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1 SOL, ESPAÇO E VERDE: Alguns Temas Modernistas na Obra de João Filgueiras Lima, o Lelé SUN, SPACE AND GREEN: Some Modernists Themes in the Work of João Filgueiras Lima “Lelé” Daniel J. Mellado Paz Faculdade de Arquitetura, UFBA [email protected] Resumo No presente artigo defendemos que sol, o verde e o espaço são temas-chave para a obra de João Filgueiras Lima, adaptando estes motes e recursos espaciais. Para o verde, realizará uma série de operações para preservá-lo, como transição entre o interior e o exterior do edifício e mesmo trazê-lo ao seu interior. O espaço era lapidado através da fluidez espacial interna, interpretando as paredes como vedações, despojadas ao máximo no peso, e da dissolução d a separação entre interior e exterior, pelo recuo da estrutura, uso de jardins laterais como, painéis pivotantes substituindo as paredes e, a partir do CTRS, com uma envoltória versátil, em termos de isolamento e opacidade. A luz natural é controlada e distribuída por jardins laterais e sheds, enquanto re-elabora os solários da tradição modernista. E terá ainda espaços típicos e procedimentos projetuais que visam atender sincreticamente a tais temas, como sistemas de cobertura, jardins laterais mencionados e principalmente por meio dos jardins de ambientação. O arquiteto buscava uma construção leve, tendendo ao imaterial e a diafragmas, reguladores de luz e de ar, por meio de elementos de arquitetura (um alfabeto de partes construtivas) e elementos de composição (formas e espaços) em constante aperfeiçoamento. Palavras-chave: João Filgueiras Lima. Modernismo. Sol. Espaço. Verde Abstract In this paper we argue that sun, green and space are key themes for the work of João Filgueiras Lima, adapting these motifs and space resources. For the Green, he realizes a series of operations to preserve it, to use it as a transition between the interior and exterior of the building and even bring it to your interior as gardens. The Space was labored through the internal spatial fluidity, interpreting the walls as fences, stripped of its weight, and the dissolution of the separation between inside and outside, by the recess of the structure, the use of lateral gardens, pivoting panels replacing the walls and, since the CTRS, with the development of a versatile cover in terms of isolation and opacity. Natural light is controlled and distributed by side gardens and sheds, while he re-creates the solariums of the modernist tradition. And he still had typical spaces and projective procedures to meet synthetically such topics as roofing systems, the mentioned lateral gardens and mainly through his gardens of ambience. The architect was looking for a lightweight construction, tending to the immaterial and diaphragms, regulators of light and air, through architectural elements (an alphabet of constructive parts) and compositional elements (forms and spaces) in constant improvement. Keywords: João Filgueiras Lima. Modernism. Sun. Space. Green. 1. Introdução Dentro da diversidade de percursos e atuações do Movimento Moderno em Arquitetura, é clara a filiação do arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, a partir do desenvolvimento e contribuições brasileiras, das chamadas “Escola Carioca” e “Escola Paulista” de Arquitetura. Sua trajetória particular, tanto a fé na industrialização da Arquitetura como sua orientação para programas públicos, o situam no Modernismo dentro de um estrato mais abstrato, do perfil profissional e mesmo do Modernismo como uma causa (KOPP, 1990). Deve ser considerado modernista por excelência, em seu mais alto grau, em sua orientação vital. Nesse sentido, ele em si foi sua maior obra. O estudo da síntese sem costuras que realiza, ao longo de sua vida, de mestres da Arquitetura como Oscar Niemeyer e Mies van der Rohe, Alvar Aalto e Richard Neutra, Marcel Breuer e Jean Prouvé,

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SOL, ESPAÇO E VERDE: Alguns Temas Modernistas na Obra de João Filgueiras Lima, o Lelé

SUN, SPACE AND GREEN: Some Modernists Themes in the Work of João Filgueiras

Lima “Lelé”

Daniel J. Mellado Paz Faculdade de Arquitetura, UFBA [email protected]

Resumo No presente artigo defendemos que sol, o verde e o espaço são temas-chave para a obra de João Filgueiras Lima, adaptando estes motes e recursos espaciais. Para o verde, realizará uma série de operações para preservá-lo, como transição entre o interior e o exterior do edifício e mesmo trazê-lo ao seu interior. O espaço era lapidado através da fluidez espacial interna, interpretando as paredes como vedações, despojadas ao máximo no peso, e da dissolução d a separação entre interior e exterior, pelo recuo da estrutura, uso de jardins laterais como, painéis pivotantes substituindo as paredes e, a partir do CTRS, com uma envoltória versátil, em termos de isolamento e opacidade. A luz natural é controlada e distribuída por jardins laterais e sheds, enquanto re-elabora os solários da tradição modernista. E terá ainda espaços típicos e procedimentos projetuais que visam atender sincreticamente a tais temas, como sistemas de cobertura, jardins laterais mencionados e principalmente por meio dos jardins de ambientação. O arquiteto buscava uma construção leve, tendendo ao imaterial e a diafragmas, reguladores de luz e de ar, por meio de elementos de arquitetura (um alfabeto de partes construtivas) e elementos de composição (formas e espaços) em constante aperfeiçoamento.

