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SOCIOLOGIA DO TRABALHO Autora Noêmia Lazzareschi 2009 Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br

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SOCIOLOGIA DO TRABALHO

Autora

Noêmia Lazzareschi

2009Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A,

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Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 80730-200 • Curitiba • PR

www.iesde.com.br

L432 Lazzareschi, Noêmia. / Sociologia do trabalho. / Noêmia Lazzareschi. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.

p. 168

ISBN: 978-85-7638-916-3

1.Sociologia industrial 2.Sociologia – Trabalho 3.Mercado de trabalho 4.Sindicalismo 5.Empregos I.Título

CDD 306.36

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Sumário

Trabalho ou emprego? | 7Introdução | 7

A Sociologia do Trabalho | 15A Sociologia Industrial | 17A Sociologia das Organizações | 19Os métodos de investigação e análise da Sociologia do Trabalho | 22

As sociedades industriais capitalistas | 27A contribuição dos clássicos da Sociologia para a compreensão da estrutura das sociedades industriais capitalistas | 27Émile Durkheim | 29Max Weber | 30Karl Marx | 31A estrutura das sociedades industriais capitalistas | 32As empresas | 34

As diferentes formas de administração do processo de trabalho no capitalismo moderno | 41

A acumulação primitiva do capital | 41A divisão tecnológica do trabalho | 42Taylorismo e fordismo | 43Impactos do taylorismo/fordismo sobre o trabalhador | 46Os Anos Dourados | 48

A subjetividade do trabalhador: motivação, satisfação e alienação | 55Teorias da motivação para o trabalho | 56A alienação do trabalhador | 59

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A crise econômica mundial e a globalização da economia | 69Introdução | 69A crise da economia mundial | 72A globalização da economia | 74Pequena nota sobre as organizações internacionais | 78

A reestruturação produtiva e suas implicações sociais | 85

O desemprego e as novas relações de trabalho | 95O desemprego e suas causas | 95O desemprego no Brasil | 98As diferentes formas de desemprego | 100Novas relações de trabalho ou trabalho precário | 103Iniciativas para a obtenção de trabalho e renda | 106

Atitudes e comportamentos dos trabalhadores face às transformações do mundo do trabalho | 111

As novas competências exigidas dos trabalhadores no limiar do século XXI | 123O conceito de qualificação profissional | 123As novas competências profissionais | 125A noção de empregabilidade | 132

O movimento sindical e o sindicalismo no Brasil | 135O movimento sindical | 135O sindicalismo no Brasil | 137

Trabalho e lazer | 145Trabalho e lazer: diferenças conceituais | 147

Gabarito | 153

Referências | 163

Anotações | 167

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Apresentação

A razão da centralidade do trabalho nas tradições teóricas clássicas das Ciências

Sociais, especialmente da Sociologia, assenta-se na realidade empírica a mais

evidente, se não óbvia: atividade social produtora da História, isto é, do processo

de produção das condições materiais de vida e de produção da consciência, o

trabalho é, ao mesmo tempo, ação de realização das potencialidades humanas –

inteligência, criatividade, iniciativa, espírito crítico –, portanto, ação humanizadora

da nossa espécie animal, ação humanizadora do próprio ser humano. Por isso, o

trabalho tornou-se a categoria sociológica-chave, foco central e eixo dos estudos

da estrutura e da dinâmica sociais desenvolvidos por Marx, Weber e Durkheim, em

cujas obras estão as raízes da Sociologia do Trabalho.

A Sociologia do Trabalho, cujo objeto específico de estudo são as coletividades

formadas para a realização das atividades de trabalho, não se restringe à

análise das relações sociais que ali se estabelecem por compreendê-las como

frutos dos seus condicionantes tecnocientíficos, econômicos, políticos, sociais,

culturais, nacionais e internacionais, isto é, frutos do processo histórico mundial,

ao mesmo tempo que as compreende como suas produtoras. Processo social

universal e mundo de trabalho estão, pois, em relações recíprocas, constituindo

uma só realidade social, objeto de estudo das Ciências Sociais.

