sÍndrome de stevens-johnson e o...

1
Exposição a fármacos CASO CLÍNICO Infeccioso SÍNDROME DE STEVENS-JOHNSON E O IBUPROFENO Vera Rodrigues, João Farela Neves, Maria João Rocha Brito Unidade de Infecciologia – Área de Pediatria Médica Hospital de Dona Estefânia – Centro Hospital de Lisboa Central, EPE, Lisboa – Portugal Director da Área Departamental de Pediatria Médica: Dr. Gonçalo Cordeiro Ferreira A síndrome de Stevens-Johnson, uma doença rara com mortalidade de 1 a 5% e morbilidade significativa, ocorre na sequência de uma reacção de hipersensibilidade imuno-mediada. As infecções, particularmente por Mycoplasma pneumoniae e vírus herpes, estão associadas à maioria dos casos. A exposição a fármacos, nomeadamente antibióticos, anti-epilépticos, analgésicos e anti-inflamatórios não esteróides, é um importante factor desencadeante. Habitualmente precede o início dos sintomas em uma a três semanas e a reexposição pode desencadear os sintomas em 48h. O prodrómus cursa com febre e sintomas gerais um a três dias antes do aparecimento das lesões cutâneas. O quadro clínico inclui erosões da mucosa, estomatite, fotofobia com hiperémia conjuntival e exsudado ocular assim como eritema difuso que progride para vesículas e bolhas, com necrose e descolamento da epiderme. Os factores predisponentes desta doença incluem infecção a VIH, factores genéticos, outras infecções virais concomitantes e doenças imunológicas subjacentes. O diagnóstico da síndrome de Stevens-Johnson é clínico e, em caso de dúvida, histológico. A terapêutica inclui a evicção do factor desencadeante, tratamento de suporte e se necessário a prevenção e tratamento precoce das sobreinfecções. O reconhecimento precoce e evicção imediata do agente potencialmente responsável é fundamental, assim como o envolvimento de uma equipa multidisciplinar. A ingestão de ibuprofeno pela primeira vez com agravamento após a reexposição ao fármaco leva-nos a suspeitar ser esta a etiologia mais provável. Embora as crianças possam excretar enterovírus de forma assintomática, a identificação deste agente pode, apesar de tudo, ter algum significado etiológico no desencadear da doença. 1. Elkrief L, Chryssostalis A, Moachon L, Franck N, Terris B, Chaussade S, et al. [Severe cholestatic hepatitis associated with Stevens-Johnson syndrome after taking ibuprofen]. Gastroenterol Clin Biol. 2007 Nov;31(11):1043-5. 2. Fritsch PO, Sidoroff A. Drug-induced Stevens-Johnson syndrome/toxic epidermal necrolysis. Am J Clin Dermatol. 2000 Nov-Dec;1(6):349-60. 3. Harr T, French LE. Toxic epidermal necrolysis and Stevens-Johnson syndrome. Orphanet J Rare Dis. 2010;5:39. 4. Levi N, Bastuji-Garin S, Mockenhaupt M, Roujeau JC, Flahault A, Kelly JP, et al. Medications as risk factors of Stevens-Johnson syndrome and toxic epidermal necrolysis in children: a pooled analysis. Pediatrics. 2009 Feb;123(2):e297-304. 5. Mockenhaupt M, Kelly JP, Kaufman D, Stern RS. The risk of Stevens-Johnson syndrome and toxic epidermal necrolysis associated with nonsteroidal antiinflammatory drugs: a multinational perspective. J Rheumatol. 2003 Oct;30(10):2234-40. 6. Sassolas B, Haddad C, Mockenhaupt M, Dunant A, Liss Y, Bork K, et al. ALDEN, an algorithm for assessment of drug causality in Stevens-Johnson Syndrome and toxic epidermal necrolysis: comparison with case-control analysis. Clin Pharmacol Ther. 2010 Jul;88(1):60-8. 7. Ward KE, Archambault R, Mersfelder TL. Severe adverse skin reactions to nonsteroidal antiinflammatory drugs: A review of the literature. Am J Health Syst Pharm. 2010 Feb 1;67(3):206-13. INTRODUÇÃO COMENTÁRIOS BIBLIOGRAFIA Vera Rodrigues: [email protected] PCR vírus herpes nas lesões cutâneas negativa Exames culturais negativos Serologias para Mycoplasma pneumoniae, vírus da hepatite B, Epstein-Barr e citomegalovírus negativos TASO e anti-DNaseB negativos IFI vírus respiratórios secreções nasofaríngeas negativa Exposição inaugural ao ibuprofeno: Duas semanas antes do internamento e 2ª administração na admissão hospitalar Prognóstico Oftalmologia sem lesões Gastrenterologia: EDA normal Imunoalergologia: teste estimulação linfocitária em curso Cirurgia Plástica: eventual intervenção cirúrgica por aderências balano-prepuciais Evolução Febre 10 dias Regressão progressiva da sintomatologia Melhoria das lesões em 3 semanas Terapêutica Suspensa administração de ibuprofeno Terapêutica de suporte com fluidoterapia endovenosa, nutrição parentérica, analgesia sistémica e tópica Ibuprofeno Ibuprofeno Enterovírus Fotofobia, hiperémia conjuntival, edema palpebral, exsudado ocular sem sinéquias e córnea sem lesões. Erosões da mucosa oral, estomatite e edema e eritema dos lábios. Coalescência das lesões cutâneas com evolução para necrose e descamação. Eritema do períneo e balanite. PCR Enterovírus nas fezes POSITIVA Criança de 3 anos de idade do sexo masculino, previamente saudável. Admitido por febre alta, exantema papulovesicular generalizado com predomínio no tronco, dorso e face, enantema e hiperémia conjuntival. Quadro gripal prévio, cerca de duas semanas antes, medicado, pela primeira vez com ibuprofeno. Na admissão hospitalar, fez nova administração de ibuprofeno. Nega ingestão de outros fármacos. SÍNDROME STEVENS-JOHNSON