Palavras-chave: João Filgueiras Lima. Modernismo. Sol. Espaço. Verde

Abstract In this paper we argue that sun, green and space are key themes for the work of João Filgueiras Lima, adapting these motifs and space resources. For the Green, he realizes a series of operations to preserve it, to use it as a transition between the interior and exterior of the building and even bring it to your interior as gardens. The Space was labored through the internal spatial fluidity, interpreting the walls as fences, stripped of its weight, and the dissolution of the separation between inside and outside, by the recess of the structure, the use of lateral gardens, pivoting panels replacing the walls and, since the CTRS, with the development of a versatile cover in terms of isolation and opacity. Natural light is controlled and distributed by side gardens and sheds, while he re-creates the solariums of the modernist tradition. And he still had typical spaces and projective procedures to meet synthetically such topics as roofing systems, the mentioned lateral gardens and mainly through his gardens of ambience. The architect was looking for a lightweight construction, tending to the immaterial and diaphragms, regulators of light and air, through architectural elements (an alphabet of constructive parts) and compositional elements (forms and spaces) in constant improvement.

Keywords: João Filgueiras Lima. Modernism. Sun. Space. Green.

1. Introdução

Dentro da diversidade de percursos e atuações do Movimento Moderno em Arquitetura, é clara a filiação do arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, a partir do desenvolvimento e contribuições brasileiras, das chamadas “Escola Carioca” e “Escola Paulista” de Arquitetura.

Sua trajetória particular, tanto a fé na industrialização da Arquitetura como sua orientação para programas públicos, o situam no Modernismo dentro de um estrato mais abstrato, do perfil profissional e mesmo do Modernismo como uma causa (KOPP, 1990). Deve ser considerado modernista por excelência, em seu mais alto grau, em sua orientação vital. Nesse sentido, ele em si foi sua maior obra.

O estudo da síntese sem costuras que realiza, ao longo de sua vida, de mestres da Arquitetura como Oscar Niemeyer e Mies van der Rohe, Alvar Aalto e Richard Neutra, Marcel Breuer e Jean Prouvé,

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mostraria em outro nível como ocorre essa filiação. É, entretanto, sob outro prisma que queremos demonstrar a obra de João Filgueiras Lima.

O 4º Congresso CIAM, reunido em Atenas, estabeleceu este postulado: O sol, o

verdor, o espaço, são as três matérias primas do urbanismo. (LE CORBUSIER, 1960, p. 22)

1.

O sol, o verde e o espaço podem ser vistos como temas-chave para a obra de Lelé, que herda estes motes e mesmo recursos espaciais, transformados e adaptados. São buscas constantes do arquiteto, e não emanações dos programas que enfrenta. Temas caros ao Modernismo perpassam a obra do arquiteto. Seus projetos conciliam as limitações técnicas do entorno, que ele vai arduamente modelando, vergando, ao longo dos anos (PAZ, 2014), com elementos herdados da tradição moderna, de sua vizinhança imediata (Oscar Niemeyer) até temas recorrentes da Arquitetura Moderna européia.

A seguir, fizemos uma divisão operativa, com os motes e os recursos adotados, não em uma ordem cronológica, destacados, ampliados e relacionados. Seguirá pelo Verde, passando pelo Espaço e pela Luz, chegando às Sínteses, soluções que englobam os três motes anteriores.

As ilustrações são todas a cargo do autor, feias a partir de peças gráficas das obras de Giancarlo Latorraca (2000), João Filgueiras Lima (2012) e André Felipe Rocha Marques (2012).

2. O Verde

Lelé é explícito no papel do “verde”, da vegetação, em sua obra:

Então, por exemplo, eu tenho uma relação muito forte com a coisa do verde. É claro que a integração do verde, a proximidade do verde com a casa, esse convívio com o verde, é uma coisa que eu sempre coloco. Talvez seja uma contribuição minha, pessoal. (VILELA JR., 2011, p. 214)

2.

Assim, realizará uma série de operações para ver o “verde”, para preservá-lo no terreno original e para incorporá-lo ao ambiente dos edifícios.

Nas Secretarias do Centro Administrativo da Bahia – CAB (1974), a redução do número de pilares, hipertrofiados em conseqüência, se deu por vários motivos. Um deles era “vazar os prédios ao nível do pavimento térreo para liberação da paisagem” (LATORRACA, 2000, p.57). Então uma região boscosa, repleta de espelhos d´água, alguns formados pela abertura da Av. Luís Vianna Filho, na medida em que cortou toda a densa rede hídrica da região.

No Hospital Sarah Fortaleza (1992-2001), foi preservar a vegetação do terreno destinado ao equipamento o que levou a um partido inusual, em altura, “de modo a garantir a preservação integral de uma grande área arborizada que ocupa mais de 1/3 do terreno” (LATORRACA, 2000, p.203). Ou como no projeto não-realizado para Convento de Brotas em Salvador (1980), que tinha como diretriz para a distribuição dos prédios no terreno “Preservar as árvores mais significativas do pomar, procurando ao mesmo tempo integrá-las às áreas de estar e recolhimento das religiosas” (LATORRACA, 2000, p.122).

Na Capela do Salvador (1975), no CAB, o conjunto de operações foi mais delicado, como disse o arquiteto, “respeitando seu relevo e sua vegetação” (LATORRACA, 2000, p.82). O texto é injusto. Não

1 O mesmo raciocínio, ipsis litteris, está em outras obras de Le Corbusier, como Os Três Estabelecimentos Humanos (LE

CORBUSIER, 1979) e Maneira de Pensar o Urbanismo (LE CORBUSIER, s/d). Em alguns momentos, em vez de verde, Corbusier fala de ar puro – a correspondência de um e outro é evidente em sua obra. Em nenhum momento o ar corbusiano torna-se vento. Ao contrário, há menções à proteção do vento forte. Para a pureza do ar, associado à limpidez que vislumbra para sua cidade radiosa, é obtida, condicionada e distribuída mecanicamente, como se verá adiante.

