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    TOMO. N. 25 JUL/DEZ.

    Dilemas do pensamentodesenvolvimentista no Brasil

    contemporneo1

    Aristeu Portela Jnior2

    Este trabalho analisa os pressupostos contraditrios que em-bassam o debate sobre o novo-desenvolvimentismo, a partir deum dilogo dos seus principais representantes intelectuais como pensamento nacional-desenvolvimentista. Observamos comoo desenvolvimentismo contemporneo reformula, em novaschaves interpretativas, questes que izeram parte do lxico de-senvolvimentista desde meados do sculo XX: a problemtica dademocracia, a relao entre classes sociais, a interao do Esta-do com o mercado, o combate s desigualdades sociais. Termi-namos por apontar como o novo-desenvolvimentismo reedita aquesto da coalizo entre classes sociais, escamoteando a im-portncia do conlito poltico, e como as concesses s camadassociais favorecidas acabam por diicultar a realizao plena de

    sua proposta atenta aos interesses das camadas baixas.Palavras-chave: Capitalismo, Classes sociais, Democracia,

    Desenvolvimentismo.

    1 Uma primeira verso desse trabalho foi apresentada no V Seminrio Nacional Socio-logia e Poltica (maio 2014), na Universidade Federal do Paran, e publicada nos anaiseletrnicos do evento, sob o ttulo (Des)continuidades do pensamento desenvolvimen-tista no Brasil contemporneo.

    2 Professor do Departamento de Educao da Universidade Federal Rural de Pernambu-co (UFRPE), Doutorando e Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Pernam-

    buco (UFPE). E-mail: [email protected]

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    DILEMAS DO PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA NO BRASIL CONTEMPORNEO

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    Dilemmas of development thinking incontemporary Brazil

    Abstract: This paper analyzes the contradictory assumptionsthat pervade the debate on the new developmentalism. We drawa parallel between its leading intellectuals and the national--developmentalist thinking. We observe how contemporary de-velopmentalism reshapes, in new interpretive keys, issues thatwere part of the developmental lexicon since the mid-twentiethcentury: the problem of democracy, the relationship betweensocial classes, the interaction of the state with the market, theight against social inequalities. We end by pointing out how thenew developmentalism reissues the question of coalition betwe-en social classes, concealing the importance of political conlict,and how the concessions of the new developmentalism to the ad-vantaged social groups eventually hamper the full realization ofits proposals concerning the interests of the lower social strata.Keywords: Capitalism, Social classes, Democracy, Developmen-talism.

    Introduo

    O incio do sculo XXI marcou um ponto de virada peculiar nahistria da Amrica Latina. Depois do predomnio das polticas

    neoliberais na regio nas dcadas de 1980 e 1990, a eleio delderes nacionalistas e/ou de centro-esquerda (como Hugo Ch-vez, Lula, Nstor Kirchner, Evo Morales, entre outros) deu incio busca de perspectivas polticas relativamente independentescom relao s orientaes dos pases capitalistas centrais edos organismos internacionais. No Brasil, em particular, um dosprincipais focos de mudanas signiicativas nesse cenrio temsido apreendido como uma reformulao na estratgia nacio-

    nal de desenvolvimento isto , uma reformulao dos valores,

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    ideias, leis e polticas orientadas para o desenvolvimento econ-

    mico(BRESSER-PEREIRA, 2012, p. 29).

    Fala-se hoje em um novo-desenvolvimentismo (cf. SICS et al,2005; PINHO, 2011; CEPDA, 2012, entre outros) que, ao mes-mo tempo em que se contraporia s orientaes neoliberais,retomaria alguns aspectos das polticas nacional-desenvolvi-mentistas. Estas ltimas consistiram na estratgia de desenvol-vimento que conformou o projeto de modernizao de grandeparte da periferia capitalista, em especial a latino-americana, noperodo compreendido entre as dcadas de 1950 e 1970 (CE-PDA, 2012, p. 81).

    Segundo esta linha de raciocnio, o governo de Luis Incio Lulada Silva (2002-2010) seria o grande expoente do novo-desen-volvimentismo no Brasil. Ele teria constitudo um terceiro dis-curso ou caminho do meio entre o populismo esquerdista ea ortodoxia neoliberal (cf. PINHO, 2001, p. 19), tentando com-binar crescimento econmico com polticas de distribuio de

    renda e elevao do bem-estar (CEPDA, 2012, p. 85). A orto-doxia neoliberal, por sua vez, representada no cenrio brasilei-ro principalmente pelo governo de Fernando Henrique Cardoso(1995-2002), teria sido marcada pela adequao das polticaseconmicas e sociais aos ditames do Consenso de Washington(BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 39), e pela subordinao da bus-ca da equidade social conquista da estabilidade econmica(SALLUM JR., 2001, p. 343).

