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CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009 311 Elísio Estanque O presente paper procura ser um exemplo da sociologia crítica-pública desenvolvida no Cen- tro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra. A linha temática aqui tratada (sociologia do trabalho e do sindicalismo) assume uma perspectiva crítica, quer do ponto de vista teórico-reflexivo, quer como prática política do cientista social, consideradas duas faces da mesma moeda. Partindo desse ponto de vista, discute-se a atual conjuntura de crise e analisa- se o caso português à luz da questão do trabalho, realçando alguns dos traços estruturais do país como semiperiferia da Europa e mostrando como alguns dos seus atuais problemas têm origens muito antigas. PALAVRAS-CHAVE: sociologia pública, crise, trabalho, sindicalismo, Portugal. DOSSIÊ A discussão em torno da chamada “public sociology”, desencadeada no mundo acadêmico oci- dental a partir das contribuições de Michael Burawoy (2005, 2007), colocou-se perante a comunidade soci- ológica do Centro de Estudos de Sociologia (CES) como uma teorização interessante – porventura ca- paz de imprimir um sentido mais engajado à socio- logia estadunidense, onde pontificou o paradigma funcionalista –, mas com pouca novidade para nós. De fato, há cerca de três décadas que a comunidade sociológica de Coimbra vem se dedicando a produ- SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL: reflexões a partir do trabalho e do sindicalismo Elísio Estanque * zir ciências sociais numa perspectiva crítica, transdisciplinar e assumidamente engajada. Embora não representativa do CES, que en- volve hoje um numero de mais de cem pesquisado- res, setenta dos quais com doutorado, a perspecti- va crítica e a orientação politicamente engajada dos seus membros é parte integrante da identidade e da tradição desse centro. Nem todos seguem, natural- mente, o mesmo paradigma teórico-epistemológico ou a mesma orientação politica do seu principal líder, Boaventura de Sousa Santos, mas a tendência geral da comunidade do CES é pautada pela preo- cupação com a interdisciplinaridade, por um lado, e com a intervenção pública e cívica, por outro, e isso não apenas como cidadãos mas também como cientistas sociais. Procura-se construir um conhecimento pro- gressista, transformador e emancipatório, destina- do a reforçar o espaço público. E pretende-se usá- lo como auxiliar para ver para além do manto de opacidade que as instituições e o poder hegemônico tendem a lançar sobre a realidade, ou, pelo me- nos, aquela parte da realidade social tendente a pôr em causa as leituras dominantes e a incomo- * Doutor em Sociologia. Professor de Sociologia da Uni- versidade de Coimbra. Faculdade de Economia da Uni- versidade de Coimbra - FEUC. Pesquisador do Centro de Estudos Sociais - CES. Av. Dias da Silva, 165. Cep: 3004-512 Coimbra. Portugal. elisio. [email protected] O ressurgimento relativo da sociedade por tuguesa e os laços de proximidade entre Por- tugal e o sul global, especialmente com a África e a América Latina, herdados da era colonial, cria- ram um dinamismo raro no nexo entre a sociolo- gia crítica e a sociologia pública, desde os projetos emancipatórios do Forum Social Mundial aos pro- jetos feministas internacionais, passando pelas crí- ticas, ao estilo de Bourdieu, à dominação social e à violência simbólica.M. Burawoy, 2007.

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O presente paper procura ser um exemplo da sociologia crítica-pública desenvolvida no Cen-tro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra. A linha temática aqui tratada(sociologia do trabalho e do sindicalismo) assume uma perspectiva crítica, quer do ponto devista teórico-reflexivo, quer como prática política do cientista social, consideradas duas facesda mesma moeda. Partindo desse ponto de vista, discute-se a atual conjuntura de crise e analisa-se o caso português à luz da questão do trabalho, realçando alguns dos traços estruturais do paíscomo semiperiferia da Europa e mostrando como alguns dos seus atuais problemas têm origensmuito antigas.PALAVRAS-CHAVE: sociologia pública, crise, trabalho, sindicalismo, Portugal.

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A discussão em torno da chamada “public

sociology”, desencadeada no mundo acadêmico oci-dental a partir das contribuições de Michael Burawoy(2005, 2007), colocou-se perante a comunidade soci-ológica do Centro de Estudos de Sociologia (CES)como uma teorização interessante – porventura ca-paz de imprimir um sentido mais engajado à socio-logia estadunidense, onde pontificou o paradigmafuncionalista –, mas com pouca novidade para nós.De fato, há cerca de três décadas que a comunidadesociológica de Coimbra vem se dedicando a produ-

SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL:reflexões a partir do trabalho e do sindicalismo

Elísio Estanque*

zir ciências sociais numa perspectiva crítica,transdisciplinar e assumidamente engajada.

Embora não representativa do CES, que en-volve hoje um numero de mais de cem pesquisado-res, setenta dos quais com doutorado, a perspecti-va crítica e a orientação politicamente engajada dosseus membros é parte integrante da identidade e datradição desse centro. Nem todos seguem, natural-mente, o mesmo paradigma teórico-epistemológicoou a mesma orientação politica do seu principallíder, Boaventura de Sousa Santos, mas a tendênciageral da comunidade do CES é pautada pela preo-cupação com a interdisciplinaridade, por um lado,e com a intervenção pública e cívica, por outro, eisso não apenas como cidadãos mas também comocientistas sociais.

Procura-se construir um conhecimento pro-gressista, transformador e emancipatório, destina-do a reforçar o espaço público. E pretende-se usá-lo como auxiliar para ver para além do manto deopacidade que as instituições e o poder hegemônicotendem a lançar sobre a realidade, ou, pelo me-nos, aquela parte da realidade social tendente apôr em causa as leituras dominantes e a incomo-

* Doutor em Sociologia. Professor de Sociologia da Uni-versidade de Coimbra. Faculdade de Economia da Uni-versidade de Coimbra - FEUC. Pesquisador do Centrode Estudos Sociais - CES.Av. Dias da Silva, 165. Cep: 3004-512 Coimbra. Portugal.elisio. [email protected]

Oressurgimento relativo da sociedade portuguesa e os laços de proximidade entre Por-

tugal e o sul global, especialmente com a África ea América Latina, herdados da era colonial, cria-ram um dinamismo raro no nexo entre a sociolo-gia crítica e a sociologia pública, desde os projetosemancipatórios do Forum Social Mundial aos pro-jetos feministas internacionais, passando pelas crí-ticas, ao estilo de Bourdieu, à dominação social e àviolência simbólica.”

M. Burawoy, 2007.

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dar a ordem estabelecida. Visualizar o invisível evalorizar, a partir das margens, as múltiplaspotencialidades emancipatórias que o centro temvindo a apagar ou a excluir. Em outras palavras,recusar limitar-se a justificar o que existe só por-que existe, e estar atento às ausências e às emer-gências (Santos, 2000 e 2002a).