2 Entrevista de João Filgueiras Lima com Adalberto José Vilela Jr. em maio de 2011, no Instituto Brasileiro de Tecnologia do

Habitat – IBTH, Salvador – BA.

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se tratou apenas de preservar a topografia e vegetação, e sim de amalgamar o edifício na área verde. O corpo da igreja parece se compôr somente de cobertura e arrimos, enquanto o restante do programa – batistério, sala para reuniões, sanitários – se esconde, emulando o relevo, com um teto gramado, paredes de pedra com seteiras discretíssimas, e a abertura para iluminação e ventilação dos lugares de permanência oculta, invisível de fora.

Nos hospitais, parte considerável de sua obra, imaginava o verde como parte indispensável da recuperação dos pacientes, sendo necessário “o acesso fácil de doentes (“out-patients” e “in-patients”) a espaços verdes adjacentes às áreas de tratamento e internação, que permitem a administração de exercícios ao ar livre” (LATORRACA, 2000, p.126).

A maneira mais evidente como fará essa assimilação do verde é pelo terraço-jardim herdado da tradição moderna. O termo é genérico demais, a nosso entender, mesmo na obra de Le Corbusier. Nesta, vemos tanto um terraço-com-jardim, onde predomina a área pavimentada, com ocasionais canteiros, e tratamento da área obtida como um recinto a céu aberto, como, nos anos subseqüentes, um terraço-gramado, inteiramente coberto com vegetação rasteira, sem o intuito de ser área a ser visitada.

João Filgueiras Lima oscila entre estas duas abordagens. Fará o terraço gramado, inacessível a um usuário qualquer, a exemplo da versão final da Igreja de Alagados, em Salvador (1979), e em projeto que é afim plasticamente, a Residência Nivaldo Borges em Brasília (1975). Como a modalidade do terraço com jardins, de onde se desenvolverão os solários.

Os jardins ainda serão uma constante para a transição entre o interior e o exterior. Aparecem nos necessários espelhos d´água, empregados para resfriar, umedecer e purificar o ar que é insuflado em alguns de seus edifícios, como nos hospitais Sarah Fortaleza e Centro Internacional Sarah de Neurorreabilitação e Neurociências, no Rio de Janeiro (2001-09). Jardins aquáticos aparecem em residências no Distrito Federal, principalmente para umedecer o ar, como na de César Prattes (1959), de Nivaldo Borges e na de Rogério Ulyssea (1973). E também no pequeno auditório da sede do Tribunal de Contas da União em Salvador, 1995, hoje desfeito, e desde os primeiros esboços da Fundação Darcy Ribeiro, em 1996.

Outra maneira é aproveitar os declives, transformado-os em patamares ajardinados. Em obras urbanas, como a Estação da Lapa em Salvador (1979), e residências, como a de Mário Kertész na mesma cidade (1977) e edifícios institucionais, exemplificados mais adiante.

E, sobretudo, uma benesse trazida sempre que possível ao interior do edifício. Aparecem como incrustações na expressiva rocha que se manteve, e foi assimilada organizando internamente o espaço, na Residência Aloysio Campos da Paz, em Brasília (1969). Outras duas maneiras, mais consistentes e constantes, serão empregadas. Uma, por meio de pés-direitos ampliados, como nas Residências Nivaldo Borges e Rogério Ulyssea, precursores dos jardins de ambientação desenvolvidos nos seus hospitais e edifícios institucionais: áreas com pés-direitos generosos, iluminação natural, jardins amplos e aeração de todo o conjunto.A segunda, na forma de jardins abertos, periféricos ou internos, que servirão como transição entre interior e exterior, base para o que denominamos, na falta de melhor termo, jardins laterais.Ambos se entrelaçam tão intensamente com a procura da espaciosidade e o manejo da luz que serão vistos adiante.

3. O Espaço

Lelé interpreta ao máximo as paredes como vedações, despojadas ao máximo no peso, em busca daquele caráter diáfano do espaço interior3. São vedações leves, algumas móveis, outras vazadas, e

3 Inclusive com problemas decorrentes disso. Ao reinventar a arquitetura em cada um de seus mínimos detalhes, o papel

sinérgico de elementos como as paredes, constituídos por uma sedimentação secular, é destruído. Assim, suas placas de argamassa não lidam bem com o hábito de se fixarem coisas nas paredes, por exemplo.

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mesmo biombos. Essa concepção do espaço interior como algo unitário permitiu que trouxesse a arte de Athos Bulcão para fazer papel ativo na sua constituição, como no Hospital Sarah Salvador (1988-1994). Para além dos painéis nas paredes, as próprias divisões do espaço eram obras de arte. O espaço interno é tanto uma possibilidade, dado por um arranjo flexível de divisórias, como uma sensação, obtida pela transparência das divisões. As paredes são adelgaçadas porque esvaziadas de função, portante e “microportante”, ao conduzir as redes técnicas e sustentar mobiliário e equipamentos. Sequer isolamento térmico ou acústico. Sua função é meramente a opacidade. Daí que João Filgueiras Lima desenvolve uma rede técnica que percorre a estrutura portante, em verdadeiros “nós” técnicos, como percebera Max Risselada (2010).

Mas a fluidez espacial também é procurada com o exterior. Lelé não concebe janelas. Não há janelas na sua obra. Para tanto, ele adota e desenvolve princípios reversos ao da arquitetura usual, tomados a partir da tradição modernista.