Upload: others

Post on 29-Jan-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: SÍNDROME DE STEVENS-JOHNSON E O IBUPROFENOrepositorio.chlc.min-saude.pt/bitstream/10400.17/1038/1/pt_223.pdf · exsudado ocular sem sinéquias e córnea sem lesões. Erosões da

Exposição a fármacos

CASO CLÍNICO

Infeccioso

SÍNDROME DE STEVENS-JOHNSON E O IBUPROFENO

Vera Rodrigues, João Farela Neves, Maria João Rocha BritoUnidade de Infecciologia – Área de Pediatria Médica

Hospital de Dona Estefânia – Centro Hospital de Lisboa Central, EPE, Lisboa – PortugalDirector da Área Departamental de Pediatria Médica: Dr. Gonçalo Cordeiro Ferreira

A síndrome de Stevens-Johnson, uma doença raracom mortalidade de 1 a 5% e morbilidade significativa,ocorre na sequência de uma reacção dehipersensibilidade imuno-mediada.As infecções, particularmente por Mycoplasmapneumoniae e vírus herpes, estão associadas àmaioria dos casos.

A exposição a fármacos, nomeadamente antibióticos,anti-epilépticos, analgésicos e anti-inflamatórios nãoesteróides, é um importante factor desencadeante.Habitualmente precede o início dos sintomas em umaa três semanas e a reexposição pode desencadear ossintomas em 48h. O prodrómus cursa com febre esintomas gerais um a três dias antes do aparecimentodas lesões cutâneas.

O quadro clínico inclui erosões da mucosa, estomatite,fotofobia com hiperémia conjuntival e exsudado ocularassim como eritema difuso que progride paravesículas e bolhas, com necrose e descolamento daepiderme. Os factores predisponentes desta doençaincluem infecção a VIH, factores genéticos, outrasinfecções virais concomitantes e doençasimunológicas subjacentes.

O diagnóstico da síndrome de Stevens-Johnson éclínico e, em caso de dúvida, histológico. A terapêuticainclui a evicção do factor desencadeante, tratamentode suporte e se necessário a prevenção e tratamentoprecoce das sobreinfecções. O reconhecimentoprecoce e evicção imediata do agente potencialmenteresponsável é fundamental, assim como oenvolvimento de uma equipa multidisciplinar.

