a casa de amorim: uma reflexÃo sobre...

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1 A CASA DE AMORIM: UMA REFLEXÃO SOBRE RESIDÊNCIAS UNIFAMILIARES NA DÉCADA DE 60 EM RECIFE 1 AMORIM'S HOUSE: A REFLECTION ABOUT HOUSES IN RECIFE IN THE 60s Maria Cicília de Oliveira Melo Universidade Federal de Pernambuco, UFPE [email protected] Resumo Em meio a um Recife vertical, algumas residências sobrevivem em uma arquitetura singular, a Casa de Amorim. Projetadas na década de 60 do século XX sob influências do segundo pós-guerra, do resgate de nossas tradições e da busca por uma identidade local, a Casa de Amorim é símbolo da arquitetura moderna pernambucana projetada pelo português Delfim Amorim e tantos outros arquitetos. Azulejos na fachada, telhado levemente inclinado em laje coberta de telhas cerâmicas, pátios internos, setorização funcional dos espaços, esquadrias em venezianas de madeira e uma base em pedra que eleva o volume do nível do solo, são as principais características que formam a imagem desta habitação. Através da análise de 11 projetos compreendidos nos anos 60 em Recife, este trabalho discorre sobre a recorrência e relevância da Casa de Amorim na arquitetura moderna residencial unifamiliar em Pernambuco. Palavras-chave: Arquitetura moderna. Casa de Amorim. Recife. Abstract In a vertical Recife some houses with a particular architecture survives, the Amorim's House. Designed in the 60s of the XX century under the influence of the post- World War II, the return of our traditions and the search for a local identity, Amorim’s House is a symbol of Pernambuco's modern architecture designed by the Portuguese Delfim Amorim and many other architects. Tiles on the facade, a slim slab covered with ceramic tiles, interior courtyards, functional compartmentalization of spaces, wooden window shutters and a stone base that raises the volume from the ground level, are the main characteristics that form the image of this housing. Through the analysis of 11 projects in the 60s in Recife, this work shows the recurrence and relevance of Amorim’s House in Pernambuco’s modern residential architecture. Keywords: Modern Architecture. Amorim’s House. Recife. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo foi extraído do Trabalho de Conclusão de Curso homônimo, desenvolvido como requisito à obtenção da graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UFPE, no ano de 2015. A história de um lugar pode ser contada de várias maneiras e uma delas é através do seu patrimônio arquitetônico, descaracterizado ou já inexistente, mas presente na memória da cidade através de registros como desenhos, fotografias e literatura. Foca-se em um período de grande importância para arquitetura da cidade do Recife, o período moderno. Grandes nomes foram referência para o momento entre as décadas de 50 e 70 na arquitetura pernambucana. Arquitetos como Acácio Gil Borsoi e Delfim Amorim são alguns exemplos, sendo a contribuição deste último, através da produção da Casa de Amorim e sua produção por outros arquitetos em Recife, objetivo específico desta pesquisa. O termo Casa de Amorim foi utilizado pela primeira vez pelo arquiteto, urbanista e professor aposentado da UFPE, Geraldo Gomes da Silva. O professor identifica tal estilo na arquitetura de Delfim e considera o período o mais rico da carreira do arquiteto português. Sobre a produção de casa referida, comenta: 1 MELO, Maria Cicília. A Casa de Amorim: Uma reflexão sobre residências unifamiliares a década de 60 em Recife. In: 11° SEMINÁRIO NACIONAL DO DOCOMOMO BRASIL. Anais Eletônicos.Recife: DOCOMOMO_BR, 2016. p. 1-12.

