skidmore, thomas_cap i_as origens da revolução de 1964, de castelo a tancredo (1964.1985)

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  E  4 - e  < C I J  u \ ~ : ~ -  o : >  0 e C 0  l  j t   ~  l - f f i ~ : :  .  S ~  1 o :  r f J N f . ~  i  C O l C J r  . s z ~ . a  ~ ~ ~  ~ . ~ ~ ~ ~ ~ _ A D ~ C ~  ~  ~  ~ ~ ~  ~  

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· gr declmentos

Durante a preparacao deste livro recebi ajuda de muitos amlgos

que facilitaram minhas pesquisas e fizeram inapreciaveis su-gestoes e cornentarios. Dentre os americanos cito Barry Ames,

Werner Baer, Thomas Bruneau, John Cash, Joan Dassim, Peter

Evans, Albert Flshlow, David Fleischer, Stanley Hilton, Samuel

Huntington, Peter Knight, Joseph Love, Abraham Lowenthal, Den-

nis Mahar, Frank McCann, Samuel Morley, Robert P ackenham,

Carlos Pelaez, Riordan Roett, Keith Rosenn, Alfred Stepan, David

Trubek, Brady Tyson e John Wirth.

Muitos amigos brasileiros conduzlram-rne at6 as fontes e me

deram preciosos conselhos: Neuma Aguiar, Marcie Moreira Alves.

Fernando Henrique Cardoso, Luiz Orlando Carneiro. Claudio de

Moura Castro, Roberto Cavalcanti, Celso Lafer, Bolivar Lamou-nier, Pedro Malan, Carlos Guilherrne da Mota, Vanllda Paiva, Jo se

Pastore, Paulo Sergio Pinheiro, Wanderley Gullherme dos Santos

e Sandra Valle.

Dois veteranos interpretes da realidade brasileira, Alberto

Dines e 0 general Golbery do Couto e Silva. tiveram a bondade

de ler a primeiro esboco, colaboracao que tambem me prestou

Jim Bumpus. Todos fizeram impor tante s comentarios mas nenhum

viu a versao final. Ao longo dos anos foram muito utcis as con-

versas que tive com Carlos Chagas, Olivei ros Ferreira e Fernando

Pedreira, tres conceituados jornalistas sernpre dlspostos a dlvldlr

comigo suas penetrantes observacoes sobre a polltica brasilelra.

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16 Agradecimentos Agradecimel1tos 17

Outros amigos brasileiros de muitos anos que foram especialmente

generosos com seu apoio e seus conhecimentos sao Francisco de

Assis Barbosa, Fernando Gasparian, Francisco Iglesias, Helie la -guaribe , Isaac Kerstenetzky, Roberto da Matta. Jose Hon6rio Ro-

drigues e Alberto Venancio Filho. Entre as que serviram em postos .

do governo dos Estados Unidos no Brasil e me ajudaram muito

cite Myles Frechet te, Lincoln Gordon. John Griff iths, Robert Sayre

e Alexander Watson. John Crimmins bondosamente forneceu-me

cornentarios porrnenorlzados sobre urn esboco do Capitulo VI.

Poi-me de grande valia a generosidade da Fundacao Ford no

Rio de Janeiro, que me permitiu usar suas instalacoes, e por isso

sou grato a Eduardo Venezian, David Goodman. James Gardner

e Bruce Bushey. Destaco os nomes de Michael Turner e Steve

Sanderson, do setor de program as da Fundacao Ford, pelo tempo

que generosamente me dispensaram. Urna palavra especial de agra-

decirnento a Prescilla Kritz pela infinidade de tarefas que desem-

penhou com uma eficiencia que multiplicou por varias vezes 0

valor de minha estada no Brasil. Sou grato tambem aos funcio-

narios da Biblioteea da Camara dos Deputados (Brasilia) e de

0. Estado de S. Paulo pela solicitude corn que providenciaram

c6pias xerox de recortes.

Atraves dos anos beneficiei-rne da ajuda de competentes pes-

quisadores como Judith Allen, Megan Ballard, Peter de Shazo,

Thomas Holloway, Steve Miller, Ernie Olin, Carlos Baesse de

Souza, Anne True e Hello Zylberstajn. Destaeo a admiravel pa-

ciencia e a extraordinaria precisao de Kate Hibbard na manipulacao

do processador de palavras. Robert Skidmore preparou 0 Indice

remissivo.

Pelo apoio financeiro em sucessivas etapas deste livro sou

grato a Fundacao John Simon Guggenheim, ao Woodrow Wilson

lnternational Center for Scholars, a Fulbright Faculty Research

Abroad e, na Universidade de Wisconsin. ao Graduate School

Research Committee e ao Nave Fund.

Sheldon Meyer tem sido a meu editor ao tango de toda a

minha carreira academica. Seu apoio e seus argutos conselhos sao

da maior signif icacao para mim. Embora numerosos amigos tenham

feito importantes comentarios sabre partes do manuscri to, nenhum

o viu na forma final. Infelizmente, as erros par ventura existentes

sac de rninha exclusiva responsabilidade. Agradeco a minha mulher

pelos motivos que as pessoas que a conhecern bem ou trabalhamcom ela compreenderiio.

T E S

Madison Wisconsin

Julho de 1987

~

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~

IAs origens d Revolu~ao de  96

Foi ao arnanhecer de 1.° de abril de 1964. Na vespers 0 presi-

dente Ioao Goulart viajara para a Rio ignorando que 0 pals

ja estava rnergulhado na crise que poria fim ao seu governo. Logoccdo, no Palacio Laranjeiras, on de pernoitara. recebeu de seus

assessores imediatos a informacao de que unidades revoltadas do

Exercito estavam marchando rumo ao Rio de Janeiro para depo-lo.

Alguns desses assessores, sobretudo os mais ferrenhos defensores

da situacao, ainda tentaram minimizar a rcbeliao, procurando con-

veneer Goulart de que as militares Ihe eram leais e logo deteriarn

a faccao revoltada .

Com   passar das horas, contudo, as noticias tornavam-se

mais alarmantes: um contingente do Primeiro Exercito, sediado no

Rio, fora enviado para interceptar a coluna de revoltosos que se

aproximava; mas 0 comandante legalista e seus subordinados se

aliararn aos rebeldes quando as duas forcas se eneontraram. NoRio os fuzileiros navais, de prontidao, so aguardavam a ordem

para agir contra Carlos Lacerda, governador do cx-estado da Guana-

bara (hoje 0 Grande Rio) e talvez 0 mais exaltado adversarlo de

Goulart. Quando mais aha era a tensao no Arsenal da Marinha,

urn tanque subitamente partiu, sem autorizacao, para a Palacio

Guanabara, de onde Lacerda liderava a resistencia civil. A . che-

gada do tanque, sua guarnicao aderiu a revolt a e foi saudada com

jtibilo peJo governador e seus auxiliarcs. As fileiras das tropas

legalistas diminuiam a cada momenta.

Mais tarde. ainda pel a manha, Goulart certificava-se de que

a balanca do apoio militar pendia contra ele. Mas rcstava-lhe urna

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2 Brasi l: de Castelo a Tancredo

esperanca: 0 Segundo Exercito, com sede em Sao Paulo, sem cujo

apoio nenhum golpe militar lograria exito. Era seu comandante 0

general Amaury Kruel, que nao aderira a Revolucao, em parte por

causa de sua inimizade com 0 general Castelo Branco, destacado

lider do movimento. 0 presidente telefonou para 0 general Kruele the pediu que continuasse leal ao governo. Mas Kruel condicionou

seu apoio ao rompimento de Goulart com 0 CGT (Comando Geral

dos Trabalhadores) Iiderado por comunistas, e cuja influencia os

militares rebeldes nao toleravam. Mas 0 presidente objetou, ale-

ga1)do que 0 apoio da classe trabalhadora lhe era indispensavel.

 Entao, Sr. Presidente , Krucl respondeu, nao ha nada que pos-

sarnos Iazer.

Goulart convencera-se ai de que seu governo realmente che-

gara ao fim, Na sede da representacao diplomatica norte-arnericana

o embaixador Lincoln Gordon e seus auxiliares se mantinham

atentos ao trafego de veiculos entre 0 Palacio Laranjeiras e 0

.aeroporto Santos Dumont no centro da cidade, onde 0 diplomata

.colocara observadores.

Pela manha a limusine presidencial fora vista em direcao ao

.aeroporto mas logo retornara ao palacio. Teria 0 presidente mudado

.de ideia? Enquanto isso, em Washington, 0 assessor de Seguranca

;Nacional, McGeorge Bundy, monitorava pessoalmente 0 trafego

telegrafico originario do Brasil , sinal indisfarcavel da preocupacao

da Cas a Branca de que 0 pais dessc uma guinada para a esquerda.

1. Albert o Di nes , et al., as idos de marco e a queda em abril (Rio de

Janeiro, Jo s e Alvuro, 1964). p. 144.

