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SOBRE A SÉRIE DE DESENHOS “OCORRÊNCIAS”: GESTO, ESPAÇO GRÁFICO E FORMIGAS Elke Pereira Coelho Santana Universidade Estadual de Londrina (UEL) Universidade de São Paulo (USP) O desenho como parceiro A prática do desenho conflui-se com as operações que, no campo tridimensional, amparam meu processo em arte. O pensamento que hoje se vincula às propriedades físicas dos materiais não estabeleceu suas relações primeiras por meio de experiências com tecido, ferro, madeira e outros elementos que compõem a maioria dos trabalhos desenvolvidos atualmente 1 . A maciez, a rigidez, e a densidade já eram sensações experienciadas e almejadas por meio de traços realizados em contextos diversos e de linhas que se orientavam pela fisicalidade que os instrumentos e gestos impregnavam em sua constituição, e, ao mesmo tempo, atentavam para as alterações que seu corpo propunha no meio em que se inseria. As relações com o desenho despontam amiúde no meu trajeto: elas se mostram enquanto linguagem plástica autônoma; constituem projetos que auxiliam na estruturação de objetos tridimensionais; e oferecem, por meio da constituição física das linhas, possibilidades investigativas e prospectivas aos sentidos. Tanto em minha prática quanto na de muitos outros artistas, o desenho intersecciona-se com outras linguagens e se faz presente em várias instâncias do processo. As possibilidades de emprego do desenho e sua coexistência em diversos campos 2 apresentam ocorrências antigas. Michael Baxandall (1991), ao tratar das relações de encomenda, fatura e venda de pinturas na Itália do século XV, descreve o vínculo que a prática do desenho estabelecia com a pintura. Segundo o autor, nesse período, “o desenho era em geral um compromisso sério”(1991, p.19), era ele o responsável em exibir ao cliente os principais elementos que constituiriam o trabalho encomendado. Ao apresentar a disposição e a proporção das figuras na composição, o desenho, visto como uma espécie de esboço, era um item essencial III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 1049

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SOBRE A SÉRIE DE DESENHOS “OCORRÊNCIAS”: GESTO, ESPAÇO GRÁFICO E FORMIGAS

Elke Pereira Coelho Santana Universidade Estadual de Londrina (UEL)

Universidade de São Paulo (USP)

O desenho como parceiro

A prática do desenho conflui-se com as operações que, no campo

tridimensional, amparam meu processo em arte. O pensamento que hoje se vincula às

propriedades físicas dos materiais não estabeleceu suas relações primeiras por meio de

experiências com tecido, ferro, madeira e outros elementos que compõem a maioria dos trabalhos

desenvolvidos atualmente1. A maciez, a rigidez, e a densidade já eram sensações experienciadas e

almejadas por meio de traços realizados em contextos diversos e de linhas que se orientavam pela

fisicalidade que os instrumentos e gestos impregnavam em sua constituição, e, ao mesmo tempo,

atentavam para as alterações que seu corpo propunha no meio em que se inseria.

As relações com o desenho despontam amiúde no meu trajeto: elas se

mostram enquanto linguagem plástica autônoma; constituem projetos que auxiliam na

estruturação de objetos tridimensionais; e oferecem, por meio da constituição física das linhas,

possibilidades investigativas e prospectivas aos sentidos. Tanto em minha prática quanto na de

muitos outros artistas, o desenho intersecciona-se com outras linguagens e se faz presente em

várias instâncias do processo.

As possibilidades de emprego do desenho e sua coexistência em diversos

campos2 apresentam ocorrências antigas. Michael Baxandall (1991), ao tratar das relações de

encomenda, fatura e venda de pinturas na Itália do século XV, descreve o vínculo que a prática

do desenho estabelecia com a pintura. Segundo o autor, nesse período, “o desenho era em geral

um compromisso sério”(1991, p.19), era ele o responsável em exibir ao cliente os principais

elementos que constituiriam o trabalho encomendado. Ao apresentar a disposição e a proporção

das figuras na composição, o desenho, visto como uma espécie de esboço, era um item essencial

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nos contratos, que, por sua vez, eram assinados pelo pintor e pela pessoa responsável pela

encomenda do trabalho, o que garantia que grandes modificações não fossem realizadas até a

finalização da obra. Pelos relatos de Baxandall (1991) e pelos documentos que o autor agrupa em

seu texto, percebe-se que o desenho agia, nesse contexto, enquanto projeto que firmava

compromissos e selava acordos. Devido aos direcionamentos e às finalidades sociais a que a

pintura se propunha no período3, o desenho colocava-se como um meio intermediário: existia

enquanto linguagem para assegurar a devida estruturação de uma outra linguagem, a pintura.