    As perspectivas que ensejam essa interpretao das estratgiasbrasileiras de desenvolvimento constituem hoje um objeto pri-vilegiado de estudo nas nossas cincias sociais. Em dilogo comtal fortuna crtica, em crescente expanso, o objetivo deste tra-balho analisar algumas das fontes intelectuais do pensamentonovo-desenvolvimentista, observando pontos de aproximao edistanciamento com o nacional-desenvolvimentismo. Mais espe-

    ciicamente, a proposta investigar como o desenvolvimentis-

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    mo contemporneo reformula, em novas chaves interpretativas,questes que izeram parte do lxico desenvolvimentista desde

    meados do sculo XX: a problemtica da democracia, a relaoentre classes sociais, a interao do Estado com o mercado, ocombate s desigualdades sociais.

    Comumente, o debate sobre o novo-desenvolvimentismo osci-la entre a elaborao de propostas para um novo modelo dedesenvolvimento, e a anlise das estratgias postas em prti-ca pelo governo Lula. Ainda assim, seus representantes apre-sentam uma certa unidade tanto na crtica s polticas e aopensamento neoliberais quanto na vinculao relativa com onacional-desenvolvimentismo relativa porque, ainda quese aponte sempre a necessidade de retomar a construo deestratgias nacionais de desenvolvimento e o papel interven-tor do Estado, enfatiza-se a necessidade de adequao a umcontexto fundamentalmente diferente daquele das dcadas de1950-1970. , portanto, imprescindvel que observemos comoesse pensamento se aproxima e se distancia da relexo desen-

    volvimentista que pautou o processo de modernizao brasilei-ro nas dcadas referidas.

    A nossa anlise vai recair nos principais representantes do queMattei (2011) e Castelo (2012) identiicam como diferentes ma-trizes (em termos institucionais e de vinculao terica) do pen-samento novo-desenvolvimentista.

    De um lado, os economistas Luiz Carlos Bresser-Pereira au-tor dos primeiros escritos sobre o novo-desenvolvimentismobrasileiro e Joo Sics. Ambos concentram-se sobretudo emquestes de poltica econmica, analisando o que consideramos equvocos cometidos nessa rea pelo governo de Cardoso,defendendo o novo-desenvolvimentismo como um projeto po-ltico de superao do neoliberalismo, apontando sugestes depoltica macroeconmica e discutindo a relao entre Estado e

    mercado.

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    Mas essa crtica no implica que as polticas e conquistas do pe-rodo neoliberal sejam simplesmente esquecidas pelos autores.

    Eles frisam a necessidade de se manter a conquista da estabili-dade macroeconmica, ao mesmo tempo em que se reedita, sobnovas formas, um poder ampliado do Estado de modo a poderretomar o crescimento econmico do pas. Anuncia-se, j aquiportanto, o dilogo que ser estabelecido com o nacional-desen-volvimentismo, como veremos.

    De outro lado, intelectuais historicamente vinculados ao Partidodos Trabalhadores (PT), como Aloizio Mercadante e Marcio Po-chmann. Ambos esto mais interessados em analisar as mudan-as introduzidas pelo governo Lula na conduo do processo dedesenvolvimento brasileiro. A denominao adotada por Poch-mann (2010) ser a de social-desenvolvimentismo, para desig-nar um novo padro de acumulao que teria surgido a partir de2007-2008, quando o pas teria rompido com o neoliberalismoa partir de uma inlexo nas polticas econmicas, sociais e ex-ternas. O social do termo destina-se a enfatizar o modo como o

    combate pobreza e desigualdade , agora, estratgico e prio-ritrio.

    Tambm Mercadante (2010, p. 2) airma que a grande novida-de do novo-desenvolvimentismo consiste na elevao do social condio de eixo estruturante do crescimento econmico. Trata--se, a seu ver, de uma construo histrica coletiva que est sendo

    paulatinamente moldada por novas foras polticas, inditos ce-

    nrios internos e externos e demandas sociais seculares(MERCA-DANTE, 2010, p. 11).

    Tomando por base esse conjunto de autores, buscaremos efe-tuar a referida anlise comparativa com o nacional-desenvolvi-mentismo. Mas necessrio frisar, antes, que no se trata aquide um estudo da obra como um todo dos autores, e sim de umainvestigao de aspectos especicos de seus pensamentos rele-

    vantes para o tpico em questo. a partir dessa seleo que

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    1997, p. 45). Isto , a instituio buscava construir uma ideolo-gia que guiasse o desenvolvimento de modo que ele no fosse

    apenas um crescimento quantitativo e sim que beneiciasse qua-litativamente toda a nao, ao integrar nacionalmente o territ-rio e superar as disparidades internas.

