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Ettore Bresciani Filho, Itala M. Loffredo D’Ottaviano, Maria Eunice Q. Gonzalez, Gustavo Maia Souza (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 52, pp. 59-108, 2008. 3 Sobre a Realidade-Totalidade como Saber Vivo e a Auto-Organização do Espaço Físico RICARDO PEREIRA TASSINARI 1 Departamento de Filosofia, UNESP MARÍLIA, SP [email protected] Resumo: Neste trabalho esboçamos um conceito de Realidade, considerada como Totalidade, que busca ser consoante com o desenvolvimento contínuo da Ciência Contemporânea e com a possibilidade permanente de construção de modelos; argu- mentamos também a favor da hipótese de que, segundo esse conceito, a Realidade enquanto Totalidade pode ser concebida como Saber vivo e ativo, Idéia se auto- expondo a nós por um processo auto-organizado, do qual faz parte nosso próprio processo de conhecimento dela. Apesar de essa hipótese comportar claramente consi- derações a respeito da Realidade que podem ser classificadas de metafísicas, o que extrapola o caráter apenas metodológico do estudo da auto-organização, mostramos como essa hipótese surge de forma natural, a partir de reflexões a respeito da consti- tuição do conhecimento científico, fornecendo elementos que possibilitam estruturar e coordenar os diversos conteúdos e métodos científicos. Exemplificamos, então, essa concepção, analisando o Espaço Físico, tanto a partir de sua sociogênese, segundo o desenvolvimento da Física (em particular, das Relatividades Restrita e Geral) quanto a partir de sua psicogênese, segundo dados das Psicologia e Epistemologia Genéticas. Palavras-chave: Espaço físico. Idealismo. Auto-organização. Modelo. Metafísica. Epistemologia genética. 1 Agradecemos aos pareceristas pelas sugestões que nos permitiram me- lhorar tanto o texto quanto nossas idéias. Agradecemos, também, as críticas (que sempre nos fazem crescer), o reconhecimento de nossas idéias apresen- tadas e nossa intenção verdadeira e, principalmente, o incentivo a publicá-las.

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Page 1: Sobre a Realidade-Totalidade como Saber Vivo e a Auto ... · Para esboçarmos aqui uma noção de Realidade, ... aqui e agora, singularmente, tal ... e individual (essa semelhança

Ettore Bresciani Filho, Itala M. Loffredo D’Ottaviano, Maria Eunice Q. Gonzalez, Gustavo Maia Souza (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 52, pp. 59-108, 2008.

3

Sobre a Realidade-Totalidade como Saber Vivo e a Auto-Organização

do Espaço Físico

RICARDO PEREIRA TASSINARI1

Departamento de Filosofia, UNESP MARÍLIA, SP

[email protected]

Resumo: Neste trabalho esboçamos um conceito de Realidade, considerada como Totalidade, que busca ser consoante com o desenvolvimento contínuo da Ciência Contemporânea e com a possibilidade permanente de construção de modelos; argu-mentamos também a favor da hipótese de que, segundo esse conceito, a Realidade enquanto Totalidade pode ser concebida como Saber vivo e ativo, Idéia se auto-expondo a nós por um processo auto-organizado, do qual faz parte nosso próprio processo de conhecimento dela. Apesar de essa hipótese comportar claramente consi-derações a respeito da Realidade que podem ser classificadas de metafísicas, o que extrapola o caráter apenas metodológico do estudo da auto-organização, mostramos como essa hipótese surge de forma natural, a partir de reflexões a respeito da consti-tuição do conhecimento científico, fornecendo elementos que possibilitam estruturar e coordenar os diversos conteúdos e métodos científicos. Exemplificamos, então, essa concepção, analisando o Espaço Físico, tanto a partir de sua sociogênese, segundo o desenvolvimento da Física (em particular, das Relatividades Restrita e Geral) quanto a partir de sua psicogênese, segundo dados das Psicologia e Epistemologia Genéticas. Palavras-chave: Espaço físico. Idealismo. Auto-organização. Modelo. Metafísica. Epistemologia genética.

1 Agradecemos aos pareceristas pelas sugestões que nos permitiram me-

lhorar tanto o texto quanto nossas idéias. Agradecemos, também, as críticas (que sempre nos fazem crescer), o reconhecimento de nossas idéias apresen-tadas e nossa intenção verdadeira e, principalmente, o incentivo a publicá-las.

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Realidade-Totalidade como Saber Vivo e a Auto-organização

Ettore Bresciani Filho, Itala M. Loffredo D’Ottaviano, Maria Eunice Q. Gonzalez, Gustavo Maia Souza (orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 52, pp. 59-108, 2008.

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A exposição deste trabalho se divide em quatro partes: na Se-ção 1, caracterizamos a noção de Realidade-Totalidade; a partir dela, analisamos como se dá a sociogênese e a psicogênese do Espaço, respectivamente, nas Seções 2 e 3; por fim, nas Conclusões, elen-camos os principais resultados.

1. A NOÇÃO DE REALIDADE-TOTALIDADE

O objeto é, pois, uma união de determinações sensíveis e de determinações de pensamento ampliadas, referidas a relações e nexos concretos. A identidade da consciência com o objeto já não é, deste modo, a abstrata da certeza, mas a determinada: um saber. (G. W. F. Hegel, 1969[1830], §420)

Para esboçarmos aqui uma noção de Realidade, considerada como Totalidade, que designaremos brevemente por Realidade-Totalidade, consoante com o desenvolvimento contínuo da Ciência Contemporânea, vamos nos utilizar, inicialmente, de algumas análises epistemológicas de Gilles-Gaston Granger e, posteriormente, de al-gumas distinções e resultados das Psicologia e Epistemologia Genéti-cas de Jean Piaget.

Salientemos que, apesar de nos utilizarmos de algumas das re-flexões desses autores, a proposta interpretativa aqui apresentada dife-re, em espírito, da deles. Quanto a Epistemologia Comparativa de Granger, não compartilharemos, por exemplo, a recusa ao “direito de decidir por decreto o que é ‘real’”2: a nosso ver, não há como pres-cindir de tal direito3. Porém, para minimizar os efeitos colaterais do caráter sumário de nossa exposição feita principalmente a partir de

2 Granger, 1989[1988], p. 145. 3 Cf. o Principio da Anterioridade dos Princípios em Tassinari, 2004, p.

206.

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Ricardo Pereira Tassinari

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princípios, admitimos, também por princípio, que: os princípios aqui adotados estabelecem apenas uma dentre várias outras formas possí-vel de ser ver o Real. Nesse sentido, nossa proposta interpretativa acaba podendo ser considerada uma hipótese interpretativa, princi-palmente porque acreditamos fortemente que é a pluralidade de pro-postas interpretativas e o respeito a elas que garantem a liberdade em Filosofia. Quanto à Epistemologia Genética, temos que Piaget nos diz:

Sem dúvida a hipótese platônica é irrefutável no sentido em que uma construção, uma vez efetuada, pode sempre ser considera-da, por isso mesmo, ter sido eternamente predeterminada no mundo dos possíveis considerando-se este como um todo estáti-co e acabado. Mas como esta construção constituía o único meio de acesso a tal universo de Idéias, ela se basta a si mesma sem que haja a necessidade de hipostasiar seu resultado.

Também não compartilharemos desse último ponto com Piaget,

já que acreditamos que há a necessidade de considerar o resultado da construção como preexistente no mundo dos possíveis, sem o que o termo possível, neste caso, perderia todo o seu significado. Porém, como buscaremos argumentar, a auto-exposição desse “mundo dos possíveis” não se dá de forma pré-programada, mas é resultado da interação, realizada aqui e agora, entre sujeito-meio.

Por fim, observemos que vamos usar o signo ♦ à frente dos pa-rágrafos principais da exposição, para evidenciar sua estrutura funda-mental.

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1.1. Conhecimento Científico e Conhecimento Filosófico segundo Gilles-Gaston Granger

♦ Resumidamente4, podemos dizer com Granger que: o co-nhecimento científico da empiria se caracteriza principalmente pela construção de modelos5 e que existem limitações desse tipo de cons-trução em relação ao conhecimento dos fatos humanos.6

Uma dessas limitações do conhecimento por modelos dos fatos humanos se constitui na singularidade e multiplicidade das significa-ções envolvidas nos fatos humanos. Com efeito, de forma geral, po-demos dizer que essa singularidade (e multiplicidade) das significa-ções constitui um limite à completude de um conhecimento expresso em modelos, porque, para construí-los, temos, necessariamente, que fazer abstrações de certas qualidades que, em algum outro contexto, influenciarão no comportamento humano. Claro que um novo modelo sempre pode ser construído, incorporando parte daquilo que foi abs-traído em um modelo anterior, mas novamente, nesse modelo, temos ainda certas abstrações que fazem com que ele não dê conta de todos os tipos de comportamentos. Como limite desse processo de redução das abstrações nas construções de modelos, temos o Mundo vivido por nós, aqui e agora, singularmente, tal que, para todo modelo apre-sentado, sempre existirá significações que ele não dá conta.

Granger7 nos diz que:

4 Para uma discussão um pouco mais aprofundada sobre a distinção entre

conhecimento científico e conhecimento filosófico, segundo Granger, veja Tassinari, 2007.

5 Cf., e.g., Granger, 1994[1993], p. 70, 1989[1988], p. 13, 1992, p. 14, e 1994, p. 245.

6 Idem, nas partes subseqüentes. 7 Granger, 1994[1993], respectivamente, pp.113, 85 e 86.

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O obstáculo único, mas radical, [ao conhecimento científico] me parece ser a realidade individual dos acontecimentos e dos seres. O conhecimento científico exerce-se plenamente quando pode neutralizar essa individualidade, sem alterar gravemente seu objeto, como acontece em geral nas ciências da natureza. (...) O obstáculo fundamental está, evidentemente, na natureza dos fenômenos de comportamento humano, que carregam uma carga de significações que se opõem a sua transformação sim-ples em objetos [dentro de modelos], ou seja, em esquemas abstratos lógica e matematicamente manipuláveis. (...) Um sentimento, uma reação coletiva, um fato de língua parece que dificilmente podem ser reduzir-se a tais esquemas abstra-tos.