Um deles é recuar a estrutura portante para um pilar central, abrindo-se em uma vasta cobertura; o perímetro construído será uma mera vedação, destituída de peso. Em alguns casos, sequer encostando a cobertura acima. Quando possível, panos de vidro, em busca da transparência absoluta. Foi assim no primeiro anexo da Sede da Distribuidora Brasileira de Veículos – DISBRAVE, em Brasília – DF (1975) com dois módulos, de 24m de lado cada, abrigando escritório para venda de veículos, bar, salão de exposições, entre outras atividades. Os abrigos de ônibus produzidos pela Companhia de Renovação Urbana de Salvador – RENURB, entre 1979 e 1982, também se prestavam para posto policial, banca de jornal e banca de trovadores de cordel. A própria Capela do Salvador de tratava de um edifício feito da justaposição de grandes coberturas de pilar único.

Figuras 1 e 2 – Inversão no procedimento construtivo adotado por Lelé. À direita, esquema demonstrativo da inversão presente na Capela do Salvador (1975).

Fonte: desenhos do autor.

Outro procedimento se dá com o desmonte da caixa e a adoção dos pátios miesianos, como desdobramento da separação das paredes, tetos e pisos como planos autônomos e sua relação com o lote. Com isso, a edificação ganha três linhas perimetrais: o exterior, que é um muro opaco ou vazado (na Rede SARAH, com desenhos de Athos Bulcão, como as divisórias internas); o intermediário, que nada mais é que a projeção da cobertura; e o interior, que na maioria das vezes são panos de vidro. Esta área exterior ganha com a separação das camadas periféricas se torna jardim, e um filtro “verde” para a luz. Daí ser um procedimento sincrético, que exploraremos adiante.

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Longe de ser uma exclusividade, entretanto: por exemplo, Rino Levi faz algo similar na Residência Milton Guper (1951)4 como na Residência Castor Delgado Perez (1958-59), ambas em São Paulo.

Figuras 3 e 4 – À esquerda, o desmonte da caixa, rumo a “pátios” criados pelo encintamento realizado pelas paredes, não mais uma escavação na massa do edifício. À direita, esquema da

separação dos elementos, até a abordagem usual de João Filgueiras Lima.

Fonte: desenhos do autor.

Tática usual são as paredes pivotantes. Fisicamente leves, são ainda menos presentes como paredes quando suporte para a arte de Athos Bulcão. Como todas pivotam, a parede como limite se desfaz; se torna toda ela porta. Este experimento conduziu pelo menos desde as escolas rurais de Abadiânia – GO (1982-1984), passando pelas escolas realizadas no Rio de Janeiro (1984-1986), em Salvador a partir da Fábrica de Equipamentos Comunitários – FAEC (1985-1989), e nos Centros Integrados de Ensino – CIACS (1990). Aqui vemos algo análogo em Richard Neutra, inclusive com a parede exterior que desaparece, girando todos os painéis. Como basculantes, e não como pivotantes5.

Figura 5 – Comparação das “paredes” compostas por portas pivotantes e basculantes.

Fonte: desenho do autor.

4 Esta última com a colaboração de Luiz Carvalho Franco e Roberto Cerqueira César.

5 Curiosamente, croqui do arquiteto mostra a sua concepção de aulas abertas ao entorno por meio de portas basculantes,

idênticas às de Neutra (LATORRACA, 2000, p. 138). Desenhos posteriores, assim como a publicação Escola Transitória:

Modelo Rural (LIMA, 1984), já mostram as portas pivotantes.

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No entanto, a partir dos anos 1990, com o Centro de Tecnologia da Rede Sarah – CTRS, outra concepção aparece. Lelé vai unificando o seu edifício, a cobertura deixa de ser exclusivamente uma cobertura e passa a ser uma membrana versátil que encapsula todo o conjunto. Isso levará a um controle refinado das propriedades da membrana. Poderá ser aberta no topo, com um exaustor; a seguir, translúcida; depois, opaca por completo e, ao rés-do-chão, lamelar, permitindo a entrada controlada de luz. Essa variação estará subsumida à forma geral, que se mantém incorrupta. A envoltória versátil dispensará o uso de janelas e similares, ao passo que logrará formas fechadas, crescentemente curvas e circulares, rumo a uma sensibilidade plástica niemeyeriana. Além de ser mais eficiente em termos de controle de opacidade e isolamento térmico, com ganhos formais evidentes, em relação às paredes de placas de argamassa armada, reduzidas ao mínimo. Assim ao rés-do-chão não raro mantém ou um espelho d´água ou essa película de brises horizontais. Internamente, o vidro poderá aparecer, para delimitar um espaço. Novamente, os recursos se mostram sincréticos, pois se prestam para o controle da temperatura, da qualidade e umidade do ar, para a instalação de jardins e, o que estamos comentando aqui, garantindo a sensação de espaço.

Figuras 6 e 7 – À esquerda, paredes laterais sendo substituídas por envoltória metálica. Composição prismática, os vedos de fundo dos sheds são de placas de argamassa armada. À direita, a envoltória

versátil: ao rés do chão, lamelas metálicas como brises e jardim; intermediário, telhas metálicas com isolamento térmico e acústico; acima, peças translúcidas.

Fonte: desenhos do autor.

Além dos procedimentos para a extensão horizontal, internamente e com o exterior, temos o aumento do pé-direito pela mudança dos sheds, em seu perfil e dimensões, com o intuito de obter maior eficiência climática, com efeitos sensíveis na arquitetura (PAZ,2014).

