sociedade e contemporaniedade

146
SOCIEDADE E CONTEMPORANEIDADE

Upload: leda-vieira

Post on 15-Dec-2015

68 views

Category:

Documents


9 download

DESCRIPTION

Sociedade e contemporaneidade.pdf

TRANSCRIPT

SOCIEDADE E CONTEMPORANEIDADE

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora da ULBRA.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº .610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal.

Conselho Editorial EADAndré Cezar (Coordenador)Dóris Cristina GedratThomas HeimmanMara Salazar MachadoAndréa de Azevedo EickAstomiro Romais

Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S678 Sociedade e contemporaneidade / Ana Regina Falkembach Simão... [et al.]. - Canoas: Ed. ULBRA, 2013. 146p.

1. Sociedade. 2. Contemporaneidade. 3. Era digital. I. Simão, Ana Regina Falkembach. II. Arruda, Arlete Aparecida de. III. Santos, Everton Rodrigo.

IV. Almeida Neto, Honor de. V. Desaulniers, Julieta Beatriz Ramos. VI. Moura, Paulo Gabriel Martins de. VII. Nery, Maria Clara Ramos. CDU: 304

Editoração: Roseli MenzenSupervisão de Impressão Gráfi ca: Edison WolfGráfi ca da ULBRA

Dados técnicos do livroFontes: Palatino Linotype, Franklin Gothic Demi CondPapel: off set 75g (miolo) e supremo 240g (capa)Medidas: 15x22cm

ISBN 978-85-7528-483-4

APRESENTAÇÃO

No Brasil, quem decide ser um profissional ou empreendedor com formação em nível superior revela diversas expectativas. Quer que seu currículo seja considerado diferenciado em meio a inúmeros outros currículos profissionais. Quer ter maior satisfação em seu trabalho ou empreendimento. Quer ganhar mais, seja como assalariado, seja como empresário. Quer pautar seu exercício profissional por maior qualificação em termos de conhecimento e prática, tornando-se com isso um agente de transformação social, política, econômica e cultural. Quer tornar-se um formador de opinião. Sem dúvida alguma, é muito provável que estas e outras expectativas sejam alcançadas. De modo sistemático, estudos e análises revelam que profissionais com formação em nível superior têm grandes vantagens e destaque na sociedade, no ambiente empreendedor e no mercado de trabalho no Brasil.

Os cursos de graduação da ULBRA são projetados tendo por referência tais expectativas e querem acompanhar os estudantes que neles ingressam para que elas sejam alcançadas. São quatro as diretrizes fundamentais propostas pelos cursos:

1) Intermediar conhecimento atualizado, pertinente à área profi ssional e pautado permanentemente por inovação;

2) Mover os estudantes a cultivarem de modo intensivo sua formação pessoal (valores, princípios, caráter, hábitos e referências éticas);

3) Avaliar incessantemente seus conteúdos, práticas e formas sob o critério da empregabilidade de seus egressos;

4) Valorizar o empreendedorismo, ou seja, estabelecer em todos os âmbitos do curso e da universidade as condições para que os acadêmicos estejam imersos em uma cultura empreendedora e desenvolvam ou aperfeiçoem sua consciência empreendedora.

A disciplina Sociedade e Contemporaneidade está entre as que de forma mais direta interpelam estudantes e professores em relação a essas diretrizes fundamentais. Independente do curso de graduação em questão, é essencial que todos os envolvidos – estudantes, docentes e equipes administrativas de suporte ao ensino – estejam referenciados em dois trilhos que correm paralelamente de

modo indissociado, orientando o processo de formação como um todo: o projeto pedagógico do curso, com sua matriz curricular e todos os demais elementos que o compõem e a carreira profissional a ser construída. Nesta disciplina, abre-se concretamente a possibilidade de compreender, no contexto social, seja no mais próximo ou naquele mais amplo, levando em conta suas múltiplas facetas, as consequências e possibilidades para quem decidiu fazer um curso superior e construir uma carreira profissional diferenciada no mercado de trabalho e no ambiente empresarial.

Os conteúdos a seguir, cuidadosamente redigidos e sistematizados por professores de alta qualificação e experiência, serão, por vezes, considerados desafiadores e complexos quanto à sua compreensão.

O foco permanente na carreira que se está desenvolvendo, justamente por isso, será um grande auxílio a iluminar os passos de cada estudante em seu progresso e descobertas.

Prof. Dr. Ricardo Willy RiethPró-reitor de Graduação

Universidade Luterana do Brasil

SOBRE OS AUTORES

Ana Regina Falkembach Simão

É graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (1986), mestrado em História pela PUCRS (1993), com ênfase em Brasil, e doutorado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (2005), com pesquisa na área de Integração Regional (MERCOSUL). É professora adjunta do curso de Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SUL) e na Universidade Luterana do Brasil. É pesquisadora do Observatório Internacional de Cidades da Periferia (ULBRA) e do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Relações Internacionais da ESPM-SUL (NEPRI). Desenvolve pesquisa na área de Política Externa Brasileira e Teoria das Relações Internacionais. É editora da Século XXI, Revista de Relações Internacionais – ESPM/SUL.

Arlete Aparecida de Arruda

É graduada em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac) (1975), mestrado em Antropologia, Política e Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (1983) e doutorado em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) (2010). Atualmente, é professora/pesquisadora da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/Canoas), atuando principalmente nos seguintes temas: prevenção coletiva, riscos socioambientais, riscos urbanos, gestão pública urbana, pensamento político brasileiro, política latino-americana, desastres naturais, planejamento urbano, participação política e projetos em políticas públicas.

Everton Rodrigo Santos

É graduado em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) (1992), mestre (1996) doutor (2005) e pós-doutor (2012-2013) em Ciência Política pela UFRGS. É consultor e avaliador da Capes, professor e pesquisador da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e da Universidade

6

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a Feevale, atuando na graduação e pós-graduação stricto sensu. Como pesquisador é vinculado ao Grupo de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Sustentável na América Latina da UFRGS, ao Grupo Metropolização e Desenvolvimento Regional da Feevale e ao Grupo Sociedade Informacional, Individualidades, Políticas Sociais da ULBRA. Também integra a Associação Latino-Americana de Ciência Política (Alacip) e a International Political Science Association (IPSA). Trabalha na área das Ciências Sociais e interdisciplinar, tendo publicado inúmeros artigos, capítulos de livros e livros. Tem como suas principais preocupações a temática da democracia, da cultura política, do capital social e das políticas públicas.

Honor de Almeida Neto

É graduado em Licenciatura Plena em Ciências Sociais e bacharelado pela PUCRS (1995), tem mestrado (1999) e doutorado em Serviço Social pela PUCRS (2004). Atualmente, é coordenador do curso de Ciência Política presencial e do CST em Gestão Pública na modalidade EAD da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/Canoas). É professor titular no curso de graduação em Ciência Política e Gestão Pública EAD, e em cursos de especialização na modalidade presencial e em EAD. Orienta monografias de graduação e pós-graduação. Pesquisador com experiência na área das Ciências Humanas com ênfase na análise de processos de formação da Criança e do Adolescente e do impacto das NTIC na qualidade das relações humanas e sociais. Integra o Grupo de Pesquisa Sociedade Informacional, Individualidades, Políticas Sociais da ULBRA e o Grupo de Pesquisa Educação Social e Transversalidade. Participa do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil (RS) e atua na defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes.

Julieta Beatriz Ramos Desaulniers

É graduada em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Unisinos (1973). Mestre em Sociologia pela UFRGS (1984) e doutora em Ciências Humanas – Educação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Sorbonne/Paris (bolsa-sanduíche de um (01) ano). Publicou dezenas de artigos em periódicos especializados e trabalhos científicos em Anais, assim como livros e inúmeros capítulos em coletâneas. Quanto à sua produção técnica, constam mais de 150 itens. Procura realizar estágios de curta duração associados à participação em eventos na sua área de trabalho e, assim, reforçar intercâmbios já existentes com pesquisadores de/em vários países (Canadá, França, Espanha, Costa Rica, Portugal, Holanda, Alemanha, Bélgica, Venezuela, Colômbia, Chile, Itália). Suas pesquisas concentram-se em Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas, que se constroem especialmente através de orientações de projetos de iniciação científica, trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses. Nos últimos anos, coordenou inúmeros Projetos de

7

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aPesquisa, interagindo com múltiplos pesquisadores, com uma produção científica importante em coautoria. Desde 2006, integra o Banco de Avaliadores – de cursos, de IES e de EAD –, vinculado ao Instituto Nacional de Ensino Superior (Inep). No âmbito de assessoria e consultoria, atua em organizações sociais, privilegiando a perspectiva transdisciplinar, independentemente de processo (diagnóstico, monitoramento e avaliação), temática e\ou área do conhecimento (gestão estratégica de competências, formação de individualidades, tecnologias relacionais (TRs), inteligência coletiva, responsabilidade social, sustentabilidade, etc.), a serem desenvolvidos e/ou implantados.

Paulo Gabriel Martins de Moura

É graduado em Licenciatura Plena em Ciências Sociais (1992), mestre em Ciência Política pela UFRGS (1998); doutor em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (2004) e especialista em Educação à Distância pelo Senac/RS (2009). Atualmente, é diretor-presidente da PGM Editora e Consultoria em Comunicação e Análise Política e professor Adjunto com Doutorado da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Na ULBRA ministra as disciplinas de Ciência Política; Marketing Político e Pesquisa de Opinião. Atua na área de Ciência Política com ênfase em Estudos Eleitorais e Partidos Políticos e na Área de Comunicação Política e Marketing Político. Possui vários livros publicados, além de artigos acadêmicos e na imprensa. Edita o blog ProfessorPaulomoura.blogspot.com.br. Em seu currículo lattes os termos mais freqüentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: Análise Política, Comportamento Político, Eleições, Marketing Político, Corrupção, Comunicação Política e Política Econômica. Em maio de 2009, assumiu a coordenação do curso de Ciências Sociais EAD da Ulbra.

Maria Clara Ramos Nery

É graduada em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) (1987), bacharelado em Ciências Sociais pela Unisinos (1987); especialização em Educação Popular, pela Unisinos; mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (2002) e doutorado em Ciências Sociais pela Unisinos (2011). Atualmente, é professora da ULBRA. Tem experiência na área de Sociologia, envolvendo também Sociologia da Religião; é membro do grupo de pesquisa de Ciências da Religião, cadastrado no CNPQ, da ULBRA; foi membro do grupo de pesquisa Religião e Sociedade da Unisinos; foi membro do NER (Núcleo de Estudos da Religião), do Programa de Pós-Graduação de Antropologia Social da UFRGS; foi professora substituta na área de Sociologia da Universidade Federal das Ciências da Saúde e tem experiência docente na área de Sociologia, atuando atualmente nos cursos de Pedagogia e Ciências Sociais, da ULBRA.

SUMÁRIO

1 PILARES DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ..............................................................11

1.1 Sociedade pós-industrial ...................................................................................12

1.2 A questão do consumo .......................................................................................13

1.3 A informação e a comunicação ...........................................................................14

1.4 A globalização ...................................................................................................14

1.5 O ambiente cultural – o sujeito contemporâneo ...................................................15

1.6 A sociedade de consumo – indústria do entretenimento .......................................16

1.7 O Estado na contemporaneidade .......................................................................20

2 REDES SOCIAIS NA ERA DIGITAL...............................................................................23

2.1 A tecnologia mudando a vida de cada um e de todos ............................................24

2.2 Trabalho e consumo na sociedade-rede ...............................................................26

2.3 Comportamento social na sociedade-rede ..........................................................26

2.4 O poder do conhecimento na sociedade-rede ......................................................27

2.5 Mudança cultural e mudança social da sociedade-rede .......................................29

2.6 Mudança política na sociedade-rede ..................................................................30

2.7 Poder simbólico na sociedade-rede ....................................................................30

3 NOVAS IDENTIDADES EM UMA SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO ..............................37

3.1 Indivíduo, individualidades, individualização .......................................................38

3.2 Identidades: uma categoria, várias abordagens ..................................................41

4 JOGO DE ESPELHOS: A CRISE DAS IDENTIDADES SOCIAIS NA SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA ...................................................................................................45

4.1 De que cultura estamos falando? .......................................................................45

4.2 O que se entende por “crise das identidades sociais contemporâneas ..................47

4.3 Sujeitos sociais modernos e contemporâneos .....................................................47

4.4 A crise das identidades nacionais .......................................................................50

4.5 Avanços ou retrocessos? ....................................................................................51

4.6 As três tendências .............................................................................................52

5 EDUCAÇÃO NA ERA DIGITAL .....................................................................................55

5.1 Era digital: pressupostos e possibilidades ..........................................................56

5.2 Sistema educativo e novas mediações ................................................................58

5.3 Impacto das novas mediações ao campo educativo .............................................60

6 FRONTEIRAS DA TOLERÂNCIA: ETNICIDADE, GÊNERO E RELIGIÃO ..............................65

6.1 Fronteiras da tolerância étnica ...........................................................................66

6.2 Fronteiras da tolerância de gênero ....................................................................70

6.3 Fronteiras da tolerância religiosa .......................................................................75

7 TRABALHO E EMPREGO NO MUNDO DAS NOVAS TECNOLOGIAS ..................................81

7.1 A economia do conhecimento .............................................................................82

7.2 Empregabilidade na era da economia do conhecimento .......................................87

7.3 Planejamento e gestão de carreira – o profi ssional do século XXI ..........................92

8 OS NOVOS POLOS DE PODER E A ORDEM MUNDIAL CONTEMPORÂNEA .....................101

8.1 O que mudou? Sobre blocos e agrupamentos.....................................................102

9 ORGANIZAÇÕES E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL NO MUNDO

CONTEMPORÂNEO................................................................................................. 117

9.1 O poder nas sociedades antigas .......................................................................118

9.2 O poder na sociedade moderna ........................................................................118

9.3 A lógica do sistema ..........................................................................................120

9.4 A crise das instituições da era moderna ............................................................123

9.5 A emergência de um novo sistema ....................................................................124

10 MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE...................................................................129

10.1 Justiça socioambiental X O precifi car a natureza ............................................131

10.2 Os principais impactos trazidos pela sustentabilidade .....................................133

10.3 Economia verde: mais inclusão social, menos impacto ambiental .....................134

10.4 O preço da preservação..................................................................................136

10.5 Rousseau e o futuro que queremos .................................................................137

10.6 Que ações serão desenvolvidas como prioritárias, após a Rio+20? ...................138

10.7 As políticas e as leis ambientais .....................................................................142

1 PILARES DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Maria Clara Ramos Nery

IntroduçãoO presente capítulo abordará os pilares da sociedade contemporânea, envolvendo os aspectos que são característicos das transformações ocorridas em nossa realidade histórica, na medida em que estas transformações instauraram novas estruturas e influenciaram drasticamente a vida do homem no mundo. Não podemos pensar a vida contemporânea alijada dos pilares que constituíram, demarcaram e reconfiguram a realidade social, econômica, política e cultural do homem contemporâneo. Para tanto, nosso primeiro enfoque recai sobre a sociedade pós-industrial, em uma visão retrospectiva, para que possamos compreender a própria dimensão do conceito “pós-industrial”. O segundo enfoque recai sobre a questão do consumo, na medida em que este se configura como consequência da sociedade pós-industrial, não somente o consumo em si mesmo, mas o elevado consumo a dirigir a vida de indivíduos e grupos.

O terceiro enfoque recai sobre a informação e a comunicação, porque, partindo destas, podemos compreender o que se denomina de “espírito de época”, pois cada contexto histórico constitui formas específicas de manejo da informação e da comunicação. O quarto enfoque recai sobre a globalização, na medida em que na contemporaneidade estamos convivendo com as consequências mesmas do processo de globalização ocorrido a partir do século passado (século XX). No quinto enfoque trabalhamos com o ambiente cultural no sentido de demonstrarmos as novas sociabilidades que surgem a partir dos contextos social, histórico, econômico e cultural. No sexto enfoque trabalhamos a sociedade de consumo, através da indústria do entretenimento e da influência da publicidade na busca de manutenção de elevando consumo por parte de indivíduos e grupos na atualidade e, por fim,

12

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a trabalhamos a questão do Estado na contemporaneidade, na medida em que não podemos mais compreender esta instituição centralizadora das relações de poder presentes nas sociedades da mesma forma que a compreendíamos no século passado. Buscamos sinalizar algumas de suas mudanças básicas.

1.1 Sociedade pós-industrialRefletirmos acerca dos pilares da sociedade contemporânea envolve fazermos uma breve retrospectiva sobre o conceito de sociedade pós-industrial. Este conceito surgirá na década de 60 e no início dos anos 70, quando vários sociólogos buscaram refletir sobre a sociedade pós-industrial e formularam uma interpretação acerca deste período. A partir das constatações dos sociólogos dos períodos citados houve a busca de desenvolver uma teoria da sociedade pós-industrial. Por que podemos dizer pós-industrial? Devemos considerar que o período do industrialismo estava pleno de dificuldades e apresentando inúmeras contradições que originaram novas concepções do que se pode compreender por sociedade industrial. O industrialismo, pelo que estava a apresentar, não poderia mais responder aos determinantes da sociedade capitalista em seu desenvolvimento no processo das relações de produção. Estavam a ocorrer inúmeras mudanças no que se compreendia anteriormente por fase industrial.

Estas mudanças são atinentes à concentração de massas, ao predomínio dos trabalhadores na indústria, às descobertas de caráter científico em favor do processo produtivo, à intensa divisão social do trabalho, que estava a requerer cada vez mais trabalhadores especializados, também a própria separação entre o lugar em que se vive e o lugar de trabalho, onde cada vez mais foram sendo criadas as chamadas “cidades-dormitório”. Com o aumento significativo da produção em massa e consequente exacerbação do consumo, a mulher cada vez mais se destacando no mercado de trabalho e, por consequência, no contexto social, a intensificação da tecnologia como forma de dirimir a fadiga física do trabalhador e um processo que se pode denominar de “deteriorização intelectual”. A lógica da produção mecanizada e intensificada pela tecnologia favorece também a busca da informação fácil e imediata que começa a se delinear pela intensificação da mídia, enquanto forma de estabelecer as demonstrações dos produtos e favorecer o consumo imediato de bens de consumo materiais e simbólicos.

A sociedade industrial, que sucedeu a sociedade rural, é agora, num processo de transformação histórica, superada pela sociedade pós-industrial. Devemos considerar que as transformações ocorridas no sistema informacional que envolveu novas tecnologias, notadamente no campo da comunicação, colocaram o industrialismo em pleno declínio, surgindo então a sociedade pós-industrial. Esta se caracteriza por ser a sociedade da informação, para a qual o conhecimento significa a grande riqueza a ser conquistada, na medida em que se constitui agora

13

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aenquanto valor, valor de uso e valor de troca. Esta é uma transformação marcante no contexto da sociedade da informação, no contexto mesmo do que podemos conceber enquanto o império da informação e, repetimos, do conhecimento enquanto valor. Como sinal dos novos tempos, Bauman (2001), em sua obra Modernidade líquida, afirma que o capital é um viajante leve que possui apenas uma bagagem de mão, que envolve uma pasta, um telefone celular e um computador portátil. Dessa forma, podemos compreender a dimensão da sociedade da informação, ou seja, seu campo de abrangência.

Devemos considerar o fato de que no âmbito da sociedade capitalista, que tem na oferta e na procura o seu pilar, no âmbito da sociedade da informação que se instaura. Há a intensificação deste binômio, no sentido de seu predomínio, para a fluidez das relações de produção da sociedade capitalista, agora alicerçado na informação de caráter midiático e tecnológico, considerando-se o surgimento da internet, marcando-se também o surgimento do mundo virtual.

Uma característica marcante da sociedade pós-industrial se encontra no fato da descentralização, da pulverização de centros, estabelecendo-se novas formas de sociabilidade, na medida mesma em que não há mais a prevalência de um sujeito antagônico privilegiado. Porque não possuímos mais os indivíduos nos lugares por eles ocupados no contexto das relações de produção, mas em termos das relações de gênero, da concepção de natureza, da concepção acerca do mundo e do homem, por exemplo. Novas sociabilidades estas que se instauraram a partir do predomínio da internet, do avanço exacerbado dos dispositivos de comunicação móvel, que reconfigurou até mesmo nossa concepção anterior de privacidade.

1.2 A questão do consumoDevemos também considerar, no âmbito da sociedade pós-industrial, a questão do consumo, melhor dizendo, da intensificação do consumo, pois a mercadoria torna-se agora o essencial centro das práticas cotidianas. Invade o cotidiano através das estratégias de mídia levando à intensificação do consumo de bens materiais e simbólicos como elemento constituinte da vida do homem contemporâneo, tornando indivíduos e grupos aderentes às regras do consumo. Neste sentido, há também a intensificação da lógica atinente ao capitalismo de que todo o produto é vendável e visa ser efetivamente consumido. Ora, esta lógica atinente ao modo capitalista de produção, no contexto da contemporaneidade, envolve a satisfação de desejos que devem ser devidamente satisfeitos.

Neste sentido, o que podemos dizer é que o valor a ser pago depende diretamente da confiabilidade da promessa de satisfação e intensidade dos desejos. Quando há o desejo, há consequentemente o objeto de desejo, como traço estrutural marcante da relação entre consumidores e objetos de consumo. Este fato altera drasticamente

14

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a o mundo produtivo. Essa alteração do mundo produtivo transforma a sociedade contemporânea na sociedade da informação, que por sua vez caracteriza a sociedade atual como a sociedade da comunicação e também do que na atualidade se denomina de mundo virtual.

1.3 A informação e a comunicaçãoA informação e a comunicação consistem, em nossa compreensão, nos fundamentais pilares da sociedade contemporânea, na medida em que estabelecem alterações profundas no que concerne às sociabilidades em seus diversos campos e matizes. Há novas formas de sociabilidades que se instauram a partir do predomínio da informação e da comunicação. Mas convém destacar que esta nova forma de ser coletiva surge a partir de profundas alterações nas estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais, pois as estruturas transformadas transformam realidades individuais e coletivas e estabelecem específicos repertórios de ações individuais e coletivas, que marcam e demarcam o que podemos denominar de “espírito de época”, no qual se encontram novos paradigmas sociais.

1.4 A globalizaçãoTorna-se também significativo, dentro dos limites do presente capítulo, compreender a influência da globalização nesta nova configuração social e produtiva que experienciamos na contemporaneidade. A globalização envolveu a constituição desta sociedade da informação, da comunicação, na medida em que a partir dela encontraram-se eliminados os centros, as fronteiras entre países e reconfigurada a concepção de identidade nacional, na medida em que esta se torna desintegrada enquanto resultado do processo de homogeneização cultural do “pós-moderno” global (HALL, 1998).

Deve-se também destacar que estamos vivenciando a resistência à globalização pelo reforço de identidades locais, bem como o surgimento de novas identidades híbridas, que estão paulatinamente tomando o lugar das anteriores identidades nacionais. Segundo Canclini (2001), as identidades estruturam-se pela lógica dos mercados, estruturam-se pela produção industrial da cultura, pela sua comunicação tecnológica e pelo consumo diferido e segmentação de bens, pois devemos compreender que o que temos na contemporaneidade são expressões transterritoriais e multilinguísticas que são perpassadas pelo aspecto comunicacional.

Neste sentido, segundo Esperândio (2007), a globalização na contemporaneidade envolve a ideia de abertura, mesmo que assimétrica de territórios/espaços, bem como tem a ver com a não separação de mundos, com o processo de expansão da produção e circulação do conhecimento, o processo de abertura de territórios

15

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

anacionais e subjetivos. Envolve ainda o que a autora denomina de não separação dos tempos: de trabalho e de não trabalho, no sentido de vida retribuída e vida não retribuída.

A globalização envolve o aberto enquanto modo de vida, pois tudo se encontra publicado na rede, onde encontramos um ambiente não definido. Segundo Bauman (2001), o que passa a ocorrer é uma redefinição da esfera pública, enquanto palco de um grande teatro em que dramas privados se encontram encenados, publicamente expostos e também publicamente assistidos. Para Bauman (2001), há uma ressignificação da definição de “interesse público”, que é promovida pela mídia e amplamente aceita pela sociedade em todos os seus setores, sendo o dever de encenar tais dramas particulares em público e o direito do público de efetivamente assistir à encenação. Ora, sendo assim, o que percebemos como questões públicas, são ressignificadas na atualidade enquanto problemas privados de figuras públicas.

1.5 O ambiente cultural – o sujeito contemporâneoNão há no contexto das sociedades contemporâneas, por parte de indivíduos e grupos, a crença nas metanarrativas, essencialmente no contexto do ambiente cultural, com a formação de leis de caráter universal, mas sim há agora a presença da articulação de propostas que conjuntamente passam a constituir um modelo de trabalho adequado a uma situação empiricamente verificável (GADEA, 2007). Podemos perguntar: há um certo retorno a uma concepção mais pragmática do mundo, alicerçada nas necessidades mais urgentes de indivíduos e grupos? Devemos compreender que na contemporaneidade o processo de constituição das subjetividades estabelece uma redefinição crítica do que foi a sociedade do século passado, século XX, e nunca um retorno nostálgico (GADEA, 2007), mas, se consideramos os próprios determinantes de um consumo imediato, pode se constituir enquanto uma concepção mais pragmática do mundo e do homem, pois se origina uma nova forma de construção das identidades, destinada ao atendimento de impasses de caráter pessoal e não social, coletivo.

As referências de que dispunham os sujeitos no contexto das sociedades modernas, através da racionalidade que acompanhava a modernidade, caíram por terra, e agora o sujeito da sociedade contemporânea encontra-se entregue a si mesmo. Sem os aportes necessários ao desenvolvimento de uma concepção de homem e de mundo que se paute pelo coletivo, mas por uma busca individualista pela resolução de problemas urgentes da vida pessoal. Daí também o processo de privatização das instituições, das crenças e dos valores que marcam nossa sociedade. Pois a realidade cotidiana atravessa o processo de individualização, ainda mais quando estamos falando, e devemos falar, de uma sociedade que se pauta pelo elevado consumo e

16

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a pela fugacidade da informação, originando uma “subjetividade flexível”, da qual nos falará Esperândio (2007).

Há uma nova forma de encarar o afetivo, o emocional, que gera por parte de indivíduos e grupos nova forma de concepção do contexto social vivenciado, com suas instituições, normas, regras e relações de poder, estabelecendo-se, como não poderia deixar de ser, um espaço de tensão entre os determinantes sociais institucionais e o império das vontades.

A busca pelo sentido de existência no âmbito das sociedades contemporâneas, calcado na individualização, na privatização do público, envolve outro aspecto que consideramos significativo abordar, enquanto traço estrutural marcante destas sociedades, que é a deserção social. Este processo marca a desmobilização e também a despolitização de indivíduos e grupos, na medida em que este pode ser considerado como um traço característico típico do neoindividualismo que estamos a experienciar em nossa contemporaneidade. Evidentemente, este processo se instaura pela ausência de uma ideologia clara a “ditar” os caminhos para indivíduos e grupos, mas ideologias claras não pertencem à estrutura das sociedades contemporâneas.

Há e não há fronteiras em termos políticos, em termos de uma geopolítica, na medida em que se constitui a autoconsciência na ausência dos limites dos contornos culturais e sociais, uma vez que todo o processo envolve a vida nas sociedades atuais no contexto da impermanência das coisas (VATTIMO, 2007). Este mesmo processo de impermanência que se encontra presente nos leva para longe do controle e do autodomínio, porque nos encontramos submersos num campo de ação que desenvolve subjetividades de massas, as quais, por sua vez, possuem como alicerce a fragmentação do eu (MAFESSOLI, 2004). Fronteiras e não fronteiras se misturam diante do processo de fragmentação do eu, e todo esse processo origina-se enquanto característica típica do sujeito contemporâneo.

1.6 A sociedade de consumo – indústria do entretenimentoNeste momento, consideramos necessário trabalharmos alguns elementos da sociedade de consumo. Na contemporaneidade, podemos dizer, sociedade de elevado consumo. A sociedade de consumo é um traço estrutural marcante do que se usou denominar de Indústria do Entretenimento, que efetivamente é explorada pelos meios de comunicação. Estes meios têm na divulgação indiscriminada sua principal característica, onde as mensagens são essencialmente diretas, fazendo com que a divulgação seja para todos, sem discriminações.

Cabe destacar um aspecto histórico. A sociedade de consumo surge com a Revolução Industrial do século XIX e encontra-se diretamente relacionada com a efetiva consolidação do modo capitalista de produção e o processo de mercantilização do

17

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

atrabalho e maximização do lucro, instituindo a lógica do consumo e a supremacia deste acima de todas as coisas. No contexto da sociedade de consumo há a centralização da obtenção de determinados produtos por indivíduos e grupos, sendo que estes produtos a serem adquiridos não são somente mercadorias, mas mercadorias, práticas discursivas, estilos de vida, identidades grupais, ideias, signos e símbolos e assim por diante, que recebem conotação de caráter subjetivo. Para que possamos compreender este caráter subjetivo, devemos refletir acerca do valor simbólico que dado produto recebe pela mídia, como sinal essencialmente de status social. Ora, este valor subjetivo na maior parte das vezes transcende aos valores de limite de seu uso, ou seja, valor de seu uso funcional. O que vale em essência é o valor simbólico do objeto, seja sua marca, seja a sua conotação de status social.

Os indivíduos e grupos no contexto da sociedade de consumo, adquirindo dado produto, parece que se situam na sociedade, pois nesta sociedade o homem passa a também se personificar através da aquisição de objetos e signos, e neste sentido o indivíduo consome para se situar e se sentir pertencendo à coletividade, ao mundo e ao sistema cultural, buscando obter assim na dimensão dos signos e significação do objeto adquirido um lugar na sociedade. Considerando este aspecto atinente à sociedade de consumo, devemos perceber que há no âmbito dos meios de comunicação, notadamente nos meios de comunicação de massa e também nas redes sociais digitais, um processo no qual se estabelecem padrões, se dirigem condutas e comportamentos que contribuem inclusive para o gerar ações de consumo sem crítica e reflexão, favorecendo desta forma o desenvolvimento do lucro, atinente a uma economia de mercado.

Há um ponto a ser considerado aqui. Se pensarmos o indivíduo consumindo sem crítica e reflexão para sentir-se pertencendo à sociedade, estamos de certa forma refletindo no indivíduo enquanto ainda cidadão. Na sociedade contemporânea, podemos perceber que esta relação de um mínimo de cidadania através do consumo se encontra inexistente, pois na contemporaneidade a categoria de cidadão encontra-se completamente obstaculizada pela categoria de consumidor. O consumismo presente não atende mais as especificidades das necessidades, mas essencialmente atende ao desejo, que é volátil e efêmero e não referencial, na medida em que tem a si mesmo como objeto constante. Cabe destacar que os consumidores guiados pelo desejo devem ser constantemente produzidos (BAUMAN, 2001). Agora, o que podemos constatar é o fato de o indivíduo ser exatamente relacionado com o seu ter. O ser cede lugar ao ter. “Eu tenho, logo, sou.”

O século XXI é marcado pelo elevado consumo, em que o homem é essencialmente o que pode comprar. Configura-se assim um novo processo potencializado pelas redes sociais digitais. Não é demais destacar que se constroem novas formas de sociabilidade que se marcam e se pautam por dissoluções e descontinuidades. Segundo Gadea (2007), na contemporaneidade constitui-se uma sociabilidade emergente que se pauta pela negação da produtividade e do utilitarismo. Este

18

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a aspecto acarreta um mundo social que apresenta incapacidades diversas na esfera da convivência, ausência de afetividade e perda de atitudes mínimas de solidariedade, que tende a se marcar pela intolerância e pela violência.

As tecnologias da informação e da comunicação eletrônica permitem a compressão (ou supressão) da relação tempo-espaço e a ruptura com a concepção moderna de relação linear com o tempo. Sendo assim, a contemporaneidade pauta-se pela contingência, pela eventualidade, pela imediaticidade do aqui e do agora, que parece ser sem passado e sem futuro, pois a orientação temporal das condutas de indivíduos e grupos dirige-se ao presente determinado pela realidade cotidiana, que parece ter no elevado consumo de bens materiais e simbólicos seu próprio sentido.

Deve-se destacar o fato de ser a sociedade contemporânea alicerçada na competição de mercados e, como dissemos anteriormente, no processo de aumento do consumo por parte de indivíduos e grupos. Para tanto se faz necessário algumas considerações acerca da significação da mídia na sociedade contemporânea, pois a mídia necessita “informar” e “dirigir” aos consumidores os produtos que devem ocupar lugares em seus desejos e em suas mentes, enquanto estratégia de comunicação, que objetiva o efetivo consumo de produtos que estão no mercado para serem adquiridos, dentro mesmo da lógica mercadológica da sociedade contemporânea. Mas que mídia? A mídia do rádio, do jornal, da televisão, da revista? Na sociedade contemporânea, vamos para além das mídias conhecidas, pois estamos no campo da multimídia, como forma mais eficiente de publicidade dos produtos a serem consumidos.

Os recursos multimídia proporcionam maior visibilidade dos produtos, na medida em que este recurso de comunicação é mais abrangente em termos do consumidor-alvo. Coloca-o em relação direta com a imagem do produto, fazendo com que a visibilidade deste seja mais rápida e eficiente em sua técnica, ou que recursos técnicos possibilitem ao consumidor maior atratividade do produto.

Os recursos multimídia permitem uma maior eficiência da publicidade em suas estratégias comunicacionais, que, podemos dizer, influem diretamente no próprio desejo do consumidor, gerando maiores possibilidades de consumo na medida em que atingem a um grupo maior de indivíduos aptos a consumir os produtos anunciados. O uso em simultaneidade de vários meios de divulgação gera com relação ao consumidor maior índice de afinidade ou não com o produto a ser consumido. Este fato, por sua abrangência, envolve também a não seleção mais refletida por parte do consumidor, influindo no desejo e na mente dos indivíduos, pois há procedimentos mais imediatistas com relação à aquisição do produto anunciado.

Devemos considerar que os recursos multimídia da publicidade na sociedade contemporânea efetivamente criam a moda, ou seja, o que se pode denominar o produto do momento. Criando a moda, criam efetivamente ações de consumo que

19

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

adirigem o comportamento do consumidor em potencial. A moda origina efetivas práticas de consumo que se encontram diretamente relacionadas com a busca da sensação de pertencimento ao social, ao espaço social, pois iguala indivíduos e grupos a partir do produto consumido. Envolve a ausência de consequências.

A moda estabelece padrões de comportamento a partir do status gerado pelo produto consumido. Isso se expressa enquanto significativo no contexto da sociedade contemporânea, uma vez que, sendo a sociedade de consumidores, a ênfase dos recursos multimídia utilizado pela publicidade abrange significativos segmentos sociais que tudo irão fazer para encontrar-se inseridos nas próprias relações de mercado que se estabelecem, uma vez que há a ligação do consumo a uma forma de autoexpressão, pois o indivíduo passa a expressar a si mesmo através de suas posses (BAUMAN, 2001). A influência da moda, criada pelos recursos multimídia aplicados pelas estratégias da publicidade, transformam as identidades em voláteis e instáveis, pois se determinam pela capacidade de “ir às compras”, no que Bauman (2001) denomina de supermercado das identidades.

Os recursos multimídia adotados pela publicidade na contemporaneidade envolvem pensarmos acerca do fato de que na sociedade de consumidores há a presença do traço característico típico de ser esta a sociedade de não produtores. Segundo Bauman (2001), a vida que se organiza a partir do consumo se constitui enquanto uma vida sem normas, pois se orienta pela sedução, criada pela moda das ações publicitárias multimídia, fomentando desejos, gerindo-se não mais por uma regulação normativa.

A publicidade alicerçada nos recursos multimídia envolve a vida contemporânea e do sujeito contemporâneo, na mediação das imagens eletrônicas. A não regulação de todas as imagens do mundo, ou jogos de linguagem, a partir das pessoas “multifuncionais” e das palavras “polissêmicas”, alicerçadas na legitimação das imagens do mundo, leva ao surgimento do que podemos denominar de fim das metanarrativas. A polissemia das palavras, o pluralismo e a fragmentação são então configurados, como forma de uma realidade fragmentada, em que a universalidade, enquanto forma de consenso, não mais existe. Podemos então perceber que este processo no campo comunicacional instaura uma nova forma de ser diante da realidade, pela diversificação dos contextos sociais e históricos, determinados pelo consumo, pela sociedade da informação, pelo advento da mídia de massa em sua dimensão multimídia, que são determinantes de padrões comportamentais de consumo no contexto do cotidiano do homem contemporâneo.

Devemos compreender que a vida no século XXI é mediada por imagens eletrônicas que não nos permitem o não responder aos outros, como “se suas ações e as nossas, estivessem sendo gravadas e transmitidas simultaneamente para uma audiência escondida, ou guardadas para serem assistidas mais tarde” (BAUMAN, 2001, p.99). Este aspecto envolve diretamente as relações multimídia, presentes em nossa

20

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a realidade, bem como envolve a vida na telinha, pois as imagens eletrônicas acabam por permitir um certo grau de “liberdade”, para não vivermos a vida vivida, na medida em que esta parece aproximar-se do irreal, como um videotape, que se constitui no apagável, sempre pronta para a substituição das velhas gravações pelas novas (BAUMAN, 2001). Este processo de “apagamento do real” é fomentado e potencializado pelas relações multimídia no campo efetivo da publicidade e consequentes relações de mercado. Consideramos significativas as palavras de Jeremy Seabrook, citado por Bauman, quando aponta que:

O capitalismo não entregou os bens às pessoas; as pessoas foram crescentemente entregues aos bens; o que quer dizer que o próprio caráter e sensibilidade das pessoas foi reelaborado, reformulado, de tal forma que elas se agrupam aproximadamente... com as mercadorias, experiências e sensações... cuja venda é o que dá forma e significado às suas vidas. (SEABROOK, apud BAUMAN, 2001, p.100)

Podemos então perceber a influência da publicidade multimídia presente em nossa realidade. Esta influência envolve diretamente as identidades individuais e coletivas. Há maior mobilidade e flexibilidade da identificação que caracterizam a vida determinada pelo “ir às compras” (BAUMAN, 2001) no atendimento aos desejos criados pela instauração da moda através dos meios de comunicação em suas múltiplas dimensões, essencialmente em sua dimensão multimídia. Mas enquanto consequência deste processo, o que se constata é que as tarefas que deveriam ser compartilhadas por todos, agora no contexto mesmo da sociedade de elevado consumo, devem ser realizadas por cada um, e este aspecto acaba por dividir as situações humanas e induz a uma competição mais voraz, não unificando a condição humana, antes inclinada a gerar cooperação e solidariedade (BAUMAN, 2001). Neste sentido, a vida humana no mundo contemporâneo reveste-se de competitividade, em que cada um é responsável por si mesmo, no universo fragmentado das relações multimídia como forma determinante das identidades individuais e coletivas.

1.7 O Estado na contemporaneidade Algumas breves palavras sobre a questão do Estado, no contexto da contemporaneidade. Há a predominância do enfoque em termos dos direitos coletivos, que conhecemos enquanto os direitos sociais, que são classificados como direitos difusos ou também direitos de terceira geração. A instituição do Estado é, no contexto atual, um ente de direitos e deveres, direitos e deveres esses que muitas vezes pode também se confrontar com os interesses dos segmentos subalternos da população e também dos segmentos dominantes.