O desenho como entremeio aparece em muitas outras épocas além do

Renascimento, embora, nesse período, além do subsídio em contratos, também havia a

recorrência de seu emprego enquanto estruturação plástica das pinturas que, segundo Wölfflin

(2001), possuíam um caráter linear4 com base estrutural no desenho. Em muitos casos, a relação

entre o artista e a instituição, ainda hoje, é marcada por essa espécie de contrato gráfico. A

colocação e a avaliação de um projeto – como instalações e obras que se relacionam intimamente

com o espaço – desenvolvem-se a partir de uma pré-visualização gráfica. É esse esquema visual

bidimensional que assegura à instituição e ao artista viabilizações financeiras, inserções em eixos

curatoriais e o afastamento de surpresas indesejáveis para ambos os lados.

Embora o desenho também aja em meu processo como situação que me

permite visualizar e estruturar elementos que se concretizarão definitivamente em objetos

tridimensionais, com o compromisso de organizar formas e possíveis significações, não é essa

relação de subserviência entre plano gráfico e espaço tridimensional que me proponho a pensar

nesse momento. Há diversas possibilidades de confluência do desenho com outras linguagens,

pois o pensamento gráfico, além de se apresentar em uma instância anterior à obra, auxiliando em

sua estruturação e estudo, também pode levar essas experiências anteriores para o corpo sensível

do trabalho. Nesse caso, não há uma divisão entre o desenho-projeto e a obra final, mas uma

transparência dos meios e processos para que o desenho se mostre enquanto pensamento e

linguagem.

Não se pretende tratar a relação entre o desenho e o espaço tridimensional

de forma opositiva ou evolutiva. As colocações que se seguem não pensam as linguagens como

manifestações longínquas e estanques, mas como meios expressivos em processo de confluência

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e imbricação. A artista brasileira Regina Silveira, por meio de sua prática, constitui uma possível

conjunção desses domínios – do gráfico, atrelado ao plano bidimensional, e do espaço

tridimensional – que, durante muito tempo, foram tratados como campos longínquos. Silveira

trabalha com o desenho e com o espaço tridimensional sem a dualidade que até poucas décadas

atrás, no ocidente, dividia as artes visuais em dois campos, com savoir-faire específico que pouco

se relacionava com o campo oposto: havia a prática bidimensional, vista principalmente nas

categorias pintura e desenho, e a prática tridimensional, que tinha a escultura como a principal

representante.

Em se tratando das instalações de Regina Silveira, essas oposições

herméticas se dissolvem, seu trabalho se faz justamente na intersecção do desenho com o espaço

físico em que se insere, sem colocar os estudos gráficos em instâncias irrelevantes. Utilizando-se

do desenho e de sua carga histórica enquanto elemento constituinte e propulsor do trabalho,

Regina Silveira tenciona a função que durante séculos foi atribuída ao desenho – de

representação fiel de uma realidade verificada pela visão - bem como, a relação perceptiva que o

espectador pode estabelecer com a obra. Em muitos de seus trabalhos, é colocada em xeque a

confiabilidade instituída em torno da exatidão que a perspectiva poderia proporcionar à

representação. Em entrevista a Angélica de Moraes, Silveira coloca:

A perspectiva seria a descoberta das aparências do mundo através daquilo que poderia ser uma visão científica da realidade. Desde o momento que ela foi inventada, porém, já criou sua contraposição, sua situação de hipótese questionável. Ou seja: até que ponto a perspectiva não é também uma construção artificial? Que olhar é esse que equaciona e resolve tudo através apenas de duas coordenadas? A perspectiva é uma convenção tão arbitrária quanto todas as outras. (MORAES, 1995, p.96)

A utilização dos códigos perspectivistas por Silveira invalida o

posicionamento da técnica enquanto ponto de vista próximo ao que a visão nos proporciona. A

exatidão da técnica é burlada por meio de suas próprias regras. Leonardo Da Vinci já havia

colocado que, por meio da perspectiva, seria possível desenvolver “procedimentos geométricos

aparentemente exatos”(MORAES, 1995, p.13) e gerar distorções que em quase nada se

assemelhariam ao objeto observado, o que Da Vinci denominou de “aberrações marginais da

