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Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Direito Ano académico 2009-2010 1º Semestre Sociologia jurídica Docente : Pierre Guibentif Sumários (Estado em 16 de Dezembro do 2009) 15 de Setembro (1) Preenchimentos pelos alunos de um questionário sobre os motivos da escolha da cadeira e sobre conhecimentos em ciências sociais. Apresentação do docente: lecciona no ISCTE-IUL uma disciplina complementar a esta : sociologia do direito (consultar http://cadeiras.iscte.pt/SDir/ ); na FD-UNL: ligado às actividades do CEDIS (em particular ao Observatório da Legislação Portuguesa; ver o Boletim deste na biblioteca da FD); participa nas actividades de várias redes internacionais da especialidade em particular o Research Committee on Sociology of Law ( http://rcsl.iscte.pt/ ). Esta associação internacional tem criado há vinte anos um Instituto internacional de sociologia jurídica (http://www.iisj.net/?sesion=1347 ) que ministra um mestrado internacional em direito e sociedade. – Apresentação do programa: (a) objectivos: (i) facilitar o acesso à literatura socio-jurídica, que tem adquirido uma importância crescente, através de uma introdução aos procedimentos de trabalho em ciências sociais, assim como a um conjunto de conceitos e de modelos. (ii) Para alguns: um passo numa formação na investigação sobre temas socio-jurídicos; (b) Concepção pedagógica: opta- se por centrar o ensino no estudo de cinco autores através dos quais se pode, a partir de percursos concretos, ver melhor como as recentes transformações da sociedade e do direito foram experienciadas e abordadas como objecto de uma reflexão científica. São cinco autores muito lidos e citados, pelo que o seu estudo facilitará no futuro aos estudantes a leitura de trabalhos de ciências sociais pertinentes para aprofundar o conhecimento da realidade jurídica. – (c) Exame concebido em função do primeiro objectivo pedagógico: um exercício de leitura e de interpretação cuidadosa de um texto em ciências sociais. 15 de Setembro (2) Primeira sensibilização aos temas abordados na UC: breve discussão sobre as normas que decorrem do processo de Bolonha, nomeadamente: 1 ECTS = 25-30 horas de trabalho efectivo por semestre. Exemplo que revela várias evoluções:

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Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Direito Ano académico 2009-2010 1º Semestre

Sociologia jurídica Docente : Pierre Guibentif

Sumários (Estado em 16 de Dezembro do 2009)

15 de Setembro (1)

Preenchimentos pelos alunos de um questionário sobre os motivos da escolha da cadeira e sobre conhecimentos em ciências sociais. Apresentação do docente: lecciona no ISCTE-IUL uma disciplina complementar a esta : sociologia do direito (consultar http://cadeiras.iscte.pt/SDir/); na FD-UNL: ligado às actividades do CEDIS (em particular ao Observatório da Legislação Portuguesa; ver o Boletim deste na biblioteca da FD); participa nas actividades de várias redes internacionais da especialidade em particular o Research Committee on Sociology of Law ( http://rcsl.iscte.pt/ ). Esta associação internacional tem criado há vinte anos um Instituto internacional de sociologia jurídica (http://www.iisj.net/?sesion=1347 ) que ministra um mestrado internacional em direito e sociedade. – Apresentação do programa: (a) objectivos: (i) facilitar o acesso à literatura socio-jurídica, que tem adquirido uma importância crescente, através de uma introdução aos procedimentos de trabalho em ciências sociais, assim como a um conjunto de conceitos e de modelos. (ii) Para alguns: um passo numa formação na investigação sobre temas socio-jurídicos; (b) Concepção pedagógica: opta-se por centrar o ensino no estudo de cinco autores através dos quais se pode, a partir de percursos concretos, ver melhor como as recentes transformações da sociedade e do direito foram experienciadas e abordadas como objecto de uma reflexão científica. São cinco autores muito lidos e citados, pelo que o seu estudo facilitará no futuro aos estudantes a leitura de trabalhos de ciências sociais pertinentes para aprofundar o conhecimento da realidade jurídica. – (c) Exame concebido em função do primeiro objectivo pedagógico: um exercício de leitura e de interpretação cuidadosa de um texto em ciências sociais.

15 de Setembro (2)

Primeira sensibilização aos temas abordados na UC: breve discussão sobre as normas que decorrem do processo de Bolonha, nomeadamente: 1 ECTS = 25-30 horas de trabalho efectivo por semestre. Exemplo que revela várias evoluções:

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FD-UNL Licenciatura em Direito – Sociologia jurídica 2009-2010 – Sumários – página 2

internacionalização do direito; hibridização das normas aplicáveis (do direito positivo ao contributo de várias disciplinas científicas e técnicas); redistribuição dos saberes (os juristas entre os vários especialistas que cooperam na implementação das políticas públicas); fragmentação do direito (diferenças entre um domínio como este – direito europeu do ensino superior – e domínios “tradicionais” que continuam estruturados à volta de códigos jurídicos). Evoluções que correspondem a evoluções macro-sociais que é, de maneira geral, importante perceber melhor; e que correspondem a transformações na natureza do trabalho dos juristas, que os próprios juristas devem perceber melhor. Necessidade de um melhor conhecimento da realidade jurídica também reforçada pela exigência actual de todas as políticas serem avaliadas. Verifica-se, por estes motivos, uma intensificação da investigação sobre o direito na sociedade que se manifestou em particular na ocasião do Congresso de Berlim “Law and Society in the 21st Century” ( http://www.lsa-berlin.org/ ) organizado pela Associação internacional de sociologia, e pela Law & Society Association. Primeira introdução geral às ciências sociais e à sociologia : (1) surgimento das ciências humanas e sociais, entre as quais o direito, com a tomada de consciência da possibilidade de dominar / de se dominar a si próprio, pelo conhecimento. Desenvolvimento progressivo de mecanismos permitindo um melhor conhecimento da colectividade a governar. Um momento revelador : a criação do Institut no decorrer da Revolução Francesa (ver Tabela 1). Desenvolvimento das diferentes ciências sociais (direito, economia, história, geografia, demografia, etc.). (2) Motivos da criação de uma disciplina generalista : - necessidade de se dotar de instrumentos para analisar as estatísticas sociais, que são produzidos nomeadamente para responder à necessidade de melhor conhecer a gravidade da « questão social »; - necessidade sentida de « pensar a sociedade como unidade » face a fenómenos de « desintegração social » (Europa) ou face à nova heterogeneidade do tecido social urbano (Estados Unidos da América); - necessidade de criar um contrapeso ao materialismo histórico, interpretação global da realidade social que emana de intelectuais próximos do movimento operário. Tabela 1: Instituto nacional das ciências e das artes (décret du

3 Brumaire an IV, 25 de Outubro de 1795)

Academia Francesa (Richelieu, 1635)

Academia Real de Escultura e Pintura (Mazarin, 1648)

Classe das Belas Artes

Academia Real das Ciências (Colbert, 1662)

Classe das Ciências Físicas e Matemáticas

Academia Real das Inscrições e Medalhas (Colbert, 1663)

Classe das Ciências Morais e Políticas (*) (**)

(*) Seis secções:

- Análise das sensações e das ideias - Moral - Ciências sociais e legislação - Economia politica - História - Geografia

(**) Abolida por Napoleão em 1803; reestabelecida por Guizot em 1832.