21

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aO Estado assistencialista entrou em conflito com os próprios determinantes do capitalismo, na medida em que, para que este mesmo capitalismo flua, se tornou necessária a acentuação da demanda de produtos. Neste mesmo sentido, o Estado contemporâneo, no âmbito de suas políticas, se rege pela proteção da “regra” capitalista da oferta e da procura, que se constitui enquanto os fundamentais pilares do capitalismo. Este aspecto permite que possamos perceber que a nação, que anteriormente era a “outra face” do Estado e o principal instrumento de luta pela soberania considerando-se o território e sua população, encontra-se na contemporaneidade divorciada deste mesmo Estado, pois há um processo de distanciamento entre nação e Estado. Segundo Bauman (2001), o Estado não é mais a ponte segura a recorrer. A liberdade da política, das relações de poder do Estado, encontra-se de certa forma implodida por novos poderes de caráter global, pois se torna cada vez mais difícil resgatar os serviços de certeza, segurança e garantias proporcionados pela instituição do Estado (BAUMAN, 2001).

A instituição do Estado, na contemporaneidade, não encontra mais o potencial mobilizador da nação, na medida em que dele necessita cada vez menos, pois o que se apresenta em nossa realidade atual é a substituição pelas “unidades high-tech elitistas, secas e profissionais, enquanto a riqueza do país é medida, não tanto pela qualidade, quantidade e moral de sua força de trabalho, quanto pela atração que o país exerce sobre as forças friamente mercenárias do capital global” (BAUMAN, 2001, p.212). Esta afirmação de Bauman nos permite compreender a reconfiguração da instituição do Estado no contexto mesmo de uma sociedade globalizada, ou seja, não mais o Estado provedor dos benefícios sociais, mas alicerçado nos ditames do capital financeiro internacional, em termos de novos poderes globais.

Pode-se perceber que no âmbito das sociedades contemporâneas houve profundas alterações em seus modos de existência como efeito mesmo da nova configuração do modo capitalista de produção, do capitalismo planetário, do avanço tecnológico e da necessidade de expansão dos mercados. Neste contexto, originam-se novas subjetividades para dar conta das próprias exigências que foram impostas pela rearticulação do modo capitalista de produção, pois a vida passa a ser comercializada a partir deste novo modelo do capitalismo (ESPERÂNDIO, 2007).

Aludimos, no presente capítulo, aos pilares da sociedade contemporânea. Buscamos deixar claras as transformações históricas ocorridas, que delinearam a configuração das sociedades hoje, bem como delinearam o homem de hoje na constituição principalmente de novas sociabilidades. Tomamos este caminho para também deixar claro o fato de que o homem não se encontra alheio às transformações estruturais de seu mundo, pois há uma relação intrínseca entre indivíduo e contexto, indivíduo e estrutura, pois não compreendermos a influência das estruturas na própria constituição dos sujeitos é não compreendermos nossa realidade individual e coletiva. É não compreendermos o fato de que “as estruturas são estruturantes” de toda a conduta humana no mundo.

22

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a PILARES DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

1) MUDANÇAS DRÁSTICAS DA FASE INDUSTRIAL

2) GLOBALIZAÇÃO

3) SOCIEDADE DE CONSUMO

4) A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – CONHECIMENTO = VALOR

5) CONSUMISMO – enquanto diversidade de produtos, de ofertas

6) INTENSIFICAÇÃO DOS RECURSOS MULTIMÍDIA + PUBLICIDADE

7) RECONFIGURAÇÃO DO PÚBLICO E DO PRIVADO

8) NOVAS FORMAS DE SOCIABILIDADE

9) INTENSIFICAÇÃO DE MODISMOS PARA MAIOR CONSUMO

10) RECONFIGURAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO

ReferênciasBAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

CANCLINI, Nestor G. Consumidores e cidadãos: confl itos multiculturais da globalização. 5. ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001.

ESPERÂNDIO, Mary R. G. Para entender pós-modernidade. São Leopoldo: Sinodal, 2007.

GADEA, Carlos A. Paisagens da pós-modernidade. Cultura, política e sociabilidade na América Latina. Itajaí: Univali Editora, 2007.

HALL, Stuart. Identidades e pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

VATTIMO, G. O fi m da modernidade. Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

2 REDES SOCIAIS NA ERA DIGITAL

Paulo G. M. de Moura

IntroduçãoO período atual da história é dos mais complexos já experimentados pela sociedade humana.

Vivemos um tempo nervoso; tenso. Somos cotidianamente pressionados para sermos mais produtivos no trabalho, para contribuirmos com a redução de custos das nossas empresas e para trabalharmos cada vez mais e mais rapidamente. Recebemos cargas de informação multimídia o tempo todo e por diversos veículos e canais simultâneos.

Nossa vida está cercada de aparatos tecnológicos que requerem conhecimento para serem operados. Através deles interagimos com pessoas de quaisquer lugares do mundo. Cada vez precisamos estudar mais, nos atualizarmos e, mesmo assim, percebemos que o que aprendemos se torna obsoleto muito rapidamente, exigindo-nos mais e mais esforços se quisermos preservar ou galgar posições no mercado global e competitivo dos dias atuais.

Crises de todo tipo povoam os noticiários, deixando-nos com a impressão de que o fim do mundo é iminente. Pessoas enlouquecem; ficam estressadas, buscam na religião e no misticismo o amparo de que precisam para se equilibrar nesse mundo de constantes, rápidas e complexas transformações.

Cada um escolhe seus caminhos. A construção do futuro está em nossas mãos, seja como indivíduos, seja como sociedade.

Precisamos compreender a sociedade em transformação, de modo que possamos melhor nos situar dentro dela, e escolher caminhos de forma mais consistente, amparada em informações confiáveis e não apenas no senso comum, no

24

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a conhecimento difuso, não sistematizado e cheio de preconceitos e desinformação, que nos chega aos ouvidos na rua ou nos meios de comunicação a todo o momento, por vezes nos induzindo ao erro; a nos movermos por instinto e não pela razão.

Nunca antes foi tão importante compreender o ambiente em que estamos para nele sobrevivermos, projetarmos o futuro e construirmos o caminho que queremos trilhar, em direção às metas que nos são impostas ou que escolhemos perseguir.

Muitas vezes, aqueles de nós que escolhemos profissões técnicas desdenhamos a importância das Ciências Sociais. Achamos que não é necessário entender o social para sobrevivermos num mercado de trabalho que nos demanda, cada vez mais, a hiperespecialização técnica.

Tal como maus motoristas numa estrada escura; esquecemos de ligar o farol alto, e dirigimos olhando apenas para o espaço imediatamente à frente, iluminado pela luz abrangente, mas de curto alcance, que nos proporciona o farol baixo. O farol baixo é o conhecimento técnico, aplicado e muito útil para a sobrevivência no dia a dia. O farol alto é a cultura geral e o conhecimento teórico, que nos são imprescindíveis para enxergarmos mais longe; para escolhermos caminhos. Os dois tipos de conhecimentos são úteis e necessários. Mas, hoje em dia, quanto mais técnica e especializada a atividade que exercemos, maior o risco que corremos de que novas descobertas científicas e tecnológicas tornem obsoleto o conhecimento que temos, levando consigo nossos postos de trabalho, nossa profissão até.

Por isso, agora como nunca, é preciso buscar a cultura geral e o conhecimento teórico sobre a realidade complexa que nos cerca, para que possamos transformar o período de intensas e rápidas mudanças pelo qual estamos passando, em oportunidades para nosso crescimento, e não em ameaças à nossa sobrevivência, em função da nossa incompreensão sobre o que se passa à nossa volta, e de nossa incapacidade, daí decorrente, para perceber as oportunidades e tomar as decisões certas.

2.1 A tecnologia mudando a vida de cada um e de todosAs mudanças tecnológicas, ao longo da história, antecederam grandes mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais. As tecnologias interferem diretamente na forma com nós produzimos aquilo de que necessitamos para viver em sociedade. Sempre que desenvolvemos novas tecnologias para tornar mais eficiente a forma de produzir bens e realizar serviços ou melhorar nossas vidas, somos levados a reorganizar nossa maneira de trabalhar, e, com isso, terminamos mudando, também, nosso modo de vida.

O desenvolvimento da tecnologia digital e a fusão da informática com as telecomunicações, associadas às tecnologias de automação que vêm sendo

25

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aimplantadas no mundo do trabalho e na vida cotidiana dos cidadãos contemporâneos está proporcionando o surgimento de uma realidade nova, infinitamente mais complexa do que a vigente na sociedade até então.

O uso em escala comercial e em âmbito mundial de sistemas de transporte de grandes quantidades de mercadorias e passageiros, permitindo deslocamentos rápidos de um lado para outro do planeta, agrega-se a esse processo de transformação, introduzindo mais complexidade às mudanças que estão ocorrendo nas relações sociais a partir do impacto dessa nova realidade sobre a vida individual e coletiva na sociedade contemporânea.

O paradigma estruturador desse novo sistema é o das relações-rede. Desde que nos entendemos como sociedade desenvolvemos redes de relacionamento social. Temos redes de contatos profissionais, redes de amigos, redes de consumidores de certos produtos e serviços. Essas redes de relacionamento, portanto, já existiam antes do surgimento da base tecnológica da sociedade atual. Mas esse fenômeno foi ampliado em sua abrangência a partir do uso em escala das redes digitais de comunicação. Por relações-rede entendem-se relações sociais entre indivíduos e/ou grupos e organizações, estabelecidas tal como acontece nas redes de computadores e na internet.

A ampliação da abrangência e do impacto das relações-rede pelo uso das redes de comunicação baseadas em tecnologia digital ocorre devido às características intrínsecas a essa tecnologia.

O meio digital possibilita a ampliação em larga escala da quantidade de canais disponibilizados a usuários de perfis diversos. Permite, também, o uso do mesmo suporte para veiculação de informações em linguagem multimídia, isto é, através de arranjos múltiplos, combinando mensagens com dados, imagens, som e texto. Torna-se possível ainda, com a tecnologia digital, a interatividade e a multidirecionalidade da comunicação entre emissores e receptores; a intervenção do receptor sobre a mensagem recebida e sua reelaboração conforme a livre interpretação do receptor, que, assim, se converte em emissor.

A rede digital cria, então, uma dimensão virtual de relacionamentos sociais e comunicacionais de novo tipo, pois, em função dessas características da tecnologia digital, estabelecem-se relações multidimensionais entre emissores-receptores e receptores-emissores no espaço intangível que vem sendo chamado de realidade virtual, ou de nuvem, como se define esse espaço virtual no qual se armazenam ou por onde transitam as informações que jogamos para dentro das redes de computadores. Essa combinação de fatores, por sua vez, levou à multiplicação, em escala exponencial, das relações interativas entre indivíduos direta ou indiretamente conectados por esse sistema, influenciando, inclusive, o surgimento de novas relações-rede entre indivíduos.

26

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a O conceito de relação-rede pressupõe que essas relações sociais de novo tipo, isto é, estabelecidas sob o impacto direto e indireto da tecnologia digital, vão, gradativamente, se sobrepondo ao paradigma das relações analógicas, sincrônicas, lineares, unidirecionais, unidimensionais e verticais, típicas da matriz sistêmica da sociedade urbana e industrial.

2.2 Trabalho e consumo na sociedade-redeTodas as sociedades desenvolvem matrizes organizacionais que as caracterizam. As estruturas sociais, de produção ou de poder, possuem relação com a matriz tecnológica de cada sociedade. Dessa forma, quando a humanidade produzia de forma artesanal e predominava a agricultura, nossos valores culturais e formas de organização eram diferentes daqueles que estabelecemos como sociedade após o surgimento das fábricas, dos equipamentos mecânicos e das cidades. A matriz sistêmica da sociedade contemporânea é tecnológica e fortemente marcada pela presença das redes digitais.

Numa sociedade cuja matriz sistêmica é baseada nas relações-rede, articuladas em escala mundial, a riqueza também circula nessa teia, na velocidade do pensamento. As relações-rede revolucionaram os sistemas de comunicação e, simultaneamente, os métodos de gestão da produção. A sincronização e a massificação das mercadorias padronizadas pelo método da especialização do trabalho na linha de montagem, típicas da produção industrial, foram convertidas em assincronia, aleatoriedade e segmentação da produção e do consumo da produção automatizada e seus métodos revolucionários de gestão.

Do mundo do trabalho e do consumo, essas relações influenciaram as relações sociais propriamente ditas, alterando comportamentos, atitudes, a visão de mundo, os valores e as formas de convívio entre pessoas e grupos sociais, em escala local e global, especialmente a partir da conexão digital entre usuários domésticos através da televisão e da internet. Em seguida, a mobilidade da telefonia celular e dos computadores portáteis possibilitou a conexão 24 horas que registra taxas de crescimento impressionantes no mundo todo.

2.3 Comportamento social na sociedade-redeO impacto da comunicação estabelecida através desses meios, em escala global, muda o comportamento social dos milhões de usuários dessas tecnologias; influenciando as relações sociais, políticas, econômicas e culturais individuais e coletivas; substituindo em velocidade e abrangência impressionantes a comunicação e o comportamento de massas, típico da matriz industrial, que se baseava na oferta de enormes quantidades de produtos iguais para consumo de massas. No mundo das comunicações, a lógica era a da emissão de uma só mensagem-mercadoria de

27

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

acada vez, para milhões de pessoas, através de canais padronizados e unidirecionais de comunicação e distribuição. Os canais de televisão aberta transmitindo a mesma programação, ao mesmo tempo, para milhões de pessoas em todo o País, são o exemplo típico dessa lógica.

Inicialmente, os analistas que estudavam a globalização das comunicações em redes imaginavam que disso resultaria a homogeneização da cultura mundial e o desaparecimento das diferenças pela padronização do consumo de produtos das marcas globais. O erro dessas análises estava na aplicação da ótica da massificação industrial do passado à análise de uma sociedade e de uma economia que não é mais industrial, mas, sim, pós-industrial.

Esses estudiosos ignoravam o efeito da compressão – ou supressão – da relação tempo-espaço sobre os processos sociais; da interatividade, da multidirecionalidade e da multidimensionalidade das relações que se estabelecem entre os indivíduos conectados em rede. Essas tecnologias induziram à desmassificação da produção, à segmentação do consumo e do comportamento dos consumidores e do tecido social, e o surgimento da economia simbólica provocada pela desmaterialização da riqueza. A desmaterialização decorre da produção e/ou agregação de valor aos produtos pela imagem que dele fazem os consumidores em função do valor simbólico das marcas midiatizadas. Os produtos e as mensagens, hoje, são segmentados, quase personalizados. A produção se dirige para grupos de consumidores e receptores de mensagens cada vez mais diversos e específicos.

Dessa forma, a ampliação em escala das relações-rede para além do comportamento de consumo transborda para as novas formas de conexão entre indivíduos, grupos, organizações, empresas, setores ou regiões do mundo, convertendo-se em nova matriz social sistêmica.

2.4 O poder do conhecimento na sociedade-redeA lógica desse novo sistema social, por sua vez, requer novas teorias e sistemas conceituais que os expliquem, pois não é possível compreender a natureza e o sentido dessas mudanças a partir das teorias do passado. O uso dessas tecnologias requer usuários dotados de conhecimento, capacidade criativa e inteligência, características que, em tese, estão disponíveis a quaisquer indivíduos. Através da educação e da pesquisa científica, torna-se possível a qualquer indivíduo, empresa ou nação a obtenção dos mesmos conhecimentos que seus competidores têm numa economia aberta e numa sociedade livre.

A riqueza e o poder, nessa sociedade, “procurarão” àqueles que souberem enxergar as oportunidades e se anteciparem aos seus concorrentes na disputa pela ponta da produção de novos conhecimentos. O conhecimento é a fonte-chave da riqueza e do poder nessa nova sociedade, portanto. Em função disso, as tecnologias de

28

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a produção, o acesso às redes de comunicação digital e de transporte intermodal, a disponibilidade de fontes renováveis de energia e o posicionamento geográfico em relação aos mercados de consumo do planeta tornaram-se estratégicos para que produtos e serviços cheguem mais rápido aos compradores e fornecedores.

Nesse novo mercado da competição global aberta, um grupo limitado de corporações transnacionais concentra a liderança dos mercados de computação, de telecomunicações, de biotecnologia e da química fina, e outras do gênero, todas elas áreas que requerem altos investimentos em pesquisa e produção de conhecimentos novos, mas geram valor agregado e muita riqueza.

A velocidade das empresas da ponta mais avançada desse sistema impõe seu ritmo aos seus fornecedores, e, como consequência, à economia mundial como um todo. Agilidade, flexibilidade, inteligência, criatividade, credibilidade, iniciativa e autonomia são imprescindíveis num sistema com essas características (TOFFLER, 1990, p.421).

Na competição econômica, a riqueza se desloca rapidamente para os bolsos dos fornecedores que conseguem atender seus clientes no momento e da forma demandadas.

A capacidade de pesquisar, selecionar, classificar, analisar e interpretar informações e convertê-las em conhecimento tornou-se um produto-serviço de alto valor agregado nesse sistema. O sistema, por sua vez, é alimentado e realimentado por usuários que injetam na rede o capital simbólico; intangível, resultante de suas inteligências e capacidades criativas interagentes, num processo que cresce em velocidade e volume exponenciais, movimentando uma gigantesca rede de relações sociais, políticas, econômicas e culturais.

Volumes incomensuráveis de mensagens-mercadorias, em formatos multimídia, trafegam pelo planeta na velocidade do pensamento e são absorvidas, em geral de forma não percebida, por bilhões de pessoas. Muitas dessas pessoas se convertem em reprodutores ou mesmo criadores de mais riqueza através da transformação dessas mercadorias-mensagens em novas fontes de riqueza intangível.

Nesse processo, influenciam-se a percepção do mundo e os sentidos absorvem, processam e decodificam esses estímulos, convertendo-os em atitudes, comportamentos e novas relações-rede que realimentam o processo numa espiral sem fim.

Indivíduos, empresas, regiões e nações, mais ou menos integrados ao novo sistema, veem-se imersos numa cadeia de transformações microeconômicas e micropolíticas; macroeconômicas e macropolíticas, deslocando das suas posições de poder político e econômico, aqueles que compuseram a elite remanescente do sistema social anterior. A revolução nos métodos de gestão das empresas; o desmoronamento do império soviético; o abalo nas estruturas do Estado-nação moderno; as crises

29

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

afinanceiras globais e as transformações nas estruturas familiares, dentre outras mudanças dessa magnitude, são parte inseparável desse mesmo processo.

As novas pesquisas sociais sobre o impacto desses fenômenos revelam que o bombardeio das mensagens desse complexo sistema de comunicações transforma o psiquismo de indivíduos e comunidades; na medida em que são interligadas como polos situados em pontos distantes uns dos outros. Sem a conexão em rede em escala global, esses indivíduos sequer tomariam conhecimento da existência desse “outro”. Mudanças profundas nas identidades sociais e individuais dos receptores das mensagens multimídia em circulação no sistema estão sendo constatadas em todos os cantos do planeta, para muito além das primeiras leituras desse processo, que viam apenas massificação e padronização global das identidades culturais e individuais.

2.5 Mudança cultural e mudança social da sociedade-redeA comunicação on-line em tempo real comprime o tempo-espaço, alterando a percepção que as pessoas têm da realidade. Sociedades situadas em extremos distantes do mundo, com histórias e culturas distintas; tempos, estágios e ritmos diferentes de desenvolvimento sofrem o impacto das informações que circulam em alta velocidade pelos canais que transportam, de um lado para outro do planeta, o novo capital simbólico. Mudam modos de vida, percepções e expectativas que os indivíduos e comunidades alimentam sobre o futuro. O tecido cultural e social tradicional é permanentemente trespassado por essas informações, fazendo com que o local não tenha mais identidade “objetiva” fora de sua relação com o global.

Sob essas circunstâncias, desestabilizam-se as estruturas e a lógica de funcionamento do sistema social, gerando crises e conflitos sociais, políticos e econômicos nunca antes observados com a forma e a escala com que se apresentam.

Assumimos a condição de civilização humana a partir do momento em que abandonamos o uso da violência bruta para resolver conflitos e criamos organizações e regras de convivência não violenta. O espaço das funções de mediação social – antes exclusivamente exercidas por instituições, organizações e leis – está sendo invadido pelas novas relações de mediação simbólica, geradas a partir do sistema de comunicações em redes digitais, que influenciam o comportamento, a percepção do mundo e as relações sociais de novo tipo que emergem e se impõem na mesma proporção em que cresce o acesso da população mundial aos novos meios de comunicação-relação rede. As mensagens lançadas às redes de comunicação influenciam comportamento, reproduzem valores; moldam nossos modos de vida.

30

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a 2.6 Mudança política na sociedade-redeNesse contexto de crise do sistema de regras e instituições em descompasso com a dinâmica das mudanças, a disputa pelo poder e pela influência sobre consumidores e cidadãos-eleitores também é invadida pelas relações-rede, desestruturando partidos políticos e organizações sociais e políticas tradicionais.

A relação entre líderes e liderados, governantes e governados, vendedores e consumidores, não é mais apenas direta, mas, sim, cada vez mais mediada pelos sistemas de comunicação digital em rede. A ferramenta estratégica desse novo mercado é a produção e a veiculação de mensagens em todos os meios, seja na mídia de massas (TV, rádio, imprensa), remanescente, mas que incorpora a interatividade digital, seja na mídia segmentada dos novos canais-rede (internet, computação e telefonia móveis).

Essa nova realidade, que acontece em escala mundial e conecta todas as regiões e indivíduos do planeta através de redes digitais, abala as estruturas do poder e suas instituições, exigindo um novo tipo de Estado, que incorpore a lógica das redes: o “Estado-rede”, em experimentação e crise na Europa unificada de hoje.

As relações-rede, como já dito, são aleatórias, assincrônicas, multidirecionais, interativas, não lineares, fragmentadas e sugerem níveis de complexidades que sequer se podem imaginar hoje quando essa realidade ainda é muito recente.

2.7 Poder simbólico na sociedade-redeNesse novo sistema social, a produção e a veiculação de mensagens envolvem relações de poder. O uso estratégico das redes de comunicação por agentes sociais, econômicos e políticos, visando influenciar condutas e atitudes políticas, sociais e/ou de consumo, tornou-se parte do novo jogo do poder econômico e político no mudo. Antes se falava em sindicatos poderosos, partidos poderosos, empresas poderosas. Hoje se fala em polos de poder distribuídos pelo tecido social, envolvendo ONGs, movimentos sociais, religiões, mídia, dentre outras forças em operação na cena do poder nacional e internacional. Entender como funcionam esses polos de poder e como se estabelecem as relações de poder numa sociedade que se articula em redes é condição para enxergar e aproveitar oportunidades e escapar da condição de vítima ingênua do jogo de interesses alheios.

Autores que estudam essa problemáticaa desenvolveram um modelo sistêmico para explicar de forma esquemática e sintética o que chamam de circuitos culturais, que

a Richard Johnson, Paul du Gay e Stewart Hall.

31

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

adescreve a forma como circulam as trocas simbólicas no ambiente das relações-rede. O diagrama abaixo contém cinco pontos que representam momentos do processo circulação dos símbolos no circuito. São eles: a produção (ou reprodução); o consumo; a regulação; a representação e a identidade.

A produção decorre de ações de conversão de algo, material ou não, num produto simbólico distinto daquilo do que lhe deu origem. Isto é capital simbólico, ou, produção de riqueza de novo tipo. O consumo desse “produto” acontece quando ele é gasto ou usado; isto é, quando o produto simbólico influencia atitudes e ou expectativas e vontades dos receptores como reação ao estímulo induzido pelo impacto do bem simbólico sobre seus sentidos.

Esse bem simbólico, ao ser veiculado e absorvido pelos receptores, converte-se em regulador das relações sociais, ao estimular comportamentos e a criação de valores materiais e simbólicos.

O momento da representação nesse processo de circulação é resultado da associação dos sentidos e da percepção do receptor ao bem simbólico. Os artefatos simbólicos resultam de imagens ou representações projetadas pelos seus produtores-emissores do bem-mensagem, com o objetivo de captar a identificação dos receptores, e, com isso, estimular o consumo, o apoio político, ou a formação de comunidades reais ou virtuais, quando ocorrem por geração espontânea de usuários movidos por relações não pragmáticas, como as produzidas por agentes políticos ou de mercado.

Os receptores, ao seu tempo, identificam-se ou não com a representação contida na mensagem, interpretam os códigos simbólicos que recebem e os leem de formas aleatórias e imprevisíveis, recriando-as e repondo-as em circulação; conferindo-lhes novas “embalagens”. A identificação – ou identidade – corresponde à forma como os sujeitos se posicionam em relação às representações em circulação no mercado de bens simbólicos. Assim, os produtores-emissores tentam captar a identificação dos receptores com suas mensagens, conforme sua capacidade de seduzir o público com suas mensagens.

Os pontos-momento do processo se relacionam em quaisquer sentidos e direções, sem obediência a qualquer lógica ou rotina, estabelecendo relações de interdependência e influência recíprocas. Cada ponto, no entanto, difere dos demais pela forma como se liga aos outros. Qualquer lugar pode servir de entrada e saída do circuito.

32

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a

Representação tridimensional do circuito da cultura.b

A malha desse circuito envolve os indivíduos numa tempestade de signos permanente e intensa. O sujeito social contemporâneo assimila os significados produzidos pelas representações lançadas na rede e atribui sentidos às suas percepções e experiências.

O indivíduo se localiza no espaço-tempo através das referências que o cercam e sente-se psicologicamente seguro ao construir um conjunto de referências simbólicas que lhe garantem estabilidade emocional, na medida em que se identifica com as representações correspondentes às suas expectativas e desejos. Suas expectativas e desejos, no entanto, também nascem sob influência dos estímulos recebidos pelo bombardeio de símbolos a que esse indivíduo é submetido por estar exposto ao ambiente social simbólico que o diagrama representa graficamente.

Para que esse processo seja eficaz, é necessário que os bens simbólicos em circulação encaixem-se no universo representado assumindo as características de um ambiente que simula, como se fosse real, algo que está no imaginário do destinatário da comunicação.

A eficácia dos bens simbólicos como mensagens indutoras de comportamentos pode ser medida por sua capacidade de influenciar indivíduos pela identificação com os significados e as representações construídos.

Vejamos um exemplo desse mecanismo operando na área do marketing viral. No ano de 2012, a Coca-Cola lançou uma campanha publicitária a partir das redes sociais. O nome da campanha era “Descubra sua Coca-Cola”. A campanha consistia de disponibilizar aos usuários do Facebook, por exemplo, a possibilidade

b A representação gráfica do circuito da cultura, tal como exposta na Figura 1, é criação do designer gráfico Manoel Petry e foi originalmente publicada no livro O gauchismo no marketing de Olívio Dutra, a partir de briefing deste autor.

33

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

ade substituir a marca Coca-Cola Zero na latinha de refrigerante pelo seu nome ou pelo nome de outra pessoa. Entrando na página da campanha no Facebook, o usuário clicava num aplicativo que substituía a marca por seu nome. Após executar essa operação, o aplicativo publicava na rede social um banner da latinha com seu nome impresso no lugar da marca. O slogan da campanha era “Quanto mais Coca Cola, melhor”. Esse slogan, portanto, passava a conter nome impresso na lata em substituição. Em consequência, se o nome do usuário fosse João, o slogan se convertia em “Quanto mais João melhor”. Demais elementos gráficos e visuais da latinha e do anúncio permaneciam idênticos no banner, de modo a conectar a mensagem pessoal do usuário com a identidade visual da Coca Cola. Amigos do usuário que se identificou com a brincadeira passavam a curtir e compartilhar a latinha-banner e, em seguida, faziam a sua, criando uma teia viral de difusão gratuita da marca Coca-Cola no Facebook.

Não tardaram a surgir iniciativas paralelas de usuários da internet, satirizando a campanha e publicando banners análogos com mensagens tais como: “Quanto mais água, melhor”, impresso numa latinha sem rótulo sob, fundo branco. Ou, “Quanto mais Skol, melhor”, impresso sobre a latinha de cerveja. Outra mensagem que circulou na rede ironizava a campanha com um banner contendo um “X” sobre a latinha e contendo o slogan “Quanto menos marketing viral no Facebook, melhor”. Inúmeras outras iniciativas similares se reproduziram pela rede e, não obstante o recado crítico, todas induziam o usuário que visse esses banners em suas páginas, a se lembrar da campanha da Coca-Cola.

A etapa seguinte da campanha consistiu em lançar às prateleiras dos supermercados os produtos Coca Cola com nomes de pessoas impressos no lugar da marca no rótulo da embalagem do refrigerante. Ao deparar-se com a gôndola de refrigerantes no supermercado, os consumidores passavam a procurar embalagens com o seu nome, alavancando as vendas. Das redes sociais a campanha invadiu as telas da televisão, massificando-a e ampliando a busca pela página da Coca-Cola no Facebook, por consumidores ávidos para carimbar seu nome na latinha virtual.

Esse exemplo é emblemático de um processo que ocorre em profusão na sociedade simbólica em que vivemos, envolvendo indivíduos nas suas relações sociais reais e virtuais. Trata-se de uma campanha de marketing comercial. Mas o fenômeno não se limita às campanhas de marketing concebidas e produzidas por empresas sofisticadas. Em escalas distintas, esse processo se reproduz e multiplica em dimensões exponenciais, o tempo todo, no mundo todo. A aceitação e a conversão das mensagens recebidas em atitudes por parte dos receptores é da livre escolha de quem opta por aderir às representações postas em circulação no sistema pelos construtores-emissores de mensagens. As posições de jogo assumidas pelos indivíduos traduzem-se em

34

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a identidades individuais ou grupais, e, em escala coletiva, podem ser assumidas por grupos sociais, comunidades regionais ou nacionais.

A percepção da realidade pelos indivíduos contemporâneos confere centralidade aos mecanismos produção de representação e construção de identificações, pois os criadores de significados e representações, dessa forma, assumem a posição de jogo de “protagonistas” da história numa sociedade supersimbólica. O sistema cultural, e, dentro dele a comunicação, numa sociedade com essas características, adquire a função de motor fundamental das dinâmicas sociais.

O sociólogo alemão Max Weber, premonitório, anteviu a influência dos fatores subjetivos sobre a ação social humana muito antes da invenção da televisão. Na obra A ética protestante e o espírito do capitalismoc, Weber mostra que o protestantismo – representação simbólica de natureza religiosa – teria exercido função importante na formação do espírito empreendedor dos empresários alemães.

Na sociedade simbólica das relações-rede, o poder igualmente assume contornos simbólicos, pois as disputas políticas também são travadas através das relações de mediação social no contexto dos circuitos da cultura. A disputa pelo poder econômico e político, portanto, também é uma guerra simbólica. Suas armas, dentre outras, são as tecnologias do marketing e da comunicação multimídia.

ReferênciasCASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GAXIE, D. Le cens caché. Inégalités culturelles et ségreation politique. Paris: Du Soleil, 1978; e SOFRES. Opinion publique 1984. Paris: Gallimard, 1984.

GAY, Paul du; HALL, Stuart et al. Doing Cultural Studies: the story oh the Sony Walkman. Sage Publications: London-Thousand Oaks-New Delhi in association with The Open University, 1977.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 1999.

HALL, Stuart. Identidade cultural e diáspora. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 24, 1996, p.68-76.

MCGREW, A. A global society? In: HALL, Stuart; HELD, David; MCGREW, Tony (orgs.). Modernity and its futures. Cambridge: Polity Press/Open University Press, 1992.

SMITH, A. La identidad nacional. Madrid: Trama Editorial, 1991.

SMITH, Anna M. Rastafarian as Resistance and the Ambiguities of Essentialism in the “New Social Movements”. In: LACLAU, Ernesto (org.). The Making of Political Identities. London and New York: Verso, 1994.

TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. São Paulo: Record, 1980.

c WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1987.

35

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a______. Powershift . As mudanças no poder. São Paulo: Record, 1990.

WALLERSTEIN, I. The Capitalist Economy. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.

WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

XAUSA, L.; FERRAZ, F. As eleições de 1966 no RS, RBEP, 23 e 24/7/1967, 1/1/1968.

3 NOVAS IDENTIDADES EM UMA SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

Julieta Beatriz Ramos Desaulniers

IntroduçãoSabemos, por experiência própria, que o ritmo de mudanças em relação a tudo que nos rodeia parece intensificar-se a cada dia. E, para quem ainda não se deu conta disso, na prática, basta apenas lembrar um aspecto que é indicador por excelência da passagem do tempo – data de validade: seja de acontecimentos, artefatos, alimentos ou idade de seres vivos (humanos ou não). Refletir sobre o quanto isso mobiliza as pessoas na contemporaneidade parece suficiente para nos flagrarmos de que estamos passando por profundas transformações.

Esse fenômeno intensifica-se com a última revolução tecnológica, a partir da segunda metade do século XX, quando se instauram novas formas de comunicação, que se estendem rapidamente por todo o tecido social, gerando profundas mudanças nas relações que fundamentam a produção da sociedade. Tais tecnologias sintetizam o conjunto de saberes acumulados pelas iniciativas e ações desenvolvidas pela humanidade, constituindo novos suportes à interação social.

Nesse contexto, a todo e qualquer processo impõe-se mais velocidade, independente de área ou campo em que ele se situe no espaço social, já que agora os eventos disseminam-se ao mesmo tempo e para todos os lugares. Assim, rompe-se o paradigma que se sustenta na especialização associado à visão linear e fragmentada, passando a predominar a perspectiva da complexidade, que se apoia em princípios vinculados à digitalidade. Instaura, igualmente, a “incerteza como forma social” (KOKOREFF & RODRIGUES, 2005, p.6), tanto que as “leis da física quântica exprimem possibilidades e não mais certezas” (PRIGOGINE, 1996, p.13). Ou seja, as ciências antes tidas e classificadas como exatas, na prática, não apontam certezas e sim probabilidades.

38

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a 3.1 Indivíduo, individualidades, individualização*Afinal, do que se está falando?

Trata-se da era digital, na contemporaneidade, que se constitui pelo conjunto de transformações provocadas pela introdução de novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC). Esse processo impõe uma reflexão em busca de uma explicação para a singularidade dos seres que lhe facultam / concedem / outorgam a sua crescente autonomia. Desse ponto de vista, a questão do indivíduo parece igualmente assumir sentido de desafio à análise no campo das ciências humanas e sociais, e, por isso, os debates são ainda mais intensos (MOLÉNAT, 2006, p.38).

Indaga-se, então: tal fenômeno pode ser considerado como produto de um processo de evolução histórica ou liberado das tradições? Reflexivo ou pressionado pela urgência? Identidade(s), individualidade(s) e/ou indivíduo – como categorias de análise –, estão para se tornar o tema predileto de análises de cientistas sociais?

• Indivíduo*

Pode-se dizer que “vivemos em uma sociedade onde o indivíduo ganhou em liberdade, mas perdeu em certezas”. De um lado, o indivíduo se emancipa por dispor de meios para realizar e cumprir o que se apresenta como seu destino pessoal (no consumo, em comunicação e mobilidade, etc.). Mas, de outro lado, evolui também num universo em que as regras se tornam mais frouxas ou instáveis (KOKOREFF & RODRIGUES, 2005).

É consenso entre pensadores que o conjunto de mutações que colocam em jogo posições e tomadas de posição dos agentes sociais “navega para longe (...) para além do alcance do controle dos cidadãos, para a extraterritorialidade das redes eletrônicas” (BAUMAN, 2001, p.50). Quando falamos em extraterritorialidade, estamos nos referindo à ideia de que, com a internet, os territórios hoje são redefinidos, não são mais limitados ao espaço físico, demarcado, delimitado. Na era digital, o espaço é desterritorializado, e o tempo, atemporal. Por isso vivemos todos hoje em uma aldeia global, interligada, conectada, em rede. Em outros termos, parece decisivo o papel que as NTIC assumem nesse processo, como principal mediação nas relações desencadeadas pelos indivíduos na construção do social em tempos líquidos.

Afinal, “numa sociedade de indivíduos cada um deve ser um indivíduo” e, “ser um indivíduo significa ser diferente de todos os outros” (BAUMAN, 2007, p.25-26). E ser um indivíduo é aceitar uma responsabilidade inalienável pela direção

* Mais detalhes referentes a esse item, consultar DESAULNIERS, Julieta Beatriz Ramos. Formação e cidadania em tempos líquidos: desafios e possibilidades. Trabalho apresentado no ISA, 2/2008.

39

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

ae pelas consequências da interação. E “A livre escolha pode ser uma ficção, mas a presunção do direito de escolher livremente transforma essa ficção numa realidade” (BAUMAN, 2007). Ficção, no sentido de que somos induzidos a escolher, dentre opções predeterminadas e, não só fogem necessariamente do nosso controle, como não nos trazem garantia nenhuma de sucesso.

É certo que, para ser um indivíduo “numa sociedade de indivíduos custa dinheiro, muito dinheiro” (p.37), mas “render-se às pressões da globalização, nos dias de hoje, tende a ser uma reivindicação em nome da autonomia individual e da liberdade de autoafirmação” (BAUMAN, 2007, p.53).

Por isso, a autonomia do indivíduo é uma exigência, colocando-o muitas vezes em uma situação de ansiedade, já que cada ser não dispõe dos mesmos recursos para enfrentar possíveis mudanças com as quais venha a se deparar. Nessa perspectiva, a produção do social tende a se apoiar cada vez mais no potencial do indivíduo que, por sua vez, passa a depender de suas possibilidades para interagir e, assim, construir sua(s) identidade(s), visando fortalecer a sua individualidade.

Vale observar que tal processo é permeado por mobilidade, desejos voláteis, flexibilidade, capacidade para assumir riscos, responsabilidade por si, atuação em rede, identidade construída de valores ‘líquidos’, tensão entre escolhas (contraditórias), desejo de errância (BAUMAN, 2000).

Hoje, quando se ouve a palavra indivíduo, dificilmente se pensa em indivisibilidade, se é que se chega a pensar nisso. “Pelo contrário, indivíduo (tal como o átomo da física química) se refere a uma estrutura complexa e heterogênea com elementos notoriamente separáveis mantidos juntos numa unidade precária” (BAUMAN, 2007). E, ainda, “bastante frágil por uma combinação de gravitação e repulsão de forças centrípetas e centrífugas num equilíbrio dinâmico, mutável e continuamente vulnerável” (BAUMAN, 2007).

Enfim, nesses tempos, conforme Bauman, “tudo corre agora por conta do indivíduo”. Cabe a ele descobrir o que é capaz de fazer, (...) “esticar essa capacidade ao máximo e escolher os fins a que essa capacidade poderia melhor servir” (2001). Pois, “numa sociedade de consumo, compartilhar a dependência de consumidor – a dependência universal das compras – é a condição sine qua non de toda liberdade individual; acima de tudo da liberdade de ser diferente, de ter identidade” (BAUMAN, 2001, p.98).

• Individualidade*

Autores apontam para o seguinte paradoxo: ao contrário da sociedade industrial, que produzia produtos e indivíduos, “a sociedade de consumo revela-se incapaz de produzir indivíduos que sirvam a ela e de servir-se dos indivíduos que ela produz”. Por isso, “não há, simplesmente, sociedade o bastante para que os indivíduos

40

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a possam definir-se pela maneira pela qual servem a ela”. Então, “no lugar de servir, trata-se agora de produzi-la” (GORZ, 2004, p.77). Por isso, “devemos nos emancipar, ‘libertar-nos da sociedade’, mesmo se (...) poucas pessoas desejam ser libertadas” (BAUMAN, 2001). Ou seja, não há opção.

