smith. um acordo forcado

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SMITH, Anne-Marie. Um acordo forçado: o consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. O livro analisa as formas de repressão e censura durante o regime militar e as “modalidades de resistência” praticadas pela imprensa como, por exemplo, o “acordo forçado”, um “consentimento” da imprensa à censura. “O consentimento também segue um continuum desde o endosso da repressão e aparente acatamento até a obediência às regras para proveito próprio e o que poderia ser chamado de modalidades diárias de inércia. Essas constituem um padrão de aceitação cotidiana da repressão, de cumprimentos das normas e de comportamento esperado, sem que haja necessariamente uma atribuição de legitimidade ao sistema de dominação.” (SMITH, 2000, p.10) “O consentimento à repressão nunca é transparente. Ele representa a aceitação real, falsa conscientização, cálculo interesseiro ou talvez medo paralisado? Qual o papel do poder na geração e manutenção de um padrão de inércia? De que maneira age a política da dominação no que parece ser uma cultura da inércia?” (SMITH, 2000, p.10) Censura se deu em especial entre o período de 1968-1978 AUTOCENSURA – modalidade predominante da censura, pela qual a grande maioria da imprensa passou. Eram proibições, do que poderiam ou não ser veiculados, emitidas secretamente pela Polícia Federal. P 10. “bilhetinho” que chegava às redações da imprensa “O consentimento da imprensa era virtualmente total. Durante anos, os atores da imprensa aceitaram essas

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Page 1: SMITH. Um Acordo Forcado

SMITH, Anne-Marie. Um acordo forçado: o consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.

O livro analisa as formas de repressão e censura durante o regime militar e as “modalidades de resistência” praticadas pela imprensa como, por exemplo, o “acordo forçado”, um “consentimento” da imprensa à censura.

“O consentimento também segue um continuum desde o endosso da repressão e aparente acatamento até a obediência às regras para proveito próprio e o que poderia ser chamado de modalidades diárias de inércia. Essas constituem um padrão de aceitação cotidiana da repressão, de cumprimentos das normas e de comportamento esperado, sem que haja necessariamente uma atribuição de legitimidade ao sistema de dominação.” (SMITH, 2000, p.10)

“O consentimento à repressão nunca é transparente. Ele representa a aceitação real, falsa conscientização, cálculo interesseiro ou talvez medo paralisado? Qual o papel do poder na geração e manutenção de um padrão de inércia? De que maneira age a política da dominação no que parece ser uma cultura da inércia?” (SMITH, 2000, p.10)

Censura se deu em especial entre o período de 1968-1978

AUTOCENSURA – modalidade predominante da censura, pela qual a grande maioria da imprensa passou. Eram proibições, do que poderiam ou não ser veiculados, emitidas secretamente pela Polícia Federal. P 10.

“bilhetinho” que chegava às redações da imprensa

“O consentimento da imprensa era virtualmente total. Durante anos, os atores da imprensa aceitaram essas proibições ilícitas, passaram recibo, registraram-nas, fizeram-nas circular até o redator certo, não realizando, então, a cobertura ou investigação do assunto proibido. Nos poucos casos em que foi tentado um método mais agressivo de censura, houve esforços criativos e enérgicos por parte dos atores da imprensa afetados para desafiá-la, condená-la e rejeitá-la. Mas para a vasta maioria sujeita às rotinas anônimas, banais, burocratizadas, havia continuamente o consentimento cotidiano e as modalidades diárias de inércia.” (SMITH, 2000, p.11)

A que se devia a inércia? Além das causas próximas relacionadas com os recursos ou oportunidades imediatos, haveria duas possíveis orientações gerais para a imprensa:o apoio ao regime, que levaria a imprensa a endossar até sua própria repressão; ou um medo tão grande do poder coercitivo do regime que paralisaria a imprensa e a impediria de considerar qualquer rejeição ou resistência. Qualquer uma delas poderia parecer, de início, uma explicação razoável de inércia, mas nenhuma se mostra satisfatória.