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FD-UNL Licenciatura em Direito – Sociologia jurídica 2009-2010 – Sumários – página 3

Fontes: Encyclopaedia Universalis (“Académies”), Gusdorf, Introduction aux sciences

humaines, Paris 1974, p. 276 s., 1978, p. 308 s.

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22 de Setembro (1)

Comentários às respostas recolhidas através do questionário preenchido na primeira aula. – A sociologia abordada através da sua evolução histórica (Tabela 2). Observações preliminares: (1) Apresenta-se a evolução da sociologia como disciplina académica, ou seja como dispositivo de produção de conhecimento por uma actividade colectiva devidamente organizada, isto é dotada de mecanismos específicos de formação, comunicação, etc. (cursos universitários, revistas, associações, etc.). Neste sentido, não se inclui aqui Auguste Comte (1798-1867), a quem se atribui o lançamento do termo “Sociologia”, mas que tinha da ciência uma concepção ainda próxima da religião. (2) O quadro servirá de pano de fundo as apresentações de autores que se seguirão. (3) A evolução da sociologia não deve ser analisada como um fenómeno especificamente científico; é reveladora da evolução que conheceu o nosso modo – tanto científico como de senso comum – de olharmos para a realidade social e de nos identificarmos como colectividades. Etapas de evolução: (i) Fundação da disciplina (lançamento de revistas; criação de cadeiras e departamentos universitários especializados) ligada à preocupação de entender as transformações sofridas pelas sociedades em relação ao processo de industrialização. Exemplares: as obras de Émile Durkheim e Max Weber. O primeiro estudou em particular como se transformaram os modos de divisão do trabalho, o segundo como se especializaram vários tipos de conhecimento da realidade social (ver também os factores . Nessa época, a literatura mais importante é produzida na Europa. A sociologia que se funda então nos Estados Unidos aproveita os trabalhos publicados na Europa.

22 de Setembro (2)

(Evolução da sociologia, cont.) (ii) na Europa, recuo entre as duas guerras (mas de referir o caso particular da Escola de Frankfurt); desenvolvimento nos EUA; (iii) envolvimento no esforço de reconstrução empreendido pelos governos depois da II Guerra Mundial; a sociologia torna-se mais “funcional” e especializa-se; (iv) reacção face aos aspectos “disciplinadores” da etapa anterior; crítica de um conhecimento condicionado pela procura de saber dos governos; apelos à inter- e transdisciplinaridade; (v) normalização progressiva procurando conciliar contribuição construtiva com distanciamento crítico; (v) fase actual marcada pelos processos ditos de “globalização”. Esta não é apenas um dos grandes temas (além das “sociedades nacionais, que deixam de ser uma referência óbvia: ver Immanuel Wallerstein); também condiciona as condições nas quais se faz investigação sociológica: já não são quase exclusivamente os Estados que a sustentam, mas também organizações supranacionais (nomeadamente a UE), assim como organizações não governamentais e empresas (exemplar desta etapa: Boaventura de Sousa Santos). Conclusão: a evolução da sociologia revela o impacte que tiveram no nosso pensamento, sucessivamente, as experiências – dos efeitos sociais da industrialização, – do totalitarismo, – do desenvolvimento incentivado pelos Estados, – os processos de globalização. Pergunta a retomar mais tarde: quais os efeitos destas experiências sobre o pensamento jurídico? – Na próxima aula, os estudantes deveriam trazer uma impressão da bibliografia complementar e dos fragmentos que serão postos em linha durante a semana.

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FD-UNL Licenciatura em Direito – Sociologia jurídica 2009-2010 – Sumários – página 5

Tabela 2:

Sociologia Fundação

Émile Durkheim 1858-1917

De la division du travail social, 1893

L’Année sociologique (1896)

Max Weber 1864-1920

Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (1903)

Rechtssoziologie, 1911

American Journal of Sociology

(1895)

Apagamento / Resistência Escola de Francoforte

Max Horkheimer (1895-1973) Theodor W. Adorno (1903-69) Zeitschrift für Sozialforschung

(1931-41)

Reconstrução Talcott Parsons (1902-79)

Robert K. Merton (1910-2003)

Funcionalismo

Interaccionismo Simbólico Erving Goffman

(1922-1982) Críticas

Michel Foucault (1925-1984)

Jürgen Habermas (1929)

Consolidação Pierre Bourdieu

(1930-2002) Alain Touraine (1925)

Niklas Luhmann (1927-1998)

Rechtssoziologie, 1972

Globalização Anthony Giddens

(1938) Boaventura de Sousa Santos

(1940)

29 de Setembro (1)

O desenvolvimento da sociologia em Portugal: (1) Um precursor: Teófilo Braga, inspirado pelo positivismo de Auguste Comte. Autor de Sistema de Sociologia, 1884 (disponível na biblioteca digital da FD-UNL). Comentário à última frase desse livro, reveladora da concepção positivista da ciência, próxima da religião, e não fazendo uma distinção entre o âmbito científico e o âmbito político, pretendendo fundamentar directamente as instituições políticas em deduções científicas: “A doutrina positiva, como uma synthese da civilisação humana, é a que das numerosas deducções do passado tira as bases da construção, definindo a forma final do regimen da Sociocracia, ponto de convergencia de todos os esforços conscientes.” (Theophilo Braga, Systema de sociologia, 1884, p. 514). (2) Os ideólogos do regime corporativista estiveram atento a produção sociológica, em particular às teses de Durkheim sobre as profissões. A sociologia enquanto tal não é reconhecida, sendo conotada com o socialismo. (3) 1963, criação do Gabinete de Investigação social e da revista Análise social (a partir de um anterior Gabinete de Estudos sociais e corporativos: ver o número 100 da revista) (a colecção quase completa desta revista encontra-se na biblioteca da FD-UNL, RP-001). Etapa que corresponde à etapa de reconstrução identificada no plano internacional. (4) A partir da Revolução de 1974, sociologia reconhecida nas universidades. 1978,