Figura 8 – Paredes pivotantes, jardins laterais e a envoltória versátil.

Fonte: desenho do autor.

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4. O Sol

No Modernismo europeu a luz tinha várias conotações. Em especial relacionada ao sol. Desde seu poder terapêutico, eminentemente bactericida, até aspectos místicos e cósmicos. É importante resgatar o papel das crenças esotéricas em muitos dos artistas vanguardistas, como o da Teosofia (OVERY, 1991). Le Corbusier entendia que o ciclo diário do sol o princípio cósmico que regia necessariamente todos os organismos, até o homem, estabelecendo um princípio universal para as cidades respeitarem, a ancestral adequação dos ritmos biológicos aos cósmicos. A Natureza mais profunda estaria tanto na Geometria como no Sol. Apesar de ser o sol a matéria-prima do Urbanismo (e também da Arquitetura, pelo visto), a luz artificial, outro prodígio da Máquina, também tinha seu fascínio, como Reyner Banham (1984) apontava para a Bauhaus e o próprio Corbusier.

Na obra de Lelé, e parece-nos que no Modernismo brasileiro, a luz solar perde esse aspecto simbólico, mítico e mesmo místico. Perde até a tônica terapêutica geral, mantida e explorada apenas nos hospitais. O sol é um inimigo do qual fugir. No entanto, Lelé talvez seja dos arquitetos que mais abraça o sol, na forma de uma luz natural domesticada. Observemos que não é o apreço pela luz em si mesma, e sim a luz natural. Há uma desconfiança pela luz artificial. Estamos longe da idolatria da mecanização da luz e do ar, e sim o desenvolvimento, por meio da industrialização da arquitetura, de caminhos tecnológicos apropriados. Existe ainda fé na tecnologia; mas em outra, redesenhada e integrada. O arquiteto trata de garantir que todos os cômodos tenham luz natural. Que a luz nunca irrompa, dramática e ofuscante, com raríssimas exceções (pensamos no batistério da Capela do Salvador). A luz é distribuída ao máximo, garantindo sua difusão constante e suave. O recurso mais óbvio são os sheds.

Figura 9 – Perfis de sheds e projetos do arquiteto, cronologicamente dispostos.

Fonte: desenho do autor.

Chegou mesmo a conceber uma cúpula que se abria à luz zenital para o auditório Centro Internacional Sarah de Neurorreabilitação e Neurociências do Rio de Janeiro. Não apenas inventou o mecanismo, e o recurso arquitetônico decorrente, entranhado no desenvolvimento tipológico que fazia de seus auditórios, como lhe ocorreu que mesmo este recinto, sempre confiado à iluminação mecânica, pudesse receber os raios solares.

A outra maneira, usualmente esquecida, são os jardins abertos ao céu que, junto com os sheds, propiciam a iluminação natural homogênea. Os sheds com a luz vindo de cima, e os jardins, por todos os lados, matizados pelo verde da vegetação.

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Figura 10 – Esquema da complementaridade entre sheds e jardins nos pátios.

Fonte: desenho do autor.

O arquiteto desenvolve recursos arquitetônicos tipificados que, se abrindo no eixo vertical com o meio permite a justaposição indefinida e sua expansão, estabelecendo uma espécie de módulo isotrópico, aberto à expansão e flexível a mudanças – duas qualidades caras ao arquiteto. Os jardins, como dito antes, serão explorados a seguir.

Figura 11 – Ao invés da sobreposição das células, prefere o arquiteto operar com sua justaposição, horizontal. A relação com o meio será vertical: captação e drenagem de água pluvial pelos pilares,

iluminação pelos sheds (e pátios), ventilação vertical. Mesmo os espaços formados por uma cobertura sustentada por pilar único são concebidos analogamente.

Fonte: desenhos do autor.

Como dito antes, o “verde” vez por outra se trocava pelo “ar”. Este é um tema desenvolvido e retrabalhado por Lelé. A metamorfose crucial é o que se entende por ar puro. Na cosmovisão dos anos 1920, era o rural, litorâneo e alpino. Na cidade, o ar precisava ser depurado. Diante dessas duas circunstâncias, dois caminhos divergentes conviviam entre os arquitetos.

Essa duplicidade aparece na obra de Le Corbusier: os panos de vidro seriam um muro neutralizante, deixando passar a luz exterior, porém isolando termicamente o edifício, alimentado por um sistema de controle artificial do ar, a respiração exata. Seria uma ilha de serenidade, razão e elevação espiritual em um mundo caótico. Em João Filgueiras Lima, a compreensão aparentemente se rotaciona – o ar puro vem de fora (LIMA, 2004; 2012). Não pode ser o ar viciado interior, sobretudo aquele dos aparelhos mecânicos. Se antes eram a garantia do ar puro, após décadas de experiência, se converteram em foco patogênico. Mas o ar precisa ainda ser transformado: as poeiras, retidas; a pressão, ampliada, por insuflação; a temperatura, rebaixada, por evapotranspiração. Para, por fim, ser conduzido pelo caminho desejado do arquiteto. Ou seja, o tema da assepsia do ar se mantém. Nos seus hospitais, o fundamental seria conviver com as bactérias, abrindo-os ao exterior e debilitando as cepas hospitalares no contato com as externas, mais inócuas. A solução estava na circulação do ar, em especial a vertical, evitando a horizontal entre as alas do hospital. A questão é que isso coincide e converge com uma pesquisa anterior, realizada em edifícios dos mais diversos tipos. A tecnologia e raciocínio construtivo ademais são empregados em outros tipos de edifício, como os do Tribunal de Contas da União.