Nessa perspectiva “a individualidade é uma fatalidade, não uma escolha” (2001, p.43) e a “liberdade louvada pelos libertários não é, ao contrário do que eles dizem, uma garantia de felicidade. Vai trazer mais tristeza que alegria” (BAUMAN, 2001). Ou seja, em outras palavras, enquanto indivíduo eu sou aquilo que eu posso ser, e não há modelo pronto de como eu deva ser. Por exemplo, as organizações procuram empreendedores, procuram pessoas que empreendam, mas não há um modelo de como ser e não será você, mesmo que seja um empreendedor de sucesso, um modelo aos outros. O ritmo de mudanças e a complexidade dos fatores que incidem em uma determinada realidade é muito grande e crescente. Em outras palavras, individualidade... “significa em primeiro lugar a autonomia da pessoa, a qual, por sua vez, é percebida simultaneamente como direito e dever” (BAUMAN, 2007). Ou seja, “antes de qualquer outra coisa, a afirmação ‘eu sou um indivíduo’ significa que sou responsável por meus méritos e meus fracassos e que é minha tarefa cultivar os méritos e reparar os fracassos” (BAUMAN, 2007). É preciso apropriar-se de si mesmo.

Em mais detalhes, significa dizer que a “responsabilidade em resolver os dilemas gerados por circunstâncias voláteis e constantemente instáveis é jogada sobre os ombros dos indivíduos”, assim como “a virtude que se proclama servir melhor aos interesses do indivíduo não é a conformidade às regras, mas a flexibilidade: a prontidão em mudar repentinamente de táticas e de estilos, abandonar compromissos e lealdades sem arrependimento – e buscar oportunidades mais de acordo com sua disponibilidade atual do que com as próprias preferências” (BAUMAN, 2007b, p.10).

Tudo isso porque “a força da sociedade e o seu poder sobre os indivíduos agora se baseiam no fato de ela ser ‘não localizável’ em sua atitude evasiva, versátil e volátil, assim como na imprevisibilidade desorientadora de seus movimentos” (BAUMAN, 2005, p.58-59). Exemplo disso é o efeito que as eleições norte-americanas podem desencadear na vida do cidadão brasileiro, na relação com o Estado brasileiro e sua enorme carga tributária, com os serviços básicos, com a bolsa de valores e com a própria natureza. Estamos interligados e inter-relacionados com tudo e com todos, interdependentes.

• Individualização*

Tal processo consiste em “transformar a identidade humana de um ‘dado’ em uma ‘tarefa’” (2001, p.40), já que “numa sociedade líquido-moderna, as realizações

41

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aindividuais não podem solidificar-se em posses permanentes porque, em um piscar de olhos, os ativos se transformam em passivos, e as capacidades, em incapacidades” (BAUMAN, 2007, p.7). Daí que vida em tempos líquidos “significa constante autoexame, autocrítica e autocensura”, que “alimenta a insatisfação do eu consigo mesmo” (BAUMAN, 2007, p.19).

Bauman observa que a “sociedade de consumo líquido-moderna despreza os ideais de longo prazo e da totalidade” (2001, p.63) e, do mesmo modo, se engana quem “espera encontrar um lugar, um futuro balizado, uma segurança, uma utilidade na sociedade – a sociedade do trabalho –, pois ela está morta”. Por isso, “é preciso que as mentalidades mudem para que a economia e a sociedade possam mudar” (GORZ, 2004, p.69-71). A ideia de totalidade reporta-nos a um estágio do desenvolvimento capitalista que hoje está superado. Reporta-nos à sociedade industrial, que não existe mais, na qual a sociedade estruturava o indivíduo.

3.2 Identidades: uma categoria, várias abordagens Identidades assumem novas configurações, visto que passam a ganhar “livre curso, e agora cabe a cada indivíduo, homem ou mulher, capturá-las em pleno voo, usando seus próprios recursos e ferramentas. O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio um sentimento ambíguo” (BAUMAN, 2005, p.35).

Concebe-se identidade como algo que nos é revelado somente através de um processo de invenção; “como alvo de um esforço, ‘um objetivo’; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais” (2005, p.21-22).

Provavelmente, “fiquemos divididos entre o desejo de uma identidade de nosso gosto e a escolha e o temor de que, uma vez assumida essa identidade, possamos descobrir, como se não existisse uma ‘ponte se tivéssemos que bater em retirada’” (2005, p.105), pois identidade é uma ideia inescapavelmente ambígua, uma faca de dois gumes (BAUMAN, 2005, p.82). Além disso, “mudar de identidade pode ser uma questão privada, mas sempre inclui a ruptura de certos vínculos e o cancelamento de certas obrigações. E, ainda, “os que estão do lado que sofrem nunca são consultados, e menos ainda têm chance de exercitar sua liberdade de escolha” (BAUMAN, 2001). É essencial, nesse sentido, tomar conta de sua vida e suas escolhas.

Igualmente, de acordo com a abordagem de Stuart Hall, o sujeito pós-moderno “não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente”, já que está em processo constante de formação. Afirma que, embora a noção de identidade esteja relacionada a “pessoas que se parecem”, “sentem a mesma coisa” ou “chamam a si mesmas pelo nome”, estes elementos são referenciais insuficientes, pois não

42

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a satisfazem aos pressupostos necessários à compreensão adequada do fenômeno da identidade (HALL, 1998, p.45).

Como um processo, assim como uma narrativa ou como um discurso, “a identidade é sempre vista da perspectiva do outro” (HALL, 1998, p.45). Essa é uma formulação fundamental, porque nos leva a considerar que identidades só podem ser vislumbradas no que têm a dizer – sobre si e sobre o seu outro, na relação com o outro.

Hall argumenta que a formação de nossas identidades se dá culturalmente, ou seja, passa por uma escolha pessoal, mas fundamentalmente passa pela mediação de aspectos objetivos, presentes em normas, instituições, e atividades, enfim, nas ações e estruturas sociais contextualizadas em um determinado tempo e lugar.

Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso fragmenta as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, forneciam a todos sólidas localizações como indivíduos sociais. Essas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados à sociedade.

Para Hall, um processo irreversível de fluidez das culturas vem desenvolvendo o estreitamento das nações, pondo em evidência o vínculo do homem com as sociedades, testando-os como seres que se localizam em meio a um campo social e cultural indefinido. Nesse sentido, alerta sobre o papel da tecnologia para o cerco perante as identidades tácitas, nos mostrando como o impacto da globalização está mudando as identidades culturais nacionais, raça, gênero, etnia, na medida em que os avanços da globalização vêm fragmentando as regulações culturais das identidades a ponto do surgimento de uma “crise de identidade”.

Tal perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. Como observa o crítico cultural Kobena Mercer, “a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza” (MERCER, 1990, p.43).

Esses processos de mudança, tomados em conjunto, representam um processo de transformação tão fundamental e abrangente que somos compelidos a perguntar se não é a própria modernidade que está sendo transformada (HALL, 1997, p.07-22).

Vale destacar a influência da última fase da globalização sobre as identidades no que tange aos sistemas de representação, pois, ao acelerar processos de tal forma que se sente que o mundo é menor e as distâncias mais curtas, faz com que os eventos em um determinado lugar tenham impacto imediato sobre pessoas e lugares

43

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

asituados a uma grande distância. Isso produziu a “compressão espaço-tempo”, pois “o espaço se encolhe para se tornar uma aldeia ‘global’ de telecomunicações e uma ‘espaçonave planetária’ de interdependências econômicas e ecológicas” (HARVEY, 1989).

Mais recentemente, Canclini também considera a mobilidade identitária tendo muito a ver com as possibilidades de conexão e desconexão das comunicações, ou das redes de informação, entretenimento e participação social ou uma combinação dessas modalidades (CANCLINI, 2005).

Antony Giddens igualmente observa que o processo migratório de culturas passou a testar a estabilidade da identidade, possibilitada principalmente a partir da diminuição da relação tempo/espaço (GIDDENS, 2002). Assim, verificam-se formas de classificação de como as identidades se constroem nesse processo.

Pesquisas têm relacionado identidade e diferença, enfatizando que a migração produz identidades plurais, mas também identidades contestadas, em um processo que é caracterizado por grandes desigualdades. As tendências das culturas se aproximarem diminuindo a disparidade entre tempo e espaço, se inicia a partir da flexibilização das relações sociais, bem como de uma “modernização das instituições”, abordada por Giddens (2002).

Dentre as perspectivas até aqui expostas, oportuno é considerar as ideias de Canevacci, em especial, quando se refere a “um novo sentido de identidade: uma identidade móvel, fluída, que incorporou os muitos fragmentos que – no espaço temporário de suas relações possíveis com o seu eu ou com o outro – se ‘veste’ ou se ‘traveste’ de acordo com as circunstâncias”. Daí, “a chamada personalidade narcisista emergente, que, em nossa sociedade, expressaria uma estrutura de caráter que perdeu interesse pelo futuro...” (CANEVACCI, 2005, p.34).

Nesse contexto, alonga-se a fase mais móvel e criativa do sentir-se jovem – tornar-se um jovem interminável. Assim, “os jovens são atemporais no sentido de que ninguém pode sentir-se como excluído desse horizonte geracional” (CANEVACCI, 2005, p.35-6).

Ao finalizar, mencionam-se argumentos que, em vez de identidades, herdadas ou adquiridas, defendem a utilização da categoria de análise identificação por estar mais próxima da realidade do mundo globalizado. É concebida como uma atividade que nunca termina, sempre incompleta, na qual todos nós, por necessidade ou escolha, estamos engajados. Há pouca chance de que as tensões, os confrontos e os conflitos que essa atividade gera irão subsistir. A busca frenética por identidade não parece ser um resíduo dos tempos pré-globalização que ainda não foram totalmente extirpados, que tendem a se tornar extintos conforme a globalização avança. Pelo contrário. Essa guerra de identificação está em plena marcha na contemporaneidade.

44

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a ReferênciasBAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

______. Vida líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

______. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Zahar, 2007b.

______. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

______. Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

______. Globalização – as consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

______. Em busca da política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

CANEVACCI, M. Culturas extremas, mutações juvenis nos corpos das metrópoles. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

CANCLINI, Nestor García. Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.

CORCUFF, Philippe. As novas sociologias – construções da realidade social. Bauru/SP: Edusc, 2001.

DESAULNIERS, Julieta B. R. Formação e cidadania em tempos líquidos: desafi os e possibilidades. Trabalho apresentado no ISA, 02/2008.

GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

GORZ, André. Misérias do presente, riquezas do possível. São Paulo: AnnaBlume, 2004.

HALL, Stuart. Identidades culturais na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1989.

KOKOREFF, Michel; RODRIGUES, Jacques. Une société de l’incertitude. In: Revue Sciences Humaines, sept-oct 2005.

MERCER, Kobena. Marginalization and contemporary cultures. New York: Cambridge, 1990.

MOLÉNAT, Xavier. Quel individu pour la sociologie? In: DORTIER, Jean-François (coord.). La pensée éclatée – la chronique des idées d’aujour’hui. In: Revue S. Humaines, n.167, jan. 2006.

PRIGOGINE, Ilya. O fi m das certezas – tempo, caos e leis da natureza. São Paulo: Inesp, 1996.

4 JOGO DE ESPELHOS: A CRISE DAS IDENTIDADES SOCIAIS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Paulo G. M. de Moura

IntroduçãoA sociedade contemporânea apresenta um alto grau de complexidade, e a compreensão das transformações por que ela passa requer um olhar igualmente complexo e multidimensional. Isto é, precisamos analisar os acontecimentos e fenômenos sociais por diversos ângulos e recorrendo a diversos instrumentos teóricos para podermos compreender o que se passa em todas as suas dimensões.

Uma dimensão muito importante das transformações em curso na sociedade atual diz respeito à chamada “crise das identidades culturais”. O conceito de identidade diz respeito à forma como nos percebemos ou somos percebidos em sociedade. Formamos nossas identidades por reflexo em relação às pessoas e meios sociais nos quais vivemos. O ambiente social contemporâneo é constantemente bombardeado pelos estímulos da mídia. Consequentemente, nossas identidades sociais experimentam profundas transformações. Entender esse processo é fundamental para compreender a sociedade em que vivemos.

4.1 De que cultura estamos falando?Ao consultarmos o verbete “identidade” no Dicionário Aurélio Século XXId, dentre as possíveis definições encontram-se as seguintes: “Conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa: nome, idade, estado, profissão, sexo, defeitos

d FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio eletrônico século XXI versão 3.0. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 1CD ROM. Produzido por Lexikon Informática.

46

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a físicos, impressões digitais, etc.; ou, ainda, aspecto coletivo de um conjunto de características pelas quais algo é definitivamente reconhecível, ou conhecido”.

Já o verbete “cultura”, na mesma fonte, nos revela uma quantidade bem maior de possíveis definições, dentre as quais se destacam: “O conjunto de características humanas que não são inatas e que se criam e se preservam ou aprimoram através da comunicação e da cooperação entre indivíduos em sociedade [Nas ciências humanas, opõe-se por vezes à ideia de natureza, ou de constituição biológica, e está associada a uma capacidade de simbolização considerada própria da vida coletiva e que é a base das interações sociais.]; a parte ou o aspecto da vida coletiva, relacionados à produção e transmissão de conhecimentos, à criação intelectual e artística, etc.; o processo ou estado de desenvolvimento social de um grupo, um povo, uma nação, que resulta do aprimoramento de seus valores, instituições, criações, etc.; civilização, progresso; atividade e desenvolvimento intelectuais de um indivíduo; saber, ilustração, instrução; refinamento de hábitos, modos ou gostos; apuro, esmero, elegância; Antropologia. o conjunto complexo dos códigos e padrões que regulam a ação humana individual e coletiva, tal como se desenvolvem em uma sociedade ou grupo específico, e que se manifestam em praticamente todos os aspectos da vida: modos de sobrevivência, normas de comportamento, crenças, instituições, valores espirituais, criações materiais, etc. [Como conceito das ciências humanas, esp. da antropologia, cultura pode ser tomada abstratamente, como manifestação de um atributo geral da humanidade (cf. acepç. 5), ou, mais concretamente, como patrimônio próprio e distintivo de um grupo ou sociedade específica (cf. acepç. 6).]; Filos. Categoria dialética de análise do processo pelo qual o homem, por meio de sua atividade concreta (espiritual e material), ao mesmo tempo em que modifica a natureza, cria a si mesmo como sujeito social da história.”

Se procedermos à conversão do verbete “identidade” à condição de “conceito sociológico”, isto é, de ferramenta para a compreensão científica de um determinado fenômeno social, podemos dizer, então, que esse conceito define a forma como indivíduos e coletividades se veem ou são percebidas socialmente.

O mesmo procedimento aplicado ao verbete “cultura” revela-nos dois tipos de definições para o termo; um que se refere à cultura como atividade elitista relacionada à atividade artística ou à erudição de indivíduos ou grupos sociais com acesso à educação e ao conhecimento artístico e de atividades do gênero, e outro, que se refere a uma interpretação mais geral do termo, e que se relaciona a dimensões mais amplas da atividade humana em sociedade, envolvendo hábitos, costumes, valores e práticas sociais generalizadas e acessíveis a quaisquer indivíduos ou grupos sociais, independentemente do acesso que tenham à formação educacional ou ao conhecimento erudito do mundo das artes.

Essa segunda definição do verbete é a que se aplica à conversão em conceito sociológico para fins de estudo da crise das identidades culturais na sociedade contemporânea.

47

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a4.2 O que se entende por “crise das identidades sociais contemporâneasUm dos autores de maior destaque no estudo desse assunto é o cientista social jamaicano radicado na Inglaterra, Stuart Hall, que, num artigo sobre o temae, argumenta que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado”. Para Hall, a “crise de identidade” individual e coletiva tem origem no impacto das mudanças decorrentes do processo de globalização em curso, que estaria “deslocando estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que forneciam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social”.

A globalização é comumente analisada pelo viés econômico. No entanto, ela é, também, um processo complexo e inseparável de suas dimensões de integração social, política e cultural, que decorre da interconexão de todas as regiões e comunidades do planeta Terra por sistemas de comunicação on-line em tempo real. Segundo Hall, esse processo de integração estaria fragmentando as “paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade”, que forneciam “sólidas localizações aos indivíduos sociais” aos indivíduos e coletividades no período antecedente da história.

Identidades individuais contemporâneas estariam recebendo o impacto dessas mudanças. Nesse contexto, desestrutura-se a percepção que os indivíduos contemporâneos têm de si mesmos. Antes nos percebíamos como sujeitos integrados, unos e harmônicos. Já não é mais assim. Segundo estudos contemporâneos, estaria em curso uma desestruturação das identidades dos indivíduos a partir de seu lugar no mundo social e cultural e dos indivíduos propriamente ditos. Esse processo deu origem aos estudos contemporâneos sobre a “crise das identidades culturais”. (HALL, 1999)

4.3 Sujeitos sociais modernos e contemporâneosStuart Hall nos mostra, em seu estudo, que a maneira como a condição de sujeito social é percebida na sociedade moderna evoluiu com o passar do tempo, passando por três diferentes definições:

a) sujeito do Iluminismo;

b) sujeito sociológico;

c) sujeito pós-moderno.

e HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 1999.

48

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a Para Hall, o sujeito do Iluminismo partia de uma concepção de indivíduo autocentrado, segundo a qual a pessoa humana seria totalmente unidimensional, racional e absolutamente consciente de suas ações, orientadas a partir de num núcleo que emergia de seu interior a partir do nascimento, e desenvolvia-se ao longo de sua vida, permanecendo, em essência, inalterada.

A noção posterior, de sujeito sociológico, partia da compreensão de a identidade dos sujeitos sociais decorrer de um processo de construção interativa da personalidade dos indivíduos, e refletia a complexidade do mundo moderno emergente. Ou seja, a evolução da sociedade moderna levou à compreensão de que aquele “núcleo interior” do sujeito Iluminista não possuía a suposta autonomia e autossuficiência, sendo formado na interação com os indivíduos com quem se convive socialmente, estabelecendo-se, assim, relações de mediação social, a partir das quais se constroem os valores, sentidos e símbolos sociais; isto é, a cultura que envolve a vida dos indivíduos em sociedade.

Os sujeitos sociais modernos, então, não perderiam sua “essência interior”, mas agregariam a ela novos ingredientes através da interação com o mundo exterior e as identidades que a que ele se expõe ao longo da vida. Estabelece-se, dessa forma, uma conexão entre os processos psíquicos individuais e os processo político-sociais e culturais nos quais o indivíduo se insere. A identidade, portanto, articula sujeito e estrutura, e “estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis”. (HALL, 1999, p.12)

Para Stuart Hall, o impacto da globalização sobre a vida dos indivíduos e das coletividades da sociedade contemporânea estaria transformando essa concepção de identidade do sujeito moderno, levada à crise em função das mudanças estruturais e institucionais do mundo em processo de globalização cultural.

O sujeito da sociedade pós-moderna, então, deveria ser compreendido com alguém que não tem identidade fixa, nem essência una, estável e imutável. O sujeito pós-moderno, dessa forma, se comporia de múltiplas identidades fragmentadas, por vezes até contraditórias ou mesmo não completamente autodefinidas pelo indivíduo.

Imerso num oceano de referências externas, composto de infinitas combinações de imagens, sons, informações e indivíduos multifacetados e globalmente inseridos, real ou virtualmente, em seus círculos de convivência, o indivíduo da sociedade contemporânea estaria assistindo seus sistemas de classificação e construção de significados e representações culturais se multiplicarem e assumirem um grau de complexidade nunca antes experimentado. Dessa forma, o sujeito contemporâneo teria sua identidade lapidada em contextos historicamente circunstanciados, e assumiria, em diferentes momentos e ambientes, identidades múltiplas,

49

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

anão necessariamente ancoradas em suportes individuais, coerentes, estáveis e autodefinidos a partir do seu nascimento e preservado até sua morte.

Para o sociólogo Émile Durkheim (1954/1912), é a organização e a ordenação das coisas através de sistemas classificatórios que leva à construção de significados, pois nas relações sociais as formas de diferenciação simbólica e social (nós/eles; sagrado/profano; brasileiros/não brasileiros) estabelecem-se, em parte, através deles.

Para a cientista social Katherine Woodward, as formas pelas quais a cultura estabelece limites e distinções são fundamentais para compreendermos como se constroem as identidades sociais e individuais, pois: “cada cultura tem suas próprias e distintivas formas de classificar o mundo. É pela construção de sistemas de classificação que a cultura propicia os meios pelos quais podemos dar sentido ao mundo social e construir significados. Há, entre os membros de uma sociedade, certo grau de consenso sobre como classificar as coisas a fim de manter uma ordem social. Esses sistemas partilhados de classificação são, na verdade, o que se entende por cultura” (WOODWARD, 2000, p.40).

Já, segundo o sociólogo Anthony Giddens, na sociedade moderna, ao contrário do que ocorre nas sociedades tradicionais, o processo de transformação social se processa de forma constante, rápida e permanente. Para ele: “(...) nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes”.f E mais, segundo Giddens, “à medida que áreas diferentes do globo são postas em interconexão umas com as outras, ondas de transformação social atingem virtualmente toda a superfície da terra”g e a natureza das instituições contemporâneas.

As sociedades que passaram por processos de desenvolvimento urbano e industrial tardio se comparadas aos países ditos “desenvolvidos”, são trespassadas por múltiplas divisões e antagonismos que geram uma variedade expressiva de identidades individuais e coletivas. Para o autor Ernesto Laclau, seria a capacidade de articular de forma conjunta esses diferentes elementos de identidade que possibilitaria evitar a desintegração dessas sociedades, ainda que esse poder de articulação seja apenas parcial, o que, para esse autor, permite explicarmos a dinâmica evolutiva da históriah.

Para melhor compreender sobre o que estamos falando, vamos nos concentrar na análise da questão das “identidades nacionais”.

f GIDDENS, A. The Consequences of Modernity. Cambridge: Polity Press, 1990, p.37-8.g Ibid., 1990, p.6.h LACLAU, E. New Reflections on the Resolution of our Time. Londres: Verso, 1990.

50

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a 4.4 A crise das identidades nacionaisO Estado-nação, juridicamente definido como unidade constituída pelo agregado povo-território-governo, é resultado de uma construção histórica e cultural resultante do processo de transição da sociedade feudal para a sociedade urbano-industrial. No mundo moderno, então, as identidades nacionais, isto é, o conjunto de elementos que compõem a forma como determinadas sociedades nacionais se diferenciam das demais, constitui-se numa das principais âncoras da identidade cultural dos sujeitos modernos. Assim, os indivíduos tendem a definir-se e a apresentar-se publicamente perante o mundo que os cerca, a partir de sua identidade nacional, percebida como parte imanente de suas naturezas essenciais e como elemento estabilizador de seu psiquismo individual e social.

O filósofo Roger Scruton, por exemplo, aborda essa mesma questão afirmando que: “A condição de homem (sic) exige que o indivíduo, embora exista e aja como ser autônomo, faça isso somente porque ele pode primeiramente identificar a si mesmo como algo mais amplo – como um membro de uma sociedade, grupo, classe, estado ou nação, de algum arranjo, ao qual ele pode até não dar um nome, mas que ele reconhece instintivamente como seu lar.”i

Para Stuart Hall, “as identidades nacionais não são coisas como as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação. (...) a nação não é apenas uma entidade política mas algo que produz sentidos – um sistema de representação cultural”. (HALL, 1999, p.48-49) As identidades culturais nacionais, portanto, seriam construções sociais modernas, e os sentimentos de “lealdade e identificação que numa era pré-moderna ou em sociedades mais tradicionais eram dados à tribo, ao povo, à religião e à região (grifo nosso), foram transferidas, gradualmente, nas sociedades ocidentais, à cultura nacional” (HALL, 1990, p.49).

Dessa forma as diferenças regionais e étnicas, características culturais das sociedades antigas, foram gradualmente sendo reconstruídas e redefinidas a partir da demarcação dos contornos da formação política nova e emergente com a sociedade moderna: o estado nacional. O Estado-nação, então, se converteu na nova e poderosa fonte de significados para as identidades culturais modernas.

Para Stuart Hall, símbolos e representações compõem as culturas nacionais tanto quanto as instituições culturais. Uma cultura nacional é um discurso um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto à concepção que temos de nós mesmos (HALL, 1990, p.50-51). As culturas nacionais, nesse contexto, seriam representações construídas ao longo da história, que conferem

i SCRUTON, R. Authority and allegiance. In: DONALD, J.; HALL, S. (orgs.). Politics and Ideology. Milton Keynes: Open University Press, 1986.

51

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

asentidos à percepção que os indivíduos têm em relação à nação com a qual se identificam.

No contexto das transformações em curso na sociedade contemporânea, a globalização, entendida como processo multidimensional, estaria pressionado as estruturas do estado moderno e provocando seu redimensionamento tanto no sentido vertical (político, jurídico, institucional e administrativo) como horizontal (geográfico), o que estaria provocando mudanças que explicam boa parte das crises sociais contemporâneas.

Assim, assistimos simultaneamente à desestruturação e reestruturação das fronteiras físicas e imaginárias dos Estados-nação, tal como se pode constara pelas transformações em curso na comunidade europeia. Ocorre, de forma concomitante, o deslocamento do poder antes soberano e monopolista do estado nacional para instâncias regionais e locais de poder, dando origem a movimentos separatistas, políticas públicas de descentralização administrativa, ou ainda, manifestações de xenofobia, ódio racial e fanatismo religioso, impulsionados por forças sociais em busca dos novos poderes da sociedade em transformação.

A unificação dos mercados nacionais no processo de formação dos estados nacionais e da sociedade urbana e industrial moderna originou as estruturas jurídicas e políticas do estado moderno, e, consequentemente, de seu sistema de crenças e valores, de representação e identidade cultural. A globalização em suas diversas dimensões, fortemente influenciada pelo processo de transnacionalização do capital, em muitos casos está levando ao ressurgimento e a reconstrução de identidades culturais tradicionais que foram deslocadas de suas funções de identificação social no período de ascensão do estado nacional moderno.

Quando esse processo começou a revelar contornos mais claros, alguns autores imaginaram que o efeito desses processos levaria ao enfraquecimento ou destruição das formas nacionais de identidade cultural. O processo, no entanto, parece mais complexo do que puderam perceber esses autores. As transformações ocorrem em vários sentidos e produzem resultados diversos, nem todos conforme as primeiras impressões sugeriram. Influenciadas pela dinâmica da globalização, então, as identidades nacionais, estriam sofrendo pressões no sentido de sua readequação a essa nova realidade.

4.5 Avanços ou retrocessos?Segundo Hall, o discurso da identidade nacional seria uma representação construída pelas estórias, mitos, crenças e valores das sociedades, “(...) se equilibra entre a tentação de retornar a glórias passadas e o impulso por avançar ainda mais em direção à modernidade. As culturas nacionais são tentadas, algumas vezes, a se voltar para o passado, a recuar defensivamente para aquele ‘tempo perdido’,

52

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a quando a nação era ‘grande’; são tentadas a restaurar as identidades passadas” (HALL, 1999, p.56).

A crise em curso na Europa da virada da primeira para a segunda década do século passado parece comprovar as análises do autor, que aponta nesses comportamentos o “elemento regressivo, anacrônico, da estória da cultura nacional.” Segundo Hall, em geral movimentos sociais amparados nesses sentimentos nostálgicos ocultariam lutas por poder que buscam mobilizar a sociedade com discursos de combate às supostas ameaças que viriam de fora e ameaçariam a “pureza” da identidade nacional “ameaçada”, com vistas a influenciar o destino das coletividades em direção ao futuro. (HALL, 1999, p.56)

Dessa forma, sustentadas pelas memórias do passado; no desejo por viver em conjunto; no impulso pela perpetuação da herança, as identidades culturais nacionais não devem ser interpretadas como limitados pontos de lealdade, união e identificação simbólica, mas também, como estruturas de poder cultural. Para Hall, então, as identidades culturais nacionais devem ser pensadas como “constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade. (...) sendo ‘unificadas’ apenas através do exercício de diferentes formas de poder cultural” (HALL, 1999, p.62).

Para esse autor, então, as culturas nacionais galvanizaram socialmente aquilo que se entende por “modernidade”, e as identidades nacionais se sobrepuseram a outras fontes de identificação social tais como a noção que os indivíduos tinham com relação à classe social, ideologias, formas partidárias, origens étnicas, dentre outras.

No contexto das transformações decorrentes do processo de globalização, então, esses elementos que compunham a identidade individual e social do sujeito moderno estariam deslocando o poder que identidades culturais nacionais tinham como elementos organizadores da sociedade urbana e industrial.

4.6 As três tendênciasAo aprofundar seus estudos sobre a questão das identidades culturais em transformação, Hall constata pelo menos três possíveis desdobramentos desse processo. Para ele:

a) as identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural do “pós-moderno” global; b) as identidades nacionais e outras identidades “locais” ou particularistas estão sendo reforçadas pela resistência à globalização; e c) as identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades – híbridas – estão tomando seu lugar. (HALL, 1999, p.69)

53

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aO racismo protagonizado por grupos étnicos predominantes em certas sociedades, e que se sentem ameaçados pela presença em “seus” territórios, de contingentes populacionais migrantes num mundo em que o sistema de comunicação e transportes democratizou o acesso à informação e a mobilidade de segmentos sociais que, no passado tenderiam a se manter fixos em seus territórios de origem, é apenas uma das dimensões desse processo. A “invasão” da Europa Ocidental e dos EUA por contingentes de migrantes vindos da África, da América do Sul ou da Ásia, então, está na raiz de muitas das manifestações de racismo, xenofobia e intolerância cultural que vemos no noticiário com frequência hoje em dia.

Para Stuart Hall, o ressurgimento do nacionalismo na Europa Oriental, assim como o crescimento de grupos fundamentalistas em diversas correntes religiosas, talvez seja mais bem compreendido se vistos como tentativas para reconstituir identidades supostamente “puras” de quem se sente ameaçado pelas mudanças e busca restaurar seus poderes e a coesão dos grupos sociais que se veem contagiados pelo hibridismo resultante da mistura de múltiplas e mútuas influências culturais, em contato no mundo globalizado em função das novas tecnologias de comunicação e transportes.

ReferênciasCASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio eletrônico século XXI. Versão 3.0. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 1CD ROM. Produzido por Lexikon Informática.

GAXIE. D. Le cens caché. Inégalités culturelles et ségreation politique. Paris: Du Soleil, 1978; e SOFRES. Opinion publique 1984. Paris: Gallimard, 1984.

GIDDENS, A. The Consequences of Modernity. Cambridge: Polity Press, 1990, p.37-8.

GAY, Paul du; HALL, Stuart et al. Doing Cultural Studies: the story oh the Sony Walkman. Sage Publications: London-Thousand Oaks-New Delhi in association with The Open University, 1977.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 1999.

HALL, Stuart. Identidade cultural e diáspora. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 24, 1996, p.68-76.

LACLAU, E. New Refl ections on the Resolution of our Time. Londres: Verso, 1990.

MCGREW, A. A global society? In: HALL, Stuart; HELD, David; MCGREW, Tony (orgs.). Modernity and its futures. Cambridge: Polity Press/Open University Press, 1992.

SMITH, A. La identidad nacional. Madrid, Trama Editorial, 1991.

SMITH, Anna M. Rastafarian as Resistance and the Ambiguities of Essentialism in the “New Social Movements”. In: LACLAU, Ernesto (org.). The Making of Political Identities. London and New York: Verso, 1994.

54

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a SCRUTON, R. Authority and allegiance. In: DONALD, J.; HALL, S. (orgs.). Politics and Ideology. Milton Keynes: Open University Press, 1986.

TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. São Paulo: Record, 1980.

______. Powershift – As mudanças no poder. São Paulo: Record, 1990.

WALLERSTEIN, I. The Capitalist Economy. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.

WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000.

5 EDUCAÇÃO NA ERA DIGITAL

Julieta Beatriz Ramos Desaulniers

Honor de Almeida Neto

IntroduçãoAs tecnologias digitais têm apresentado uma intensa evolução, desde o surgimento da microinformática, do computador pessoal (PC), até o presente, a era da hiperconexão planetária, possibilitada pela internet e os dispositivos móveis de comunicação. Seremos profundamente diferentes daqui a alguns anos, considerando as transformações que vêm ocorrendo em nosso comportamento, produzidas por tais mediações. Nossa mobilidade física e informacional aumenta a cada dia. Redes sociais conectam a todos, mídias de massa perdem espaço para internet, pessoas ficam viciadas em tecnologia e games, crianças aprendem a ler em tablets e músicos ficam famosos sem o intermédio de gravadoras.

Estamos chegando, efetivamente, na condição cyborg – organismo cibernético formado por natureza e artifício –, em que o corpo funde-se com objetos da técnica, tornando-se, portanto, um híbrido. Há vários exemplos de cyborgs. Dentre os denominados cyborgs protéticos, há os mais radicais, tais como o famoso físico inglês Stephen Hawking, que vive numa cadeira de rodas motorizada e sua voz é gerada por circuitos digitais. E o cyber-artista australiano Sterlac, que utiliza o corpo como palco para experiências, transformando-o em uma espécie de novo corpo; metade carne, metade ciberespaço.

A maioria dos casos são menos evidentes, mas um olhar mais atento denuncia a sua condição cyborg. Como exemplo, temos as pessoas que utilizam próteses em seus corpos: silicones, dentes postiços, marca-passos, lentes e outros artifícios em que se associa o biológico ao tecnológico, natureza e artifício (LEMOS, 2008).

56

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a É incontornável, de acordo com estudiosos, que esse processo remodela em ritmo acelerado, os fundamentos materiais da sociedade (CASTELLS, 1998). E, ao longo de toda a evolução da espécie humana, no decorrer da História, nunca houve mutações tão profundas e rápidas (ASSMANN, 1998). Nesse sentido, é oportuno assinalar que, como afirma Lévy:

...se medirmos simultaneamente o surgimento de uma nova temporalidade, o salto para dentro da acumulação e processamento das informações, a reformulação dos saberes e do saber-fazer, a mudança dos hábitos, da sensibilidade e da inteligência, e, por fim, a universalidade envolvida pela cultura informática, então não parece absurdo fazer a comparação com a passagem da pré-história. Estamos, entrando, na era pós-história. Uma forma cultural inédita está emergindo da indefinida recursão de um tipo novo de comunicação e processamento simbólico. (LÉVY, 1998, p.37)

Sabido é que “cada ser, principalmente o vivo, para existir, para viver, tem que se flexibilizar, adaptar-se, reestruturar-se, interagir, criar e coevoluir. Tem que se fazer um ser aprendente. Caso contrário, morre” (ASSMANN, 1998). Essas são as condições vitais a todo ser humano e, por extensão, às organizações em que ele atua. São, igualmente, o caso daquelas entidades e/ou iniciativas que se dedicam e estão inseridas no campo educativo.

5.1 Era digital: pressupostos e possibilidades Digital, digitalidade, vida digital... Tais fenômenos são desencadeados por uma revolução tecnológica e cultural sem precedentes, a partir da transformação de átomos em bits (NEGROPONTE, 1996). A codificação digital envolve o caráter plástico, fluido, hipertextual, interativo e tratável em tempo real do conteúdo da mensagem. Transitar do ambiente analógico para o digital permitiu a criação e estruturação de elementos de informação, simulações e formatações evolutivas para os ambientes on-line de informação e comunicação que permitem criar, gerir, organizar, fazer movimentar uma documentação completa com base em textos, imagens e sons.

Importa salientar que digital significa

...uma nova materialidade das imagens, sons e textos que, na memória do computador, são definidos matematicamente e processados por algoritmos, que são conjuntos de comandos com disposição para múltiplas formatações-intervenções - navegações operacionalizadas pelo computador. Uma vez que a imagem, o som e o texto, em sua forma digital, não têm existência material, podem ser entendidos como campos de possibilidades para a autoria dos interagentes. Isto é, por não terem materialidade fixa, podem ser manipulados infinitamente, dependendo apenas de decisões que cada interagente toma ao lidar com seus periféricos de interação como mouse, tela tátil, joystick, teclado. (SILVA, 2010, p.210)

57

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aEsse intenso processo de mudanças na contemporaneidade, que envolve o indivíduo como o principal protagonista das práticas sociais e, por consequência, das práticas pedagógicas em seu conjunto, conta com um poderoso vetor – as novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC). São mediações que se caracterizam pelo ritmo acelerado ao produzirem as relações sociais, nas quais se formam as individualidades, bem como pela sua velocidade na implantação desses processos estimulando a inovação.

Nesse contexto, rompe-se com o paradigma que se sustenta na especialização associado à visão linear e fragmentada, passando a predominar a perspectiva da complexidade, que se apoia em princípios vinculados à digitalidade. E, assim, os processos educativos dispõem de um conjunto de possíveis para se constituírem como “emergentes, abertos, contínuos, em fluxos, não lineares, que podem se reorganizar conforme os objetivos ou contextos, onde cada um ocupa uma posição singular e evolutiva” (LÉVY, 1998, p.1 e 2).

Conforme Lévy, é o advento do ciberespaço que:

...dissolve a pragmática da comunicação que, desde a invenção da escrita, havia reunido o universal e a totalidade. Ele nos leva, de fato, à situação existente antes da escrita – mas em outra escala e em outra órbita –, na medida em que a interconexão e o dinamismo, em tempo real, das memórias on-line tornam novamente possível para os parceiros da comunicação, compartilhar o mesmo contexto, o mesmo imenso hipertexto vivo. (LÉVY, 1998, p.118)

Assim, esse contexto compartilhado é um imenso hipertexto. Mas, o leitor mantém sua autonomia, desde o ponto em que ele entra no hipertexto tomando uma decisão em meio a muitas opções. Como o hipertexto não é lido sequencialmente, é possível construir vínculos automáticos entre diferentes partes do texto e realizar anotações de diferentes tipos. Com a digitalização do texto, ele pode ser composto também por sons e imagens animadas, além de ser estruturado em rede. Como diz Levy: “O hipertexto digital seria, portanto, definido como uma coleção de informações multimodais disposta em rede para a navegação rápida e intuitiva” (LÉVY, 1996).

Dessa forma, só é possível alguma compreensão se o leitor entrar no mundo do autor (através do hipertexto) e recriar, mental e emocionalmente, os sentidos dispostos através das informações, imagens, sons. Mas, ao mesmo tempo, ele reescreve o texto, já que tece uma teia diferente da original, ligando pontos remotos a partir da sua experiência com texto, e percorrendo de uma forma diferente, estabelece uma compreensão única.

Em outros termos, no ciberespaço ou hipertexto mundial interativo, cada um pode adicionar, retirar e modificar partes da estrutura telemática, como um texto vivo, constituindo um organismo auto-organizante. É, igualmente, um ambiente que

58

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a tende a promover competências múltiplas, reforçá-las e/ou até substituí-las, assim como gerar laços comunitários e instaurar a inteligência coletiva (LEMOS, 2002).

Por isso, Lévy afirma que “toda e qualquer reflexão séria sobre o devir dos sistemas educativos na cibercultura, que se fundamentam nas NTIC, prescindem de uma análise prévia sobre a mutação contemporânea da relação com o saber”. Assinala que, “pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no começo do seu percurso profissional serão obsoletas no fim de sua carreira”. Como o conhecimento não para de crescer, “trabalhar equivale cada vez mais a aprender, transmitir saberes e produzir conhecimentos”. O trabalho não possui mais a conotação de gerar bens duráveis, embora ao gerá-los, eles são decorrência natural da produção de conhecimento (LÉVY, 1998, p.1 e 2).

É o que Bauman também diz, quando se refere à sociedade líquido- moderna, onde... “as realizações individuais não podem se solidificar em posses permanentes porque, em um piscar de olhos, os ativos transformam-se em passivos, e as capacidades em incapacidades. E ainda refere o autor que “as condições de ação e as estratégias de reação envelhecem rapidamente e se tornam obsoletas antes de os atores terem uma chance de aprendê-las efetivamente” (BAUMAN, 2007, p.7).