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perspectiva”(MORAES, 1995, p.13). É na esteira de constatações como as de Leonardo da Vinci

que Silveira insere a sua pesquisa; ela subverte as finalidades atribuídas à perspectiva e promove

a “desmontagem e embaralhamento dos códigos da representação visual voltada para o mundo

visível”(SILVEIRA, 2007, p.172). Regina Silveira não pretende propor novas ilusões no espaço,

mas evidencia que o que poderia ser tratado como uma representação fiel, necessária para uma

aproximação da tridimensionalidade do mundo concreto, é apenas mais um ponto de vista entre

tantos outros que podem ser percebidos pelos nossos sentidos. Para Regina Silveira, a visibilidade

é algo extremamente volúvel e subjetivo para ser entendido e transposto com exatidão, por meio

de um único ponto de vista de um único sujeito.

Dessa forma, o emprego da perspectiva tem um papel valioso nos

trabalhos de Silveira. Ao enxertar seus desenhos no espaço físico real – e não mais no espaço

ilusório que permeia as tentativas de transposição da natureza para o plano bidimensional – a

artista desloca a posição perceptiva do espectador. O sujeito que se posicionava frente à obra,

identificando e reproduzindo um ponto de vista perspéctico proposto pelo artista, agora, nas

instalações de Silveira, posiciona-se dentro da obra e esta, por sua vez, proporciona diversos

posicionamentos e pontos de vista. Assim, já que o espectador pode se deslocar dentro da obra,

conseqüentemente, sua percepção não pode mais ser encarada enquanto algo estanque, mas como

um dado mutante, parcial e sujeito a distorções.

A abordagem de uma vertente do desenho durante o Renascimento e de

outra na contemporaneidade, não possui a pretensão de mapear as possíveis relações entre o

desenho e a pintura, ou entre o desenho e a instalação. Mas essas aproximações me auxiliam, por

meios contrapositivos, a pensar que uma relação outra com o desenho pode ser estabelecida. Falo

de uma relação que não se apresenta somente nos bastidores – como projeto – embora também

me auxilie a estruturar trabalhos futuros com outras linguagens. Também, não poderia dizer que o

desenho, por me propor pulsões investigativas, irá ganhar novo corpo e se transpor para o espaço

tridimensional, como nas instalações de Silveira. Porém, percebo que os desenhos que produzo

ligam-se, de forma silenciosa, a outros trabalhos tridimensionais que desenvolvo; são linhas que

insinuam relações matéricas e táteis, sem, obrigatoriamente, transporem para os objetos e

instalações características gráficas.

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As linhas presentes em meus desenhos desencadeiam interesses que vão

além do seu plano de existência, embora sua constituição também se estabeleça enquanto

trabalho autônomo. Penso: se fosse possível adentrar com a mão no campo bidimensional do

papel, apalpar o traço e trazê-lo para o espaço, que matéria lhe daria corpo? Que material poderia

confirmar às minhas mãos as sensações que o meu olho verifica no desenho? Que espécie de

arranjo poderia manter as qualidades de algo que ainda não habita o espaço tridimensional? São

divagações que não possuem, necessariamente, o compromisso de transpor experiências gráficas

para objetos tridimensionais, pois o caminho também pode se fazer pelo trajeto inverso – a

atenção a certas qualidades materiais almejam estar presentes no desenho. Mas a atenção às

qualidades da linha talvez seja mais um indício – como na prática de Regina Silveira - de que há

uma forte ligação entre dois planos que, a princípio, poderiam ser vistos e vivenciados em postos

distantes e isolados.

Assim, dentre as ações com o desenho que citei anteriormente, abordarei,

de forma particular, o que nomeei no início desse texto como “possibilidade investigativa e

prospectiva”, o que também poderia ser chamado de “apontamento matérico”. Laerte Sodré Jr.

(2007), ao tratar da utilização do desenho na astronomia, explicita que essa ciência recorre a

“desenhos para ajudar a desenvolver a intuição sobre problemas abstratos” (2007, p.233), dentre

outros usos vinculados à representação de objetos, mapeamentos e quantificações. Penso que, de

forma similar, a relação com o desenho também me auxilia na aproximação e, mesmo que

debilmente, na identificação de um campo abstrato que não me era conhecido. Para reflexionar

essa relação particular que a prática do desenho imprime na forma como penso e desenvolvo

meus trabalhos em arte, abordarei a série de desenhos Ocorrências, identificando como o

processo gráfico toca o tridimensional, bem como, as reverberações dessas tangências. Para isso,

faz-se necessário examinar e interrelacionar os seguintes pontos: qualidades físicas do desenho;

marca gráfica obtida por meio da monotipia; e desenho amparado pela experiência sem índices

figurativos imediatos.