♦ A solução, quanto à limitação do conhecimento dos fatos

humanos por modelos, será, então, tomar o modelo como uma repre-sentação parcial de um limite jamais atingido.

Com efeito, segundo Granger8:

No caso dos fatos humanos, ela [a Ciência] se empenha por envolver cada vez mais estreitamente o individual em redes de conceitos, sem esperar um dia poder atingi-lo. (...) Assim, a questão não é reduzi-los, e sim representá-los, ainda que parcialmente, em sistemas de conceitos.

Lembremos então da distinção, apresentada por Granger, entre

conhecimento científico e conhecimento filosófico. Segundo Granger, o conhecimento filosófico é relativo ao que ele denomina de meta-conceito, “que se aplica não diretamente a experiências, mas a repre-sentações da experiência”9 e que depende de um conjunto de regras

8 Idem, respectivamente, pp. 113 e 86. 9 Idem, p. 45.

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interpretativas da realidade vivida estabelecidas a partir de decisões originárias de cada filósofo. Tais metaconceitos e regras interpretati-vas a partir das decisões originárias definem o que Granger denomina de factum (em oposição aos fatos representados em modelos e sujeitos a verificação10). Como nos diz o próprio Granger11:

Encontramos então [na metateoria filosófica] decisões originá-rias, que ela propõe para orientar a organização dos sentidos do vivido (...).

Neste trabalho, pretendemos, então, expor algumas de nossas

“decisões originárias” em relação ao saber científico e ao seu desen-volvimento e a esboçar uma visão da Realidade, como Totalidade, que culmina na consideração de que a Realidade-Totalidade pode ser concebida como Saber vivo e ativo, Idéia se auto-expondo a nós por um processo auto-organizado.

Uma de nossas decisões originárias é que as implicações dos princípios de nossa interpretação não estejam em contradição com os fatos estabelecidos pelas ciências particulares, no sentido de Granger, e, especialmente, com os fatos sobre os processos de conhecimento estabelecidos pela Psicologia Genética12.

♦ Do que vimos, segue então que: uma visão completa da Rea-lidade como Totalidade não pode ser construída em um modelo único

10 Para mais detalhe sobre a diferença entre conhecimento científico e co-

nhecimento filosófico, segundo Granger, e sobre a noção de factum, veja Tassinari, 2007. Sobre a verificação na Ciência, ver Granger, 1992.

11 Granger, 1989[1988], p. 275. 12 Como veremos adiante, Piaget desenvolve a Psicologia Genética para

testar as questões de fato suscitadas pelas epistemologias, antes de construir a Epistemologia Genética. Conservaremos aqui o mesmo espírito de submeter questões de fatos às ciências correspondentes.

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sem esperarmos que essa visão seja refutada ou contestada no próxi-mo modelo mais explicativo ou pela possibilidade de escolha de ou-tros metaconceitos na sua interpretação filosófica.

Como conseguir então uma unidade de visão frente a essa carac-terística de multiplicidade de perspectivas e diversidade de modelos?

Comecemos analisando a nossa capacidade de representação segundo os dados das Psicologia e Epistemologia Genéticas.

1.2. A Capacidade de Representação segundo as Psicologia e Epis-temologia Genéticas.

Piaget13 identifica, na construção das estruturas necessárias ao conhecimento, o aparecimento da função semiótica que

(...) consiste em poder representar alguma coisa (um significa-do qualquer: objeto, acontecimento, esquema conceitual, etc.) por meio de um significante diferenciado e que só serve para essa representação.

Piaget, em consonância com Saussure14, distingue, então, dois

tipos de significantes diferenciados dos seus significados: o símbolo e o signo.

O símbolo é motivado (no sentido de guardar um vínculo de semelhança com o significado) e individual (essa semelhança é esta-belecida pelo próprio sujeito em sua ação e não é recebida apenas de fora). Como exemplo de símbolos temos: a imitação, o desenho e, ainda, a imagem mental, que, como mostra Piaget, constitui-se por interiorização de imitações (como a imagem mental que guardamos

13 Cf. Piaget e Inhelder 1986[1966], p. 46. 14 Cf. Saussure, 1972, pp. 79-84.

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do quintal de nossa casa ou do pátio da escola que, observados atual-mente, parece-nos bem menor do que eram)15.

Já o signo, cujo representante mais característico são as pala-vras, também servem à designação, porém são coletivos e arbitrários (e.g., cadeira, em Português, diferente de chair, em Inglês), em opo-sição às características do símbolo de ser individual e motivado. Co-mo nos diz o próprio Piaget16:

O símbolo e o signo são significantes das significações abstra-tas, que implicam uma representação. Um símbolo é uma ima-gem evocada mentalmente ou um objeto material escolhido in-tencionalmente para significar uma classe de ações ou objetos. Assim, a imagem mental de uma árvore simboliza no espírito as árvores em geral, uma determinada árvore de que o indiví-duo se recorda ou certa ação relativa às árvores, etc. (...) O signo, por outra parte, é um símbolo coletivo e por isso mesmo arbitrário. O seu aparecimento ocorre, igualmente, du-rante o segundo ano, com o início da linguagem e, sem dúvida, em sincronismo com a constituição do símbolo: símbolo e sig-no apenas são os dois pólos, individual e social, de uma mes-ma elaboração de significações.

Piaget aponta, ainda, a existência de significantes que não se

diferenciam de seus significados e que constituem parte do contexto da coisa significada: o indício17. Em particular, indícios que se dão como parte de uma situação artificial, i.e., construída e que poderiam ser de outra forma, são chamados de sinais (como, por exemplo, no experimento de Pavlov, no qual a salivação do cão foi associada a um

15 Sobre a noção de Imagem Mental, veja Piaget, 1978[1964], e Piaget e

Inhelder, 1977[1966]. 16 Piaget, 1975[1966], p 185. 17 Idem, pp.185-187 e Piaget e Inhelder 1986[1966], p. 47.

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som de campainha; nesse caso, o som da campainha é um sinal da situação de alimentação).

♦ Dos significantes distinguidos por Piaget nos interessa dire-tamente aqui o signo, cuja utilização (conjuntamente com os símbo-los, índices, sinais e esquemas de ação) permite-nos chegar à elabora-ção dos conhecimentos expressos em teorias ou em modelos.

1.3. O Princípio de Designação e a Idéia

Sem entrar nos pormenores do conhecimento que se utiliza de signos (conhecimento conceitual), de sua relação com os símbolos, índices, sinais e esquemas de ação, e da gênese desse tipo de conhe-cimento, o que reservamos para trabalhos posteriores, podemos dizer, de forma geral, que: na medida em que temos um conhecimento cada vez mais detalhado das ações possíveis de se realizar sobre os objetos da Realidade, procedemos naturalmente à construção de modelos e teorias.

♦ Entendemos, em consonância com Granger18, que um mode-lo é um sistema de signos e operações19 sobre signos que usamos para representar objetos da Realidade e ações sobre eles.

Desse modo, operando sobre signos, com operações já vincula-das a ações possíveis, podemos, por um lado, prever novos fatos ex-perimentais possíveis20 e, por outro, sobretudo, explicá-los, apresen-tando como os objetos do domínio de estudo se relacionam e como,

18 Cf., Granger, 1989[1988], p. 13, 1992, p. 14, e 1994, p. 245. 19 O termo operação, neste trabalho, significa uma função matemática

parcial; i.e., uma função f que associa, a cada elemento (ou lista de elemen-tos) de um domínio D, para o qual f está definida, um elemento de D, poden-do não estar definida para todo elemento (ou lista de elementos) de D.

20 Diretamente relacionados ao que é chamado de fatos virtuais por Granger, 1994[1993], p. 48, e 1992.

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dessas relações, podemos deduzir relações particulares que ocorrem em um dado caso experimental21.

♦ Temos, então, o seguinte esquema:

Modelo Objetos (na Realidade) Signos

Ações sobre objetos Operações entre signos

Consideremos um exemplo simples, relativo a modelos do Es-

paço: o Teorema de Pitágoras. Segundo o Teorema temos, em um triângulo retângulo, a relação a² = b² + c², na qual a é a medida da hipotenusa, e b e c são as medidas dos catetos. Ora, considerada como uma propriedade do Espaço Físico, essa é uma relação entre os resul-tados das ações de medições dos comprimentos da hipotenusa e dos catetos que formam o triângulo retângulo. Essa relação expressa, im-plicitamente, várias operações, e.g., a operação h, definida por

²²),( cbcbh += , que possibilita saber de antemão o comprimento da hipotenusa, a partir dos comprimentos dos catetos b e c.

♦ Assim, podemos admitir que os modelos e, também, as teo-rias nos dizem da Realidade.

♦ Em resposta então à questão central deste trabalho, a de es-boçar aqui uma noção de Realidade-Totalidade consoante com o de-senvolvimento contínuo da Ciência Contemporânea, temos que en-quanto essa forma de acesso ao que é a Realidade se utiliza de signos (seja em modelos, seja em elementos da linguagem natural), podemos

21 O que nos leva ao processo de verificação, como exposto em Granger,

1992.

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conceber a Totalidade como: tudo aquilo que podemos, em princípio, designar por signos.

♦ Essa noção de Totalidade pode ser considerada metodológica no sentido de é homogênea ao método de construção de modelos e ao conhecimento por signos, já que é definida a partir da estrutura e da função de designação por signos.

♦ Mais, ainda, essa noção tem um caráter gnosiológico, i.e., re-lativo à natureza e aos limites do ato cognitivo, na medida em que restringe o próprio significado do signo Totalidade à possibilidade de designação por signos. Ou seja, é uma noção gnosiológica na medida em que assumimos que não tem sentido “dizer de algo da Realidade-Totalidade que não possa ser designado, em princípio, por signos”, já que só podemos dizer algo por signos (ou por símbolos ou índices, mas, nesses casos, podemos, a partir dessa designação inicial, dizê-lo por signos). Restringimos, pois, o significado do termo Totalidade, àquilo que ele pode realmente vir a significar para um sujeito do co-nhecimento, já que nos consideramos sujeitos do conhecimento.