2. 0 pape1 do governo des Estados Unidos na deposicao de J080 rt,

Goulart foi objeto de muita especulacfio e debate. Os n l_c ()n~s radicals   1afirmavam que os Estados Unidos, usando rneios publicos e clandestinos, )

co.ntribufram signiflcativarnente para a vitoria des inirnigos de Goulart. ~

est a a opiniao de Edmar Morel, 0 golpe comefou em Washington (Rio de

Janeiro, Edi tora Brasi liense, 1965), Em apendice a Politics on Brazil

1930 1964; An Experiment in Democracy (New York, Oxford University

Press, 1967), tratei das evidencias sobre 0 papel dos Estados Unidos a

partir de janeiro de 1967. Publicacdes subsequentes nao me induzirarn a -frnodificar mui to minha interpretacao. Pesquisas posteriores revelaram que \

o governo arnericano acompanhou atentamente os eventos, destacando a r

impor tfi nc ia que 0 presidente Johnson e seus auxiliares atribufarn ao Brasil.   to relato mais bem documentado do papel dos Es tados Unidos e 0 de

Phyl li s R, Parker, Brazil and the Quiet intervention 1964 (Austin, University

of Texas Press, 1979). Para conhecimento de importantes documentos. reve-

t

 ~

'i-

As Origens da Revoluciio de 964 21

~

 

No final da manha os observadores da Embaixada norte-americana

viram novamente a limusine presidcncial rumando para 0 Santos

Dumont. Desta vez Goulart seguiu diretamente para bordo do

aviao que 0 levaria para Brasilia.

Estaria e1e pensando em organizar seu ultimo bastiao de defesa

na capital federal, como the aconselhava Darcy Ribeiro, seu mais

graduado assessor civil? Mas resistir sem apoio militar seria sui-

cfdio, e 0 proprio presidente estava persuadido de que nao contava

com qualquer parcels de apoio nas Iorcas armadas. De Brasilia,

Goulart voou para 0 seu estado natal, 0 Rio Grande do Sui, onde

o comandante do Terceiro Exercito ainda nfio havia aderido ao

golpe, circunstancia de que se valeu 0 entao deputado Leonel

Brizola, cunhado do presidente e exaltado porta-voz do naciona-

l ismo radical , para conclamar 0 povo a resistencia. 0 presidente

nao apoiou a articulacao de Brizola, e no dia 2 de abril 0 Terceiro

Exercito aderiu e rebeliao impedindo assim a repeticao de 1961,quando se revoltara em defesa do dircito de Goulart suceder a

Janio Quadros, direito que os ministros militares nao queriam

reconhecer. Dois dias depois, um Goulart relutante atravessava a

fronteira do Uruguai, refugio habitual de exilados politicos sul-

americanos.'

Como foi que os inimigos do presidente brasileiro consegui-

ram expulsa-lo do governo e do pais? A explicacao mais imediata

e que seus obstinados adversaries civis haviam conquistado a sim-

pat ia dos mil itares, fator essencial para 0 bom exito de um golpe.

Para alguns rnilitares, no entanto, 0 trabalho de persuasao dos

civis foi dispensavel, pois em 1963 se haviarn convencido de que

lades por um brasileiro, da biblioteca presidencial Lyndon B. Johnson,

ver Marcos Sa Correa, 1964 vista e comentado pela Casa Branca (Porto

Alegre, L   PM, 1977). Para uma tentative de interpretacao mais arnpla da

influencia americana no Brasil, ver Ta n Knippers Black, United States

Penetration   Brazil (Phil adelphi a, Univers it y of Pennsylvania Pres s, 1977).

3. Em Politics in Brazil analisel com pormenores as orlgens da Revolucao

de 1964, com extensa referencia a fontes impressas. A partir de enti io s urgi u

vasta bibliografia sobre 0 assunto. As obras adicionai s c it adas nest e cap itulo

s ilo si rnpl esment e exernpl os dess a bibli ografi a rel ativamente a topi cos espe-

cificos. 

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  Brasi l: de Cast elo a Tancredo

Goulart estava levando 0 Brasil para urn estado socialista que

extinguiria os valores e as instituicoes tradicionais do pais. Estas

ideias estavam contidas em urn memorando que circulou nos quar-

teis de todos os estados brasileiros e sustcntavam que  presidente

devia ser deposto antes que suas acoes (nomeacoes de militares,decisoes Iinanceiras etc.) enfraquecessem a pr6pria instituicao mi-

litar , 0 coordenador dos conspiradores na area das forcas armadas

era  chefe do Estado-Maior do Exercito, general Castelo Branco,

urn soldado calado, reservado, que participara da Forca Expedicio-

nari a Brasileira (FEB) na Italia em 1944-45. Sua escolha para

coordenador deveu-se ao Jato de ser ele urn oficial de impecavel

correcao e alheio it politica.?

Os conspiradores sustentavam ideias marcadamente anticomu-

nistas desenvolvidas na ESG (Escola Superior de Guerra), segundo

o modele do National War College dos Estados Unidos. No Brasil,

a ESG ja era urn centro altamente influente de estudos politicos

,', atraves de seus cursos de urn ano de duracao frequent ados POt

-;;igual nurnero de civis e militates destacados em suas areas de

 atividade. Da doutrina ali ensinada constava a teoria da guerra

_ interna introduzida pelos militares no Brasil por influencia da

',Revoluyao Cubana. Segundo essa teoria, a principal arneaca vinha

nao da .invasao extcrna, mas dos sindicatos trabalhistas de esquer-

da, dos intelectuais, das organizacoes de trabalhadorcs rurais, do

clero e dos estudantes e professores universitarios. Todas essas

categorias representavam seria ameaca para  pais e per isso teriam

que ser todas elas neutralizadas ou extirpadas atraves de a«oes

declsivas.

Essa forma de pensar radicalmente anticomunista nao era nova

para a politica brasileira. Em 1954 0 presidente Genilio Vargas

4, t talvez cur ioso 0 Iaro de que 0 prirneiro bicgrafo de Castelo

Branco foi ameri cano , Para urn trabalho feito com rnuita atencao, embora

destitufdo de imaginacao. vel' fohn W. F. Dulles, Castello Branco: The

Making oj a Brazilian President (College Station, Texas A&M Univers it y

Press, 1978), que cobre H vida de Castelo antes de sua ascensao a pres i-

denci a. 0 perfodo presidencial e coberto por Dulles em President Castello

Branco: Brazilian Reformer (Col lege St ati on, Texas A&M Uni versi ty Press ,

1980).

5, A evolucao das idelas pollticas dos militares brasileiros e analisada

minuciosamente em Alfred Stepan, The Military   Politics: Changing in

Patterns in Brazil (Princeton, Princeton Universi ty Press , 1971). John Markoff

As Origens da Revoluciio de 1964 23

 

~.

fora levado ao suicidio por uma conspiracao militar sernelhante a

que selou a sorte de Goulart. Vargas, que anteriormente governara

o Brasil de 1930 a 1945 (os tiltimos oito anos como ditador), havia

voltado a presidencia pelo voto popular em 1951.6 Dadas as seme-

lhancas entre a queda de Vargas em 1954 e a deposicao de Goulartuma decada depois, os anos 50 requerern exame rnais atento.

A atribulada presidencia de Vargas no periodo 1951-54 foi

marcada pelo aprofundamento da polarizacao politica. 0 principal

apoio politico do presidente provinha do PTB (Partido Trabalhista

Brasileiro), fundado sob a egide de Vargas em 1945. Seguia as

linhas dos partidos socialistas democraticos europeus, e chegou a

ser 0 principal partido de esquerda, mas era marcado pelo pcrso-

nalisrno e seu rnatiz ideologico variava de urn estado para outro.

o prcsidente lancou arnbic ioso prograrna de investimentos publicos,

frustrado entretanto pelo insucesso economico, eausado pelaverti-

ginosa queda dos precos do cafe no mercado internacional e pelo

aumento da inflacao internamente. Deterrninado a executar seu

programa economico nacionalista (como a criacao do monop6lio

nacional do petr6lco) e ao mesmo tempo melhorar os salaries dos

trabalhadores, Vargas, agora um populista, viu-se Iorcado em 1953

a adotar um programa antiinflacionario altamente impopular. Como

se a crise economics nao fosse bastante, ele tarnbem enfrentou

uma conspiracao militar, pois sua politica de cunho nacionalista e

populista provocara indignada reacao entre os oficiais anticomu-'

nistas, que em 1953 haviam empalrnado a lideranca militar. Estes

fica ram especialmente contrariados no inicio de 1954 com a pro-

posta de um elevado aumento do salario minimo, enquanto os

proventos dos militares continuavarn a encolher. 

ministro doTrabalho que recomendara 0 aurnento de salario fora Toao Goulart,

,~

e Sil vio R Duncan Baretta, • Professional Ideology and Military Activism

in Brazil: Critique of a Thesis of Alfred Stepan n, Comparative Politics

XVII, N.  2 (janeiro de 1985), pp. 175-91, fazem convincente avaliacao

crft ica da 16gi ca globa da anali se de Stepan, mas para os fins deste trabalho

a descricao dos tipos de cornportamento dos militates feita por Stepan

continua val ida.