Assim, a disciplina Sociologia do Trabalho apreende não só as transformações

do mundo do trabalho, mas também as transformações do cenário histórico

mundial em suas relações recíprocas: as coletividades de trabalho repercutem

em seu interior as condições históricas existentes e, ao mesmo tempo, irradiam

universalmente as suas inovações tecnológicas e organizacionais das quais

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surgem novos produtos e serviços que inundam os mercados e determinam, em

grande parte, novos estilos de vida.

E como a natureza do próprio trabalho e as condições nas quais se realiza

determinam, em grande medida, as possibilidades e as limitações da vida de cada

um, ficam ressaltadas desde já a relevância da pesquisa nesse ramo da Sociologia

e a necessidade de uma sólida formação em Ciências Humanas e Sociais para

desenvolvê-la uma vez que envolve questões de ordem moral que a ultrapassam,

mas que são a sua própria razão de ser, tais como: a realização do ser humano no e

pelo trabalho, a dignidade humana, a solidariedade, o exercício da cidadania etc.

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Trabalho ou emprego?Noêmia Lazzareschi*

IntroduçãoAs elevadas taxas de desemprego registradas em todos os países do mundo e o uso indistinto,

muito comum, das palavras trabalho e emprego justificam o título deste capítulo. Se o desemprego atinge milhões e milhões de trabalhadores nas regiões mais industrializadas e ricas do Ocidente, e as previsões dos estudiosos não são nada otimistas sobre as possibilidades de sua reversão, somos leva-dos a crer que não mais haverá trabalho para uma parcela sempre maior da população mundial. Será verdade? Desde já, a resposta é não porque trabalho e emprego não são palavras sinônimas, não são conceitos intercambiáveis, muito embora as atividades realizadas no emprego sejam atividades de tra-balho e as atividades de trabalho não necessariamente se realizem apenas no desempenho das funções próprias de um emprego. Senão, vejamos:

Trabalhar significa criar utilidades para a satisfação das necessidades humanas, isto é, produzir bens – coisas materiais – ou prestar serviços, realizar uma atividade cujo resultado permita a satisfação de uma necessidade humana, sem que esse resultado assuma a forma de um bem material, como o serviço prestado por uma orquestra sinfônica, pelo professor, advogado, médico etc.

Trabalhar é uma atividade exclusivamente humana por ser consciente, deliberada, com o propó-sito explícito de gerar resultados que possibilitem a satisfação não só de necessidades relativas à sobre-vivência (alimentação, vestuário, abrigo, manutenção da vida), mas também de necessidades sociais, culturais, artísticas, espirituais, psíquicas sentidas e/ou criadas pelo homem. Só é possível ser realizada porque somos dotados de inteligência, iniciativa, espírito crítico, criatividade que se desenvolvem ao longo de seu processo e, por isso, o trabalho deve permitir a realização plena da natureza humana.

* Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre em Ciências Sociais do Trabalho pelo Institut Supérieur du Travail da Université Catholique de Louvain (Bélgica). Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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8 | Sociologia do Trabalho

O trabalho é, portanto, uma ação humanizadora da nossa espécie animal, isto é, humanizadora do próprio ser humano por ser a única ação a nos diferenciar de outros animais, tal como nos explica Karl Marx nesta passagem do cap. V do livro I de O Capital – Crítica da Economia Política:

Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a nature za como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela ador-mecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais. ... Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente hu-mana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subor-dinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho. (MARX, 1971, p. 202)

Assim, agindo deliberada e conscientemente sobre a natureza, transformando-a, ao mesmo tem-po em que se transformam pela realização de suas potencialidades, os homens produzem a História, isto é, processo de produção das condições materiais de vida e de produção da consciência, compreendida como representações mentais do próprio trabalho, de si próprios e das relações sociais estabelecidas ao longo do processo, expressas no conjunto de crenças, idéias, valores, padrões de comportamento transmitidos de geração para geração.

Por isso, o trabalho sempre foi a categoria-chave das análises sociológicas e do conjunto das Ciên-cias Sociais, cuja preocupação fundamental é a de explicar e compreender o modo de produção da vida nas suas diferentes manifestações – a História – ao longo do tempo.

O trabalho pode ser uma atividade com caráter individual e/ou social. O trabalho doméstico, por exemplo, pode ser realizado individualmente para satisfazer tanto uma necessidade individual quanto social. Terá caráter individual se for realizado por uma só pessoa para satisfazer as suas próprias neces-sidades, terá caráter social se realizado para satisfazer as necessidades dos membros de uma família, mesmo se realizado individualmente.