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ACASADEAMORIM:UMAREFLEXÃOSOBRERESIDÊNCIASUNIFAMILIARESNADÉCADADE60EMRECIFE1

AMORIM'SHOUSE:AREFLECTIONABOUTHOUSESINRECIFEINTHE60s

MariaCicíliadeOliveiraMeloUniversidadeFederaldePernambuco,UFPE

[email protected]

ResumoEmmeioaumRecifevertical,algumasresidênciassobrevivememumaarquiteturasingular,aCasadeAmorim.Projetadasnadécadade60doséculoXXsobinfluênciasdosegundopós-guerra,doresgatedenossastradiçõesedabuscaporumaidentidade local, a Casa de Amorim é símbolo da arquiteturamoderna pernambucana projetada pelo português DelfimAmorimetantosoutrosarquitetos.Azulejosnafachada,telhadolevementeinclinadoemlajecobertadetelhascerâmicas,pátiosinternos,setorizaçãofuncionaldosespaços,esquadriasemvenezianasdemadeiraeumabaseempedraqueelevaovolumedoníveldosolo,sãoasprincipaiscaracterísticasqueformamaimagemdestahabitação.Atravésdaanálisede11projetoscompreendidosnosanos60emRecife,estetrabalhodiscorresobrearecorrênciaerelevânciadaCasadeAmorimnaarquiteturamodernaresidencialunifamiliaremPernambuco.

Palavras-chave:Arquiteturamoderna.CasadeAmorim.Recife.

AbstractInaverticalRecifesomehouseswithaparticulararchitecturesurvives,theAmorim'sHouse.Designedinthe60softheXXcentury under the influence of the post-WorldWar II, the return of our traditions and the search for a local identity,Amorim’sHouseisasymbolofPernambuco'smodernarchitecturedesignedbythePortugueseDelfimAmorimandmanyother architects. Tiles on the facade, a slim slab covered with ceramic tiles, interior courtyards, functionalcompartmentalizationofspaces,woodenwindowshuttersandastonebasethatraisesthevolumefromthegroundlevel,arethemaincharacteristicsthatformtheimageofthishousing.Throughtheanalysisof11projectsinthe60sinRecife,thisworkshowstherecurrenceandrelevanceofAmorim’sHouseinPernambuco’smodernresidentialarchitecture.

Keywords:ModernArchitecture.Amorim’sHouse.Recife.

1 INTRODUÇÃO

Opresente artigo foi extraído do Trabalho de ConclusãodeCurso homônimo, desenvolvido comorequisitoàobtençãodagraduaçãoemArquiteturaeUrbanismopelaUFPE,noanode2015.

Ahistóriadeumlugarpodesercontadadeváriasmaneiraseumadelaséatravésdoseupatrimônioarquitetônico, descaracterizado ou já inexistente,mas presente namemória da cidade através deregistros como desenhos, fotografias e literatura. Foca-se em um período de grande importânciaparaarquiteturadacidadedoRecife,operíodomoderno.Grandesnomes foramreferênciaparaomomento entre as décadas de 50 e 70 na arquitetura pernambucana. Arquitetos comoAcácioGilBorsoi e Delfim Amorim são alguns exemplos, sendo a contribuição deste último, através daproduçãodaCasadeAmorime suaproduçãoporoutrosarquitetosemRecife,objetivoespecíficodestapesquisa.OtermoCasadeAmorim foiutilizadopelaprimeiravezpeloarquiteto,urbanistaeprofessor aposentado da UFPE, Geraldo Gomes da Silva. O professor identifica tal estilo naarquiteturadeDelfimeconsideraoperíodoomaisricodacarreiradoarquitetoportuguês.Sobreaproduçãodecasareferida,comenta:

1MELO,MariaCicília.ACasadeAmorim:Umareflexãosobreresidênciasunifamiliaresadécadade60emRecife.In:11°SEMINÁRIONACIONALDODOCOMOMOBRASIL.AnaisEletônicos.Recife:DOCOMOMO_BR,2016.p.1-12.

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[...] sua marca registrada na arquitetura de Pernambuco. Assimilara a levezaplástica da arquiteturamoderna brasileira contemporânea, adotando umpartidode composiçãomais contido, namedida emque resgatava (...) a sobriedade dascasasruraisdopassadocolonialluso-brasileiro.(GOMES,1994/95,p.76)

ComoGeraldo Gomes (1994/95) também afirmava que a Casa de Amorim não foi uma produçãoexclusiva do português. Outros arquitetos utilizaram linguagem semelhante em busca de umaconexãocomomeiofísicoeculturalqueestãoinseridos.Sobreissooautorafirma:

Essetipotevetambémmuitaaceitaçãoporpartedosconstrutoressemformaçãode nível superior. Amorim, sem alarde, garantiu para arquiteturamoderna, comessatipologia,umlugarnopostopopular, independentedomodismoqueaquelaarquiteturapossaterrepresentado.(GOMES,1994/95,p.76).