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Muitos jornalistas opoiaram de fato a posição anticomunista, antiguerrilheira, pró-capitalista do regime militar em defesa da ordem existente. Mas eles tinham interesse em sua própria autonomia profissional e institucional, afora os compromissos com as normas legais e morais, o que os impedia de apoiar as restrições à imprensa. Aliás, mesmo defensores ardorosos do regime expressaram sua aversão à censura, que consideravam uma farsa ilegal e uma imposição imoral. Toleravam e obedeciam as proibições, como os demais na imprensa, mas não consideravam esse sistema legítimo ou acertado. Seu consentimento às restrições não emanou de seu apoio ao regime. Em momento algum seu apoio ao regime suscitou o endosso dessas restrições à sua própria liberdade.” (SMITH, 2000, p.11)

“O medo é outra explicação razoável. [...] Não há índicos comprobatórios, porém, de que o medo fosse a razão do consentimento da imprensa. [...] Embora a imprensa no Brasil com freqüência tivesse medo, ela não padeceu de uma cultura do medo. O medo não deixou os jornalistas em silêncio total, desesperançados, isolados ou paralisados até a passividade.” (SMITH, 2000, p.11-12)

*Sobre a imprensa apoiar o regime, até mesmo o Correio da Manhã, por exemplo, jornal radical e de oposição, severamente criticado durante a censura, deu apoio ao golpe em 64. Para mais ver Cota Pery

“A pesquisa aponta, ao contrário, para a enorme importância da maneira pela qual a censura foi exercida na geração do consentimento da imprensa. Com a repetição diária de seus procedimentos rígidos e sua linguagem formal,a censura banalizou-se na rotina. Sem agentes responsáveis aparentes, parecia funcionar automaticamente. De fato, a banalidade da censura era a característica básica sentida pela imprensa. A censura era percebida como um sistema tão corriqueiro e abrangente que parecia funcionar automática e impessoalmente, a tudo abarcando. Era contra esse sistema anônimo, rotineiro e abrangente – e não contra a crua força coercitiva do regime – que a imprensa se sentia impotente.” (SMITH, 2000, p.12)

“O regime aplicou sua censura numa maneira extraordinariamente burocrática, formal, oficiosa e rotineira.” (SMITH, 2000, p.12)

A autocensura, em seu aspecto rotineiro teve o objetivo de buscar certa “legitimidade” ao sistema. No entanto, não alcançou seu objetivo. A imprensa curvou-se às restrições, sentia-se incapaz de atacá-las, mas as considerava ilegais. A burocratização da autocensura não conseguiu dar a ela esse cunho da “legitimidade” mas foram eficazes para estabelecer estas “modalidades diárias de inércia” na imprensa.

Para a autora, houve apoio da imprensa ao regime, houve o medo, mas foi este aspecto “rotineiro” da censura que mais foi eficaz para a espécie de “acordo forçado” à censura.“Esse sistema fez com que a imprensa brasileira praticasse modalidades diárias de inércia, ainda que nunca tivesse considerado legítima a censura.” (SMITH, 2000, p.14)

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Até porque, foi só após a “abertura” do regime e o fim da censura que estes jornais começam a atacar mais de frente e colocar suas opiniões (ver pro exemplo o caso das diretas já na Folha)

IMPRENSA E ESTADO

Para a imprensa, a relação com o Estado é fundamental, seja ela para fins financeiros, políticos ou jurídicos. Estado e imprensa são inevitáveis interlocutores. P. 17

“A imprensa no Brasil interage com o Estado em mais de um nível porque ela própria é uma entidade multifacetada. É um ator econômico assim como sociopolítico, existindo uma tensão decorrente dessas identidades duplas mas não necessariamente complementares . As principais publicações jornalísticas no Brasil, em sua maioria, são de propriedade privada e têm fins lucrativos. Vinculam-se diretamente com outros meios de comunicação e outros setores empresariais. Sua meta é expandir as vendas e as receitas da publicidade, manter os custos baixos e melhorar a produtividade, aumentando seu patrimônio líquido. Todavia, a imprensa brasileira também conserva sua meta, embora insuficientemente atingida, de atuar como um foro social. Idealmente, considera estar desempenhando um importante papel cívico ao proporcionar informações, debates e comentários.” (SMITH, 2000, p.20)

“Na esfera econômica, a imprensa tem buscado empréstimos vultosos para seus empreendimentos, assim como permissão para importar equipamento e papel da imprensa. Qualquer dono de jornal desejoso de uma concessão em outro meio, como por exemplo estação de rádio ou televisão, também precisa apelar para o Estado.” (SMITH, 2000, p.20-21)

“No âmbito político, é publico e notório que o Estado também se tem envolvido com a imprensa, inclusive através da censura direta, recusa de liberar informações, rigorosas leis da imprensa, perseguição ou bajulação, criação de departamentos de propaganda, suborno de editorialistas e disseminação de noticias enganosas. Com freqüência o Estado tem procurado usar a imprensa como meio de influenciar ou controlar a sociedade.” (SMITH, 2000, p.21)

Censura se dá desde o aparecimento da imprensa no país, não é exclusiva do regime militar.