    Para os isebianos, a ideologia do desenvolvimento deveria apre-sentar um contedo nacionalista. E ainda que esse nacionalismoimplicasse o reconhecimento do imperialismo econmico (BRES-SER-PEREIRA, 2012, p. 31) e a viso do desenvolvimento enquan-to superao radical da dependncia entre os regimes perifricose as economias dominantes do mundo contemporneo (TOLEDO,1997, p. 175), sua caracterstica mais importante, para os nossospropsitos, est na concepo da ideologia do desenvolvimentocomo representante dos interesses das diversas classes sociais, eno de uma classe determinada (TOLEDO, 1997, p. 152-153).

    A ideologia nacional-desenvolvimentista seria a ideologia detoda a nao(TOLEDO, 1997, p. 184). Para os isebianos ( ex-

    ceo de N. W. Sodr), a ideologia do desenvolvimento no seriajustiicadora dos interesses das classes dominantes, na medidaem que deveria desempenhar um papel ativo na transformaode toda a sociedade, uniicando os interesses gerais da nao.

    Nessa perspectiva, a ideologia nacionalista, longe de se consti-tuir no projeto de uma classe determinada (a burguesia indus-trial), se apresenta como denominador comum mnimo, para a

    luta em defesa do que nacional em ns, nas palavras de HlioJaguaribe. No entanto, ainda segundo Toledo (1997, p. 152-153),os prprios isebianos reconhecem burguesia industrial o co-mando poltico e ideolgico do processo de desenvolvimento.Para Vieira Pinto, por exemplo, as classes trabalhadoras

    participaro conscientemente do plano do desenvolvimen-

    to, e ento, conhecendo o signiicado, o valor, as diiculdades

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    do seu trabalho, no se perdero em atitudes ingnuas demurmrio, reclamao e antagonismo ao governo, mas sereconhecero como executando sob o comando dos seus

    autnticos lderes o plano geral concebido no seu exclusivobenecio(TOLEDO, 1997, p. 157; grifos no original).

    Note-se aqui como cabe s classes trabalhadoras um papel emi-nentemente passivo na construo da estratgia de desenvolvi-mento. Apesar de o desenvolvimentismo ser a ideologia de todaa nao, so os representantes da burguesia industrial os au-tnticos lderes, que elaboram os planos e comandam as demaisclasses. A estas resta no antagonizar o governo, evitando assimcair em atitudes ingnuas de murmrio.

    Sintomtico o sujeito de destaque nesta frase de Hlio Jagua-ribe (2005, p. 39), em que ele diz que o projeto nacional-desen-volvimentista atribua burguesia nacional, em articulao coma classe operria e a classe mdia moderna, papel decisivo na

    mobilizao de um esforo de desenvolvimento industrial encami-

    nhado para um projeto nacional. E continua airmando que essateseparecia a maneira pela qual se poderia conduzir a burguesiabrasileira a um compromisso com a ideia de desenvolvimento que

    fosse profundamente vinculada a um projeto nacional, mas que ti-vesse ao mesmo tempo uma preocupao de mobilizao das mas-

    sas e de elevao de suas condies de vida (JAGUARIBE, 2005,p. 39). Em outras palavras, as classes populares, ainda que re-ferendadas pelo nacional-desenvolvimentismo, esto reboque

    das aes da burguesia industrial, que consiste no verdadeirosujeito histrico desse movimento.

    Esta tentativa de construo de uma ideologia que abarque todaa sociedade, que obscurea suas origens e vinculaes de classe,est presente tambm no novo-desenvolvimentismo. Pochmann,por exemplo, faz da construo de uma nova maioria poltica tra-vessia pela coalizo intercalasses sociais uma necessidade crucial

    para a realizao do social-desenvolvimentismo, isto , de um

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    modelo que reconhece o papel do Estado como importante parasolucionar problemas sociais, e que se ia na busca da soberania

    nacional e no compromisso com o avano do sistema produtivo.

    Nos dias de hoje, uma nova agenda civilizatria permite serdefendida a partir da construo de uma maioria polticatravestida pela coalizo interclasses sociais, capaz de com-preender no plano nacional a reunio desde as famliasde maior renda plenamente includas no atual padro deproduo e consumo at os segmentos extremamente mi-serveis da populao, geralmente pouco includos pelas

    polticas sociais tradicionais. A emergncia desse novo tipode aliana poltica poderia fortalecer o conjunto dos estra-tos sociais de baixa renda e de nvel mdio de organizao,geralmente, integrados por alguma forma de organizao eque expressem resistncia conduo neoliberal do projetode sociedade dos ricos e poderosos (POCHMANN, 2010, p.121-122).