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lançamento da Revista crítica de ciências sociais (Bibl. FD-UNL: RP-019). (5) Consolidação com a criação nomeadamente da Associação portuguesa de Sociologia em 1985. (6) Europeização com a importância crescente da investigação por projectos e da competição entre os centros de investigação. No desenvolvimento da sociologia, etapas da sociologia do direito (Tabela 3): (1) Para os Fundadores da disciplina: capítulo indispensável de uma sociologia geral. (2) A sociologia utilizada por juristas para propor um fundamento do direito alternativo à teoria do direito positivo; com a ambição de apoiar regras sociais num conhecimento científico da sociedade. O que conduziu ao corporativismo e faz parte de evoluções que levaram ao autoritarismo e ao totalitarismo. (3) A Escola de Frankfurt (será discutida em relação a Habermas). Neste âmbito, em particular os trabalhos de Franz Neumann (Behemoth, 1944). Tabela 3:

Direito Sociologia Fundação Émile Durkheim

1858-1917 De la division du

travail social, 1893 L’Année sociologique

(1896)

Max Weber 1864-1920 Archiv für

Sozialwissenschaft und Sozialpolitik

(1903) Rechtssoziologie, 1911

American Journal of

Sociology (1895)

Apagamento / Resistência

A sociologia jurídica como alternativa ao

positivismo

Archives de philosophie du droit et

sociologie juridique (1931-1940)

Escola de Francoforte Max Horkheimer

(1895-1973) Theodor W. Adorno

(1903-69) Zeitschrift für

Sozialforschung (1931-41)

Franz Neumann, Behemoth, 1944

Reconstrução

Normativismo

Hans Kelsen (1881-1973)

Reine Rechtslehre, 1934

Talcott Parsons (1902-79)

Robert K. Merton (1910-2003)

Funcionalismo

Research Committee on Sociology of Law,

1962 Jean Carbonnier

(1908-2003) Sociologie juridique,

1972

Interaccionismo

Simbólico Erving Goffman

(1922-1982)

Críticas

“Critical Legal Studies” Michel Foucault (1925-1984)

Jürgen Habermas (1929)

“Critical Legal Studies” Richard Abel, Marc

Galanter, etc. Consolidação

Pierre Bourdieu (1930-2002)

Niklas Luhmann (1927-1998)

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FD-UNL Licenciatura em Direito – Sociologia jurídica 2009-2010 – Sumários – página 7

Rechtssoziologie, 1972 Globalização

Boaventura de Sousa Santos (1940)

29 de Setembro (2)

Depois da II Guerra mundial, (4) uma etapa durante a qual se avança pouco em sociologia do direito. Os sociólogos entraram num processo de especialização, e não avançam no terreno do direito por este estar reservado às Faculdades de Direito; os juristas evitam a sociologia depois de doutrinas jurídicas inspiradas nela terem-se comprometido com os regimes autoritários. Ver a exigência de Hans Kelsen em voltar a um conhecimento do direito baseado apenas no próprio direito. (5) Sociologia jurídica promovida por juristas conscientes da necessidade de melhor conhecer as realidades sociais para melhor antecipar os efeitos das leis. Entre outros, Jean Carbonnier. Tomam a iniciativa da criação do Research Committee on Sociology of Law nos anos 1960. (6) critical legal studies : contra uma visão tecnocrática do direito, e insistindo na urgência de um trabalho transdisciplinar sobre o direito (7) regresso do direito como objecto de discussões genuinamente sociológicas, apoiadas em resultados de investigações conduzidas por cientistas sociais com longa experiência em matéria de direito. (8) Esta dinâmica de trabalho empírico cruza-se com os trabalhos de vários sociólogos e cientistas sociais – entre estes os autores tratados na UC – interessados em elaborar teorias mais globais da realidade contemporânea, às quais, no entender deles, deveriam estar particularmente atentas ao papel do direito. Síntese das concepções do direito dos fundadores da sociologia (ver fragmentos 1 e 2): Émile Durkheim quer entender a transição das sociedades arcaicas para as sociedades evoluídas. O que as distingue seriam as formas de “solidariedade”: passa-se de uma solidariedade “mecânica” para uma solidariedade “orgânica”, isto é: de uma moral que visa proteger cada um contra agressões dos outros, para uma moral que associa compromissos diferentes a diferentes funções sociais, para possibilitar uma complexa divisão do trabalho. Procura observar esta evolução empiricamente, e fá-lo analisando a evolução do direito: principalmente direito penal nas sociedades arcaicas; direito “cooperativo” nas sociedades evoluídas. – Max Weber quer entender a evolução das nossas formas de pensar o mundo, antes da modernidade muito ligadas à religião, a formas de “magia”; agora “racionais”, no sentido em que podemos olhar para a realidade sob vários ângulos: científico, jurídico, artístico, etc., tendo o nosso pensamento perdido o antigo nexo com formas tradicionais de religião e com a “magia” (Entzauberung). As transformações do direito contribuíram para esta evolução – Racionalização – nomeadamente pela maneira como os juristas se especializaram num saber sobre o direito apoiado cada vez mais nos conteúdos do direito positivo, desligando-o nomeadamente da religião. Transformações favorecidas pela Reforma e pelas necessidades geradas pelo desenvolvimento do comércio e da industria. Fragmento 1: DURKHEIM, Émile, A divisão do trabalho social, Lisboa, Editorial Presença, 1977 (trad. de De la division du travail social, Paris, publ. orig. : 1893 ; novo prefácio : 1902). [p. 79] « A divisão do trabalho desempenharia um papel muito mais importante do que

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o que se lhe atribui vulgarmente. Ela não serviria somente para dotar as nossas sociedades de um luxo, talvez invejável, mas supérfluo ; seria uma condição da sua existência. É através dela, ou pelo menos sobretudo através dela, que seria assegurada a sua coesão ; é ela que determinaria os traços essenciais da sua constituição. (…) é preciso verificar a hipótese que acabamos de apresentar sobre o papel da divsião do trabalho. Mas como proceder a esta verificação ? (...) é preciso sobretudo determinar em que medida a solidariedade que ela produz contribui para a integração geral da sociedade. [p. 80] (…) Para responder a esta questão (…) é indispensável começar por classificar as diferentes espécies de solidariedade social. Mas a solidariedade é um fenómeno completamente moral que, por si próprio, não se presta à observação exacta nem sobretudo à medida. Para proceder, quer a esta classificação, quer a esta comparação, é preciso portanto substituir o facto interior, que nos escapa, pelo facto exterior, que o simboliza, e estudar o primeiro através do segundo. Este símbolo visível é o direito. (…) Com efeito, a vida social, por todo o lado onde ela existe de uma maneira durável, tende inevitavelmente a tomar uma forma definida e a organizar-se, e o direito não é outra coisa senão esta mesma organização, naquilo que tem de mais estável e de mais preciso. A vida geral da sociedade não pode estender-se num certo sentido sem que a vida jurídica para aí se estenda ao mesmo tempo e na mesma proporção. Podemos assim estar certos de encontrar refectida no direito todas as variedades essenciais da solidariedade social.» [Índice :] « Solidariedade mecânica ou por similitudes : (…) As normas que o direito penal sanciona exprimem portanto as similitudes sociais mais essenciais ; por consequência, corresponde à solidariedade social, a qual deriva das semelhanças , e varia com ela. (…) A solidariedade que deriva da divisão do trabalho ou orgânica : (…) Relações positivas ou de cooperação que derivam da divisão do trabalho regem-se por um sistema definido de normas jurídicas que se pode chamar de direito cooperativo. » Fragmento 2: WEBER, Max, Wirtschaft und Gesellschaft (Economia e Sociedade), Tübingen, 1ª