A ingestão de ibuprofeno pela primeira vez comagravamento após a reexposição ao fármaco leva-nosa suspeitar ser esta a etiologia mais provável. Emboraas crianças possam excretar enterovírus de formaassintomática, a identificação deste agente pode,apesar de tudo, ter algum significado etiológico nodesencadear da doença.

1. Elkrief L, Chryssostalis A, Moachon L, Franck N, Terris B, Chaussade S, et al. [Severe cholestatic hepatitisassociated with Stevens-Johnson syndrome after taking ibuprofen]. Gastroenterol Clin Biol. 2007 Nov;31(11):1043-5.2. Fritsch PO, Sidoroff A. Drug-induced Stevens-Johnson syndrome/toxic epidermal necrolysis. Am J Clin Dermatol.2000 Nov-Dec;1(6):349-60.3. Harr T, French LE. Toxic epidermal necrolysis and Stevens-Johnson syndrome. Orphanet J Rare Dis. 2010;5:39.4. Levi N, Bastuji-Garin S, Mockenhaupt M, Roujeau JC, Flahault A, Kelly JP, et al. Medications as risk factors ofStevens-Johnson syndrome and toxic epidermal necrolysis in children: a pooled analysis. Pediatrics. 2009Feb;123(2):e297-304.5. Mockenhaupt M, Kelly JP, Kaufman D, Stern RS. The risk of Stevens-Johnson syndrome and toxic epidermalnecrolysis associated with nonsteroidal antiinflammatory drugs: a multinational perspective. J Rheumatol. 2003Oct;30(10):2234-40.6. Sassolas B, Haddad C, Mockenhaupt M, Dunant A, Liss Y, Bork K, et al. ALDEN, an algorithm for assessment ofdrug causality in Stevens-Johnson Syndrome and toxic epidermal necrolysis: comparison with case-control analysis.Clin Pharmacol Ther. 2010 Jul;88(1):60-8.7. Ward KE, Archambault R, Mersfelder TL. Severe adverse skin reactions to nonsteroidal antiinflammatory drugs: Areview of the literature. Am J Health Syst Pharm. 2010 Feb 1;67(3):206-13.

INTRODUÇÃO 

COMENTÁRIOS BIBLIOGRAFIA

Vera Rodrigues: [email protected]

PCR vírus herpes nas lesões cutâneas negativa

Exames culturais negativos

Serologias para Mycoplasma pneumoniae, vírus dahepatite B, Epstein-Barr e citomegalovírus negativos

TASO e anti-DNaseB negativos

IFI vírus respiratórios secreções nasofaríngeas negativa

Exposição inaugural ao ibuprofeno:Duas semanas antes do internamentoe 2ª administração na admissãohospitalar

PrognósticoOftalmologia sem lesõesGastrenterologia: EDA normalImunoalergologia: teste estimulação linfocitáriaem cursoCirurgia Plástica: eventual intervenção cirúrgicapor aderências balano-prepuciais

EvoluçãoFebre 10 diasRegressão progressiva da sintomatologiaMelhoria das lesões em 3 semanas

TerapêuticaSuspensa administração de ibuprofenoTerapêutica de suporte com fluidoterapiaendovenosa, nutrição parentérica, analgesiasistémica e tópica

IbuprofenoIbuprofeno

Enterovírus

Fotofobia, hiperémia conjuntival, edema palpebral,exsudado ocular sem sinéquias e córnea sem lesões.Erosões da mucosa oral, estomatite e edema eeritema dos lábios.

Coalescência das lesões cutâneas com evolução para necrose edescamação. Eritema do períneo e balanite.

PCR Enterovírus nas fezes POSITIVA

Criança de 3 anos de idade do sexo masculino, previamente saudável. Admitido por febre alta, exantema papulovesicular generalizado com predomíniono tronco, dorso e face, enantema e hiperémia conjuntival. Quadro gripal prévio, cerca de duas semanas antes, medicado, pela primeira vez comibuprofeno. Na admissão hospitalar, fez nova administração de ibuprofeno. Nega ingestão de outros fármacos.

SÍNDROME STEVENS-JOHNSON