O GOLPE DE 1964

“A imprensa foi um catalisador do golpe de 31 de março de 1964. Algumas publicações tinham conhecimento da conspiração e outras contribuíram voluntariamente ou não para a rejeição pública de Goulart. [...] A campanha movida pela imprensa contra ele incluía editorias na primeira página pedindo sua destituição. Algumas das mais famosas foram publicadas no Correio da Manhã, mais tarde perseguido e fechado pelo regime militar.” (SMITH, 2000, p.29)

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BUSCA DA LEGITIMIDADE

“A busca de legitimidade pelo regime exerceu, então, dois efeitos gerais sobre a imprensa.Primeiro, por necessitar de uma imprensa livre tanto como repórter fidedigno publicitário útil ou participante democrático genuíno,essa busca de legitimidade por parte do regime fez da imprensa um ator mais vulnerável, uma entidade politicamente mais valiosa do que ela teria sido se o regime autoritário simplesmente tivesse desprezado a legitimidade. Segundo, a busca de legitimidade afetou a maneira pela qual o regime procurou controlar a imprensa, qual seja, mediante a intervenção maciça mas sempre por detrás do pano.” (SMITH, 2000, p.48)

Folha, tida pela autora como grande imprensa, mas segundo ela, não era um ator importante no período inicial do regime. Ganhou destaque nacional apenas nos anos 1980 com a “abertura” e a cobertura das diretas. (ver “Golpe do silencio”)

A Folha em 1964 não tinha sequer página de editorial.

“À época do golpe de1964, os principais jornais produziam uma boa cobertura das notícias porém tinham uma postura convencional e raramente crítica da ordem existente.” (SMITH, 2000, p.52)

JORNAIS

“Os principais veículos da grande imprensa eram comumente liberais no sentido clássico em seu estilo e matéria, bem como em sua autodefinida identidade política de apoio ao status quo. Isso não apenas se refletia na linha editorial seguida em muitos assuntos mas também era expressamente afirmado por representantes de todos os quatro jornais de circulação nacional, Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e O Globo.” (SMITH, 2000, p.53)

“A Folha de S. Paulo não tinha na década de 1960 a proeminência que adquiriu mais tarde, mas era suficientemente relevante para ser vigiada e pressionada pelo regime militar. Boris Casoy foi seu redator-chefe na época de alguns dos seus mais difícieis confrontos com o governo. Na opinião de Casoy, “O jornal, como eu próprio, sempre foi a favor do capitalismo de mercado, do liberalismo e da burguesia” (SMITH, 2000, p. 53)

“A organização interna dessas publicações era vertical, com uma hierarquia bem definida. Os donos detinham a autoridade definitiva, ainda que distante.” (SMITH, 2000, p. 54)

“Era pequeno o número de proprietários. Fossem quais fossem seus compromissos com a imprensa, na maior parte eram gente de negócios. Todos os proprietários dos veículos principais da grande imprensa também participavam de outros empreendimentos e, como, seus outros interesses, os jornais tinham de ser economicamente viáveis. A

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imprensa é um negócio no Brasil, e seus proprietários em geral estão vinculados com o setor empresarial.” (SMITH, 2000, p. 55)

“Como empresas, a grande imprensa não se deu de todo mal no período de 1964-65” (SMITH, 2000, p. 57)

“O que mais interessa no caso do Brasil foi o extraordinário peso da publicidade oficial na geração da receita dos jornais, a qual foi estimada em 15 a 30% da receita de muitos jornais importantes.” (SMITH, 2000, p. 58)

“a grande imprensa tinha uma tiragem numérica baixa mas elevada em termos de poder e influência. A qualidade da grande imprensa era razoavelmente profissional, ainda que convencional. Seu projeto visava claramente a apoiar o status quo, conquanto isso não significasse necessariamente que ela se comportasse de maneira covarde em relação ao Estado.” (SMITH, 2000, p. 58)