♦ Chamaremos, pois, de Princípio de Designação a considera-ção:

O que o termo Realidade-Totalidade designa é constituído de tudo o que podemos, em princípio, designar por signos.

♦ Essa concepção motiva então a definição de Idéia a seguir:

Idéia é a totalidade daquilo que podemos designar, em princípio, por signos.

♦ Pelo Princípio de Designação, temos então a igualdade:

Realidade-Totalidade = Idéia.

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♦ Notemos que o que é designado por símbolos e indícios também pode ser designado por signos. Portanto, o que é designado por símbolos e indícios também faz parte da Idéia.

♦ Assim definida, tudo o que pode ser em princípio conhecido está no escopo da Idéia, inclusive o que é passível de conhecimento científico.

1.4. Subjetividade e Objetividade da Idéia

♦ Analisemos sucintamente então a questão da subjetividade da Idéia (i.e., se esses objetos fazem parte do conhecimento do sujei-to) vs. objetividade da Idéia (i.e., se os objetos pré-existem em relação ao sujeito).

♦ Na medida em que os elementos da Idéia podem ser desig-nados por signos, por um sujeito, esses elementos podem em princípio vir a fazer parte do conhecimento do sujeito e, nesse sentido, são sub-jetivos. Notemos, porém, que, enquanto os elementos da Idéia são definidos apenas pela possibilidade de designação, a Idéia é condição da compreensão realizada por todo e qualquer sujeito e não se restrin-ge a um sujeito em particular.

♦ Em relação à objetividade da Idéia, i.e. se seus elementos pré-existem em relação aos sujeitos, como ela é condição da compre-ensão dos diversos sujeitos, temos que a Idéia é logicamente (e assim também cronologicamente) anterior à compreensão de qualquer sujei-to particular. Logo, a Idéia também é objetiva.

♦ Mais ainda, admitindo o Princípio de Designação, temos que não tem sentido dizer de objetos que não possam ser designados por signos (novamente: só podemos dizer algo por signos); logo não há objeto que possa ser considerado fora da Idéia e, nesse sentido, a Idéia é condição da objetividade.

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♦ Essa noção de condição da objetividade da Idéia se alarga mais ainda quando consideramos que um objeto se individualiza pelas relações que estabelece com os outros elementos que também podem ser designados por signos, e que, por outro lado, as próprias relações se expressam através dos elementos relacionados.

Por exemplo, voltando ao Teorema de Pitágoras no caso de modelagem do Espaço Físico, temos que a hipotenusa a de um triân-gulo retângulo, que é um objeto pertencente à Idéia, está definida na relação que estabelece com os outros lados do triângulo retângulo, designados pelos signos b e c, que também são objetos pertencentes à Idéia. Temos também que a própria relação a² = b² + c² só tem sentido se considerarmos a possibilidade da existência de a, b e c.

♦ Mais ainda, algo só se estabelece como objeto para um sujei-to, na medida em que pode ser incorporado em seu sistema de ações e de operações sobre signos (lembrando que estas acabam por estender o campo daquelas); é assim que algo surge como objeto pertencente à Realidade-Totalidade como aqui definida. Logo, o objeto enquanto elemento designado tem uma dependência direta da própria subjetivi-dade da Idéia e esta uma dependência da possibilidade da construção dos sistemas de ações e de operações (dentre esses encontramos os sistemas de operações definidos por modelos). Veremos exemplos desta dependência na Seção 3, quando tratarmos da psicogênese do Espaço Físico.

Para citar um pequeno exemplo: consideraremos o papel essen-cial da ação de medir no caso já descrito do Teorema de Pitágoras enquanto modelo do Espaço Físico e das operações sobre os signos que designam o resultado dessas medições.

♦ Resumidamente, podemos concluir então que a Idéia é con-dição tanto da subjetividade quanto da objetividade.

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1.5. A Caracterização Conceitual da Realidade (e da Realidade-Totalidade)

♦ Assumindo agora o Princípio de Designação e que a Ciência, como construtora de modelos, é necessária para compreendermos a Realidade (e a Realidade-Totalidade22), podemos então admitir o que chamaremos de Caracterização Conceitual da Realidade (e da Reali-dade-Totalidade):

O que o signo Realidade (e também Realidade-Totalidade)

expressa depende da construção de modelos. ♦ Notemos, porém, que o significado ou significação de alguns

signos tratados no interior de modelos (e.g. espaço físico) não se res-tringe apenas àquele expresso na estrutura de seus modelos ou teorias, mas o transborda e está, evidentemente, ancorado em nossa vivência, aqui e agora, que, como discutido acima, está como limite jamais atingido pela construção de modelos. Retomando Granger, trata-se de representar os fatos em esquemas conceituais e modelos e não de os reduzir.

♦ Assumindo então o Princípio de Designação e a Caracteriza-ção Conceitual da Realidade, algumas conseqüências gerais podem ser notadas:

(1) que os experimentos (relativos às ações possíveis de serem realizadas experimentalmente) são interpretados no interior de um modelo ou teoria, levando sempre a interpretações teórico-carre-

22 Apesar da igualdade entre a Realidade-Totalidade e a Idéia, vamos usar

preferencialmente o termo Realidade-Totalidade já permite evocar mais facilmente seu significado. Retornaremos a denominação Idéia no final da Seção 1.7, quando formos caracterizar a interpretação aqui proposta como um idealismo absoluto.

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gadas; neste trabalho, veremos como isso se dá para o caso do Espaço Físico, palco de fenômenos que servirão de base a outros modelos e teorias;

(2) que, portanto, os objetos (que constituem aqueles sobre os quais se aplicam as ações), nos experimentos, são definidos pelos modelos ou teorias, por suas estruturas e por suas relações com os métodos experimentais; (em particular, esse será o caso, por exemplo, das distâncias espaciais) e

(3) que, nesse sentido, as estruturas expressas nos modelos e teorias constituem parte da estrutura da Realidade-Totalidade.

Notemos então que o Princípio de Designação e a Caracteriza-ção Conceitual da Realidade-Totalidade implicam que não tem senti-do dizer de coisas fora da Realidade-Totalidade, como acima caracte-rizada, e, portanto, não tem sentido dizer de uma coisa-em-si que não esteja em relação ao processo de conhecer; notemos, porém, que, nesse caso, o processo geral de conhecimento tem seu conteúdo (e também sua forma, como veremos na subseção seguinte) relativo à Idéia, sendo a Idéia anterior (lógica e cronologicamente) a qualquer processo de conhecimento de um sujeito particular.

1.6. O Princípio da Idealidade e a auto-organização da Realidade-

Totalidade.

♦ Chamamos, então, de Princípio da Idealidade à conjunção dos fatores:

(1) Caracterização Conceitual da Realidade-Totalidade; (2) impossibilidade de constituição de um modelo único para

Realidade-Totalidade; e, portanto, (3) a necessidade de construção ininterrupta de modelos, para o

conhecimento do que Realidade-Totalidade é.

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Notemos então que também na compreensão da forma do pro-cesso de conhecimento da Realidade-Totalidade, estudada neste traba-lho, utilizamo-nos de sistemas de signos (bem como de subsistemas que são os modelos e as teorias, como os explicitados nas seções se-guintes), em consonância com o Princípio da Idealidade.

Na medida em que esse todo se fecha sobre si mesmo, devemos admitir que esse processo de conhecimento também se encontra na Realidade-Totalidade, já que existem seres (nós) que pertencem a ela e que o realizam.

♦ Temos então que o signo Realidade-Totalidade designa: (1) algo no qual está contido esse processo de conhecimento

dela e, portanto, de exposição dela, ou ainda, de auto-exposição dela; (2) algo que, em cada momento, é identificado ao produto de

um processo de conhecimento, sendo esse o próprio processo de auto-exposição dela;

(3) algo que, por esse processo, torna mais complexo, a cada momento, o que é exposto dela;

(4) algo submetido ao Princípio da Idealidade; logo, (5) algo submetido à Caracterização Conceitual da Realidade-

Totalidade; (6) algo para o qual não há modelo único para o expressar; e (7) algo para o qual há a necessidade de construção ininterrup-

ta de modelos. Como se dá esse processo? Como veremos, neste trabalho, no

caso do Espaço Físico, por uma construção de sistemas de ações e de sistemas de operações (começando por sistemas de operações sobre símbolos e, posteriormente, construindo-se sistemas de operações sobre signos; porém analisaremos aqui mais os sistemas de operações sobre signos, na Seção 2, enquanto modelos do Espaço Físico).

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♦ Devido às qualidades listadas acima, caracterizaremos esse processo de conhecimento e auto-exposição da Realidade-Totalidade como auto-organizado.

Com efeito, fazendo uma pequena digressão, mostremos como se aplica a ele as definições de auto-organização dadas por Debrun.

♦ Notemos, então, que: o processo auto-organizado de auto-exposição da Realidade-Totalidade se apresenta como o processo auto-organizado de conhecimento do sujeito epistêmico a respeito da Realidade-Totalidade.

Assim, primeiramente aplica-se a esse processo de conheci-mento e auto-exposição da Realidade-Totalidade a definição geral23 “uma organização ou ‘forma’ é auto-organizada quando se produz a si própria”, já devido ao fator (1) exposto acima, pois sua forma (e conteúdo) é parte da forma (e conteúdo) da Realidade-Totalidade e ele é o processo de auto-exposição dela.

Nesse caso, como estamos lidando com um sistema já “consti-tuído” (que é o sujeito epistêmico que busca conhecer a Realidade-Totalidade), temos que, a auto-organização é secundária, segundo a classificação de Debrun24:

Quando há uma pluralidade externa – e que se vai de elemen-tos avulsos para a constituição de uma forma – falaremos em auto-organização “primária” (...). Quando se trata da “auto-complexificação” de um organismo (de um sistema, de modo mais geral) constituído, falaremos em auto-organização “se-cundária” (...).