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Da série de desenhos Ocorrências

Fig. 01 e 02 – Elke Coelho. Sem título (Série Ocorrências)

Monotipia (carbono e tinta s/ papel) / 8,7 x 10,5 cm (cada) / 2007-2009

Lembro-me que, a certa distância, era possível visualizar apenas pequenos

traços, quase pontos, mais escuros que a superfície em que se encontravam. Formavam, em uma

área, pequenos conglomerados, e, em outras poucas, ocorrências bem espaçadas. Com um

graveto em mãos, era possível delimitar certa quantidade, concentrada ou espaçada. Com o

traçado circundando um espaço, desencadeava-se a esperança de que as formigas não se

esparramassem livremente pelo quintal. Seria possível manter uma posição dos pequenos seres

neste espaço? Buscava-se estabelecer uma situação a partir do posicionamento das formigas. O

sulco que as rodeava agia nesse sentido. Com a linha delimitando o espaço, as formigas

imobilizavam por alguns instantes, não sei se estranhando a nova inscrição criada na terra ou se

aquietando com o intuito de dispersar uma atenção indesejada. O fato é que a paralisação

formava uma configuração. Situação esta que se alterava após confirmarem que as intervenções

no solo não continuariam. A partir dessa segurança, as formigas movimentavam-se até que a

intervenção se mostrasse novamente. Aí, desencadeava-se um novo traço na terra, uma nova

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paralisação, uma pequena tensão e uma outra situação de pequenos pontos e linhas sulcadas no

espaço do quintal.

Ao pensar nas relações que a prática do desenho me coloca, creio que a

experiência no quintal remonta tentativas que ainda se fazem presentes. Instrumentos e contextos

alteraram-se, mas as ações gráficas ainda possuem um parentesco evidente com a narrativa

acima. As experiências com gravetos, formigas e o espaço do quintal talvez tenham deixado

herdeiros, pequenas e cumulativas heranças que hoje podem ser aproximadas a gestos com ponta

seca sobre papel. Posso dizer que compreensões prospectivas se deram ao se registrar e observar

a linha: a aspereza rascada de alguns percursos, a incisão aguda dos estancamentos e a sutileza

com que as formas se relacionam com o espaço. Todos esses aspectos da linha, mesmo em um

plano bidimensional, despertam interesses matéricos; é essa relação com o plano gráfico, em que

as fisicalidades se tornam latentes, que denomino de apontamento matérico: o desenho sugerindo,

nas suas fisicalidades constitutivas, formulações tridimensionais.

Ocorrências organiza-se por meio de uma série de dez desenhos de

pequenas dimensões que trazem os seguintes elementos: pequenos traços similares e próximos

que se concentram em espécies de conglomerados; traços que configuram formas fechadas

próximas a figuras geométricas simples, como o retângulo e o círculo; e alguns traços longos. Os

materiais utilizados nessa série são poucos e os procedimentos simples: pequenos traços

realizados com ponta seca, em papel de baixa gramatura, que se dispõem sobre uma folha de

papel carbono, constituindo um processo similar à monotipia, em que a linha nasce no verso do

papel. Os traços são realizados em momentos distintos. Ao constituir certo conglomerado de

linhas, estas são cobertas por uma fina camada de tinta branca, resultando em veladuras e

sobreposições.

Os procedimentos e materiais são escolhidos por suas características: a

ponta seca, extremamente fina, constitui traços tênues; o carbono desencadeia a possibilidade de

se pensar que o desenho pode se estabelecer por meio de contatos e transposições; e a veladura

branca insinua – ao agregar diversas intensidades à linha - que gestos passados podem ser

amenizados. Ao me deter no resultado que o processo reverbera, percebo que a intensidade

presente na cor das linhas denota um caráter temporal: as camadas de traços mais recentes, por

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serem veladas poucas vezes, apresentam uma cor mais intensa, e as primeiras camadas realizadas,

cores mais amenas. Interessam-me as possibilidades significativas que as propriedades físicas dos

materiais empregados nos desenhos podem fornecer.

O sistema da monotipia também interfere conceitualmente no processo

gráfico. Por utilizar a ponta seca e adquirir o traço de forma indireta, há uma considerável

diminuição no controle da linha. Não sendo possível verificar o resultado imediato do gesto no

papel, o procedimento seguinte se desenvolverá de acordo com uma suposição e não com a

certeza dos resultados da ação anterior. Esse suposto descontrole faz com que a mão se vincule

mais ao pensamento e à intuição do que à tentativa de composições equilibradas.