Destaca-se que as NTIC, na condição de mediações que distinguem a sociedade informacional, como toda mediação, vêm despertando sentimentos (e mesmo práticas) paradoxais no cotidiano dos indivíduos. Em outros termos, a nova era dispõe ao mesmo tempo de possibilidades inéditas, tanto para um novo salto à hominização quanto para provocar dependência e liberdade, violência e autonomia, medo e segurança. Isso vai depender do tipo de decisões de quem for utilizá-las (ASSMANN, 2002; MATURANA, 2000; LÉVY, 2001).

5.2 Sistema educativo e novas mediações Experimentamos, hoje, um salto qualitativo em relação ao tipo de comunicação de massa que prevaleceu até o final do século XX. Verifica-se um deslocamento da lógica unívoca da mídia de massa, pautada na recepção passiva, para o modo de comunicação interativa. Afinal, vivemos a cada dia mais intensamente, o predomínio da modalidade comunicacional que caracteriza a cibercultura, fundamentada na interatividade, que se distingue por uma comunicação entendida como cocriação da mensagem, produto de emissão e recepção (SILVA, 2010, p.262-3).

Em outros termos, os sistemas educativos nessa era da cibercultura são desafiados a se engajarem na dinâmica comunicacional, entendida como colaboração todos-todos e como faça você mesmo operativo. Nessa lógica, a mensagem não é mais emitida, não é mais um mundo fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado, é um mundo aberto em rede, modificável na medida em que responde às solicitações daquele

59

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aque a consulta. O receptor, agora, é convidado à livre criação, e a mensagem ganha sentido sob sua intervenção.

Nesse contexto, a interatividade manifesta-se em práticas, tais como: e-mails, listas, blogs, videologs, jornalismo on-line, Wikipédia, YouTube, MSN Messenger, MP3, Facebook e novos empreendimentos que aglutinam grupos de interesse como cibercidades, games, softwares livres, ciberativismo, webarte, música eletrônica, etc.... No ciberespaço, cada sujeito pode adicionar, retirar e modificar conteúdos dessa estrutura; pode disparar informações e não somente receber, uma vez que o polo da emissão está liberado; pode alimentar laços comunitários de troca de competências, de coletivização dos saberes, de construção colaborativa de conhecimento e de sociabilidade (LEMOS, 2002).

Obviamente, o computador on-line não é um meio de transmissão de informação como a televisão, mas um espaço de adentramento e manipulação em janelas móveis, plásticas e abertas a múltiplas conexões entre conteúdos e interagentes geograficamente dispersos. Para além das interferências, manipulações e modificações nos conteúdos presentes na tela do computador off-line, os interagentes podem interagir realizando compartilhamentos e encontros de colaboração síncronos e assíncronos (SILVA, 2010, p.269).

Por isso, a aprendizagem digital e on-line é exigência da cibercultura, isto é, do novo ambiente comunicacional que surge com a interconexão mundial de computadores em forte expansão no início do século XXI; novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização, de informação, de conhecimento e de educação. A aprendizagem digital e on-line é demanda do novo contexto socioeconômico-tecnológico engendrado a partir do início da década de 1980, cuja característica geral não está mais na centralidade da produção fabril ou da mídia de massa, mas na informação digitalizada em rede como nova infraestrutura básica, como novo modo de produção.

Devido às profundas transformações instauradas nos meios de comunicação, informação e transmissão (NTIC), fundadas nos códigos da digitalidade, novas demandas se impõem a toda organização, em especial à organização escolar, que tem no fazer pedagógico o processo de produção que lhe distingue como campo educativo frente aos demais campos que constituem o espaço social. Nessa perspectiva, são inúmeras as mediações disponíveis para incrementar os processos educativos, comentados a seguir.

• Internet

A internet configura-se como a mídia de convergência, oferecendo recursos fundamentais para a aplicação de estratégias de comunicação, em que emissor e receptor deixam de ser compreendidos como polos estáticos e hibridizam-se em suas funções. Como um sistema essencialmente aberto, a web (World Wide Web – www)

60

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a possibilita a busca de informações em toda a rede, num fluxo constante, aumentando a força de uma comunicação interativa, individualizada e, ao mesmo tempo, coletiva. Saad acredita que os diferenciais da World Wide Web são: interatividade, conectividade, flexibilidade, formação de comunidades e arquitetura informacional (SAAD, 2003).

Essa grande rede composta por vários sistemas – a web –, caracteriza-se por um conjunto de servidores que suportam documentos formatados em linguagem HTML (HyperText Markup Language). Suportam links para outros documentos, gráficos, áudio e arquivos de vídeo. Possibilita ao usuário “passar de um documento para outro simplesmente clicando em links”. Outros servidores da internet não fazem parte da World Wide Web e, dentre os mais populares, destacam-se o Netscape Navigator e o Microsoft Internet Explorer (STASIAK & BARICHELLO, 2010, p.18).

Vale considerar os avanços significativos nas gerações da web. A atual, web 3.0, apresenta um sistema que inclui desde redes sociais, serviços empresariais on-line até sistemas GPS e televisão móvel, assim como etiquetas inteligentes, que permitem lidar com a informação de forma mais acessível. Cientistas destacam como principal característica da web 3.0, a questão da convivência on-line, como acontece com os avatares em jogos virtuais, por exemplo (STASIAK & BARICHELLO, 2010, p.19).

Indiscutivelmente, a web torna-se cada vez mais uma realidade em nossas vidas. O aumento do número de usuários é constante. De acordo com pesquisa do Ibope, em parceria com a Nielsen Online, no primeiro trimestre de 2012, o número de pessoas com acesso à internet no Brasil chegou a 82,4 milhões.

5.3 Impacto das novas mediações ao campo educativoInvestigações têm demonstrado o enorme potencial cognitivo das novas tecnologias, destacando as possibilidades de desenvolvimento de competências bastante sofisticadas (metacognitivas, afetivas, sociais, etc.), desde que o contexto humano lhes sejam favoráveis. Alias, tal contexto “...é essencial, pois dependem de sua qualidade e pertinência, os benefícios que se pode obter de um ambiente informatizado”. Vale também observar que “...uma mesma tecnologia resultará em efeitos cognitivos diversos, dependendo do contexto humano em que for utilizado” (DEPOVER, KARSENTI, KOMIS, 2007, p.4).

De acordo com Silva, processos educativos na era digital dispõem da “infotecnologia em rede, favorável à proposição do conhecimento à maneira do hipertexto”, em que não há mais a prevalência da distribuição de informação para recepção solitária e em massa. Computadores, laptops, celulares, palmtops, tablets, iPhones conectados em rede mundial favorecem e intensificam a mediação, instaurando uma produção complexa do conhecimento, com participação colaborativa dos participantes envolvidos na aprendizagem, em redes que conectam textos, áudios, vídeos, gráficos e imagens em links na tela tátil (SILVA, 2005).

61

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aÉ fundamental perceber a nova ambiência comunicacional, que emerge com a cibercultura, e as possibilidades de interatividade e de criação coletiva nela disponíveis ao mundo educativo. Isso supõe colocar-se “a par da atualidade sociotécnica informacional e comunicacional definida pela codificação digital (bits), a digitalização que garante o caráter plástico, hipertextual, interativo e tratável do conteúdo”, em tempo real. Desse modo, processos educativos passam a contemplar “atitudes cognitivas e modos de pensamento” em sintonia com a contemporaneidade. Ou seja, contempla o novo espectador, a geração digital e, consequentemente, a qualidade em educação efetiva, que supõe participação, compartilhamento e colaboração (SILVA, 2005).

5.3.1 Geração Internet Há uma geração denominada de digital ou geração internet, que se constitui a partir do deslocamento da tela da TV (de massa) para a tela do computador on-line, passando a requer novas disposições comunicacionais do conjunto de agentes que atuam no âmbito do sistema educativo.

Perfil e características dessa geração foram detalhados em obra publicada por Tapscott, onde destaca suas posturas quanto a: liberdade; integridade; colaboração; entretenimento; velocidade; inovação (TAPSCOTT, 1999, p.92). Nesse sentido, constam abaixo algumas afirmações por ele emitidas em A hora da geração digital:

– ...Eles estão buscando liberdade... (p.93); ...insistem na liberdade de escolha. Trata-se de uma característica básica da mídia que consomem (p.95);

– ...usam a tecnologia para fugir do escritório e do expediente tradicionais; e que integram a vida doméstica e social à vida profissional (...) vejo sinais de uma tendência geracional (p.93);

– Eles preferem um horário flexível e uma remuneração baseada em seu desempenho e valor de mercado – e não no tempo em que ficam no escritório (p.93);

– ...Eles parecem ter uma forte consciência do mundo à sua volta e querem saber mais sobre o que está acontecendo (p.99);

– A geração Internet se importa com a integridade...; ...e esperam que as outras pessoas também tenham integridade (p.105), que significa, sobretudo, dizer a verdade e cumprir seus compromissos (p.106);

– ...são colaboradores naturais e, em todas as esferas da vida (p.112);

– Essa é a geração do relacionamento (p.110);

– Por terem crescido em um ambiente digital, eles contam com a velocidade. Estão acostumados a respostas instantâneas, 24 horas por dia, sete dias por semana (p.115);

62

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a – Essa geração foi criada em uma cultura de invenção. A inovação acontece em tempo real (p.117).

A dinâmica que vem possibilitando a construção de uma geração digital, a qual se distingue radicalmente das gerações de todos os tempos, até aqui, desencadeia também transformações na educação. De acordo com Tapscott, a geração internet “...tem na ponta dos dedos, acesso a boa parte do conhecimento do mundo. Para eles, o aprendizado deve acontecer onde e quando quiserem” (TAPSCOTT, 1999, p.95-96). Neste sentido também rompe-se com a educação tradicional pois

...ir a uma aula expositiva de um professor medíocre em um lugar e horário específicos, em uma sala na qual eles são receptores passivos, parece estranhamente antiquado, ou até totalmente inapropriado. O mesmo vale para a política. Será que um modelo de democracia que oferece apenas duas opções e os obriga a ouvir durante quatro anos, entre uma eleição e outra, políticos que repetem infinitamente os mesmos discursos vai realmente satisfazer as suas necessidades? (TAPSCOTT, 1999, p.95-96)

Por fim, parece mesmo que a educação necessita reinventar-se para dar conta dos anseios e demandas de formação da geração digital.

NOTAS- Parte de nosso mundo se tornou ciberpunk:

(http://www.momentumsaga.com/2012/09/o-que-e-cyberpunk.html /).

- O termo cyberpunk aparece para designar um movimento literário no gênero da ficção científica, nos Estados Unidos, unindo altas tecnologias e caos urbano, sendo considerado como uma narrativa tipicamente pós-moderna. O termo passou a ser usado também para designar os ciber-rebeldes, o underground da informática, com os hackers, crackers, cyberpunks, ctakus, zippies. Esses seriam os cyberpunks reais. Assim, o termo cyberpunk é, ao mesmo tempo, emblema de uma corrente da ficção científica e marca dos personagens do submundo da informática.

(http://www.academia.edu/1771479/Ficcao_cientifica_cyberpunk_o_imaginario_da_cibercultura).

Referências bibliográficasASSMANN, Hugo. Reencantar a educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. RJ: Editora Zahar, 2007.

______. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. RJ: Jorge Zahar, 2003.

CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

63

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aDEPOVER, Christian; KARSENTI, Thierry; KOMIS, Vassilis. Enseigner avec les tecnologies – favoriser les apprentissages, developper des competences. Quebec: Presses de Univ. du Québec, 2007.

HALL, S. Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

LEMOS, A. Cultura das redes: ciberensaios para o século XXI. Salvador: EDUFBA, 2002.

NEGROPONTE, N. A vida digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

TAPSCOTT, Don. A hora da geração digital. Rio de Janeiro: Agir Neg, 1999.

Referências digitaisSILVA, Marco. Educação na cibercultura: o desafi o comunicacional do professor presencial e on-line. In Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v.12, n.20, p.261-271, jul./dez., 2003.

(htt p://www.uneb.br/revistadafaeeba/fi les/2011/05/numero20.pdf)

______. O desafi o comunicacional da cibercultura à educação via internet. In:

STASIAK, Daiana; BARICHELLO, Eugenia M. da R. Estratégias comunicacionais em portais institucionais: apontamentos sobre as práticas de relações públicas na internet brasileira. In: STASIAK, Daiana; SANTI, Vilso Junior (orgs.). Estratégias e identidades midiáticas: matizes da comunicação contemporânea. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011 (htt p://www.pucrs.br/orgaos).

htt p://www.paraentender.com/internet/rede-social (site com glossário)

TRIVINHO, Eugênio; DOS REIS, Angela Pintor; Equipe do Cencib/PUCSP. A cibercultura em transformação: poder, liberdade e sociabilidade em tempos de compartilhamento, nomadismo e mutação de direitos. São Paulo: ABCiber; Instituto Itaú Cultural, 2010 (htt p://www.abciber.org/publicacoes/livro2).

6 FRONTEIRAS DA TOLERÂNCIA:ETNICIDADE, GÊNERO E RELIGIÃO

Maria Clara Ramos Nery

IntroduçãoNo presente capítulo, trabalharemos a temática: Fronteiras da Tolerância: etnicidade, gênero, religião e acessibilidade. Estas temáticas se fazem necessárias, pois na contemporaneidade encontramo-nos numa linha de fronteira entre a tolerância e a intolerância acerca de determinantes étnicos, de gênero, religioso e acessibilidade. Refletirmos sobre estes aspectos envolve compreendermos os aspectos sociais e culturais que determinam ações de indivíduos e grupos quanto às relações étnicas, de gênero e religiosas, pois há em nossa realidade diversidades que demarcam ações que influem diretamente nos nestes aspectos que não se coadunam com os pressupostos da liberdade, igualdade e da fraternidade, instaurados desde a Revolução Francesa de 1789, tão caros ao que podemos considerar enquanto um convívio social que se paute pela efetiva tolerância e compreensão das diferenças.

Há uma linha de fronteira de tolerância quanto aos aspectos anteriormente citados. Linha de fronteira esta que envolvem a obstaculização de ações que podem se pautar pela compreensão das diferenças ou não compreensão destas, fazendo com que aspectos discriminatórios encontrem-se presentes em nossa realidade contemporânea ocidental. Se verificarmos as notícias veiculadas pelos meios de comunicação de massa, podemos compreender exatamente a presença desta linha de fronteiras, que denotam muitas vezes nossa dificuldade contemporânea de lidarmos com as diferenças, notadamente em relação com as questões étnicas, de gênero, religiosas e de acessibilidade.

66

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a Abordaremos neste capítulo, cada uma das categorias, para que possamos compreender de melhor forma a linha de fronteira existente. Primeiramente trabalharemos as questões étnicas, depois as questões de gênero, de religião e por fim as questões relativas à acessibilidade, para que se tornem claros os próprios determinantes desta linha de fronteiras entre a aceitação e a rejeição por parte de indivíduos e grupos de seus semelhantes. Esta aceitação ou rejeição encontram-se presentes na cultura e sendo assim demarcam nossa contemporaneidade, alicerçada na diversidade cultural, por consequência mesma das transformações de caráter social, político, econômico e no caso aqui, cultural, advindas da globalização, que não pode ser compreendida apenas em sua face econômica, mas também em sua face cultural, porque também houve o que Renato Ortiz denomina de mundialização da cultura, originando diversidades e marcando diferenças que se tornaram também transnacionais. Neste sentido, devemos compreender que na contemporaneidade não possuímos mais linhas de fronteiras demasiado claras até mesmo entre os Estados.

O processo de globalização levou a intensificação da interculturalidade, marcada pela troca de elementos culturais que se expressa no processo de imigração e do turismo. Este processo tende a colaborar com a diminuição do traço característico típico das fronteiras e das tradições locais. Neste sentido os aspectos culturais não se constituem mais enquanto efetivamente locais, gerando por consequência uma forma de conviver no mundo marcada pela indeterminação cultural, onde os traços característicos típicos de cada cultura se tornam como que “nublados”, mesclados de traços de outras culturas. Por esta razão a contemporaneidade é caracterizada pelo hibridismo cultural, que gera por consequência novas identidades híbridas que estão tomando o lugar das identidades nacionais (HALL, 1998).

6.1 Fronteiras da tolerância étnicaPrimeiramente, o que podemos compreender como etnicidade? Podemos compreender a etnicidade em seu sentido amplo, a partir do fato de termos o mesmo idioma, estarmos vivendo num mesmo ambiente, possuirmos as mesmas tradições, os mesmos ritos, mitos, símbolos e crenças, demarcados pelo território, que denotam o modo característico de vida de uma dada população. Estes aspectos caracterizam os traços étnicos que originam interesses de dimensão coletiva e vínculos sociais de solidariedade e comunitários. Cabe salientar também que as sociedades são constituídas pela união de grupos étnicos e que podemos investigar, interpretar e analisar os determinantes sociais a partir da análise dos grupos étnicos que se encontram, formando uma unidade que podemos denominar de universo social. Pensarmos a etnia envolve compreendermos as diferenças socioculturais que são apreendidas por indivíduos e grupos.

67

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aNa contemporaneidade, em termos de uma visão culturalista, o conceito de raça não está mais sendo utilizado para demarcar as diferenças entre os grupos sociais, mas sim o conceito de etnia que envolve os pressupostos socioculturais, pois se manifesta como de maior abrangência para a compreensão das diferenças presentes em nossa realidade. Neste sentido, entra em descrédito o aporte científico do conceito de raça, envolvendo agora o deslocamento para o eixo cultural (LIMA, 2008).

A etnicidade envolve o que é relativo ao relacionamento entre grupos que se percebem como distintos de outros grupos em termos culturais e sociais. Há com relação a este aspecto grupos étnicos percebidos como diferentes pelos demais grupos ou por eles mesmos. As diferenças percebidas entre grupos podem também ser incorporadas por outro grupo. Cabe salientar que as diferenças étnicas são determinadas historicamente, socialmente e politicamente. Este fato, origina por si mesmo o que se denomina de identidade étnica, que envolve sempre um processo de autoidentificação. Este processo de autoidentificação envolve o perceber-se enquanto pertencente a um determinado grupo, resgatando ou fazendo frente a sensação de não pertencimento presente na contemporaneidade a partir da constituição de identidades híbridas.

Cada grupo étnico a partir de sua historicidade e perspectivas elabora uma prática discursiva que o caracteriza, pratica esta sempre relacional, pois envolve um discurso que se orienta e se realiza para o outro. Neste sentido há na questão da etnicidade um determinante sempre relacional. Pois a identificação ou diferença envolve o outro que passa a ser sempre significante na constituição da identidade individual e de grupo. Portanto, desenvolve-se uma prática discursiva que expressa toda uma concepção do outro para que o grupo étnico possa inclusive manter sua identidade. Há aqui, diferenciação e identificação, demarcada essencialmente pelo discurso em relação, este discurso é determinado pela historicidade de cada um dos grupos em relação de interação.

A prática discursiva relacional, característica dos grupos étnicos envolve um processo de redefinição do próprio ser étnico. Este processo não é estático, mas profundamente dinâmico determinado pelo contexto social envolvente. Neste sentido, devemos compreender que a apreensão de uma etnia, de uma característica grupal étnica ocorre na medida em que há em função dos determinantes sociais o perigo da perda da identidade.

Podemos verificar na contemporaneidade que estão se constituindo grupos étnicos dos mais variados matizes, justamente em função deste perigo de perda de identidade, pelo processo de interculturalidade presente em nossa realidade. Pois estamos vivenciando um processo de homogeneização cultural em termos globais. Sendo assim, como forma de resistência a este processo e enquanto busca de identidade, estão se constituindo grupos étnicos que reforçam a identidade individual e grupal

68

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a e, neste sentido é que podemos falar na constituição de identidades híbridas, como forma de enfrentamento da homogeneização cultural global.

Refletirmos acerca da etnicidade é refletirmos essencialmente acerca da comunicação cultural, que envolve a ideia mesma de diferença. O universo das diferenças étnicas na contemporaneidade origina uma forma de resistência, que mencionamos anteriormente. Resistência a uma forma específica de homogeneização que desintegra identidades. Neste sentido, considerando a questão relacional que envolve a etnicidade, devemos compreender que esta é constituída a partir da relação com o outro, o que envolve a alteridade. Neste sentido, as diferenças entre os grupos étnicos são também fatores de afirmação das características próprias de cada grupo. É a partir do outro que consigo ver a mim mesmo. Este aspecto é que permite que compreendamos a etnicidade enquanto comunicação relacional cultural, pois são elementos culturais e históricos que estão no processo de identificação, diferenciação e autodefinição.

Percebendo-se as especificidades que compõem a etnicidade, como podemos refletir acerca das fronteiras étnicas presentes na contemporaneidade? É muito tênue a linha de fronteira da tolerância no âmbito das diferenças étnicas. A par das práticas discursivas de respeito às diferenças, vivenciamos na contemporaneidade, justamente pela centralização da questão em nível cultural, considerando-se a etnicidade, uma nova forma de exercício de racismo, que se denomina xenofobia (Lima, 2008). Desenvolve-se uma prática discursiva reelaborada do racismo, pois a xenofobia, se manifesta enquanto reelaboração do discurso racista existente até então. A xenofobia envolve uma forma de rejeição ao que é estrangeiro, ao que é estranho à cultura de um dado país, notadamente no contexto dos países europeus, que elaboram políticas as quais obstaculizam a imigração, principalmente com relação a africanos e árabes, justamente para evitar a concorrência no mercado de trabalho, bem como evitar ameaças a integridade cultural e identidade europeias (LIMA, 2008).

A adoção por parte dos países europeus de medidas que se podem dizer contrárias a imigração, envolvem a prática discursiva do direito de não misturar-se culturalmente com o contingente de imigrantes, em nome do próprio respeito às diferenças, propicia formas reconfiguradas de racismo, de caráter xenofóbico, em nome mesmo da diversidade étnica e cultural. Neste sentido, segundo Lima (2008), a tolerância envolve-se de um sentido marcadamente excludente e também separatista. Neste contexto, na dimensão clara da linha de fronteira existente, a própria defesa da diversidade étnica assume contornos claros de exclusão e separação dos diferentes em termos culturais. Este é o aspecto que se faz novo em termos do racismo presente na contemporaneidade, que se manifesta nos países europeus, que discrimina, segrega, exclui e marginaliza em nome da concorrência no mercado de trabalho, mas convém salientar que é sempre o estrangeiro africano ou árabe que na sociedade europeia fará o serviço que os brancos nativos não irão fazer, ou seja, os trabalhos de menor significação e status social, marcado

69

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

apor marginalizações e preconceitos, ou seja, funções cuja visibilidade social é praticamente nenhuma, como, por exemplo, garis, pedreiros, e assim por diante.

O processo de exclusão se manifesta pela invisibilidade social a que estão submetidos indivíduos e grupos marcados por pressupostos racistas, xenofóbicos, na contemporaneidade, denotando intolerância ao diferente. Assim constitui-se uma forma toda particular de lidar com as diferenças étnicas, que ferem dramaticamente os direitos humanos de igualdade. Igualdade esta que se pauta pela existência de condições materiais de vida e respeito por parte de indivíduos e grupos. Neste sentido, encontramo-nos diante de uma forma toda particular de intolerância, intolerância de caráter camuflado por uma prática discursiva de respeito às diferenças, mas que no campo das ações nada mais faz do que submeter o diferente culturalmente, etnicamente.

Necessário se torna trabalharmos neste momento alguns aspectos presentes nas relações étnicas no contexto da sociedade brasileira. Nossa sociedade se pauta pela presença em sua estrutura social da desigualdade. Esta, evidentemente, traz consigo o processo de marginalização de indivíduos e grupos. A sociedade brasileira em seu sentido cultural é sincrética e por assim ser envolve a junção de culturas, de traços culturais dos grupos étnicos aqui presentes. Mas neste contexto, devemos considerar que se encontram fortalecidos os estudos étnico-raciais, com enfoque nos conceitos de afrodescendência, etnia e identidade negra, sem deixar-se de considerar a categoria de raça, que se encontra historicamente relacionada com a afrodescendência da população brasileira e consequentemente do racismo enquanto forma de desigualdade nos diversos setores e espaços da sociedade (LIMA, 2008).

Historicamente o negro foi marginalizado no contexto da sociedade brasileira. Há aqui a presença de um preconceito de caráter subliminar, que em função mesma da Constituição de 1988, não pode se manifestar claramente. Mas ele existe, ele segrega, marginaliza e exclui. Como em nossa sociedade temos a cultura da mediação o racismo brasileiro é pleno de paradoxos, na medida mesma em que há a tendência de considerar-se o negro enquanto minoria étnica, quando é justamente o contrário em termos reais, concretos de nossa sociedade. Afirma Lima, o seguinte: “As etnias negras no contexto brasileiro são demarcadas pelas raízes históricas socioculturais e políticas que marcam a formação populacional brasileira no contexto do escravismo e pelas relações estabelecidas tanto nas suas ancestralidades distantes como nas vivências contemporâneas” (LIMA, 2008, p.38).

A ambiguidade ou os paradoxos com relação ao racismo brasileiro partem historicamente de uma ideologia racial com aparente conotação científica, elaborada pelas elites econômicas, intelectuais e políticas. Segundo Lima (2008), cabe salientar o fato de que o racismo brasileiro é pleno de ambiguidades, porque circula entre culturas, folclore, grupos culturais, cor da pele, fenótipos, status e função social. Menciona a autora que é um comportamento que tem como característica típica o

70

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a resultado de atitudes, ideias e discursos paradoxais. Estes paradoxos se manifestam por comportamentos apoiados pelos meios de comunicação de massa, praticados nos espaços públicos e privados. A autora referida também salienta para o aspecto da oralidade, a qual podemos considerar aqui práticas discursivas reprodutoras do racismo.

No contexto da hierarquia social, quanto mais alto ou quanto mais baixo se está com maior facilidade se utiliza de práticas discursivas garantidoras da impunidade do agressor, como forma de descrédito de quem se diz vítima do racismo. O racismo brasileiro é irresponsável, na medida em que é a própria negação dos direitos humanos que se encontra institucionalizada e em comportamentos sociais de todos os grupos (inclusive a vítima) (LIMA, 2008).

Destaque-se, como destaca Maria Batista Lima (2008), que na contemporaneidade pode-se mencionar a existência de um racismo institucional, que envolve operações anônimas de discriminação em organizações, profissões ou em sociedades inteiras, pois o racismo subliminarmente permeia toda a sociedade, na medida em que destrói a motivação de indivíduos e grupos relegados à condição de subclasse, é camuflado, pois suas causas não são detectáveis, mas suas consequências sim. O racismo institucional, mantém sua forma discriminatória afetando as instituições por muito tempo. O conceito de racismo institucional, estabelecido por Lima (2008), põe em relevo o próprio papel das ações afirmativas, como forma de erradicar a discriminação racial.

Nos limites do presente capítulo, convém destacar que na sociedade brasileira no processo vivenciado de desmistificação da pratica discursiva da democracia racial e da ideologia do branqueamento contribuiu para avanços políticos que melhor nos permitem compreender as identidades. As problematizações acerca das identidades se articulam com lutas políticas que objetivam a redução das desigualdades sociais para indivíduos e grupos negros, fomentando também no contexto da sociedade políticas de ação afirmativa que consideram a historia e a cultura africana, sendo este um processo de avanço, mas que não determina o fim mesmo do racismo brasileiro. Há ainda muito a avançar, até chegarmos ao reconhecimento dos direitos de igualdade dos negros na sociedade brasileira, pois ainda são muito tênues as fronteiras da tolerância que se pautam pela etnicidade, e ainda há em suas múltiplas faces formas subliminares do exercício do preconceito.

6.2 Fronteiras da tolerância de gênero Refletirmos sobre a questão do gênero é termos como referência Joan Scott, a qual assinalou que a categoria de gênero envolve a compreensão das mulheres e dos homens, das interações entre homens e mulheres, das desigualdades existentes entre estes e das hierarquias sociais. O conceito de gênero se confronta com o

71

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

adeterminismo biológico das relações entre os sexos, envolvendo, portanto, um caráter marcadamente social. A abrangência do conceito ou categoria de gênero envolve homens e mulheres definidos em reciprocidade e nunca separadamente.

Joan Scott define gênero enquanto um elemento constitutivo de relações sociais, que se fundaram a partir das diferenças percebidas entre os sexos, neste sentido o gênero constitui-se numa primeira forma de dar significado as próprias relações de poder que perpassam a relação homem e mulher e a forma como este mesmo poder é articulado. As relações de gênero originam-se de símbolos culturalmente disponíveis no contexto das sociedades, que envolvem representações simbólicas e mitos acerca mesmo dos papeis sociais de homens e mulheres. Estes símbolos e mitos que circundam as relações de gênero têm sua origem em doutrinas religiosas, educativas, políticas e/ou jurídicas, que demarcam os limites que se tornam estabelecidos no próprio exercício dos papéis sociais de homens e mulheres, presentes nas sociedades. A categoria de gênero rompe também com a visão binária das concepções de masculino e feminino.

Joan Scott, em sua concepção de gênero permite compreender as formas pelas quais as identidades de gênero são construídas e relacioná-las com as representações sociais historicamente situadas se faz necessário. Em muitos aspectos de nossa vida cotidiana podemos detectar a demarcação das relações de gênero. Segundo Torrão Filho (2005), os objetos, as moradias, a organização espacial das cidades modernas, a rotina doméstica e o que ela envolve, refletem e constituem as relações de gênero na contemporaneidade.

A partir da concepção de gênero se podem perceber também os processos de organização concreta e simbólica da vida social e as inter-relações de poder nas relações entre homem e mulher. Neste sentido a partir do gênero podemos chegar a uma melhor forma de compreender a complexidade das relações existentes entre diversas formas de interação humana (TORRÃO FILHO, 2005). Pensarmos homem e mulher a partir da categoria de gênero é buscarmos compreender também os aspectos relacionais circundados pelas relações de poder originadas do exercício dos papéis sociais desempenhados, que possuem seu aporte nos determinantes culturais da percepção do homem e da mulher e da relação entre estes, no âmbito das sociedades.

Se pensamos a diferença entre os sexos, considerando a categoria de gênero, deve-se perceber a definição do que são características identidárias do masculino e do feminino e isso é essencialmente sociocultural, pois as mulheres aprendem a ser femininas e submissas e os homens aprendem a manutenção de sua masculinidade. Há, portanto, uma divisão sexual de papéis que se modifica historicamente de acordo com as transformações estruturais de caráter econômico, político, cultural e social.

Se nos reportamos à história das sociedades ocidentais, verificaremos que houve a supremacia do masculino sobre o feminino, relegando à mulher um papel

72

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a secundário na vida política, econômica e cultural das sociedades. Até o advento do feminismo, movimento social que objetivou romper com a supremacia masculina, isso estava determinado como algo que não poderia ser alterado, na medida em que as próprias representações sociais acerca da mulher e de seu papel na sociedade legitimavam este nível de diferenciação.

Notadamente, no século XX, e em meados deste, com o advento do movimento feminista, impõe-se uma questão, que envolve não apenas compreender o que faz com que os homens e mulheres sejam vistos como fundamentalmente diferentes, mas o porquê desta diferença estabelece uma hierarquização em que o masculino é imposto enquanto superior ao feminino (TORRÃO FILHO, 2005). Consideramos este o aspecto essencial, que a categoria de gênero nos permite aos poucos clarificar – o processo de hierarquização na relação homem-mulher, onde o homem tem prevalência social sobre a mulher.

A prevalência social do homem sobre a mulher, essa hierarquização, gera formas de opressão, que envolvem uma realidade de caráter objetivo que atinge um contingente expressivo de mulheres, que deve ser entendida a partir dos contextos sociais, históricos e culturais, envolvendo um movimento complexo e também contraditório entre sociabilidade e individualidade, no contexto das relações de gênero e a própria totalidade da vida social. (SANTOS e OLIVEIRA, 2010).

O surgimento da propriedade privada levou a que tivéssemos uma reconfiguração dos espaços familiares, nas relações de trabalho e também no contexto da organização social, prevalecendo nova forma de organização social que irá influir nas relações entre homens e mulheres. As mulheres tiveram que assumir novas tarefas, que ficaram restritas às atividades domésticas, enquanto que para o homem o trabalho fora do campo doméstico encontrava-se devidamente destinado. Neste sentido, a mulher socializada para o espaço doméstico tinha as atribuições de cuidadora e responsável pela manutenção da ordem no contexto da casa.

Estas atribuições acabam por também refletir-se em suas atribuições no espaço público. Ora, esta é uma divisão social do trabalho de caráter sexuado, que contribui drasticamente para a inferiorização da mulher no campo das relações de trabalho, na medida mesma em que se instaura uma divisão sexuada do trabalho, na relação entre homem e mulher, ficando para estas atividades que reproduzem o cuidar, professora, assistente social, enfermeiras, por exemplo, que quer queiramos ou não, possuem menor visibilidade no contexto do espaço público (SANTOS e OLIVEIRA, 2010).

No âmbito das condições objetivas e subjetivas dos papéis sociais que ocupam homem e mulher socialmente e da desigualdade que envolve estas relações, constata-se que a mulher não possui acesso igualitário ao trabalho, aos salários, às organizações públicas, de forma geral. Há uma prática objetiva e discursiva que fomenta a reprodução do machismo, com maior liberdade ao homem do que à

73

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

amulher. Dentro deste aspecto, deve-se considerar a forte influência religiosa-cultural judaico-cristã, que transmite uma visão da mulher como cuidadora e do homem como o provedor-chefe, que tem poder sobre a mãe e os filhos. Este é um processo de construção social, que tem relação direta com o patriarcalismo, que estabelece ainda na contemporaneidade a dominação masculina, no âmbito mesmo da vida social (SANTOS e OLIVEIRA, 2010).

No contexto da sociedade brasileira, esta relação com o patriarcalismo se mantém, pelos seguintes aspectos enumerados por Saffioti, citado por Santos e Oliveira (2010):

a) não se trata de uma relação privada, mas de uma relação civil;

b) dá direitos aos homens sobre as mulheres, praticamente sem restrição;

c) confi gura um espaço hierárquico de relação, que invade todos os espaços da sociedade;

d) tem uma base material;

e) corporifi ca-se;

f) representa uma estrutura de poder, que tem por base a ideologia e a violência.

Considerando-se estes aspectos, podemos verificar que as formas de opressão e de violação de direitos que são vivenciadas pelas mulheres envolvem também o campo afetivo-sexual, na medida em que são diversificadas as formas de violência que se desenvolvem no âmbito da vida privada, ferindo drasticamente aos direitos de igualdade entre homens e mulheres. Por parte do Estado, percebe-se também um processo de dominação, na medida em que há regras que estabelecem o controle da sexualidade feminina e capacidade reprodutiva. Verifique-se a proibição do aborto no contexto da sociedade brasileira, que é regida pelo Estado, com fortes aportes religiosos.

Na contemporaneidade pode-se verificar o fato de que as relações de gênero compõem-se da relação também entre o patriarcado e o capitalismo, sendo que este se apropria das estruturas simbólicas e das condições objetivas do patriarcado, que envolvem as relações de gênero. Neste sentido, o processo de opressão e de violação de direitos vivenciadas pelas mulheres se tornam efetivas também no campo afetivo-sexual. Não se pode negar que são várias as faces da violência contra a mulher, desenvolvidas no contexto da vida privada, bem como não se pode negar os problemas que se tornam decorrentes da violação pelo Estado dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, essencialmente no âmbito da sociedade brasileira (SANTOS e OLIVEIRA, 2010).

As relações desiguais de gênero se configuram enquanto uma forma de objetivação atualizada do patriarcado, como sistema que domina e ainda oprime as mulheres

74

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a no contexto das sociedades. O patriarcado que é essencialmente um sistema de dominação, se estrutura a partir dos seguintes aspectos: a) a utilização da violência como forma de subjugar; b) o controle sobre o corpo; c) a manutenção das mulheres enquanto dependentes economicamente; d) interdição à participação política das mulheres (SANTOS e OLIVEIRA, 2010).

As relações de gênero envolvem uma linha de fronteira, também muito tênue, na medida em que ainda permanece a concepção patriarcalista na relação homem-mulher e, sendo assim um processo de dominação, cuja violência existe como forma de submeter ao outro-feminino e “colocá-lo no seu lugar”. A violência doméstica encontra-se em plena expansão, principalmente no contexto da sociedade brasileira, sociedade esta patriarcal, que é ideologicamente legitimado pela concepção judaico-cristã, que atribui à mulher um papel sempre secundário, no contexto da sociedade envolvente.

Constatando-se estes aspectos, em termos de uma determinação social, ainda torna-se necessária uma luta para com que as mulheres, notadamente, no contexto da sociedade brasileira, conquistem a igualdade entre os gêneros. As contradições presentes no sistema dominante, capitalismo, podem abrir caminho para a busca de transformações que objetivam uma nova ordem social, que obtenha maior igualdade nas relações de gênero, ultrapassando os determinantes também religiosos, que envolvem uma representação social e simbólica de sacralização da família, sendo a mulher a eterna cuidadora constituindo-se em termos de seu papel social ocupado, sua capacidade de sujeito político que pode atuar em igualdade no contexto das relações presentes na sociedade.

6.3 Fronteiras da tolerância religiosaA religião possui dupla função: social e psicológica. A social dá-se como força constituinte da coesão e do ordenamento social, enquanto que a psicológica está relacionada com as carências emocionais e idealizações de indivíduos e grupos. Quando nos referimos à função social, queremos significar que é vivenciada coletivamente, através de crenças expressas, ritos visíveis, culto exterior, cerimônias públicas. Ou seja, é construção humana que se manifesta coletivamente. É parte integrante da sociedade que a influencia e é influenciada por ela.

A sociedade é fruto das relações que se estabelecem entre os grupos humanos, que buscam sobreviver em seu sentido imediato e histórico. É a partir da necessidade de sobrevivência imediata e histórica que cerca a todos os seres humanos, que se constituem universos de representações coletivas:

[...] uma espécie de realidade em segundo nível que interpreta a realidade material, a relação do homem com a natureza e as relações sociais, dando-lhes um sentido. É este sentido que forma a base para os sistemas e práticas que possibilitam a reprodução das relações, oferecendo

75

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aassim, um modelo, ou quadro de comportamento para os indivíduos ou grupos. (HOUTART, 1982, p.11)

Houtart (1982), ao trabalhar o fenômeno religioso como uma “realidade em segundo nível que interpreta a realidade material”, permite verificar a significação do religioso, presente também na abordagem de Berger (1985), que é oferecer um modelo, ou quadro de comportamento para a análise dos indivíduos e grupos. É necessário que todo o indivíduo possua um referencial no qual possa se apoiar e estabelecer a lógica de seus procedimentos e agir dentro dos espaços de interlocução que lhe são facultados no interior do contexto por ele vivenciado. Neste sentido ele necessita de um discurso que uma vez internalizado lhe permita a construção do referencial que para ele funcionará como guia e possibilitará a que possa situar-se dentro dos parâmetros aceitos pela sociedade.

Os valores morais, éticos, culturais, as regras e as normas presentes no universo social possuem esta função, que permite aos indivíduos interagir e organizar seus padrões comportamentais dentro do estabelecido, do permitido, do aceito e não aceito, demonstrando também este aspecto a característica normativa do fenômeno religioso em sua função social. A religião também é um instrumento que vem atender a esta necessidade humana de circular nos espaços de interlocução e estabelecer a conversação segundo Berger (1985). É esta conversação que se instaura das mais diversas formas, rituais, culturais, simbólicas, etc., que permite o contato com a realidade exterior, no sentido da construção de uma estrutura plausível de mundo. Existe, também, a outra face do humano: a interioridade, que, no dizer de Houtart (1982), é a realidade sendo positivada a partir do processo de internalização.