23 Debrun, 1996(a), p. 4. 24 Debrun, 1996(c), p. 28.

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Notemos, então, que, em nosso caso, o termo “organismo” (ou “sistema”) da citação de Debrun é referente ao sujeito epistêmico para o qual a Realidade-Totalidade se auto-expõe.

Analisemos, por fim, de forma sumária, a aplicação da última definição de auto-organização secundária, proposta por Debrun, sem entrarmos nos pormenores das categorias que sua análise permite fundar25 e que estão presentes na definição. Segundo Debrun26:

Há auto-organização secundária quando, num processo de a-prendizagem (corporal, intelectual ou existencial), a interação se desenvolve entre as partes (“mentais” e/ou “corporais”) de um organismo (...) sob a direção hegemônica, mas não domi-nante, da “face-sujeito” desse organismo.

Claramente, o caso analisado aqui é de aprendizagem intelectu-al e corporal, já que se expressa por um aumento de complexidade do sistema de ações e operações do sujeito epistêmico (especialmente, nos modelos e teorias). As partes envolvidas no processo são tanto do próprio sujeito como do meio em questão, já que a ação e a constitui-ção de um sistema de ações e operações implicam, justamente, a exis-tência de interações entre eles. Por fim, temos que o sujeito epistêmi-co, a “face-sujeito” do organismo, tem uma direção hegemônica, mas não dominante, na medida em que não dirige seu processo de conhe-cimento, pois esse depende do que é a Realidade-Totalidade. Inver-samente, temos, também, que a Realidade-Totalidade não domina, igualmente, por si só, esse processo: sua auto-exposição se constitui no processo de conhecimento do sujeito epistêmico e, portanto, em uma construção ativa27 realizada pelo e no sujeito, através de uma

25 Cf. algumas dessas categorias em Tassinari, 2003, pp. 160-161. 26 Debrun, 1996(b), p. 13. 27 Notemos que essa construção é a dos sistemas de ações e de operações

realizáveis pelo sujeito e que a realização de novas modalidades de ações ou operações é algo ativo por parte do sujeito.

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complexificação de seus sistemas de ações e de operações sobre sím-bolos e signos que ele usa para se apresentar parte da Realidade-Totalidade, nos modelos e teorias.

♦ Em particular, podemos dizer que as estruturas dos sistemas de ações e operações, que o sujeito epistêmico constrói (como, em especial, o Grupo Prático de Deslocamentos, descrito na Subseção 3.1, ou os próprios modelos da Seção 2), muitas vezes desempenham o papel de “atrator” do processo auto-organizado, conforme esboçado por Debrun e exposto sucintamente na citação a seguir (que será aqui utilizado na análise do processo de auto-organização do Espaço).

Debrun28 nos diz que:

Deve, no entanto, se constituir ao longo do processo, pela pró-pria interação dos seus elementos, um atrator que vai tornar cada vez mais “provável” a evolução do processo numa certa direção. (...) Resta que, em determinados casos e segundo con-dições e modalidades que tentaremos definir adiante, um atra-tor se forja, à medida que o processo vem passando de “amon-toado” a “sistema”. Ou melhor, dizer que o processo se conso-lida em sistema é dizer, precisamente, que ele “secreta” aos poucos um atrator que representa, a cada passo e para a etapa logo ulterior, uma “exigência” cada vez mais premente. Exi-gência essa que, conforme os casos, pode ser concebida seja em termos de imposição energética, seja às vezes (a nível da auto-organização humana) em termos de ideal percebido como “desejável”, “irresistível”, “eticamente ineludível” etc. (...) A constituição do atrator, por sua vez, deve poder se alicerçar na presença de uma memória “efetiva”, no sentido de Bergson (1896), e não apenas numa memória “deduzida”, no sentido de Von Foerster (1960) (isto é, apenas reconstruída pelo observa-dor, e não “vivida” pelo próprio processo). A vivência dessa memória não significa apenas nem necessariamente que ela consiste de lembranças (nem da potência de evocar lembran-

28 Debrun, 1996(c), pp. 36-38.

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ças), mas que ela fica “atrás” do presente, pronta a lhe servir de sustentáculo e de princípio de orientação, no futuro imedia-to. (...) no caso de uma memória “bergsoniana”, o passado se mantém diferente do presente e, todavia, ligado diretamente a ele (isto é, não há necessidade de reconstruí-lo mentalmente, está “na mão”).

Com efeito, no caso das estruturas dos sistemas de ações e ope-

rações construídas pelo sujeito epistêmico, as próprias ações e opera-ções são gradativamente construídas de modo a constituir um todo que adquire pregnância no sentido da teoria da Gestalt29. Essa estru-tura funciona então como estrutura de parte da Realidade-Totalidade para o sujeito epistêmico e está como uma “memória ‘efetiva’”, vivi-da, não apenas como lembrança, “mas que ela fica ‘atrás’ do presen-te, pronta a lhe servir de sustentáculo e de princípio de orientação, no futuro imediato”.

29 Não desenvolveremos aqui os detalhes da constituição psicológica des-

se atrator. Para uma compreensão primeira, citemos apenas as acepções do termo “pregnância” segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, 2001. 1. (Psic.) Forma e estabilidade de uma percepção, na teoria da forma; (Psic.) Lei ou princípio geral da teoria da Gestalt segundo o qual a configuração perceptiva particular que reponta entre todas as outras poten-ciais é tão boa quanto o permitirem as condições prevalentes, e suas proprie-dades são a simplicidade, a estabilidade, a regularidade, a simetria, a continu-idade, a unidade, a concisão (p.ex., uma circunferência com pequenas falhas no traçado é vista como se fosse perfeitamente fechada). 3. (Derivação por extensão de sentido.) Qualidade ou virtude do que se impõe ao espírito, do que produz forte impressão.

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1.7. O Princípio da Idealidade Absoluta e a Realidade-Totalidade como Saber Vivo e Ativo

Voltemos, então, aos aspectos mais gerais deste trabalho. ♦ Temos, então, que o termo Realidade-Totalidade se refere a

algo: (1) que se explicitaria no limite (jamais completamente atingido) desse processo de elaboração de conhecimento da própria Realidade-Totalidade (processo de auto-exposição dela, do qual a elaboração de modelos e teorias é uma parte); e (2) que atua como fator coordenador de sua auto-exposição de forma auto-organizada (sendo as estruturas expressas nos modelos e teorias, partes auto-expostas de sua estrutu-ra).

♦ Podemos considerar, a partir daí, o saber total dessa Reali-dade-Totalidade (que se explicitaria no limite), a que chamaremos simplesmente Saber, e a hipótese30 interpretativa, que chamaremos de Princípio da Idealidade Absoluta:

A própria Realidade-Totalidade é idêntica ao Saber.

♦ Assumindo o Princípio da Idealidade Absoluta, temos que o

Saber se auto-expõe de forma auto-organizada e imanente (ao e no sujeito epistêmico, principalmente na constituição ativa, por parte desse sujeito, de seus sistemas de ações e operações), ou seja, temos que:

A Realidade-Totalidade é o Saber vivo! E nós somos partes auto-organizadas dele!

30 Lembremos que admitimos várias formas de interpretação da Realida-

de, o que nos leva a considerar nossa proposta interpretativa exposta aqui apenas como uma hipótese interpretativa (cf. início da Subseção 1.1).

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♦ Notemos, então, que essa caracterização da Realidade-Totalidade como Saber equivale a considerar que ela sempre poderá ser compreendida e que, assim, haverá razões, ou melhor, explica-ções, inclusive em modelos e teorias, para revelar parte de sua estrutu-ra; nesse sentido, está em consonância com o desenvolvimento contí-nuo da Ciência Contemporânea e com a possibilidade permanente de construção de modelos.

♦ Como vimos na Subseção 1.3 podemos identificar a Reali-dade-Totalidade à Idéia. Assim, esse Saber vivo e ativo (que é a Rea-lidade-Totalidade) é identificado também com a Idéia e podemos caracterizar a visão apresentada neste trabalho como um idealismo absoluto, na medida em que, como vimos, a Idéia é condição da sub-jetividade e da objetividade. Em outras palavras, temos que, na Idéia, tal como aqui exposta, está superada a dicotomia sujeito-objeto, já que o que esses termos designam se encontra no interior dela. Mais parti-cularmente: como veremos, não consideramos que a Idéia é apenas subjetiva, isto é, está no interior do sujeito epistêmico, apesar de se expressar e se auto-expor para ele e ser essa a única forma de acesso a Idéia por nós; e, como vimos, não a consideramos independente do processo de conhecer em geral, pois, o papel desempenhado pelo sujeito, com seus sistemas de ações e operações, é essencial aos ele-mentos da Idéia e a sua auto-exposição.

♦ Assim, como posto aqui, temos que a Idéia se auto-expõe a nós por um processo auto-organizado do qual é parte nosso próprio processo de conhecimento.

♦ Para exemplificar, então, essa visão, fazemos, nas próximas seções, uma análise do Espaço Físico, palco dos fenômenos em geral, tantos naturais, como humanos. Quanto ao Princípio da Idealidade (um dos fundamentos dessa visão da Realidade-Totalidade como Saber vivo), no caso da auto-exposição da estrutura do Espaço Físico,

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notemos que: não é evidente que haja tanto o fator (2), impossibilida-de de constituição de um modelo único, quanto o (3), a necessidade de construção ininterrupta de modelos, apesar dos sucessivos modelos construídos historicamente para explicar a estrutura espacial. Logo, o Princípio da Idealidade, o Princípio de Idealidade Absoluta e a hipóte-se interpretativa de que a Realidade-Totalidade é Saber vivo e ativo, Idéia se automanifestando de forma auto-organizada, expressar-se-ão, nesse caso: (1) pela satisfação da Caracterização Conceitual da Reali-dade (exposta nas diversas teorias tratadas na seção seguinte); (2) pela construção e coordenação dos sistemas de ações espaciais possíveis, tanto do sujeito quanto às atribuídas aos objetos espaciais; (3) pela construção e coordenação dos sistemas das operações sobre símbolos e signos do sujeito epistêmico que designam os objetos e as ações sobre esses; e (4) pela constituição de atratores nos processos de cons-trução e coordenação dos sistemas de ações e de operações (expostas, respectivamente, nas Subseções 3.1 e 3.3).