edição 1921 (citado a partir da 5ª ed., Tübingen, Mohr, Siebeck, 1976).

[p. 198] « Efectivamente, uma ordem económica de tipo moderno, sem dúvida, não se poderia realizar sem uma ordem jurídica com características muito especiais, as quais se podem concretizar, na prática, apenas no âmbito de uma ordem ‘estadual’. A economia contemporânea baseia-se em hipóteses [de negócios] adquiridas através de contratos. Existe algum interesse próprio de cada um na ‘lealdade nos contratos’, assim como interesses comuns dos possuidores na protecção recíproca da posse. E ainda hoje os usos e os costumes determinam com alguma força o indivíduo. Mas a influência destas forças sofreu uma extraordinária perda de significado como consequência do abalo da tradição – por um lado das condições ordenadas pela tradição, e por outro lado, da crença no seu carácter sagrado. Os interesses das classes divergem como nunca. A rapidez das transacções exige um direito que funcione de maneira rápida e segura, isto é, com a garantia do mais forte poder de coerção. E, acima de tudo, a

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FD-UNL Licenciatura em Direito – Sociologia jurídica 2009-2010 – Sumários – página 9

economia moderna, em virtude das suas particularidades, aniquilou as outras associações, que sustentavam o direito e as suas garantias. Isto foi a obra do desenvolvimento do mercado. O domínio universal de uma formação social assente no mercado exige (…) um funcionamento do direito calculável, na base de regras racionais. »

(conclusão do capítulo I da Segunda Parte, « A economia e as ordens sociais »)

[p. 513] « (…) em todos os casos, o destino inevitável, em consequência do desenvolvimento técnico e económico, será (…) um crescente desconhecimento, por parte dos leigos, de um direito cuja substância técnica vai aumentar constantemente, ou seja a profissionalização do direito, bem como a qualificação do direito actualmente em vigor como aparato técnico e racional, isto é, susceptível de ser modificado em qualquer altura em função de finalidades racionais, e cuja substância perdeu qualquer carácter sagrado. »

(conclusão do capítulo VII da Segunda Parte, « Sociologia do direito »)

6 de Outubro (1)

Indicações na perspectiva dos trabalhos dos estudantes: lista de artigos publicada nos materiais de apoio em linha. Escolher um artigo até 13 de Outubro. O trabalho de análise pode ser realizado individualmente ou em grupo (até três elementos). Deverá ter um componente de apresentação oral, e abordar três pontos principais: (1) o autor, a publicação, as interrogações; (2) os conceitos, o raciocínio, as principais conclusões; (3) as ligações com a matéria leccionada. – Abordagens sociológicas ao direito dos fundadores ao pós-segunda guerra mundial (conclusão, na forma de comentários a fragmentos de textos disponibilizados aos estudantes. (1) Durkheim, em complemento ao fragmento comentado na semana passada, um fragmento do prefácio à Divisão do

trabalho social, onde Durkheim enuncia as suas conclusões políticas (fragmento 3). Comentários: (a) importância do motivo da “divisão do trabalho social” entre as várias “funções”; os sociólogos também utilizam a expressão “diferenciação funcional da sociedade” (Parsons, Luhmann). (b) características das “funções económicas”: (i) predominam, daí que a sociedade do tempo de Durkheim possa ser qualificada de “sociedade industrial”; (ii) padece de “anomia”, isto é: não lhe correspondem “moral profissional”, “ideias”, “regulamentações”. (c) Necessidade de desenvolver tais regulamentações, mas esta tarefa não pode incumbida à “sociedade política no seu conjunto”, mas às “corporações”. Reflexões possíveis a partir do texto: (a) Comparar com a situação actual (também uma sociedade “industrial” onde predomina a esfera económica – ; mas já não se pode dizer que faltam regras aplicáveis à esfera económica. Estas foram produzidas ao longo do século XX. (b) Durkheim e os juristas: reconhece que se trata de uma profissão bem estruturada, talvez porque ainda beneficia de estruturas anteriores à emergência da sociedade industrial; não a considera – talvez em parte por este motivo – como susceptível de contribuir para a regulamentação da economia. Comparativamente, Max Weber (fragmento 2) atribui mais importância aos juristas, sendo, aliás, ele próprio jurista. (2) Franz Neumann (fragmento 4): texto publicado na revista da Escola de Frankfurt, numa época em que se trata de entender como surgiram os regimes autoritários. Comentários: (a) Principal motivo do texto: dar conta de uma evolução, em duas etapas: (i) o “compromisso político” alcançado depois