DocumentareregistraracontribuiçãodotipodaCasaAmorim,porDelfimeporoutrosarquitetos,visa enriquecer a historiografia da arquitetura brasileira, sobretudo aquela produzida emPernambuco na década de 60. Mais do que um texto biográfico ou um catálogo de obras, estetrabalhoéumrelatodeummomentoimportantenoRecifeemquehouveaconsolidaçãodeumtipodearquiteturaresidencial.

AideiadetipoaquiabordadaéaquelalevantadaporAldoRossi(1995)dequetipoestárelacionadoa essência. O conceito defende que o processo de concepção de obras é através da utilização dahistóriacomofontedepesquisa,referênciaeinspiração.Paratanto,osprincípiosutilizadosemumaconstrução são também utilizados em outras mas de forma particular e não literalmente. Essacaracterísticatipológicaconfereàcidadeidentidadeeumacontinuidadeespacialehistórica.

2 MÉTODODEANÁLISE

A importância da arquitetura moderna em Recife é inegável e apesar de convivermos comexemplaresdessaarquiteturaemnossodia-a-dia,pouco se sabe sobreestesepouco se tem feitopara preservar os que ainda existem.Omaior registro da produção dessemomento é através dedesenhos, de forma que a proteção desses registros é indispensável, uma vez que, com odesaparecimento do próprio objeto arquitetônico, que pode ocorrer anteriormente aoreconhecimento de seu valor, restam apenas os registros gráficos como fonte de pesquisa dopatrimônioemextinção(OLIVEIRAet.al.2012).Apesardesuaimportância,oacervodeprojetosdearquiteturada cidadedoRecife encontra-se emmauestadode conservação (Figura1), sobretudonas Regionais , dificultando o trabalho para os que se dedicam ao estudo e a conservação destefragmentodamemória.

Figura1–PranchadaResidênciaGersonCarneiroLeão,1960

Fonte:PrefeituradaCidadedoRecife.

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Uma análise crítica sobre o período de produção dessas residências busca alertar sobre a atualsituação dos acervos iconográficos desses projetos, que ainda não são patrimônios reconhecidos;servirdebaseparaoutraspesquisasquebusquemferramentasdeinvestigaçãosemelhantes,atravésdametodologiadeanálisearquitetônicafeitasobreosexemplares;eporfim,evidenciarqueotipoarquitetônicoresidencialunifamiliarproduzidonadécadade60emRecifeporAmorimeoutros,foioresultadodopensamentodeumacidadequeprosperavaatravésdasrecorrênciasconstrutivasquesãootestemunhodamemóriadeumasociedadee/oudeumimportanteperíodo.

Tendoemvistaaurgênciaempreservaçãodosmateriais iconográficosdaarquiteturamodernaemPernambucoforamselecionadosparaestaanáliseosprojetosdomaterialdasregionaisdigitalizadodurante pesquisa financiada pela FACEPE entre os anos de 2012 e 2013 pela autora junto aoLaboratório da Imagem da Arquitetura e Urbanismo- UFPE sob coordenação da Professora GuilahNaslavsky. A pesquisa resultou na digitalização de 415 projetos notáveis da arquitetura modernapernambucana.

Aanálisedosprojetosdigitalizados resultouna relaçãode11obrasdearquitetura, construídasounão,projetadaspordiversosarquitetosqueseguiamumtipoparecidocomoprojetadoporDelfimAmorimacercadascasasaquiabordadastambémnadécadade60(Figura2).Duranteesteestudo,aCasadeAmorim, tantopeloportuguêsquantoporoutrosarquitetos, foi compreendidaatravésdepropriedadesquefossemcapazdeenglobaramaioriadosaspectosqueformamotipo.Paraisso,ametodologia utilizada por Sanvitto (2002) para análise da implantação de residências brutalistaspaulistaseosestudosacercadeobrasprotorracionalistasemRecifeporNaslavsky(1992)serviramdebaseparaidentificaçãodequatropropriedadesessenciaisqueforamaplicadasemcadaumadasCasasdeAmorim:

• DisposiçãoVolumétrica;• DisposiçãoEspacial;• Aspectostécnico-estruturais;• Elementosdecomposiçãodefachada.A compreensão das residências nessas quatro propriedades permitiu agrupar as 11 obras em trêsgrandes grupos com soluções que diferem em alguns aspectos mas que não deixam de seremconsideradas Casas de Amorim, reafirmando a ideia de tipomencionada anteriormente. A divisãonestetrêsgrupospermiteumentendimentomaisdidáticodotipoaomesmotempoemqueagrupaassoluçõesquemaisseassemelham.