A experiência com Ocorrências e o olhar atento sobre a produção de

alguns artistas, como a de Cy Twombly, fazem-me pensar que o desenho está em uma ordem

distinta daquilo que denominamos grafismos, rabiscos, traços ou sinais. Tenho a impressão de

que estes acontecimentos gráficos podem estar presentes no desenho, mas, o que me faz chamar

de desenho os diferentes gestos, não se vincula diretamente à natureza do traço, mas ao

pensamento que o fez existir. Talvez, na contemporaneidade, devido aos processos híbridos que

permeiam várias produções, o desenho esteja mais próximo de uma situação – ocorrência em que

o gesto, o pensamento ou o contexto habitam ou coabitam o gráfico – do que de um estado pré-

definido pelo emprego de materiais e procedimentos utilizados amiúde. Como nos coloca Derdyk

(2007, p.19): a arte contemporânea “apreende o desenho também como atitude, e não ‘apenas

coisa de lápis e papel’”.

Twombly aponta, por meio de sua prática, esse sentido expansivo do

desenho. Embora o artista estabeleça o registro gráfico de uma maneira compreendida como

tradicional, ou seja, por meio da linha que marca um percurso sobre um suporte bidimensional,

sua prática já assinala uma importante questão: o gesto atua enquanto propulsor e o trabalho nada

mais é do que uma testemunha contaminada por esta propulsão. Roland Barthes (1990), ao tratar

da pesquisa de Twombly, faz a seguinte colocação:

O que vem a ser um gesto? Algo como o complemento de um ato. O ato é transitivo, objetiva apenas suscitar um objeto, um resultado; já o gesto é a soma indeterminada e inesgotável das razões, das pulsões, das preguiças que

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envolvem o ato em uma atmosfera (no sentido astronômico do termo). (BARTHES, 1990, p.145-46)

Dessa forma, desconfio que não é a linha, enquanto resultado estético

harmonioso, que interessa a Twombly e a muitos outros artistas que se utilizam de práticas

vinculadas ao gráfico. Talvez, a postura de Twombly alie-se à colocação da artista e pesquisadora

Flávia Ribeiro (2007, p.97), ao afirmar que “o desenho é um fragmento do movimento que o

atravessa”. Interessa a esses artistas levar adiante um sentido de desenho mais ligado às ações e à

forma de pensar , do que a conformações figurativas.

Como em Twombly, o desenho em minha prática é primeiramente gesto

inscrito. Percurso registrado. Caminho percorrido. Risco corrido. Todas as intervenções, os

estancamentos e as precipitações dos sentidos estão evidenciados no trajeto do traço. Arrisco-me

a dizer, juntamente com Santos Neto (1997, p.97), que “no mais tênue movimento decorrente de

um ponto a outro do espaço, temos um desenho, uma marca, um sinal, um processo de

pensamento”. Em Ocorrências, o pensamento que caminha por gestos e, conseqüentemente, por

traços com naturezas distintas, também se faz presente. O desenho mostra-se como

“possibilidade material que me permite aproximar qualidades aparentemente díspares” (VILLA,

2003, p.19) e interseccionar realidades longínquas.

Ainda da série Ocorrências: experiência e realidades oblíquas

Dentre as valiosas heranças adquiridas com o desenho que hoje

fundamentam premissas em minha prática, destaca-se o desencadear do pensamento por vias não

figurativas. Parto da premissa de que o desenho cria sua própria realidade, até mesmo quando

tenta se aproximar, por meio de contornos e figuras, dos aspectos visíveis no mundo concreto.

Partilho com Derdyk (1997, s/p) a desconfiança de que “a linha não é pertinente. Desvenda a

relação entre os objetos sem ser totalmente algum deles”.

Quando trabalho com o desenho, penso mais nas realidades que as linhas

podem criar do que nas realidades com as quais elas possam se assemelhar. Em Ocorrências,

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apresento linhas que não buscam transpor, para o plano bidimensional, figuras que já habitam

nossas referências visíveis, mas linhas que se relacionam com formas que não possuem um

correspondente lingüístico que possa nomeá-las ou categorizá-las. Há, em meu processo, certo

gosto pela indeterminação: constituir algo que não se sabe exatamente o que é; algo que não seja

facilmente notado, facilmente classificável ou reproduzível.