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A concepção modernista dos edifícios apresentava, por um lado, a fé na máquina e, por outro, traços das teorias higienistas de então, e mesmo de movimentos culturais como o Wandervogel germânico (LAQUEUR, 1962), o culto do contato direto com a Natureza. Assim, o outro caminho estava na adoção de recintos a céu-aberto– o outdoor room (OVERY, 2007). Serão dos mais variados tipos, expondo o indivíduo à amplidão, a uma vista privilegiada, aos raios solares, ao ar exterior, convivendo com o fechamento hermético e controle mecânico da temperatura, umidade e pureza do ar. Estes terão papel central em hospitais, sanatórios e escolas ao ar livre, contudo presentes em edifícios de moradia coletiva e residências burguesas como uma espécie de relação ideal do homem com o meio. Estes recintos comparecem nas obras de arquitetos como Mart Stam, Ernst May, Albert Frey, Hans Scharoun e o bastante mencionado Le Corbusier. Entendia-se como uma importante forma de propiciar saúde e higidez aos corpos, para a ginástica, o banho de ar e o banho de sol. No Brasil, décadas depois de tais vogas, desse conjugado de propósitos, Lelé está a aproveitar-se da herança destes espaços, e a desenvolve, encontrando soluções particulares com o passar do tempo, em um clima menos hostil. Os solários, tão comuns naquela Arquitetura Moderna européia, reaparecem nos hospitais do arquiteto. Os primeiros são uma aplicação do terraço-com-jardim, tal como se vê no Hospital Distrital de Taguatinga (1968).

Figuras 12 e 13 – Terraços com jardim do Hospital Distrital de Taguatinga - DF (1968). À direita, concepção geral das Secretarias do CAB, em Salvador (1973).

Fonte: desenhos do autor.

O segundo tipo foi por meio da perspicaz defasagem de vigas vierendeel no Hospital Sarah Brasília (1976-1980). O uso de tais vigas pode corresponder a experimento que realizara antes na Residência do Chefe do SNI, inclusive com as envasaduras hexagonais, eficientes estruturalmente. Por sua vez, o espaço que ele criou era uma espécie de extrapolação dos jardins laterais que empregou por tanto tempo. Extrapolação em escala: ganhavam um pé-direito duplo, na medida em que cada viga tinha a altura de um pé-direito. Com isso, criava um espaço rico em possibilidades e interpretações.

Figuras 13, 14 e 15 – Hospital Sarah Brasília (1976-1980) e seu solário.

Fonte: desenhos do autor.

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O terceiro tipo terá maior longevidade: lajes-cogumelo, nenúfares em concreto ou aço, prodígios estruturais que se somavam ao corpo do edifício. Aqui sem dúvida temos uma variação de experimentos construtivos que vinha realizando. O exemplo mais óbvio são as plataformas que articulavam os tramos das passarelas, primeiro empregadas em Salvador (1986-88). Nestas, eram de uma extrema engenhosidade: um apoio pontual e a possibilidade de ser uma rótula, alterando direção e declividade dos segmentos retos. Nos solários dos hospitais, era um tour de force, na medida em que precisavam vencer os problemas decorrentes da esbeltez e propiciar uma área considerável a partir de um único suporte.

Figura 16 – Da esquerda para a direita: plataformas das passarelas padronizadas da Fábrica de Equipamentos Comunitários - FAEC (1986-88); solários do Hospital Sarah Belo Horizonte (1992-97),

do Sarah Fortaleza (1992-2001) e do Hospital-Escola Municipal de São Carlos – SP (2004).

Fonte: desenho do autor.

A solução destas plataformas se entrelaça com os abrigos de pilar central que realiza ao longo de sua carreira. Essa peça horizontal e seu solitário suporte central serão empregados como cobertura e plataforma (e, em alguns casos, a mesma peça será ambas as coisas); confeccionada em concreto ou aço; de planta retangular, octogonal e circular; peça monolítica ou pré-fabricada em seções radiais. Fará abrigos vastos, sustentado por robustos pilares, de seção variada, como no projeto para o Belvedere da Sé em Salvador – BA (1979) e no heliponto para a Sede da Eletrobrás no Rio de Janeiro – RJ (1981). A partir da tecnologia do CTRS, e do emprego do aço, fará abrigos mais leves, de peças metálicas.

Figura 17 – A solução do pilar único se presta tanto a abrigos abertos, como aqueles fechados por vedação leve, plataformas abertas como solários, e plataformas sobrepostas, onde uma laje é, ao

mesmo tempo, plataforma e cobertura.

Fonte: desenho do autor.

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Figura 18 – Perspectiva feita a partir de croqui de João Filgueiras Lima. Posto policial constituído a partir de quatro abrigos de ônibus da RENURB (1979-1982).

Fonte: desenho do autor.

Figura 19 – Da esquerda para a direita: abrigo no Hospital Sarah Lago Norte em Brasília – DF (1996-2003); abrigo no Posto Avançado de Belém – PA (2001-2007); portaria de acesso do Hospital-Escola Municipal de São Carlos – SP (2004); e abrigo de entrada da Residência Roberto Pinho, no Distrito

Federal (2008). Todos medindo entre 8 e 10 metros de diâmetro.

Fonte: desenho do autor.