O presente artigo tem como objetivo forne-cer uma amostra dos temas de estudos que temosdesenvolvido, guiados por essa orientação, ou seja,procurando usar a reflexão e a análise sociológicapara, a partir dela (e com base nos resultados dediversos estudos em áreas distintas), intervir naesfera pública, procurando dirigir o nosso conhe-cimento não apenas para as instituições (“policy

making”), não apenas para a comunidade acadê-mica (numa perspectiva “profissional” ou “críti-ca”), mas para os públicos subalternos e plurais,no sentido de disseminar informação e conheci-mento inovador, capaz de instigar a participação ea cidadania ativa. Dando sequência a um dos prin-cípios orientadores do CES, a filosofia subjacenteaos trabalhos realizados nessas áreas – sobretudoa partir do Núcleo de Estudos do Trabalho eSindicalismo (NETSind) – preocupa-se em contri-buir para “democratizar a democracia” ou, poroutras palavras, ajudar a reinventá-la, de uma de-mocracia representativa e de baixa intensidade rumoa uma democracia de alta intensidade, em que asdimensões “representativa” e “participativa” sereforcem mutuamente no aprofundamento da cul-tura democrática (Estanque, 2007; Santos, 1988,1998, 2000, 2005, 2007).

Pode dizer-se que o desenvolvimento do CES– e de várias das suas linhas de pesquisa numaperspectiva engajada e emancipatória – obedeceu auma opção estratégica. Aquela que mais diretamen-te carrega a marca teórica e epistemológica da suaprincipal referência, Boaventura de Sousa Santos,que vem em estreita continuidade com a primaziadas relações de cooperação com os países de línguaoficial portuguesa, especialmente o Brasil e as ex-colônias africanas, que, por essa via, se foi esten-dendo a toda a América Latina. Em especial a pers-pectiva epistemológica de crítica frontal ao

paradigma ocidental da ciência moderna em favorde uma visão cosmopolita, multiculturalista eemancipatória dos movimentos e dos fenômenossociais em geral que, nos últimos anos, afirmou-sena defesa da “ecologia dos saberes” e na opção pela“epistemologia do Sul”, não obstante o seu interes-se filosófico e o seu potencial crítico sejam assun-tos que se apresentam como mais controversosentre os cientistas sociais, inclusive no seio dacomunidade do CES (Santos; Menezes, 2009).

Desse modo, a preocupação neste artigo édivulgar junto à comunidade brasileira dos cien-tistas sociais algumas das leituras e diagnósticosque temos proposto sobre as tendências de mu-dança no período recente, no campo das relaçõesde trabalho e do sindicalismo. Tais temáticas são,no entanto, perspectivadas no seu sentido maisabrangente, ou seja, como instâncias de eleição emtorno das quais qualquer estratégia de moderni-zação, tal como o próprio sistema democrático,tanto se podem consolidar como entrar em colap-so. Para além disso, importa referir que – nessecampo como em muitos outros que integram aslinhas de pesquisa do CES1 – as notas de refle-xão que se seguem são fruto não apenas de resul-tados de pesquisas diversas, mas, ao mesmo tem-po, exprimem o diálogo que temos aprofundadocom os atores sociais diretamente intervenientesnesse domínio, quer no âmbito institucional, osque são hoje reconhecidos como “parceiros” dediálogo e concertação social (Estado, sindicatos eempresários), quer os representantes e ativistasque lideram o movimento sindical mais combativo,quer ainda outros líderes associativos do campoestudantil e do trabalho.

A reflexão sobre a questão laboral e social,de uma maneira geral, não poderia, evidentemen-

1 Ver o site do CES em: www.ces.uc.pt. No nosso casoparticular, vale a pena referir que, para além desses te-mas, também a análise das classes e desigualdades soci-ais (Estanque e Mendes, 1997), do trabalho e do colectivooperário, em articulação com as identidades comunitári-as, analisado a partir da observação participante numaempresa de calçados (Estanque, 2000), e os movimen-tos sociais e estudantis (Estanque e Bebiano, 2007) têmcondensado as principais preocupações analíticas einterventivas.(ver: www.ces.uc.pt/investigadores/cv/elisio_estanque.php)

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te, deixar de ser observada sem se levar em contaalguns dos traços específicos da sociedade portu-guesa, mostrando as suas vulnerabilidades parti-culares, que remetem para a história recente dopaís e para as dificuldades que vem enfrentandona aproximação aos padrões europeus.

DA CRISE E PARA ALÉM DELA: dilemas edificuldades estruturais

Numa época de crise internacional que atingetodos os cantos do mundo, é fundamental que nosquestionemos sobre os seus impactos, em especi-al no setor do trabalho, que se assumiu como ainfraestrutura fundamental do sistema social epolítico das sociedades industriais modernas.Começarei por chamar a atenção para dois pontosprévios: em primeiro lugar, existe um conjunto deaspectos relacionados às transformações ocorridasnas últimas décadas, em especial no que tange àsgrandes mutações socioeconômicas e sua incidên-cia nas relações de trabalho e nos processos pro-dutivos, que devem ser previamente equacionadosa fim de se compreender como os impactos da atu-al crise se fazem sentir de modo muito distinto emdiferentes contextos e sociedades particulares; emsegundo lugar, é necessário relativizar a tendênciapara se pensar e discutir todos os assuntos emtorno da “crise”, como se o mundo tivesse come-çado em 2008. Tal atitude pode provocar distorçõesde índole diversa, inclusive perder de vista a com-plexidade dos fatores estruturais inerentes à socie-dade portuguesa, e que definem não só os contor-nos que a crise assume entre nós, mas também ospossíveis caminhos para sair dela e enfrentar umcenário pós-crise. Qualquer diagnóstico que se façaacerca da questão do trabalho – seja ele com respei-to ao caso português, brasileiro ou outro –, na difí-cil conjuntura internacional que hoje vivemos, nãopode circunscrever-se à realidade presente (na ver-dade, apenas o passado se deixa conhecer), deven-do antes colocá-la em perspectiva no quadro de umprocesso histórico mais amplo e de um quadro es-trutural mais vasto e profundo.

A noção de “crise” encerra em si mesmauma enorme variedade de significados e, no casovertente – em que se pensa, sobretudo nas ten-dências negativas na esfera financeira, econômicae no emprego –, ela recobre todo um leque de rea-lidades bem diferentes, muitas das quais já anti-gas. Por outro lado, a própria crise econômica foisuscitada por um conjunto complexo de fatoressociais, uns mais estruturais outros mais contin-gentes. Diversas instâncias políticas e interesseseconômicos desencadearam, desde há cerca de trin-ta anos, um programa de iniciativas que significouuma aposta sem precedentes no comércio livre, naespeculação nas bolsas de valores, nas offshores ena economia financeira, fatores que serviriam debarômetro para o crescimento econômico. Os mer-cados assegurariam um crescimento ilimitado e,portanto, quanto menos regulação e intervençãoestatal, tanto melhor. A “bondade” do mercado glo-bal parecia garantir o sucesso.