    Segundo o autor, essa coalizo interclasses poderia buscar a

    conformao de uma nova agenda civilizatria consonante comas exigncias da sociedade ps-industrial, segundo seus ter-mos. Esse novo tipo de aliana poltica estaria apto a colocarmaior nfase na disputa em torno da reorientao do fundo p-blico comprometido com a improdutividade do circuito da inan-

    ceirizao da riqueza(POCHMANN, 2010, p. 122), bem como adefender a sustentao das atividades produtivas com redistri-buio da renda e riqueza, e a democratizao das estruturas de

    poder, produo e consumo.

    notrio que tambm Mercadante, ainda que com menos nfa-se, repete quase que literalmente o jargo nacional-desenvolvi-mentista dos interesses de toda a nao:

    o Novo Desenvolvimentismo brasileiro tem contribudo de

    modo importante para o aperfeioamento da democracia

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    brasileira. Com efeito, a eliminao progressiva da pobreza,principalmente da pobreza extrema, a reduo dasdesigualdades e a incorporao de milhes de cidados ao

    mercado de trabalho e ao mercado de consumo signiicam,tambm, construo de cidadania, maior representatividadedo sistema poltico e fortalecimento do Estado, no apenasem sua funo de assegurar direitos e prover servios, mastambm em seu papel primordial de constituir, a partirdos interesses de toda a sociedade, um projeto de pas queconduz o processo de desenvolvimento em todas as suasformas. Em outras palavras, o esforo de desprivatizaoe o consequente fortalecimento do Estado, bem como oaperfeioamento do sistema democrtico, caminham pari

    passu com a ascenso econmica, social e poltica dos novoscidados (MERCADANTE, 2010, p. 29-30; ).

    Parece-nos evidente que certos ecos (no necessariamenteconscientes) da ideia de consenso nacional em torno do desen-volvimento esto presentes nestes discursos. No sentido bas-tante especico em que o desenvolvimento se coloca aqui comoum objetivo acima das classes, na medida em que interessaria

    igualmente a todas elas.

    No que os autores citados propagandeiem, sob esse discur-so, alguma espcie de ideologia da classe dominante. Muitopelo contrrio. Mercadante, como visto na citao acima, enfa-tiza que a constituio do novo-desenvolvimentismo no Brasilocorre dentro dos limites do Estado democrtico de direito esuas instituies, e num contexto que garanta maior represen-

    tatividade do sistema poltico. Tambm Pochamnn bastantedireto ao airmar a necessidade de reorganizao da democra-cia poltica, de modo que se revitalizem asformas de participa-o popular no sistema do poder poltico vigente(POCHMANN,2010, p. 124).

    No entanto, dicil observar em que medida se trata aqui deuma verdadeira participao popular ou de uma insero subor-

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    dinada no sistema poltico3. Pois de se notar que, em primeirolugar, essa coalizo de classes possui, na viso de Pochmann,

    um ponto-base que no pode ser questionado: qual seja, a pr-pria ideia de desenvolvimento. Segundo ele, a poltica precisaser revitalizada por meio de uma nova maioria que consagre o

    desenvolvimento em novas bases e reairme a democracia (PO-CHMANN, 2010, p. 124). Parece haver aqui, contraditoriamente,no s um fechamento da possibilidade do debate poltico, comoa prpria condicionalidade da participao popular (a qual s aceita na medida em que o desenvolvimentismo aceito pelasclasses populares).

    O pressuposto que norteia o argumento o de que o desenvolvi-mento desejvel, capaz de angariar o apoio de todas as classes.No entanto, no se questiona se as classes sociais em disputa (ouos segmentos sociais em pugna) partilham a mesma compreen-so do que seja esse desenvolvimento, ou mesmo dos caminhospara alcan-lo. Em outras palavras, o tipo de desenvolvimentoa ser perseguido no entra no rol dos pontos questionveis, pas-

    sveis de crtica.

    Isso nos leva ao segundo ponto. A coalizo interlcasses sociaispermitiria s classes populares levantar questionamentos acer-ca de um modelo de desenvolvimento voltado para o enrique-cimento da classe capitalista? Ou este faz parte das condiesirrevogveis do modelo? signiicativa a sugesto de Pochmannde que clssicas instituies de representao de interesses

    sindicatos, associao de bairros e partidos polticos podemno estar adequados para enfrentar os desaios impostos pelasociedade ps-industrial (POCHMANN, 2010, p. 124). O ques-tionamento bvio a ser levantado aqui se, sem as instituiesque tradicionalmente representam seus interesses, as camadas

    3 Oliveira (2010, p. 25) e Vianna (2011, p. 27) falam mesmo de um sequestro ou des-mobilizao dos movimentos sociais por parte do governo Lula, ao integr-los gesto

    burocrtica do Estado.