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da I Guerra Mundial, depois do movimento operário ter alcançado “um novo significado” (comparar com a criação, na mesma época, da Organização Internacional do Trabalho, onde os Estados são representados por governos, sindicatos e patronato). (ii) Fim deste “sistema contratual”, pela eliminação das forças políticas que o sustentavam, enquanto se impõe o partido nacional-socialista. (b) Funções do direito: não apenas estruturar a actividade económica (Weber), mas (i) facilitador de negociações políticas; ou também (ii) instrumento das “concepções políticas dominantes”. (c) Os juristas: Neumann enfatiza a maneira como anteciparam a evolução política, propondo aos governantes concepções do direito que justificavam uma subalternização da lei em relação à “ordem do Führer”. Fragmento 3: Durkheim, Émile, A divisão do trabalho social, Lisboa, Editorial Presença, 1977 (trad. de De la division du travail social, Paris, publ. orig. : 1893 ; novo prefácio : 1902). [p. 8] « Insistimos por várias vezes, no decurso do livro, no estado de anomia da vida jurídica e moral em que actualmente se encontra a vida económica. Nesta esfera de funções, com efeito, a moral profissional não existe verdadeiramente senão no estado rudimentar. Existe uma moral profissional do advogado e do magistrado, do soldado e do professor, do médico e do padre, etc. Mas, se tentasse fixar numa linguagem um pouco definida as ideias correntes sobre o que devem ser as relações do empregador com o empregado, do operário com o empregador, dos industriais em concorrência uns com os outros e com o público, que indecisas fórmulas se obteriam ! [p. 10] Mas aquilo que faz, em particular hoje, a gravidade excepcional deste estado, é o desenvolvimento, até aqui desconhecido, que as funções económicas tomaram desde há cerca de dois séculos. Enquanto que outrora apenas desempenhavam um papel secundário, elas estão agora na primeira linha. Estamos longe do tempo em que eram desdenhosamente abandonadas às classes inferiores. Perante elas, vê-se cada vez mais recuarem as funções militares, administrativas, religiosas. Apenas as funções científicas estão em condições de lhes disputar o lugar ; e ainda assim, a ciência actualmente não tem prestígio senão na medida em que pode servir à prática, isto é, em grande parte, às profissões económicas. É por isso que se pode dizer, das nossas sociedades, não sem alguma razão, que elas são ou tendem a ser essencialmente industriais. Uma forma de actividade que tomou um tal lugar no conjunto da vida social não pode, evidentemente permanecer a este ponto não regulamentada sem que daí resultem as perturbações mais profundas. [p. 12] Nem a sociedade política no seu conjunto, nem o Estado, podem evidentemente cumprir esta função ; a vida económica, porque é muito especial e se especializa cada dia mais, escapa às suas competências e à sua acção. A actividade de uma profissão não pode ser regulamentada eficazmente senão por um grupo bastante próximo desta mesma profissão para lhe conhecer bem o funcionamento, para lhe sentir todas as necessidades e poder seguir todas as suas variações. O único que responde a estas condições é aquele que todos os agentes de uma mesma indústria reunidos e organizados num mesmo corpo formariam. É o que se chama a corporação ou o grupo profissional. » Fragmento 4: Neumann, Franz (1937), “Der Funktionswandel des Gesetzes im Recht der bürgerlichen Gesellschaft” (A transformação da função do direito na sociedade burguesa), Zeitschrift für Sozialforschung, 1937 (cit. a partir da reedição em

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Demokratischer und autoritärer Staat, Francoforte, Fischer Wissenschaft, 1986. [p. 55] « A teoria e a prática do direito sofrem uma mudança determinante no período do capitalismo monopolístico, que começa na Alemanha com a República de Weimar. Para a compreensão das transformações do direito, deve ter-se em conta não apenas as evoluções estruturais económicas, que já foram descritas muitas vezes. O facto político determinante na República de Weimar é o novo significado do movimento operário depois de 1918. A sociedade burguesa já não podia ignorar a existência de uma oposição de classes e tinha, (…) considerando este facto, que construir de alguma forma uma constituição. A solução técnica aqui foi o contrato, única maneira de se alcançar um compromisso político. (…) [p. 57] « Um sistema contratual apenas pode funcionar se os parceiros contratuais subsistem (…). O partido democrático, no entanto, desapareceu quase completamente na evolução política ulterior. Novos partidos, antes de mais o partido nacional-socialista alemão, surgiram e dominaram numericamente os partidos tradicionais. A crise impediu os parceiros contratuais capitalistas em cumprir as suas obrigações contratuais, em particular a manutenção das instituições sociais. (…) [p. 58] Às transformações das estruturas económicas e políticas correspondeu uma viragem radical na teoria e na prática do direito. (…) [p. 62] Um direito natural oculto tinha sido, na realidade, aplicado sem escrúpulos durante todo este período. O tempo de 1918 a 1932 caracterizou-se por uma aceitação quase geral da doutrina do direito livre (Freirechtsschule), pela destruição da racionalidade e da calculabilidade do direito, por restrições ao sistema contratual, e por uma vitória das cláusulas gerais sobre as verdadeiras regras jurídicas. (…) [p. 67] No Estado autoritário, o significado das cláusulas gerais torna-se mais claro ainda. (…) Possibilitam uma aplicação das concepções políticas dominantes também nos casos onde são contraditas pelo direito positivo. Com efeito, na aplicação das cláusulas gerais, o juiz não deve, hoje, recorrer a uma ‘apreciação subjectiva’ ; ‘na aplicação das cláusulas gerais pelo juiz, pelo advogado (…) ou pelo docente de direito, são os princípios do Nacional-Socialismo que intervêm, imediatamente e exclusivamente’ (Carl Schmitt, 1933). (…) Existe unanimidade na literatura nacional-socialista neste ponto : a lei não é mais que a ordem do Führer, pois o direito ‘pre-revolucionário’ apenas tem validade por força da vontade do Führer. »

6 de Outubro (2)

(3) Talcott Parsons (fragmento 5): texto característico da fase da reconstrução depois da Segunda Guerra mundial. Comentários: (a) Importância do motivo da “função”. Além da função dos juristas, refere-se implicitamente a função do sociólogo: dar aos actores sociais uma noção mais clara da sua função, para que a desempenhem melhor. (b) Método adoptado: a comparação entre a profissão jurídica e outras profissões. Função geral das profissões: facilitar as ligações entre componentes diferentes de uma sociedade complexa. (c) No caso dos juristas entre os governos e os particulares, o que pode ser considerado uma função de “controlo social”. Não conceber este controlo social como um simples contribuir para a implementação das orientações decididas pelos governos. Existe uma fortíssima preocupação de prevenir o surgimento de regimes autoritários. Neste sentido (i) o jurista não é um agente dos governos mas “representa a lei”, funcionando a lei como contrapeso aos governos; (ii) o jurista não deve apenas fazer entender às pessoas o que devem fazer, mas também as liberdades que a lei lhes deixa. No exercício desta liberdade, os indivíduos podem contribuir para

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uma sociedade efectivamente “dinâmica”. – Conclusão: na perspectiva dos autores analizados, o direito, numa sociedade cada vez mais complexa, tem uma importância crescente. Daí que os próprios juristas ocupem um lugar estratégico, o que tem podido ter efeitos tanto positivos como negativos. Foucault (ver sinopse, em documento separado): primeira abordagem. Observações prévias: (a) Lugar na evolução geral apresentada (Tabela 3): autor particularmente preocupado em analisar e reagir contra os fenómenos de “controlo social”, dos quais muitos fazem uma avaliação muito negativa nos anos 1960. No caso de Foucault, até ao ponto de o conduzir a defender-se contra o controlo que ele próprio poderia ser induzido a exercer sobre si próprio. Também recusa influências de outros autores. Não pode ser facilmente associado a outros autores. (b) Grande parte da obra publicada depois da sua morte em 1984: recolha de artigos e entrevistas em 1994. Aulas dadas no Collège de