Todavia, a produção da História resulta da atividade de trabalho que se realiza socialmente para a satisfação de necessidades sociais. Daí o seu duplo caráter social, organizado com base na divisão so-cial do trabalho fundada nas diferentes formas da propriedade dos meios de produção, isto é, a divisão entre as condições e instrumentos ou meios de trabalho e o próprio trabalho que incide numa desigual distribuição dos frutos do trabalho e, conseqüentemente, no estabelecimento de relações de produ-ção conflituosas quando a propriedade dos meios de trabalho ou meios de produção se concentra nas mãos de alguns poucos.

Por razões culturais, cristalizadas nas instituições, só alguns poucos privilegiados tiveram ao longo da História acesso à propriedade dos meios de produção e, por isso, se autodispensaram do trabalho de produção das condições materiais de vida, obrigando a grande maioria dos despossuídos a reali-zá-lo. Nas sociedades capitalistas, todos, indistintamente, têm acesso jurídico à propriedade dos meios de produção, o capital, mas a ela não têm acesso de fato. Assim, em todas as sociedades nas quais se institucionalizou a propriedade privada dos meios de produção, há duas grandes classes sociais: a dos proprietários e a dos não-proprietários dos meios de produção, com interesses antagônicos e perma-nentemente em relações sociais de produção de conflito.

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9|Trabalho ou emprego?

Na Antigüidade, o trabalho de produção das condições materiais de vida era atribuído aos escra-vos; na Idade Média, aos servos; e nas sociedades modernas capitalistas, aos trabalhadores do campo e da cidade. Aos cidadãos da Antigüidade, à nobreza da Idade Média e à burguesia, proprietários do capital, da sociedade capitalista, o trabalho de produção da consciência, a ideologia, isto é, a visão ex-plicativa, a compreensão e justificação da realidade: a cosmovisão.

Não havia emprego na Antigüidade porque os escravos eram objeto de propriedade. Na Idade Média, os servos não tinham emprego, pois apenas os jornaleiros, isto é, empregados das oficinas dos artesãos recebiam um salário. “A unidade industrial típica da Idade Média era essa pequena oficina, ten-do um mestre como empregador em pequena escala, trabalhando lado a lado com os seus ajudantes”. (HUBERMAN, 1986, p.54)

Os aprendizes eram jovens que viviam e trabalhavam com o artesão principal, e aprendiam o ofício. A extensão do aprendizado variava de acordo com o ramo. Podia durar um ano ou prolongar-se por 12 anos. O período habitual de aprendizado variava entre dois e sete anos. Tornar-se aprendiz era um passo sério. Representava um acordo entre a criança, seus pais e o mestre artesão, segundo o qual em troca de um pequeno pagamento (em alimento ou dinheiro) e a promessa de ser trabalhador e obediente, o aprendiz era iniciado nos segredos da arte, morando com o mestre durante o aprendizado. Concluído este, quando o aprendiz era aprovado no exame e tinha recursos, podia abrir sua própria oficina. (HUBERMAN, 1986, p. 54)

Emprego é, portanto, uma relação social de trabalho muito recente, que data da segunda metade do século XVIII, quando se consolidou o modo de produção capitalista moderno com a Revolução In-dustrial e a Revolução Francesa. Não havia emprego na Antigüidade porque os escravos eram objeto de propriedade, não havia emprego na Idade Média porque os servos eram arrendatários de terra, deven-do trabalhar dois ou três dias por semana a terra do senhor, sem pagamento. Não eram homens livres, com direito de ir e vir, nasciam e morriam no mesmo feudo, ou seja, na terra concedida pelo rei para ser administrada pelos nobres e trabalhada pelos servos.