2. SÓCIOGÊNESE DO ESPAÇO

Eu lhes expus a evolução, encontrando então a solução do di-lema [de situar o lugar real e necessário das coordenadas em Física]: a significação física [delas] não está ligada às diferen-ciais das coordenadas, mas exclusivamente à métrica rieman-niana que lhes está associada. Por aí, se descobriu uma base para a teoria da relatividade geral, que se impõe. (A. Einstein, 1981[1953], p. 162)

♦ Apresentamos, então, nesta seção, a sociogênese do que o termo Espaço se refere e de alguns de seus elementos constitutivos.

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2.1. Símbolos, Signos, Ações e Operações na Geometria Euclidiana

A primeira grande sistematização do conhecimento sobre o Es-paço foi feita por Euclides (c.300 a.C.) nos Elementos.

Na Geometria Euclidiana, podemos interpretar as figuras geo-métricas já traçadas como símbolos que remetem à possibilidade de ações espaciais (como, e.g. suas construções) e, portanto, remetem também, à própria estruturação do Espaço.

Os significados atribuídos aos signos (como, e.g., aos termos circulo, reta, ângulo, triângulo, etc.) contêm, da mesma forma, signi-ficações operacionais que permitem organizar e sistematizar as possi-bilidades das ações espaciais e, consequentemente, organizar nossa Realidade nessa estrutura espacial.

Uma pequena análise dos postulados dos Elementos já nos mostra como eles estabelecem as operações base sobre os símbolos e signos citados acima que permitem a descrição da estruturação espa-cial euclidiana. Com efeito, segundo os postulados, temos: a possibi-lidade de construirmos retas (1º e 2º Postulados) e circunferências (3º Postulado); a possibilidade de identificarmos os ângulos retos entre si (4º Postulado); e, por fim (no célebre 5º Postulado das Paralelas31), a possibilidade de construirmos, fora de uma reta dada, apenas uma outra reta que não intercepta a primeira (essa forma de o exprimir é equivalente à usada por Euclides32). Com efeito, segundo Eves33, os postulados são:

31 Esse postulado não é válido nas geometrias não-euclidianas, como a de

Riemann, que veremos mais adiante. 32 Cf. Eves, 2004[1964], p. 539. 33 Idem, p. 180.

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P1 É possível traçar uma linha reta de um ponto qualquer a ou-tro ponto qualquer. P2 É possível prolongar uma reta finita indefinidamente em li-nha reta. P3 É possível descrever um círculo com qualquer centro e qualquer raio. P4 Todos os ângulos retos são iguais. P5 Se uma reta intercepta duas retas formando ângulos interio-res de um mesmo lado menores do que dois retos, prolongan-do-se essas duas retas indefinidamente elas se encontrarão no lado em que os dois ângulos são menores do que dois ângulos retos.

2.2. A Geometria Analítica e o Refinamento da Compreensão Operatória do Espaço

Um outro importante momento da constituição de nosso co-nhecimento sobre o Espaço foi o surgimento da Geometria Analítica com Descartes e Fermat34. Nela temos uma descrição mais precisa das possibilidades de realização de ações espaciais e suas composi-ções, por meios da possibilidade de operações sobre números reais, ou ainda, sobre numerais (signos) que os representam (e.g., pontos são representados por listas de números, figuras geométricas, por equa-ções, e encontros de figuras são representados por soluções de sistema de equações). Temos aqui uma compreensão mais refinada da estrutu-ra espacial. Com efeito, mais tarde, no Séc. XIX, essa consideração foi usada para se demonstrar a impossibilidade de resolução, com régua e compasso, dos três problemas célebres da Geometria Euclidi-ana: o da Trisseção de um Ângulo, o da Quadratura do Círculo e o da Duplicação do Cubo35.

34 Cf. Idem, pp. 382-389. 35 Cf. Idem, Cap. 4.

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Notemos então que a estrutura do Espaço Físico expressa na Física Newtoniana com a Geometria Analítica é ainda a estrutura da Geometria Euclidiana: podemos dizer apenas, nesse caso, que a Geo-metria Analítica constitui uma sistematização mais refinada das ações possíveis de se realizar no Espaço Físico, já inscritas na Geometria Euclidiana.

2.3. A Geometria de Felix Klein e a Sistematização das Operações

Espaciais

Um outro capítulo importante na constituição sociogênica da significação do termo Espaço e da sua relação com as ações possíveis de realizarmos sobre os elementos do Espaço Físico é a generalização do conceito de Geometria, feita por Felix Klein36.

Lembremos, inicialmente, que um grupo é uma estrutura cons-tituída de um conjunto G munido de uma operação binária • com as seguintes propriedades37.

(1) Elemento Neutro: existe um elemento i em G, chamado de elemento neutro, tal que, para todo a em G, temos que i • a = a • i = a.

(2) Elemento Inverso: para cada elemento a em G, existe um elemento b em G, chamado de elemento inverso de a, tal que a • b = b • a = i, nas quais i é o elemento neutro.

(3) Associatividade: para quaisquer elementos a, b e c em G, temos que: a • (b • c) = (a • b) • c.

36 Cf. Idem, pp. 605-609. 37 Lembremos que, uma operação binária • em G é uma função binária •

que associa a cada par de elementos x e y de G, um elemento z de G, denota-do por x • y. A propriedade de •, de que os resultados da aplicação de • a elementos de G resulta sempre em elementos de G, é chamada de fechamento da operação • em relação a G.

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Para exemplificar a noção de grupo, consideremos, a seguir, o Grupo de Deslocamentos que, como veremos, é uma estrutura impor-tante na psicogênese do Espaço.

Denotemos os pontos de um espaço por letras latinas maiúscu-las A, B, C, etc.; denotemos, então, os deslocamentos por pares de letras latinas maiúscula, tais que, por exemplo, AB denota um deslo-camento feito na mesma direção e distância que um que vai do ponto A ao ponto B 38; e, por fim, denotemos por + a operação de composi-ção de dois deslocamentos tal que39: AB + BC = AC.

Seja então Γ o conjunto de todos os deslocamentos. Temos en-tão que Γ e a operação + constituem um grupo, chamado de Grupo de Deslocamentos.

Com efeito, em Γ, temos que: (1) existe o elemento neutro AA (= BB = CC = etc.), tal que AA

+ AB = AB = AB + BB; (2) para cada AB, existe o elemento inverso BA, tal que AB +

BA = AA; (3) existe a associatividade: AB + (BC + CD) = (AB + BC) +

CD. Notemos então que a associatividade expressa o que denomina-

remos de Conduta do Desvio, i.e., chegar a um mesmo ponto D por dois caminhos diferentes (ou por B ou por C), já que, realizando as somas entre parênteses, temos AB + BD = AC + CD.

Voltando à definição kleiniana de geometria, lembremos, ain-da, que uma transformação t sobre um conjunto S é uma função que associa, a cada elemento a de S, um único elemento b de S, represen-

38 Notemos que AB denota o que se chama, usualmente, nos manuais es-

colares, de vetor e para o qual também se usa a notação→AB .

39 Ou seja, + denota a soma vetorial.

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tado por t(a) e, inversamente, para cada elemento b de S, t associa um único elemento a de S tal que40 t(a) = b.

Podemos, então, demonstrar que um conjunto Γ de transforma-ções que tenha a transformação identidade i (tal que i(x) = x), constitui uma estrutura de grupo em relação ao produto de transformação, i.e., (a • b)(x) = a(b(x)). Esse grupo é então chamado de grupo de trans-formações.

Notemos, em particular, que o Grupo de Deslocamentos é um grupo de transformações, considerando as transformações do tipo aAB(x) = AB + x ou aAB(x) = x + AB.

A partir daí Klein, define41:

Uma geometria é o estudo das propriedades de um conjunto S que permanecem invariantes quando se submetem os elemen-tos de S às transformações de um grupo de transformações Γ.

Assim, o estudo de invariantes perante o Grupo de Desloca-

mentos é uma geometria. Mais ainda, temos que o conjunto Γ de to-das as transformações de um conjunto S abrangendo as rotações, as translações e as reflexões em torno de retas geram a Geometria Eucli-diana Plana42.

2.4. Relatividade Restrita e o Continuum Espaço-Temporal de Hermann Minkowski

Passando para dados mais contemporâneos em relação à signi-ficação do termo Espaço Físico, temos que — depois de Einstein ter

40 Ou seja, t é uma função biunívoca, como definida usualmente nos ma-

nuais escolares. 41 Cf. Eves, 2004[1964], p. 606. 42 Idem.

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proposto os Princípios de Relatividade e de Constância da Velocidade da Luz43, fundamentos da Teoria da Relatividade Restrita — Her-mann Minkowski mostra a existência de uma estrutura quadridimen-sional mais fundamental, o Espaço-Tempo, da qual o Espaço Físico e o Tempo Físico são apenas componentes que variam conforme a mu-dança de referencial físico. Como diz o próprio Minkowski44:

Daqui em diante, espaço por si próprio e o tempo por si pró-prio estão condenados a desaparecer como meras sombras, e apenas um tipo de união dos dois preservará uma realidade in-dependente.