“Havia muitas maneiras de perseguir, intimidar, cercear e prejudicar a imprensa sem que o regime , que buscava tanto a legitimidade quanto o controle autoritarista, tivesse de abrir mão de um compromisso formal com a liberdade de imprensa. Assim Omo o regime manteve a Constituição mas a contrariava com seus próprios atos institucionais, continuou a realizar eleições mas alterou a legislação eleitoral, restringiu candidaturas e cassou mandatos, da mesma forma proclamava a liberdade de imprensa mas se empenhava em auditorias cuidadosamente planejadas, boicotes de publicidade, negativas de acesso a notícias e, por vezes, duras sevícias a pessoas.” (SMITH, 2000, p. 94)

CENSURA PRÉVIA

Segundo a autora, haviam dois tipos de censura à imprensa praticados no Brasil, a censura prévia e a autocensura. “Ambos os rótulos eram enganadores. A censura prévia, exercida apenas contra um punhado de publicações, determinava que tudo o que fosse preparado por um jornal seria examinado pela polícia antes da divulgação. A autocensura consistia nas proibições de noticiar certos fatos que eram indicados pela Polícia Federal às publicações antes de sua investigação e divulgação e até mesmo de seu conhecimento, no caso de muitos eventos noticiosos. Dessa forma, a censura prévia não intervinha num estágio tão inicial do processo quanto a autocensura,e a autocensura certamente não era auto-imposta.” (SMITH, 2000, p. 95)

“As duas formas de censura do Estado tinham algumas características comuns. Ambas eram ilegais e ocultas do público tanto quanto possível. Ambas eram executadas de acordo com uma série de procedimentos padronizados e repetidos no país inteiro. Uma importante diferença entre elas, porém, era o fato de que a autocensura decorria de ordens anônimas não assinadas, enquanto a censura prévia contava com um agente identificável imediato, na figura do censor da Polícia Federal.” (SMITH, 2000, p. 95)

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“Era esse um aspecto da peculiar dualidade resultante do caráter repressivo do regime e do concomitante desejo de legitimidade. O regime precisava de que a censura prévia fosse um segredo relativamente público (quer dizer, público pelo menos na esfera da imprensa) a fim de poder rechaçar eficazmente possíveis desafios de outras publicações. Por outro lado, em nome da legitimidade fundamentada no apelo às instituições e direitos formais tradicionais, o regime tinha de esconder essa violação ilegal de uma liberdade assegurada constitucionalmente.” (SMITH, 2000, p. 96)

“Uma observação indispensável sobre a censura prévia diz respeito ao número muito pequeno de publicações por ela afetadas no Brasil inteiro, provavelmente inferior a 10.” (SMITH, 2000, p. 96-97) Para a autora, são 7 as publicações citadas com mais freqüência: Pasquim, O Estado de S. Paulo, O São Paulo, Opinião, Veja, Movimento, Tribuna da Imprensa

“Até agora, a censura foi tratada neste trabalho como repressão no âmbito das relações entre imprensa e Estado. Era, também, apenas uma tarefa rotineira.” (SMITH, 2000, p. 99)

AUTOCENSURA

“A expressão “Autocensura” leva a crer numa prática que teve origem em espíritos de escravos ansioso em participar na própria escravidão ou que talvez caíssem sem que ninguém os perseguisse, mas não foi esse o caso no que diz respeito à imprensa brasileira. A autocensura foi imposta pelo regime, e não pelos censurados a si próprios. De 1968 a 1978, a Polícia Federal expediu proibições contra a divulgação de assuntos noticiosos específicos e vigiou a imprensa para ver se as proibições estavam sendo cumpridas. Embora esse processo fosse chamado de autocensura, a expressão era imprópria. Não obstante, a imprensa obedeceu quase sem resistência. A responsabilidade relativa pela censura fica, então, difícil de discernir.” (SMITH, 2000, p. 135

“bilhetinho” que chegava às redações

“A autocensura é uma subcategoria da censura. Existe algo a dizer, você sabe disso mas não diz. Não é o silêncio da ignorância ou da falta de discernimento, e sim o da abstenção consciente.” (SMITH, 2000, p. 136)

“Uma acusação de autocensura suscita de imediato duas questões: primeiro, o acerto de impor tais restrições a si mesmo e de compartilhar a responsabilidade do mal resultante dessas restrições – em outras palavras, a questão ética da cumplicidade; e segundo, a verdade da alegação deque tais restrições são de fato auto-impostas – em outras palavras, a questão epistemológica da existência ou não de uma coerção substancial ou significativa exercida por outrem. As duas questões de inter-relacionam. A imprensa fica muito mais comprometida se ela tiver escolha.” (SMITH, 2000, p. 137)