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    populares teriam um verdadeiro vis classista de participaono projeto de desenvolvimento.

    No fundo, por outras vias, talvez cheguemos a um dilema simi-lar quele apresentado pelo nacional-desenvolvimentismo. Aocolocar a necessidade de um consenso entre as classes sociaisem torno de um projeto de desenvolvimento, o novo-desenvolvi-mentismo se no elimina, ao menos destitui de fora as crticas aesse prprio projeto. Pois no assume os pressupostos de classeque podem estar orientando sua prpria conformao.

    O que Toledo airma dos intelectuais do ISEB parece se aplicar,mutatis mutandis, ao novo-desenvolvimentismo:

    No horizonte terico de tais autores, nunca aparecia a pos-sibilidade de se reconhecer nas ideologias nacional-desen-volvimentistas as ideologias de fraes das camadas domi-nantes. Em outras palavras, nunca se admitiu a hiptese (...)de que classes sociais distintas pudessem conceber modelos

    antagnicos de desenvolvimento econmico e social; e, comtanto mais razo, constiturem prticas antagnicas para a re-alizao de seus objetivos de classe (TOLEDO, 1997, p. 187).

    Escamoteia-se, dessa forma, a existncia de contradies funda-mentais entre os interesses das diversas classes. Como resulta-do, o que se obtm o esmaecimento do prprio conlito polticoe social, na medida em que no se pode identiicar interesses

    dominantes e dominados quando se concebe o projeto de desen-volvimento como projeto de nao.

    Assim como no nacional-desenvolvimentismo, no novo-desen-volvimentismo as classes populares parecem ser convocadasno para participar da elaborao e discusso de um projetode desenvolvimento, mas para referendar um projeto j estru-turado, para dar a legitimidade de seu apoio a uma estratgia

    de desenvolvimento elaborada em outras instncias, a partir de

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    nacional-desenvolvimentista, no s o poder do Estado hiper-troia-se, sujeitando coercitivamente os interesses da sociedade

    civil (IANNI, 2004, p. 263-264), como a estratgia de desenvol-vimento adotada, calcada na forte presena do investimento di-reto estrangeiro e na crescente dvida externa, esconde, sob odiscurso ufanista, o carter altamente subordinado desse tipode desenvolvimento e suas trgicas consequncias sociais. Poisesse modelo desenvolvimentista estimula uma urbanizao ace-lerada e reproduz, permanentemente, uma massa de desemprega-

    dos e subempregados que vegetam nos bolses de marginalidade

    urbana e misria rural, ampliando as bases de um sistema social

    excludente(FIORI, 2003, p. 156-157).

    No de surpreender ento que o novo-desenvolvimentismo,ao apresentar sua concepo de Estado, tenha de enfrentar doisfantasmas. O primeiro o do Estado autoritrio com controlesquase irrestritos sobre o mercado e a sociedade civil. O segundo a concepo neoliberal que limita drasticamente sua capaci-dade de interveno econmica. Como consequncia, os argu-

    mentos da proposta novo-desenvolvimentista oscilam frequen-temente entre a necessidade de justiicar um Estado forte, comalgum grau intervencionista, e a cautela em afastar essa justii-cao de qualquer pendor totalitrio ou mesmo anti-mercado.

    Exemplar, nesse sentido, o que airmam Joo Sics e seus co-laboradores:

    A alternativa novo-desenvolvimentista aos males do capi-talismo a constituio de um Estado capaz de regular aeconomia que deve ser constituda por um mercado fortee um sistema inanceiro funcional , isto , que seja voltadopara o inanciamento e no para a atividade especulativa.Portanto, na viso novo-desenvolvimentista, a concorrn-cia necessria porque estimula a inovao por parte dosempresrios que tentam maximizar o lucro, o que torna ocapitalismo dinmico e revolucionrio, e estabelece remu-

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    neraes e riquezas diferenciadas aos indivduos de acordocom suas habilidades. Mas devem existir regras regulado-ras para que no se tenha como resultado da concorrncia

    o bvio: perdem os grandes porque, numa briga, sempre seincorre em custos, e desaparecem os menores simplesmen-te porque so menores (...) Um Estado forte pode regulara concorrncia; o resultado deve ser a constituio de ummercado forte onde predomina a busca pela reduo decustos e de preos, pela melhora da qualidade dos servi-os e produtos e onde, consequentemente, h um reduzi-do desemprego, j que os menores e/ou menos eicientestambm poderiam trabalhar, produzir, enim, fazer partedo mercado. O resultado da concorrncia desregulada a

    eliminao dos pequenos e mdios (o que injusto, causadesemprego e falncias empresariais), o aumento de preose a reduo da qualidade dos produtos e servios graas conquista de uma situao pura de oligoplio ou, mesmo,monoplio (SICS; PAULA; MICHEL, 2005, p. XL-XLI).