É importante lembrar que Minkowski se utiliza da noção klei-

niana da geometria para determinar as propriedades desse novo Espa-ço-Tempo, definindo um grupo de transformações Gc que mantém as leis do movimento invariantes sob rotações do sistema de coordenas, sob movimentos uniformes e sob a arbitrariedade de escolha do ponto zero de referência do Espaço e do Tempo. Esse grupo é hoje associa-do ao Grupo de Lorentz de transformações que nos permite saber, dadas as coordenadas de um evento no universo quadridimensional, em um referencial inercial, quais são as coordenada desse evento em um outro referencial inercial. As leis da Natureza devem, então, man-ter a mesma forma perante as transformações desse grupo para serem independente do referencial, ou ainda, serem definidas para o Espaço-Tempo quadridimensional absoluto45. Com efeito, Minkowski nos diz46:

43 Cf. H. A. Lorentz, A. Einstein, H. Minkowski e H. Weyl, 1923, p. 38. 44 Idem, p. 75. 45 Sobre o absoluto no domínio do Espaço e do Tempo, cf. Ghins,

1991[1990]. 46 Idem, respectivamente, p. 79 e p. 83.

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A existência da invariância das leis da natureza no grupo Gc apropriado teria de ser tomado, então, dessa forma: (...) É ain-da possível fazer uma mudança qualquer no sistema de refe-rência em conformidade com a transformação do grupo Gc, e deixar inalterada a expressão das leis da natureza. (...) Já que o postulado [da Relatividade de Einstein] vem mostrar que somente o mundo quadridimensional no espaço-tempo é dado pelos fenômenos, mas que a projeção [separadamente] no espaço e no tempo pode ainda ser tomada com certo grau de liberdade, eu prefiro chamá-lo de postulado do mundo absolu-to (ou brevemente, de mundo-postulado).

Em um dado referencial inercial, a distância espacial (e a dis-

tância temporal) entre dois eventos, e, portanto, o espaço tridimensio-nal (e o intervalo de tempo) entre eles, são as diferenças de suas coor-denadas espaciais (e, respectivamente, temporais) e as transformações de Lorentz nos permitem saber qual é o espaço (e intervalo de tempo) entre esses eventos (projeções do continuum Espaço-Tempo) em cada referencial inercial. O Espaço tridimensional (e também o Tempo) acaba sendo então apenas uma projeção, diferente em cada referencial inercial, do Espaço-Tempo. Como diz Minkowski47:

Teríamos, no mundo, então, não mais espaço, mas um número infinito de espaços, analogamente como existe em um espaço tridimensional um número infinito de planos. Geometria tridi-mensional se torna um capítulo na física quadridimensional. Agora você sabe por que eu disse no início que espaço e tempo desaparecem nas sombras e somente um mundo em si subsistirá.

♦ Notemos que, na exposição do continuum quadridimensional

espaço-temporal e, consequentemente, também, na exposição do Es-paço Físico tridimensional, a partir da teoria da Relatividade Restrita,

47 Idem, pp. 79-80.

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Minkowski utiliza-se dos conhecimentos operatórios anteriores sobre os signos e símbolos que expressam os elementos das Geometrias Euclidiana, Analítica, Kleiniana e Diferencial48. Retrospectivamente, podemos ver, portanto, como, a cada momento descrito anteriormente (da Geometria Euclidiana, da Geometria Analítica, da Geometria Kleiniana, do Espaço-Tempo Minkowskiano), existe a manifestação do Principio de Idealidade em termos da caracterização conceitual do Espaço Físico (i.e., o que o signo Espaço Físico expressa depende da construção de modelos) e, mais ainda, como a sucessão de modelos (geometrias) se apresenta como um resíduo dos fatores (2), impossibi-lidade de constituição de um modelo único, e (3), necessidade de construção ininterrupta de modelos, do Princípio da Idealidade.

2.5. A Relatividade Geral, o Espaço-Tempo Curvo e o Princípio

da Idealidade ♦ Apesar de, na Relatividade Restrita, o Espaço (e o Tempo)

depender do referencial inercial em que estamos, temos ainda que, em cada referencial inercial, a parte espacial do Espaço-Tempo, tem uma métrica euclidiana, ou seja, o elemento de distância espacial dr é dado por49 dr2 = dx2 + dy2 + dz2. Somente com a Relatividade Geral, que teve sua elaboração feita a partir do trabalho de Minkowski e da Ge-ometria Riemanniana (que é uma geometria não-euclidiana), é que o Espaço-Tempo e, conseqüentemente, o Espaço tridimensional físico, será reconhecido como curvo.

48 Lembremos que, como diz Eves, 2004[1964], p. 601, “A geometria di-

ferencial é o estudo das propriedades das curvas e superfícies, e suas gene-ralizações, por meio do cálculo”.

49 Notar que essa equação expressa tridimensionalmente o Teorema de Pitágoras na forma diferencial e, portanto, uma métrica euclidiana.

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Como nos diz o próprio Einstein50:

Eu precisava encontrar nova expressão da lei da inércia. (...) Galileu diz: um ponto material, sobre o qual não se exerce ne-nhuma força, é representado no espaço de quatro dimensões por uma linha reta, quer dizer, pela linha mais curta, ou mais precisamente, a linha extrema. Este conceito supõe estabeleci-do o de comprimento de um elemento de linha [ds], portanto de uma métrica. Ora, na teoria da relatividade restrita, esta medida – de acordo com as demonstrações de Minkowski – assemelhava-se a uma medida quase euclidiana: quer dizer, o quadrado do “comprimento” ds2 do elemento de linha é uma função quadrática determinada das diferenciais das coordena-das [i.e., ds2 = (dx1)2 - (dx2)2 - (dx3)2 - (dx4)2 ; no qual x1 = ct, x2 = x, x3 = y, x4 = z]. Se introduzo aqui outras coordenadas, por uma transformação não linear, ds2 continua uma função homogênea das diferen-ciais de coordenadas [ds2 = Σμ,ν=1

4 gμνdxμdxν], mas os coefi-cientes desta função (gμν) não são mais constantes, mas so-mente algumas funções das coordenadas. Em linguagem ma-temática, traduzo que o espaço físico de quatro dimensões pos-sui uma métrica riemanniana. As linhas extremas desta métrica dão a lei do movimento de um ponto material sobre o qual, fo-ra das forças de gravitação, não age nenhuma força.

♦ Localmente, para baixas velocidades e pequenas massas, o

Espaço, tridimensional, pode ser considerado euclidiano; daí a estru-turação, feita por nós, dos fenômenos observados como em um espaço euclidiano funcionar.

♦ Mas, para a estruturação dos fenômenos em sua universali-dade, a estrutura do espaço euclidiano não funciona mais: é necessária uma geometria riemanniana.

50 Einstein, 1981[1953], pp.161 e 162.

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♦ Assim, as operações sobre os signos que expressam os ele-mentos da Geometria Riemanniana passam a ser estruturantes dos dados experimentais e, consequentemente, dos fenômenos apresenta-dos na percepção e na própria experiência!

É interessante observar que, bem antes do advento da Relativi-dade Geral, Riemann, ao formular os fundamentos da geometria que levam seu nome, sugere a análise experimental para a escolha da ge-ometria que deveria ser aplicada ao Mundo Físico.

♦ Aqui, o Princípio da Idealidade do Espaço Físico está mais bem expresso do que nos outros casos discutidos (em termos da sua caracterização conceitual), pois vem mostrar que o que designamos pelo signo Universo Físico depende necessariamente de um sistema de operações sobre signos dados pela teoria da Relatividade Geral; sendo que parte desse sistema de operações sobre signos (e de signifi-cados associados a eles) fora concebidos por Riemann, antes de sua aplicação ao Universo Físico.

3. PSICOGÊNESE DO ESPAÇO

Vê-se, assim, como o pensamento da criança, que apresenta ati-vidades consideráveis, às vezes originais e imprevistas, é rico em aspectos notáveis, não somente por suas diferenças do pen-samento adulto, mas ainda por seus resultados positivos, que nos ensinam o modo de construção das estruturas racionais, permitindo mesmo, às vezes, esclarecer certos aspectos obscu-ros do pensamento científico. (J. Piaget, 1967[1964], p. 81)

♦ Vimos, na seção anterior, como o Princípio da Idealidade se

manifesta no Espaço, na caracterização conceitual que explicita sua estrutura e na sua sociogênese. Analisemos, agora, como essas estru-

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turas se constituem no sujeito, isso é, a psicogênese da noção de Es-paço. 3.1. A Noção de Espaço e o Sistema de Ações51

♦ Segundo as pesquisas em Epistemologia e Psicologia Gené-ticas, os fenômenos percebidos pelo sujeito são necessariamente con-dicionados por estruturas já existentes no sujeito no momento da per-cepção, sendo o Espaço uma dessas estruturas52. Porém, essas pesqui-sas mostram, também, que (e como) essas estruturas são construídas.

♦ A constituição do Espaço está relacionada ao sistema de a-ções possíveis de serem realizadas pelo sujeito e, posteriormente, como vimos na seção anterior, à sua representação, com símbolos e signos.

Sobre o Espaço, Piaget53 nos diz:

Importa distinguir cuidadosamente, para evitar os equívocos freqüentes e incômodos, três planos diferentes de construções espaciais: o plano sensório-motor ou da ação propriamente di-ta, o da percepção ou organização dos dados sensoriais e o da representação intuitiva ou operatória, o qual, por si, importa diretamente à formação dos conhecimentos matemáticos. O plano sensório-motor, que está no ponto de partida dos dois outros domínios, apresenta, no entanto, certa importância. Já

51 Na realidade, o termo mais adequado aqui seria sistema de esquemas

de ações, porém, para simplificar a exposição, vamos tratar indistintamente aqui as noções ação e esquema de ação, cf., e.g., Battro, 1978[1966], p.92.

52 Desse ponto de vista, sem levarmos em conta a construção do Espaço, como será analisada adiante, podemos aceitar parte da análise de Kant (1996[1787]), na Estética Transcendental, e.g. (p.73), do Espaço como “con-dição da possibilidade dos fenômenos”. Sobre o Kantismo Evolutivo de Pia-get, cf. Ramozzi-Chiarottino, 1984, Cap. II. Sobre a questão do modelo na obra piagetiana, veja Ramozzi-Chiarottino, 1972.