No entanto, não ignoro o fato de que as aproximações com formas e

objetos reconhecíveis no mundo podem ocorrer, já que nossa percepção sempre está em busca de

algo familiar. Caso as aproximações ocorram, interessa-me pensar que os signos presentes em

Ocorrências podem se aproximar de imensidões – ser uma vista longínqua de um terreno, como

mapas cartográficos de pequenos seres resumidos à condição de ponto; ou ainda, uma vista mais

longínqua, em que os pontos são astros e os traços são fenômenos celestes que formam um

sistema. Ao mesmo tempo, os sinais podem não ser quase nada, podem ser apenas poeira, ciscos,

fungos ou alguma coisa que não se sabe exatamente o que é, algo que deixou pequenas partes –

pistas, vestígios – de sua existência física. Essas possibilidades comuns nas brincadeiras infantis,

de ser tudo (universo) e nada (poeira), dependendo das circunstâncias relacionais, é o que me

instiga a distanciar-me de relações imediatas com figuras e buscar um desenho que lança

sugestões e procura coagular-se com impressões para significar.

A série de desenhos em questão não apresenta índices figurativos que

possam ser facilmente aproximados de objetos ou pessoas e, na ausência destes, o que fica e toma

relevância é a linha e o contexto em que ela se estabelece. A ênfase expressiva e conceitual não é

deslocada para o objeto representado, pois ela permanece na própria constituição física do

desenho. Paul Klee coloca que “quanto mais puro o trabalho gráfico, ou seja, quanto maior a

ênfase dada aos elementos formais subjacentes à representação gráfica, tanto mais inadequada

será a estrutura para a representação realista dos objetos visíveis” (1996, p.183). As premissas

apontadas por Klee consolidam-se em Ocorrências. Durante o processo, o traço não entra em

contato com o papel em busca da configuração de uma forma pré-reconhecível, o olho não

perambula pelo espaço para apreender formas, mas toda a atenção é voltada para o próprio ato de

desenhar. Importa a linha, a forma como ela se integra ao papel e as pequenas reverberações que

seu trajeto pode desencadear.

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Durante muito tempo, acreditou-se que a arte fosse um conjunto de

artifícios capazes de apreender o visível e de representar a realidade. Ocorrências caminha por

outras vias de compreensão. Essa série de desenhos entende que não é possível reproduzir a

experiência. Por sua natureza particular, única e fugaz, “a experiência se faz no próprio momento

da ação, e se desfaz enquanto possibilidade de representação” (DERDYK, 1997, s/p). Dessa

forma, mesmo tomando como base certa experiência, a arte torna-se uma outra, única e também

irrepresentável.

A artista Mira Schendel teve um interesse profundo pela relação entre

gesto gráfico e experiência. Em suas monotipias, ela tentou, por meio do desenho, “surpreender o

discurso no momento de sua origem” (SCHENDEL, 1996, p.256). Por um tempo, Mira acreditou

que se o signo surgisse exatamente no momento da experiência, este não mais a representaria,

mas a apreenderia. A artista formula sua problemática da seguinte maneira:

Os trabalhos ora apresentados são resultado de uma tentativa até agora frustrada de surpreender o discurso no momento da sua origem. O que me preocupa é captar a passagem da vivência imediata, com toda a sua força empírica, para o símbolo, com sua memorabilidade e relativa eternidade. Sei que se trata, no fundo, do seguinte problema: a vida imediata, aquela que sofro, e dentro da qual ajo, é minha, incomunicável, e portando sem sentido e sem finalidade. O reino dos símbolos, que procuram captar essa vida (e que é o reino das linguagens), é, pelo contrário, anti-vida, no sentido de ser intersubjetivo, comum, esvaziado de emoções e sofrimentos. Se eu pudesse fazer coincidir esses dois reinos, teria articulado a riqueza da vivência na relativa imortalidade do símbolo.(SCHENDEL, 1996, p.256)

As ânsias expressas por Schendel sobre a tentativa de apreender o instante

aproximam-se das inquietações da narradora-personagem presente em Água-viva, de Clarice

Lispector. Diz a autora: “Quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito:

o presente me foge, a atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já. (...) Cada coisa tem

um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa” (LISPECTOR, 1998, p.09). Schendel,

assim como Lispector, sabe que não é tarefa fácil tocar no instante - na vivência do agora - sem

que ele se esvaeça ou prossiga o seu trajeto, emaranhado com outros instantes, até se perder.

