra de Deus, decisiva paraa vida presente e futura da humanidade.

    Alis, este o primeiro destaque a fazer na exposio do Prof. Wenz,a saber, que a tradio luterana preconiza a palavra de Deus e no umcdigo de letras como sendo a nica norma e regra da f. verdadeque seu registro encontra-se no cnon do Antigo e do Novo Testamento.Mas palavra de Deus e Escritura no so exatamente coincidentes,devendo-se tambm neste caso distinguir sem separar. De acordo com oProf. Wenz, pode-se falar apenas com fortes ressalvas de uma formaliza-o do prncpio escriturstico na Frmula de Concrdia. O interesse prim-rio das confisses luteranas no se prende Bblia como instncia legitima-dora formal. Pelo contrrio, o que interessa o contedo soteriolgico. o

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    evangelho que confere normatividade Bblia, no vice-versa. H quese admitir que, nos escritos confessionais, a autocrtica da Escritura, bemcomo sua capacidade auto-interpretativa no recebem nfase especial. Maso fenmeno est implcito na maneira como se busca orientao teolgica. ao contedo que se vincula a qualidade cannica da Bblia, no a critriosexternos ou meramente formais.

    Por ser assim, e este outro destaque, a tradio luterana estobrigada a precisar em que consiste o evangelho. Na verdade, ann-cio oral, prdica, viva voz. promessa e evento salvfico que se concretizaem perdo dos pecados, em consolo das conscincias aflitas, em reconcili-ao com Deus. No entanto, a prdica tem na palavra bblica o seunorte, seu referencial. Est a o substrato do evangelho, a sntese da puradoutrina. E ela tem por contedo essencial, bsico e fundamental amensagem da justificao por graa e f. Assim sendo, este o elemen-to realmente normativo na Bblia. Trata-se neste artigo de mais do que umadoutrina soteriolgica entre outras. Justificao por graa e f possuiantes a funo de uma idia regulativa, de um princpio hermenutico,de uma definio do prprio evangelho. Ela no abre mo da validadeda lei. Pois a palavra de Deus consiste de ambos, de lei e evangelho.Enquanto aquela revela o pecado, este o perdoa. O evangelho no anula avontade de Deus, mas impede que o ser humano, em vista do juzo divino,afunde em desespero. Promete graa pessoa penitente. Vem resgatar deperdio e inferno.

    Por ser claro o evangelho, a Reforma tambm afirmou a clare-za da Escritura. O sola scriptura se condiciona ao sola gratia e solafide. Somente em conexo com estes, aquele pode ser sustentado. Sejaanotado que a centralidade da justificao no significa que a teologia lute-rana esteja presa a determinada terminologia ou doutrina. A mensagemevanglica pode ser perfeitamente desdobrada como teologia da liberda-de ou teologia da reconciliao. Mesmo assim, o artigo da justificaopor graa e f explica o evangelho e se constitui, assim, na premissa dosola scriptura. Sem o evangelho, a Escritura permanece sendo letramorta. Merece ser ressaltado que tal concepo inevitavelmente excluitanto o uso literalista da Bblia quanto a arbitrariedade hermenutica.Toda interpretao deve justificar-se perante o foro do evangelho. Volta-mos a perguntar: ser consistente tal assero?

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    IIA resposta da Igreja Catlica Romana negativa. Atesta B-

    blia um dficit normativo, razo pela qual necessitaria da arbitra-gem do magistrio eclesistico, respectivamente, da complementao pelatradio oral que compreende as decises e definies dogmticas concili-ares e papais. A interpretao da Bblia deveria corresponder ao sensusem vigor na igreja. Com isso, a igreja, mediante seu magistrio, torna-se ajuza da Bblia. A investigao histrica dos textos de modo algum estproibida. Mas o dogma estabelecido por decreto eclesistico. Isto signifi-ca que a chave para a interpretao da Bblia no est nela mesma, e,sim, numa instncia parte. Por conseguinte, o consentimento com oensino da igreja mais importante do que a conformidade com os dizeres daEscritura. assim que o catolicismo romano procura disciplinar a flagrantepluralidade do testemunho bblico e impedir a desintegrao da comunidadeeclesial.