O emprego passou a existir apenas nas sociedades capitalistas, nas quais os homens são livres e iguais perante a lei. A igualdade jurídica é um dos fundamentos dessas sociedades, como também a de-sigualdade de fato, e condição essencial para a institucionalização do mercado de trabalho e, portanto, do emprego. O emprego é uma relação contratual de trabalho entre o proprietário e o não-proprietário dos meios de produção e/ou renda pela qual se estabelecem as condições de compra e venda da força de trabalho, isto é, da capacidade para trabalhar dos não-proprietários dos meios de produção, em troca de uma remuneração, um salário. A relação de trabalho se dá entre homens livres, o que significa afirmar que ambas as partes estabelecem essa relação livremente e livremente podem rompê-la, res-peitadas as cláusulas do contrato.

Homens livres dos laços da escravidão e da servidão constituem uma das condições prévias para a existência do capitalismo moderno, tal como nos ensina Max Weber:

Trabalho livre, isto é, que existam pessoas, não somente no aspecto jurídico, mas no econômico, obrigadas a vender livremente sua atividade num mercado. Luta com a essência do capitalismo (sendo, então, impossível seu desenvolvi-mento) o fato de que falte uma camada social deserdada, e necessitada, portanto, de vender sua energia produtiva e, de modo igual, quando existe tão-somente trabalho livre. Apenas sobre o setor do trabalho livre resulta possível um cálculo racional do capital, isto é, quando, existindo trabalhadores que se oferecem com liberdade, no aspecto formal, mas realmente estimulados pelo látego da fome, os custos dos produtos podem ser calculados, inequivocamente, de antemão. (WEBER, 1980, p. 124)

Em outras palavras e no limite: os não-proprietários dos meios de produção e/ou renda traba-lham para os proprietários “se quiserem, quando quiserem e para quem quiserem”, a recíproca sendo verdadeira e as aspas tendo sido colocadas propositadamente para lembrar que essa não é a realidade

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10 | Sociologia do Trabalho

de fato para a grande maioria dos trabalhadores que não têm qualquer possibilidade de escolha para quem, quando e, muitas vezes, onde encontrar um emprego.

Assim, o emprego pressupõe a transformação da força de trabalho em mercadoria e a institucio-nalização de um mercado de trabalho para a produção de todas as demais mercadorias (tudo o que é produzido propositadamente para a troca) para a satisfação de todas as necessidades humanas, mate-riais e não-materiais. E significa que o fruto do trabalho dos vendedores da força de trabalho não lhes pertence, mas sim ao seu comprador, proprietário também dos outros meios de produção e/ou fatores da produção e/ou capital, isto é, proprietário da riqueza (terra, ciência, tecnologia, trabalho) a partir da qual são produzidas mais riquezas com o trabalho realizado pelo empregado e/ou assalariado e/ou pro-letário em troca de um salário que, evidentemente, não corresponde ao valor e preço das riquezas por ele produzidas. O trabalhador sempre produz mais do que recebe, isto é, produz mais-valia, apropriada pelos proprietários dos meios de produção e fonte principal de seus lucros.

Nas sociedades capitalistas, a riqueza é, sobretudo, produzida pelos proletários empregados que constituem o mercado formal de trabalho, regulamentado por lei. Mas, isso não significa que a riqueza seja apenas produzida por eles. Pessoas que trabalham por conta própria produzindo bens e/ou prestando serviços para a troca, não vinculadas a um emprego, como também aqueles que tra-balham nas cooperativas, por exemplo, são produtoras de riqueza no mercado informal de trabalho, isto é, não regulamentado. Por isso, não se pode confundir trabalho e emprego, mesmo porque, como veremos, a transformação da forma de organização do processo de trabalho nas empresas, que teve início nas últimas décadas do século passado, reduziu consideravelmente a oferta de empregos – e tende a reduzi-la ainda mais – mas a humanidade continua e continuará trabalhando, talvez até com mais intensidade, apesar do desenvolvimento científico e tecnológico que permite aumentar muitís-simo a produtividade do trabalho. E isso porque os homens não são somente seres de necessidades, mas são também seres criadores de novas e infinitas necessidades, cuja satisfação dependerá sempre de trabalho e não apenas do emprego.