France desde 1997. Breve apresentação do Collège de France. Actualmente: uma professora jurista: Mireille Delmas-Marty. Percurso: (1) Passos iniciais: (i) formação no domínio psiquiátrico; adere por algum tempo ao partido comunista, que procurava nessa época ganhar apoios junto dos intelectuais e universitários. (2) Estadias em vários países como responsável de institutos culturais franceses; experiência de regimes políticos exercendo um forte controlo social. Elaboração da tese de doutoramento sobre a história da loucura, com os objectivos (i) de perceber melhor os mecanismos actuais de controlo sobre as pessoas; (ii) de entender melhor as nossa formas de pensar, a partir das nossas representações dos que não estariam em condição de pensar bem. A seguir, outro livro, com perspectiva oposta: análise das formas “ordenadas” de pensamento: “As palavras e as coisas”. Livro que dá grande importância aos mecanismos por assim dizer internos aos discursos, colocando os “sujeitos” no segundo plano. Uma abordagem “estruturalista” que vai ser contraposta à dos “existencialistas” (em particular Sartre; a comparação entre as duas perspectivas é fomentada pelo editor dos dois autores) que valorizavam principalmente a pessoa (uma abordagem ligada ao estado de espírito que prevalece depois da segunda Guerra Mundial; ver também a importância do indivíduo em Talcott Parsons). (3) Entra no Collège de France; desafiado em vir apoiar um movimento a favor dos reclusos; nesta perspectiva, investigação sobre as prisões, na linha das obras anteriores, pretendendo entender os nossos mecanismos de controlo social, assim como as suas relações com as nossas formas de pensamento.

Fragmento 5: Parsons, Talcott (1954), “A Sociologist Looks at the Legal Profession”. [p. 381] “Esta exposição recordou factos bem conhecidos de todos os juristas […]. Referi-os, no entanto, para que fique claro que a profissão jurídica tem um lugar na nossa estrutura social, e que cumpre funções, no âmbito desta, das quais o jurista médio tem apenas uma consciência parcial. Este jurista faz o seu trabalho, no tribunal, representando o seu cliente, etc. de acordo com as instruções deste e sente, justificadamente, que este trabalho também é importante para a sociedade. O ponto essencial a tratar em conclusão é mostrar de que maneira […] estas funções são úteis para a sociedade. Desde que se tenha o cuidado de qualificar adequadamente traços específicos do seu papel e da sua situação, a profissão jurídica partilha características com outras profissões. […] O mais importante é que um membro de uma profissão se encontra entre dois aspectos da nossa estrutura social; no caso do direito entre a autoridade pública e as suas normas, por um lado, e o indivíduo privado ou o grupo cujas condutas ou

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intenções poderão ou não estar em conformidade ou não com a lei. […] [p. 382] As profissões, neste sentido, podem ser consideradas, sociologicamente, como o que chamamos ‘mecanismos de controlo social’. Podem, como é o caso dos professores, ajudar a ‘socializar’ os jovens, conduzi-los a corresponder às expectativas que são associadas à plena participação, ou, como é o caso dos médico, podem ajudá-las, no caso em que se desviaram, a voltar a pôr-se em acordo [com estas expectativas]. Pode presumir-se que a profissão jurídica faz isto, mas também faz duas outras coisas; primeiro prevenir o desvio, aconselhando o cliente de tal forma que este se mantenha mais em conformidade com as leis, eventualmente arrefecendo os seus ânimos; e, em segundo lugar, nos casos graves, representando o cliente no processo que conduzirá a uma decisão socialmente sancionada sobre o estatuto deste, decisão que determinará se este é inocente ou autor de um crime. [p. 384] […] A sua função em relação aos clientes não é, de modo algum, apenas ‘dar-lhes o que quiser’, mas em muitos casos de resistir as suas pressões e levá-los a tomar consciência de aspectos mais graves da sua situação, não apenas com referência ao que poderiam, mesmo com um apoio jurídico muito hábil, sofrer como consequências, mas também com referência ao que a lei lhes permitirá fazer. Neste sentido, o advogado representa uma espécie de amortecedor entre os desejos ilegítimos dos seus clientes e o interesse da sociedade. Neste caso, ‘representa’ a lei, mais do que o seu cliente. [p. 385] […] A conclusão destas considerações de senso comum é que o sociólogo deve considerar as actividades das profissões jurídicas como um dos mecanismos muito importantes pelos quais se mantém um relativo equilíbrio numa sociedade dinâmica e bastante instável.” [Nota de apresentação: “A substância deste artigo foi apresentada no primeiro seminário organizado na ocasião do 50º aniversário da Faculdade de Direito de Chicago, em 4 de Dezembro de 1952.”]

14 de Outubro (1) Breve informação sobre Mireille Delmas-Marty, actualmente professora no Collège de France, de alguma forma sucessora de Foucault, cujos trabalhos aliás tem comentado nas suas publicações ( ver http://www.college-de-france.fr/default/EN/all/int_dro/ ). - Foucault (cont.): Projecto intelectual central: pensar os “sistemas de pensamento”. Projecto concretizado sucessivamente na História da Loucura e em As palavras e as

coisas. Síntese das teses de As palavras e as coisas. Comentário à última frase, que refere o desaparecimento de uma certa noção da pessoa humana. Aplicação de elementos dos raciocínios elaborados nestas obras ao domínio penal em Vigiar e Punir. Intenção deste livro: alterar as condições nas quais se debatem os problemas das prisões. Modo de abordar o tema: situar as prisões no contexto de um sistema de pensamento mais amplo (comparar com As palavras e as coisas); reconstituir este sistema pelo estudo de documentos mas também de dispositivos materiais (arquitectura) (comparar com a História da Loucura). Tese central: a prisão passou a ser concebida como um dispositivo “disciplinar”, num contexto no qual as estruturas de poder se tornaram, de maneira geral, disciplinares, isto é: assente em mecanismos de apertada vigilância, que (a) permitem acumular dados sobre as populações (cujo tratamento dará lugar ao desenvolvimento de ciências sociais), (b) levam cada um a vigiar-se a si próprio, sabendo que é actualmente vigiado. Reveladora desta modalidade de poder: a

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arquitectura “panóptica”. - Forte insistência na noção de controlo social. Tema ainda central no primeiro volume da história da sexualidade. Os dois volumes seguintes são publicados oito anos mais tarde e adoptam uma perspectiva radicalmente diferente (Tabela 5): entender como podemos fazer de nós próprios a experiência de sermos sujeitos que pensam. Ou seja, aborda sucessivamente dois aspectos radicalmente diferentes das nossas sociedades: o desenvolvimento de mecanismos de controle, por um lado; a importância crescente da subjectividade, por outro. Tabela 5

Os dois planos de Histoire de la sexualité

1976 1984

1. La volonté de savoir (1976)

2. La chair et le corps 2. L’usage des plaisirs (1984)

3. La croisade des enfants 3. Le souci de soi (1984)

4. La femme, la mère et l’hystérique 4. Les aveux de la chair

5. Les pervers

6. Population et races

Os volumes publicados são mencionados em bold.