6. Para uma analise da hist6ria do Brasil no seculo vinte, pondo em con-

texto 0 golpe de 1964, ver Peter Flynn, Brazil: A Political Analysis (Boulder,

Wes tview Pres s, 1978).

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24 Brasil: de Castelo a Tancredo

urn jovem politico do PTB, protegido de Vargas, natural dos mes-

mos pagos gauchos que 0 presidente.?

Os politicos adversaries do governo e a imprensa apelidaram

Goulart de chefe do peronismo brasile iro , Soh intensa pressao

polftica, Vargas, em fins de Ievereiro de 1954, demitiu Goulart,a primeira baixa na Iuta do presidente contra os antipopulistas.

Estes eram capitaneados pela UDN (Uniao Dernocratica Nacional),

fundada para cornbater a ditadura em 1945 e que logo se tornaria

o principal partido conservador. Em 1954 era a forca antigetulista

por excelencia e tinha como seu rnais ardoroso porta-voz Carlos

Lacerda, talentoso jornalista que atraves do seu vespertine; Tribuna

da Imprensa desfechava contra Vargas todo 0 tipo de ataque

pessoal e politico.

A demissao de Goulart nao foi solucao, pois os problemas de

Getiillo somente pioraram. As vendas de cafe no exterior cafram

drasticamente, devido em parte a pollticas de comercializacao mal

.orientadas. 0 ex-ministro das Relacoes Exteriores de Vargas acusa-·V8-.0 de conspirar com Juan Peron, da Argentina, para formar um

bloco anti-Estados Unidos na America Latina, enquanto a imprensa

divulgava reportagens sobre escandalos financeiros do governo.

Diante destas investidas, Vargas tratou de procurar aliados politicos.

7. A era iniciada com a Revolucao de 1930 esta sendo fartamentc

docurnentada gracas ao arquivo e publicacoes do Centro de Pesquisa e

Documentacao de Hist6ria Contemporinea do Brasil (CPDOC) no Rio de

Ianeiro. 0 Centro possui arquivos pessoais e hist6r ias orais das principals

figuras do perlodo p6s· 1930. Entre as obras que ja publ icou sobre Getulio

Vargas citarn-se: Valentina de Rocha Lima, ed., Getulio: uma historia oral

(Rio de Janeiro, Editora Record, 1986); Ana Ltgia Silva Medeiros e Maria

Celina Soares d Aradjo, eds., Vargas e os UI S cinqiienta: bibliagruiia (Riode Janeiro, Fundacao Getiilio Vargas, 1983); e Adelina Maria Alves Novaes

e Cruz, et al. , eds., Impasse l1a democracia brasileira 1951·1955: coletiinea

de documentos (Rio de Janeiro, Fundacao Getulio Vargas, \983). Para uma

das mais lidas interpretacdes do meio seculo que se seguiu a Revoluc;iio de

1930, ver Luiz Bresser Pereira, Development and Crisis in Brazil 19JO·1983

(Boulder, Westview Press, 1984).

8. 0 Estado de S. Paulo 12 de Janeiro de 1954.

9. Para 'um excelente estudo sobre a UDN, ver Maria Victoria de

Mesquita Benevides, A UDN e 0 udenismo: ambigtiidades do liberalismobrasileiro 1945-1965 (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981). HA tambem um

born estudo sobre eo PSD em Lucia Hippolito, De raposas e rejormistas: 0

PSD e a experiencia democrdtica brasileira 1945-64 (Rio de Janeiro, Paz e

Terra. \985).

\.

As Origens da Revoluciio de 1964 25

Em maio, decretou um aumento de 100 por ccnto do salario mi-

nima, mais ate do que Joao Goulart havia recomendado. Mas a

medida chegava tarde demais para ajuda-lo a mobilizar 0 apoio dacla sse trabalhadora.

Em agosto, Vargas havia sido isolado pelos seus adversaries,cujas fileiras engrossavarn diariamentc. 0 chefe da guarda pessoal

do presidente, perturbado pelos apuros do seu chefe, resolveu pro-

videnciar a eliminacao de Carlos Lacerda, 0maior algoz de Getril io

Vargas. 0 assassino contratado para matar Lacerda apenas 0 feriu,

rnatando, porern, um oficial da Forca Aerea que acornpanhava 0

jornallsta. Vargas nao tivera conhecimento da trama assassina que,

no entanto, 0 tornara muito mais vulneravel para os seus inirnigos.

A Forca Aerea criou a sua pr6pria comissao de inquerito, rapida-

mente localizando 0 assassino no palacio presidencial. 0 Inquerito

tambem revelou novos escandalos financeiros, Iornecendo assimmais rnunicao para Lacerda e a UDN.

A palavra definitiva vinha agora do Exercito, sempre 0 arbitro

final nas contendas da polftica brasileira. Vinte e sete generais,

inclusive antigetulistas e centristas, lancaram um manifesto exigin-

do a remincia do presidente. Depois de acusa-lo do crime de

corrupcao , 0 manifesto dizia que a crise politico-militar arnea-

cava de danos irreparaveis a situacao econornica do pais . Final-

mente, informava que havia uma ameaca de graves perturbacoesinternes . ?

Desafiando seus acusadores, 0 presidente os advcrtiu que [a-

mais renunciaria. Ap6s receber outro ult imato dos militares endos-

sado pelo ministro da Guerra, e em seguida a uma melancolica

reuniao ministerial a 24 de agosto, Vargas exerceu sua ultimaopcao. Retirou-se para os seus aposentos e suicidou-se com um

tiro no coracao. Deixou urna carta-testamento culpando por sua

derrota uma campanha subterriinea de grupos nacionais e inter-

nacionais . Atingia assim as companhias petroliferas internacionais

que haviam combatido a criacao da Petrobras, 0 monop6lio nacio-

nal do petr61eo. A carts denunciava tambem a violenta pressao

sobre nossa economia ao ponto de terrnos que ceder , referindo-se

10. 0 manifesto esta transcrito em Bento Munhoz da Rocha Netto ,

Radiograj ia de novembro 2. ed. (Rio de Janeiro. Civiliz8c;ao Brasileira,IQ61 pp. 118·1Q.

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26 Brasil: de Castelo a Tnncredo

a re acao dos Estados Unidos it tentative do Brasil de nao deixar

cair 0 prcco do cafe. 0 documento concluia: Eu vos dei a minha

vida. Agora ofereco a minha morte. Nada receio. Serenamente dou

a primeiro pas so no caminho da eternidade e saio da vida para

entrar na historia  .'Com 0 set suicidio Vargas fez a feitico virar contra 0 Ieiti-

cciro , Os seus inimigos vinham ate entao procurando ocupar a

vazio criado pelo descredito moral e politico do governo. Mas,

t ransformado agora 0 presidente em martir, as antigetulistas pas-

sararn subitamente para a defensiva. Carlos Lacerda, antes a

hcr6i ferido, tratou primeiro de ocultar-se antes de seguir para

a exflio. Multidoes iradas apedrejararn a Embaixada nortc-arneri-

can a e incendiaram caminhces de entrega de a Globo ; inflamado

vespertino antigetulista. Esses alvos enquadravam-se na descricao

dos algozes do presidente, mencionados em sua carta-testamento.

o desenlace do go verno Vargas de 1951-54 criou 0 contexte

. politico e as linhas de a92.0 para a decada seguinte. Havia, em---primeiro Iugar, a questao do nacionalismo econcmico. Como 0

-Braail deveria tratar os investidores estrangeiros? Que areas (como

: petroleo, minerios etc. ) deveriam ser reservadas para   capital

. nacional , publico ou privado? Como poderia 0 pais maximizar

-seus ganhos com 0 cornercio exterior?

Outra area basica era a eqliidade econornica, refletida no

debate publico em torno do reajustamento do salario mfnirno,

questao que em 1954 infernizara a vida de Vargas. Que se en ten-

dia par indice justo de salaries? Ate que ponto as trabalha-

dores poderiam negociar coletivamente? A lei trabalhista corpo-

rativista (criada pel a ditadura de 1937-45) virtualmente proscre-

via a negociacao. Nao obstante, Iideres trabalhistas independen-

tes de Sao Paulo - isto e, sern qualquer dever de gratidao

para com 0 governo ou grupos de esquerda como 0 Partido

Comunista - estavam Iazendo progressos. A curto prazo surgi-

riam dai mais problemas politicos para Vargas.P

1 I. a texto da carta esta transcrito em Afonso Cesar , Politica ciiriioe sangue: documentdrio do 24 de agosto 2.' ed, (Rio de Janeiro, Editorial

Andes, 1956), pp 219·20.