Os séculos XIX e XX foram marcados pelo assalariamento da grande massa de trabalhadores de todo o mundo industrializado e as relações de trabalho foram juridicamente regulamentadas no Oci-dente (em alguns países europeus já no final do século XIX e, no Brasil, com a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943), como conquista da luta empreendida pelo movimento sindical por melhores condições de trabalho, aumentos salariais e estabilidade no emprego. Os trabalhadores submeteram-se à realidade do emprego como meio de sobrevivência e de sustento de suas famílias por não disporem dos meios de produção, e submeteram-se às agruras por ele causadas, sobretudo à agrura provocada pela ameaça constante de desemprego. Mas sempre reagiram inteligentemente às condições adversas de trabalho no emprego com movimentos reivindicatórios, obrigando as empresas a voltarem atrás em muitas de suas decisões contrárias aos interesses imediatos dos trabalhadores, continuando assim a obter a sua colaboração, da qual elas sempre dependeram.

Nas três últimas décadas do século passado, o desenvolvimento científico e tecnológico permitiu o avanço da internacionalização da economia de mercado, provocando profundas transformações eco-nômicas, políticas, sociais e culturais de dimensões mundiais e, ao mesmo tempo, a transformação do processo de produção nas sociedades industrializadas, com a inauguração de uma nova lógica organi-

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11|Trabalho ou emprego?

zacional do mundo do trabalho. Tem início, então, o processo de reestruturação produtiva que aumen-ta a produtividade do trabalho, barateia mercadorias, inunda os mercados de novos produtos, acirra a competição internacional, mas, em contrapartida, aprofunda a desigualdade entre regiões, países e continentes, dada a desigualdade na apropriação do conhecimento científico e tecnológico.

A reestruturação produtiva resulta da introdução de novas tecnologias de base microeletrônica (tecnologias de informação), conjugada à introdução de novas técnicas gerenciais do processo de tra-balho (toyotismo, just-in-time/kanban), cuja conseqüência imediata e mais importante é a desestrutu-ração dos mercados de trabalho que se expressa no aumento crescente do desemprego e do mercado informal de trabalho, no desaparecimento de muitas ocupações e surgimento de outras para as quais se exigem novas competências profissionais, no estabelecimento de novas e precárias relações de traba-lho (jornada parcial de trabalho, contrato temporário de trabalho, banco de horas, terceirização), enfim, num enorme sofrimento humano.

Com efeito, a desestruturação dos mercados de trabalho desestrutura vidas e famílias inteiras, excluindo-as do mercado formal de trabalho e das possibilidades de obtenção de renda. Os problemas sociais que daí advém são de extrema gravidade (pobreza, miséria, violência) e enredam os governos em quebra-cabeças de difícil solução no curto e médio prazo.

O que fazer? Resistir à reestruturação produtiva e perder competitividade no mercado interna-cional? Aceitá-la e submeter-se passivamente a um verdadeiro massacre? Eis o desafio a ser enfrentado por trabalhadores, capitalistas e governos que necessariamente deverão envolver-se e empenhar-se em negociações articuladas bem sucedidas para evitar uma convulsão social e para minimizar o sofrimento da grande maioria da população mundial. Ressalte-se que do sucesso dessas negociações dependem a manutenção e o desenvolvimento do próprio regime capitalista de produção, pois, sem empregados e/ou consumidores, a mais-valia não pode ser extraída e realizada, o que significa dizer que os lucros das empresas não se realizam e seu capital não se reproduz. Se os empregos diminuem em todas as partes do mundo, não haverá consumidores suficientes para as mercadorias produzidas em larga escala, razão pela qual os interessados na manutenção do regime capitalista de produção deverão empenhar-se na ampliação de outras alternativas de obtenção de renda para a massa dos trabalhadores para além da geração de empregos. Por isso, é possível alimentar a esperança de que uma amenização do problema do desemprego há de ser encontrada, entendendo-se esse período como período de transição para uma sociedade melhor e mais justa.

Além do mais, se ao longo dos séculos XIX e XX, os trabalhadores sempre reagiram inteligente-mente às condições adversas de trabalho e de vida que lhes eram impostas e obtiveram sucesso em muitas de suas reivindicações, há razões para crer que também agora saberão reagir inteligentemente às novas condições e transformá-las para garantir o respeito à sua dignidade.

A Sociologia do Trabalho nos fornece os subsídios teóricos e metodológicos para a compreensão das transformações do mundo do trabalho e suas conseqüências sociais, e, portanto, para a compreen-são da nossa própria situação, como também das nossas possibilidades, no mercado de trabalho e na vida, primeiro passo para o despertar do desenvolvimento da consciência política, ou para o desenvol-vimento da “imaginação sociológica” que “ nos permite compreender a história e a biografia e as rela-ções entre ambas, dentro da sociedade”, como nos ensina Wright Mills (MILLS, 1965, p.12).