    So visveis as inluncias de uma concepo keynesiana em queo Estado deve atuar para superar as imperfeies do mercado.Deixado a seu livre curso, o mercado nada mais faria que criar

    e agravar desigualdade sociais. Paralelamente, um Estado compoderes absolutos impediria a inovao empresarial, no per-mitiria que o capitalismo se mostrasse enquanto sistema din-mico e revolucionrio. H aqui portanto uma aceitao plenado capitalismo enquanto objetivoa ser perseguido pelo desen-volvimentismo. No se trata de antagonizar o modo capitalistade produo, mas sim de aperfeioa-lo segundo uma concepoliberal humanitria perspectiva que se aproxima de algumas

    formulaes isebianas (TOLEDO, 1997, p. 156).

    Nessa via de raciocnio, os autores chegam frmula do Esta-do forte e mercado forte para caracterizar a proposta do novo--desenvolvimentismo. Eles airmam que um mercado forte isto , um mercado com elevada capacidade de ofertar e abrigarprodutores grandes, mdios e pequenos no pode existir semum Estado forte, que possa garantir condies para uma con-

    corrncia sadia, reduo do desemprego e eliminao das de-

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    sigualdades exageradas de renda e riqueza (e o uso do adjetivoexageradas trai a velha concepo liberal segundo a qual algu-

    mas desigualdades entre os indivduos so inevitveis e mesmobenicas). Sem esse tipo de Estado, monoplios tendem a se es-tabelecer, trazendo para os empresrios a sensao de lucro fcile de descaso com a necessidade de reduo de preos e melhorada qualidade de sua produo. Nas palavras dos autores:

    Na nossa concepo, o projeto novo-desenvolvimentistano objetiva pavimentar a estrada que poderia levar o Bra-

    sil a uma economia centralizada, com um Estado forte e ummercado fraco. Tambm no objetiva construir o caminhopara a direo oposta, em que unicamente o mercado co-manda a economia, com um Estado fraco. Um projeto novo--desenvolvimentista rejeitaria essas duas possibilidades ex-tremas. Contudo, entre esses dois extremos existem aindamuitas opes. Avaliamos que a melhor delas aquela emque seriam constitudos um Estado forte que estimula o lo-rescimento de um mercado forte (SICS; PAULA; MICHEL,2005, p. XXXV).

    De modo similar, Bresser-Pereira reconhece que o novo-desen-volvimentismo, assim como o nacional-desenvolvimentismo,atribui ao Estado um papel central em termos de garantir a ope-rao adequada do mercado e prover as condies gerais paraa acumulao de capital, como as infraestruturas de educao,sade, transporte, comunicaes e energia. Mas adverte:

    No entanto, no desenvolvimentismo da dcada de 1950, oEstado tambm desempenhava um papel crucial na pro-moo da poupana forada, contribuindo assim para osprocessos de acumulao primitiva dos pases; alm disso,o Estado fazia investimentos diretos em infraestrutura eindstria pesada, nas quais os valores necessrios exce-diam a poupana do setor privado. Isso mudou a partirdos anos 1980. Com o novo desenvolvimentismo, o Esta-do ainda pode e deve promover a poupana forada e in-vestir em certos setores estratgicos, mas o setor privado

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    nacional agora tem recursos e capacidade gerencial parafornecer uma parcela signiicativa do investimento neces-srio. O novo desenvolvimentismo rejeita a tese neoliberal

    de que o Estado no tem mais recursos, porque ter ouno ter recursos depende da forma pela qual as inanasdo Estado so administradas. Mas o novo desenvolvimen-tismo compreende que, em todos os setores em que existauma razovel competio, o Estado no deve ser um in-vestidor; ao contrrio, deve se concentrar em defender egarantir a concorrncia. Mesmo depois de excludos essesinvestimentos, sobram ainda muitos outros para o Estadoinanciar com poupana pblica e no com endividamento(BRESSER-PEREIRA, 2012, p. 48).