12. Estc capitulo rel ati vament e nao est udado e analisado em Jose

Alvaro Moises, Greve de massa e crise politica  S aD Paulo, Edi to ra Pol is,

1978 _

 

As Origens da Revoluciio de 1964 27

As relacoes trabalhistas no setor agricola tambem reclamaram

atcncao durante 0 governo de Getulio Vargas. No inicio de 1954

a presidente autorizou   ministro do Trabalho, Ioao Goulart, a

dar comeco a organizacao dos trabalhadores agrtcolas do estado

de Sao Paulo.P 0 maior Indice de pobreza do Brasil era apre-sentado pelo campo, onde a renda e os services publicos eram

muito precarios em relacao aos das cidades. Faltava entretanto a

Vargas qualquer apoio politico mobilizavel para aquela iniciativa.

Por outre lado, os grandes proprietarios de terras estavarn hem

representados em todos os niveis governarnentais, daf resultando

oaumento do numero dos inimigos ativos do presidente sem que

ele conseguisse realizar qualquer reforma.

Finalmente, 0 governo de Vargas e sua morte tragica suscita-

ram quest6es politicas decisivas. Prirneiro era   futuro do sistema

de partidos politicos. A UDN havia alcancado sua meta imediata:

afastar Getulio do poder. Mas tambem fizera dele um martir,

ajudando com isso 0 PTB, que agora empunhava a bandeiravarguista do nacionalisrno economico. A medida que este partido

se fortalecia, a UDN era ernpurrada para um combate quase per-

manente das teses contidas no ideario petebista. Enquanto isso,

o PSD (Partido Social Dernocratico) era apanhado no fogo cruza-

do UDN-PTB. 0 PSD foi 0 terceiro dos tres principais partidos

criados em 1945. Seus primeiros dirigentes foram recrutados entre

as administradores de alto nivel e os oligarcas politicos Iavoreci-

dos pela ditadura d o Estado Novo. POl' sua ideologia e atuacao,

era urn partido de centro, tendo a direita a UDN e a esquerda 0

PTB. Pretensamente pragrnaticos e pacificadores por natureza, os

lideres pessedistas nao fizeram jus as suas louvadas virtudes de

conciliadores quando os animos politicos se infJamaram em 1954.

Em 1955, asscntada a poeira da crise, 0 PSD elegeu para

urn mandata de cinco anos 0 seu correligionario J uscelino Kubits-

chek. Seu governo foi caracterizado pelo rapido crescimento eco-

nornico e pela criatividade que resultou em inovacoes, como a

construcao da nova capital federal em Brasilia e a criacao da

SUDENE, a reparticao incumbida de executar a politica de des en-

volvimento para 0 Nordeste brasileiro. Iuscelino foi 0 prot6tipo

do politico do PSD centrista; minimizou a ideologia e procurou

13. Cesar, Politica  ci ir iio e sangue pp. 121·24.

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28 Brasil: de Castelo 8Tancredo

atrair  maximo de apoio para a sua industrializacfio .•desenvol-

vimentista . Da mesma forma que convidou   capital estrangeiro

a investir em setores como a industria autcmobilfstica, promoveu

ruidoso rompimento com 0 FMI (Fundo Monetario Internacional)

em 1959, por se recusar a aeeitar 0 programa ortodoxo de estabi-

lizacao propos to por aquela instituicao, e com isso desencadeou .

uma onda de exaLtado nacionalismo em todo 0 pais. A UON e as

militares antigetulistas atacaram 0 governo pessedista de J uscelino,

mas, gracas a exuberancia do seu estilo politico e a criatividade

do seu programa de metas economicas, os ataques diminuiram.

Finalmente, em 1960, a UON achou que havia chegado a

sua oportunidade. 0 partido nunea havia feito urn presidente,

mas Janio Ouadros, urn modesto ex-professor de Sao Paulo, mas

dotado de excepcional earisma politico, pareceu 0 candidate ideal

para receber 0 seu apoio. Tanio havia sido eleito prefeito da cida-

de de Sao Paulo e depois governador do estado, postos em que

. enriqueceu 0 seu curriculo como homem publico. Nao era entre-

...arito urn politico eonvencional, pois a identificacao partidaria no

.seu' caso era rnera conveniencia, tanto assim que ja havia trocado

algumas vezes de partido. A UON queria Janio porque ele profes-

-sava muitas das posicoes udenistas, como a intransigencia com

.a .corrupcao, a .suspeita em relacao a obras faraonicas, a preferen-

cia pelaIivre empresa e a enfase nos val ores do 1ar e da familia.

Janio tarnbern prometia erradicar a inflacao e racionalizar 0 papeldo Estado na economia. Mais importante, a UON queria Janio

Ouadros porque ele era verdadeiro Ienomeno em materia de con-

quista de votos.

Vencendo a eleicao presidencial de 1960, Janio nao decep-

cionou a UDN, par cuja chapa (juntamentc com outros) se can-didatara. Mas foi uma vit6ria altamente pessoal, confirmada pelo

fato de que seu companheiro de chapa,. Milton Campos, perdeu

para Joao Goulart, candidato da oposicao a vice-presidencia (a

lei eleitoral permitia 0 voto em candidatos de partidos diferentes).

Janio assumiu em janeiro de 1961, cereado de enorme pres-

tigio politico. Sua campanha (tinha por sfrnbolo uma vassoura)

eonvencera tanto amigos como inimigos que ele pretendia cumprir

o que prometera. Os militares, especialmente, depositavarn nele

grande esperanca, pois ha muito desejavarn que surgisse alguem

capaz de desfechar uma cruzada moral contra 0 que consideravam

politicos sem principios e oportunistas. 1::que circulavam na epoca

As Origens da Revolucao de 1964 29

~

fortes rumores de que mernhros da classe polttica teriam recebido

gordas propinas (de empreiteiras de Brasflia, de vendedores de

terras em Minas Gerais e de representantes de empresas multi-

nacionais). J anio transmitia a impressao de que seria experlmen-

tado piloto ao Ierne no Planalto, 0 palacio presidencial em Brasflia.Dali, com sua famosa vassoura, ele visava os politicos desonestos

e os burocratas ociosos.

A magia politica do novo presidente nao levou muito tempo

para ser posta a prova. Sempre conhecido por suas excentricidades,

comecou, para surpresa geral, a flertar com a esquerda. Conccdeu

a Che Guevara a Ordem do Cruzeiro do SuI, a mais alta conde-

coracao brasiIeira eonferida a estrangeiros. Par que estaria ele

homenageando urn guerrilheiro argentino-cubano? indagava a UON.

Pouco depois Tanio hesitaria par em pratica urn programa de esta-

bilizacao economica, ao estilo do FMI, que prometera como

remedio para debelar a inflacao, Estaria recuando da austeridade

econornica? 0 presidente tambern se queixava de que a Congressoestava obstruindo   seu programs legislativo, embora houvesse

ate entao enviado poucos projetos de lei.

As atencoes de Janio para com 0 governo de Cuba foram

o bast ante para fazer ferver a ira de Carlos Lacerda, ainda a voz

mais podcrosa e estridente da UDN, que dirigiu pesados insultos

ao chefe do governo, tambem temivel polemista. Mas este nao

quis travar combate verbal com 0 seu grande oposilor. Ao con-

trario, para surpresa geral, enviou uma carta ao Congresso, em

agostode 1961, renuneiando a presidencla. Seu gesto caiu como

urna bomba sobre a nayao. Os milhoes de brasileiros que lhe

deram 0 voto ficaram perplexos vendo frustradas suas melhores

esperancas. Embora possa ter pens ado que 0 Congresso 0 chama-ria de volta dando-lhe poderes para governar ao estilo de urn

De Gaulle (0 que aparentemente desejava), Janio abandonou Bra-

sflia no mesmo dia e se foi incognito,

Os lfderes do Congresso rapidamente eliminaram 0 clima d eincerteza aceitando a renuncla como fato consumado. Com sua

atitude, Janio subitamente fez do vice-presidente Ioao Goulart

seu sucessor legal. Assim 0 destino (e J~nio) elevou a presidencia

o rnesmo politico do PTB que a UON ajudou a expulsar do seu

posta em 1954. Na ocasiao, como se de proposito quisesse acen-

tuar suas inclinacoes ideologicas, Goulart realizava uma visita de

boa vontade a Republica Popular da China.

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3 Brasil: de Castelo a Tancredo

Antes que Goulart pudesse voltar, os tres ministros rnilitares,

tendo a frentc 0 ministro da Guerra, marechal Odflio Denys,

anunciaram que nao the seria permitido assumir a presidencia.