O fenômeno religioso constitui-se como condicionado e condicionante da sociedade em sua dimensão supraestrutural. Condicionado por ser originário das relações sociais e condicionante, na medida em que as representações religiosas, entendidas como o conjunto de imagens, esquemas simbólicos e ideais veiculados, produzem repertórios de ações coletivas que determinam padrões comportamentais, os quais influirão no contexto social envolvente, uma vez que são os sistemas de símbolos culturais que integram a sociedade, porque são como um “elo”, que estabelece vínculos e padrões que permitem o existir no mundo objetiva e subjetivamente. Elo este que percebido por Norbert Elias (1994) o fez afirmar: “o que une os indivíduos não é cimento”.

A qualidade sagrada das crenças, rituais e objetos da religião efetiva-se enquanto tal, através da reação coletiva de um determinado grupo social. As concepções religiosas constituintes de um universo de representações simbólicas surgem de um contexto social e histórico que determina formas de organização social da produção de bens materiais e simbólicos, que condicionam a ação de toda e qualquer religião que nele nasça; e, por outro lado, vão influir na sociedade na

76

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a medida em que internalizadas, ou interiorizadas por indivíduos e grupos, criam uma prática social determinada, também constituinte de subjetividades.

É o social em suas dimensões econômica, política e cultural que imprime na religião um “marco de fronteiras”. Mas também há que se considerar, pela complexidade cada vez maior da realidade originária dos novos fenômenos religiosos que o social, embora sempre relevante, não responde por si só ao “porque” e ao “como”, indivíduos e grupos aderem cegamente a mensagens religiosas frágeis de conteúdo.

Deve-se compreender que a esfera sociocultural é marcada pela retroalimentação das disparidades sociais originárias e fortalecida pelas esferas sociopolítica e socioeconômica. São variados os campos em que esta retroalimentação se patenteia, mas consideramos de significativa importância o concernente aos preconceitos sociais. Na contemporaneidade estamos vivenciando condutas de caráter radicais. Radicalismo este que se consubstancia enquanto expressão de preconceitos, na interação entre concepções religiosas de mundo. Este preconceito, reproduzido no religioso, envolve ações de caráter fundamentalista, na medida em que este se pauta por uma conduta de demonização do que é diferente.

A força antagônica das legitimações religiosas é a negação plena da ordem, o caos, representado pela realidade do demônio, ou seja, a qualidade positiva da ordem é Deus, a qualidade negativa desta mesma ordem é o demônio. O fundamentalismo reaviva no contexto dos campos religiosos contemporâneos a demonização do mundo. A demonização expressa-se como um recurso estratégico, diante de um confronto belicoso (ORO, 1997) para a reversão de forças que são antagônicas ao próprio fundamentalismo religioso, neste sentido, tendo-se por base Berger (1985), pode-se entender que, de certa forma, esta estratégia encontra-se intimamente relacionada com a instauração da anomia (ausência ou flexibilização das normas sociais), no contexto das sociedades contemporâneas.

No campo religioso brasileiro o neopentecostalismo é uma prática religiosa que se consolida na contemporaneidade, mas que, trabalhando em seu universo de representações simbólico-religiosas com a demonização e a prática do exorcismo, traz para dentro de sua prática discursiva e não discursiva elementos claros do pré-moderno, relacionados à magia, como forma de angariar a adesão à sua denominação. Ora, neste processo de intercalar pós-moderno e pré-moderno consolida-se a presença de uma religiosidade flutuante e essa mesma forma de religiosidade envolve também pensarmos em termos de uma religião fragmentada, que incorpora o que podemos denominar um mosaico de mensagens que consubstanciam a busca pelo crente e que, uma vez conquistados estabelecem-se narrativas que internalizadas levam a uma conduta de um fechar-se para outras formas de religiosidade, tomando-se inclusive uma conduta bélica para com outras denominações religiosas. Daí se compreende também o seu caráter fundamentalista.

77

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aQuando a significação aceitável do mundo é rompida, encontramo-nos diante da anomia, ou seja, da separação radical do mundo social. Os laços emocionais se desintegram, bem como o indivíduo perde a sua orientação na experiência. Não consegue manter a relação dialógica com o mundo e, por conseguinte, não realiza a conversação. O êxtase religioso, a explosão emocional, a catarse coletiva, funcionam como uma alternativa possível e necessária.

A agudização das contradições presentes na sociedade contemporânea, pela própria reconfiguração do modo capitalista de produção acabou por requerer um elemento simbólico julgado eficaz como forma de explicação da realidade e, a magia, através de uma prática discursiva de demonização que perpassa os campos religiosos contemporâneos, retorna. Este retorno também pode inserir-se no contexto da ausência de reciprocidade, ou seja, de condições igualitárias de existência. Esta ausência no espaço do real fomenta o encontro de formas alternativas que possam expressar o encontro de condições mais igualitárias, ou incrementar o individualismo como condição alternativa para a igualdade imaginada por indivíduos e grupos adeptos de uma dada denominação religiosa.

As práticas religiosas e expressões de religiosidade, na contemporaneidade, circulam entre elementos objetivos e elementos subjetivos que atendem às necessidades ou à propostas de uma dada denominação religiosa na qual em suas práticas discursivas e não discursivas unifica-os. Constrói-se, assim, uma mensagem que o adepto internalizará. Da mesma forma, deve-se considerar como elementos subjetivos, aqueles que atendem às necessidades dos adeptos, objetivando encontrar a plausibilidade do mundo, uma ordem no mundo da vida, diante da ausência de certezas presente na contemporaneidade.

A vida na contemporaneidade gera nos indivíduos e grupos a sensação de incerteza, desordem, desconforto e angústia, que exige pela opacidade da ausência de respostas adequadas ao existir humano no mundo a construção de repertórios de ações individuais e coletivas que permitam o reencontro com a ordem do mundo da vida perdida, a qual se expressará pelo processo de reencantamento do mundo através das expressões de religiosidade.

São os seguintes os elementos objetivos das denominações religiosas na contemporaneidade: 1) cura, exorcismo e prosperidade – os produtos oferecidos no mercado religioso; 2) utilização dos meios de comunicação de massa; 3) utilização e divulgação do padrão american way of life em sua forma de apresentar a fé cristã, mantendo o crente e/ou o adepto na condição de leigo; 4) doutrina “flutuante”; 5) desafio para com Deus; 6) prática discursiva de obtenção imediata de bens materiais e simbólicos; 7) sacralização do profano; 8) utilização de uma lógica departamental – lógica do consumo; 9) utilização da contrapropaganda.

São os seguintes os elementos subjetivos dos adeptos das denominações religiosas na contemporaneidade: 1) encontro de uma estrutura plausível de mundo

78

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a enquanto ordenadora da desordem existencial; 2) oportunidade do encontro da vivência da experiência máxima, a partir da intensificação da emoção no espaço das “reuniões”; 3) sensação da realização do deslocamento da exclusão para a inclusão (desenraizamento-antes/pertencimento-depois) a partir da adesão à igreja; 4) melhora da autoestima; 5) libertação dos males; 6) o aqui e o agora estabelecendo a imediaticidade possível e imaginária das conquistas; 7) contato direto com o comunicador, de personalidade carismática; 8) relação diferenciada com a morte – amortecimento do impacto da consciência da mortalidade. Os elementos objetivos e subjetivos parecem influenciar na construção de um repertório ético-religioso de concepções de mundo e de ações, que permite uma nova leitura da realidade cotidiana e consequente construção de padrões comportamentais, que passam a influir no contexto social envolvente.

As igrejas tradicionais e históricas mantendo sacerdotes ou pastores como detentores do poder sagrado, intermediários da relação homem-Deus, são questionadas por uma nova prática e expressões de religiosidade, na qual indivíduos e grupos, cumpridores de seus deveres religiosos, podem ser possuídos pelas bênçãos de Deus, ou pelo demônio se não cumpridores dos referidos deveres. Neste sentido, desloca-se para a esfera estritamente individual enquanto responsabilização e culpabilização dos indivíduos os benefícios e males de suas vidas. Berger (1985) deixará claros aspectos da privatização das tradições religiosas, como característica típica das sociedades contemporâneas, alicerçada na individualização.

Em termos de Brasil, consideramos que os segmentos subalternos da população brasileira estão encontrando no pentecostalismo e no neopentecostalismo elementos que, determinados pelo processo de desigualdade social, permitem-lhes fazer frente às frustrações vivenciadas na realidade através de uma forma específica de apresentar e vivenciar a fé cristã e que, por sua vez, funciona como força motivacional para a mudança de seus padrões comportamentais, uma vez que é sempre necessário ao ser humano adaptar-se às mudanças presentes na realidade objetiva.

Da mesma forma, referenciando-nos em Bauman (1999), os poderes terrenos não podem erradicar a desigualdade presente e, sendo assim ela religião se insere no espaço do privado, ou seja, torna-se uma questão pessoal. Pode-se perceber, então que, o pentecostalismo e o neopentecostalismo, expressões de religiosidade que se pautam essencialmente por uma liderança carismática e vínculos doutrinários flexíveis, em suas relações com seus adeptos constitui-se no serviço fornecido socialmente, na sustentação artificial diante do peso das contradições presentes na realidade, pois as igrejas, possibilitando uma “reeducação dentro de uma moral”, estabelecem o caminho a ser seguido, a sinalização confiável que favorece a existência de um mínimo de segurança.

79

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aE, no contexto sociocultural brasileiro contemporâneo, as formas de religiosidade que se apresentam, demonstram as transformações ocorridas no imaginário popular, a partir das determinações da realidade objetiva, mesmo que de retorno a uma religiosidade primitiva (OLIVA, 1997), advindas de um universo social eminentemente urbano, com suas complexidades, impossibilitando a ordem e, destituindo os antigos donos do sagrado de seus poderes – as igrejas tradicionais e históricas.

O campo religioso brasileiro na contemporaneidade, em termos de perspectivas, do avanço das igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais, é marcado pela queda de instituições religiosas que se pautam por um compromisso paroquial e com princípios doutrinários fortes, presentes nas igrejas tradicionais e históricas. O que se anuncia é o crescimento de denominações religiosas que consideram e priorizam a emocionalidade, a busca da vivência da experiência máxima, a elevação da autoestima, o imediatismo das soluções dos problemas objetivos e subjetivos.

Se consideramos André Droogers, em sua proposta da Religiosidade Mínima Brasileira, verificamos que esta é uma religiosidade que se rege por manifestar-se publicamente em contextos seculares, veiculada pelos meios de comunicação de massa e pela linguagem cotidiana. É integrante da cultura brasileira. Essa religiosidade, não carece de mediadores entre o sagrado e o profano. Ela, por ser constituinte da linguagem cotidiana, realiza por si mesma essa intermediação, garantindo uma postura religiosa mínima, alicerçada principalmente no binômio Deus e fé. Sendo assim, diferentes visões de um mesmo mundo podem conviver lado a lado.

O passado convive com o presente, o presente convive com o futuro ou de uma forma geral, radicalmente considerando, não há o futuro, pois neste processo abre-se sempre o espaço para o retorno do tradicional, em termos religiosos ou do universo de representações simbólico-religiosas. Consideramos estes como traços marcantes presentes no campo religioso brasileiro que obstaculizam o espírito do tempo, o espírito de época, marcando a religiosidade brasileira de traços que se coadunam com posturas e concepções mais atinentes a um período histórico já transcorrido que, em muitos pontos, não acompanham o processo evolutivo da sociedade, ficando sempre o traço da tradição a reger as sociabilidades e até mesmo as novas formas de perceber-se e agir no religioso. São significativas as palavras de Aubrée e Laplantine acerca da cultura da mediação brasileira:

[...] No Brasil, não há o branco e o negro, mas o branco, o negro e o índio. Não há o humano e o divino, mas o humano, o divino e os intermediários, que são os santos. Não há o passado e o presente, mas o passado, o presente e a famosa saudade, que é a permanência do passado no presente. Não há um sim absoluto nem um não definitivo, mas, entre sim e o não, um muito frequentemente mais ou menos. Não há a terra e o céu, mas a terra, o céu e o céu que

80

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a desce a terra. Não há os mortos e os vivos, mas os mortos, os vivos e os espíritos dos mortos que reencarnam. Não há, enfim, a alma e o corpo, mas a alma, o corpo e o médium que tenta reuni-los [...] (AUBRÉE e LAPLANTINE, 2009, p.225-226)

Os homens do novo milênio, em função de suas incertezas, ansiedades e angústias ambicionam a posse do sagrado sem intermediações para atenderem imediatamente às suas inquietações. Neste sentido, a religião assume papel significativo na esfera privada em detrimento da esfera pública, embora seja coletiva no contexto dos cultos, missas e reuniões, cujo processo de contágio abastece às individualidades.

ReferênciasAUBRÉE, Marion; LAPLANTINE, François. A mesa, o livro e os espíritos. Gênese, evolução e atualidade do movimento social espírita entre França e Brasil. Maceió/AL: EdUFAL, 2009.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

BERGER, P. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Edições Paulinas, 1985.

DROOGERS, André. A religiosidade mínima brasileira. In: Religião e Sociedade. Rio de Janeiro: 14/2, ISER/CER.

ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

FILHO, Amilcar T. Uma questão de gênero: onde o masculino e o feminino se cruzam. In: Cadernos Pagu, jan-jun. Campinas/SP, 2005.

GOFFMANN, Erving. Estigma – Notas sobre a manipulação da identidade

deteriorada. Petrópolis/RJ: Vozes, 1981.

HALL, Stuart. Identidade e pós-modernidade. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998.

HOUTART, François. Sociologia da religião. São Paulo: Ática, 1994.

LIMA, Maria B. Identidades étnico-raciais no Brasil: uma refl exão teórico-metodológica. In: Revista Fórum. Identidades. Itabira/SE. V. 3: p.33-46, jan/jun 2008.

OLIVA, Margarida. O diabo no Reino de Deus. Por que proliferam as seitas? São Paulo: Musa Editora, 1997.

OLIVEIRA, Leidiane; SANTOS, Silvana Mara de M. Igualdade nas relações de gênero na sociedade do capital: limites, contradições e avanços. In: Ver. Katál. V.13, n.1, p.11-19, jan/jun. Florianópolis/ SC, 2010.

ORO, Ari Pedro. O discurso dos pregadores eletrônicos. In: Cadernos de Antropologia, n.9, UFRGS. Porto Alegre, 1996.

7 TRABALHO E EMPREGO NO MUNDO DAS NOVAS TECNOLOGIAS

Everton Santos

IntroduçãoO Brasil vem despontando no cenário internacional como a sétima economia mundial aliada a um relativo declínio das desigualdades sociais a partir de seu crescimento econômico e da redução dos juros de nossa economia. Esta oportunidade, singular na história recente do país, abriu-se justamente num contexto novo, do fim da rivalidade entre o capitalismo e o comunismo e ao mesmo tempo do declínio dos EUA como superpotência hegemônica, dando vazão as ditas “potências emergentes”, entre elas o Brasil.

Para o País isto tem significado oportunidades de emprego e renda, diminuição da pobreza e o aumento da chamada “classe média”, que tem na sua obtenção de título de curso superior sua principal realização profissional. Neste sentido, cumpre ressaltar os fluxos migratórios tradicionais de brasileiros, a procura de emprego para os países ditos desenvolvidos diminuíram significativamente, havendo, em alguns casos, um efeito reverso, não só com a fixação de cidadãos no País, mas a existência de imigração de norte-americanos e europeus (a despeito da crise da economia norte-americana e da Europa) para países como o Brasil, vindo ocupar postos de trabalho que demandam boa qualificação profissional. É sintomático este efeito, uma vez que os dados divulgados pelos órgãos oficiais do próprio governo têm apontado para uma discrepância entre o crescimento de nosso PIB (Produto Interno Bruto) e o parco investimento em pesquisa e ensino para acompanhar devidamente nosso desenvolvimento nacional. Há, portanto, um hiato entre um

82

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a país que “parece querer emergir”, uma economia que clama por mão de obra qualificada e as possibilidades deste desenvolvimento ameaçado justamente pela falta desta “mão de obra”.

Assim, este capítulo “Trabalho e emprego no mundo das novas tecnologias” tem por objetivo apresentar as novas condições de empregabilidade neste mundo de novas tecnologias que está se descortinando, portanto, de novas oportunidades e ameaças para o Brasil e os brasileiros, num contexto novo da economia do conhecimento. Então, a pergunta provocativa para abrir nosso capítulo é: como se caracteriza este novo cenário da economia do conhecimento? Quais as condições de empregabilidade nesta nova economia num mundo de novas tecnologias? Quais são as competências necessárias, as qualidades imprescindíveis para o profissional do século XXI conectar-se neste país, neste mundo?

Para responder a estas questões, dividimos este capítulo em três partes interdependentes. Na primeira parte, “Economia do conhecimento”, vamos caracterizar o contexto em que vivemos como um momento novo de uma sociedade pós-industrial deste início de século, que não é mais a economia de exploração do início de nossa colonização, nem mesmo a economia agroexportadora da primeira metade do século passado ou mesmo a economia industrial recente, mas uma economia que tem no conhecimento e no avanço tecnológico extraordinário sua principal mola propulsora para o desenvolvimento. Na segunda parte, tendo como base esta compreensão, discutiremos a “Empregabilidade na era da economia do conhecimento”, ou seja, a empregabilidade passará necessariamente pela redefinição das carreiras, passando-se das “carreiras organizacionais” tradicionais às “carreiras sem fronteiras”.

Num terceiro momento, “Planejamento e gestão de carreira – o profissional do século XXI”, discutiremos a necessária gestão e planejamento de sua carreira, a necessidade de autonomia no planejamento profissional, dando-se ênfase na responsabilidade individual, propondo ao final do capítulo uma metodologia mínima para o começo do seu planejamento.

7.1 A economia do conhecimentoO Brasil, como sabemos, foi uma colônia portuguesa que desde o século XV, com a chegada dos primeiros europeus, teve seu processo de colonização marcado pela exploração de seus recursos naturais nos primeiros séculos de sua história. Este processo foi fruto da política mercantilista europeia colonialista que impulsionou as grandes navegações na procura de novas terras e riquezas na expansão ultramarítima.

83

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aAs extrações do pau-brasil nas costas litorâneas com a utilização da mão de obra indígena, num primeiro momento, abasteceram a coroa portuguesa com recursos naturais que caracterizaram uma economia de exploração (RIBEIRO, 2000), em que as riquezas do País eram transladadas da colônia para a Europa. Tal economia significava o enriquecimento da metrópole portuguesa em prejuízo da colônia e de seus habitantes autóctones.

Posteriormente, na sequência histórica e dado o início da colonização propriamente dito, a partir de 1530, os ciclos da cana-de-açúcar e do ouro (nos séculos XVI, XVII, XVIII) com a utilização da mão de obra escrava africana, e, a partir do início do século XIX, o ciclo do café com a ajuda da mão de obra de imigrantes alemães e italianos, caracterizariam uma economia de produtos primários para a exportação.

Alguns estudiosos argumentavam que o Brasil exportava produtos primários para os países centrais e em troca importava produtos industrializados no final do século XIX e início do XX justamente porque a Europa já havia se constituído em uma importante região industrializada nesta época. Dada esta divisão internacional do trabalho, com o Brasil exportando produtos primários e importando produtos industrializados, nós teríamos “vantagens comparativas” em relação a eles, pois nossos produtos agrícolas seriam vendidos mais caro em comparação com a importação dos produtos industrializados deles (países centrais) mais baratos, pois o uso de novos maquinários industriais tenderia a baratear os preços dos produtos industrializados importados em comparação com o não uso destes maquinários nos produtos primários. Assim, exportar produtos primários e importar produtos industrializados davam “vantagens comparativas” para o Brasil, pois venderíamos caro e importaríamos barato.

Todavia, uma forte crítica dos estudos da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) demonstrou que este raciocínio estava equivocado, pois as exportações de produtos primários teriam um limite, “as pessoas não podem comer mais do que a sua barriga suporta”, mas os produtos industrializados podem ser comprados de maneira abundante (MANTEGA, 1990). Ou seja, a demanda por produtos industrializados tende a ser maior do que a demanda por produtos primários, e assim teríamos uma alta no preço dos produtos industrializados europeu-americanos e uma queda nos produtos primários exportados (a lei da oferta e da procura). Um mau negócio para nós!

Dada esta constatação, o Brasil passa a investir pesadamente numa política para a industrialização do País, principalmente a partir dos anos 1930, buscando recuperar este “gap” com a criação de um parque industrial brasileiro capitaneado pelo Estado.

O Brasil passou, ao longo do século XX, consolidando-se como um país de economia industrial. Com um êxodo rural expressivo de agricultores para os centros urbanos,

84

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a a expansão da mão de obra assalariada, a criação do salário mínimo, da carteira de trabalho e toda legislação trabalhista moderna edificada a partir da Era Vargas, o processo de industrialização brasileiro se tornou irreversível já nos anos 1940 e 1950.

Quando o Brasil se consolida como uma nação industrial, os países centrais, que até então eram países industriais, passam paulatinamente a exportar suas indústrias para os países ditos “periféricos”, de “terceiro mundo”, como os países latino-americanos, não só porque encontram uma mão de obra barata, uma legislação flexível, tributos menores, mas, também, a inexistência de uma legislação ambiental que puna indústrias poluentes. Todavia, estes países centrais passam a concentrar-se cada vez mais na produção do conhecimento.

Na verdade, a nova divisão internacional do trabalho, principalmente na segunda metade do século XX, passa a dividir-se entre aqueles países que produzem o conhecimento, tecnologia e inovação, e aqueles que são os consumidores deste conhecimento e destas tecnologias.

Neste caso, tanto os EUA quanto a Europa e posteriormente alguns países asiáticos foram os grandes produtores de conhecimento, não só pelos investimentos e o acúmulo de capital que realizaram em priscas eras, como pelo acúmulo de conhecimento através do desenvolvimento de pesquisas e inovações tecnológicas no pós-guerra.

Este padrão de consumidores de tecnologia e pesquisa, pelos países “periféricos”, “emergentes”, ficou mais ou menos estável até o final dos anos 1980, quando a divisão do mundo entre capitalistas pró Estados Unidos e o comunistas pró União Soviética era vigente.

Contudo, três grandes impactos de proporções tectônicas mudaram a ordem das coisas, mudaram a ordem política, a ordem econômica e a ordem tecnológica, alterando o panorama internacional de maneira significativamente profunda, segundo ZaKaria (2008).

O fim da União Soviética e a queda do muro de Berlim simbolizaram a mudança da ordem política, com o colapso de um modelo de sociedade dita “comunista”, que tinha no partido único e na economia centralizada e planificada seu mote central, alterando a ordem mundial no qual a rivalidade entre o mundo capitalista e o mundo comunista passa a dar lugar à liberalização dos regimes autoritários, a difusão da democracia liberal, tornando-se ponto de pauta principal na agenda internacional de países que até então viviam sob os auspícios da União Soviética, entre eles os países do leste europeu.

Na ordem econômica, intensificou-se a livre movimentação do capital e do dinheiro, agora não mais restrito aos países capitalistas, mas a todos aqueles que se aventurarem a ingressar nesta ordem “por livre e espontânea pressão”, dadas as novas circunstâncias econômicas, que não deixavam margem para o isolamento.

85

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aNeste sentido, houve a difusão de bancos centrais independestes em diferentes países e um forte controle da inflação em países da América Latina como o Brasil e a Argentina, por exemplo, que enfrentavam altos índices inflacionários. Certamente, o controle desta inflação possibilitou equilibrar estas economias, estabilizando-as politicamente. A Índia e a China, neste sentido, foram duas grandes nações, dignas de nota na contribuição para a contenção da inflação mundial produzindo produtos de custo barato para o mundo ocidental de maneira abundante. Hoje, não se consegue mais comprar uma “lembrancinha” de nenhum país no mundo que não tenha um made in China. Até a loja oficial dos Beatles na Baker Street em Londres é made in China.

Junto a estas mudanças de ordem econômica e política, também a mudança tecnológica tornou este mundo mais conectado, interligado como uma “aldeia global”, como diz Friedman (2000), “o mundo é plano”. Desde as grandes navegações, temos uma intensificação destes processos de interconexão entre os povos sob a face da Terra. O desenvolvimento tecnológico das comunicações, com o acesso aos telefones móveis, a banda larga dando acesso à rede internacional de computadores (internet), a TV digital, as viagens intercontinentais mais rápidas, mais baratas e acessíveis certamente tornaram este mundo muito menor, “muito frequentado”.

Estas três ordens de mudanças deixaram o mundo mais aberto, é verdade, mais conectado e, portanto, mais exigente, na medida em que permitiram pela instantaneidade e visibilidade dos acontecimentos mundiais a comparação entre países, regiões, pessoas e empresas, abrindo a competição internacional para muitos países, inclusive os ditos “países emergentes” como nós.

É verdade, também, que esta conexão internacional alargou os mercados, diversificou os produtos, aumentou os concorrentes, levando à destruição de muitos empregos, inclusive redesenhando-os numa nova era econômica, que chamaremos aqui de “economia do conhecimento”, cujas fontes de riqueza não são mais os recursos naturais ou o trabalho físico dos séculos pretéritos, mas o conhecimento e a comunicação (STEWART, 1998). Nesta nova economia, a disputa agora é pela posse, produção e distribuição do conhecimento em escala global.

Este, evidentemente, sempre foi um componente importante na história da evolução da humanidade. Desde a pré-história, na passagem do período da pedra lascada ao período da pedra polida, no domínio manual de determinadas técnicas para o fabrico de instrumentos, avançando-se à revolução industrial inglesa, com a mecanização do trabalho, lá estava o conhecimento como mola propulsora dos avanços científicos e tecnológicos. Contudo, nunca anteriormente visto, o conhecimento tomaria a centralidade que tem na contemporaneidade, por esta razão a denominação de economia do conhecimento.

86

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a Do acúmulo de ferramentas, máquinas, capital econômico, passamos à busca de acúmulo de conhecimento, de “capital intelectual” j. Como argumenta Stewart (1998), a Volkswagen havia declarado nos anos 1990 que precisavam de dois terços de seus funcionários para manter sua produtividade, e os empregos nos EUA na indústria caíram de 34% da força de trabalho em 1950 para 16% em 1996 e atualmente chegam a 12%.

É lugar-comum constatar que cada vez mais as empresas têm investido em tecnologias de ponta, substituindo trabalhadores, operários das linhas de montagens por robôs, computadores e equipamentos mais sofisticados. Se, por um lado, este fenômeno destruiu vários empregos, por outro, criou uma série de oportunidades para gerentes, projetistas, comerciantes e operadores. As empresas passaram a depender cada vez mais da produção do conhecimento, de patentes e pesquisas. Indústrias que transportam informações estão crescendo mais rápido do que aquelas que transportam mercadorias, o tráfego internacional de telefone vem aumentando 16% ao ano e 30% do tráfego da internet (STEWART, 1998).

Dentro desta perspectiva, há o surgimento das chamadas “indústrias culturais”, “indústrias criativas” que têm na exploração da criatividade e do talento individuais capacidade para a criação de riqueza e trabalho. Entretanto, esta exploração econômica diferencia-se daquela meramente industrial, porque passa obrigatoriamente pela devida apropriação dos direitos de propriedade intelectual. Assim, um filme, um livro, um CD, um software podem ser agregadores expressivos de valores tanto quanto produtos clássicos como carros ou eletrodomésticos de um país ou região. Tudo isso num mundo em que as pessoas estão menos pobres e mais propensas ao consumo de massa.

A despeito das oportunidades que se abriram neste início de século, o professor Zakaria (2008), da Universidade de Harvard, tem apontado que a proporção de pessoas que vivem apenas com 1 dólar ou menos por dia no mundo despencou de 40% em 1981 para 18% em 2004, e estima-se que cairá a patamares de 15% de 2015 em diante. O fato é que a miséria está diminuindo em países que abrigam 80% da população mundial. Em 142 países, que incluem a China, Índia, Brasil, Rússia, Indonésia, Turquia, Quênia e África do Sul, as populações pobres estão sendo absorvidas por economias produtivas e crescentes. Este fenômeno está criando uma situação em que os países que outrora eram apenas observadores no cenário internacional passam a ser agora atores protagonistas. Assim, complementa o autor, há evidências destas oportunidades quando verificamos que o edifício mais alto do mundo fica em Dubai e não em Nova York, o homem mais rico do mundo é um mexicano, o maior avião do mundo está sendo fabricado na Ucrânia e na Rússia,

j Veremos no item seguinte a definição de “capital intelectual”.

87

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aa maior indústria cinematográfica do mundo (dentro da perspectiva da indústria criativa) não é Hollywood nos EUA, mas Bollywood na Índia.

Então, sinteticamente, para fecharmos este ponto, podemos dizer que, passada a fase da economia de exploração no Brasil, com a exploração de nossos recursos naturais, tivemos uma relação de dependência com os produtos industrializados das nações centrais pela exportação de nossos produtos primários, constituindo-nos como uma economia agroexportadora. Posteriormente, com o processo de industrialização no Brasil, ou seja, quando o Brasil consegue tornar-se uma economia industrializada, passamos a ser dependentes do conhecimento dos países centrais capitalistas. Na contemporaneidade, com as principais economias do mundo constituindo-se como economia do conhecimento, a disputa passa a ser agora pela produção e distribuição deste conhecimento.

Nós vivemos um delay no Brasil em relação a estas economias, mas precisamos e devemos nas próximas décadas recuperar esta distância, a fim de podermos avançar.

7.2 Empregabilidade na era da economia do conhecimentoSe estamos vivendo um processo de mudança para uma nova era da economia do conhecimento, evidentemente que precisaremos repensar também o emprego nesta nova ordem das coisas. Os especialistas têm provocado o debate dizendo que hoje não podemos mais falar em “mão de obra do trabalhador”, mas em “cérebro de obra do trabalhador”, pois o mercado passa a exigir cada vez mais trabalhadores qualificados que usam, por sua vez, cada vez mais o cérebro e menos as mãos.

Há um aumento nos empregos que pagam bem os trabalhadores do conhecimento, como cargos executivos, administrativos, gerenciais e consultorias, ou seja, aqueles cargos que criam e agregam valor. Por outro lado, há uma queda no número de cargos de apoio administrativo, burocrático, aqueles cargos que não criam valor e que podem ser facilmente substituídos por um bom software (STEWART, 1998). De fato, o “capital intelectual” passa a ser uma propriedade central nesta nova economia para aqueles que desejam ingressar, permanecer ou ascender neste novo ambiente. Mas o que é o capital intelectual? O capital intelectual aqui, não é o capital como usualmente conhecemos, o capital material, capital financeiro.

Quando nós compramos uma empresa, por exemplo, de remédios, não estamos comprando propriamente o seu capital físico, seus pavilhões, escritórios, ferramentas, laboratórios, mas, sobretudo, estamos comprando seus talentos, capacidades e habilidades em produzir e fabricar remédios, segundo Stewart (1998). Dessa forma, o capital intelectual é o conhecimento existente em uma organização que pode ser usado para obter uma vantagem competitiva, o chamado conhecimento útil, a inteligência aplicada como um ativo para criar ou agregar valor.

88

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a Se analisarmos a economia doméstica de uma pessoa de ensino superior completo, com um emprego estável para dar outro exemplo, veremos que provavelmente o grande percentual de capital que esta pessoa possui não é o capital econômico dela, seu carro (às vezes financiado) ou mesmo sua casa própria, mas possivelmente seu capital intelectual. Seis meses ou um ano de desemprego podem solapar o patrimônio de uma vida. Claro, este trabalhador gera ao mês quantias significativas de valor através de seu salário. O maior patrimônio que alguém pode ter nesta nova economia é o seu capital intelectual, sua formação, é ele que gera valor e que, portanto, deve ser cuidado, fomentado, estimulado, ele se constitui em um ativo, em outras palavras, ele é um investimento, pois é gerador de renda e receita, ao contrário de uma casa ou carro, que, aliás, de maneira geral, são passivos, criadores de despesask.

Se em vez de o sujeito trocar de carro resolvesse investir em um curso de pós-graduação, a sua empregabilidade não só aumentaria, como seu salário, de acordo com pesquisas recentes divulgadas pelos órgãos oficiais, aumentaria em cerca de 101%. Com o salário dobrado, aí sim ele poderia desfrutar da compra de um carro melhor. Mas como o investimento não foi feito, o salário não vai dobrar e suas receitas tenderão a minguar, pois suas perspectivas de futuro serão, previsivelmente, aumento de despesas e diminuição de receitas.

Na era da economia do conhecimento, portanto, a empregabilidade vai passar necessariamente por investimentos em “ativos intelectuais”, cursos de graduação, cursos de extensão, pós-graduação, aprendizado de línguas, etc.

Todavia, dada a história recente do Brasil, que se constituiu ao longo do século passado em um país de base industrial, principalmente a partir da década 1970, com um crescimento econômico expressivo, podemos constatar que os investimentos em formação não eram o mote principal daqueles trabalhadores, via de regra a mão de obra tinha baixa qualificação. O emprego passava tão somente pela ideia de treinamento, e a empregabilidade em uma organização era para toda a vida. Na década de 1980, foi a chamada “década perdida”, marcada pela estagnação da economia, planos econômicos e inflação galopante. O emprego dentro de uma empresa seguia a sequência de cargos. Temos, assim, as chamadas “carreiras organizacionais”. Segundo este conceito, estas carreiras seriam ligadas às grandes organizações, grandes empresas concebidas para revelar um único cenário de

k É muito comum as pessoas acharem que casa e carro são investimentos, que são ativos. Ledo engano, não são. Eles só poderiam ser um ativo, ou seja, geradores de renda e receita, se a casa fosse de aluguel e o carro fosse um táxi, por exemplo. De fato, a casa para moradia e o carro da família são passivos, são geradores de despesas. Inclusive, a classe média no mundo é uma classe que adora, via de regra, quando recebe um aumento de salário, aumentar as suas despesas comprando um carro novo, comprando uma casa maior, quando não uma casa na praia, aumentando suas despesas, diminuindo ainda mais suas receitas e comprometendo seu futuro.

89

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aemprego, cujas características, segundo Veloso (2012), sintetizando autores especializados, seriam:• ambiente estável e dinâmico;• a economia é subordinada as grandes fi rmas que geram oportunidades de

emprego;• mudanças nas fi rmas geram mudanças de carreiras;• há interdependência entre empresa e pessoa;• as empresas oferecem carreiras para toda a vida;• o empreendimento é uma opção e não um elemento necessário;• os empregados são parte da organização;• a carreira é predeterminada pela empresa e não pelo indivíduo.

Nos anos 1990, o avanço tecnológico, a necessidade de competitividade, a redução dos postos de trabalho e as privatizações mudaram este panorama. A reengenharia, a terceirização, o downsizingl, fizeram com que o emprego passasse a ser representado por novas possibilidades e empregabilidade (VELOSO, 2012). Nos anos 2000, com a intensificação da globalização, um ambiente marcado por fusões, aquisições, responsabilidade social e ambiental busca-se o alinhamento entre vida pessoal e profissional.

Nos anos 2010, tivemos um crescimento econômico no País que foi capaz de proporcionar uma relativa queda no desemprego e na desigualdade social no País, aliados a um aumento do crédito pessoal e imobiliário, o crescimento de pequenas e médias empresas, jogaram água no moinho das novas “carreiras sem fronteiras”. Que carreira é essa? Carreiras que vêm se constituindo a partir dos anos 1990 em diante. Segundo Veloso (2012), são carreiras que não têm a fronteira da organização como parâmetro, ou seja, o desenvolvimento profissional não está ligado a somente uma organização, como era antes, portanto trabalhar pode não significar ter um emprego fixo em uma empresa estruturada. Elas surgem não somente porque os trabalhadores mudaram, mas porque as próprias organizações passaram a necessitar de quadros profissionais mais flexíveis. Portanto, a história de uma pessoa que passa a maior parte da sua vida em uma única empresa vai ser cada vez mais rara na contemporaneidade, segundo a autora. Sintetizando autores consagrados, as características destas carreiras são:

• ter a pessoa como principal responsável pela carreira;• apresentar condições de mobilidade por meio de fronteiras organizacionais e

valor do trabalho independente do empregador;

l É a racionalização da estrutura organizacional que implica a diminuição de níveis hierárquicos e custos nas empresas.

90

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a • ser subsidiada por informações sobre o mercado de trabalho e redes de relacionamento (networks, capital social);

• reconhecer formas de progressão e de continuidade independente da hierarquia organizacional, bem como ser permeada pela conciliação entre necessidades profi ssionais, pessoais e familiares;

• ter condições de se organizar por meio do indivíduo e não somente mediante possibilidades oferecidas pela organização;

• reconhecer possibilidades de atuação em pequenos projetos;• considerar a aprendizagem como fator para o desenvolvimento profi ssional

e para a continuidade da carreira;• ter a ação e participação não contratual como elementos essenciais ao seu

desenvolvimento.

Como podemos ver nesta carreira, a ideia de estabilidade no emprego é substituída pela ideia de empregabilidade, em outras palavras, a pessoa perde a segurança de que vai estar empregada amanhã naquela empresa, porém ganha com a possibilidade, não somente de estar empregada em duas ou mais organizações, mas também de ser facilmente empregada em outra organização porque é ela mesma quem faz a gestão de sua carreira. Não se monitora mais o seu cargo hierárquico dentro da empresa (sua função), mas o grau de sua colaboração para levar adiante os projetos da organização. Nesta ordem das coisas, perde-se a ideia do salário, daquele ganho único e certo de uma determinada organização. Agora, as pessoas passam a ter renda, que se constitui na composição de ganhos, quer seja com consultoria, palestras, empregos por determinadas horas, semanas ou meses sazonais ou até mesmo a aposentadoria pública ou privada que se soma a esta renda (dada a ampliação da expectativa de vida).

Neste tipo de carreira, torna-se imperativo a pessoa ser um empreendedor de sua própria vida profissional. Neste sentido, devemos atentar para os ganhos que podem ter as pessoas e as organizações, segundo Veloso (2012).

O que pode ganhar uma pessoa com esta modalidade de carreira:

• autonomia e auto-organização na composição de seus horários e dias de trabalho;

• conhecimento acumulado em diferentes organizações;• ganhos maiores na composição da renda fi nal;• tolerância, adaptabilidade, fl exibilidade;• status e respeitabilidade profi ssional são ampliadas;• relacionamentos mais horizontalizados dentro das próprias organizações.

91

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aO que pode ganhar uma organização com esta carreira:

• quadros mais qualifi cados, com experiências diversifi cadas;• quadros mais motivados devido aos ganhos maiores;• conhecimento, pois, quando o indivíduo deixar a organização, parte do seu

conhecimento fi cará;• experiência, pois, ao se mover entre organizações, o indivíduo leva o benefício

de sua experiência para outro cenário;• economia na qualifi cação de quadros que muitas vezes já entram na organização

altamente capitalizados.

Portanto, como podemos constatar, as “carreiras sem fronteiras” vieram como uma tendência tímida nos anos 1990, mas vêm se consolidando no contexto dessa nova economia do conhecimento. As perspectivas para 2020 são bastante otimistas, especialistas têm apontado que o mercado consumidor brasileiro irá quase dobrar de tamanho, passando dos atuais 2,2 trilhões para 3,5 trilhões de reais até o final da década, chegando o consumo no Brasil a 65% do PIB, numa clara expansão de renda do brasileiro, das regiões metropolitanas em direção para o interior. Parte desta expansão pode ser explicada pelo fato de que o número de pessoas inativas (crianças e idosos) tende a diminuir gradativamente, chegando em 2022 ao auge do chamado “bônus demográfico”, quando, de cada 10 pessoas, 6 estarão no mercado de trabalho produzindo e consumindom. A classe média brasileira, que em 2002 correspondia a 38% da população, hoje está em 53% e deve chegar a patamares em cerca de 60% até 2022. Junto destas mudanças um aumento dos anos de escolarização, de 8 para 12 anos de estudo, passando-se da escolarização de ensino fundamental completo para o ensino superior incompleto desta nova classe média, segunda a dados da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), bem como o aumento na intensificação das viagens nacionais e internacionais. Assim, ao que tudo indica, haverá uma tendência no aprofundamento das “carreiras sem fronteiras”, em que os indivíduos passam a primar, agora com maior renda e escolarização, pela sua autorrealização e o sucesso psicológico e não mais meramente o sucesso externo, da “carreira pela carreira”n. Neste sentido, as “carreiras sem fronteiras” tenderão também a ultrapassar de forma mais visível as fronteiras não só organizacionais, mas também nacionais, da empregabilidade continental e intercontinental.

m Ver Revista Exame. Edição 1.022. Ano 46, n. 16, 22/8/2012.n Semelhante à “carreira sem fronteiras” é também a “carreira proteana”, que pressupõe também a

autonomia das pessoas em relação à organização, a busca por empregabilidade e não estabilidade no trabalho e também desenvolvimento psicológico.