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“As relações entre a imprensa e o regime também eram bem diferentes das suscitadas no caso da censura prévia. As publicações sujeitas à censura prévia enviavam telegramas raivosos aos ministros e entravam com processos questionando a constitucionalidade das ações do regime. Os jornalistas que recebiam os bilhetinhos, ao contrário, aparentemente tinham pouco a dizer, pois não foram feitos protestos contra os bilhetinhos.” (SMITH, 2000, p. 163)

“Essa passividade tinha vários componentes prováveis. Primeiro, a organização vertical da imprensa significava que apenas a direção superior tinha contato regular com o processo. [...] os bilhetinhos eram recebidos, lidos e aplicados unicamente pelo pessoal da direção.” (SMITH, 2000, p. 163)

“Boris Casoy, redator-chefe da Folha de S. Paulo, tinha bom relacionamento com o censor da Polícia Federal em São Paulo, Ricardo Bloch. Em certas ocasiões, Casoy telefonaria para Bloch quando achava que uma proibição era incabível. [...] Mas embora Casoy pudesse pedir uma reconsideração, foi categórico em afirmar que a Folha de S. Paulo jamais trocou favores com o regime.” (SMITH, 2000, p. 164)

ACORDO FORÇADO

APOIO:

“Houve considerável apoio entre os brasileiros ao regime autoritarista. [...] Na imprensa é possível encontrar variados graus de apoio ao regime ou, pelo menos, de disposição para cooperar com ele. Alguns jornalistas ofereceram apoio ponderado, bem-informado, consciente. Outros deram algum apoio para receber favores em troca. Outros ainda perceberam que tinham pouca margem de manobra e concluíram que era melhor cooperar com o regime como maneira de proteger alguma limitada capacidade de agir. Cambiantes circunstâncias políticas e outras suscitaram muitas alterações nas formas adotadas pelo apoio ao regime.” (SMITH, 2000, p. 173)

APOIO PONDERADO:

“Na imprensa ninguém expressou apoio ao regime com maior sinceridade ou tão assumidamente quanto Boris Casoy, redator-chefe da Folha de S. Paulo. Ele nunca alegou ignorância quanto à natureza repressiva do regime, nem sugeriu que o conhecimento de seus abusos teria alterado suas opiniões. O fundamento para o apoio ponderado e caloroso de Casoy ao regime era simplesmente o fato de que ele aceitava o mundo como ele o conhecia, um mundo que ele estava convencido de estar de fato e imediatamente ameaçado pelos guerrilheiros comunistas. Casoy recordou vivamente os carros incendiados no estacionamento da Folha de S. Paulo e dos jornais que contratavam guardas de segurança pela primeira vez. Mas, além do perigo imediato, achava Casoy, havia a possibilidade estarrecedora de que os guerrilheiros assumissem

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real poder político. Essa possibilidade ameaçava não apenas sua segurança econômica e pessoal mas a ordem básica do universo. Disse ele: “Os guerrilheiros não eram contrários à ditadura, eram contrários ao nosso modo de vida.” (SMITH, 2000, p. 174)

“Na opinião de Casoy, como de muitos outros, somente o regime militar tinha a capacidade de enfrentar tal ameaça. As práticas repressoras do regime eram consideradas necessárias , e na luta contra o terrorismo até a censura da imprensa tinha cabimento. Ao especular sobre as razoes pelas quais havia apoio da imprensa ao regime, Casoy ofereceu a seguinte explicação: “O que eu quero dizer é que havia pontos de contato [entre as maneiras de ver da imprensa e do regime]. Os jornais são empresas vinculadas ao capitalismo, ao anticomunismo, e nunca estiveram do lado dos guerrilheiros, até aprovavam a repressão contra eles. O resto nós não aprovávamos mas aceitávamos. Do fundo do meu coração, eu os apoiava, apoiava!” Os pontos de contato eram suficientes para Casoy continuar a apoiar um regime manifestamente repressor que protegia seu modo de vida. Identificava-se com as metas do regime e aceitava seus meios. Embora seja raro hoje em dia ouvir expressões tão intensas de apoio ao regime, Casoy acredita que grande parte da imprensa tinha a mesma opinião.” (SMITH, 2000, p. 174-175)