Embora sejam esses alguns dos lemas queconduziram à erupção da atual crise, certos mentoresteóricos importantes, como Alan Greenspan, fize-ram mea culpa e assumiram o “erro”. Com efeito,foram os Estados e as economias mais ricas domundo, fortemente apoiadas pelos mercados in-ternacionais e pelas novas tecnologias da informa-ção e comunicação, que impuseram, como regra, aabertura total das fronteiras ao comércio mundial,a competitividade deixada ao sabor do mercadoetc., envolvendo tudo isso na conhecida retóricaneoliberal, que prometia um mundo de oportuni-dades para os mais competentes e uma “nova eco-nomia” capaz de assegurar o bem-estar, senão detodos, pelo menos daqueles – países, economias eindivíduos – que decidissem guiar-se pela apostanas qualificações, na inovação e na competição. Osresultados desastrosos estão hoje à vista de todos.

GLOBALIZAÇÃO E TRANSFORMAÇÕES NOTRABALHO

Do mesmo modo que a crise, também a“globalização” tem suscitado muita controvérsia

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justamente devido à sua polissemia. Muito embo-ra se tenha percebido que, afinal, o comércio glo-bal é já uma velha história, da qual existem marcasindeléveis há mais de cinco séculos, a reviravoltaocorrida há cerca de três décadas suscitou umafantástica multiplicação das transações e fluxos depessoas, bens e serviços de todos os tipos, dandolugar a profundas transformações tanto no planoprático como no plano teórico e conceptual. Coma massificação da indústria turística e a democrati-zação dos transportes aéreos, o mundo ficou menore passou a ser olhado sob novas perspectivas. Asvelhas noções de modernidade, desenvolvimento eprogresso deram lugar à ideia de pós-modernidade,de imprevisibilidade e de incerteza quanto ao senti-do da história e da mudança social. A intensifica-ção das trocas comerciais na escala transnacional,com a ajuda da revolução informática, tecnológica ecomunicacional, aceleraram e multiplicaram osprocessos de mercantilização da vida e das socie-dades, ao mesmo tempo em que os Estados e aseconomias nacionais perderam parte da sua antigasoberania, autonomia e capacidade reguladora.

Porém, ao contrário da retórica liberal etecnocrática de muitos teóricos e experts, o novoliberalismo que avassalou o mundo desde os anos1980, não só não atenuou os problemas humanose os riscos sociais como os agravou drasticamente.É verdade que as oportunidades de negócio e asvantagens lucrativas se mostraram fantásticas parauma ínfima minoria – sobretudo dos que já eramricos e poderosos –, mas, em contrapartida, a largamaioria das populações e das classes trabalhado-ras, incluindo amplos setores da classe média, vêmse debatendo com o agravamento das suas condi-ções de vida e de trabalho. Hoje, muitos consta-tam a intensificação das desigualdades e injusti-ças sociais, e mesmo aqueles que mais ativamenteglorificaram o mercado livre e as infinitaspotencialidades da economia financeira voltam-seagora para o Estado pedindo auxílio.

O campo do trabalho é, sem dúvida, aqueleem que os impactos desestruturadores daglobalização têm se mostrado mais problemáticos.As consequências disso tornaram-se devastadoras

para milhões de trabalhadores de diversos conti-nentes. E o caso particular da Europa é aquele emque as alterações em curso representam um fla-grante retrocesso em face das conquistas alcançadasdesde o século XIX, com a decisiva contribuiçãodo movimento operário e do sindicalismo. Porquea Europa é justamente a região “referência” e o ber-ço da civilização Ocidental, é necessário pensarem toda a sua tradição humanista e emancipatória,na qual encontraremos a gênese das principais dou-trinas progressistas, revoluções e movimentos so-ciais. O projeto da modernidade e a democraciapolítica assentaram promessas de grande potenci-al utópico rumo a uma sociedade mais justa e igua-litária. Porém, os velhos lemas do iluminismo –Liberdade, Igualdade e Fraternidade – foram, nasúltimas décadas, secundarizados, se não mesmodesprezados ostensivamente, no discursoinstitucional de governantes e dirigentes (inclusi-ve de correntes como a social-democracia, cujahistória e referências éticas e doutrinárias se ins-crevem em projetos e ideologias desse teor). Osefeitos da globalização induziram novas formas detrabalho cada vez mais desreguladas, num quadrosocial marcado pela flexibilidade, subcontratação,desemprego, individualização e precariedade dotrabalho. Assistiu-se a uma progressiva reduçãode direitos trabalhistas e sociais, e ao aumento dainsegurança e do risco, num processo que se reve-lou devastador para a classe trabalhadora e osindicalismo os finais do século XX (Castells,1999; Beck, 2000; Estanque, 2007). 

A realidade do mundo do trabalho, nos últi-mos tempos, atualizou visões críticas do capitalismoaté há pouco julgadas ultrapassadas. Karl Marx e asua obra maior, O Capital, voltou a suscitar as aten-ções do mundo, quer por parte de acadêmicos, querpor parte da opinião pública em geral. Mas, se opensamento marxista parece ganhar nova atualida-de, não é porque se pretenda recuperar a ortodoxialeninista ou reincidir em modelos comprovadamentefalidos, como o soviético. É sim porque o mercadodesregulado, a intensificação da exploração – sobvelhas ou novas formas – e todo o conjunto de pro-blemas socioeconômicos que a atual crise

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aprofundou (em muitos casos pondo a nu o que jálá estava, mas ainda imperceptível) comprovarama falência do paradigma neoliberal e requerem, porisso, que se repensem os modelos de mercado queguiaram a economia mundial nos últimos tempos.

Em especial no campo do emprego, temosassistido a um efeito de pêndulo, em que cada vezmenos trabalhadores se encontram numa situaçãode emprego seguro, estável e com direitos, enquan-to existem cada vez mais pessoas desempregadasque se debatem com o iminente risco de pobreza eexclusão. Como os vagabundos do século XVIIIeuropeu ou os chamados malteses alentejanos demeados do século XX, essa gente vê negados osdireitos mais elementares. São atirados ao mundoem uma busca desesperada de subsistência e obri-gados a aceitar quaisquer condições de trabalho ea se entregarem à vontade gananciosa de patrõessem escrúpulos. Excluídos, de fato, do estatuto decidadania, são por vezes eles próprios que se ne-gam a si mesmos o direito de procurar um traba-lho digno, aceitando ser tratados como sub-huma-nos ou como os novos escravos da economia glo-bal do século XXI.