Então, pela efemeridade do instante, tem-se a impressão de que ele não

existiu, ou melhor, de que só é possível percebê-lo após a sua sedimentação - quando as

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sobreposições não permitem mais que ele seja tocado. Entretanto, Mira Schendel, por meio do

gesto que constitui linhas em frágeis suportes, parece que “quer experimentar mais detidamente a

realidade para poder avaliar suas possibilidades” (NAVES, 2007, p.93). E, nesse denso

envolvimento, o gesto e o registro de cada momento de seu percurso gerem uma sutil evidência e,

também, um sistema de compartilhamento dos instantes vivenciados.

Schendel, em determinado período, volta-se para um signo específico: a

letra. É com este elemento que ela articula, a fim de apreender o instante. Mas, diferentemente de

Lispector, as monotipias de Schendel e seu manejo com os signos lingüísticos não buscam, pela

extrema veiculação ao instante imediato5, uma subversão da lógica narrativa6. Em Schendel, para

que o instante se derrame para a letra, é necessário que se dê novas roupagens a ela, é preciso

fazer com que o signo lingüístico saia do campo em que assume sentidos simbólicos gerais e

adquira, por meio da imediatez e das particularidades de sua existência, forças peculiares, assim

como os instantes vividos. Desta forma, a transparência7, utilizada amiúde pela artista, ao mostrar

todas as faces da letra – frente e verso - desponta como possibilidade de subverter os códigos

lingüísticos e transformar a letra em ‘coisa’, ou seja, num signo que apresente, em sua

constituição física, o seu significante e o seu significado.

Com essa operação, Mira Schendel conseguiria fundir duas situações

conflitantes: a experiência efêmera e o signo com sua relativa imortalidade. A artista reconhece

que suas tentativas foram frustradas, pois sente a debilidade do sujeito em apreender, por meio do

registro gráfico, o instante imediato. No entanto, as tentativas continuaram por cerca de duas mil

monotipias sobre papel de arroz e vários signos despontaram com uma existência distinta da

representação e próxima da experiência.

Como Mira, parto do pressuposto de que o desenho é uma linguagem sem

alfabeto pré-estabelecido e se apresenta como possibilidade de criação de realidades na medida

exata de seu acontecimento, já que sua ocorrência independe de aparências formais externas, de

apropriações verossimilhantes ou de coerências narrativas pré-definidas. O gesto gráfico, tanto

em Mira Schendel quanto em Ocorrências, não representa o cotidiano, mas o tangencia e, neste

contato, há um compartilhamento de situações sensíveis. Enquanto que na arte acadêmica havia

um grande esforço do artista para não deixar transparecer o traço, ou seja, o processo de

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constituição manual da forma, em Twombly, Schendel e em Ocorrências, é justamente pelo

corpo da linha e pela possibilidade de compartilhar com o espectador suas instâncias de

formação, que as proposições ganham sentido.

Ocorrências atesta, em seu processo, a “impossibilidade de transpor o

real para o representado” (MORAES, 1995, p.13). Não interessa captar a aparência dos objetos.

O real interessa não enquanto um conjunto de ocorrências concretas e visíveis, mas enquanto

fenômenos que são percebidos e interferidos pela percepção do sujeito; devido à impermanência

e à ínfima particularidade desses fenômenos, eles não podem ser representados, na medida em

que o instante é a própria impossibilidade de tê-lo.

Com a ausência de um modelo físico palpável, os caminhos da linha são

orientados por experiências e situações efêmeras transcorridas no mundo. Por isso, ao desenhar,

não adianta olhar para o entorno, pois ele, desprovido da situação que potencializou a sensação,

não interessa mais. Assim, resta à mão e aos materiais, a tarefa de reagrupamento dos resíduos e

vestígios da situação percebida. Para compor um desenho, recorro a espécies de arquivos

abrigados pelos sentidos. Talvez seja por isso, por existirem várias ocorrências similares no

arquivo, que os desenhos despontam em séries, como tentativa de evidenciar, ao mesmo tempo, o

estado próximo e impermanente em que essas situações se apresentam.

A organização por meio de séries não parte de um tema específico, mas

da tentativa de evidenciar que as situações – assim como o posicionamento das formigas no

quintal - são mutantes. Faço um desenho, observo que as linhas criaram uma situação gráfica e

percebo que esta situação pode se desdobrar no tempo, como se essas mesmas linhas pudessem se

reorganizar e criar novas situações. Penso que as linhas que pertencem a uma mesma natureza

podem gerar situações distintas, partindo de um mesmo sentimento.