Um quarto tipo apareceu nos últimos anos de sua carreira, no Centro Internacional Sarah de Neurorreabilitação e Neurociências, no Rio de Janeiro. Este solário, composto por duas bandejas atirantadas de maneira quase simétrica por um mastro central, não deixa de repetir o raciocínio estrutural, e formal, que apresentou já no Centro de Exposições do CAB (1974).

5. As Sínteses

Todos os elementos convergem para espaços típicos, procedimentos projetuais que visam atender às aspirações do arquiteto por espaço, luz, verde, além do ar natural, mantendo as características de flexibilidade e extensibilidade desejadas.

Um deles que nos interessou bastante não é um espaço típico, mas um sistema que propiciaria como alternativas as relações típicas com o meio. Isso é demonstrado no Centro de Pesquisas Agropecuárias do Cerrado, Brasília - DF (1978), onde as vigas-calha mostram-se capazes de constituir um pergolado para jardins; como suporte para clarabóias, para sheds e, nivelados com terra, como a base de um terraço-jardim. Também aparece em desenho para o Hospital Sarah Brasília, onde a viga-calha constitui a base dos pisos do edifício, de um jardim, de um pergolado e dos sheds. As comutações possíveis dos pisos e coberturas são pensadas dentro da orientação supracitada: a luz, o verde, o espaço.

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Figura 20 – Possibilidades do sistema de vigas-calha no Centro de Pesquisas Agropecuárias do Cerrado, Brasília – DF (1978): como cobertura (telhas), terraço-jardim, e passagem de luz (sheds,

tetraedros translúcidos, pérgola), até mesmo para jardins em um nível abaixo.

Fonte: desenho do autor.

Figura 21 – Aplicações similares do sistema de viga-calha concebido para o Hospital Sarah em Brasília – DF (1976-1980).

Fonte: desenho do autor.

Outro tipo é o que chamamos jardins laterais. Fazem parte daquela dissolução do perímetro e da captura da iluminação indireta, pelas bordas dos recintos ou edifício, antes mencionados.

Figura 22 – Da esquerda para a direita: projeto não-realizado e realizado para a Igreja de Alagados, Salvador – BA (1975), e celas do projeto para o Convento de Brotas, Salvador – BA (1980).

Fonte: desenhos do autor.

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Figuras 23 e 24 – Jardins na área reservada da Capela do Centro Administrativo da Bahia (1975).

Fonte: foto e desenho do autor.

Figura 25 – Projeto para a Residência Nivaldo Borges, em Brasília – DF (1975). O jardim vai adiante, e aberto, protegido do insolejamento com uma pestana em concreto.

Fonte: desenho do autor.

Figura 26 e 27 – Jardins privativos na Residência Rogério Ulyssea, em Brasília – DF (1973) e em Casa Comunitária no Rio de Janeiro (1984).

Fonte: desenhos do autor.

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Figura 28 – Esquema e comparação geral dos jardins perimetrais.

Fonte: desenho do autor.

Tais jardins podem ser as laterais do edifico em terreno livre cercado por muro ou elemento vazado, compartimentadas ou não; espaço intermediário entre blocos; área ganha em encosta por meio de arrimo ou socalcos.

Figura 29 – Arranjos possíveis do jardim aberto.

Fonte: desenho do autor.

O elemento mais interessante que Lelé conseguiu desenvolver em seus vários projetos são os jardins

de ambientação, logrando obter uma alta qualidade espacial em edifícios que são usualmente mesquinhos com os espaços “perdidos”. Este tipo de lugar apareceu antes em projetos residenciais, como a de Rogério Ulyssea e, especialmente, a de Nivaldo Borges, já como uma grande faixa longitudinal, paralela aos corpos do edifício. Algo disso se percebe nos solários do Hospital Sarah Brasília, onde a iluminação zenital vem de um canto lateral superior.

Figura 30 e 31 – Corte da Residência Rogério Ulyssea, Brasília – DF (1973) e corte da Residência Nivaldo Borges, Brasília – DF (1973). As dimensões podem estar equivocadas, e mesmo alguns

detalhes, já que o desenho fez-se a partir de planta baixa e fotos.

Fonte: desenhos do autor.

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O nome já é dado aos jardins da Clínica Daher (1977) em Brasília, que assumem outro desenho, como faixas daqueles jardins laterais antes citados: são aberturas para o céu, como pátios onde o piso é todo ajardinado, e não um espaço conquistado com a luz capturada. Podemos ver mesmo aqueles jardins como uma evolução daqueles anteriores.

Figura 32 – De jardins laterais, abertos, ao jardim de ambientação, sob sheds

Fonte: desenhos do autor.

Tais jardins podem ser compreendidos como um rol finito, ainda que rico, de estratégias. Quando é um edifício circular, poderá estar no centro, a exemplo do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (1997-98) e do projeto original, não realizado como tal, da Fundação Darcy Ribeiro (1996). Pela própria natureza do espaço, não são dos mais comuns.

Figura 33 - Sede do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, Salvador (1997-98) e projeto inicial da Fundação Darcy Ribeiro, Brasília – DF (1996). O edifício construído é diferente.

Fonte: desenhos do autor.

Em edifícios de um certo porte, poderá ser um espaço retangular no interior, com um pé-direito maior, iluminação zenital, onde posta a circulação vertical (escadas e elevadores), como nas sedes dos TCUs de Salvador (1995), Belo Horizonte (1997) e Vitória (1998).