Os processos recentes de fragmentação eprecarização das relações e formas de trabalho atin-giram o conjunto das classes trabalhadoras e pulve-rizaram as próprias estruturas contratuais eorganizacionais do sistema produtivo. Perante o tri-unfo do neoliberalismo econômico e o acentuar denovas formas de opressão e exploração, alguns dosvelhos conceitos e dicotomias de Marx – tais comoas divisões entre capital fixo e capital circulante;trabalho vivo e trabalho morto; trabalho material etrabalho imaterial; atividades produtivas e impro-dutivas – são hoje reconceitualizados à luz da novadinâmica do capitalismo global. As atuais tendên-cias permitem mostrar como aquelas divisões fo-ram reconvertidas e se imbricam hoje dialeticamenteumas nas outras, contribuindo, assim, para inten-sificar e expandir novas formas de “estranhamento”e “alienação” das classes trabalhadoras e dos no-vos segmentos precarizados. Porém o trabalho, emvez de desaparecer e se diluir para dar lugar aolazer e ao consumo, ganha nova centralidade, ao

mesmo tempo que se combina sob diferentes lógi-cas e formas mais instáveis (metamorfoseia-se) e,em muitos casos, mais penosas para quem tem deviver de qualquer trabalho. Tornou-se clara a ver-satilidade, a instabilidade e a multiplicidade deformas e de sentidos que envolvem o trabalho eseus mundos no início do século XXI. Muito em-bora se tenha esbatido como potência criadora eespaço de consolidação de “subjetividades de clas-se” dirigidas para a ação transformadora, o traba-lho, material e imaterial permanece como o módulocentral no processo de acumulação capitalista(Antunes, 2006).

O flagelo do desemprego, associado a um“individualismo negativo” (Castel, 1998), que seassemelha a fenômenos que ocorreram na Europado século XVIII, resultante dessa precariedade –geradora das mais diversas formas de dependên-cia, insegurança, resignação e medo – permite todoo tipo de prepotências e abusos. No atual panora-ma, já não são os direitos trabalhistas aquilo quese pretende defender, mas, do ponto de vista demilhões de assalariados, tão só o emprego a todo ocusto, pois “o pior dos empregos é sempre prefe-rível ao desemprego” – o que traduz bem a debili-dade em que se encontra hoje o trabalhador. Des-mantelou-se o velho compromisso entre capital etrabalho, e a concertação social – a negociação“tripartite” –, essa velha conquista do fordismo edo Estado de Bem-Estar europeu, tornou-se umamera figura de retórica em que já nem as forçaspolíticas herdeiras da social-democracia parecemacreditar, sobretudo quando alcançam o poder.

A SOCIEDADE PORTUGUESA NO CONTEXTOEUROPEU

A esse respeito convém apresentar algunstraços particulares da sociedade portuguesa. Por-tugal é, como todos reconhecemos, um país peri-férico da Europa, cujas dificuldades se devem aum tardio e incipiente desenvolvimento industri-al, bem como a um processo de democratizaçãoigualmente recente e repleto de contradições. Com

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a instauração da democracia em 1974, consolida-ram-se as classes trabalhadoras vinculadas àindustria, além dos setores da nova classe médiaassalariada (setor administrativo, saúde, educação,poder local e funcionalismo público em geral) querapidamente se expandiram – apesar de, no seuconjunto, a classe média portuguesa ter permane-cido débil – sob o impulso de um Estado de Bem-Estar Social em rápido crescimento, apesar de elepróprio ser fraco. Aliás, convém lembrar que Por-tugal começou a construir o seu Estado social numaaltura em que já estavam a emergir os sinais decrise desse modelo na Europa, ou seja, tentou-sealcançar o comboio quando ele já chegava ao fimda viagem.

Daí que as transformações sociais desenca-deadas com o 25 de Abril de 1974 – e, de certomodo, consignado na constituição “socialista” de1976 –, sendo, sem dúvida, profundas em muitosaspectos, nunca deixaram de evidenciar os con-trastes que persistiam e persistem na sociedadeportuguesa. A modernização das infraestruturas,em especial após a adesão à União Europeia, em1986, trouxe progressos inquestionáveis, mas, noplano social, as dificuldades, injustiças e bloque-ios persistiram. Muito embora os trabalhadores eas classes subalternas em geral tenham melhoradosubstancialmente as suas condições de vida, emcomparação com a miséria em que viviam há 30ou 40 anos, o certo é que as elites – em especial asnovas elites privilegiadas, ligadas à indústria e aocomércio – ascenderam muito rapidamente, dis-tanciando-se dos níveis de vida da classe média edos trabalhadores manuais. A “classe média” cres-ceu até finais do século, em boa medida à sombrado crescimento do Estado, como se disse, mas, aomesmo tempo, permaneceu instável e internamentemuito diferenciada.

Pode até dizer-se que a classe média portu-guesa foi mais importante pelo seu papel comoreferência simbólica no imaginário coletivo do quepor ser um segmento social consistente e dotadode índices elevados de bem-estar. Foi, sobretudo,o resultado de uma rápida concentração urbana eda facilitação do crédito, aspectos decisivos para

que esses setores recém-urbanizados começassema estruturar padrões de vida subjetivamenteprojetados numa imaginária “classe média”, ou,em outras palavras, numa categoria supostamente“distintiva” e “superior”, por comparação com osgrupos de referência originários, isto é, os que re-metiam para um mundo rural e pobre, que se pre-tendia ver ultrapassado. Assim, como alguns es-tudos mostraram (Estanque, 2003; Cabral, 2003),uma parte significativa da própria classe trabalha-dora manual, incluindo alguns dos seus segmen-tos mais precarizados, percebia-se como perten-cendo à “classe média”.

Ora, se o consumismo desenfreado e as ex-pectativas de mobilidade ascendente puderam ali-mentar tais ilusões durante algum tempo, com aentrada no novo milênio e, sobretudo, perante oreforço da competitividade global, a contenção decustos e as pressões para a flexibilização eprivatização (mesmo nos setores onde o empregose mantinha relativamente seguro) deram início auma profunda mudança na esfera do emprego,evidenciando, assim, uma vez mais, o caráter per-sistente e estrutural das nossas debilidades. Pro-blemas supostamente resolvidos há décadas res-surgiram, tais como a pobreza, a falta de qualifica-ção de trabalhadores e empresários, as elevadastaxas de evasão escolar, o crescimento brutal dasdesigualdades sociais, o aumento do desempregoe da pobreza, as desigualdades de gênero e umarápida precarização do trabalho, que atingiu emespecial os setores mais jovens (incluindo os maisescolarizados).