    Reitera-se aqui como o novo-desenvolvimentismo expres-sa uma plena aceitao da economia de mercado. V seria atentativa de procurar nele qualquer pendor revolucionrio,ou mesmo uma crtica severa ao modo de produo capita-lista. Trata-se, sim, de um reconhecimento dos males sociaisdesse sistema e de uma tentativa de combat-los atravs do

    crescimento econmico e de polticas sociais voltadas para ascamadas mais desprotegidas da populao. Nessa perspectiva,esses dois polos no podem ser tratados separadamente, poiso crescimento agora calcado na constituio de um mercadode consumo interno de massa. A incluso , sim, programatica-mente procurada, mas no implica o questionamento do siste-ma em que se busca incluir as classes baixas.

    O combate s desigualdades sociais, tendo por requisito o de-senvolvimento econmico, assim uma caracterstica central donovo-desenvolvimentismo. Distancia-se ele, nesse aspecto, donacional-desenvolvimentismo, o qual elege como nuclear o pro-blema dos obstculos realizao de um sistema econmico in-dustrial complexo e maduro. Como airma Cepda (2012, p. 84),apenas em segundo plano, e quando muito no horizonte de suaproposio e como efeito de sua ao, aparecem os aspectos de

    distribuio de renda e elevao de bem-estar. O mote crescerprimeiro para distribuir depoisno acidental, conforme diz a

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    autora, mas uma metfora exemplar do compromisso e custossociais necessrios no projeto de desenvolvimento.

    O novo-desenvolvimentismo combina polticas de cresci-mento com polticas de distribuio (...), mas talvez seja in-teressante percebermos que a posio do segundo objetivomudou de lugar na constelao desenvolvimentista, tornan-do-se epicentro do projeto e acompanhada de polticas deestmulo produtivo, no formato de um plus de estratgiassetoriais desenvolvimentistas (CEPDA, 2012, p. 85).

    Mercadante (2010, p. 20-21) traa uma linha comparativa nessemesmo sentido:

    no perodo do antigo nacional-desenvolvimentismo, no sepode falar de um processo de acumulao que combinassecrescimento com distribuio sistemtica e continuada darenda e reduo signiicativa da pobreza, com incluso so-cial. Por certo, o nacional desenvolvimentismo incorporou,em alguns perodos, massas urbanas ao processo produtivo

    e ao sistema poltico. A criao do salrio mnimo, a sindi-calizao dos trabalhadores urbanos e o crescimento eco-nmico trouxeram melhorias s condies de vida de certasparcelas da populao urbana. Contudo, esses movimentosno eram resultado de uma poltica social consistente e noatingiam, nem de longe, a maioria da populao brasileira,que continuou a ser excluda, em maior ou menor grau, dosbenecios da modernizao e da industrializao. Assim,mesmo nesse perodo, o padro de acumulao era essen-cialmente concentrador e excludente. A distribuio de

    renda no lhe era necessria e intrnseca. No estruturava ocrescimento e no tinha centralidade em sua conformao.No perodo subsequente da modernizao conservadorapromovida pelo regime militar, esse padro, como se sabe,se exacerbou.

    No entanto, apesar da combinao entre crescimento e dis-tribuio ser um timo mote em termos propositivos, devemos

    nos questionar se os prprios pressupostos dessa estratgia de

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    desenvolvimento no diicultam a realizao dos seus objetivosexplcitos, de combate desigualdade social. Um caminho pro-

    cuo para essa relexo observarmos algumas caractersticasdo governo Lula, considerado, como j dito, o expoente do novo--desenvolvimentismo no Brasil.

    Segundo Singer (2012), o governo Lula possui, em seu projetopoltico, um carter eminentemente contraditrio. Pois ele bus-ca reduzir a pobreza sem contestar a ordem (SINGER, 2012, p.174). Isto , ao mesmo tempo em que promove polticas voltadaspara o combate pobreza e desigualdade social transfernciade renda para os mais pobres, ampliao do crdito, valorizaodo salrio mnimo, aumento do emprego formal ele busca ascondies para esse combate nas concesses ao capital, a partirda manuteno e ampliao de medidas conformadas no per-odo neoliberal. A manuteno da trade juros altos, supervits

    primrios e cmbio lutuante faria o papel de acalmar o capital

    (SINGER, 2012, p. 189).

    So justamente essas ltimas medidas que dotam o projeto decombate pobreza desencadeado pelo governo Lula de um ca-rter de reformismo fraco. No se trata de um reformismoforte como aquele que era a perspectiva original do PT at2001 que defendia a garantia do trabalho agrcola por meio dadistribuio de terras, a tributao do patrimnio das grandesempresas e fortunas, a diminuio da jornada de trabalho semcorte de salrios, entre outros itens.