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Figura 34 – Jardins de ambientação no interior do TCU de Salvador – BA (1995), TCU de Belo Horizonte – MG (1997) e TCU de Vitória – ES (1998).

Fonte: desenhos do autor.

Declives são aproveitados para jardins em socalcos, como nas sedes dos TCUs de Aracaju (1997) e Cuiabá (1998) e no Posto Fiscal de Estiva, no Maranhão (1997). No Tribunal Regional Eleitora da Bahia (1997-1998), mais extenso, lançou mão de faixas de jardins.

Figura 35 – Jardins aproveitando-se de desnível interno no TCU de Aracaju – SE (1997) e TCU de Cuiabá – MT (1997).

Fonte: desenhos do autor.

Declives na borda do edifício, ou quando a membrana que o envolve encosta no solo, prestam-se a tais jardins, agora perimetrais – a exemplo da sede do TCU de Teresina (1997), do Hospital Sarah Belo Horizonte (1992-97) e do Ginásio de Reabilitação Infantil, parte do Centro Internacional de Neurociências e Reabilitação no Lago Norte em Brasília (1996-2003).

Figura 36 – Jardins no ponto de encontro da cobertura com o solo no Centro Ambulatorial Infantil de Belém – PA (2001-07) e Residência João Santana (1994).

Fonte: desenhos do autor.

Naqueles edifícios onde ensaiou pioneiramente o tema da grande cobertura metálica curva que encapsulava o edifício (PAZ, 2014), no gigantesco pé-direito obtido, cabia a disposição dos jardins, como no Hospital Sarah Fortaleza, e, sem a mesma grandiosidade, no Hospital-Escola Municipal de

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São Carlos – SP (2004). Esse tipo de espaço é destinado nos hospitais, mais exigentes do ponto de vista do programa, ao hall de entrada ou saguões de espera.

Figuras 37 e 38 – Pátio de fisioterapia do Hospital Sarah Fortaleza – CE (1992-2001) e átrio do Hospital-Escola Municipal de São Carlos – SP (2004).

Fonte: desenhos do autor.

Figura 39 – Arranjos possíveis para os jardins.

Fonte: desenho do autor.

6. conclusão

Evidentemente o mérito da obra de Lelé não residirá nesta ou naquela filiação. Não é, nem deveria ser, questão de pontuar itens em um barema. Trata-se de demonstrar que havia uma matéria-prima da tradição moderna, metabolizada de forma inteligente e criativa, e ainda assim nítida. O arquiteto teve algo a dizer, foi um interlocutor à altura nesse vasto debate feito por obras, projetos e textos. Na maneira como reinterpreta a procura pelo verde, pela luz e pelo espaço, mais o tema do ar e sua assepsia, assim como as inversões tipicamente modernistas, e como abraça aquelas inversões antes mencionadas: o recuo dos pilares e as paredes perimetrais tornadas vedações; a dissolução miesiana dos perímetros e a concentração das redes técnicas na estrutura portante, retirando funções das lâminas (paredes, pisos e teto), agora separada em placas facilmente permutáveis.

O arquiteto, lembremos, é auxiliado por um clima favorável, que lhe permite buscar cada vez mais uma construção leve, tendendo ao imaterial e a diafragmas, reguladores de luz e de ar, criando interiores amplos e amenos, espírito perceptível mesmo em suas obras em tijolo.

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Figura 40 – Desenho a partir de croqui de João Filgueiras Lima. Sintetiza os pontos defendidos neste artigo.

Fonte: desenho do autor.

Alguns arquitetos, como o próprio Corbusier, passarão a vida prospectando tipos ideais, com aplicações concretas, de programas, como a moradia coletiva, a fábrica, o ginásio poliesportivo. Diante do processo fabril real, a exploração sistemática é ainda mais coerente, já que se trata de um processo cumulativo de tentativa-e-erro, de aperfeiçoamento a partir de uma equipe e ferramentas existentes. Esse caráter exploratório de sua Arquitetura permite enxergá-la como um todo, e reconhecer a obra de João Filgueiras Lima como um desenvolvimento sucessivo em pelo menos três níveis, analiticamente distintos porém entranhados na obra do arquiteto. Na composição material específica, em concreto armado, argamassa armada e aço, inclusive o uso ocasional do tijolo. No sistema construtivo, como um alfabeto de partes, de elementos de arquitetura6: de vigas-calhas, pilares como dutos de águas pluviais, paredes como vedações, sheds, brises e pestanas. Isso explica a composição modular e isotrópica mesmo em obras em tijolo, ou como faz sheds em tijolo, fiberglass, ferro-cimento ou aço. Estes elementos, quando da pré-fabricação em argamassa armada, será um leque fechado de poucos componentes; no CTRS, com o aço, será um sistema aberto de componentes, elementos reconstruídos a cada nova iniciativa, tipos mentais, operações usuais e medidas uniformes. E, acima, em um vocabulário de formas e espaços: os pavilhões horizontais, os jardins laterais e de ambientação, os grandes vãos, as plataformas e abrigos de pilar central, mais próximos de elementos de composição, explicando como os emprega com os materiais à mão.

E é neste nível, necessariamente constituído daqueles dois primeiros, que se coagulam com mais clareza os recursos que parecem confirmar que, ao menos na obra de João Filgueiras Lima, a luz, o espaço e o verde são matérias- primas indispensáveis.

REFERÊNCIAS

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6Empregamos aqui os termos elementos de arquitetura e elementos de composição no sentido que lhes é dado por Alfonso

Corona Martínez (2000), embora sem uma coincidência estrita com o caso estudado.

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