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Figura1–CasasporAmorimxCasasporoutrosarquitetos

Fonte:Produçãodaautora.

3 EMPIRISMORESIDENCIALMODERNOEMPERNAMBUCO

Durante a arquitetura moderna a casa foi o tipo de construção que mais ofereceu facilidade desínteseentreos conceitosque circulavamnomeio social e intelectualdaépoca.Osprogramasdefinalidades coletivas exigiam rigorosas imposições funcionais de maneira que o empirismoconstrutivodasresidênciasfavoreceuaconstruçãodediversostipos.Osexemplaresaquireveladosestão inseridos no período da década de 60 e são a síntese de um tipo importante da produçãoresidencial em um momento que foi provavelmente o mais produtivo para nova arquiteturabrasileira(GOMES,1988).

Comoadventotecnológico,atemáticasobrearelevânciadeelementostradicionais,achegadadearquitetos estrangeiros em Recife na década de 50, a busca por linguagens que associassem atradiçãodaarquiteturacolonialnordestinaeopresentemoderno, fizeramcomqueas residênciasreafirmassem sua tendência experimental, “[...] é no projeto da residência que eles encontram ocampo propício para experimentação e implantação de uma estética e organização espacialrenovadoras.”(AMORIM,2003,p.72).

3.1 ACasadeAmorimporDelfim

A riqueza de uma obra tão vasta como a de Delfim Amorim nos oferece, como observadores, apossibilidade de traçar um perfil do arquiteto (e inevitavelmente do homem) a partir das obrascriadasporeleentreasdécadasde50e60(Figura3).AbuscapelaexperimentaçãoeinovaçãodashabitaçõesprojetadasporAmorimnesteintervalodetempo,deve-seafatorescomoainfluênciadeLúcioCosta2emsuaformação;ocontatocomovelhomundo;avalorizaçãodeumaarquiteturamaisadequadaaomeiolocaleaconceitosnovohumanistasdeordemgeral,quepodemserevidenciadosem seu textoArquitetura e Construção de 1957. Em 1958, na residência Amaro Alves, projeto de

2 BruandidentificaumaconsonânciaentreasformulaçõesteóricasdeLúcioCostaeumacertaarquiteturaproduzidaemRecife,observávelnoempréstimodeformasetécnicasconstrutivasremanescentedofazercolonial,enaexploraçãosistemáticadenovosconceitosmodernos.BRUAND,Yves.ArquiteturaContemporâneanoBrasil.SãoPaulo:Perspectiva,1981.

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Amorim juntamente com Armindo Ângelo Leal da Costa, tem início ao que seria o novo caminhodesenvolvidonadécadaseguinte.Estasoluçãopodeserobservadanoseguintetexto:

Trata-se de um novo partido. A casa tem uma nova implantação: tem primeiroandar,mas,comosedesenvolveemdesníveis,aparentasercompletamentetérrea,dadaapredominânciahorizontal.Háumapequenabaseempedra,pátiocentral,azulejosna fachada, revestimentoscerâmicos, telhadosde lajespouco inclinadas,cobertas com telhas cerâmicas, empenas laterais com grandes painéis deesquadriasvenezianas.(NASLAVSKY,2004,p.169)

Apartirdessaspropostasdesenvolve-seaideiadeCasadeAmorim,umtipodehabitaçãounifamiliarcomposta por um hibridismo entremodernidade e nossa tradição colonial. Categorizada, em suamaioria,porprismaselevadossobreumabasedepedras,quesalientamahabitaçãocomoumobjetoautônomo,numacomposiçãoqueprocurasemostrarunivolumétrica,desvinculandoaresidênciadosolo.AoanalisaratrajetóriadeprojetosdeAmorimsepercebeumacertasimilaridadecomoutrosprojetosaindaemPortugal,comoaresidênciaDimasemA-ver-o-Mar eacasaAntonioRocha,aoadaptarapedraemformatoirregularrecobrindoabasedacasa.