    Mas, ainda que fraco, se trata de um reformismo, na medi-da em que colocou em prtica algumas propostas do reformis-mo forte de combate pobreza, porm em verso homeoptica,diludas em alta dose de excipiente, para no causar confronto(SINGER, 2012, p. 189). Ou seja, ainda que a estratgia de de-senvolvimento proposta pelo governo Lula evitasse enfrentar ocapital, ela buscou a reativao do mercado interno atravs do

    consumo de massa dos mais pobres (antiga reivindicao dos

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    desenvolvimentistas mais progressistas, como Celso Furtado),conseguindo no s garantir o crescimento econmico do pas,

    mas tambm o aumento de renda real das camadas baixas.A despeito de todas essas signiicativas conquistas, segundo Sin-ger (2012, p. 185), o nvel de desigualdade social vem decaindonum ritmo bem mais lento que o nvel de pobreza, e isso justa-mente devido ao fato de o governo Lula, para conseguir manter oseu apoio poltico, no ser mais incisivo em polticas que seriamimpopulares entre as camadas privilegiadas. O que estamos ven-do, portanto, um ciclo reformistade reduo da pobreza e dadesigualdade, porm um ciclo lento, levando-se em consideraoque a pobreza e a desigualdade eram e continuam sendo imen-sas no Brasil (SINGER, 2012, p. 195; grifos no original).

    preciso, portanto, estar atento a essas caractersticas para evi-tar uma viso unilateral do processo que estamos vivenciando.O modo como Singer (2012, p. 200) deine o projeto poltico lu-lista nos parece extremamente adequado para descrever a pro-

    posta novo-desenvolvimentista, com todas as suas contradiesinerentes: Expanso do mercado interno com integrao do sub-

    proletariado ao proletariado via emprego (mesmo que precrio),

    consumo e crdito, sem reformas anticapitalistas, e com lenta que-

    da da desigualdade, como subproduto...

    Consideraes finais

    Quando Perry Anderson (2011, p. 52) caracterizou os anos dogoverno Lula como marcados porprogresso sem conlito; distri-buio sem redistribuio, ele estava atento a uma caractersti-ca eminentemente contraditria portanto, dialtica desseperodo; caracterstica que devemos ter sempre em mente aoabordar o debate do novo-desenvolvimentismo. Infrutferas so

    quaisquer discusses unilaterais que desconsiderem os contr-rios contidos em toda e qualquer proposta positiva. Acredita-

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    mos que a observao dos (des)caminhos do pensamento de-senvolvimentista, a que nos propomos nesse trabalho, possa ser

    um primeiro passo nesse sentido.Em primeiro lugar, porque enfatiza o perigo poltico contidonuma proposta que busca apagar seu teor de classe. No se trataaqui da airmao de que inexistam projetos capazes de contem-plar os interesses de classes diversas; mas sim de que tais pro-jetos devem contemplar um papel equnime para as camadassociais, em que todas possam expressar seus interesses. A diver-gncia, o debate, devem portanto ser assumidos enquanto parteconstitutiva e construtiva de um projeto de desenvolvimento. Onovo-desenvolvimentismo nada ter de novo se enveredar naseara do progresso sem conlito.

    Em segundo lugar, preciso reletir acerca das consequnciasda tentativa de agrado simultneo, feita pela estratgia novo--desenvolvimentista, ao capital e ao trabalho. As concesses aoprimeiro do margem manuteno de males sociais extremos

    a precarizao do trabalho, a desigualdade de renda, a rela-o entre Estado e mercado diicultando a realizao plena deuma proposta atenta aos interesses das camadas baixas. Nopretendemos negar aqui a importncia de todas as conquistas epolticas sociais construdas nos ltimos dez anos mas, pelo con-trrio, atentar para os aspectos que impedem uma maximizaoda sua eiccia, e que nos limitam a uma distribuio [de renda]sem redistribuio.

    No conjunto, pois, o confronto do pensamento novo-desenvolvi-mentista com o nacional-desenvolvimentismo nos mostra queantigos dilemas foram recolocados agora em novas circunstn-cias histricas. Se o dilogo com o passado nos deve ensinaralgo, que o enfrentamento dessas questes a interao entreas classes, o combate s desigualdades sociais no pode seguirfrmulas prontas, tampouco se guiar em pressupostos no rele-

    tidos. Trazer tona alguns fundamentos no explicitados dessanova estratgia de desenvolvimento foi o que pretendemos comesse trabalho, no que esperamos seja um ponto de partida para

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    o questionamento desse que um dos debates mais prementesdo Brasil contemporneo.

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    Data de Aprovao: 30 de dezembro de 2014

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