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12 | Sociologia do Trabalho

Texto complementar

Os sentidos do trabalho(ANTUNES, 2006)

“Por uma noção ampliada de classe trabalhadora

.... Sabemos que Marx (muitas vezes com a colaboração de Engels) utilizou como sinônimos a noção de proletariado, classe trabalhadora e assalariados, como se pode notar, por exemplo, no Manifesto Comunista. Mas também enfatizou muitas vezes, especialmente em O Capital, que o proletariado era essencialmente constituído pelos produtores de mais-valia, que vivenciavam as condições dadas pela subsunção real do trabalho ao capital. Nesse nosso desenho analítico, procuraremos manter essa “distinção”, ainda que de modo não rígido: usaremos “proletariado industrial” para indicar aqueles que criam diretamente mais-valia e participam diretamente do pro-cesso de valorização do capital, e utilizaremos a noção de classe trabalhadora ou classe-que-vive-do-trabalho para englobar tanto o proletariado industrial, como o conjunto dos assalariados que vendem a sua força de trabalho (e, naturalmente, os que estão desempregados, pela vigência da lógica destrutiva do capital).

Uma noção ampliada de classe trabalhadora inclui, então, todos aqueles e aquelas que ven-dem sua força de trabalho em troca de salário, incorporando, além do proletariado industrial, dos assalariados do setor de serviços, também o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital. Essa noção incorpora o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, part time, o novo proletariado dos McDonald’s, os trabalhadores hifenizados de que falou Beynon, os traba-lhadores terceirizados e precarizados das empresas liofilizadas de que falou Juan José Castillo, os trabalhadores assalariados da chamada “economia informal”, que muitas vezes são indiretamente subordinados ao capital, além dos trabalhadores desempregados expulsos do processo produtivo e do mercado de trabalho pela reestruturação do capital e que hipertrofiam o exército industrial de reserva, na fase de expansão do desemprego estrutural.

A classe trabalhadora hoje exclui, naturalmente, os gestores do capital, seus altos funcioná-rios, que detêm papel de controle no processo de trabalho, de valorização e reprodução do capi-tal no interior das empresas e que recebem rendimentos elevados (BERNARDO, 1991, p. 202) ou ainda aqueles que, de posse de um capital acumulado, vivem da especulação e dos juros. Exclui também, em nosso entendimento, os pequenos empresários, a pequena burguesia urbana e rural proprietária.

Compreender contemporaneamente a classe-que-vive-do-trabalho desse modo ampliado, como sinônimo da classe trabalhadora, permite reconhecer que o mundo do trabalho vem sofrendo mutações importantes.”

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13|Trabalho ou emprego?

Atividades1. Antes de você ter lido este capítulo, como considerava o trabalho? E agora, como o considera?

Escreva sobre isso.

2. Se você trabalha numa empresa, você tem como única finalidade receber um salário que lhe permita sobreviver?

3. Estudar significa trabalhar? Por quê?

4. Em sua opinião, o trabalho pode ser instrumento de felicidade? Por quê?

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14 | Sociologia do Trabalho

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Gabarito

Trabalho ou emprego?

1. O aluno deverá reportar-se à aula 1 para afirmar que, depois da aula e da leitura do texto correspondente, compreende que o trabalho é uma atividade necessária não só para a produção das condições materiais de vida que garantem a sobrevivência física, mas também a única atividade que permite o desenvolvimento das potencialidades humanas.

2. Espera-se que o aluno também esteja preocupado com o seu desenvolvimento pessoal, isto é, com o desenvolvimento de suas potencialidades humanas.

3. Sim, porque para trabalhar é preciso saber e, hoje, cada vez mais o saber é adquirido nos bancos escolares e, portanto, estudar é a mais importante preparação para o trabalho.

4. Sugestão: No sentido filosófico da palavra Felicidade, o trabalho, ao permitir a realização de nossas potencialidades, isto é, de nossa própria natureza, é instrumento de felicidade.

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