Alegavam que, na condicao de ministro do Trabalho de Genilio

Vargas, Joao Goulart havia entregue cargos-chave nos sindicatosa  agentes do comunismo internacional . 0 manifesto dos minis-

t ros terminava expressando 0 receio de que uma vez na presi-

dencia Goulart promovesse a infiltracao das forcas armadas, trans-

formando-as assim em simples milicias comunistas . 0 fantasma

de urn conflito entre trabalhadores e militares nao podia ter sido

rnais bem descrito.v'

Os ministros militares presumiram poder impor seu veto ao

direito de Goulart it sucessao, mas tal presuncao era infundada,

como logo ficou provado. 0 manifesto estimulou a criacjio de urn

movimento pela legalidade de ambito nacional, cujos membros

exigiam que os militares respeitassem 0 direito legal do vice-pre-

sidente asucessao. A espinha dorsal do movimento era constltuida'pelo PTB e grupos aliados da esquerda, incluindo tambem poli-

ticos centristas e oficiais das forces armadas, os quais achavam

.que. a acatamento a constituicao era a tinica maneira de forta-

Iecer a democracia brasileira. Em outras palavras, Joao Goulart

deveria ter a oportunidade de confirmar au desfazer as acusacoes

da direita.

o elo mais f raco da corrente de forcas que apoiavarn os

ministros mi litares era 0 Terceiro Exercito, sediado no Rio Grande

do Sui, cujo comandante, 0 general Machado Lopes, rejeitava 0

veto. Sua atitude recebera entuaiastico apoio do jovem governador,

Leonel Brizola, cunhado de Goulart e 0 principal agitador pete-bista da campanha pela Iegalidade . Brizola e Machado Lopes

conceberam a seguinte pLano para frustrar a ayaO dos ministros:

Goulart entraria no Brasil via Rio Grande do SuI; se a Marinha

arneacasse vintervir, Brizola reagiria mandan do afundar bastantes

navios para impedir 0 acesso ao porto de Porto Alegre. Esta

medida derrotou os ministros, que nao tiveram alternativa a nao

ser negociar.

14. 0 manifesto esta transcrito em Mario Victor, Cinco anos queabalaram 0 Brasil (Rio de Janeiro, Civili zacrao Brasi leira, 1965), pp. 347-48.

 

As Origens da Revolucao de 964 3

A solucao encontrada Ioi que Goulart assumiria a presiden-

cia, mas com poderes reduzidos. Urna emend a constitucionaI apro-

vada apressadarnente transformou 0 Brasil em republica parla-

mentar. 0 poder executive era efetivamente transferido para 0

gabinete, que governaria com 0 apoio da maioria do Congresso.

Goulart aceitou com relutancia este compromisso, mas imediata-

mente comecou a planejar a reeonquista dos plenos poderes presi-

denciais, Conseguiu em janeiro de 1963, quando urn plebiscita

nacional lhe devolveu 0 sistema· presidencial. Mas entao s6 lhe

restava poueo mais da metade do mandate original de cinco anos.

Com que especie de Brasil Ioao Goulart se defrontou? A

questao principal era de natureza econornica. Desde 1940 0 PIB

brasileiro cresci a a 6 por eento ao ano, algo que poucos paises

do Terceiro Mundo podiam igualar. Tanto as brasileiros como os

observadores estrangeiros, notando a abundancia de recursos de

qu~se todo 0 tipo, prcviam brilhante futuro para 0 rnaior pais

da America Latina. A campanha de Iuscelino pel a industrializa-«ao e a construcao de Brasilia pareciam assinalar a deeolagem

do Brasil.

Mas a continuacao do desenvolvimento nao seria Iacil porque

a infra-estrutura basica era deploravelmente inadequada. A pro-

ducao de energia eletrica, por exemplo, nao conseguia atender a

demanda basica do Rio e Sao Paulo. Os gerentes de Iabricas do

parque industrial paulista eram obrigados muitas vezes a recorrer

a geradores a diesel para nao paralisarem a producao e no Rio

de Janeiro frequentemente se racionava agua e eletricidade. 0

total de estradas pavimentadas em urn pais maior do que os

Estados Unidos continentals era de aproximadamente mil quilo-

metros.P 0 sobrecarregado sistema Ierroviario usava bitolas dife-

rentes em diferentes regioes e a maior parte do seu material

rodante era antiquado.

o sistema educacional era urn pouco melhor. A instrucao

prirnaria e secundaria era atribuicao dos municiplos e dos estados,

mas menos de 10 por cento dos alunos matriculados no primeiro

grau conclularn  curso primario, e apenas 15 por cento dos estu-

15. Brasil 1960: situacao recursos possibilidades (Guanabara, Ministeriodas Relacdes Exteriores, 1960), p. 725.

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32 Brasil: de Castelo a Tancredo

dantes secundarios conseguiam ir ate 0 fim do curso.l As causas

inc1uiam recursos inadequados para contratar professores e cons-

truir escolas, indiferenca dos pais, falta de dinheiro para pagar

uniformes escolares, pressao dos pais para que as filhos trabalhas-

sern, e muitas outras. Na maior parte das cidades as melhores

escolas secundarias eram particulares e atendiam aos filhos dos

rices que levavam enorme vantagern nos ex ames de admissao as

universidades federais gratuitas. Nao causava surpresa 0 fato

de as universidades do governo serem freqiientadas em sua maio-

ria por filhos de gente bem de vida. Com rnais da metade das

verbas para educacao canalizadas para as universidades federais,

o go verno na realidade trabalhava contra a ascensao social via

educacao.

o sistema educacional nao somente deixava de cumprir as

metas mlnimas de alfabetizacao para 0 povo em geral, mas tam-

bem nao procurava preparar a Iorca de trabalho qualificada que

•a .industrlalizacao reclamava. a Brasil dependia quase totalmentec':de.tecnclogia importada possuida par empresas como a Brown

,'ffioyeri (geradores), Bayer (medicamentos), Bosch (equipamentos

-;eletricos), Coca-Cola (refrigerantes) e Volkswagen (veiculos). 0

-governo brasileiro sequer imprirnia a sua pr6pria moeda (exceto

-cedulasde urn cruzeiro que rapidamente desapareciam). Este traba-

lho era fcito pcla American Bank Note Company ou por Thomas

Larue, Ltd. (inglesa), dependendo da que colocasse lobistas rnais

eficientes junto as autoridades brasileiras.

A assistencia a saiide era outra area esqueeida. Na sadde,

como na educacao, os grandes contrastes eram entre a cidade

e 0 campo. A populacao das cidades, mesmo os favelados, geral-

mente recebia mais services sociais do que as habitantes docampo. Ate que ponto a pobreza rural resultava do sistema de

propriedade da terra? Ernbora 0 sistema variasse de acordo com

a regiiio, quase por toda a parte havia grandes extensoes de terrascomp letamente ociosas pertencentes a proprietaries privados ou

a 6rgaos governamentais. A pouca distancia dessas terras sem uso

havia milhoes de Iavradores na rniseria por Ialta de terra onde

pudessern ganhar a vida. Par que eles nlio invadiam as terras

16. Franz Wilhelm Heimer,  Education and Politics in Brazil , Compa-

rative Education Review XIX, N.· 1 (fevereiro de i975), pp. 51·67.

r

I

l

As Origens da RevolUfuO de 1964 JJ

ociosas? Porque 0 poder de pollcia no campo era controlado pelos

grandes Iatifundiarios ou seus aliados entre as elites das cidades.

Mas nao era apenas a coercao que dissuadia os sem-terra e os

proprietaries de terras marginais. Era tambern a tela de relacoessocio-economicas e mora i s que Iigava as poderosos aos que se

achavam em patamar inferior. Essa teia incluia 0 sistema do

compadrio: 0 afilhado procurava 0 padrinho para the pedir prote-y8.0 e favores. Este sistema eanalizava as aspiracoes do inferior

para 0 papal grande de quem nao se duvidava que atenderia de

boa vontade seu tutelado moral. Era precisamente a oposto do

impulso coletivista, que leva os inferiores a extralrem concessoes

pelo uso da forca de todos. 0 resultado foi que as movimentos

eamponeses no Brasil do seculo vinte nunca exigiram, por exem-

pIo, uma reforma agraria, como aconteceu no Mexico ou na Boll-

via. Nem a reforrna agraria era alta prioridade para a esquerda

polftica, presa ao dogma marxista tradicional de que somente 0

proletariado urbano poderia desencadear a revolucao .Nas cidades 0 recem-ernpossado presidente Ioao Goulart veri a

o surgimento de uma populacao de migrantes que abandonavam 0

campo em busca de vida melhor. Mas 0 que encontravam erarn

favelas em expansao. Contudo, por mais chocantes que pareeessem

aqueles barracos, para muitos dos seus moradores representavam

o meio de alcancarern melhor situacao economica. as migrantes

nao rejeitavam trabalho. As mulheres se empregavam como domes-

ticas au como vendedoras no comercio varejista, os homens, como

trocadores de onibus, porteiros ou apontadores do [ego do bicho.

as mais afortunados conseguiam empregar-se no setor formal.

coberto: pelo salario mlnimo e portanto pelo sistema da previden-eia social.

Estes ultimos trabalhadores forma ram a base natural para urn

movimento sindieal urbano. Mas poderiam ser eles considerados

como born material para a sindicalizacao? 0 presidente Vargas

apropriou-se desta materia durante sua ditadura semicorporativista

do Estado Novo (1937-45), elaborando urn c6digo trabalhista queclava ao Estado enorme poder sobre as relacoes de trabalho. Pe10

e6digo getulista a Hliacao sindieal era compulsoria, bem como 0

pagamento de uma taxa (deduzida da folha de pagamento e envia-

da ao Ministerio do Trabalho que, por sua vez, a entregava ao

sindicato, a Iederacao ou a confederacao). Nao havia espaco para

a negociacao coletlva e as greves eram virtualmente ilegais. Os

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J4 Brasi l: de Cas te lo a Tancredo

dissidios, se considerados legais, passavam antes por uma intrin-

cada rede de tribunais trabalhistas para efeito de hornologacao.