Temos, portanto, sobre os nossos ombros,um passado recente marcado por inúmeros con-trastes, e é neles que porventura repousam as cau-sas mais decisivas do nosso atraso estrutural. Acultura tradicional do país e a escassa qualificaçãodos agentes econômicos (empresários e trabalha-dores) espelham ainda os atributos de uma socie-dade subdesenvolvida, amarrada às mentalidadesatávicas e paroquiais, aqui e ali deixando aindatransparecer alguns resquícios de feudalismo e desalazarismo. Prevalecem os modelos de gestão denatureza despótica, lado a lado com dependênci-

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as e tutelas de todos os tipos, que se adaptam demodo perverso à vida moderna, corroendo o fun-cionamento das empresas e instituições e travan-do as potencialidades de modernização econômi-ca e de aprofundamento democrático.

Mantêm-se ou intensificam-se os velhosdualismos, tais como a divisão entre o interior e olitoral ou entre o rural e o urbano, muito emboratais divisões conservem fortes imbricações recípro-cas. Essas antigas contradições continuam a per-sistir, embora se adaptem aos tempos atuais. Ossetores protegidos do emprego tornam-se cada vezmais raros, enquanto o emprego precário subiuacima dos 20% (22% em 2007 para os trabalhado-res com menos de 35 anos) e, nas camadas maisjovens, atinge cerca do dobro desse percentual, oque, por sua vez, exprime a contradição geracionalentre uma juventude mais qualificada, mas tam-bém mais precária, e as condições de trabalho dosseus pais ou avós. O discurso da privatização foi,durante décadas, elevado ao estatuto de único le-gítimo, pois apoiado na competitividade, e, ao abri-go desse discurso – erigido em pensamento únicopor parte do poder –, desencadearam-se diversasreformas nos serviços públicos em diversas áreas,tais como a saúde, o funcionalismo público, a edu-cação e outras, justificando-se tais mudanças combase num suposto privilégio dos trabalhadores efuncionários da administração pública, por con-traste com os do setor privado, servindo esse ar-gumento para uma clara estratégia de nivelamentopor baixo.

Porém, quer a capacidade de realizar as re-formas, quer as possibilidades de lhes resistir, bemcomo a razoabilidade com que as mesmas são con-cebidas e levadas à cabo são parte de processos maiscomplexos que só poderemos interpretar se foremsituados no devido contexto e na própria historia.E é justamente a essa luz que as propostas legislativasde alteração do sistema de relações laborais, paraterem sucesso, deveriam começar por diagnosticara realidade que temos, não com base em juízosideológicos, mas tendo presente o contexto ondenos inserimos e o património sociocultural queherdamos do passado. Sem considerarmos a his-

tória e o significado das lutas sociais dos trabalha-dores europeus ao longo dos últimos cento ecinquenta ou duzentos anos, jamais compreende-remos a diferença entre o modelo social europeu eo mercantilismo individualista dos países anglo-saxônicos. Se houve efetivamente progressos fun-damentais na Europa ao longo de todo esse tem-po, eles se devem essencialmente à capacidade deorganização e de luta coletiva da classe trabalhado-ra e do movimento operário nos países industria-lizados. Esse é, de resto, um patrimônio que é rei-vindicado por toda a esquerda, desde a social-de-mocracia até o movimento comunista.

Se hoje temos mecanismos de regulação dosconflitos e uma ordem jurídica que privilegia odiálogo e a concertação entre os diferentes parcei-ros e classes sociais, isso se deve aos grandes sa-crifícios e às lutas do movimento operário. Nessesentido, o direito do trabalho foi (e é) um instru-mento decisivo a serviço dos trabalhadores, desti-nado a reequilibrar as relações sociais entre capitale trabalho, que são, como se sabe, estruturalmenteassimétricas. No entanto, apesar dos avanços al-cançados, em muitos países persistiram, ao longodos tempos, inúmeras formas de trabalho fora dequalquer proteção jurídica, e a erosão dos direitossociais e econômicos dos trabalhadores suplantoulargamente a força da lei. Como sabemos, isso ain-da ocorre em diversas regiões do globo.

Sendo expressão das relações políticas numasociedade, a ordem jurídica funcionou, ao longoda história, como meio de legitimação de relaçõesde poder fortemente desequilibradas, impondo-segeralmente sobre uma força de trabalho submissae destituída dos direitos mais elementares, semum salário digno ou proteção social e sem acessoaos direitos humanos mais elementares. No en-tanto, a transformação histórica obteve importan-tes resultados de sentido emancipatório, em parti-cular nos países mais avançados. O direito do tra-balho triunfou nos países europeus e é uma ban-deira fundamental para trabalhadores dos maisdiversos continentes, justamente porque representauma poderosa arma a serviço das classes subalter-nas, defendida, desde sempre, pelo movimento

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sindical internacional e veiculada por organizaçõesinternacionais como a OIT, que tem prestado uminestimável papel na defesa dos direitos humanosno trabalho, em todos os continentes. É precisa-mente à luz desse patrimônio histórico, de que aEuropa é um palco privilegiado, que as mudançasimpostas pelos poderes dominantes nessa matéria– no sentido de uma flexibilidade ditada pela con-corrência desregrada, pelos requisitos do mercadoglobal e pelas exigências do grande capital – cor-rem o risco de representar uma regressão inaceitá-vel para os trabalhadores europeus.

Portugal, com todas as suas especificidades,insere-se justamente nesse quadro. E é por issoque as alterações que o novo Código do Trabalho2

vem introduzir são, em variadas matérias (ou me-lhor, nos seus aspectos mais decisivos), motivode grande apreensão para aqueles que assumem adefesa da classe trabalhadora contra a exploraçãocapitalista (cerca de cento e quarenta anos após a1ª edição do livro 1 de O Capital) e contra outrasformas de opressão e de injustiça social. Acresceque as condições de subdesenvolvimento já refe-ridas colocam a sociedade portuguesa – e a suaforça de trabalho assalariada – numa situação deespecial vulnerabilidade, visto que estamos longede garantir plenamente os direitos de cidadania.Como muitos de nós temos apontado repetidamen-te, existem medos incrustados nas instituições, queimpedem o fortalecimento da esfera pública e ten-dem a inibir qualquer ação reivindicativa no campoprofissional, onde imperam os constrangimentos ea mentalidade autoritária de empresários e chefias.A presença de culturas autocráticas, de tutelas ecompadrios dos mais diversos tipos, onde deveri-am prevalecer a transparência, as estratégias de ges-tão e lideranças democráticas, são ingredientes que

corroem as nossas instituições, desestimulando otrabalhador dedicado. Em vez do mérito e da inici-ativa individual, prevalecem as posturas e atitu-des de bajulação e resignação perante a autorida-de; em vez do ambiente de exigência e de estímuloà criatividade e à co-responsabilização (individuale coletiva), cultiva-se o “seguidismo” e a mediocri-dade; em vez de cidadãos livres e autônomos, pro-move-se o oportunismo e a delação. Tudo isso é ocontrário de uma sociedade democrática avança-da. Tudo isso se opõe aos valores do socialismodemocrático. E a tudo isso é possível fazer frente.A questão está em saber se os governos e a classedirigente pretendem inverter esse rumo ou contri-buir para que ele se torne irreversível e nos em-purre de novo para o abismo.