OPORTUNISMO PRAGMÁTICO

“Ao contrário do apoio ponderado de Casoy, havia uma instancia de oportunismo pragmático. Ao fazer o jogo de um regime poderoso, era possível aproveitar as vantagens de muitos negócios e oportunidades profissionais, inclusive do acesso mais fácil a empréstimos bancários, licenças de transmissão, contratos de anúncios de órgãos oficiais, empregos como assessores de imprensa e acesso a notícias. Poucos jornalistas assumem tal posição quanto a si mesmos, porém muitos mais estão prontos a atribuí-la à imprensa em geral e aos donos de jornais em particular. Não está implícito nenhum compromisso ideológico nesse tipo de apoio, era simples oportunismo.” (SMITH, 2000, p. 175

AUTONOMIA CIRCUNSCRITA

“Além de oferecer genuíno apoio ao regime ou seguir o curso do oportunismo pragmático, uma terceira via de aproximação da imprensa ao regime era reconhecer sua imensa força e entao buscar certo grau de autonomia, algum espaço de manobra dentro das limitações impostas pelo regime. Com essa abordagem, a imprensa nem endossava nem desafiava as restrições impostas pelo regime, tampouco procurava obter vantagem das mesmas, antes, esperava tirar partido da limitada liberdade que lhe restava.” (SMITH, 2000, p. 176)

MEDO

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“O medo também estava presente nas representações e reflexões da imprensa. Membros da imprensa receavam por sua subsistência e sua vida. Pessoas eram presas, torturadas e assassinadas pelo regime.” (SMITH, 2000, p. 178

Caso diaféria, foi notório da Folha (SMITH, 2000, p. 178-180)

Borys Casoy se tornou redator-chefe da Folha em 1977, momento conturbado da vida político-social no país. Na época a Folha ainda era uma publicação pequena e tinha como então redator-chefe Claudio Abramo, considerado pelo regime e por si mesmo como marxista. Segundo a autora, o jornal nunca chegou a ter uma página de editorial, onde expressava suas opiniões, sendo que decidiu criar uma em 1976 como estratégia de marketing. “A idéia era publicar editoriais polêmicos de colaboradores sobre um amplo espectro político e, dessa forma, conquistar vendas por causa de sua natureza controversa. Embora os editoriais fossem assinados e seus autores não pertencessem ao jornal, pareciam consolidar a fama de esquerdista de Abramo.” (SMITH, 2000, p. 178)

|Com esses editorias, segundo Casoy, o jornal passa a ter uma imagem de centro-esquerda, sendo que a Folha começou a receber queixas de alguns editorias por parte de certas autoridades. É neste momento de tensão e transição do jornal que Lourenço Diaféria escreve um editorial que causa problemas ao jornal e ficou posteriormente conhecido como o “caso diaféria”. Em setembro de 1977, em plena semana da pátria, o jornalista escreveu um artigo sobre um sargento do Exército que tinha salvo uma criança que estava a se afogar em um zoológico. Segundo o jornalista, este ato de “heroísmo” do militar estava sendo admirado pelo povo, da mesma forma com que eles urinavam na estátua de Duque de Caxias.

O artigo fez com que alguns militares ficassem indignados. Casoy, devidos suas ligações pessoais com o exército logo avisou Otavio Frias, então proprietário do jornal. O desfecho do caso terminou com Diaféria preso, Casoy “afastado”, Abramo demitido e posteriormente Frias também abandonou o jornal por uns tempo, assumindo o controle a Casoy. Durante este perído os editorias da Folha foram publicados em branco, como forma de protesto e, segundo a autora, como um gesto arrojado e heróico. Ver mais em CAPELATO.

“Diante dessas rotinas aparentemente automáticas, abrangentes e autônomas, a imprensa chegou à conclusão de sua própria impotência. A falta de uma maneira apropriada de combater ou enfrentar as restrições à imprensa foi um comentário freqüente nas referencias ao sistema rotineiro da censura. Tal sistema era passado pelo regime e percebido pela imprensa como algo tão amplo, tão automático e tão indiferenciado que o comentário mais freqüente da imprensa a respeito foi simplesmente: “não adiantava” desafiá-lo.” (SMITH, 2000, p. 183)

“A imprensa experimentava uma profunda sensação de impotência e atribuía acima de tudo à burocratização do sistema da censura. Embora houvesse casos de sensação de impotência provocada pelo medo, a experiência muito mais comum era a da impotência

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causada pela banalidade do sistema. Essa sensação não era produzida pelo terror do sistema mas antes pela sua normalidade.” (SMITH, 2000, p. 184)