    A posio catlica tem rplica, embora diferente, no que seconvencionou chamar de espiritualismo entusiasta (Schwrmertum).Ela se confirma sempre que se diz ser necessria uma iluminao espe-cial do Esprito Santo para a compreenso da Escritura. Somente apessoa espiritual teria condies de detectar na Escritura a palavra de Deus.Tambm neste caso, a chave hermenutica est sendo localizada fora daBblia. No o magistrio eclesistico que a detm, e, sim, a pessoa agraci-ada com uma revelao especial. claro que esta ltima posio redundano individualismo eclesistico que estabelece magistrios pessoais, favo-recendo os cismas na igreja. Enquanto isso, a concepo catlica coloca af da igreja acima do credo religioso dos membros, exigindo dos fiis obedi-ncia hierarquia. Em ambos os casos, o sola scriptura foi abolidoem favor de uma autoridade considerada indispensvel para evitar possveisestragos causados pela deficincia normativa da Bblia.

    A tentao afeta at mesmo o luteranismo. Sempre que a tradi-o confessional se converte, mesmo que implicitamente, em rival da Escri-tura, abandonando sua posio de norma normata, emerge um magistrioeclesistico que, sua maneira, remete a Bblia ao segundo plano. Confes-sionalidade se transforma neste caso em confessionalismo. O Prof. Wenzbem esclareceu que no esta a posio luterana. A Reforma fez questoda continuidade com a boa tradio eclesistica, documentando-o pela aco-lhida explcita dos credos ecumnicos da igreja antiga. Mas tambm elesno esto sendo colocados no mesmo nvel da Escritura, que permanece emtudo a norma normans.

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    A questo crucial, pois, diz respeito chave hermenutica. Elase coloca no apenas em sentido confessional. Marca presena em todolabor exegtico desde que preocupado com a relevncia dos textos na atu-alidade. A interpretao bblica no pode dar-se por satisfeita com a sim-ples descrio de fenmenos do passado. No pode limitar-se ao esclareci-mento do sentido histrico apenas. Deve perguntar pelo sentido espirituale, assim, respeitar a Bblia em sua qualidade cannica. Entretanto, quemdefine normatividade e como se faz? J h tempo se fala da crise docnon, supostamente desencadeada pela Reforma em termos teolgicose pela cincia exegtica em termos histricos. A Bblia, nos ltimos sculos,dissolveu-se num mosaico de que sobraram as peas e sumiu a imagem.

    Para tanto sintomtico que sua normatividade, enquanto nonegada por completo, passa a ser parcial. Ela invocada somente namedida em que corrobora projetos modernos. Acaba instrumentalizada parafins interesseiros. Seja mencionado um s exemplo: a afirmao de JesusO meu reino no deste mundo (Jo 18.36) usada como prova para anatureza apoltica da f crist. Enquanto isso outros, apontando para a mor-te violenta de Jesus por ordem das entidades governantes, chegam a con-cluses diametralmente opostas. A Bblia sofre a ameaa de sucumbir nadisputa de interesses partidrios, vendo-se reduzida a avalista num jogoem que ela mesma no mais possui ingerncia. Sua normatividade deveobedecer a princpios seletivos.

    Contra os magistrios humanos e at mesmo eclesisticos, aigreja luterana desde sempre tem jogado o magistrio exclusivo deJesus Cristo. ele quem segura as pontas da pluralidade da Bblia e cons-titui seu eixo gravitacional. O que promove a Cristo , como se sabe, oprincpio crtico a que, de acordo com Lutero, a prpria Escritura deve sub-meter-se. Pode-se falar tranqilamente de uma interpretao cristolgicano s do evangelho como tambm da Bblia na tradio luterana. Solascriptura quer ser entendido como sinnimo de solus Christus, comomanifestao da graa de Deus a ser acolhida na f. o Christus pronobis, no um mero nome, que perfaz a chave hermenutica da B-blia. O evangelho de Jesus Cristo a mensagem do Deus que justifica porgraa e f, perdoando o pecado e recebendo em seus braos a criaturaperdida.