Ora, perante esse panorama – e como diver-sos estudos internacionais têm mostrado –, a ques-tão da estabilidade e da segurança no emprego cons-titui o principal motivo de preocupação dos traba-lhadores. Encontrar um primeiro emprego é a pri-meira das prioridades dos estudantes do ensinosuperior (Estanque; Bebiano, 2007).

Hoje, se é “jovem” até muito além dos 30,porque muito ficam dependentes da família atémuito tarde, mas se é por vezes considerado “ve-lho” quando, trabalhadores desempregados, comquarenta e poucos anos, são preteridos devido àidade. A perda do emprego é a principal ansieda-de frente à qual muitas outras exigências, mesmosas mais evidentes, podem ser sacrificadas. Exis-tem empresas, nos EUA e na Europa, que estabele-cem um salário máximo, pedindo aos candidatosa um posto de trabalho que indiquem quanto “pre-tendem” ganhar, até esse nível máximo (por exem-plo, oito euros por hora), o que induz a um cons-tante rebaixamento salarial indicado pelos preten-dentes ao emprego (os que indicam quatro eurosou menos serão naturalmente os preferidos). É alógica da autonegação da dignidade, produzida peloespectro do desemprego e da miséria. O clima deangústia que o atual cenário de crise tem acentua-do só contribui para que tais sintomas “patológi-cos” se tornem ainda mais dramáticos do que atéagora temos conhecido.

2 Designação atribuída ao pacote legislativo na área traba-lhista, que teve uma primeira versão em 2003, no gover-no do PSD, dirigido por Durão Barroso, e que mais re-centemente foi reformulado e aprovado pela Assembleiada República, em 2008. A nova orientação, defendidapelo PS de José Sócrates, teve, porém, uma forte oposi-ção, sobretudo por parte dos partidos à sua esquerda (oPartido Comunista e o Bloco de Esquerda) e também porparte do campo sindical (em especial a central sindicalmais representativa e combativa, a CGTP), que mobili-zou, em 2008, várias manifestações de rua em Lisboa,algumas delas com mais de duzentos mil participantes.

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Porém, quando o trabalhador (ou o cida-dão) é sistematicamente reprimido e impedido demanifestar a sua vontade ou de exigir o cumpri-mento de direitos, o que acontece é o aumento dodescontentamento e da contrariedade no trabalhoe na sociedade. Daí resulta, então, uma de duasposições: ou se acentua a resignação e o medo, ouaumenta a crispação e o sentimento de revolta. Esseambiente – agravado com as múltiplas formas derecomposição, desmembramento, flexibilidade,deslocalização e fechamento de empresas,precarização do trabalho, fragmentação dos pro-cessos produtivos etc. – tem conduzido a classetrabalhadora a uma cultura de impotência e deconformismo. Uma “classe” cada vez mais hetero-gênea e frágil, que se depara com tremendas difi-culdades em agir coletivamente. Há muito que asidentidades de classe perderam fulgor em favor deoutras identidades rivais e de outras formas deação coletiva (e de inação), num processo que seacentuou enormemente com o colapso do regimesoviético e, no caso português, após a saturaçãoda linguagem marxista e “de classe” de que se usoue abusou no período da Revolução dos Cravos(1974). Perante o refluxo da ação coletiva e do dis-curso ideológico, os sindicatos perderam força ecapacidade de organização e de mobilização, nome-adamente junto dos segmentos mais fragilizados emais jovens da força de trabalho. Para além de umcontexto social e político pouco favorável à partici-pação coletiva e associativa – e sem esquecer as pró-prias dificuldades de renovação do sindicalismo(Estanque, 2008) –, o reforço do poder patronal e aretirada de condições favoráveis à ação sindical vêmagravar ainda mais essas tendências.

SINDICALISMO E AÇÃO COLETIVA, ANTES EAPÓS A CRISE

Nessa discussão, torna-se incontornávelequacionar a questão sindical. Se nos despirmosde juízos de valor e, sobretudo, se formos capazesde evitar a tendência de classificar os sindicatosentres os “bons” e os “maus” (uns com quem, su-

postamente, se pode dialogar e os outros, ditos con-servadores ou “ao serviço de...”), seremos levadosa perceber o papel social e transformador dosindicalismo (e tanto a contestação como a negocia-ção são vias igualmente válidas no plano social) etalvez então se possa aceitar que o sindicalismocombativo e de movimento é aquele que maior con-tribuição deu e pode dar ao progresso social.

É sobretudo em períodos de crise e de difi-culdades para as classes trabalhadoras que ocor-rem as grandes reviravoltas históricas, normalmenteacompanhadas de novos movimentos e da emer-gência de novas lideranças. Na Inglaterra do sécu-lo XIX e noutros contextos históricos mais recen-tes – de que pode ser exemplo o 25 de abril de1974 –, a mobilização popular não se deveu ape-nas a motivações políticas e econômicas (nem acausas racionais, da ordem da “consciência” oudos “interesses”), mas também, talvez, sobretudo,a fatores culturais e identitários. A identidade pre-cede os interesses. Mas estes, quando fundadosem fortes carências e necessidades básicas por sa-tisfazer, podem produzir rebeliões radicais e demassas, ainda que não sejam orientadas por ne-nhuma motivação política explícita (ou inspiradasnuma ideologia identificável).

A classe trabalhadora deixou há muito de serhomogênea (porventura nunca chegou a sê-lo, a nãoser em contextos muito particulares), mas a difusãoda precarização e do trabalho sem estatuto e sem dig-nidade pode conduzir a novas homogeneizações, que,embora de base trans-classista, sejam capazes dese unificar na defesa de uma identidade agredida eofendida nos locais de trabalho, mas também nacomunidade de residência ou na relação com osserviços públicos. Mesmo a participação, a solida-riedade e a partilha coletiva da indignação podemrecuperar um certo sentido de recompensa simbó-lica, estimulando o desejo de reconstrução comu-nitária, quer se esteja voltado para um passadonostálgico e em nome das “raízes” (por exemplo, onacionalismo ou o bairrismo), quer se projete numfuturo promissor e “emancipatório” como, porexemplo, o socialismo (Tilly, 1978; Morris, 1996;Estanque, 2000).