13 de Outubro (2) (2) Michel Foucault (cont.): Percurso (fim). - A mudança no pensamento de Foucault entre 1976 e 1984: Caracterização da mudança na base da comparação entre os dois planos da “História da Sexualidade”. As duas perspectivas sucessivas (pelo “controlo social”, por um lado; pelos “sujeitos” por outro) como talvez complementares. Causas possíveis desta mudança: (a) vontade de Foucault de nunca deixar o seu pensamento imobilizar-se; (b) mudanças sucessivas do pensamento sobre o governo, ligadas às suas investigações: governo pela repressão; governo dinamizador de actividades sociais; governo através dos sujeitos; governo de si pelos sujeitos. – Modo de trabalhar de Foucault: privilegia a escrita; faz evoluir o seu próprio pensamento pela redacção de livros. – Michel Foucault e o direito: Ter em conta o motivo principal de pensamento: uma relação entre o plano dos discursos / sistemas de pensamento, por um lado (tudo o que, num determinado momento, já sabemos), práticas discursivas por outro (o que podemos dizer aqui e agora). Duas linhas de trabalho: a “arqueologia” (entender as práticas a partir dos sistemas de pensamento); a “genealogia” (entender como surgem sistemas de pensamento a partir de práticas. Por sua vez as práticas poderão ser condicionadas: (a) por dispositivos materiais; (b) por relações de força; (c) pelas relações que cada pessoa humana tem consigo própria. Com este motivo como pano de fundo: dois complexos de reflexão sobre o direito: (a) o direito como implicado em mecanismos de exercício do poder; onde actua em combinação com outros discursos, nomeadamente as ciências; (b) processos jurídicos / judiciários podem, pelas reacções que podem suscitar nos/nas que neles se encontram

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envolvidos/as, favorecer tomadas de consciência de uma subjectividade, da sua capacidade de actuar criativamente como sujeito.

20 de Outubro (1) (1) - Considerações finais sobre Foucault. - Luhmann: recepção internacional; situação no panorama geral (Tabela 3): principais ligações: formação com Talcott Parsons; debate com Jürgen Habermas. O percurso: biografia (ver sinopse, documento separado): jovem no fim da guerra; inicia vida profissional na fase de intensiva reconstrução da RFA; formação como jurista; tempo nos EUA onde tem aulas com Talcott Parsons; doutora-se em sociologia; entra em sociologia formulando o seu programa de trabalho sob o título “Soziologische Aufklärung”; entra em Bielefeld onde permanece até se reformar, implementando o seu projecto de investigação: formular uma teoria da sociedade. Apresentação da obra: três fases: livros de ciência da administração; livros de sociologia do direito e de sociologia geral, formulação da sua teoria dos sistemas e realização metódica de um programa de publicações percorrendo os vários sistemas funcionais diferenciados, até abordar – último livro do autor – a própria sociedade. – Explicação da produtividade do autor: diz não dedicar-se principalmente à escrita de artigos e livros, mas sim ao preenchimento do seu ficheiro de trabalho (Zettelkasten; um pequeno filme sobre este ficheiro, razoavelmente bem realizado, pode ser actualmente visto em“YouTube” ). Relação entre o funcionamento deste ficheiro e o conceito de sistema social em Luhmann: conjunto delimitado em relação ao exterior, que funciona pela forma como se estabelecem relações internas.

20 de Outubro (2) (2) Luhmann: as propostas teóricas. forte influência de Parsons. Apresentação sumária da teoria dos sistemas deste autor: necessidade para qualquer sistema (tanto social como, por exemplo, biológico) de se cumprirem quatro funções: Adaptação, Goal

Attainment, Integração, Latent Pattern Maintenance (AGIL). Opções teóricas de Luhmann: não se limitar a estas quatro funções; procurar entender melhor como funciona, isto é: o que é um sistema. Principais elementos da sua teoria: entender os sistemas a partir das suas operações, da maneira como estas se ligam umas com as outras, e da maneira como certos encadeamentos de comunicações se distinguem de outros. Desta maneira, cada operação fornece a matéria e a impulsão para a operação seguinte: o sistema, desta maneira, é uma entidade que produz em permanência a sua própria substancia ( Autopoiese). No caso dos sistemas sociais, códigos binários como mecanismos que estabelecem estas ligações e permitem a diferenciação entre sistemas.

27 de Outubro (1) (1) Indicações na perspectiva dos trabalhos a realizar pelos estudantes: Prazos: trabalhos escritos 30 de Novembro; apresentações orais entre 7 e 15 de Dezembro. (A) Trabalhos escritos serão comentados pelo docente em 7 de Dezembro, que dirigirá perguntas aos autores (presença dos autores obrigatória). Limite de volume: por pessoa 5 páginas sem contar com as referências bibliográficas = 12.000 caracteres sem espaços. Estrutura: (I) o autor e a publicação; (II) O texto: (a) interrogação/ões; (b) argumentação-construção;

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(c) conceitos; (d) conclusões; (III) Relações com a matéria leccionada / maneiras de utilizar os textos / autores referência. (B) Exposições orais: deverão ser preparados, como documentos de apoio à exposição, documentos sumários, que poderão corresponder a “slides” projectados, reunindo o essencial da informação sobre os autores e as publicações, e apresentando fragmentos mais relevantes dos textos analisados. A estrutura das exposições deverá ser análoga à dos trabalhos escritos – Luhmann (cont.): Resumo da teoria da “autopoiese”: um sistema existe pelo facto de acontecerem, aqui e agora, operações com certas características. Desenvolvimentos desta teoria: (a) ao mesmo temo que se processa uma operação, podem estabilizar-se elementos susceptíveis de serem mobilizados noutras operações (exemplo: as letras na escrita; as palavras no falar); (b) as estruturas que dão os melhores resultados poderão ter mais hipóteses de se manterem, o que pode explicar evoluções; (c) entre sistemas diferentes, não pode haver relações imediatas; têm que existir mecanismos de “structural coupling”. – Tipos de sistemas: organismos, sistemas psíquicos, sistemas sociais. Entre os sistemas sociais: interacções, organizações, sistemas funcionalmente diferenciados, a sociedade-mundo. “Structural coupling” entre diferentes sistemas funcionais: a constituição entre sistema político e sistema jurídico; a noção de propriedade entre sistema económico e sistema jurídico. Entre sistemas psíquicos e sistemas sociais: nomeadamente a língua: serve para comunicar e para pensar.