Ascasasaquiabordadas,emsuamaioria,possuemumaocupaçãocontidano loteedistribuem-seemumoudoispavimentosemumjogodeblocosfuncionaisqueseguemoprogramadahabitaçãomodernatendooordenamentoapartirdeumnúcleo,configuradocomovazioatravésdesubtração,na maioria das vezes um pátio central descoberto, permitindo unificação espacial interna. AResidênciaSerafimAmorim,deseuirmão,em1960éaprimeiraexpressãodessanovarepresentaçãoda formademorarpernambucana.Ascasas tambémforamdesenvolvidasemprojetos,namesmadécada, por arquitetos amigos, alunos e admiradores do trabalho de Amorim. O arquiteto HeitorMaia Neto juntamente comDelfim, projetou alguns exemplares do tipo como a Residência PauloMagalhães em 1964 e a LeãoMansur nomesmo ano. A Casa de Amorim sintetiza a proposta doarquitetoemadequaroedifícioàscondiçõesclimáticasdaregiãonordestinaatravésdaadoçãodemateriais e soluções tradicionais e da incorporação de novos materiais e técnicas industriais,segundoumraciocínioconstrutivovinculadoaomovimentomoderno.

Compreendendoascasasnasquatropropriedades:

3.1.1 Disposiçãovolumétrica

Os setores da habitação possuem níveis diferentes, de forma que as áreas destinadas ao usoparticulardosmoradores,representadasprincipalmentepelosdormitórios,estãolocalizadasemumnível acima dos demais, evidenciando uma hierarquia de uso. Apesar dos diferentes planosfuncionais e da divisão clara em setores, a leitura da residência é de uma volumetria horizontal eúnica devido, principalmente, a utilização de uma coberta pouco inclinada e comum à todosambientes.

3.1.2 Disposiçãoespacial

A hierarquia das funções é uma indicação da arquitetura moderna. Um núcleo central dedistribuição,porvezesumjardimpergolado,separaosblocosfuncionaisemtrêseixos:social,íntimoeserviço.Osambientescircundamesteespaçocentralqueseabreparaaslateraisdoterrenoequeéidentificadonosprojetosatravésdeumalinhaimagináriacentralàfachadaprincipaldahabitação.A Casa de Amorim com pátio central pode ser compreendida como uma releitura da organizaçãoespacial dos edifícios constituintes dos tradicionais engenhos que se organizam em torno de umpátioretangular.Oscômodosdeusoíntimoestãolocalizadosemáreasmaisrestritasaopassoqueos cômodos de uso comum ficam em áreas mais acessíveis e visíveis da rua. A área de serviço,dependênciadeempregadosegaragem,apesardenamaioriadosprojetosfazerempartedamassae não mais segregados como no passado colonial, ainda estão localizados em zonas de restritoacesso físicoe visual.Aplanta abertae, portanto, assimétricaéumconceito recorrentenas casas

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destetipo,umacaracterísticadomodernismo.

3.1.3 Aspectotécnico-estrutural

A utilização de materiais simples e regionais é essencial para o reconhecimento desse tipo dehabitação.Aslajeslevementeinclinadasemconcretoarmadocobertasportelhascerâmicaslocaisesustentadas por leves apoios metálicos engastado nas paredes de alvenaria de tijolos marcam ocoroamento da estrutura e favorecem a ventilação e iluminação natural devido ao espaço criadoentreosdoiselementos,alémdereafirmaroprincípiodeestruturaslivres,permitindoaintegraçãoentreosespaçosinternos.Acumeeiradacasaénamaioriadasvezesperpendicularàrua,ouseja,aquedadeáguasdotelhado ficaevidenteparaquemvêde fora, revelandoumabuscadotipopelatradicional relação casa/rua, tão agradável aos bairros na época e hoje destruídas pela crescenteperda de edifícios de qualidade ímpar e substituição por imóveis que raramente apresentamumaqualidadearquitetônicaàalturadoimóvelanterior(AMORIM,1999).