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Tomados por muitos como fatores de blo-queio ao crescimento econômico e ao desenvolvi-mento, os sindicatos queixam-se, com razão, deque, em diversas regiões do mundo, as formas detrabalho parecem ter regressado aos tempos “satâ-nicos” de Marx. Mas, apesar da mítica classe ope-rária estar em desagregação, não surge no horizon-te nenhuma outra identidade capaz de congregar aunidade dos assalariados. As atuais pressões domercado e da economia global deixam aos sindica-tos uma margem de manobra cada vez mais estrei-ta, mas, por outro lado, o esforço de atualizaçãopor parte das estruturas sindicais tem sido dimi-nuto e insuficiente para responder aos problemasda atualidade. Sobra, então, espaço para novosatores e movimentos.

Nas últimas décadas, enquanto a economiae os mercados deixaram de estar confinados às fron-teiras nacionais, o movimento sindical revelouenormes dificuldades em agir para além do âmbitonacional (e, muitas vezes, do próprio âmbitosetorial). A globalização revelou-se contraditória egerou múltiplos efeitos paradoxais, nomeadamen-te ondas sucessivas de protestos juvenis e movi-mentos sociais que se reclamaram de “alter-globalização”. Desde a cúpula da OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC) em Seattle, em 1999,passando pelos encontros do Fórum Social Mun-dial, em Porto Alegre e outras cidades, esse ativismo– largamente apoiado pelas redes virtuais dociberespaço – revelou novas e inovadoras formasde denúncia e de intervenção pública, que até ago-ra têm marcado as formas de ativismo global doséculo XXI. As mais recentes ondas de contestaçãodos jovens (França, Grécia, Catalunha), invocam,por vezes, o Maio de 68, até porque as condiçõessociais são igualmente ativadas por condições se-melhantes, em que os grupos e as comunidades dejovens se afirmam, mobilizando-se contra umopositor, ou um “inimigo” identificado. Mas sãofenômenos muito distintos. Enquanto, naquela épo-ca, era a consciência política e as autoproclamadas“vanguardas” que assumiam a liderança da luta,agora a ação coletiva perdeu parte do seu conteú-do político. Dito de outro modo, continua em vi-

gor o princípio da “válvula de escape”, mas osseus efeitos são politicamente incertos. As ondasde protesto e o discurso de indignação que as acom-panha, exacerbados por um poder (institucional,empresarial ou governamental) de viés autoritário,podem ganhar um efeito mimético de proporçõesimprevisíveis, se para tal as condições sociais setornarem propícias.

O atual contexto de crise, ao mesmo tempoem que ameaça desfazer um conjunto de laços soci-ais que até aqui garantiam a coesão mínima da soci-edade, pode – precisamente porque o sistema soci-al tem horror ao vazio – galvanizar de novo as mul-tidões que se sentem ressentidas e desprotegidas. Eo fato de o sindicalismo apenas timidamente seenvolver nesse tipo de iniciativas, até agora, nãogarante que elas continuem a ter uma expressãomodesta. Até porque, se o presente é fortementemarcado pela contingência, tanto pode acontecerque expressões de grupos minoritários (sejam elesos MayDay, os FERVE ou outros3) possam repenti-namente se alastrar, como a própria intensificaçãoda pressão pode levar a que o sindicalismo radicalizeo seu discurso e consiga mobilizar a massa de pre-cários e desempregados que tem vindo a engrossare ameaça expandir-se ao longo de 2009.

Diversos autores e acadêmicos têm formu-lado a necessidade de se criarem novas alianças e

3 MayDay: um movimento autônomo ativado por gruposde trabalhadores precários em vários países europeus, cominfluência da extrema-esquerda, que há cerca de três anosse estendeu a Portugal e começou a organizar manifesta-ções no dia 1 de maio. Já o FERVE – Fartos d’ Estes Reci-bos Verdes – é uma organização ou movimento que sur-giu de forma espontânea a partir de um grupo de jovenstrabalhadores, com contratos precários, cujo estatuto deprestações e registo fiscal é feito com base nos “RecibosVerdes”, ou seja, um livro de recibos fornecido pela repar-tição de finanças para trabalhadores autônomos ou pro-fissionais liberais (como advogados, técnicos de contas,canalizadores etc). O regime de recibo verde foi concebidopara trabalhos pontuais, mas em Portugal, como até re-centemente, a legislação trabalhista era considerada mui-to rígida (na proteção ao trabalhador e, sobretudo, na pre-venção da demissão ilegal) e começou a generalizar-se nasempresas o recurso a esse tipo de prestação, desde os anos90, como forma de contornar o direito do trabalho e faci-litar as demissões. Daí surgiram os chamados “falsos reci-bos verdes”, isto é, situações em que o mesmo trabalha-dor permanecia com esse estatuto precário (e poupandoos encargos às empresas) durante anos, contribuindo paraaumentar, juntamente com os contratos a prazo, o volu-me de assalariados nessa situação (que se situa hoje entre18 a 20% da força de trabalho, mas bem acima disso nascamadas mais jovens).

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dinâmicas internacionalistas, como condição pararevitalizar o sindicalismo perante o agravamentodas desigualdades e injustiças sociais em todos oscontinentes, alegando que a mobilidade global –de capitais e de empresas funcionando em rede –exige respostas sindicais também em rede e igual-mente articuladas na escala transnacional(Waterman, 2002; Estanque, 2007). Ao contráriode outros países e regiões, como o Brasil e a Amé-rica Latina, onde a cooperação entre as universi-dades, os acadêmicos e os centros de pesquisa, deum lado, e os movimentos sociais e sindicais, deoutro, são uma constante, em Portugal essa tradi-ção praticamente não existe.

As novas redes e estruturas transnacionaisde organização política são cada vez mais necessári-as. Não apenas na União Europeia, onde as famíli-as políticas possuem ainda pouca eficácia e os pró-prias estruturas sindicais são incipientes. Para en-frentar os atuais desafios (que a crise apenas veioacelerar), o sindicalismo de hoje terá de se reinventarou se reestruturar profundamente. Um sindicalismode movimento social global, orientado para a in-tervenção cidadã, terá de se estender para além daesfera laboral; terá de passar das solidariedadesnacionais para as transnacionais, de dentro parafora, dos países avançados para os países pobres.Precisamos de um sindicalismo que não abdiqueda defesa dos valores democráticos, mas em queeles se alarguem à democracia participativa (nasempresas, escolas, cidades, comunidades etc.); quecoloque as questões ambientais e a defesa dos con-sumidores, dos saberes e tradições culturais lo-cais no centro das suas lutas e negociações; queresista ao capitalismo destrutivo através de ummaior controle sobre o processo produtivo, os in-vestimentos, a inovação tecnológica e as políticasde formação e qualificação profissional; que penseos problemas laborais no quadro mais vasto dasociedade, da cultura ao consumo, do trabalho aolazer, da empresa à família, do local ao global (Es-tanque, 2004; Hyman, 2002).