53 Piaget, 1967, pp.417-418.

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faz muito tempo que H. Poincaré procurou a origem da orga-nização do espaço nas coordenações dos movimentos do pró-prio corpo e dos objetos exteriores e sustentou que essa coor-denação repousa sobre uma estrutura inerente às ações do su-jeito e, portanto, a priori, que seria o “Grupo de Deslocamen-tos”. Mas, como já vimos, se essa estrutura desempenha bem o papel genético que lhe atribuiu o grande matemático, ela não é a priori, mas se constrói pouco a pouco durante os primeiros dezoitos meses de existência: mesmo à distinção de mudanças de posição e de mudanças de estado, não faz falta, imediata-mente, a permanência de objetos ou móveis, que se construirá, ela também, e terminará por constituir o invariante do grupo em questão.

♦ Com efeito, sem entrar ainda na constituição da noção de

permanência do objeto físico, mencionada no fim da citação acima, podemos dizer que o sujeito estrutura, no seu sistema de suas ações, os elementos dados pela sua percepção ou sentidos e, a partir dele, constrói, posteriormente, sua representação do espaço. Ora, essas ações e seu sistema não se encontram prontas e acabadas desde o início de sua vida, mas tem uma constituição no tempo.

De fato, Piaget mostra a existência de estágios na constituição desse sistema de ações (a partir das diferenciações e coordenações destas), que, muito sumariamente, listamos abaixo54. As idades que aparecem abaixo são médias e variam, portanto, de indivíduo para indivíduo e de cultura para cultura; foram postas aqui apenas para servir de referência ao leitor55.

54 Cf. Piaget 1983[1972], p.p. 237-238, Piaget 1975[1966] e Piaget e In-

helder, 1977[1966]. 55 Não é a idade em que ocorrem os estágios que importa, mas antes: (1)

que eles têm uma ordem de sucessão constante; (2) que as estruturas constru-ídas se integram nas seguintes (o que explica o item anterior); (3) que há uma estrutura de conjunto em cada estágio; (4) que o anterior é uma preparação para o seguinte e este um acabamento para aquele; e (5) que há necessidade

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1º Estágio (0 a 1 mês): exercício dos reflexos (hereditários). 2º Estágio (de 1 a 4 meses e meio): primeiros hábitos adquiri-

dos (derivados dos reflexos). 3º Estágio (de 4 meses e meio a 8-9 meses): coordenação das

ações de visão e de preensão e começo da coordenação entre ações simples, empregadas como meio, e ações compostas fins.

4º Estágio (de 8-9 meses a 11-12 meses): realização de ações compostas por coordenação de ações simples e utilização, em certos casos, de meios conhecidos com vistas a atingir um objetivo novo (vários meios possíveis para um mesmo objetivo e vários objetivos possíveis para um mesmo meio).

5º Estágio (de 11-12 meses a 18 meses): diferenciação das di-versas ações por variação das suas condições (por exploração e tateios dirigidos) e descoberta de novos meios por experimentação ativa.

6º Estágio (de 18 a 24 meses): começo da realização de ações interiorizadas e solução de alguns problemas com parada da ação e compreensão brusca (insight). Constituição do Grupo Prático de Des-locamentos.

♦ Essa última característica, a constituição do Grupo Prático de Deslocamentos, significa que o sistema de deslocamentos espaciais da criança adquire, finalmente, a forma de um Grupo de Deslocamentos descrita na Seção 2 deste trabalho.

Isso quer dizer que: (1) o sistema de ações de deslocamentos possíveis da criança

adquire a característica de fechamento, definida na Nota 37, i.e., se os deslocamentos AB e BC fazem parte do seu sistema, então a composi-ção AB + BC, que resulta o deslocamento AC, faz parte de seu siste-ma.

de distinção entre os processos de formação ou de gênese e as formas de equilíbrios finais (no sentido relativo). Cf. Piaget, 1983[1972], pp. 235-236.

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(2) para cada deslocamento AB possível de ser realizado pela criança, existe um deslocamento inverso BA possível, tal que sua composição AB + BA resulta em um retorno ao ponto de partida e, portanto, no deslocamento nulo AA; ou seja, AB + BA = AA; esse comportamento é chamado de Conduta do Retorno;

(3) existe, pois, no sistema de deslocamentos, o deslocamento nulo (AA, BB, etc.), como estabelecido pela Conduta do Retorno, descrita acima, fruto, portanto, da relação que os elementos do siste-ma (deslocamentos) estabelecem entre si, de forma que AB + BB = AB = AB + BB;

(4) a criança consegue realizar a Conduta do Desvio, isso é, sa-be chegar a um ponto D por caminhos diversos (passando por B ou por C), ou seja, AB + BD = AC + CD.56

Assim, o sistema de deslocamentos realizáveis pela criança não se encontra formado desde seu nascimento, ao contrário é fruto de uma constituição ativa por parte do sujeito.

Com efeito, para a constituição do Grupo Prático de Desloca-mentos, a criança precisa antes:

(1) adquirir ações de deslocamentos, ou seja, aprender a se des-locar;

(2) aprender a compor ações de deslocamento (para que ocorra a propriedade descrita no item (1) mais acima), i.e., realizar um deslo-camento composto de deslocamentos mais simples;

(3) variar ações que tem o mesmo fim, de forma a perceber a equivalência entre diferentes tipos de ações de deslocamento com mesmo fim (para adquirir a Conduta do Desvio);

56 Lembremos que esse quarto item é equivalente à associatividade OA +

(AB + BC) = (OA + AB) + BC; logo, a Conduta do Desvio indica a associati-vidade da operação de composição de deslocamentos.

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(4) antecipar deslocamentos e seus regressos (para adquirir a Conduta do Retorno), o que só ocorre no 6º Estágio do Período Sen-sório-Motor, com a interiorização das ações.

Por fim, notemos a auto-organização secundaria, segundo a de-finição de Debrun, já citada neste trabalho, presente no processo de constituição do Espaço, enquanto estrutura do sistema de deslocamen-tos. Com efeito, o Grupo Prático de Deslocamento, forma final desse processo, é o resultado de um processo de aprendizagem corporal e intelectual; a interação se desenvolve entre as partes (e.g., elementos percebidos na ação, elementos motores ativos da ação, ações simples, ações compostas) sob a direção hegemônica da “face-sujeito” do su-jeito epistêmico, já que é ele quem constrói seu sistema de ações; mas a “face-sujeito” não dominante, já que não planejava inicialmente chegar a esse grupo.

♦ Notemos que o Grupo Prático de Deslocamento desempenha um papel de “atrator” com todas as características apresentadas na citação de Debrun na Subseção 1.6 deste trabalho. Nesse sentido há auto-exposição do Espaço como estrutura que organiza nosso sistema de ações espaciais. Vemos, assim, como a constituição do Espaço é parte do processo auto-organizado de auto-exposição da Idéia, como aqui definida.

3.2. A Construção da Noção de Permanência do Objeto no Espaço

♦ Como contraprova da construção da estrutura Espaço pelo sujeito epistêmico, podemos mostrar a existência da construção da Noção de Permanência do Objeto no Espaço57, justamente a que falta em certo momento do desenvolvimento, como mencionado na citação de Piaget acima.

57 Cf. Piaget 2006[1977].

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Com efeito, antes do 5º Estágio, já descrito, não podemos falar em permanência de objetos, pois assim que começa a haver procura de um objeto desaparecido, não existe ainda, por parte do sujeito, coordenação de seu reencontro com os deslocamentos (e localizações) sucessivos do objeto.

No 5º Estágio, passa a haver a busca do objeto desaparecido com sua localização em função de seus deslocamentos sucessivos perceptíveis e um começo de organização do Grupo Prático de Deslo-camentos.

Apenas no 6º Estágio, o Grupo Prático de Deslocamentos se generaliza e passa a haver, no sistema, a incorporação de deslocamen-tos não perceptíveis. Nas palavras do próprio Piaget58:

(...) o universo inicial é um mundo sem objetos, que consiste apenas em “quadros” móveis e inconsistentes, os quais apare-cem e, logo, reabsorvem totalmente, e ora não retornam, ora ressurgem em forma modificada e análoga. Entre o quinto e o sétimo meses (3º estádio do §I), quando a criança vai agarrar um objeto e alguém o recobre com um lençol ou o coloca atrás de um anteparo, a criança retira simplesmente a mão já esten-dida ou, se se trata de objeto de interesse especial (a mamadei-ra, etc.) põe-se a chorar ou a berrar de decepção: reage, portan-to, como se o objeto se tivesse desfeito. Responder-se-á, tal-vez, que ela sabe muito bem que o objeto continua a existir no lugar em que desapareceu, mas simplesmente não consegue resolver o problema de procurá-lo e levantar o lençol. Mas quando começa a procurar debaixo do lençol (veja o 4º estádio do §I), pode-se fazer o controle seguinte: esconder o objeto em A, à direita da criança, que o procura e encontra e, em seguida, à vista dela, deslocar e esconder o objeto em B, à sua esquer-da: depois que a criança viu o objeto desaparecer em B (debai-xo de uma almofada, etc.), acontece, amiúde, que vai procurá-lo em A, como se a posição do objeto dependesse das ações

58 Piaget e Inhelder, 1977[1966], pp. 19-20.

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anteriormente bem sucedidas e não de deslocamentos autôno-mos e independentes da ação própria. No 5º estádio (9-10 me-ses), o objeto é procurado, ao contrário, em função apenas das suas deslocações, a menos que sejam demasiado complexas (encaixes de anteparos) e, no 6º estádio, acrescenta-se a isso um jogo de inferências que consegue dominar certas combina-ções (erguer uma almofada e encontrar debaixo dela, apenas, outra cobertura imprevista, que é então imediatamente retira-da) (...). A conservação do objeto é, entre outras, função da localização. Esse fato mostra, sem dificuldade, que a construção do esque-ma do objeto permanente é solidário com toda a organização espácio-temporal do universo prático, como também, natural-mente, com sua estruturação causal.