3.1.4 Elementosdecomposiçãodefachada

As fachadas sãomarcadas por um rico jogo de esquadrias de venezianas demadeira corrediças evidro.Osazulejosdecoradosempadrõesgeométricoseladrilhoscerâmicostambémrevestemfacesdas fachadase são resultadodo renascimentopropostoporAmorimdesse tipodematerial. Esseselementos trabalham em planos independentes, trazendo uma leitura clara e demarcada dasfachadas. O uso do azulejo formando composições diversas a partir da repetição de ummóduloinicialpropiciaverdadeirasobrasdeartesobrefachadas,nãosócomopaineldecorativo,mas,comrevestimento.Umapequenabaseempedrasregionaisdeformatoirregularrecobreasuperfíciedoaterro e eleva a casa do nível da rua, funcionando também como uma espécie de “colchão”estruturalquemelhoraoconfortoclimáticodaedificação.

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Figura2–CasasdeAmorimporDelfim

Fonte:Produçãodaautora.

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3.2 ACasadeAmorimporoutrosarquitetos

Comofaladonotópicosobremetodologia,as11obrasanalisadasinicialmenteforamdividasemtrêsgrupos. A seguir serão elencadas as obras e características que fazem com que cada um dessesprojetospertençamaoreferidogrupo.

3.2.1 Grupo1

Este grupo é caracterizado por residências que diferem esteticamente das casas projetadas porAmorimpor aparentam termaisdeumpavimento (Quadro1). É formadopelomenornúmerodeexemplares.Quantoaspropriedades:

• Disposição Volumétrica: O volume possui diferentes níveis bem demarcados externamente. Acasasurgecomoumobjetoautônomo,desvinculadadasdivisasdolote;

• DisposiçãoEspacial:Oplanonãopossuiumelementocentraldistribuidordeatividades;• Aspectos técnico-estruturais: Coberta em laje delgada de concreto em duas águas pouco

inclinadasrecobertasportelhascerâmicas;• Elementosdecomposiçãodefachada:Asfachadassãoricasemdiferentesmateriais:painéisde

azulejo,esquadriasemmadeiraeumabaseempedras.

Quadro1–Residênciacorrespondenteaogrupo1

Obra Arquiteto Endereço Imagem

ResidênciaGersonCarneiroLeão

(1960)

MarcosDominguesda

Silva

AvenidaRuiBarbosa,1692-

Jaqueira.

Fonte:Produçãodaautora

3.2.2 Grupo2

Este grupo é caracterizado por residências que são bastante semelhantes às obras projetadas porAmorim tanto do ponto de vista estético quanto de concepção do espaço. É formado pelomaiornúmerodeexemplares.Quantoaspropriedades:

• DisposiçãoVolumétrica:Acasaparecesercompletamentetérreaapesardepossuirmaisdeumpavimentoemalgunscasos.Aperspectivadacasatorna-sealongadapoistodaselasencontram-sedesvinculadasdoslimitesdolote;

• DisposiçãoEspacial:Oplanta-baixapossuiumelementoestruturadordoseixosfuncionaisqueéumpátiooujardiminterno;

• Aspectos técnico-estruturais: Coberta em laje delgada de concreto em duas águas poucoinclinadasrecobertasportelhascerâmicas.Algumasdascasaspossuemsustentaçãodotelhadoemperfismetálicosapoiadosnaalvenaria;

• Elementos de composição de fachada: As fachadas ricas em diferentes materiais: painéis deazulejo,esquadriasemmadeiraeumabaseempedras.

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Quadro2–Residênciascorrespondentesaogrupo2

Obra Arquiteto Endereço Imagem

ResidênciaFernandoValente

Leal(1962)

AcácioGilBorsoieVitalPessôade

Melo

EstradadasUbaias,311-CasaForte

ResidênciaNelson

deMedeirosRossiter(1963)

JarbasGuimarães

RuaTitoRosas-Parnamirim

ResidênciaRenatoSantosPinheiro

(1963)

WandenkolkTinoco

RuaManoelArão,286-Espinheiro.