Em resume, era urna estrutura destinada a impedir 0 surgimento

de lideres sindicais independentes. A continuidade e 0 exito do

seu funcionamento dependiam da existencia de urn grande exce-

dente de mac-de-obra. Dependiam tarnbem da disposicao do gover-no de aumentar 0 salario minimo com regular freqiiencia de modo

a satisfazer os poucos sindicatos urbanos combativos (portuarios,

bancarios, metahlrgicos). Os aumentos do salado mfnimo em geral

niio passavam de mera compensacao da inflac;ao passada, embora

os aumentos concedidos por Getiilio em 1954 c por Juscelino em

1956 e 1959 ten ham restabelecido, ainda que POt poueo tempo,

o poder aquisitivo real do salario. Mas 0 Brasil, como a Mexico,

tinha grande excedente de mao-de-obra que inevitavelmente en-

fraquecia a Iorca dos sindicatos na hora da negociacao. ?

Ao analisar as caracterfsticas basicas da eeonomia no inicio

dos anos 60; 0 observador tern sua atencao voltada para dais

'., series problemas que por muito tempo atormcntaram os response-

veis pela elaboracao das polfticas brasileiras. 0 primeiro era 0

defici t cronico na balanca de pagamentos. No inicio da decada

de 60 0 deficit brasileiro podia ser atribuido a varies Iatores.

Primeiro,a receita das exportacoes dependia deum unico produto,

o cafe, cujo preco no mercado internacional era muito variavel.

No governo Vargas de 1951-54, par exemplo, 0 Brasil envolveu-se

em uma guerra de precos do cafe com os Estados Unidos e perdeu.

Principal produtor mundial de cafe, 0 Brasil procurou manter

elevado a preco do produto no mercado de Nova York, enquanto

as Estados Unidos, como principal consumidor, se esforcavam por

manter 0 preco baixo. Diante disso, 0 Brasil retirou a cafe domercado na esperanca de Iorcar a elevacao dos precos. A jogada

fracassou quando outros produtores, tentando imita-la, levaram

17. Para uma clara explicacjio des origens do sistema de relacoes

t rabal hi st as no Brasi l, ver Kenneth Paul Erickson, The Brazilian Corporative

State and Working. Class Politics (Berkeley, University of California Press ,

1977). Dados sobre 0 salario minimo real na Guanabara de 1952 a 1964 sao

apresentados em Programa de aciio econdmica do govemo: 1964-66, (Rio de

Janeiro, Mintsterio do Planejamento e Coordenacso Economics, 1964)' p. 86;

e em Sao Paulo em Paulo Renato Souza, 0 que si io empregos e sa/arias

 Siio Paulo, Brasiliense, 1981), p. 57.

As Origens da Revotuciio de 1964 35

os varejos de cafe norte-americanos a diminuir suas cornpras.

Agravando a situacao, varies congressistas acusaram a Brasil de

havertentado chantagear as donas de casa dos Estados Unidos.

A menos que 0 Brasil procurasse diversificar suas exportacoes,

permaneceria vulneravel a flutuacfies como estas de urn iinico

mercado.

Do lado das importacoes, eram en ormes as necessidades do

Brasil: bens de capital para se industrializar, petroleo para movi-

mentar seus veiculos, materias-primas como cobre e potassa, para

citar apenas algumas. 0 nfvel das importacoes estava estreitamente

Iigado ao crescimento industrial: quanta mais rapido 0 cresci-

mento maior a demanda de importacoes.

Alern das importacoes, havia outros itens negativos na ba-

lanca de pagamentos: remessas de lueros, amortizacao de empres-

timos e reparticao de capitais eram os principais. Eram equilibra-

dos por novos investimentos estrangeiros, juntamente com empres-

timos e subvencoes (como as das agencias internacionais).

Sornadas as contas estrangeiras, verificou 0 Brasil que parcela

cad a vez maior dos seus ganhos de exportacao era para atender

ao service da divida. Em 1960 era de 36,6 por cento, quando

cineo anos antes atingira apenas t 1,6 por centc. Poueos obser-

vadores duvidavam do potencial de desenvolvimento do Brasil a

longo prazo, mas a curto prazo faltavam-lhe divisas para finan-

ciar as importacoes necessarias a continuidade de urn rapido pro-

cesso de industrializacao. As opcoes eram duras: 0 pais podia

cor tar as importacoes, sacrificando a industria e os transportes

(por causa da reducao das impcrtacoes de bens de capital e de

petroleo) , au podia suspender 0 pagamento dos ernprestimos e

proibir as rernessas de lucros sobre investimentos estrangeiros.

Oualquer destas duas iiltimas medidas assustaria os credores e

investidores estrangeiros (urna comunidade fechada de capitalistas

com ideias praticamente iguais), os quais colocariam 0 Brasil em

suas respectivas list a s negras. Em suma, 0 Brasil tinha que elabo-

rar urn plano econornico que satisfizesse aos seus credores, de

modo que 0 cornercio continuasse a ser exercido de aeordo com

as regras do capitali smo internacional.

  8_ Donald E. Syvrud, Foundations 0/ Brazilian Economic Growth

(Stanford, Hoover Inst it ut ion Pres s, 1974), p, 183.

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36 Brasil: de Castelo a Tancredo

Janio Ouadros enfrentara este problema e decidira reeorrer

ao FMI, a endosso desta instituicao e decisive porque e por ele

que esperam as credores quando um pais se prop6e executar urn

programa de ajustamento suficientemente ortodoxo. 0 programa

de Janio havia sido aprovado e entrara em execucao, mas quando

comecava a fazer sentir seus efeitos - inevitavelmente recessivos

- ele renunciou a presidencia.

Goulart assurniu 0 governo com seus poderes reduzidos eencontrou os credo res do Brasil em estado de profundo ceticismo. .

As negociacoes tiveram que ser recomecadas e os credores haviarn

tornado boa nota da desagradavel luta polltica que precedera a

posse do novo presidente. Niio deixararn de notar tambern sua

orientacao esquerdista - urn grave risco aos olhos dos banqueiros

internacionais.

o segundo e urgente problema econornico com que Goulart

se defrontou foi a inflacao que de 1949 a 1959 variou de 12 a 26

por cento. Como muitos latino-arnericanos, os brasileiros sac maistolerantes com a infla9iio do que os norte-amerlcanos e os euro-

peus ocidentais; por experiencia propria, eles tern conaciencia de

que nao podern esperar a rnesma estabilidade monetaria com que

as econornias do Atlantico Norte podem eontar. Em 1960, contu-

do,  1 infla9ao eseandalizou ate as pr6prios brasileiros quando

chegou a 39,5 por eento. Os dep6sitos de poupanca se desvalo-

rizavam mais rapidamente e os prineipais credores simples mente

se recusavam a firmar compromissos de longo prazo. 0 grande

neg6cio era descobrir urn ernprestimo com alta taxa de jura nega-

tivo. As empresas estatais, espeeialmente as de services publicos,

ficaram com suas tarifas, geralmente fixadas por politicos eleitos,

19. A rnais compieta analise do governo Goulart Fo feita par Moniz:

Bandeira, a gaverno [oiio Goulart: as lutas socials no Brasil: 1961-1964

(Rio de Janeiro, Civllizacao Brasileira, 1977), que se baseia em material njio

publ.icado de arquivos privados, assim como em entrevistas com as seus

principals atores , Bandeira e simpatico a Goulart e dli anfase Ii pressao

estrangcira, economics e politica, ou seja, dos Estados Unidos, contra 0

governo Goulart. Tambern eu analisei este assunto em Polit ics in Brazil Para uma analise pormenor izada dos problemas econOmicos com que Goulart

se defrontou e como sua inabilidade para enfrenta-Ios contribuiu para que

fosse deposto, ver Michael Wallerstein, The Collapse of Democracy in

Brazil: Its Economic Determinants ; Latin American Researcb Revi~wXV, N. 3 (1980), pp. J-40. e 08 comentarlos de Werner Baer.

As Origem da ReVO[U9QO de 1964 37

muito abaixo da inflacao. Em consequencia, 0 deficit do setor

publico inchou, agravando-se ainda mais com a arrecadacao defa-

sada dos impostos.