92

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a 7.3 Planejamento e gestão de carreira – o profissional do século XXIDe posse da compreensão das características da economia do conhecimento, bem como das condições que dão empregabilidade às pessoas neste novo contexto, passemos agora para o planejamento e a gestão propriamente ditos da sua carreira profissional.

Partindo do pressuposto da “carreira sem fronteiras” de que a responsabilidade com a sua gestão e o planejamento são das pessoas e não mais das organizações, teremos uma tarefa nova e dificultosa diante da tradição brasileira de ver as carreiras gestadas e planejadas somente pelas empresas.

Hoje é falsa a ideia de que há uma escolha em encontrar um bom emprego com uma carreira segura e linear ou trabalhar por conta própria tendo mais autonomia e liberdade para empreender. Na economia do conhecimento todos trabalhamos por “conta própria” de forma autônoma e empreendedorao. Em outras palavras, o ato de empreender está intrinsecamente ligado às profissões do presente e vão estar no futuro próximo. O empreendedor aqui não é aquele dos anos 1980, em que o sujeito resolve abrir seu próprio negócio e ele resolve abre uma pousada na “Praia do Rosa” para ganhar dinheiro nos verões com os turistas. Não, o empreendedorismo de que estamos falando aqui é aquele que mobiliza recursos externos para crescer e alcançar seus objetivos, na esteira de Drucker, porém voltados para sua carreira e não necessariamente para “abrir uma empresa”. Imaginem que um profissional na área da saúde, como enfermeiros, médicos, odontólogos, fisioterapeutas, que não tiverem nenhum traço empreendedor, não investirem em equipamentos, livros, revistas especializadas para se atualizar ao longo de sua carreira, vão ter de esperar que o Hospital, a Empresa, a Universidade, a Organização o faça? Não! A carreira é sua, não da empresa, lembram, “carreira sem fronteiras”?! Um turismólogo, um arquiteto, um urbanista vai ter de viajar por algumas das cidades mais importantes do mundo em virtude de sua formação e atualização. Viajar para eles é um investimento. Quem pagará a viagem deles(as) a Paris, a Barcelona, a Buenos Aires? A empresa? Você confiaria o planejamento de sua viagem a um profissional da área do turismo que nunca viajou ali na esquina? É preciso planejar e investir na sua carreira, é preciso ter uma estratégia de carreira.

o A não ser que você faça um concurso público em carreiras altamente estruturadas. Todavia, mesmo assim, é comum, nesta opção profissional de carreira, as pessoas estrategicamente optarem por fazer vários concursos até chegar naquele desejado, havendo assim espaços bem claros de autonomia. Não é raro pessoas provenientes das forças policiais que se aposentam cedo, constituindo-se em consultores na área de segurança, ou mesmo pilotos das forças armadas passando para a iniciativa privada após a aposentadoria.

93

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a7.3.1 Estratégia de carreiraPrimeiramente, é preciso dizer que escolher um curso de nível superior não é necessariamente escolher uma carreira. Certo?! Há especialistas na área de RH que afirmam que a ordem correta seria escolher primeiro a carreira e só depois o curso. Por exemplo, eu posso escolher fazer uma carreira como corretor de imóveis e fazer um curso de direito, ou mesmo fazer a carreira como gestor numa empresa de calçados ou metal mecânica e ter feito engenharia, administração, contabilidade, etc. Posso escolher fazer uma carreira no setor público e fazer uma graduação em gestão pública, mas também em medicina ou engenharia de trânsito. O curso escolhido não necessariamente me coloca na carreira. Qual é a sua carreira?

Qualquer que seja a carreira escolhida será preciso que você saiba de antemão que o mercado de trabalho precisa e vai precisar cada vez mais de pessoas “qualificadas e inteligentes”! Sim, mas vamos substituir estes dois clichês pelo conceito de competência. Em outras palavras, o mercado de trabalho precisa de pessoas competentes, pessoas capazes de serem “CHA”. Primeiro que tenham Conhecimento, ou seja, que tenham “saber” apreendido na escolarização formal e informal, mas não necessariamente posto em prática. Segundo, que tenham Habilidade, que “saibam fazer”, que tenham experiência, que saibam sobretudo colocar em prática o conhecimento e terceiro é a Atitude, é o “querer fazer”, a disposição que articula o conhecimento e a habilidade. Portanto a “era do Coeficiente de Inteligência elevado”, da inteligência cognitiva, por si só hoje não diz absolutamente mais nada.

Feito esta primeira e importante observação é necessário traçarmos um plano de ação para nossa carreira, uma estratégia. A estratégia aqui é entendida como um conjunto de decisões, e escolha de caminhos por meio dos quais as pessoas buscarão atingir seus objetivos, fundamentalmente a estratégia é tomar decisões pensadas (ROSA, 2011), é o seu plano. É a partir dela que será possível ampliar as possibilidades de seu êxito profissional.

7.3.2 Formulando sua estratégia

7.3.2.1 ObjetivosPrimeiramente, a pessoa deve considerar o que quer. O objetivo de fazer a gestão da sua carreira é que você consiga sua realização pessoal, sua felicidade no que isso significa na sociedade contemporânea, implicadas aqui as realizações de ordem material e imaterial.

94

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a 7.3.2.2 Potencial – forças e fraquezasDefinido a etapa dos objetivos, o indivíduo deve avaliar suas potencialidades, isto são suas forças e fraquezas. Segundo Rosa (2011), a ideia de que todos podem é falsa, algumas pessoas terão uma enorme dificuldade para atuar em uma determinada área e outras mais facilidades. Assim, olhe-se com seus próprios olhos, conheça seus defeitos, suas qualidades, seus limites de talento, “inteligência” e motivações. Olhe-se com os olhos dos outros, veja o que eles pensam de você, qual é a imagem que você transmite, quais qualidades provocam admiração e quais causam rejeição? O senso comum diz, não me interessam o que os outros pensam de mim, interessa o que eu sou. Ledo engano, do ponto de vista social, “você é o que a sociedade diz que você é. A sociedade é Deus” dizia um grande sociólogo francês.

Quais são as suas forças? Você é disciplinado, estudioso, conciliador, articulado, “educado”?

Quais são suas fraquezas? Você tem gostos inadequados, gosta de fazer piadas, faz comentários deselegantes sobre o comportamento dos outros ou tem explosões de raiva?

Independente de quem quer que você seja, peça sempre a opinião dos de “fora” sobre você, pare para refletir, faça terapia para se conhecer melhor.

7.3.2.3 Ambiente – oportunidades e ameaçasSegundo Rosa (2011), o mundo traz para cada pessoa um conjunto específico de oportunidades e ameaças. Nesse sentido, a pessoa deve identificar os fatores positivos e negativos que estão à sua volta, dede as transformações no mundo do emprego e da tecnologia às demandas sociais. Assim, é preciso atentar-se para as forças econômicas que podem aumentar ou diminuir a renda de determinadas classes sociais, abrindo-se oportunidades de novos empregos ou mesmo ameaçando os já existentes, mudanças tecnológicas que podem melhorar o desempenho no trabalho ou levar a obsolescência de determinada profissão. Também cumpre lembrar que é preciso atentar para o mercado específico que determinada categoria se refere, digamos o campo de atuação e as alterações deste.

Uma profissão importante hoje pode não ser amanhã. Um arquiteto que esteja numa área de mercado saturada por exemplo deverá procurar uma outra região, estado ou mesmo buscar alternativas de profissão no limite.

Uma empresa onde você trabalha ou quer trabalhar, tem futuro, vai crescer, há boas condições de ambiente de trabalho? Funções dentro das empresas podem ser tornar mais ou menos importantes dependendo do macroambiente, finanças, marketing, produção ou mesmo se extinguir (ROSA, 2011).

95

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aComo está a sua rede social (social network, seu capital social) a rede de pessoas com quem você se relaciona. De nada adianta aquele facebook, blog, twitter, que você despende horas atualizando com fotos, frases e mensagens, se de nada ajudarão na hora de achar um emprego, ter indicação para alguma oportunidade, pois a “qualidade” das pessoas que você adiciona, que “te seguem”, não tem nenhum impacto sobre sua vida profissional, pode até ter para sua vida pessoal. Cuidado com o desperdício de seu tempo e talento.

Abaixo, observe o Quadro Swot Pessoal para realizar a análise de potencial e análise ambiental, conforme Rosa (2011).

Quadro Swot Pessoal

Análise do Próprio Potencial

Forças (Strengths)

Características e situações pessoais que facilitarão a

realização dos objetivos de carreira.

Fraquezas (Weaknesses)

Características e situações pessoais que dificultarão a realização dos objetivos de

carreira.

Análise do Ambiente. Situação atual e Tendências

Oportunidades (Opportunities)

Situações ou eventos do ambiente (mercado) que

facilitarão a realização dos objetivos de carreira.

Ameaças (Threats)

Situações ou eventos do ambiente (mercado) que dificultarão a realização dos objetivos de carreira.

Este quadro proporciona um exercício bem prático para o início da formulação de sua estratégia. Uma vez feito este exercício, passemos agora as dicas, observações e os retoques que ajudarão no desenho de sua carreira profissional.

7.3.3 Inteligência emocional e etiqueta profissionalForam abundantemente divulgado nos últimos anos os conceitos do psicólogo americano Daniel Goleman que diferencia a inteligência congnitiva, aquela inteligência baseada no saber de conteúdos, teorias, resolução de equações, daquela inteligência emocional ou social que está ligada a capacidade das pessoas saberem conviver com os outros, administrarem seus conflitos. Pesquisas organizacionais destacaram que esta inteligência emocional teria mais peso para definir o sucesso profissional de um indivíduo do que a outra. Como dizem os especialistas em administração e psicologia, um funcionário pode ser treinado, ensinado congnitivamente, mas não com tanta facilidade consegue-se mudar comportamentos sociais, como um desvio de conduta por exemplo.

96

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a Hoje torna-se extremamente importante saber administar as emoções, aquele profissional que quer ampliar seu potencial de crescimento na carreira terá necessariamente que se qualificar emocional e socialmente. Neste sentido, segundo Rosa (2011), há algumas emoções que derrubam e outras que promovem as pessoas nas organizações:

Emoções que promovem Emoções que derrubam

AmorAlegria

FelicidadeAdmiraçãoCoragem

AutoestimaCrença(em si mesmo, nas possibilidades)

OtimismoConfiança (nas pessoas)

TranquilidadeBom Humor

ÓdioTristeza

InfelicidadeInvejaMedo

AutorrejeiçãoDescrença

PessimismoDesconfiança

AnsiedadeMal Humor

De posse deste quadro você pode fazer também o exercício de mapear quais detas emoções (checando com você mesmo ou com a ajuda de pessoas próximas) são predominantes em sua atuação profissional. Uma vez identificadas podem ser melhor trabalhadas para seu aperfeiçoamento emocional. Juntamente com a inteligência emocional está também a etiqueta profissional. Etiqueta? Sim, aqui entendida como “um conjunto de regras criadas a fim de que a interação entre os seres humanos aconteça dentro de princípios que prazem o respeito mútuo”(LEÃO, 2005). Vamos lá?!

• Cumprimentos

Cumprimente todas as pessoas que passar pelo seu caminho no trabalho, do segurança ao presidente da empresa. O cumprimento sempre deve partir da pessoa que tem a primazia. Mulher estende a mão para o homem, os mais velhos estendem a mão para os jovens, o superior hierárquico na empresa estende a mão para aquele mais baixo na hierarquia. Homens sempre se levantam para apertar a mão, mulheres podem ficar sentadas, bem como pessoas idosas.Mulheres só levantam para cumprimentar idosos ou autoridades(LEÃO, 2005). Beijos não existem em ambientes profissionais formais.

97

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a• Conversação

Segundo Leão (2005), saber ouvir é a virtude das pessoas elegantes e inteligentes, fale, mas dê chance para os outros também falarem, pergunte sobre a pessoa, assim se sentirão incluídos e com interesse em você. Evite palavrões, gírias, fofocas, cuidado com piadas sobre etnias, religião, time de futebol, a chance de um escorregão são sempre iminentes, bem como o tom e o volume de sua fala. Se tiver de atender a um chamado no celular peça licença para seu interlocutor, mas dê a preferência a quem está fisicamente com você.

Seus problemas pessoais, são pessoais, não profissionais! Jamais perca a noção exata da distância que deve haver entre seus superiores e você, em ambiente profissional temos colegas, não necessariamente amigos. Isso vale para o ambiente acadêmico. Uma relação mais fraterna e menos formal sempre deve partir do superior hieráquico.

• Convites

Todas as vezes que você receber um convite de alguém ou de uma organização agradeça, se for pedida a confirmação o faça o mais breve possível. Se não puder comparecer não hesite em negar. Pior do que não ir é confirmar a presença e depois não comparecer. Se for seu líder, chefe, então...

A retribuição de um convite se faz com outro convite. Sempre que for convidado a ir a casa de alguém pela primeira vez leve um presente, é absolutamente elegante.Quando convidar alguém para sair a regra é: “quem convida dá banquete”, pague a conta!A não ser que combinamos ir junto ao local ou estamos em horário de almoço na empresa. Nestas circunstâncias, pagar a conta de um colega, por exemplo, de trabalho, pode parecer presunsoso.

• Roupas

O ambiente, bem como a atividade que vamos desenvolver sempre é determinante das roupas que vamos usar. Evidentemente se você trabalha numa loja como uma SurfShop sua roupa será completamente diferente daquela se você trabalhasse em uma loja clássica que vende roupas masculinas formais, quer seja o gerente ou vendedor. Observe o seu ambiente de trabalho, observe como seus colegas se vestem. Cuidado para não usar a roupa para expressar-se, por mais difícil que seja, isso pode ser feito nas horas vagas, no ambiente de trabalho o que conta é a discrição e adequação (ROSA, 2011). Por quê? Porque você está representando muitas vezes a organização, seus colegas e não a você mesmo.

98

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a • Facebook, Twitter, e-mails, blogs, etc.(Redes Sociais)

Atualmente, com as novas tecnologias, há um nível de exposição dos indivíduos jamais visto na história recente da humanidade. Vivemos uma perda de privacidade, ao mesmo tempo em que somos chamados e compelidos a refletirmos eticamente sobre nossos comportamentos que se tornaram cada vez mais públicos por sua vez. Assim, sua imagem está diretamente relacionada com aquilo que você posta, tecla, fotografa, segue, etc. Ao colocar em seu currículo acadêmico, em sua netaula uma foto sua na praia em trajes de banho tomando uma cerveja com amigos, você está querendo comunicar exatamente o quê? Que imagem? De um estudante disciplinado, organizado de matemática, de marketing, engenharia de trânsito, tecnologia da informação? A foto não está indicando isso. Certas fotos devem ser guardadas para a intimidade.

Se tiver um Facebook, ele deve ser construído de tal maneira que sua mãe, sua mulher, seu marido e ou mesmo seu superior hierárquico possam olhá-lo a qualquer momento e não cause espanto algum. Hoje, as empresas antes da contratação de qualquer pessoa vasculham sempre as redes sociais. Seus e-mails em ambientes acadêmicos e profissionais devem conter assinatura, credenciais e cuidados com o português. Sempre iniciando com Caro, Prezado(a), Senhor, Senhora, Estimado(a), pode ser finalizado com Atenciosamente, Cordialmente, Obrigado, Abraço, etc. Não encha a caixa de e-mail dos seus colegas com “corretes da sorte”, poesias de duvidoso gosto com Power Points que saltam na tela com musiquinhas de igual teor. Quando você precisar realmente de uma ajuda ou da solidariedade destes colegas, não vai ser levado a sério. Inclusive, a partir de certo momento, as pessoas começam deletar você, sem sequer abrir seu e-mail.

Para finalizar este capítulo, mas não esta discussão do “Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias”, queremos salientar que este capítulo teve tão somente a ideia de provocá-lo para entrar nesta interessante e imprescindível discussão sobre você e seu futuro profissional!

ReferênciasFRIEDMAN, Thomas. O mundo é plano. Uma breve História do século XXI. 3. ed. Lisboa: Actual 2006.

MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. Petrópolis/RJ: Vozes, 1990.

PINSKY, Jaime (org.). Cultura e elegância. São Paulo: Contexto, 2005. 236 p.

REVISTA EXAME. Edição 1.022. Ano 46, n.16, 22/8/2012.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 2005.

99

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aROSA, José Antonio. Carreira: planejamento e gestão. São Paulo: Editora Série Profi ssional. 144 p.

STEWART, Thomas A. Capital intelectual. A nova vantagem competitiva das empresas. São Paulo: Campus, 1998. 237 p.

VELOSO, Elza Fátima Rosa. Carreiras sem fronteiras e transição profi ssional no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012. 145 p.

ZAKARIA, Fareed. O mundo pós-americano. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 307 p.

8 OS NOVOS POLOS DE PODERE A ORDEM MUNDIALCONTEMPORÂNEA

Ana Regina Falkembach Simão

IntroduçãoDesde o início do século XXI, o mundo tem assistido a mudanças significavas nas esferas econômicas e políticas. Os Estados que formam o chamado “bloco dos países emergentes” têm se tornado atores pró-ativos no desenvolvimento de projetos políticos e econômicos tanto em nível regional como global. Na esteira deste novo cenário, países como Brasil, Índia e África do Sul, que compõem o IBASp, além de China, Rússia, Coreia do Sul e México, entre outros, aprofundam uma agenda política que passa a priorizar questões específicas dos países do Sul. Se no passado próximo, a política terceiro-mundista propunha o desenvolvimento de projetos restritos às questões relacionadas ao comércio internacional – sobretudo, porque os países do Sul tinham a marca da heterogeneidade, da dependência e da subordinação às grandes nações –, hoje a relação entre países ex-integrantes do Terceiro Mundo é fortemente marcada não apenas pelo mercado econômico mundial como pela própria implementação de projetos políticos comuns.

O novo mapa político e econômico do século XXI, de fato, uniu diferentes nações sob o conceito de “potências emergentes”q, colocando as mesmas o desafio de, além de aprofundar as relações no plano comercial, avançar na construção de projetos comuns no âmbito político e diplomático. Diante deste cenário, o presente artigo

p O Fórum de diálogo Índia-Brasil-África do Sul, criado em junho de 2003, se configura num “mecanismo de coordenação entre três países emergentes, três democracias multiétnicas e multiculturais, que estão determinados a contribuir para a construção de uma nova arquitetura internacional, a unir voz em temas globais e a aprofundar seu relacionamento mútuo em diferentes áreas” (MRE).

q Também denominadas de Potências Médias, Intermediários, Potências Regionais, Países Recém-Industrializados.

102

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a visa analisar as mudanças no poder mundial no início do século XXI, observando em que medida os países que compunham o “velho” e dependente Terceiro Mundo se tornaram importantes atores no tabuleiro político internacional, alterando significativamente a distribuição do poder no novo milênio.

8.1 O que mudou? Sobre blocos e agrupamentosO século passado foi fortemente marcado pelas relações de poder vinculadas ao conhecido conflito denominado de Guerra Friar. Durante praticamente toda a segunda metade do século XX, os Estados Unidos mantiveram a hegemonia política e econômica do mundo capitalista – a chamada Pax Americanas. No plano financeiro e comercial, o dólar se impôs como moeda padrão a partir da Conferência de Bretton-Woods (1944)t. Logo em seguida, foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas (ONU). Cabe ressaltar que estas Instituições foram importantes para a manutenção e aprofundamento do poder de Washington. Também no plano político-militar, os Estados Unidos alcançaram uma posição que nenhum outro país havia conquistado, dominaram os mares e os continentes, na condição de donos de uma aviação estratégica e de um exército atuante internacionalmente, para além do domínio da tecnologia nuclear e de um arsenal de bombas atômicas capazes de destruir o planeta dezenas de vezes.

Mas com o fim da Guerra Friau e, sobretudo, com o súbito desmantelamento da União Soviética, em 1991, se inicia uma nova geografia do poder mundial, cujos contornos ainda não estão completamente definidos, ainda que o surgimento de novos polos regionais de poder indiquem a ocorrência de mudanças significativas na ordem internacional. Ocorre que o final da Guerra Fria “dissolveu os elementos aglutinadores que eram a base de hegemonia americana e dos mecanismos de controle sobre seus aliados, que hoje buscam seus próprios caminhos, no quadro de uma competição renovada”, como bem destacaram Visentini e Pereira (2008, p.223). Assim, no contexto de transformação nas relações econômicas e políticas no mundo pós-Guerra Fria, o poder estadunidense efetivamente se mostra fragilizado.

r Por Guerra Fria entende-se o conflito entre Estados Unidos e União Soviética, que marcou o mundo pós-Segunda Guerra Mundial. Como observa o historiador Paulo Visentini (2004, p.19), a Guerra Fria “constituiu uma estratégia político-militar norte-americana visando, num plano internacional, conter as forças esquerdistas, nacionalistas e anticoloniais emergentes da Guerra Mundial”.

s Pax Americana significa a hegemonia dos Estados Unidos, estruturando uma nova ordem internacional pós-1945 a partir dos moldes estadunidenses.

t Com a Conferência de Bretton Woods se estabeleceu o padrão dólar-ouro, que moldou a economia mundial pós-1944 até 1971, quando o presidente norte-americano Nixon acabou com o regime de Bretton Woods. O objetivo de Nixon era desvalorizar o dólar como forma de conter a crise dos Estados Unidos, no momento de Guerra do Vietnã.

u A queda do muro de Berlim, ocorrida em novembro de 1989, que se tornou o símbolo da Guerra Fria.

103

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aConforme chegou a apontar acidamente o historiador francês Emmannuel Todd (2003, p.9), “os Estados Unidos estão se tornando um problema para o mundo. Estávamos acostumados a ver neles uma solução”. De guardiões da liberdade política e da ordem econômica durante meio século, os EUA hoje, segundo o historiador, são promotores de incertezas e sempre que confrontados promovem guerras teatrais com países frágeis, a exemplo do Afeganistão e do Iraque. Como lembra Todd (2003, p.9) essa é uma forma encontrada pelos Estados Unidos de demonstrar a “onipotência estratégica” a baixo custo, pois os países muçulmanos escolhidos como alvo não dispõe de meios materiais e humanos para resistirem às investidas da Casa Branca.

Frente a este contexto, desde o início do século XXI, analistas e a mídia internacional dedicaram-se a projetar dois cenários distintos para o mundo: um deles prospectou uma nova hegemonia dos Estados Unidos, como a que já ocorreu na segunda metade do século XX, cuja articulação passaria pela ofensiva político-militar do governo Bush. O outro cenário apontado e que ganhou status acadêmico - através da obra de Samuel Huntington, intitulada Choque de Civilizaçõesv -, vislumbrou um mundo mais perigoso, mergulhado em conflitos religiosos e civilizacionais que podem eclodir em diferentes partes do planeta. No entanto, em que pese o impacto destas projeções, é digno de nota que nenhum dos cenários apontados pode ficar indiferente à clara mudança do poder mundial, no qual novos atores, tais como a Rússia/CEI, China, Índia/Saarc, Irã, África do Sul/SADC e Brasil/Mercosul/Unasul, assim como o Japão/Tigres Asiáticos e a União Europeia, reagem de formas distintas à construção de um sistema internacional unipolar sob a égide dos Estados Unidos. Para Todd, “não haverá império americano. O mundo é demasiado vasto, diverso e dinâmico para aceitar a predominância de uma única potência. [...] Ele se tornará um grande potência entre outras” (TODD, 2003).

Fica claro, portanto, que os blocos regionais, principal resultado do processo de globalização, se configuram também em blocos político-econômicos, fragmentando o poder mundial. Esse é o componente novo num quadro em que a competitividade do capitalismo contemporâneo, a intensificação do capital financeiro, o dinamismo das empresas transnacionais, a nova revolução tecnológica e com isso a formação de uma sociedade pós-industrial pulverizam o poder no mundo, estabelecendo novos padrões de integração, que se afirmam para além da força do Estado-nação.

Transcendendo a questão dos blocos econômicos, hoje a mídia internacional tem registrado constantemente o surgimento de siglas, de acrônimos, apontando para novos espaços de crescimento econômico. Um dos mais notórios exemplos deste fenômeno aconteceu em 2001, quando o Banco Goldman Sachs criou e midiatizou

v Samuel Huntington, na obra Choque de civilizações, argumenta que após o encerramento da Guerra Fria a ordem internacional ficaria marcada por rivalidades entre civilizações, como o Ocidente, o Islã e a Ásia de tradição confucionista.

104

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a a expressão BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), que em 2011 incluiria a África do Sul, tornando-se BRICS. Esse novo player ganhou consistência e alterou o equilíbrio do poder mundial, na medida em que o conceito passou a ser incorporado pelas políticas externas dos países que compõem o agrupamento.

A força econômica dos BRICS é significativa. Cabe ressaltar que este agrupamento detém “26% do território, 42% da população e 14,5% do PIB mundiais, além de terem contribuído desde 2005 a 2010, com mais de 50% do aumento do PIB mundial” (VISENTINI, 2001, p.156). A estes dados eloquentes, deve-se somar um outro aspecto: a convergência nas posições políticas que este grupo tem mostrado nos organismos internacionais, sobretudo quanto a necessidade de reformas como, por exemplo, nos casos do FMI e da ONU.

Conjuntamente aos BRICS, hoje a “bola da vez” é o MIST – México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia. Este agrupamento de países, ainda que não tenha nenhuma coesão política assim como qualquer forma de institucionalização, ostenta quase 500 milhões de habitantes, praticamente 45% a mais do que a população da zona do Euro. A esse dado demográfico corresponde um PIB de US$ 4 trilhões de dólares, com projeções reais de crescimento (Folha de São Paulo, 13/8/2012).

Das regionalizações aos novos polos de poder

No que tange as regionalizações é importante ressaltar que, diante da nova configuração do poder mundial, os Estados Unidos – maior e mais importante país do capitalismo internacional, de cuja segurança político-militar grande parte do mundo dependeu e/ou ainda depende –, também recorreu à formação de blocos econômicos, ao se confrontar com a integração europeia.

O Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) – Estados Unidos, Canadá e México – criado em janeiro de 1994w, “permitiu aos Estados Unidos a articulação de sua economia, num quadro de dificuldades para o livre-comércio no plano mundial e da articulação de outros blocos rivais”, destacaram Visentini e Pereira (2008, p.226). De fato, para os Estados Unidos, a integração regional se constituiu numa forma pragmática de reencontrar espaço num mundo em transformação. Segundo dados do Banco Mundial (2009)x, o NAFTA conta com uma população de 418 milhões de habitantes, um PIB de US$10,3 trilhões uma Renda per Capita de US$ 25.341, o que dá ao bloco uma importância econômica

w Cabe lembrar que neste mesmo ano (1994), na província de Chiapas, uma das regiões mais pobres do país, ao sul do México, começou o “levante de Chiapas” (Zapatista), que contestava a adesão mexicana ao capitalismo norte-americano. O exército Zapatista de Libertação Nacional era um movimento de esquerda, que denunciava as péssimas condições de vida das populações camponesa e indígena da região.

x http://www.worldbank.org/pt

105

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

asignificativa e uma maneira consistente de inserção internacional num sistema marcado pela crescente regionalização.

Ainda em relação ao continente americano, cabe ressaltar a América do Sul, em especial o Mercosul, que conta com uma população de 311 milhões de habitantes e um PIB de US$ 2 trilhões (Banco Mundial, 2009). Para o Brasil, desde o final do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), fortalecer o Mercosul e aprofundar a integração sul-americana passou a ser questão prioritária. O Brasil, um gigante com “pés de barro”, entra no século XXI, junto com os Estados Unidos e China, fazendo parte de um grupo seleto de países que tem a maior população, PIB e território. O Brasil ostenta uma “economia completa, do agrobusiness moderno à industrialização de informática”, mas, paradoxalmente, apresentando uma das estruturas sociais mais desiguais do mundo (VISENTINI, 2006, p.212). Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil é um dos piores países em distribuição de renda no planeta: por incrível que possa parecer, a maior potência industrial sul-americana só ficaria atrás de Serra Leoa (NASSF, 2002, p.73).

A partir do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), alguns temas que definem a agenda global norteariam a política externa do Brasil, que passou – de maneira pró-ativa – a “contribuir para a construção de um sistema mundial multipolar, [...] nos temas econômicos, o reforço dos organismos multilaterais e as alianças de geometria variável, como o G22, empregado na reunião da OMC em Cancun, e o G3 ou IBAS, grupo de cooperação com Índia e África do Sul” (VISENTINI, 2006, p.223). Isso equivale a dizer que o país não apenas reforçaria o seu papel de líder regional na América do Sul, passando a figurar como um ator de grande relevância na nova configuração do poder mundial.

O quadro complexo das relações de poder naturalmente não se completa sem um olhar para os focos mais clássicos desta equação, o que nos leva para uma análise do Velho Mundo. União Europeia (EU), criada pelo Tratado de Maastrich de dezembro de 1992 e herdeira dos avanços econômicos conquistados pela Comunidade Econômica Europeia (CEE), se constitui no bloco mais autônomo. Em que pese os diversos problemas e incertezas econômicas enfrentadas pelo bloco, o modelo de integração supranacional da UE tem sido exemplo para o mundo. Conforme aponta Todd, a União Europeia promove um jogo de forças econômicas que “faz com que a Europa esteja igualmente fadada a anexar a suas margens novos espaços, por efeitos de contiguidade ou difusão” (TODD, 2003, p.14). Para o autor, a ascendência econômica do continente europeu enquanto bloco integrado traz duas consequências diretas para os Estados Unidos: primeira, se observa uma posição cada vez mais marginal de Washington na economia europeia e também na Eurásia. Em segundo, ocorre uma fragilização progressiva do poder político e militar dos Estados Unidos no continente europeu.

106

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a Quanto a isto, cabe examinar a denominada Carta de Bruxelas, escrita pelo bloco europeu ao futuro presidente dos Estados Unidos e apresentada na Universidade de Harvard, em setembro de 2008, por João Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia. O documento revela os traços de uma nova agenda que está se construindo entre polos de poder formados pelas duas grandes potências:

[...] Nestes tempos de incertezas, a EU precisa dos EUA e, sim, os EUA precisam da EU mais do nunca [...]. O impacto estratégico de nossa parceria, tão positivo no passado, começará a se dissipar caso não tenhamos sucesso em contemplá-la com novas políticas de engajamento que atraiam o mundo produto em busca de renovadas parcerias estratégicas e multilaterais efetivas [...] Em minha visão chegou a hora de se começar a pensar em uma “Agenda Atlântica” para a globalização (apud PECEQUILO, 2009, p.99).

Ainda quanto à nova configuração das potências, torna-se fundamental uma análise mais detida sobre o caso russo. Pertencente geograficamente a dois continentes – Europa e Ásia – encontra-se a Rússia, herdeira da URSS, cujo modelo socialista foi, durante décadas, o maior desafio para o capitalismo ocidental. É verdade que após o colapso soviético, a Rússia enfrentou uma forte crise e fragmentação econômica, social e política. Seu forte e rápido declínio, logo após a desintegração da União Soviética, fez com que analistas e politólogos mais apressados chegassem a vaticinar o “fim da Rússia”. No entanto, em que pese a profundidade e a consistência dos dados apresentados no fim da Guerra Fria, esse fim não se concretizou. Desde o início do século XXI a economia russa vem apresentando consideráveis índices de crescimento. Em 1998, o produto nacional bruto se encontrava em - 4,9%. No entanto, já em 1999, culminando com a chegada de Vladimir Putin ao poder, o índice foi para 5,4% e em 2000 houve um aumento de 8,3% (TODD, 2003, p.178). Segundo previsão de pesquisadores, o crescimento estável da economia russa poderá levar o país a superar o Reino Unido e a Alemanha por volta de 2028.

O mais importante nesta questão é que este crescimento não deu em função da exportação de petróleo e gás natural para a Europa, pontos fortes de sua economia, mas sim do singular crescimento da indústria mecânica, química, petroquímica e do papel. O crescimento desta indústria de 1999 a 2000 foi de 11-12%. Já no início do século XXI, o orçamento da Rússia experimentava um superávit de 2,3% do Produto Nacional Bruto (TODD, 2003). Conforme alguns analistas, “Vladimir Putin herdou um país fraco, corrupto e paralisado, no limiar da desintegração”, mas consciente de uma tarefa: “O objetivo estratégico de Putin era colocar o país de pé” (MACFARLANE, 2009, p.84). Após uma década do início do seu governo, essa meta se concretizaria: a Rússia não apenas está em pé como recuperou um lugar de prestígio incontestável no quadro de poder mundial. Se considerarmos as taxas de aumento real do PIB como sendo uma dimensão importante para

107

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aindicar crescimento e desenvolvimento, a Rússia, após 2000, conquista tal posição, conforme se observa na tabela abaixo:

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006Rússia -4,1 -3,6 1.4 -6,9 6.4 10.0 5.1 4.7 7.3 7.2 6.4 6.7

Fonte: LIMA, 2008, p.97.

Além do rápido crescimento econômico, é importante que se destaque, finalmente, que a Rússia é formada por uma sociedade totalmente alfabetizada, o que dá ao país condições de competir no mundo do conhecimento e da alta tecnologia. É verdade que, se por um lado os aspectos positivos se impõem nas análises, por outro, o país convive com uma “democracia imperfeita”: a manipulação, a não transparência e o alto grau de imprevisibilidade marcam a política russa. A estes problemas estariam atribuídos, inclusive, os altos índices de pobreza e violência exibidos pelo país. No entanto, mesmo considerando as persistentes dificuldades sociais e políticas, a Rússia efetivamente se apresenta como importante polo de poder na nova configuração do poder mundial (TODD, 2003; ZHEBIT, 2006).

Já no que diz respeito à Ásia, cabe ressaltar que estamos diante de uma região absolutamente heterogênea, conflituosa, de singular importância geopolítica e, sobretudo, de grande crescimento econômico. Dentro da economia capitalista mundial, a Bacia do Pacífico é uma referência e também o polo econômico que cresce no mudo, especialmente pelo fato de contar com as dinâmicas economias do Japão, da China e dos Tigres Asiáticos. É digno de nota observar que, desde a década de 1970, a Ásia se apresenta como um importante polo de poder internacional e, neste contexto, vale lembrar a condição do Japão, primeiro país asiático que surgiu com o título de potência internacional. A partir da segunda revolução industrial japonesa, ocorrida no início da década de 1970, o Japão acabaria delegando parte de sua indústria menos tecnológica e competitiva aos Tigres Asiáticosy, potencializando e dinamizando a Bacia do Pacífico (VISENTINI, 2011).

Tal fenômeno adquiriu contornos mais marcantes na medida em que convergia com a revolução científica-tecnológica em curso. Então, “a China iniciava reformas econômicas com a abertura ao mercado mundial e os Tigres adotavam o perfil de Estados desenvolvimentistas, superando a posição de meras plataformas de produtos de exportação de produtos de baixo valor agregado.” (PECIQUILO, 2009, p.228). Eis o cenário que mudaria a relação de forças entre os países asiáticos e marcaria a primeira crise japonesa: A China começaria a concretizar o seu processo de reunificação, iniciado com a devolução de Hong Kong, em 1997, enquanto os Tigres tentavam consolidar seu desenvolvimento em moldes autônomos. Se, no início dos anos 1990, o Japão era classificado como o motor do desenvolvimento asiático e mundial, a China era percebida pelo Ocidente apenas como um país do

y Compõem os Tigres Asiáticos: Coreia do Sul, Tailândia, Hong Kong, Cingapura.

108

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a Terceiro Mundo com sinais significativos de crescimento econômico. Logo, o mundo teria a oportunidade de reavaliar a verdadeira dimensão de tal crescimento.

O Dragão Chinês ganhou força internacional, sobretudo, considerando sua média de crescimento anual, de 8 a 10%, ao longo da última década. Além do crescimento econômico, a China tem preservado uma posição autônoma na definição de suas políticas econômicas. Outro ponto a ser destacado é o fato de a China se consolidar como a “maior vendedora de produtos ao mercado norte-americano, responsável por parte significativa de seu déficit comercial e uma das maiores financiadoras da dívida externa dos EUA”, conforme destaca o estudo de Peciquilo (2009, p.135).

Ainda na Ásia, mas observando especificamente a Bacia do Oceano Índico, destaca-se o protagonismo da Índia, um país que não apenas apresenta altos índices de crescimento e modernização, como também se configura enquanto uma importante liderança para a integração da Ásia Meridional. Cabe ressaltar que em 1985 deu-se a criação da chamada SAARC, Associação Sul-Asiática para Cooperação Regional, que envolve Índia, Paquistão, Bangladesh, Maldivas, Sri Lanka, Butão, Nepal e que, desde 2007, acolhe o Afeganistão. Este fórum político e de cooperação econômica tem se concretizado cada vez mais, configurando-se como mais um espaço de poder no mundo pós-Guerra Fria.

De fato, a SAARC, possui um “PIB de mais de 1 trilhão de dólares e uma população de aproximadamente 1,4 bilhão de habitantes, ligeiramente superior a da China” (VISENTINI, 2011, p.101). Também vale ressaltar que, desde a década de 1980, quando teve início as reformas liberalizantes nesta região, a Índia passou a apresentar um rápido crescimento em áreas sofisticadas, a exemplo da informática. Desde então a região e, sobretudo, a Índia – país com mais poder econômico, tecnológico e militar – apresenta-se ao mundo como uma das mais concretas alternativas de desenvolvimento econômico de mundo, na medida em que defende internacionalmente uma agenda de interesses Sul-Sul.

Alguns dados finais contribuem para ilustrar o consistente crescimento econômico da Ásia. Vejamos o crescimento do PIB de quatro importantes players asiáticos, a saber: China, Coreia do Sul, Índia e Japão. Os dados sugerem três importantes cenários: o ritmo intenso de crescimento da China e da Índia; as taxas significativas da Coreia do Sul, embora sentindo os efeitos das crises econômicas de 1997 e de 2003, mas já apresentando sinais concretos de emergência e; por fim, a estagnação do Japão, que desde os anos 1990 vêm demonstrando claros sinais de fragilidade, tal como os demais países que compõe o velho “primeiro mundo”, a também conhecida a Tríade. (LIMA, 2008).

109

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aTabela: Taxa de crescimento Real do PIB

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

China 10.9 10.0 9.3 7.8 7.6 8.4 8.3 9.1 10.0 10.1 10.4 10.7

Coreia 9.2 7.0 4.7 7.8 9.5 8.5 3.8 7.0 3.1 4.7 4.0 5.2

Índia 7.3 7.8 4.8 -5.3 6.1 4.4 5.8 8.3 8.5 7.5 9.0 9.2

Japão 2.0 2.7 1.6 6.5 -0.1 2.9 0.2 0.3 1.4 2.7 1.9 2.2

Fonte: LIMA, 2008, p.97.