    A crise do sola scriptura a crise da articulao concreta dajustificao por graa e f no contexto da modernidade. Pois, comovisto acima, a clareza da Escritura depende da clareza do evangelho. Atradio luterana, assim nos parece, prendeu-se por demais s condi-cionantes religiosas do sculo XVI. Era um mundo constrangido pelo pe-

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    cado e, por isso, em busca de absolvio e de um Deus misericordioso.Entrementes, o pecado deixou de ser a preocupao central das pessoas.Marginalidade, enfermidade, perplexidade e outros males semelhantes ocu-param o espao. Que significa justificao por graa e f nessas condi-es? Arrisco-me a dizer que a pregao da justificao se articulou exces-sivamente em dimenses verticais, ou seja, na relao entre Deus e o serhumano. Anunciamos o evangelho para a pessoa endividada com Deus,para pecadores e transgressores da lei. Tratamos de justificao coramDeo, o que certamente jamais perde sua validade. No entanto, o que signi-fica esta mesma mensagem coram mundo, no confronto com o niilismoou com novas formas de religiosidade? O que significa justificao por gra-a e f para as vtimas de pecado alheio, de crime, injustia e discrimina-o? Essa mensagem no s consola conscincias aflitas, ela tambm der-ruba os poderosos e incomoda os descrentes.

    O sola scriptura se desgastou na disputa entre os novosevangelhos, por via de regra reduzidos a projetos de auto-salvao,sejam eles de natureza mstica, pragmtica ou racionalista. No possvelsustentar a normatividade exclusiva da Bblia sem um consenso bsicosobre o evangelho de que porta-voz. Eis o desafio aos luteranos e, porextenso, a toda a cristandade. Justificao por graa e f no sculo XXI qual a sua relevncia? E o sola scriptura, ser ele de fato um princpiofalido? Quanto a isso, algumas breves reflexes a seguir.

    III

    1. Antes de mais nada, importa reconhecer no haver possibili-dade de assegurar a autenticidade evanglica a discurso e prtica daigreja sem atribuir a primazia cannica Bblia. Todos os magistriosparabblicos sofrem sob a permanente ameaa de confundir o reino deDeus com reinos humanos e de, assim, descaracterizar o evangelho. A cha-ve hermenutica, quando imposta de fora aos textos, costuma obedecer ainteresses dos e das intrpretes. Neste caso, no mais h como realmentesustentar ser Jesus a cabea do corpo da igreja, pois outras cabeas toma-ram seu lugar. A Bblia se interpreta a si mesma. Isto por ser, de formaabsolutamente mpar, depoimento do testemunho apostlico a respeito doVerbo feito carne. A negao do sola scriptura equivale recusa deexpor-se crtica da palavra de Deus, respectivamente, ao teste da con-tinuidade apostlica. Ela bloqueia as reformas e paralisa a disposio para apenitncia. Mera sucesso histrica no garante fidelidade evanglica. ParaLutero, apostolicidade significava coerncia com o credo dos incios. Por

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    todos esses motivos, imprescindvel manter o princpio escritursticoda Reforma a despeito dos riscos que contm e dos ataques que sofre. Suasuspenso forosamente implica ou regime hierrquico ou pluralidade ca-tica, ambos em prejuzo da misso da igreja.

    2. O xito, porm, se condiciona clara conceituao do evan-gelho em sua qualidade de soma da Escritura e mago da pregao.Esse Cristo que est na base da f, quem ? A Reforma sempre o descre-veu em termos da justificao por graa e f, manifestada e represen-tada por ele em pessoa. A tese carece de nova fundamentao. Tere-mos, nesse artigo da f, o miolo do evangelho, a sntese da Escritura, oalicerce da igreja? Com que direito se lhe atribui a funo de uma idiaregulativa? A posio protestante amide enfrentou a suspeita de ser maisoutra variante de leitura seletiva da Bblia. E isto no s da parte de telogoscatlicos ou pentecostais. Basta lembrar a afirmao de A. Schweitzer,dizendo ser a justificao por graa e f nada mais do que uma craterasecundria na paisagem teolgica de Paulo. Portanto, ser ela de fato amensagem central da Bblia? Se no for, qual ser? Ora, se a Bblia nopossuir centro algum, deixou de ser cnon. Falta na teologia atual umaviso holstica da Bblia, capaz de coordenar as partes, discernir osaltos e baixos e distinguir entre o relativo e o absoluto.