Mas nenhum governo brasileiro de p6s-guerra se dispos a

executar um programa ortodoxo antiinflacao. Tanto Getulio como[uscelino, por exemplo, tinham metas de desenvolvimento que nao

desejavam saerificar a ortodoxia. Ambos conseguiram manter a

economia em funcionamento sem concordar com programas de

estabilizacao ao estilo do FMI. Para Goulart, contudo,   tempo

era curto porque a economia que herdara nao dava rnargem a

manobras,

Em fins de 1962, os problemas do balance de pagamentos

e da infla~iio se tornaram praticamente intoleraveis. A resposta

do presidente foi convocar os melhores cerebros da esquerda

moderada, San Thiago Dantas e Celso Furtado, para elaborarem

um programa de estabilizacao. No inicio de 1963 eles apresenta-

ram um plano que teve a aprovacao tanto do FMI como do

presidente Kennedy. Mas os credores, cujas suspeitas nao se haviam

desfeito, foram rnais exigentes: cada ernprestimo ao Brasil ficava

na dependencia dos progressos demonstrados na implementacso do

prograrna de estabilizacao.

o plano Dantas-Furtado propunha a desvalorizacao do cru-

zeiro, 0 que elevaria 0 custo de irriportacdes como pctroleo e trigo,

que por sua vez elevaria 0 custo do pao e das passagens de.

Bnibus - dois itens basicos no orcarnento do trabalhador urbano.

o plano tambern propunha a contencao dos aumentos salariais,

outra medida impopular, pois a infla9iio ja estava ultrapassando

a casa dos 50 por cento. Para reduzir   deficit do setor publico,

o governo teria que dispensar empregados, outro golpe para a

forca de trabalho urbana. Ioao Goulart, velho politico da esquer-

da, sentiu-se tolhido com um programa de estabil izacao que poderia

agradar a UDN mas nunea a seu PTB. A16m disso, Dantas e

Furtado nao podiarn dar qualquer garantia sobre 0 tempo neces-

saria para 0 plano produzir resultados, embora Goulart 56 tivesse

pouco mais de dois anos de mandato.

o presidente engavetou 0 plano por uns seis meses. Em junho

de 1963, depois de muita reflexao, concluiu que seus custos cram

altos dernais, e adotou nova opC;iio, a estrategia do nacionalismo

radical. Esta corrente afirmava que  setor externo da econcmia

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J8 Brasil: de Castelo a Tancredo

era a causa das graves dificuldades do pals. A maioria dos inves-

tidores estrangeiros, diziam, ingressava no Brasil apenas para con-

quistar 0 poder monopolista do mercado e em seguida enviar 0

maximo de lucros para suas matrizcs lei fora. Nas indiistrias farma-

ceuticas e de equipamentos eletricos pesados, por exemplo, eles

rnanipulavarn 0mercado a fim de bloquear as empresas brasileiras.

A tecnologia que eventualmente traziarn, alardeavam os naciona-

listas radicais, continuava como propriedade da empresa e exercia

pouco efeito mulliplicador na economia em geral. A solucao? Con-

trole mais rigoroso das empresas estrangeiras, do que foi exemplo

a aprovacao pelo Congresso, em 1962, de uma lei mais severa

de remessa de lucros (0 nacionalismo radical predominava entaono Legislativo).

as terrnos em que se realizava 0 cornercio exterior do Brasil

passaram a ser tambem objeto de vigorosos ataques. Os nacio-

nalistas aIirmavam que os precos das exportacoes brasileiras eram

man ipulados pelos seus principais parceiros, como os Estados; Unidos, reduzindo-se assim a receita que 0 pals obtinha com a

.venda dos seus produtos. Ao mesmo tempo os precos das impor-

-tacoes industrials, tarnbem supostamente manipulados pelos prin-

 r.cipais parceiros, aumentavam constantemente. A consequente ten-

dencia negativa nos termos de intercambio do Brasil (a relacao

entre os precos das exportacoes e os precos das importacoes)

contribuia consideravelmente para a cronico deficit da balancade pagamentos.

Finalmente, os nacienalistas radicais culpavam   FMI e  

Banco Mundial pelo papel que supostamente desempenhavam man-

tendo pafses em desenvolvimento, como 0 Brasil, em permanente

subordinacao econornica. Era verdade que 0 Banco Mundial haviasuspendido todos os emprestimos ao Brasil por discordar das

politicas (de taxas de carnbio, fiscal etc.) que orientavam a campa-

nha de lndustrlatizacao. Por sua parte, a ortodoxia do FMI exigia

poltticas monetanas e fiscais mais rigorosas, coisa que a Brasil,

como outros paises em desenvolvimento, rejeitara como inade-

quada para a sua economia. A questao e que 0 Brasil nao podia

obter ajuda dos seus credores sem submeter-se a estrategia orto-doxa do FMI.

Subjacente a essa analise do nacionalismo radical havia a

suposicao de que os pafses industriais, espccialmente os Estados

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I i

As Origens do Revolucao de 1964 J9

Unidos, bloqueariam qualquer forma de desenvolvimento econo-

mico do Terceiro Mundo que ameacasse a controle que exerciarn

do comercio e das Iinancas mundiais, Na verdade, na decada de

50, as Estados Unidos geralmente se recusaram a ajudar empreen-

dimentos industriais de propriedade do Estado. Goulart nao acei-

tara totalmente estc diagn6stico do setor externo da economia,

mas em meados de 1963 movia-se claramente em sua direcao,

Outro aspecto do retorno de Goulart it esquerda foi a politica

interna, em que ele se scntia mais a vontade. 0 plano Dantas-Fur-

tado revoltara a sua clientela politica original: os sindicatos. Por

isso, a partir de meados de 1963, ele pas sou a defender com cres-

cente entusiasmo urn conjunto de  reformas de base que inclufam

reforrna agraria, educacao, impostos e habitacao. Dizia ele agora

que a crise economics do Brasil - da qual 0 impasse do balanco

de pagamentos e a inflacao eram os sintornas mais imediatos

s6 podia ser resolvida com a aprovacao do seu pacote de refor-

mas. Ligando-as entre si , a presidente passou deliberadamente acorrer os riscos de sua atitude.

Os sells adversaries mais irnplacaveis - a UDN e os mill-

tares - cornecaram entao a afirrnar que Goulart nao tinha al

intencao de executar suas apregoadas reformas. Ao contrario, esta-

va tentando polarizar a opiniao publica e assim preparar 0 terreno

para a tomada do seu governo pelo nacionalismo radical, que

subverteria a ordem constitucional de dentro para fora. Com efeito,

seus inimigos 0 estavam acusando de ja ter violado a Constitui-

ca o de 1946, £ato que por si s6 0 privava da legitimidade cons-

titucional.

Na opiniao das combativas forcas .anti-Goulart. 0 recursolegal era 0 impeachment. fa que, segundo alegavam, a conduta

inconstitucional do presidente chegava as raias da provocacao pelo

seu espalhafato, bastava leva-Io a julgamento perante 0 Congres-

so.20 Mas 0 impeachment exigia a maioria dos votos da Camara

dos Deputados, 0 que 08 adversaries de Goulart nao possuiam,

20. Os artigos 88 e 89 dispunham sobre 0 Impeachment (pela CAmara

dos Oeputados) e 0 julgamento (perante 0 Supremo Tribunal Federal ou 0

Senado Federal, dependendo da natureza das acusacdes). Para uma edi,.iio

de todas as constituicoes brasileiras de 1824 a 1967 (com suas 25 emendss a

partir de 28 de novembro de 1985) ver Senado Federal, Subsecretaria de

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  Brasi l: de Castelo a Tancredo

po is as deputados do PTB certamente apoiariam 0 presidente e

os do PSD nao votariam uma medida que s6 podcria beneficiar

a UDN,

Para os militares contraries ao presidente criava-se urn pro-

blema: queriam afasta-lo do governo par suas supostas ilegalida-

des, mas nao tin ham 0 meio legal de faze-lo, Esta, porem, naoseria uma di ficuldade irremovfvel. Afinal, nao descobriram 0 rneio

de depot Gettilio Vargas em 1945 e novamente em 1954? Por

isso a falta de maioria parlamentar nao seria causa maior de

preocupacao para as conspiradores. Com efeito, eles tinham impor-

tantes aliados civis, como as governadores Carlos Lacerda, da

Guanabara, Adhemar de Barros, de SaD Paulo, e Magalhaes Pinto,

de Minas Gerais. Contavam tambem com 0 apoio de [ornais influen-

tes, como a [ornal do Brasil 0 Globo 0 Estado de S. Paulo e

Correio da Manhii. Havia, por Dutro lado, urna institui~ao que se

transforrnara em importante reduto oposicionista, 0 IPES, f und a -do no comeco da decada de 60 por urn grupo de empresarios,

;'iadyogados, tecnocratas e oficiais das forcas armadas. 0 IPES

-itransformou-se numa especie de governo marginal, publicando est a-

;;tfsticas sabre a economia (nao confiava nos numeros do governo),

-I,eriandogrupos de estudo sobre questces como recursos para a

•.educacaovcontrole da populacao, reforma da lei trabalhista e de-

senvolvimento do set o r mineral. Sua postura era clara mente con-

servadora, bem a direita da maioria dos membros do Legislativo

e muito mais a direita da posicao de Goulart no final de 1963.