Mas as novidades na configuração dos novos polos de poder não se encerram com um olhar sobre a Ásia. Como bem lembrou a obra de Philippe Hugon, intitulada “Geopolítica da África”, o continente africano é uma terra de intensos contrastes: local da origem do homem, gigantesca em suas dimensões – 30 milhões de quilômetros quadrados – e marcada por tradições ancestrais que remontam aos primórdios da humanidade, sendo paradoxalmente, “jovem pela idade de sua população ou pela data de nascimento de seus Estados” (HUGON, 2009, p.27). Tais contrastes, dos pontos de vista geográfico, histórico, sociopolítico, econômico e cultural são acentuados “por haver pouca integração pela língua, pela moeda e o mercado, pelo Estado ou pelas religiões monoteístas”. Nesse continente, que durante décadas foi chamada de África Negra (expressão determinada por uma inevitável “geopolítica da linguagem”), cinco grandes regiões expressam sua imensidão e pluralidade: a África ocidental, a central, a oriental, a meridional e as ilhas do Oceano Índico.

O autor de “Geopolítica da África” também chama a atenção para os principais tipos de configurações regionais. Em primeiro lugar, enumera as sociedades em guerra, os Estados falidos ou frágeis, países em guerra ou marcados por conflitos violentos (o que afeta mais de 20% da população africana); depois os chamados países menos adiantados (PMA) marcados por problemas de baixa renda, fraco capital humano e vulnerabilidade econômica, que atingiriam 35 Estados africanos; as sociedades mineiras e petroleiras, cujos conglomerados, não raro em situação de concorrência oligopolista, situam-se no centro dos jogos de poder político e, eventualmente, dos conflitos; as sociedades agroexportadoras, que constituem um setor industrial moderno e dinâmico, todavia em crise e, finalmente, as sociedades agroindustriais abertas. Ocorre que a África é também o continente de potências regionais, como a África do Sul, Nigéria e Etiópia, Estados cruciais para as grandes potências – com destaque para os Estados Unidos – e que se configuram como polos hegemônicos regionais potenciais ou reais (no caso, a África do Sul), participando da pax africana.

110

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a “As Áfricas constroem sua própria modernidade combinando seus tempos históricos próprios e o tempo da globalização”, afirma Hugon (2009, p.145). Três cenários geopolíticos despontam ao final de sua obra: a) uma África dessincronizada do tempo mundial, no qual as mais pessimistas visões desenham um continente politicamente dilacerado e economicamente fracassado; b) uma África positivamente integrada na globalização, tornando-se competitiva, produtiva e democrática; 3) o cenário de Áfricas diferenciadas em torno de polos regionais, no qual surgiriam grandes potências regionais, como a África do Sul ou Nigéria.

Da possibilidade da democracia

Conjuntamente com o consistente crescimento econômico que diferentes países e regiões do então chamado Terceiro Mundo têm ostentado internacionalmente, encontra-se a dimensão política e, especificamente, a questão da democracia. Em que pese as avaliações que apontam para um mundo mais inseguro, complexo e com fragilidades graves no campo social e político, a busca e consolidação da democracia tem sido uma das dimensões que também demonstram ascensão.

Emmanuel Todd mostra através de dados demográficos, como a da queda significativa na fecundidade, e também a partir de números relativos à alfabetização, que o mundo está melhorando consideravelmente desde o final do século XX. De fato, os altos índices de fecundidade mundial no início da década de 1980 (3,7 filhos por mulher) sugeriam a manutenção de um quadro de rápida expansão da população do planeta combinado à hipótese de um subdesenvolvimento persistente, o que era particularmente dramático na separação entre os mundos desenvolvido e subdesenvolvido. Na contramão deste cenário sombrio, o autor sustenta a tese de que a melhoria nos índices demográficos desde a década de 1990 tem contribuído significativamente para a universalização da democracia na primeira década do século XXI.

Todd identifica os índices de fecundidade avaliando dois anos -1981 e 2001. Neste período, a evolução nos números de dezenas de países, com destaque para aqueles então considerados mais críticos em termos de subdesenvolvimento, permitem uma projeção otimista. Vejamos os dados.

111

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aTabela: A fecundidade no mundo

1981 2001 1981 2001

Estados Unidos 1,8 2,1 Índia 5,3 3,2

Canadá 1,8 1,4 Sri Lanka 3,4 2,1

Reino Unido 1,9 1,7 Argentina 2,9 2,6

França 1,9 1,9 México 4,8 2,8

Alemanha 1,3 1,3 Bolívia 6,8 4,2

Itália 1,7 1,3 Peru 5,3 2,9

Espanha 2,5 1,2 Brasil 4,4 2,4

Colômbia 3,9 2,6

Romênia 2,5 1,3 Venezuela 4,9 2,9

Polônia 2,3 1,4

Rússia 2,0 1,2 África do Sul 5,1 2,9

Ucrânia 1,9 1,1 Ruanda 6,9 5,8

Zâmbia 6,9 6,1

Japão 1,8 1,3 Zimbábue 6,6 4,0

China 2.3 1,8 Quênia 8,1 4,4

Formosa 2,7 1,7 Tanzânia 6,5 5,6

Coreia do Sul 3,2 1,5 Etiópia 6,7 5,9

Coreia do Norte 4,5 2,3 Zaire 6,1 7,0

Vietnã 5,8 2,3 Costa do Marfim 6,7 5,2

Tailândia 3.7 1,8 Serra Leoa 6,4 6,3

Filipinas 5,0 3,5 Libéria 6,7 6,6

Fonte: TODD, 2003, p.41.

112

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a Tabela: A fecundidade nos Países Islâmicos

1981 2001 1981 2001

Azerbaijão 3,1 2,0 Líbia 7,4 3,9

Turcomenistão 4,8 2,2 Qatar 7,2 3,9

Quirguistão 4,1 2,1 Síria 7,2 4,1

Tadjiquistão 5,6 2,4 Sudão 6,6 4,9

Líbano 4,7 2,5 Iraque 7,0 5,3

Turquia 4,3 2,5 Paquistão 6,3 5,6

Irã 5,3 2,6 Arábia Saudita 7,2 5,7

Indonésia 4,1 2,7 Senegal 6,5 5,7

Uzbequistão 4,8 2,7 Nigéria 6,9 5,8

Bahrein 7,4 2,8 Palestina 6,9 5,9

Argélia 7,3 3,1 Afeganistão 6,9 6,0

Malásia 4,4 3,2 Mauritânia 6.9 6,0

Bangladesh 6,3 3,3 Omã 7,2 6,1

Marrocos 6,9 3,4 Mali 6,7 7,0

Egito 5,3 3,5 Iêmen 7,0 7,2

Emirados Árabes Unidos 7,2 3,5 Somália 6,1 7,3

Jordânia 4,3 3,6 Níger 7,1 7,5

Fonte: TODD, 2003, p.43.

Os índices acima, como ressaltou Todd (2003), mostram dois aspectos alentadores para o que chama de “revolução demográfica”. A primeira tabela revela que os países mais populosos ou mais significativos do mundo viram decair seus índices de fecundidade, o que leva a conclusão de que alguns países até pouco tempo atrás considerados subdesenvolvidos estão ostentando índices de fecundidade iguais aos de países ocidentais. Por outro lado, embora com taxas ainda altas de número de filhos por mulher, parte do mundo muçulmano e a maioria da África começam a mostrar um movimento de queda nos níveis de fecundidade. Essa transição demográfica aliada a um quadro – estimado – de alfabetização generalizada até 2020, segundo Todd permitiriam prever um futuro, talvez para 2050, com uma perspectiva otimista: uma população estacionária num mundo em equilíbrio.

113

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aOutra leitura singular e que aponta para mudanças importantes no sistema internacional, vem do politólogo Immanuel Wallerstein que, ao responder a pergunta, “que futuro para o mundo?”, destaca a existência de três clivagens geopolíticasz possíveis para as próximas décadas do século XXI. Ao contrário do que sugere a maior parte das análises contemporâneas, que buscam apontar para as clássicas disputas que marcam os conflitos entre Norte e Sul, Wallerstein (2004) prefere concentrar seu foco na luta entre o espírito de Davos e o espírito de Porto Alegre, quando da realização do Fórum Social Mundial para explicitar um tipo de sistema-mundo passível de ser sonhado e construído.

Esta última clivagem, Davos-Porto Alegre, abordada por Wallerstein, coloca em cena dois grupos, movimentos e/ou estratos que se encontram espalhados por todo o planeta. Justamente por isso, segundo o autor, é a mais importante, por ser aquela que se relaciona com o futuro do mundo para os próximos 500 anos. São espíritos em contraposição direta, mas ambos são “movimentos de transformação”, fóruns ou arenas públicas que esperam ser observadas publicamente e persuadir publicamente. Se “outro mundo é possível”, este será sempre em oposição àquele imaginado – e, aliás, implementado – por Davos.

Falar de espírito de Davos e de Porto Alegre não significa falar de espaços geográficos definidos, mas de encontros onde os conflitos podem ser expostos, debatidos e atenuados. Davos “é um local onde o norte pode prosseguir seus objetivos, possivelmente com a cooperação de alguns lideres políticos, econômicos e intelectuais localizados no sul”, como bem notou Wallerstein (2004, p.295). Por outro lado, quando se fala de Fórum Social Mundialaa, se aponta para “reunir movimentos de todo tipo – transnacionais, regionais, nacionais e locais mas, mais importante do que isso, tanto do sul como do norte. Procura reestruturar o sistema-mundo” (ibidem).

z A obra Declínio do Poder Americano, de Immanuel Wallerstein, aponta para três clivagens possíveis nos próximos 25 a 50 anos. A primeira é a Tríade, marcada pela competição e pelos arranjos políticos entre as três potências mundiais – Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão. A segunda clivagem é Norte-Sul, conhecida pela clássica dependência dos países do Sul (em desenvolvimento ou subdesenvolvidos) e os do norte (Tríade), mas também pela existência de movimentos de alteridade radical – tendo como exemplo a ação do aiatolá Khomeini, que destronou um dos maiores aliados do norte, o Xá Reza Pahlevi, em 1979, quando iniciou a revolução islâmica no Irã – e pelos confrontos diretos dos países do Sul com os países do Norte. A terceira e última clivagem, Davos-Porto Alegre, é considerada a mais fundamental das três, pois se relaciona com o futuro do mundo.

aa Porto Alegre responderia aos problemas do mundo com a reunião de mais de mil movimentos sociais da “maior variedade”, enquanto Davos marca o encontro “dos poderosos e aspirantes a poderosos do mundo”. Para o autor, o que torna o Fórum singular é tratar-se de “um espaço de reunião aberto, onde diferentes pessoas, culturas, grupos sociais e movimentos da sociedade civil” se empenham na construção de uma “sociedade planetária centrada na pessoa humana”, se juntam para prosseguir o seu pensamento e debater ideias democraticamente, de modo a “formular propostas, partilhar livre-mente suas experiências e organizar-se para uma ação efetiva” (WALLERSTEIN, 2004, p.294-295).

114

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a Diante dos possíveis cenários, cabe a pergunta acerca das possibilidades e do futuro da democracia. A clivagem Davos-Porto Alegre, naturalmente é uma boa imagem para simbolizar a complexidade e dimensão desta pergunta. Trata-se de uma alegoria adequada por afinal, reunir dois cenários e dois momentos nos quais um único e mesmo interesse une tamanhos protagonistas (tão opostos, num primeiro momento). O fato é que em ambos os fóruns, agendas múltiplas estavam sendo propostas e discutidas, reunindo as sociedades e demandando sua intensa participação e comprometimento.

Tais agendas, ainda que colocadas em pauta por distintos atores e grupos de interesses, entre nações ricas e pobres, governos e entidades civis, ONGs, Organizações Internacionais, grupos econômicos e políticos organizados, em última instância estão intrinsecamente correlacionadas: agendas múltiplas que poderiam ser abarcadas com uma única e vital questão concernente a todos os seus inúmeros protagonistas, a saber: a possibilidade de realização da democracia. Esta é uma das perguntas fundamentais que Immanuel Wallerstein coloca em sua obra sobre “O Declínio do Poder Americano” (2004). Se a democracia não está realizada no mundo contemporâneo, será realizável? Diante das duas respostas possíveis – sim e não – o autor defende uma tese que se equilibra entre extremos: “Mesmo que nunca possamos ter um sistema perfeitamente democrático, acredito que é possível ter um sistema largamente democrático. Não acredito que o tenhamos hoje. Mas poderemos tê-lo” (WALLERSTEIN, 2004, p.174). Sobre a democracia, finalmente, o autor relembra uma pergunta feita a Mahatma Gandhi acerca do que pensava sobre a civilização ocidental. O líder indiano responderia simplesmente: “Acho que seria uma boa ideia” (Gandhi apud Wallerstein, 2004, p.175).

O poder, a sociedade e as redes virtuais

Paralelamente à construção do novo mapa político e econômico, no início do século XXI, no qual as potências emergentes e diversas organizações internacionais tornaram-se significativos atores na edificação de uma nova agenda mundial, as redes virtuais, que hoje atingem praticamente dois bilhões de pessoas, se constituem também num outro “polo” de poder contemporâneo. A internet com sua alta capacidade de fluidez, flexibilidade e penetração paradoxalmente vem ao encontro das exigências econômicas, transformando-se num instrumento vital para a produção, ao passo que guarda um gigantesco potencial para a expressão dos direitos cidadãos (DUPAS, 2005).

Conforme observa Castells (2009, p.50-51) uma sociedade em rede é aquela cuja estrutura está composta por ativas redes de tecnologia digital, pela comunicação e pela informação baseada na microeletrônica. Para o autor, as redes digitais são globais e por sua capacidade para a autorreconfiguração, transcendem os limites territoriais e institucionais do Estado.

115

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aÉ lugar comum nas análises acerca da globalização observar que este processo tem sua origem nas dimensões econômicas, políticos e culturais do próprio sistema capitalista. Mas cabe notar que a força que impulsionou o processo de globalização se relaciona diretamente a capacidade de conexão em rede global, proporcionada pelas tecnologias digitais de comunicação e pelos sistemas de informação. Conforme observa Castells (2009), deste processo deriva uma sociedade que é global e que está em rede. Evidentemente, isso não significa inferir que todas as pessoas participem da rede; ao contrário. Sabe-se que a maioria dos habitantes do mundo não está participando desta sociedade digital e virtualmente conectada. Mas, por outro lado, o que ocorre é que todo o mundo se vê afetado pelos processos que têm lugar nas redes globais, proporcionado a construção de novas formas de poder e de participação das sociedades, dos Estados e das instituições no mundo contemporâneo.

Conforme observa Gilberto Dupas (2009, p.199), esta nova realidade mundial marcada pela tecnologia e pelas redes virtuais sugere um grande debate, que pode ser expresso em dois questionamentos pontuais: existe de fato a possibilidade da tecnologia digital vir a favorecer um grande processo de inclusão social por parte de segmentos da sociedade que se encontram à margem da mundialização da produção? Ou estes segmentos sociais formarão uma espécie de “fosso digital”, tendo “como referência a qualidade de inserção dos indivíduos e dos países na rede?”

De fato, estes questionamentos envolvem diretamente todas as nações e as sociedades mundiais, que se preocupam em ampliar e democratizar a tecnologia digital. No Encontro Mundial sobre a Sociedade da Informação, ocorrido em Genebra, em 2005, as grandes potências e os países emergentes foram colocados em lados opostos. Neste encontro, Brasil, Índia, China e África do Sul pressionaram internacionalmente para retirar a Internet das mãos de uma entidade privada norte-americana com sede nos Estados Unidos (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers – ACANN) e transferi-la para um grupo intergovernamental sediado na ONU (DUPAS, 2009).

O próprio Castells (2003) não deixou de observar que, embora o mundo acadêmico tenha dado início ao conhecimento e as pesquisas para o desenvolvimento das redes virtuais, a explosão do uso da internet se deu pelas mãos das corporações globais, as quais transformaram radicalmente as práticas de produção e negociação internacional. Por sua parte, Gilberto Dupas (2009, p.206) reconhece uma particularidade positiva em relação à tecnologia da informação que ele vê, em geral, de forma crítica: devido ao fato de estar em constante desenvolvimento, “[...] o inventor não detém o monopólio da criação, podendo os usuários assumir seu controle”.

Outro aspecto citado por Dupas (2009) diz respeito ao fato de que, na mesma medida em que a tecnologia da informação é fortemente utilizada nos processos produtivos e no gigantesco mundo financeiro, acelerando o desenvolvimento

116

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a de bens e serviços, também possibilita, potencialmente, o desenvolvimento de atividades individuais e de grupos sociais. Para o autor, esta característica têm permitido a “quebra do monopólio do conhecimento e o desenvolvimento de novos produtos”, possibilitando consequentemente “que eles sejam utilizados para outros fins que não aqueles que para os quais foram inicialmente elaborados” (DUPAS, 2009, p.206-207). Assim, a tecnologia da informação – enfatizando o papel das redes – permitiria aos indivíduos e às instituições, bem como as próprias nações, o desenvolvimento de projetos de seus próprios interesses, contribuindo para o empoderamento da sociedade e das instituições. Restaria saber quais destas duas vocações ou usos terão mais peso e eficácia nas novas configurações de poder do mundo contemporâneo.

ReferênciasCASTELLS, Manuel. Comunicación y Poder. Madrid: Aliança Editorial, 2009.

______. A galáxia da internet: refl exões sobre a internet, negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

DUPAS, Gilberto. Atores e poderes na Nova Ordem Global: assimetrias, instabilidades e imperativos de legitimação. São Paulo: Unesp, 2005.

HUGON, Philippe. Geopolítica da África. Rio de Janeiro: FGV, 2009.

HUNTINGTON, Samuel. O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.

LAHÖZ, André. Renda e consumo. In: LAMOUNIER, Bolívar; FIGUEIREDO, Rubens. A Era FHC: um balanço. São Paulo: Cultura Editores Associados, 2002.

LIMA, Marcos Costa. Índia: avanços, problemas e perspectivas. III Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – III CNPEPI – O Brasil no mundo que vai aí. Fundação Alexandre de Gusmão: Brasília, 2008.

MACFAELENE, Neil. O “R” dos Brics: a Rússia é uma potência emergente. In: HURRELL, Andrew et al. Os Brics e a Odem Global. Rio de Janeiro: FGV, 2009.

PECEQUILO, Cristina. Manual de Política Internacional. Fundação Alexandre de Gusmão: Brasília, 2009.

TODD, Emmanuel. Depois do Império: a decomposição do sistema americano. Rio de Janeiro: Record, 2003.

VISENTINI, Paulo. O dragão chinês e o elefante indiano. Porto Alegre: Leitura XXI, 2011.

VISENTINI, Paulo; PEREIRA, Analúcia. História do Mundo Contemporâneo: da Pax Britânica do século XVIII ao Choque das Civilizações do século XX. Petrópolis/RJ: Vozes, 2008.

ZHEBITT, Alexander. Repensar a Rússia: Uma proposta sobre o reposicionamento da Rússia nas relações internacionais. In: VISENTINI, Paulo; WIESEBRON, Marianne (orgs.). Neohegemonia americana ou multipolaridade? Polos de poder e sistema internacional. Porto Alegre: UFRGS, 2006.

WALLERSTEIN, Immanuel. O declínio do poder americano. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.

9 ORGANIZAÇÕES E PARTICIPAÇÃOPOLÍTICA E SOCIAL NO MUNDOCONTEMPORÂNEO

Paulo G. M. de Moura

“É óbvio que ‘as elites organizadas existentes em todas as sociedades humanas desde o princípio da história” sempre tentaram se apropriar de todos os recursos para “conquistar e/ou preservar o poder. Dizer isso é o mesmo que dizer que em todas as sociedades humanas (excetuando-se o breve intervalo dos gregos ou, mais propriamente, dos atenienses dos séculos sexto e quinto antes da Era Comum e, em parte, algumas sociedades dos últimos dois séculos) tivemos regimes autocráticos e não democráticos. Todo o tempo histórico (considerando como início da chamada história o surgimento do primeiro sistema autocrático estável, com o advento do Estado sumeriano, provavelmente em Kish, na antiga Mesopotâmia, há cerca de seis milênios) foi, praticamente, tempo de autocracia; não de democracia. Se pudéssemos contar o tempo histórico (das chamadas civilizações) como um dia de 24 horas, tivemos democracia (ou melhor, experiências localizadas de democracia), apenas por 96 minutos (e olhe lá!).” Augusto de Francoab

IntroduçãoO exercício da liderança é uma marca das sociedades humanas. Na pré-história, quando a humanidade vivia em bandos nômades, a hierarquia de poder e a estratificação social eram extremamente simples. Cada sociedade cria o seu subsistema político. Tal como acontece entre lobos e leões havia um líder sobre o bando de liderados e vigorava a lei do mais forte. Na medida em que a humanidade foi caminhando em direção à civilização, foi também, gradativamente, sofisticando

ab www.diegocasagrande.com.br, coluna de Augusto de Franco acessada em 4/5/2007.

118

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a as estruturas dos sistemas sociais e políticos; desenvolvendo formas específicas de organização e de exercício do poder.

A liderança social e o poder político ao longo da história, sempre estiveram associados às formas de organização social e ao nível de distribuição do direito de participação da sociedade nas decisões coletivas que lhe dizem respeito. Se o poder se encontra mais concentrado nas mãos de um indivíduo, de grupos oligárquicos, ou do Estado do que distribuído na que na sociedade, o sistema político pode ser considerado autoritário, ou, autocrático, e vice e versa, se mais distribuídos para um grande número ou para a maioria dos membros dessa sociedade, seu sistema político é considerado democrático.

Assim como acontece nas esferas econômica, social e cultura, também a esfera política da sociedade contemporânea passa por profundas transformações. Entender o que se passa nessa dimensão da nossa vida em sociedade também é importante para sabermos nos situar nesse mundo em constante e acelerada mudança.

9.1 O poder nas sociedades antigasNas sociedades antigas, excetuados os casos referidos por Augusto de Franco na citação acima, predominava o exercício do poder despótico ou oligárquico, exercido com predomínio do uso da força. Os governantes eram vistos como deuses ou intermediários da relação entre o povo e os deuses, e, como consequência, o povo não participava das tomadas de decisões sobre seu destino, já que a justificativa para o poder dos governantes era de origem religiosa. Isto é, entendia-se que o direito ao poder era desígnio divino. Religião e poder caminharam juntos ao longo de séculos. Na sociedade ocidental a separação entre o Estado e a Igreja somente aconteceu no final da Idade Média, quando teve início a Era Moderna.

Na Idade Média o sistema social organizava-se a partir da propriedade da terra, e os senhores feudais, seus proprietários, deliberavam os assuntos políticos (guerra, impostos, punição de crimes, etc.), por sua livre vontade, mas sempre aconselhados por membros da hierarquia da Igreja, que, com eles compartilhava o exercício do poder e se constituía na única organização hierarquizada e presente em todo o território europeu e parte das regiões antes integrantes do Império Romano, das quais os europeus não haviam sido expulsos pelos antigos povos bárbaros, civilizados por gregos e romanos nos séculos anteriores.

9.2 O poder na sociedade modernaCom a irrupção da Era Moderna, o ressurgimento do fenômeno urbano na esteira das revoluções comercial e industrial, as formas de organização dos sistemas social,

119

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aeconômico, político e cultural, típicos da sociedade Antiga, de base econômica agrícola e artesanal, foram desestruturadas pelas mudanças provocadas pelas revoluções Comercial e Industrial.

O sistema de produção industrial; baseado na especialização do trabalho, na produção através de linhas de montagem e no uso intensivo de máquinas, então, substituiu o modo de produção feudal, desencadeando o surgimento do modo de produção capitalista, e depois do socialista. Estes dois sistemas econômicos e seus respectivos regimes políticos, embora ideologicamente diferentes do pondo de vista da relação do Estado com a economia e a sociedade, tinham seus sistemas econômicos baseados na produção fabril. O surgimento e a expansão do comércio, a mecanização da agricultura e o surgimento das fábricas deslocaram o meio de sobrevivência do povo para as cidades. Em pouco tempo, a população, que antes era pouco numerosa e vivia isolada e fragmentada nas propriedades feudais, migrou para as cidades, concentrando-se no entorno dos palácios e catedrais, sedes do poder. Tornou-se, então, necessário criar formas de organização e participação dessas pessoas nas decisões sobre o seu destino coletivo das sociedades urbanas.

As sociedades capitalista e socialista desenvolveram, então, organizações sociais e sistemas de participação do povo nas decisões coletivas, cuja essência baseava-se na legitimação pelo apoio da maioria. Surgiu, dessa maneira, a chamada democracia representativa. Essa forma de participação política baseia-se na realização de eleições periódicas, às quais concorrem candidatos inscritos em partidos políticos, na busca de votos para receberem o aval do povo ao seu acesso ao exercício do poder nos parlamentos, tribunais e governos. Nos regimes socialistas, os mecanismos de votação e delegação de representação são um pouco diferentes. Enquanto nos regimes de tipo liberal-democrático a votação é direta, secreta e universal, nos regimes socialistas as votações e escolhas de representantes ocorrem em assembleias, e os representantes, originalmente, eram eleitos como delegados de seu local de trabalho, ou moradia. Além dessas diferenças, sob o socialismo existe apenas um partido e há restrições às liberdades democráticas, o que não acontece nas democracias liberais.

Para viabilizar o funcionamento desse sofisticado sistema, criou-se um enorme aparato burocrático encarregado da administração. Aos representantes eleitos caberia a função de legislar, estabelecer diretrizes políticas e administrativas e tomar decisões, e ao quadro de funcionários permanentes caberia a responsabilidade de garantir a continuidade do funcionamento dos serviços públicos, independentemente dos representantes eleitos periodicamente para definir os rumos políticos dos governos.

Nos regimes socialistas, varia a forma como essas peças se encaixam como engrenagens do sistema, pois, não havendo alternância de partidos no poder, devido à existência de um partido tido como detentor do conhecimento sobre os

120

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a rumos que a sociedade deve tomar, em geral os representantes eleitos se convertem em homologadores das decisões do partido. Essa distorção, inicialmente mais evidente nos regimes socialistas, no entanto, se instalou também nas democracias liberais, com a intromissão cada vez maior dos governos sobre as funções dos legisladores, através de artifícios normativos e políticos.

A finalidade desse aparato, na teoria, tanto num caso com noutro, seria a de redistribuição dos recursos públicos arredados como impostos ou como resultado das empresas do Estado. Nas democracias liberais esses recursos são disputados pelas forças sociais organizadas em sindicatos, grupos de pressão e partidos, dentre outras formas de associação. Nos regimes socialistas os planejadores da economia à testa do Estado são os tomadores de decisões sobre o destino dos investimentos e do gasto público.

A origem dessas estruturas de gestão política e administrativa da sociedade moderna é o modelo de estrutura administrativa que surgiu nas fábricas, no momento em que as empresas foram crescendo a necessitando cada vez mais de especialistas em administração para dar conta da crescente complexidade provocada pela proliferação do trabalho especializado e a decorrente compartimentalização das estruturas de produção. Aos administradores, portanto, caberia a função de integrar e intermediar as relações entre os tomadores e executores das decisões, separados por tarefas, atividades e departamentos responsáveis pelas diferentes funções na cadeia produtiva ou burocrática.

O sociólogo alemão Max Weber foi quem primeiro percebeu que esse tipo de sistema, que foi criado para tornar as organizações modernas mais eficientes e produtivas, apresentava distorções que tenderiam a produzir o resultado oposto ao esperado por quem o inventou e desenvolveu. Com o tempo, todas as estruturas administrativas das organizações modernas foram assumindo esse modelo.

9.3 A lógica do sistemaA radiografia da estrutura é a de um organograma com uma cabeça no topo, onde se situa o comando central da organização, que no passado se compunha, em geral, pelos donos do negócio nas empresas privadas. Dessa cúpula parte o fluxo de comandos. O sentido das informações partidas desse núcleo decisor era vertical, unidirecional e descendente.

No miolo do organograma, isto é, nas estruturas intermediárias situadas no espaço entre quem decide e quem faz, as ordens disparadas pela cúpula caem num labirinto de departamentos especializados, que, em tese deveriam torná-la mais nítida, adequada e exequível, do ponto de vista do objetivo de quem deu origem ao comando. No entanto, tal como acontece na brincadeira de “telefone sem fio”, no qual crianças sentam-se uma ao lado da outra em sequência, e a primeira conta uma

121

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

apequena história que dever recontada para o amigo sentado logo ao lado, e assim por diante, até que o último da fila, depois de ouvir a história que lhe é repassada pelo penúltimo, expõe a todos o que ouviu. Como, diz o ditado popular, “quem conta um conto aumenta um ponto”, a história contada no fim da fila raramente coincide com as informações que lhe deram origem no outro extremo da linha.

Dessa forma, ao percorrerem os labirintos dos departamentos administrativos das organizações modernas, as decisões e comandos que deveriam gerar um determinado resultado executado pelos integrantes da base do organograma, raramente se traduziram naquilo que o emissor esperava ao emitir o comando, pois as informações contidas nas ordens são diluídas e distorcidas em seu conteúdo estratégico no trâmite da mensagem da cúpula que a produz ou reproduz para a base que deve obedecer aos comandos superiores.

Os indivíduos da base do organograma devem exercer suas funções como engrenagens de uma esteira mecânica sem precisar saber quais os motivos que originaram o comando, o contexto e os objetivos gerais que sua tarefa, articulada com as demais tarefas sincronizadas das outras engrenagens, deve gerar como resultado final. As peças inferiores dessa esteira são alimentadas com informações parciais e elementares, apenas suficientes para a execução repetitiva de ações sincronizadas com outros integrantes de seu nível na estrutura hierárquica do organograma. As atividades das engrenagens da base do organograma devem ser padronizadas nos movimentos e sincronizadas no tempo de execução, tornando-se, praticamente, uma extensão da máquina.

O tráfego das informações entre a cúpula e a base do organograma percorre caminhos tortuosos de um intrincado sistema cujo fim seria planejar, gerenciar, controlar e supervisionar o funcionamento eficiente da estrutura. Mas, com o tempo, a burocracia que se desenvolveu no espaço entre a base e a cúpula das organizações modernas foi sofrendo atrofias e distorções.

Os diferentes departamentos burocráticos dessas estruturas passaram a disputar entre si o poder de acesso e controle de cada vez mais funções, recursos e informações, com o objetivo de adquirir poder, importância estratégica e vantagens funcionais. Com isso, os diferentes escaninhos do organograma burocrático passaram a filtrar, politizar e distorcer informações e ordens, visando valorizar sua posição estratégica na estrutura das organizações, e, assim, a tentar prejudicar seus adversários internos que lutam pelos mesmos fins, com os mesmos métodos. Controlando recursos e informações os burocratas, na prática, usurpam o poder de fato da cúpula do organograma.

O efeito de acumulação das disfunções das engrenagens e do sistema como um todo, introduziu irracionalidade no funcionamento das organizações e no fluxo de informações que deveria fazer com que se produzissem os resultados previstos por seu objetivo. Dessa maneira, as soluções propostas pelos burocratas,

122

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a invariavelmente levam à necessidade de ampliação das estruturas burocráticas. Mais e mais burocratas são contratados, levando à criação de mais departamentos com a suposta atribuição de resolver os problemas que proliferam justamente devido ao excesso de burocracia.

O gigantismo tornou-se, então, um problema adicional às demais distorções, criando um círculo vicioso entrópico e autofágico. A burocracia resiste às mudanças e inovações, pois essas são percebidas como ameaças às suas posições de poder nas estruturas; perde-se nas atividades meio em prejuízo da missão precípua da organização a que pertence, e apresenta resistência e rigidez diante de situações que requerem soluções não previstas em regras, mesmo que não ilegais. Desperdício, lentidão, ineficiência e corrupção tornam-se consequências inevitáveis dessas disfunções sistêmicas.

Ainda que competindo internamente com os demais setores burocráticos, o comportamento coletivo dos integrantes dessas estruturas é corporativo. Isto é, os interesses de todos na preservação da estrutura que lhes garante a sobrevivência coincidem nos conflitos com agentes externos, formando uma teia invisível em defesa do sistema, aí sim de forma ágil e eficaz.

Essas distorções ocorrem em organizações públicas e privadas. No entanto, nas empresas privadas o imperativo do lucro e a competição no mercado, assim como a presença de um proprietário no controle da organização, contribui para minimizar as distorções. No setor público não há concorrência e nem “dono negócio” ao alcance dos olhos dos funcionários burocráticos. A rotatividade dos administradores políticos e a propriedade pública dificultam os controles, tornam a organização mais sucetível às presões e impõem maiores obstáculo às correções. Dada o caráter aparentemente “gratuito” dos serviços públicos, e a natureza política e, teoricamente, democrática da função do Estado, além da constante permanência dos funcionários junto aos gestores eleitos, e a permeabilidade dos políticos à pressão dos interesses corporativos, somam-se para agravar as distorções, tornando-as um problema mais grave do que aqueles que afetam as organizações privadas.

Max Weber constatou que essa lógica se apresenta em todas as organizações complexas nascidas com a sociedade moderna. Todas elas, conforme a Sociologia da Burocracia de Weber requerem lideranças administrativas especializadas. O autor descreve a burocratização como uma mudança da organização baseada na autoridade tradicional para outra voltada para metas e ações racionais e legais. No caso da Alemanha, conforme constatou em seu estudo, a burocracia prussiana assumiu o comando político da nação, dando origem a um sistema de dominação política de tipo burocrático que ele caracterizou como patrimonialista.

123

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a9.4 A crise das instituições da era modernaAs organizações criadas pela sociedade ao longo da era moderna tornaram-se ineficientes, lentas, grandes e excessivamente burocráticas. A falência financeira e a corrupção são os sintomas mais visíveis de muitas delas. O descrédito da população nos políticos está nas primeiras páginas dos jornais na maior parte dos países do mundo. Como consequência, as instituições encarregadas da tomada de decisões coletivas criadas pela sociedade moderna, tais como os partidos, os parlamentos, governos, tribunais e demais órgãos estatais sofrem crises causadas pela ineficiência, que leva à falta de legitimidade e credibilidade perante a sociedade.

A crise das instituições políticas encarregadas de processar as decisões coletivas na sociedade atual, é, ao mesmo tempo, causa e efeito dos deslocamentos de poder provocados pelo impacto das novas tecnologias e das transformações por elas geradas. Sob circunstâncias normais, as deliberações políticas dos governos e suas instituições cumprem suas atividades fim. Hoje, essas estruturas políticas não cumprir suas funções. O dinheiro público se perde na burocracia e na corrupção. Cada vez mais impostos são cobrados da sociedade, que e não vê o retorno em serviços públicos de segurança, educação, saúde e infraestrutura. As vítimas, em geral, são aqueles que mais necessitam desses serviços e que menos condições têm de obtê-los pelos próprios meios.

O tipo de liderança baseada no poder burocrático, impessoal e abstrato, que decide sobre muitos assuntos, tornou-se inadequado à nova realidade. A execução das decisões depende de órgãos executores que não executam. A autoridade é constrangida leis superadas e fiscalizada por organismos corrompidos e ineficientes A legitimidade da liderança precisa se legitimar pelo voto da maioria, mas a população se abstém de participar.

O novo sistema econômico que emerge com a sociedade contemporânea compõe um sistema social cujo nível de diversidade e complexidade é infinitamente maior do que o existente do período anterior. As decisões políticas e administrativas, agora, dependam de corpos técnicos sofisticados que abastecem o líder de informações sobre áreas que esse desconhece se não estudá-las e não se preparar para não errar. A alta especialização do conhecimento, a complexidade, o volume e a velocidade das informações que envolvem a tomada de decisões, limitam o poder da liderança nas organizações da sociedade contemporânea, tornando-a mais temporária, flexível, colegiada e consensual.

As estruturas estatais da sociedade moderna foram construídas na época em que o principal meio de transporte e troca de mensagens à distância era o cavalo. Os estados nacionais estavam recém se formando nessa época. As diferentes regiões do mundo eram isoladas umas das outras e as economias eram mais protegidas por leis vigentes dentro das fronteiras nacionais. As decisões a serem tomadas

124

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a por governantes num contexto como esse, envolviam um volume muito menor de variáveis, que demandavam mais tempo de quem precisava decidir. As decisões tomadas, de forma relativamente isoladas pela distância geográfica e pela lentidão dos sistemas de comunicação e transportes, pouca ou nenhuma consequência causavam além das fronteiras territoriais de cada Estado nacional.

As instituições políticas remanescentes da sociedade moderna (governos, parlamentos, tribunais) também refletem uma forma obsoleta de lidar com o conhecimento. Este tipo de estrutura anacrônica produz intermináveis problemas jurídicos, disputas interburocráticas e o consequente aumento dos custos do Estado. A ineficiência do Estado, por sua vez, leva à geração de efeitos secundários adversos, às vezes piores do que a tentativa inicial de solucionar um determinado problema na sua origem. A centralização do poder não funciona. Os governos e as instituições jurídicas e políticas da sociedade moderna foram pensados para tomar decisões num ambiente em que uma informação poderia levar dias para atingir círculos mais amplos da sociedade. As reações eventualmente adversas eram mais raras e mais fáceis de contornar.

9.5 A emergência de um novo sistemaAssim como acontece com o sistema econômico interligado por redes de comunicação em tempo real, o sistema político também reflete a aceleração generalizada das mudanças, intensificando o colapso das estruturas burocráticas. A velocidade com que as informações circulam é maior do que o poder de resposta das estruturas burocráticas. Mais inteligência e criatividade e menos burocracia é a nova regra.

O sistema econômico da sociedade moderna criou a produção e o consumo de massas. Enormes quantidades de produtos seriados, jogados ao mercado consumidor, influenciaram o surgimento do comportamento social de massas. O comportamento das audiências dos canais de televisão abertos, que recebem a mesma programação transmitida para milhões de telespectadores simultaneamente induz ao comportamento de massas. Essa característica surgiu também no sistema político da sociedade moderna, dando origem a organizações de massas, tais como os partidos e os sindicatos e seus líderes de massas (Hitler, Stalin, Mussolini) com suas ideologias de massas.

As tecnologias contemporâneas estão criando um sistema oposto, no qual a regra é a segmentação da produção e do consumo. Os produtos cada vez são feitos para segmentos específicos de consumidores com demandas específicas. A os meios digitais de comunicação em rede produzem conteúdos segmentados. A indústria da mídia produz estilos musicais diversos, que influenciam e são influenciados por estilos de vida grupal também diversos no jeito de vestir, de agir socialmente,

125

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

ade comportar-se nos grupos de convivência. Como consequência, o sistema social está se fragmentando ao refletir essa tendência da produção e do consumo.

O ambiente político é parte do sistema social e foi, em seguida, contagiado pelo impacto dessas transformações. Novas organizações minoritárias, que agem em âmbito local, embora articuladas em redes que geram influência para além das fronteiras nacionais surgem no mundo todo. Ambientalistas, pacifistas, gays, feministas, e outros, com formas inovadoras de manifestação de suas insatisfações e reivindicações, invadiram o palco antes monopolizado pelos sindicatos e pelos partidos.

A velocidade e abrangência dos novos sistemas de comunicação em rede e a diversidade desses grupos e organizações de novo tipo estão dando origem à criação de um sistema político de contornos ainda indefinidos. A desmassificação das organizações políticas reflete as tendências tecnológicas da produção simbólica, das comunicações em rede e da cultura tribal, devastando a capacidade dos políticos tradicionais tomarem decisões com base na mentalidade e nos paradigmas do passado.

A formação de maiorias estáveis, necessárias para a legitimação do poder dos governos ao longo da história da sociedade moderna está cada vez mais difícil e sujeita às instabilidades. Por vezes, formar maiorias estáveis é impraticável. As circunstâncias podem ser diferentes de país a país, mas a crise das organizações modernas é transversal a todos os que não conseguem acompanhar a velocidade das mudanças, e a se adaptar à nova realidade supercomplexa.