ResidênciaVictorOrlando(1963)

LuizJoséMacêdoCoimbra

RuaLeonardoCavalcanti–Parnamirim

ResidênciaMarioRamosdeOliveira

(1964)

AleteRamosdeOliveira

Avenida17deAgosto,1545–PoçodaPanela

ResidênciaGilbertoJosédoCarmoAlmeida

(1966)

WaldecyF.Pintoeequipe

EstradadoEncanamento,1163–CasaAmarela

ResidênciaEurélesdeSouzade

Cordeiro(1967)

ZildoSenaCaldaseequipe

RuaJaimeLoyo,25–CasaForte

Fonte:Produçãodaautora

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3.2.3 Grupo3

Estegrupoécaracterizadopor residênciasquesão limitadaspelocondicionantedo terreno,queécompacto.Issofazcomqueasresidênciasdestegrupoencostememumdoslimitesdolotetambémalterandoaconfiguraçãoespacialinterna.Quantoaspropriedades:

• Disposição Volumétrica: O bloco é compacto e encosta em uma das laterais do lote. Essaconfiguração faz com que se perca a ideia de perspectiva alongada que a casa teria se fossecompletamentesoltanolote;

• Disposição Espacial: Pela limitação do terreno, as casas deste grupo possuem dois eixos bemdemarcados devido a configuração em “L” da planta-baixa. Não há um elementos centraldistribuidordasatividades;

• Aspectos técnico-estruturais: Coberta em laje delgada de concreto em duas águas poucoinclinadasrecobertasportelhascerâmicas;

• Elementos de composiçãode fachada:As fachadasnãopossuemamesmadinâmica e riquezadasdemais.

Quadro3–Residênciascorrespondentesaogrupo3

Obra Arquiteto Endereço Imagem

ResidênciaMarcosDominguesdaSilva(1962)

MarcosDominguesda

Silva

RuaOliveiraGóes,330–Poço

daPanela

ResidênciaVitalPessôadeMelo

(1962)

VitalPessôadeMelo

RuaOscarFerreira,nolote14daquadra1–

CasaForte

ResidênciaRenatoGonçalvesTorres

(1963)

WaldecyPintoeequipe

RuaMarcelinoLisboa–

Parnamirim.

Fonte:Produçãodaautora

4 CONCLUSÕES

Duranteadécadade60emRecifesepercebequediversosarquitetosproduziramobrasresidenciaisunifamiliaresqueseassemelhamàquelasproduzidasporDelfimAmorimnamesmadécada.Algunsarquitetosmais conhecidos na produção local e até nacional, comoMarcosDomingues da Silva eAcácioGilBorsoi,eoutroscomumaproduçãoarquitetônicamenosconhecidaedocumentada,como

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JarbasGuimarãeseAleteRamosdeOliveira.

Atravésdacatalogaçãoeanálises feitas foiobservadoqueosarquitetosdo tipodehabitaçãoaquiabordado,captaramos ideiastantotradicionaiscomomodernosqueacasaproduzidaporAmorimpossui e reinterpretaram de variadas formas, de maneira que é incorreto afirmar que as obrasprojetados pelos outros arquitetos são cópias ou modelos do tipo produzido por Amorim. Arecorrênciadeste tipodearquitetura revelouqueduranteadécadade60a casadeAmorim foiasíntesedanovaformademorardohomemmoderno,quetevesuavisãodemundomaishumanaefuncionaltraduzidanessasresidências.

Este trabalho teve o propósito de identificar as ideias que levaram a produção de uma tipologiaresidencialunifamiliarreconhecívelemRecifenadécadade60quesurgiudeummomentocomumàmaioriadesses arquitetos, emconsonância comvaloresuniversais edebuscaporuma identidadelocal.

Ementrevistaconcedidaàautora3,WandenkolkTinocoafirmaqueatéhojeproduzCasadeAmorim.Quandoperguntadosobreoqueviriasertalestilo,oarquitetodeclaraqueaCasadeAmoriméumaformade conceberoespaçoque vai alémdaestética, queéumamaneiradeordenaros espaçosresidenciaismedianteasnecessidade locais semesquecerdenossas tradiçõesedosensinamentosmodernos.