Paralelamente ao IPES, Iuncionava tambem urn movimento Iemi-

nino, 0 CAMDE, especializado na organizacao de marchas de pro-

testo contra a inflayao, a suposta participacao de comunistas no

governo e outros assuntos polemicos, Num pars em que a mobi-

lizayao em massa de mulheres para fins politicos ainda era rara,

as marchas do CAMDE podiam exercer forte impacto sobre a

opiniao da cia s se media.21

Edicfies Tecnicas, Constjtui~{jes do Brasil (Bras il ia, Senado Federal , 1986),

2 vols. 0 segundo volume e um Indice utilfssimo por t6picos de todas as

constituicoes (e emendas),

21. A pes quis a mais exaust iva sobre 0 pape\ do IPES na queda de

Goulart  S de Rene Armand Dreifuss, 1964: a conqulsta do Estado (Petropolis,

Vozes, 1981). A interessante analise do autor e as vezes obscurec ida. por

rigida argumentacao e excesso de pormenores. Heloise Maria Murgel

As Origem da Revoluciio de 1964 41

No corneco de 1964 0 presidente se achava cercado por todos

os lados. Nao tinha muita esperanca na aprovacao pelo Congresso

de qualquer das reforrnas que propusera - acima de todas, a

reforrna agraria, (Os mesmos parlamentares do PSD que votariam

contra a reforma agraria nao estavam dispostos, paradoxalmente,

a votar em favor do impeachment.i 0 periodo de governo do

presidente ficava cad a vez mais curto, mas nem par is so ele dese-

java recolher-se a urn papel meramente protocolar. Oueria lutar

por suas reformas. Mas como? Os nacionalistas radicais que  

cercavarn aconselharam-no a preterir os politicos e levar sua luta

diretamente ao pOVO.22

Goulart aceitou 0 conselho e marcou uma serie de comfcios

at raves do pals. Realizou 0 primeiro no Rio, no dia 13 de marco,

urna sexta-feira. Milhares de espectadores agitando fHtmulas (mui-

tos trazidos de onlbue a expensas do governo) aplaudlram 0

presidente quando ele anunciou 0 decreto de nacionalizacao das

terras a seis milhas das rodovias federais, das ferrovias ou das

fronteiras nacionais . Entusiasmado,   presidente prometeu mais

comlcios e rnais decretos.

E claro que Goulart· havia tornado uma decisao muito imp or-

tante: resolvera desafiar 0 Congresso e os adversaries de suas

reforrnas. Os nacionalistas radicais diziam-Ihe que seus inimigos

estavam em fuga, Os principais Iideres trabalhistas lhe assegura-

vam que 0 poder sindieal estava aumentando diariamente e era a

base ideal para as seus pr6ximos comlcios. Seus principais conse-

lheiros militares sabiam que oficiais dissidentes estavam se orga-

nizando, mas as descartavam como insignificante minoria.

Quando Goulart se voltou para a esquerda, verificou que ela

nao tinha unidade. 0 Partido Comunista Brasileiro (PCB), da linha

de Moscou, com sua amarga experiencia dos tempos do Estado

Novo (1937-45), aconselhava cautela. J a 0 Partido Comunista do

Starling, Os senhores das Gerais: os novos incanlidentes e 0 goipe de 1964

(Petropolis, Vozes, 1968), que estuda a conspiracdo rnineira, e Solange

de Deus Simoes, Deus patria e familia: as mulheres no ga/pe de 1964

(Pc tropol is , Vozes, 1985), sobre as marchas das mul heres nas mani fest acoes

cont ra Goulart , seguern 0 enfoque de Drei fus s.

22, Com efe ito, 0 sistema polftico brasileiro deteriorara-se ao ponto de

est agnar, como 0 dernonst ra cl ararnente Wanderley Gui lherme dos Santos,

em Sessenta e quatro: anatamia da cri se (Sao Paulo, Editors Vertlce , 1986),

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42 Brasil: de Castelo a Tancrcdo

Brasil (PC do B), da linha de Pequirn, pedia rnedidas radicals,

mas 0 nurnero dos seus militantes era pequeno. Duas figuras

polfrlcas nacionais tarnbem pcdiam acoes radicais: 0 governador

Miguel Arraes, de Pernambuco, que defendia uma polftica direta,

embora pacicnte, de rediatribuicao drastica da renda e da riqueza,

especialmente da terra; e Leonel Brizola, cunhado de Goulart edeputado federal pelo PTB da Guanabara, eleito em 1962 com

uma votacao recorde, Brizola tinha aspirac,:6es politicas mais ambi-

ciosas e estava organizando seus grupos de onze em todo 0

Brasil para entrarem em acao quando ele desse 0 sinal. A mais

importante Iorca da esquerda, tanto em mimero quanto em ardor

militante, erarn os chamados jacobinos, nacionalistas combativos

que nao haviam aceitado a disciplina nem do PCB nem do PC

do   e que pertenciam a esquerda catolica ou a UNE (Uniao

Nacional dos Estudantes), Os jacobinos eram politicos amadores

que encorajavarn 0 indeciso governo Goulart a tomar medidas

.rnais fortes. Quando somado, esse mosaico de frageis Iorcas esquer-

:rdista dificiImcnte serviria de base para urn serio ataque a ordem. -estabelectda do Brasil.

. Havia ainda a questao das reais intencoes do presidente; no

-infcio de 1964 todos tinham suas suspeitas, para as quais havia

.amplos motivos.Em outubro de 1963 ele havia solicitado ao Con-

gresso a decretacao do estado de sitio par urn prazo de 30 dias.

o pedido supostamente originou-se da inquietacao dos ministros

militares com a onda de greves e a violencia de fundo politico

atraves do pais. Tres dias mais tarde, contudo, Goulart retirou

o pedido. E que ele alarrnara ate as Ilderes sindicais que receavam

it para a cadeia durante 0 estado de sitio, Com essas medidas 0

presidente generalizou 0 temor em torno dos seus planos.P

Sobre urn ponto nao podia haver duvida: era certo que suanova estrategia polftica mobilizaria a oposicao. Passando por cima

do Congresso 0 presidente estava ajudando a convencer a opiniao

centrista de que representava uma arneaca a ordem constitucional.

Alern disso, ele resolvera apoiar uma medida ancilar que iria enfu-

recer a oficialidade das forcas armadas: a sindicalizacao de solda-

dos e pracas graduados. Os oficiais viram nisto uma 6bvia arneaca

23. Esta fragmentac;iio da esquerda e descrita com riqueza de porrne-nores de Skidmore, Poli ti cs in Brazi l pp. 276-84.

As Origens da Revolucao de 1964 43

  disciplina militar, imobilizando a linha final de defesa para 05

conservadores. Esta ameaca a hierarquia militar alarmou ate ofi-

dais centristas que haviam hesitado em conspirar contra urn pre-

sidente legalmente eleito.

Em fi ns de marco de 1964 as tens6es pollticas haviarn atingido

urn grau sern precedentes, com 0 presidente participando de umaserie de comicios ruidosos em cada um dos quais anunciava novos

decretos. Enquanto isso, a conspiracao militar-civil aurnentava de

intensidade. 0 general Castelo Branco, que coordenava   recru-

tarnento de oficiais para a conspiracao, achou que a mudanca de

Goulart para as hostes da esquerda havia simplificado seu traba-

Iho. Niio obstante, ainda eram grandes os obstaculos a transpor,

pois muitos militares nao queriam estar entre as primeiros a

aderir a conspiracao com receio de que ela Iraoassasse, ncm entre

os ultirnos, com rnedo de que fosse vitoriosa.

Os ultimos dias de marco Ioram decisivos, como vimos. Os

militares de mais alta patente atraves do pais, dos quais somente

alguns conspiraram ativamente, logo apoiaram 0 golpe. Virtual-mente nao houve luta, apesar de apelos a resistencia do ministro

da [ustica, Abelardo Iurema, no Rio, e do chefe do Gabinete Civil

da Presidencia, Darcy Ribeiro, em Brasflia. A convocacao de uma .

greve geral pelos lideres do CGT igualmente fieou sem resposta.

o presidente e seus nacionalistas radicais descobriram que a mobi-

lizacao popular que realizaram nao iograra maior profundidade.

Uma vez mais, como em 1954, urn governo populista foi posto

abaixo pelos homens de farda.

Cornecava agora a luta sobre quem chefiava  novo goveruo.

Os rnilitares - principalmente   Exercito mas tarnbem a Mari-

nha - rapidamente tomaram conta da situacao, prendendo ativis-

tas da esquerda, como lfderes estudantis e sindicais, organizadores

de grupos catolicos, como a JUC (Juventude Universitaria Cato-

lica) e a AP (A~ao Popular), e organizadores de sindicatos e de

ligas camponesas. Centenas foram encarcerados no Rio, enquanto

muitos outros ficaram confinados em urn improvisado navio-prisao

ao largo da bafa de Guanabara. A repressao foi particularmente

rigorosa no Nordeste, onde 0 Quarto Exercito e a polltica estadual

e local dissolveram energicamente as ligas camponesas e os sindi-

catos de trabalhadores rurais recentemente legitimados. Alguns

organizadores da classe camponesa simplesmente desapareceram,