♦ Vemos, então, como o Espaço, como forma estruturante de

nossas ações e de nossa percepção externa, constrói-se e como, corre-lativamente, também se constrói a própria noção de permanência, no Espaço, dos objetos. Vemos, assim, como, além da auto-exposição do Espaço pelo processo auto-organizado de auto-exposição da Idéia, existe também nesse processo, correlativamente, o processo de auto-exposição da característica de permanência dos objetos espaciais da Idéia.

3.3. A Noção de Espaço e a Representação

♦ Por fim, expondo de forma abreviada a reconstrução, no pla-no da representação, do sistema de ações, podemos dizer que, nessa reconstrução, a cognição humana adquire: no Período Pré-Operatório, a capacidade de constituição de símbolos (dos quais as imitações e imagens mentais são fundamentais) e signos; no Período Operatório-Concreto, a capacidade de constituição de operações sobre elementos que podem ser representados por símbolos; e, posteriormente, no Período Hipotético-Dedutivo, a capacidade de realizar operações so-

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bre elementos que podem ser representados, da forma mais geral pos-sível, por signos.

Comentando resumidamente a dificuldade de construção da re-presentação do Espaço, Piaget nos diz59:

Desenvolvidos os principais esquemas sensório-motores (Cap. I) e elaborada, a partir de 1½ a 2 anos, a função semiótica (Cap. III), seria de esperar que esta última bastasse a permitir uma interiorização direta e rápida das ações em operações. A constituição do esquema do objeto permanente e a do “grupo” prático de deslocamentos (Cap. I §II) prefiguram, com efeito, a reversibilidade e as conservações operatórias, cuja próxima formação parecem anunciar. Ora, é preciso esperar até 7 e 8 anos, aproximadamente, para que se realize essa conquista (...) (...) cumpre considerar o fato de que um bom êxito em ação não se prolonga, pura e simplesmente, numa representação a-dequada. Desde 1½ a 2 anos, a criança, portanto, está de posse de um grupo prático de deslocamentos, que lhe permitem re-encontrar-se, com rodeios e desvios, em seu apartamento ou em seu jardim. Vimos igualmente crianças de 4-5 anos, que fazem, todos os dias, sozinhas, um trajeto de dez minutos de casa à escola e vice-versa. Mas se se lhes pedir que represen-tem esse trajeto por um conjunto de pequenos objetos tridi-mensionais de papelão (casas, igrejas, ruas, rio, largos, etc.) ou que indiquem o plano da escola, como se vê pela entrada prin-cipal ou do lado do rio, não alcançam reconstituir as relações topográficas que utilizam incessantemente em ação: as lem-branças, de certo modo, são motoras e não chegam, simples-mente, a uma reconstituição simultânea de conjunto. O primei-ro obstáculo à operação consiste, pois na necessidade de re-construir nesse plano novo, que é o da representação, o que fo-ra adquirido no da ação.

♦ De forma geral, modelos e teorias, enquanto estrutura de sis-

temas de operações sobre signos que remetem à experiência, reme-

59 Idem, respectivamente, p.80 e p. 81.

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Realidade-Totalidade como Saber Vivo e a Auto-organização

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tem, também, e principalmente, à estrutura de sistema de ações possí-veis e aos elementos sobre os quais agimos. Nesse caso, uma das ex-pressões da auto-organização no processo de constituição desse sis-tema de operações sobre signos, que remetem aos sistemas de ações possíveis, é que sua estrutura acaba desempenhando o papel de atrator como exposto na Subseção 1.6 deste trabalho.

♦ Particularmente, em relação ao Espaço, ocorre o mesmo (co-mo vimos na Seção 2): a estrutura dos sistemas de operações sobre signos remete à estrutura de sistema de ações espaciais possíveis do sujeito ou atribuídas aos objetos (que são também os elementos sobre os quais se age) e serve de atrator ao processo de auto-exposição do Espaço para e no sujeito epistêmico.

♦ Logo, a própria estruturação das ações espaciais (e.g., deslo-camentos, construções, translações, rotações, etc.) nesse nosso Uni-verso Físico acaba por depender de nosso sistema de operações sobre signos expressos nos modelo, como vimos na seção anterior, e se apresenta como parte de um processo auto-organizado de auto-exposição da Idéia, o que nos leva de volta ao tema central desse tra-balho.

4. CONCLUSÕES

Esta vida, regressada a si a partir da diferença e da finidade do conhecer e tornada idêntica consigo pela atividade do Concei-to, é a Idéia Especulativa ou Absoluta. A Idéia é essencialmente processo, porque a sua identidade só é a identidade absoluta e livre do Conceito enquanto é absoluta negatividade (...). (G. W. F. Hegel, 1969[1830], §§235 e 215)

♦ Retomando os dados da sociogênese do Espaço, podemos

dizer que, na Relatividade (tanto Restrita, como Geral – última e mais

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completa teoria, aqui considerada, sobre o Espaço), o Espaço-Tempo quadridimensional é, para o físico que trabalha com ela, uma forma que condiciona os fenômenos físicos observados; mas, apesar disso, é construída. Do mesmo modo, o Espaço tridimensional, mesmo en-quanto projeção do Espaço-Tempo quadridimensional, está, ainda, como forma anterior das nossas percepções e é construído.

♦ Nossas análises nos levam então a identificar aquilo que o signo Espaço Físico designa como dependente de nosso sistema de ações e do nosso sistema de signos e operações sobre eles, que são os modelos geométricos expostos na Seção 2 (em consonância com a Caracterização Conceitual da Realidade da Subseção 1.5).

♦ Com efeito, do exposto, podemos tirar as seguintes conclu-sões.

(1) O próprio Espaço e a noção de permanência dos objetos, tal como nós adultos entendemos hoje, a partir dos quais situamos o que chamamos de objetos físicos e suas propriedades, são construídos de forma auto-organizada (Seção 3).

(2) É através do sistema de ações espaciais possíveis para um sujeito que se dá a consideração de como os objetos e suas relações se apresentam experimentalmente.

(3) É sobre os dados estruturados nesse sistema de ações espa-ciais possíveis que realizamos nossas reflexões de modo a construir os modelos e as teorias.

(4) Os modelos e as teorias do Espaço (expostos na Seção 2) nos permitem re-elaborar a estrutura de nossos sistemas de ações es-paciais possíveis e a estrutura dos sistemas de ações atribuídas aos objetos, no nosso Universo, e verificar que essas estruturas são descri-tas na Relatividade Geral. É essa reelaboração que nos permite, por exemplo, tanto construir aceleradores de partículas, como entender os eventos cosmológicos.

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(5) Em outras palavras, o Espaço Físico constitui uma estrutura do sistema de ações espaciais possíveis, tanto nossas quanto atribuídas aos objetos, inclusive as determinadas a partir das operações que rea-lizamos sobre signos; o maior exemplo disso é que, antes da Relativi-dade Restrita, situávamos os eventos e fenômenos físicos em um es-paço euclidiano de três dimensões (e mesmo, hoje, no que se trata da física “mesoscópica”, como nas construções de prédios ou artefatos mecânicos) e, atualmente, situamo-los em um continuum espaço-temporal quadridimensional.

(6) Esses modelos e teorias se apresentam como sistema de signos e operações sobre signos; dessa forma, as próprias ações espa-ciais possíveis são determinadas por sistemas de signos e as estruturas expressas nesses modelos e teorias desempenham o papel de atrator, a cada etapa, do processo de auto-organização de conhecimento do Espaço.

(7) Reconhecemos, pois, o que foi aqui chamado de Princípio da Idealidade, i.e., a Caracterização Conceitual da Realidade-Totali-dade, conjuntamente com uma constituição histórica, progressiva e auto-organizada de modelos.

(8) Assim, o Princípio da Idealidade está subjacente ao que de-signamos com o signo Espaço Físico e sua constituição auto-orga-nizada, como, também, da própria noção de objeto permanente e sua constituição auto-organizada, que será a base para outras noções de conservação (como, por exemplo, da quantidade de massa ou, ainda, de energia) e de identidade60.

(9) Por fim, podemos dizer que usamos os elementos descritos acima para construir de forma auto-organizada nossa compreensão do que designamos por Realidade-Totalidade; o que faz com que o que é

60 Cf. Piaget, 1983[1962].

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designado esteja também sujeito ao Princípio da Idealidade e ao pro-cesso de auto-exposição auto-organizado da Realidade-Totalidade, enquanto Saber vivo e ativo, Idéia se auto-expondo a nós por um pro-cesso auto-organizado, que é o nosso próprio processo de conheci-mento dela.

♦ A análise do Espaço, como aqui empreendida, foi, portanto, uma exemplificação da aplicação do Princípio da Idealidade, do Prin-cípio da Idealidade Absoluto e da auto-exposição auto-organizada da Idéia; já que esses são supostos serem mais gerais e se aplicarem aos outros aspectos da Realidade-Totalidade, na medida em que os outros elementos presentes no conhecimento científico também se utilizam de modelos e teorias, ou ainda, de operações sobre signos, na sua constituição e auto-exposição. São, pois, conseqüências da hipótese filosófica fundamental: A Realidade-Totalidade é Saber vivo e ativo, Idéia! E nós somos partes (ativas) da Idéia se automanifestando de forma auto-organizada.

♦ É assim que pensamos ter esboçado uma concepção de Rea-lidade-Totalidade consoante com o desenvolvimento contínuo da Ciência e com a possibilidade permanente de construção de modelos, na qual a Realidade-Totalidade é reinterpretada em um Idealismo Absoluto.

♦ Analisamos aqui Espaço Físico para mostrar que tal hipótese interpretativa pode ser aplicada a conceitos das ciências naturais, mas acreditamos que sua fecundidade se dará principalmente na interpre-tação do espaço das relações interpessoais, por exemplo, na Psicolo-gia Social, em particular, na relação entre os diversos conhecimentos dos atores sociais e na consideração de que o observador faz parte do sistema analisado. Deixamos, porém, a realização de tal tarefa para artigos futuros.

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♦ Por fim, podemos dizer que, no limite, a proposta aqui apre-sentado nos levaria a considerações aproximas às de Hegel em seu Idealismo Absoluto; porém, isso também é tema para outros traba-lhos.

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