Marcos Domingues da Silva, apesar de não ter tido contato com o português na Universidade,reconhece a influência de Delfim Amorim no projeto para residência Gerson Carneiro Leão domesmo ano da Residência Serafim Amorim considerada o primeiro exemplar consolidado do tipoAmorimpeloarquitetoportuguês(NASLAVSKY,2010,p.246).4

Pode-se dizer, portanto, que existe sim um tipo de casa produzido por Amorim anunciado porGeraldo Gomes, uma vez que ele produziu uma quantidade significativa do tipo, cerca de 10projetos, com poucas variações entre si, mas tipo este que também foi produzido por outrosarquitetosmodernos.Essatipologiaérelacionadadiretamenteaoarquitetoportuguêsportersidoumexemplarconsolidadoporele,pelofatodeletersuaproduçãocontempladaquandoaindavivoeporsuagrandecontribuiçãoparaarquitetura local.Asobrasdosdemaisarquitetosaquiestudadosreforçamessaideiadetipoarquitetônico.

PormeiodecomparaçõesdoscritériosanalisadosentreasresidênciasproduzidasporAmorimeasproduzidaspelosdemaisarquitetos,pode-sechegarasseguintesconsiderações:

• Sobre o ordenamento espacial interno das residências podemos perceber a estratégia deutilizaçãodeumnúcleocentralordenadordefunções.Essenúcleopodeserumjardiminternoouumpátiodescoberto;

• Umdosmaisimportantespontosobservadofoiatransformaçãonoespaçodomésticomodernoatravésdaplantabaixaassimétricaemumadivisãomaisrigorosadasatividadesemsetores.Osquartosrecolhem-separaáreaprivadaaopassoqueosambientescomunscomosalasdevisitas,refeiçõeseparaconvíviofamiliarsãoabertosfrancamenteparaos jardins.(Asáreasdeserviçopermanecem segregadas apesar de comporemo volumeprincipal.Os terraços namaioria dasvezescircundampartedascasasfazendoalusãoafunçãodosantigosalpendres;

• Ovolumeúnico e autônomo se configura comoo elemento principal da residência. Por vezesdestacadodoslimitesdoterreno,ovolumepodesersubtraídonasbordasouinternamente,paraformaçãodepátiosejardins,massemperderaleituradeinteirezadaforma;

• Asoluçãoadotadaparacobertafoiquasesempreutilizada,contudo,oapoiodadelgadalajeemperfis metálicos pode ser encontrado com mais recorrência nos projetos de Delfim Amorim,

3 Emfevereirode2014. 4 EmentrevistaconcedidaaarquitetaGuilahNaslavskyem2003.

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quasecomoumamarcaregistradadeseusprojetosdotipo;• Base em pedra e esquadrias com painéis de venezianas de madeira são elementos muito

recorrentesnasobrasanalisadassendoestaúltimautilizadaunanimemente.Abaseempedrastempapeldedestacaracasadoníveldaruaalémdegarantirascasasumcontrasteentrerústico(abasepropriamentedita)esutileza(representadopelaslinhasortogonaiselajedelgada);

• Diferentestiposderevestimentodefachadasforamutilizados,masoazulejofoiaescolhamaisrecorrente.Tijolosaparentesepedrastambémforamutilizados.

As características anteriormente destacadas revelam significativos exemplares da arquiteturaresidencialmodernaquepermitemacompreensãodaevoluçãodaproduçãoarquitetônicarecifenseemumafasecomtiposresidenciaisdiversos.ApesardaexistênciadeexemplaresdaCasadeAmorimporDelfime outros arquitetos na cidadedeRecife, atualmente, tanto a tipologia quanto edifícioscaracterísticos desse momento, não são alvo de valorização, o que leva à perda diária dosexemplares, tanto por demolição quando por descaracterizações, restando apenas algumas casasquedevemserconservadas.

AGRADECIMENTOS

AgradeçoàProfessoraDoutoraGuilahNaslavskyporpartilharcomigotodosseuensinamentossobreArquitetura Moderna. À FACEPE pelo apoio financeiro durante a pesquisa no período de 2012 e2013.ÀsRegionaispeladisponibilizaçãodomaterialestudado.

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