As novas maiorias, quando se tornam possíveis, cada vez se articulam com uma colcha de retalhos de grupos minoritários, que se conectam e se desconectam em torno de causas pontuais em curtos espaços de tempo. A diversidade social é tão grande que a lógica da representação de massas não consegue gerar consensos em nome de uma suposta “vontade geral”, na qual se baseia a ideia de “democracia representativa” inventada pela sociedade moderna. A própria democracia representativa está em crise.

As novas e velozes tecnologias da informação geraram uma correspondente sofisticação e diversificação dos problemas sobre os quais os governantes precisam decidir. Um sistema político eficiente precisa operar na escala correspondente aos problemas sobre os quais decide, integrando diretrizes díspares, decidindo no momento certo e refletindo a diversidade da sociedade que lhe dá sustentação.

O ativismo de minorias reflete as demandas de um novo sistema econômico que requer, para sua existência, um sistema social mais diversificado do que qualquer outro que já existiu. A capacidade de negociação e articulação entre os grupos minoritários de interesses diversos precisa ser incorporada ao sistema normativo e ao formato das instituições para permitir a construção de uma nova democracia.

126

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a Hoje, grupos de pressão bem organizados têm mais poder sobre as decisões governamentais do que as amplas maiorias do passado. Controlar o poder de influência das tecnocracias superespecializadas sobre os gestores públicos é outro cuidado fundamental. Por isso, talvez seja o caso de deslocarem-se algumas decisões hoje nas mãos dos “representantes”, para o eleitorado, rompendo os círculos tecnocráticos de decisão e recorrendo às novas tecnologias de comunicação como forma de consultar à população, criando-se assim, novas formas de processar decisões coletivas que contemplem os interesses das pessoas diretamente atingidas pelas das decisões em questão. Plebiscitos e referendos são cada vez mais usados para legitimar decisões controvertidas com apoio social amplo.

Deslocar o poder de decisão para instituições mais próximas das causas de cada problema pode ser uma alternativa viável já que há problemas que não podem ser resolvidos no nível local e outros que não podem ser resolvidos no nível nacional, além de outros que requerem respostas em diversos níveis. Fazem-se necessárias novas instituições mundiais capazes de gerenciar soluções para problemas mundiais que não mais podem ser resolvidos por governos nacionais de forma isolada, sem causar consequências sobre a população de outros países.

As grandes catástrofes ambientais, os problemas com o clima do planeta, o combate ao terrorismo e ao crime organizado; a administração das crises do mercado financeiro internacional, dentre outros, são exemplos desse tipo de problema global que requer soluções globais. A descentralização das estruturas de decisão e gestão econômica pode dar origem a novas unidades econômicas regionais livres da configuração interna dos mapas nacionais. Movimentos de pressão inversa pela integração do mundo em bloco, seguidos de crises e tendências protecionistas e de “fechamento de fronteiras” estão transformando os sistemas econômicos, políticos e sociais e requerendo flexibilidade e criatividade na criação de novos arranjos institucionais dos agentes políticos mundiais. As decisões econômicas isoladas, eventualmente tomadas por governos nacionais em benefício de uma região podem gerar impactos negativos sobre outras, no contexto da interdependência de um sistema econômico e social articulado em rede.

Na sociedade contemporânea as de decisões precisaram ser compartilhadas através de novos sistemas de participação democrática e representação por organismos colegiados. O novo sistema político não poderá funcionar sem democracia, mas precisará de uma nova democracia sustentada em valores e ideias adequadas às novas instituições políticas.

A lógica que rege o funcionamento das redes sociais, potencializadas pelo uso em escala da tecnologia digital, é radicalmente diferente das estruturas burocráticas das organizações do passado industrial. O caráter democrático do conhecimento faz com que a riqueza simbólica do novo sistema econômico circule em alta velocidade nas redes digitais de comunicação, impondo a criatividade, a agilidade

127

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

ae a flexibilidade como requisitos imprescindíveis à sobrevivência no novo ambiente competitivo. Para isso, a descentralização das decisões e ações e a eliminação de estruturas intermediárias entre os que executam e os que decidem; a assincronia e a aleatoriedade das relações entre os componentes dos sistemas-rede são fundamentais.

Esses princípios foram assimilados rapidamente pelas organizações empresariais, que criaram novos métodos de gestão da produção e novas formas de organização do trabalho. Corporações transnacionais incorporaram técnicas gerenciais adaptadas à lógica da economia que se articula em rede, dentro e fora das organizações. Milhões colaboradores diretos e indiretos dessas organizações se conectam ao novo sistema por imposição do novo mundo do trabalho.

As empresas-rede conectam-se com consumidores-rede através de técnicas de marketing de rede. As redes invadiram também o mundo do entretenimento e das diversões do indivíduo contemporâneo no momento em que as tecnologias de comunicação digital invadiram os lares dos cidadãos comuns. A telefonia celular, a Internet, a TV a Cabo, os computadores portáteis interligam e outros aparatos tecnológicos interligam cada vez mais indivíduos na malha digital.

Sob a ótica desse novo sistema a diversidade cultural é consequência inevitável. A permanente fragmentação do tecido social e a produção de diversidade respondem à nova lógica da criação e da circulação do capital simbólico que converte ideias em valor ao lançá-las à rede de trocas midiáticas em escala global.

A matriz sistêmica e os sistemas de participação democrática dos cidadãos nas decisões coletivas sobre o destino da sociedade em que vivem devem se adaptar a essas mudanças. Só seremos capazes de criar soluções inovadoras para esses e outros problemas que estão surgindo se soubermos entendê-los.

ReferênciasCASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.

TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. São Paulo: Record, 1980.

______. Powershift – as mudanças no poder. São Paulo: Record, 1990.

WEBER, M. A objetividade do conhecimento nas ciências sociais. In: COHN, G. (org.). Max Weber. 4. ed. São Paulo: Ática, 1991, p.79-127.

______. Conceptos sociológicos fundamentales. In: ______. Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. México: Fondo de Cultura Económica, 1996ª, p.5-45.

______. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Tradução de A. F. Bastos e L. Leitão. 4. ed. Lisboa: Editorial Presença, 1996b.

10 MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE

Arlete Aparecida Hildebrando de Arruda

Águas que movem moinhosSão as mesmas águas

Que encharcam o chãoE sempre voltam humildes

Pro fundo da terraTerra! Planeta Água.

(Guilherme Arantes)

IntroduçãoQual a possível relação existente entre o restaurante Noma (o melhor do mundo) e a Conferência de Copenhague (COP.15) sobre mudanças climáticas?

Para tecer a resposta à indagação inicial, transcreve-se a fala do genial chef de cozinha René Redzepi (2012): “O pensamento dos dinamarqueses foi expandido quando passamos a utilizar produtos locais em receitas já existentes, mas antes preparadas com ingredientes de outras culturas”.

Essa postura de escolher produtos locais para seus fabulosos pratos está de acordo com as proposições de que só haverá um freio no aquecimento global se forem reduzidos os transportes de mercadorias e houver um aproveitamento dos recursos locais. Observa-se aqui um dos princípios do desenvolvimento sustentável aplicado a um negócio.

130

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a A disposição de agir no local também está dentro de outro movimento global, trata-se da preocupação com a diversidade biológica. Se há consumo e apreço somente para certos produtos e animais no mundo, muitas espécies de seres vivos, plantas, animais, insetos, flores são desprezados e logo, são consentidas sua extinção. Reconhecer a biodiversidade de cada localidade ou região faz parte também dos princípios da sustentabilidade.

A ONU sofreu pressões de cientistas e movimentos ambientalistas mundiais e por isso, decretou para valorizar os diversos biomas no período 2011/2020 como a Década da Biodiversidade.

Para que esses objetivos sejam alcançados até 2020, já em 2010, na cidade Nagoya, no Japão, chegou-se por consenso a um Plano estratégico de Conservação da Biodiversidade (CDB), os países signatários adotarão medidas para preservação de ambientes terrestres, aquáticos e marinhos.

Retomando a indagação inicial, pode-se dizer que há uma relação sim, entre os lucros do restaurante NOMA (e a fama trazida para a Dinamarca), e a questão ambiental. A identidade nacional e regional tem um dos seus pilares a gastronomia – a comida (italiana, japonesa, tailandesa, etc.). Ela se expressa pela variedade de produtos. Isso se chama biodiversidade (ou diversidade da natureza viva). A perda da biodiversidade, aliada às mudanças climáticas são preocupações não só dos cientistas, ambientalistas, mas dos empresários, economistas, engenheiros, médicos, sociólogos, publicitários, comunicadores, religiosos, que pressionam e gestionam junto aos governos, parlamentos e instituições públicas e privadas, por mudanças nos planos de intervenção e na regulamentação de ações que afetam ao meio ambiente local, regional, nacional ou planetário. Por isso, nas pautas de noticiários, programas e reportagens, os temas como economia verde, responsabilidade ambiental, novo Código Florestal, degelo do ártico, sustentabilidade nas empresas, bancos verdes, ecovilas, cidades sustentáveis estão cada dia com maior frequência presentes nas mídias. E em tempo, convém lembrar que o Brasil tem 25% da biodiversidade mundial.

A ONU recebe pressões para realizar convenções e conferências que levem à assinatura de documentos e protocolos sobre temas que preocupam segmentos importantes das sociedades. Essas conferências têm uma enorme influência sobre as nações, porque o que é protocolado passa a ser exigência internacional e repercute no comércio mundial. Nos países tornam-se leis e regulamentos.

As conferências que trataram do meio ambiente buscaram garantir a qualidade de vida no planeta e a sustentabilidade da terra. Conhecer as principais conferências e os conceitos que aí foram estabelecidos é da maior importância para compreender o tempo atual. Uma forma clássica de organizar as convenções, fóruns e conferências da ONU é a apresentação de documentos e sobre eles se ajustam os termos para

131

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aque os chefes de Estado os assinem após debates e chegada ao consenso dos signatários.

Inicialmente esses documentos são rascunhos (já acertados entre os diplomatas e os técnicos dos altos escalões dos governos dos países envolvidos. Em cada documento há um slogan que o resume. Nosso futuro comum foi o da conferência de 1972 e o futuro que queremos em 2012. em cada documento há posicionamentos que se expressam em conceitos, que levam a disputas para qual conceito deverá predominar. Em 1972 os países desenvolvidos defendiam um “desenvolvimento zero” e os países chamados na época subdesenvolvidos, defendiam “o desenvolvimento a qualquer custo”. Preparando a Rio92, o debate era entre Ecodesenvolvimento e Desenvolvimento Sustentável. E vinte anos após, os documentos trouxeram novas disputas. Os conceitos foram: desenvolvimento sustentável e economia verde ou justiça ambiental e economia verde.

O texto que veremos a seguir esclarecerá as razões dessas disputas conceituais. A importância desses documentos tem a ver tanto com a vida cotidiana como a produção, comercialização, consumo, descarte, reciclagem, tipo de emprego que teremos, ar que respiramos, qualidade da vida urbana e opções de alimentos e do tipo de saúde que nos reserva o meio ambiente. O slogan da Agenda 21 “Pense globalmente e aja localmente”, convida a todos e a cada um em particular a calcular o que pessoalmente estamos “gastando do planeta” com o cálculo da pegada ecológica, e por outro lado estimula a participar e “formar uma aliança global para cuidar da terra e um dos outros ou arriscar a nossa destruição e a diversidade da vida” (Carta da Terra).

10.1 Justiça socioambiental X O precificar a natureza A polêmica na conferência chamada Rio+20, no ano de 2012 teve grande repercussão na mídia. As indagações nas manchetes dos jornais eram: economia verde ou desenvolvimento sustentável; ambientalismo de mercado ou justiça ambiental? Para entendermos esses posicionamentos, o marco é o momento atual do sistema capitalista mundial. Nos países emergentes grandes empreendimentos estão sendo construídos, visando alcançar o chamado crescimento econômico. A reação por parte dos movimentos pela justiça ambiental, segundo Henri Acselrad (2011) é de que tais projetos são responsáveis pelo deslocamento compulsório de grandes contingentes populacionais, pelo aniquilamento de grupos indígenas e por impactos irreversíveis dos ecossistemas nos quais vivem e se reproduzem uma ampla diversidade de grupos e formações socioculturais. Para os países chamados desenvolvidos que vivem uma crise econômica desde 2008, a forma de voltar o sistema capitalista de obter crescimento será da financeirização e a colocação de preços a todos os serviços e produtos ambientais, com isso voltando a movimentar bilhões e lançando novas formas de mercados, como já aconteceu anteriormente

132

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a com o mercado de carbono. Partem do princípio de que a toxicidade e a poluição atingem a todos, indistintamente. Para os movimentos da justiça ambiental, a exposição de grupos sociais aos riscos ambientais não é equitativa. São desiguais as condições de acesso dos diferentes setores da população à proteção ambiental.

Posicionam-se contra o discurso científico de que a “poluição é democrática”. E que a sociedade atual, também chamada de “sociedade de riscos” afeta a todos, não importando de que maneira ou onde as pessoas vivem. Guidens (2000) e Beck (2004).

Por justiça ambiental entende-se:

A condição de existência social em que se verifica igual proteção aos distintos grupos sociais com relação aos danos ambientais, por intermédio de leis e regulações democraticamente concebidas, que impeçam ao mercado impor decisões discriminatórias com base em raça, cor, nacionalidade ou status socioeconômico. Ela resulta de um tratamento justo e de um envolvimento efetivo de todos os grupos sociais, no desenvolvimento, implementação e respeito a leis, normas e políticas ambientais. Por tratamento justo, define-se que nenhum grupo de pessoas, seja ele definido por raça, etnia ou classe socioeconômica, deve arcar de forma concentrada e desigualmente distribuída com as consequências ambientais negativas resultantes de operações industriais, agrícolas, comerciais, de obras de infraestrutura ou da implementação de programas e políticas federais, estaduais, municipais e locais. (ACSELRAD, 2011, p.45)

A ideia de que o bem-estar social depende do crescimento econômico e de que as empresas somente se envolvem com a questão ambiental se ela movimentar o mercado. Desde os anos 90,para controlar a poluição atmosférica, surgiu o mercado de carbono e agora a nova proposta que veio no Relatório é a da Economia verde (REV).

Está definida como uma economia que resulta do bem estar da humanidade e da qualidade social, ao mesmo tempo em que reduz, significativamente, riscos ambientais e escassez ecológica. O desenvolvimento deve manter, aprimorar e reconstruir bens naturais, vendo-os como um bem econômico.

A natureza para a economia verde é fragmentada em bens e serviços ambientais. O rio, o córrego, bioma, a paisagem podem ter preços diferentes e valorização distinta no mercado e deverão esses os ganhos econômicos para gerarem empregos chamados verdes.

Distinta e a posição para os que veem a natureza, isto é, mesmo rio, a floresta, a paisagem, como bens comuns. Para Bollier os bens comuns se referem a

Recursos compartilhados que uma comunidade constrói e mantém (biblioteca, parque, rua), os recursos nacionais que pertencem a todos (lagos, florestas, vida silvestre, espaço radioelétrico e os recursos mundiais dos quais os seres vivos necessitam para poder sobreviver (atmosfera, água, biodiversidade). (BOLLIER 2008:38)

133

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aPara Leroy (2011:4):

Estamos tão envolvidos na sociedade capitalista, dominada por noções como propriedade privada, consumo e mercado, e tão saturados pela informação e pela publicidade dominantes, que não percebemos espontaneamente que há ainda uma porção grande da nossa realidade e do planeta que está situada fora dos circuitos mercantis. Paradoxalmente, é a fome voraz do mercado, na busca da apropriação privada e da mercantilização do que ainda lhe escapa, que contribui para dar maior atenção e valorizar a reflexão sobre os bens comuns. Entretanto, se de fato o mercado se interessa e avança sobre todos os ecossistemas e recursos mencionados, em contrapartida devemos reconhecer e afirmar que a humanidade atual e futura precisa e precisará desses bens e que, nesse sentido, eles não são a nossa propriedade particular, com os quais podemos fazer o que queremos. São bens comuns da humanidade, tanto no sentido espacial, superando fronteiras (por exemplo, é importante lembrar que a Amazônia exerce um papel no clima continental e, provavelmente, mundial e que as sementes que são a base da segurança alimentar mundial, cruzaram os oceanos), quanto temporal, para as gerações futuras. (LEROY, 2011)

Para os defensores da economia verde, o patrimônio ambiental precisa ser contabilizado. Cada bem natural ser avaliado e dado um preço. Pela precificação dos bens ambientais se poderia dar maior valor ao patrimônio natural do país e provocar uma mudança nos hábitos de consumo, evitando o desperdício. Para essa visão, se a sociedade é mercantil e se temos hoje uma economia qualificada de marrom – a “economia marrom” (baseada no petróleo e gás ou economia fóssil), esta deverá ser transmutada via uma transição tecnológica e financeira para a “economia verde”.

No Brasil, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançou um documento no dia 14/06/2012 para uma plateia de 800 representantes da indústria nacional, informando à sociedade o desempenho sustentável dos seus filiados. Segundo o presidente da CNI, Sr. Robson Braga de Andrade, que representa 27 federações de indústrias nos estados e no Distrito Federal, são mais de 1.000 sindicatos patronais associados e 196 mil estabelecimentos industriais, a sustentabilidade passou a fazer parte da agenda estratégica das empresas. Disse ele em entrevista ao Jornal O Globo, em 20/06/2012: “hoje, as indústrias brasileiras não tratam da sustentabilidade como manifestação de boas intenções. Elas incorporam seus princípios nos planos de negócios. Para a CNI a economia verde já é uma realidade nacional.

10.2 Os principais impactos trazidos pela sustentabilidadeOs principais impactos, desde a ECO-92 ocorreram na redução das emissões de gases de efeito estufa, graças à reciclagem, uso de insumos renováveis reaproveitamento da água.

134

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a A Confederação Nacional da Indústria (CNI) fez uma pesquisa inédita com 60 executivos de grandes empresas do país, a qual aponta que, para a maioria deles, ser sustentável tem impacto positivo na competitividade. E, por outro lado, não aderir a essa postura, para 39%, coloca em risco a sobrevivência da empresa no mercado. Outros 18% temem imagem negativa da corporação.

Principais resultados da pesquisa sobre sustentabilidade empresarial: 70% dizem que ser sustentável representa custo adicional para a empresa. Geralmente, gera custos e reduz rentabilidade no curto prazo, mas compensa em médio e longo prazo (Custo, nesse caso, deve ser visto como investimento em consultorias especializadas, P&D e inovação e capacitação e treinamento, entre outros).

93% consideram alto o impacto da sustentabilidade nas políticas de inovação da empresa – como a procura por soluções de eficiência para o menor uso de recursos naturais e para o atendimento de demanda dos consumidores.

83% relacionam sustentabilidade à economia verde ou aos três pilares do conceito de sustentabilidade (ambiental, econômico e social) – o que demonstra visão mais contemporânea e consciente em relação ao tema, em que já se superou a dicotomia crescimento econômico X preservação do meio ambiente.

86% das empresas ouvidas monitoram suas ações de sustentabilidade. Muitas utilizam ferramentas sofisticadas – seja por sistemas próprios ou se submetem às regras rígidas de programas internacionais (como Global Reporting Initiative).

Há consenso de que o papel do governo é importantíssimo nesse processo, em particular na criação de instrumentos formais que possam garantir condições de competitividade às empresas que abraçam a lógica da sustentabilidade.

10.3 Economia verde: mais inclusão social, menos impacto ambientalPara os executivos entrevistados pela CNI, a economia verde, de forma simplificada, significa: produzir mais, para atender às demandas da humanidade, dos mercados emergentes, dos mais excluídos, com mais inteligência e menos impacto.

E, principalmente, deve-se desenvolver ações em três frentes: políticas de inovação e de incentivo para a adoção de novos padrões de produção e mudança cultural, em especial no que diz respeito ao comportamento de consumo.

135

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aAs principais correntes econômicas que defendem a Economia verde são:

10.3.1 Em economia não existe almoço grátisO Relatório Economia Verde da ONU, que tenta apontar alguns caminhos para uma nova abordagem da economia e da questão ambiental não escapou às críticas. Considera possível conciliar crescimento econômico, sustentabilidade e inclusão social, embora não apresente estimativas para os custos da inclusão social. Para Mário Ramos Ribeiro, pesquisador e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA),

o Relatório começa a ficar assustador quando se debruça sobre a agricultura e defende a retirada imediata de todos os subsídios fiscais concedidos à energia de combustível fóssil do setor pesqueiro e diversos subsetores da agricultura. Um período de transição e de adaptação, nem pensar [...] Em economia não existe almoço grátis. Alguém sempre está pagando. É um equívoco cruel pretender convencer os países emergentes de que não existem elevados custos de transição e que sem transferência de recursos financeiros e tecnologias, o “desemprego verde virá. (O artigo foi publicado no sítio ECO Agência, 7/2/2012.)

136

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a O debate ambiental quase nunca é imune a divergências pontuais, dentre elas destacam-se as que afirmam a geração de empregos relacionados à sustentabilidade, em contrapartida há os que temem que aumentará a fome no mundo, porque ela é uma tragédia que a cada seis segundos mata uma criança por causa da desnutrição. Num cenário de escassez de alimentos, devido à mudança climática, redução da água potável, preços dos bens naturais e falta de proteção aos ecossistemas, a fome vai aumentar.

Para pensar em vivenciar a sustentabilidade, temos que ir além de fechar a torneira ou usar uma sacola de pano. Para ser sustentável a exigência é de repensar padrões éticos e sobretudo hábitos de consumo.

10.4 O preço da preservaçãoAs políticas voltadas para a preservação do ambiente amarradas a uma lógica de mercadores nos Fóruns multilaterais, especialmente nas reuniões voltadas para o clima. O mais importante acordo climático multilateral foi assinado na cidade de Kyoto, no Japão. O pacto trouxe limites e volume determinado para as emissões de gases de efeito estufa (GEES) feitos pelos países desenvolvidos. Caso o limite seja ultrapassado, abre-se a possibilidade de compra de créditos de carbono nos países em desenvolvimento, num sistema em que sujar o planeta compensa as más práticas pagando para que outros façam a faxina atmosférica, no dizer de Verena Glass para a revista Desafios do Desenvolvimento/IPEA (2012).

Mercado de carbono é o termo genérico utilizado para denominar os sistemas de negociação de certificados de redução de emissões de GEES: um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixou de ser produzida.

Para a Jutta Kill (2012), líder da entidade que monitora as políticas europeias para florestas, a ONG Fern, a economia verde tem um lado B. Afirma que o mecanismo para o desenvolvimento limpo (MDL) com a crise econômica, os créditos de carbono ficaram mais baratos nos países em desenvolvimento do que a permissão. Assim diz ela: “poluir se torna uma ação mais vantajosa do que investir em tecnologias que reduzam as emissões de GEES” (2012:31).

Para o grupo de pesquisa em Ecologia política do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), “uma tônica crescente no discurso da sociedade civil vem sendo a denúncia, em vários espaços internacionais, da captura corporativa da crise ambiental e climática, causada pelo modelo vigente de produção e consumo, e sua cooptação pelas corporações, com vistas a maquiar de verde uma nova etapa de acumulação e apropriação dos bens comuns”, falou a representante do GT, Camila Moreno (2012).

137

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a10.5 Rousseau e o futuro que queremosNeste ano de 2012 há muitas profecias e também muitas comemorações. Tratar sobre as profecias que tem como foco esse ano não cabe neste artigo. Embora o fundador da sociologia Auguste COMTE (1798-1857) afirmava que usando o método sociológico, podiam-se fazer previsões, resumindo neste slogan: “Ver para prever. Prever para Prover”. Mas, aqui se quer enfatizar é a concepção de igualdade, fraternidade, conceitos fixados no livro: “Contrato Social”, de Rousseau, bem antes da revolução francesa.

Dentre as comemorações de 2012 que se quer enfatizar, destaca-se a do tricentenário do nascimento do pensador Jean-Jacques Rousseau. Essa data passou a ser uma inspiração para um movimento que quer refletir um jeito diferente de os seres humanos se relacionarem tanto entre si, como com a natureza e especialmente com instituições, denominado o movimento “DAY AFTER”, ou Rio+20+um dia. Tem como princípios a solidariedade com os seres vivos, o oposto do individualismo atual, em que cada um puxa para si os benefícios e vantagens, mesmo de questões que deveriam ser de todas as pessoas, países e do planeta.

Jean Jacques Rousseau servirá como âncora, porque, já no século XVIII, ele não só falava de solidariedade, como também chamava a atenção para uma nova relação do homem com a natureza e por conseguinte com a educação e com a economia. Para o famoso escritor e ecossocioeconomista polonês Ignacy Sachs (um dos primeiros organizadores das conferências sobre meio ambiente) diz: “Daqui para frente poderemos dar forma a um novo Contrato Social do século XXI e ter um mega contrato social em nível internacional”. (2012), considerando as cinco (5) dimensões do eco-desenvolvimento: social, econômica, ecológica, espacial e cultural.

Associa a obra de Rousseau os compromissos coletivos, porque o contrato social repousa sobre o princípio da mutualidade. “Os compromissos que nos ligam ao corpo social não são obrigatórios, senão porque são mútuos, e sua natureza é tal, que ao cumpri-los não se pode trabalhar para outro sem trabalhar também para si” (Contrato Social, livro II, cap.IV).

“O estabelecimento do contrato social é um pacto de espécie particular, por ele cada qual se compromete com todos, de onde resulta o compromisso recíproco de todos para com cada um, que é o objeto imediato da união” (Cartas escritas desde a montanha, parte I, carta VI).

E para educar-se para o convívio com a pluralidade de crenças, de valores, de ideias dentro da democracia, enfim aprender a tolerância, propõe um tratado de educação, cujo personagem é Emílio, o qual deve ser educado junto à natureza.

“É dentro do coração do homem que o espetáculo da natureza existe; para vê-lo, é preciso senti-lo” (Rousseau).

138

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a O documento que a Assembleia da ONU, sobre desenvolvimento sustentável tem como título: “O futuro que queremos”, e foi aprovado por 188 delegações dos Estados Membros na Rio+20, no dia 22/06/2012, após decisão consensual em assembleia, como resultado dos esforços multilaterais. “Hoje é tempo de multilateralismo, que se constroem consensos históricos, o consenso possível. Não há método único. Tenho que respeitar quem pensa diferente de mim” (Presidente Dilma Rousseff).

10.6 Que ações serão desenvolvidas como prioritárias, após a Rio+20?Primeiramente foram definidas as áreas temáticas e as questões transversais, que são elas: a erradicação da pobreza, a segurança alimentar, a nutrição/agricultura sustentável, a água e o saneamento, energia, o turismo sustentável, o transporte sustentável, cidades sustentáveis e assentamentos humanos, saúde e população, promoção do emprego pleno e produtivo, do trabalho digno para todos, e das proteções sociais, oceanos e mares, pequenos Estados insulares em desenvolvimento (SIDS), países menos desenvolvidos, países em desenvolvimento sem litoral, África, os esforços regionais, redução do risco de desastres naturais, as mudanças climáticas, florestas, biodiversidade, desertificação, degradação do solo e seca, montanhas, produtos químicos e resíduos, consumo e produção sustentáveis, mineração, Educação, a igualdade de gênero e empoderamento das mulheres.

Os temas acima estão descritos no documento, assim como são definidos os meios de implementação, formas de financiamentos para se alcançar as metas propostas até o ano de 2015. O documento aprovado é bastante esclarecedor da situação mundial em face de como se encontra cada um dos conceitos e temas alocados acima. Vale a pena conferir o documento “O Futuro que queremos” completo e em português tem 55 páginas e está nos site: www.rets.org.br/sites/default/files/ofuturoquequeremos

10.6.1 Cúpula dos povos: venha reinventar o mundoO slogan acima foi o chamado à participação da sociedade civil Movimento paralelo, contrapondo-se ao que estaria sendo debatido na Rio+20, com os representantes dos países e dos chefes de Estado.

Já em 1992, para pressionar o que estaria sendo decidido para a Agenda 21, formou-se o Fórum Global, que em 45 tendas instaladas no Aterro do Flamengo debateram e geraram Tratados entre ONGs e movimentos sociais, independentes dos governantes, mas articuladas lutas e agendas socioambientais que questionaram o modelo de desenvolvimento em curso.

139

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aJá naquela época, vozes do Fórum Global denunciavam: “Recusamos energicamente que o conceito de Desenvolvimento Sustentável seja transformado em mera categoria econômica, restrita às novas tecnologias e subordinada a cada novo produto no mercado” (Declaração do Rio de Janeiro, Fórum Global, ECO 92).

Para as mesmas ONGs da época, o termo Desenvolvimento Sustentável foi tão amplamente utilizado para encobrir violações de direitos e injustiças ambientais que hoje não quer dizer mais nada.

Para Fátima Mello, do Núcleo de Justiça Ambiental e Direitos, FASE: “De novo nós, a Cúpula dos Povos, afirmamos que a economia verde é mais uma tentativa das corporações legitimarem a supressão de direitos e a apropriação privada da natureza para manterem suas taxas de lucro” (2012:10).

Esses movimentos mostram que há semelhanças entre o que ocorreu há vinte (20) anos atrás. Também consideram as dinâmicas que diferenciam a lógica do Fórum Global 92 e a Cúpula dos Povos de 2012.

Destacam-se que atualmente há solidez nas práticas que respeitam as pessoas e o ambiente, como a produção de alimentos saudáveis na agroecologia. Na Cúpula essas práticas, vivências e experiências foram apresentadas nas tendas e esse espaço chamou-se Territórios do Futuro, porque aconteceram em territórios de resistência.

Nas plenárias, debates, assembleias na Cúpula dos Povos, buscou-se a aproximação de visões comuns e uma forma de juntar forças para agirem no plano político.

A principal afirmação para que se possa Reinventar o mundo é que a humanidade precisa ser regida sob o signo dos bens comuns, dos direitos, da justiça social e ambiental.

10.6.2 Da ação do ambientalista Lutzemberger à criação do MMA No ano de 2012 homenageia-se a memória e o legado do ambientalista José Lutzemberger, que faleceu no dia 14/5/2002.

Tivemos no Brasil e em vários estados a atuação de grandes conservacionistas, preservacionistas, mas com uma visão da ação sobre o modelo capitalista o mais ousado foi Lutzemberger. Formado em agronomia, fluente em cinco (5) idiomas, possuía grande capacidade de comunicação, executivo da BASF, empresa de defensivos agrícolas, por mais de 10 anos. Ao conhecer os trabalhos de Rachel Carson sobre os efeitos dos produtos químicos no planeta, pede demissão e torna-se consultor, empresário e pesquisador de alternativas para a produção saudável de alimentos. Funda, com outros pesquisadores e estudiosos, uma ONG para divulgar e pressionar os governos, local, regional e posteriormente o nacional, para

140

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a a criação de reservas e/ou a proibição de produtos cancerígenos na alimentação humana ou de animais.

Recebeu inúmeros prêmios e ao ser convidado para assumir a Secretaria Especial do Meio Ambiente, em 1990, conseguiu trazer para o Brasil, para o Rio de Janeiro, a 1ª grande Conferência Mundial, chamada ECO 92 ou Rio 92. A partir dessa data, o governo federal começa a institucionalizar a questão ambiental, com a criação do Ministério do Meio Ambiente, diretorias e Fundações. A missão do Ministério é: promover a adoção de princípios e estratégias para o conhecimento, a proteção e a recuperação do meio ambiente, o uso sustentável dos recursos naturais, a valorização dos serviços ambientais e a inserção do desenvolvimento sustentável na formulação e na implementação de políticas públicas, de forma transversal e compartilhada, participativa e democrática, em todos os níveis e instâncias de governo e sociedade

No organograma do Ministério do Meio Ambiente podem-se ver as várias funções e as obrigações que pretende desempenhar junto à nação brasileira.

141

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a

142

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a A partir desta data, organiza-se nos estados e municípios as secretarias de meio ambiente, as fundações, como a Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) no RS, Fatma (Fundação do Meio Ambiente) em SC, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e outros.

Em cada estado e município existem as Comissões de Meio Ambiente, e nelas são representados os órgãos públicos e entidades, universidades e ONGs locais ou estaduais.

“Lutzemberger falava que gostaria de voltar de tanto em tanto tempo, pois tinha curiosidade para ver como estaria o planeta” (Lilian Dreyer, biógrafa do ecologista, C.P., 14/2/2012).

Caso isso fosse possível, Lutz veria que há muitos movimentos que convergem para o princípio do cuidado, da convivência e do compartilhamento de todos os seres vivos no planeta chamado GAIAac, pelos antigos.

10.7 As políticas e as leis ambientaisAs conferências mundiais, os movimentos ambientais, as organizações de consumidores, todos pressionam poderes executivo, legislativo, judiciário para apresentação e o desenvolvimento de políticas ambientais. O ministério do meio ambiente, cumprindo a Agenda 21, realizou conferências consultivas e participativas nos estados brasileiros.

A partir dessa foram apresentados planos, programas e ações que se expressam nas políticas e setores no organograma do Ministério do MMA.

Destacamos abaixo as principais políticas e as respectivas leis:

− Política Nacional do Meio Ambiente

LEI Nº 6.938, DE 31 DE AGOSTO DE 1981

− Política Nacional de Educação Ambiental

LEI No 9.795, DE 27 DE ABRIL DE 1999

− Política Nacional de Resíduos sólidos

LEI Nº 12.305, DE 2 DE AGOSTO DE 2010.

ac Divindade Grega – Gaia, Geia, Gea ou Gê era a deusa da Terra, a Mãe Terra, como elemento primordial e latente de uma potencialidade geradora quase absurda. Segundo Hesíodo, no princípio surge o Caos, e do Caos nascem Gaia, Tártaro, Eros (o amor), Érebo e Nix (a noite). (Wikipédia, a enciclopédia livre)

143

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a− Política Nacional de Mudanças climáticas

LEI Nº 12.187, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2009

− Código Florestal - Lei 12651 de 2012.

No momento em que todos os países, todos os setores da economia, da cultura, dos governos falam em sustentabilidade, responsabilidade socioambiental, consumo consciente, mercado ético, conservação ambiental, impactos ambientais, bens comuns e tantos outros conceitos associados a estes e a outros que exigem cumprimentos de políticas, de leis, e de regulamentações nacionais e globais a demanda por profissionais que compreendam a contemporaneidade. Vemos que nos negócios, os clientes, os consumidores, as instituições financeiras exigem práticas de corresponsabilidade no desenvolvimento social e na preservação do meio ambiente.

Para a Revista Época Negócios (2009:126) diz: “diante de uma agenda de negócios que foi invadida por temas antes periféricos, como meio ambiente e relações com a sociedade, o desafio agora é encontrar pessoas para a área da sustentabilidade”. O mesmo artigo continua dizendo: “o profissional tem de ter uma visão de toda a cadeia produtiva, ter a competência de compreender o negócio de forma holística, mostrar resultados concretos, e saber se relacionar com os novos atores da cena dos negócios. Dar atenção às ONGs, às comunidades afetadas pela localização e pelo negócio e a atuação da mídia”.

Para a cientista política Carla Duprat, diretora de sustentabilidade do grupo Camargo Correia, “é preciso uma capacidade enorme de organização e comunicação, além de buscar soluções dentro e fora da empresa e valorizar o conhecimento existente” (2009:126). A tarefa dessa executiva e de sua equipe, a qual são chamados de “guardiões da sustentabilidade”, é disseminar o conceito e colocar mudanças em prática nas doze empresas do grupo, cujos negócios vão da engenharia e construção civil à fabricação das sandálias havaianas.

Assim, as possibilidades e as potencialidades de trabalho na área da sustentabilidade, de avaliação ambiental são enormes. No entanto, a sociedade é uma rede e um intercruzamento de interesses, de visões, de crenças, de poderes que se manifestam em contradições, tensões, conflitos, que não se resolvem com soluções tecnicistas, legalistas e que desconhecem as desigualdades sociais, as injustiças ambientais e autoritarismos herdados de um passado colonial, tirânico, patrimonialista e paternalista.

Assim, com a constituição de 1988, incluíram as questões de participação pública, institucional e política. As audiências públicas vieram para serem considerados os efeitos sociais, culturais, econômicos, ambientais e institucionais, vivenciados pelos grupos atingidos, de qualquer atividade pública ou privada que altere de maneira indesejada a forma como as pessoas moram, trabalham, se relacionam

144

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

a umas com as outras, elaboram sua expressão coletiva e seus modos próprios de subjetivação.

Para Henri Acselrad “a dimensão ambiental não pode ser avaliada de modo separado da dimensão social e cultural”.

ReferênciasACSELRAD, Henri. Confl itos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará. Fundação Heinrich Böll, 2004.

BECK, Ulrich. O que é globalização? – Equívocos do globalismo, respostas à globalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

______. Liberdade ou Capitalismo – Ulrich Beck conversa com Johannes Wilms. São Paulo: Unesp, 2003.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar – ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999.

CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1962.

FREITAS, Juarez. Sustentabilidade – direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

GIDDENS, Anthony; PIERSON, Christopher. Conversas com Anthony Giddens – o sentido da modernidade. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

GONZÁLES, Amélia. Entrevista ao jornal O Globo, 21/6/2012, p. 86.

GRZYBOWSWKI, Cândido. Desafi os éticos no caminho da biocivilização. Revista Proposta 2012 – Revista trimestral de debate da Fase. Instituto Betinho – Ibase. Ano 36, n.125, p.46.

IOSCHPE, Evelyn Berg (org.). 3º setor – desenvolvimento social sustentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

KILL, Jutt a. In: GLASS, Verena. O lado B da economia verde. Revista Desafi os do Desenvolvimento. Ano 9, n.72, 2012.

LEFF, Enrique. Saber ambiental. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

LEITE, Carlos. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes – desenvolvimento sustentável num planeta urbano. Porto Alegre: Bookman, 2012.

LENZI, Cristiano Luis. Sociologia ambiental – risco e sustentabilidade na modernidade. Edição 2005. Bauru/SP: Edusc – Anpocs, 2006.

LEROY, Jean-Pierre. Agriculturas. V.8, n.4, dezembro de 2011.

LEROY, Jean-Pierre; BERTUCCI, Ademar de Andrade; ACSELRAD, Henri; PÁDUA, José Augusto; SCHLESINGER, Sérgio; PACHECO, Tânia. Tudo ao mesmo tempo agora – desenvolvimento, sustentabilidade, democracia: p que isso tem a ver com você? Petrópolis/RJ: Vozes, 2003.

LOUREIRO, Carlos Frederico B.; LEROY, Jean-Pierre (orgs.). Pensamento complexo, dialética e educação ambiental. São Paulo: Cortez, 2006.

PETRELLA, Riccardo. O Manifesto da água – argumentos para um contrato mundial. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.

145

ULBR

A – E

duca

ção a

Dist

ânci

aRELATÓRIO SÍNTESE. Projeto Avaliação de Equidade Ambiental como instrumento de democratização dos procedimentos de avaliação de impacto de projetos de desenvolvimento. Fase – Solidariedade e Educação e Ett ern – Laboratório Estado, Trabalho e Natureza do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), Rio de Janeiro, 2011.

RIBEIRO, Mário Ramos. Em economia não existe almoço grátis. Disponível em: htt p://www.ecoagencia.com.br. Texto publicado em 7/2/2012. Acesso em: 1/11/2012.

SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Produzir para viver – os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

VOLTOLINI, Ricardo. Conversas com líderes sustentáveis. São Paulo: Ed. SENAC, 2001.

WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política – Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O Federalista”. 1º Volume. São Paulo: Ática, 1995.