Assim, como na escrita o ensaio8 “pode ser tomado como uma linguagem

da experiência, como uma linguagem que modula de um modo particular a relação entre

experiência e pensamento, entre experiência e subjetividade, e entre experiência e

pluralidade”(LARROSA, 1976, p.31), na presente pesquisa, o ensaiar também pressupõe o

extremo envolvimento do processo artístico com a experiência, ou seja, do pensamento que brota

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de situações verificadas pelos sentidos e busca conformações no manejo com a linguagem. O

ensaio gráfico possibilitou-me perceber que não se trata de representar objetos ou seres em

situações que remetem à sutileza, por exemplo; pois é por meio da linha e da relação que ela

estabelece com o seu processo de constituição que o sutil torna-se matéria, tanto quanto o papel

de baixa gramatura, a tinta e o carbono.

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1 Os trabalhos desenvolvidos atualmente referem-se à acumulações com objetos cotidianos de pequena dimensão.

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2 Considero a relação do desenho com outras linguagens no âmbito da arte. As questões colocadas a seguir não dizem respeito à intersecção do desenho com áreas de conhecimento como a arquitetura, o cinema, o design, entre outras. 3 Michael Baxandall coloca que, em níveis diversos, os fatores determinantes para as encomendas de pinturas durante o Renascimento ligavam-se a três fatores: servir à glória de Deus, honrar a cidade e honrar a memória do sujeito. In: BAXANDALL, Michael. O olhar Renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 13 4 Pinturas em que a presença do contorno – concretizado pelas linhas que o encontro entre as cores e os tons distintos formavam – limitava e delineava as formas e os objetos. In: WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 5 “Agora vou escrever ao correr da mão: não mexo no que ela escrever. Esse é um modo de não haver defasagem entre o instante e eu: ajo no âmago do próprio instante”. In: LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 49 6 Ferreira Gullar coloca que “a necessidade de ultrapassar a banalidade, a realidade não transcendente do cotidiano, levou-a a romper com a técnica narrativa convencional, constitutiva dessa realidade, e a construir seus romances sem seguir as normas usuais.” Para Lispector “escrever tem que ser vital, algo que mude a vida e o mundo, não quer narrar histórias. Há histórias demais no mundo, todos vivem muitas histórias e, por isso, só valeria a pena contar a única história, a história essencial, que tudo dissesse”. In: GULLAR, Ferreira. Para não dizer o dizível. CLARICE LISPECTOR – A HORA DA ESTRELA. São Paulo: Museu da Língua Portuguesa, 2007. p. 44 7 Mira Schendel utiliza, em muitos de seus trabalhos, o papel de arroz e o acrílico. Sobre a transparência presente no acrílico, Mira diz: “descobri o acrílico, que pode oferecer as seguintes virtualidades: a. torna visível a outra face do plano, e nega portanto que o plano é plano; b. torna legível o inverso do texto, transformando portanto o texto em atitexto; c. torna possível uma leitura circular, no qual o texto é centro imóvel, e o leitor móvel. Destarte o tempo fica transferido da obra para o consumidor, portanto o tempo se lança do símbolo de volta para a vida; d. a transparência que caracteriza o acrílico é aquela falsa transparência do sentido explicado. Não é a transparência clara e chata do vidro, mas a transparência misteriosa da explicação, de problemas.” In: SCHENDEL, Mira. In: SALZSTEIN, Sônia (org.). No vazio do mundo. São Paulo: Marca D’Água, 1996. p. 256 8 As colocações sobre ensaio fundamentam-se em Jorge Larrosa. O autor, ao tratar o gênero ensaio, aborda-o com base no pensamento e na escrita de Foucault, o que gera algumas particularidades em relação à maneira como o gênero é tratado por outros pensadores. Diz Larrosa: “Foucault reinventa o ensaio, operando sobre aquelas peculiaridades que o constrangem a ser um gênero moderno. A questão seria o modo como Foucault opera sobre o ensaio, para fazê-lo habitável e operativo, além de seus limites históricos”. Ainda segundo Lorrosa, o ensaio é reinventado por Foucault por este apresentar “o ensaio como um pensamento no presente e para o presente, “o ensaio e o pensamento na primeira pessoa”, “o ensaio como um posicionamento que parte de um distanciamento crítico” e “o ensaio como um pensamento consciente de sua própria condição de escrita”. In: LARROSA, Jorge. A operação ensaio: sobre ensaiar e ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida. Educação & Realidade. Porto Alegre. Faculdade de Educação da UFRGS. V. 01, n. 01, fev. 1976. p. 32

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