    3. O reclamo volta a colocar em pauta os objetivos da exege-se. Em que consistem? A elucidao histrica dos textos parece con-sensual. No h como contest-la. Cabe analisar os textos em busca dosignificado original em seu respectivo contexto. A exegese deve levantar oque se pode saber a respeito da gnese da igreja crist, do testemunhoprimrio da f e dos dados histricos em que se apia. Mas a exegesehistrica no pode dar-se por satisfeita com isto. Alm de responder apergunta pelo que podemos saber, a exegese deve prestar contas doque podemos e devemos crer. Deve descobrir e evidenciar o querig-ma. o que est implcito no carter cannico da Bblia. A mera contem-plao histrica no vai poder formular a normatividade, respectivamente,vai introduzi-la pela porta dos fundos, indiretamente, inspirada em magist-rios subterrneos dos e das intrpretes. Em outros termos, cabe exege-se no s a anlise histrica, como tambm a sntese teolgica.Espera-se que seja capaz de detectar o esprito contido na letra, aunidade na diversidade das vozes, o critrio de f verdadeira e falsa.O problema bem conhecido da discusso sobre como conceber e desen-volver uma Teologia do Novo Testamento, respectivamente, uma Teolo-gia Bblica. A igreja luterana tem um interesse particularmente forte em tal

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    viso sinttica justamente por postular um centro da Escritura, cuja foragravitacional protege contra a decomposio das partes. Espera-se da exe-gese no s a informao cientfica, como tambm o argumento teolgicocapaz de sustentar a Escritura como cnon.

    4. Isto implica o exame das bases e da abrangncia da mensa-gem da justificao por graa e f, bem como sua contextualizao.Para tanto importa, em primeiro lugar, desprender-se de uma terminologiaentrementes arcaica, inacessvel para a pessoa leiga em nossos dias. No uma doutrina sobre a justificao que devemos pregar, e, sim, o acontecerda mesma em Jesus Cristo. O prprio Lutero nos d o exemplo: em seuCatecismo Menor, no empregou sequer uma nica vez o termo justifica-o, ainda que no falasse de outra coisa. Algo semelhante vemos emJesus, no Evangelho de Joo, em toda a Bblia. Certamente tambm a teo-logia deve trabalhar com terminologia tcnica. Mas o evangelho no seprende a determinada linguagem. Algo anlogo vale para contextos soci-ais, religiosos, polticos, culturais e outros. Para o apstolo Paulo, justifica-o significou a aniquilao de seu orgulho; para Lutero, libertao de seudesespero. O que significa esta mesma mensagem para os pobres, favela-dos, desempregados de hoje, vtimas de violncia aberta ou camuflada?

    Para luteranos, importante sublinhar que a graa de Deus prece-de a f. Esta no de forma alguma a condio daquela. Portanto, Deusage primeiro. Perdoa os pecados. Ao mesmo tempo, d a razo de ser.Confere o direito vida, institui o direito humano. Na justificao est impl-cita a dignificao do ser humano, como bem o mostra a parbola do filhoprdigo. pecado destruir, marginalizar, desprezar o que Deus justificou edignificou. No importa se a sociedade crist, secular, atia, muulmana.A justificao que confere a razo de ser no faz acepo de pessoas.Jesus morreu por todos, e isto antes de surgir a igreja. A mensagemquer ser apreendida pela f, sim. Quer ser assumida e, por isso, respeitadacomo realidade cuja negao acarreta culpa. Deus ama a quem no omerece, quem no tem produtividade a exibir, quem considerado bagagemmorta na sociedade. Nisto est o escndalo do evangelho, que, alis, serevela como sabedoria desde que se persegue a meta da sociedade susten-tvel. Da justificao por graa e f emerge um compromisso social epoltico, no s para a igreja como para toda a humanidade.

    A Bblia fala da obra de Deus antes de Cristo e, sobretudo,atravs de Cristo. No h onde tivssemos depoimento igual a este. Quemquer ouvir Cristo, deve abrir a Bblia para ento avaliar outras ima-gens cristolgicas, entre elas a do recente filme de Mel Gibson A paixo de

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    Cristo. Na acalorada discusso que provocou, pareceres teolgicos da atu-alidade, incluindo pronunciamentos do papa, no passam de opinies parti-culares, enquanto no embasados em slido fundamento bblico. Para re-tificar eventuais distores da f crist, somente a Bblia ter a autori-dade suficiente, comprovando-se mais esta vez ser irrenuncivel o princ-pio sola spriptura, alis com os cuidados que, a partir da exposio doProf. Wenz, tentamos identificar.