Mas tudo isso pressupõe uma estratégiaambiciosa que rompa com a prática de acomoda-ção ao funcionamento burocrático em que boa par-

te do sindicalismo de hoje se deixou enredar. Exi-ge uma reflexão séria e uma atitude autocrítica eporventura mais humilde da parte das atuais lide-ranças sindicais, associativas e institucionais, emtodos os domínios da nossa vida social.

Por exemplo, a extraordinária capacidade dainternet e do ciberespaço constitui um enormepotencial ainda subaproveitado. A facilidade paraaceder à informação, para acumular e divulgar co-nhecimento em frações de segundo poderia ser umapoderosa arma a serviço do movimento sindical eda democracia em geral (Ribeiro, 2000; Waterman,2002). O problema não reside, portanto, natecnologia ou na sua ausência. O problema é que osatributos socioculturais que enunciei anteriormen-te se refletem e se reproduzem nos mais diversosmeios e instâncias organizacionais, inibindo, assim,uma maior transparência na gestão das instituiçõese travando, sem sabermos até onde, o processo deconsolidação e aprofundamento democrático.

CONCLUSÃO

Concluindo, a crise que nos surpreendeuno final de 2008 tem causas bem mais profundas elongínquas do que pode parecer. E o modo comosetores decisivos, como o do emprego, são ou nãocapazes de responder às dificuldades e problemasdo presente deriva, em boa medida, da capacidadeque tenha de reconverter algumas das velhas pechasdo nosso sistema produtivo em potencialidades demudança. Mudança para um outro paradigma. Eisso depende muito dos agentes econômicos emposições de liderança e da capacidade do própriopoder político de aceitar o surgimento de novosprotagonistas e de novas posturas com sentido éti-co, animados pela defesa da causa pública, embusca do bem-estar geral e da construção de vín-culos de solidariedade com as classes subalternas.

Essa visão resulta, como indicamos no iní-cio deste artigo, de um conjunto de atividades, depesquisa e de intervenção, que temos desenvolvi-do no CES há cerca de 20 anos. A preocupaçãoem levar a sociologia para fora dos muros da uni-

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versidade não é nova para nós. E, no campo con-creto do sindicalismo e do trabalho, talvez não sejaum mero acaso que as pessoas que integram a equi-pe e o núcleo de pesquisa (NETSind) quase todaselas tiveram experiências profissionais marcantesdesde muito jovens e ao longo do seu percurso devida. Por outro lado, participaram ou militaramem sindicatos, partidos ou movimentos sociais eassociativos progressistas.

De resto, quer o trabalho de observação par-ticipante durante três meses numa fábrica de cal-çados, trabalhando oito horas diárias na linha demontagem e convivendo diáriamente com os ope-rários, dentro e fora da empresa, quer os estudossobre o movimento estudantil e o envolvimentocom os estudantes nas comunidades das “repú-blicas” estudantis de Coimbra (Estanque, 2008a),mas também o engajamento em associações de de-fesa da cidade (no caso a PRO URBE) e a própriamilitância partidária (no caso o Partido Socialista eos movimentos dirigidos pelo ex-candidato presi-dencial e poeta das canções de Coimbra, ManuelAlegre) são todos eles domínios de intervençãoonde a sociologia se conjuga estreitamente com oativismo social e político.

Se é verdade que a ciência social deve procu-rar a objetividade e ser teórica e metodologicamenterigorosa – sem se deixar confundir com a ideolo-gia e, menos ainda, com a ortodoxia –, também énecessário não esquecer que, entre a realidade e aimaginação sociológica, não há qualquer incompa-tibilidade. Antes pelo contrário: as zonas ocultasda primeira só podem ser iluminadas com o auxí-lio da segunda. E saber de que lado estamos nessemundo de contrastes e de injustiças é uma opçãoque não pode ser ditada por critérios científicos,mas pelos valores e princípios éticos que guiam ocientista social nas suas escolhas e na sua ação(como cientista e como cidadão).

(Recebido para publicação em abril de 2009)(Aceito em julho de 2009)

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SOCIOLOGY AND ENGAGEMENT IN THEPORTUGAL: critical reflection on labour and

trade unionism in a time of crisis

Elísio Estanque

This paper aims to be an example of thecritical-public sociology that is produced at CES– Centre for Social Studies of the University ofCoimbra. Focusing one specific research area(sociology of work and trade unionism), thecritical perspective is assumed, both intheoretical and reflective terms, as well aspolitical praxis of the social scientist. Consideringthis framework, the current crisis is taken as thestarting point to discuss the portuguese case onthe labour issue, stressing some structural linesof the country as a European semi-periphery andshowing that some of its current problems haveancient roots.

KEY-WORDS: public sociology, crisis, labour, tradeunionism, Portugal.

LA SOCIOLOGIE ET L’ENGAGEMENT AUPORTUGAL: réflexions à partir du travail et du

syndicalisme

Elísio Estanque

Ce paper (travail) essaie d’être un exemplede la sociologie critique publique développée parle Centre d’Etudes Sociales (CES) de l’Universitéde Coimbra. Le thème que l’on aborde ici(sociologie du travail et du syndicalisme) assumeune perspective critique autant d’un point de vuethéorique et réflexif que d’une pratique politiquedes sciences sociales, aspects considérés commeles deux faces d’une même médaille. Partant de cepoint de vue, l’actuelle conjoncture de crise estmise en discussion et le cas portugais est analyséà la lumière de la question du travail. Certains traitsstructuraux du pays sont mis en évidence tel quecelui de semi périphérie de l’Europe et montrentcombien quelques problèmes actuels ont une ori-gine très ancienne.

MOTS-CLÉS: sociologie publique, crise, travail,syndicalisme, Portugal.

Elísio Estanque - Doutor em Sociologia pelo ISCTE. Pesquisador do CES – Centro de Estudos Sociais eProfessor de Sociologia na Universidade de Coimbra. Coordenador dos Programas de Pós-Graduação emRelações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo. Desenvolve pesquisas nas áreas de Sociologiado Trabalho, Classes e Desiguadades Sociais, Movimentos Sociais e Estudantis. Publicou, entre outros, Entrea Fábrica e a Comunidade (Porto, Afrontramento, 2000); Mudanças no Trabalho e Ação Sindical: Portugal,Brasil e o contexto transnacional. (Co-autor. São Paulo: Cortez, 2005; e Do Activismo à Indiferença: movimen-tos estudantis em Coimbra (em co-autoria com Rui Bebiano, Lisboa, Ed. ICS, 2007).