27 de Outubro (2) (2) Luhmann – o modelo teórico (cont.): aplicação do modelo (a) observar situações concretas de comunicação (exemplo: uma aula); (b) ter em conta o facto de, nesta situação, vários sistemas sociais se “cruzarem-se”: está-se, simultaneamente, a trabalhar cientificamente, a formar pessoas, a implementar disposições organizacionais (a funcionar no âmbito de uma faculdade), a interagir entre pessoas que estão no mesmo momento na mesma sala. – O direito na obra de Luhmann. Abordado em momentos muito diferentes. Na Rechtssoziologie (1972), tema principal: a positivização do direito; em Das Rechts der Gesellschaft (1993), o direito, um sistema funcionalmente diferenciado entre outros, com mecanismos de structural coupling que o ligam a estes. A prática do direito como, simultaneamente, operações do sistema jurídico, operações das organizações que sustentam o funcionamento do sistema jurídico (entre estas, um tipo sui generis de organização complexa sui generis: os sistemas jurídicos nacionais), e operações correspondendo a interacções. O sistema jurídico como, também, um plano de comunicação mundial pela qual se concretiza actualmente, embora imperfeitamente, uma sociedade-mundo. – Direito e sistemas psíquicos: os direitos subjectivos como estabilizando expectativas normativas (que são mantidas mesmo em caso de decepção), que, simultaneamente, orientam as nossas percepções, e permitem formular pretensões na comunicação, ou seja os direitos subjectivos são um mecanismo de structural

coupling entre sistemas psíquicos e sistemas sociais.

3 de Novembro (1) (1) Habermas: situação no panorama geral: situa-se na linha da Escola de Frankfurt; debate com Luhmann; relações com os outros autores. Ponto prévio: a Escola de

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Frankfurt: motivo da sua criação: a preocupação dos intelectuais críticos em identificar melhor os factores culturais que condicionam o pensamento, e em dotarem-se de um instrumento adequado à prossecução deste objectivo: um instituto de investigação que possa tirar proveito dos avanços das ciências sociais. Max Horkheimer, director a partir de 1930, dá uma formulação mais clara a este objectivo e dinamiza um grupo de investigadores cuja actividade é documentada pela Zeitschrift für Sozialforschung, publicada de 1932-1941. O Instituto instala-se nos Estados Unidos para fugir aos nazis. Regresso depois da guerra. Preocupação dos seus directores, sucessivamente Horkheimer e Adorno, em consolidar a sua posição institucional. Percurso de Habermas: (a) No imediato pós guerra, confrontado com fragilidades da democracia na República federal; vontade de melhor entender o funcionamento do espaço público, como dispositivo necessário à democracia. Etapa de trabalho no Institut für

Sozialforschung, que tem que deixar, sendo considerado como demasiado radical por Horkheimer. (b) Face aos problemas encontrados no espaço público, privilegia por algum tempo o debate no interior da universidade; intervém no chamado “Positivismusstreit”, debate entre os que preconizam uma ciência assente em procedimentos rigorosos de observação, e os que consideram que as próprias condições de observação devem ser postas em discussão. (c) Em 1968, simpatiza numa primeira fase com os estudantes. Mais tarde, qualifica de “Fascismo de esquerda” certos excessos, o que conduz à ruptura com o movimento estudantil. Procura então distanciar-se dos debates públicos.

3 de Novembro (2) (2) Habermas, percurso (cont.). (d) Fase conduzindo à redacção da Teoria da actividade

comunicacional: debate com Niklas Luhmann; direcção, com Carl von Weizsäcker, de um Instituto Max-Planck para o estudo das condições de vida na sociedade técnico-científica. Trabalho sobre a TAC como reflexão sobre as condições da comunicação em debates públicos e em debates especializados. (e) Regresso à universidade. Trabalho mais filosófico de “ética da discussão”; debate com filósofos “pós-modernos”, entre os quais Foucault; intervenção em debates públicos sobre o papel da Alemanha na história. Passa a separar duas linhas de publicações: os trabalhos “académicos”; e os “escritos políticos” (Kleine politische Schriften). (f) Passa a tratar a questão normativa: como deveremos organizar a nossa comunicação para podermos, enquanto sociedade complexa, governar-nos a nós próprios. Importância do direito. Trabalho de vários anos, em debate com juristas alemãs e de outros países, sobre o papel do direito nas sociedades modernas. Conduz a Facticidade e Validade. (g) época mais recente: intervenções em debates públicos sobre vários temas. Entre os principais focos de interesse: o governo na sociedade-mundo e na Europa. – As propostas teóricas de Habermas. A teoria da actividade comunicacional: condições nas quais comunicamos evoluíram na modernidade. Por um lado, existem âmbitos nos quais produzimos sentido / damos sentido ao que nos rodeia e ao que nos acontece num processo de comunicação no qual também nós nos identificamos com locutores (tomamos consciência de nós próprios quando já estamos a comunicar). Por outro lado, existem domínios (sistemas) nos quais os indivíduos deixaram de dominar actualmente os símbolos que mobilizam (não se pode redefinir aqui e agora o sentido das palavras e outros símbolos que utilizamos): na administração e na economia: não se podem discutir os poderes legalmente atribuídos, a não ser em novos processos legislativos; não se discute o valor do dinheiro. Um problema que as sociedades modernas deve solucionar é o da relação entre estes dois âmbitos. Numa primeira etapa, Habermas aborda-a, em vários locais na

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Teoria da Actividade Comunicacional à luz da tese da “colonização da Lebenswelt”: o domínio dos sistemas estender-se-ia progressivamente, enquanto diminuiria o âmbito onde podemos definir o sentido das nossas experiências. Este tese é ilustrada por Habermas pelos resultados de investigações de sociologia do direito, que observam a tendência em regulamentar cada vez mais domínios da actividade social, nomeadamente a família e o sistema educativo, por normas jurídicas: a chamada “juridicização” (ver o texto de Habermas dedicado a este tema). Numa segunda fase, interessa-se pela maneira como a Lebenswelt “cerca” os sistemas. Em Facticidade e validade aprofunda, em termos mais gerais, como os dois âmbitos se relacionam, reconhecendo ao direito um papel crucial : garantir a mediação entre sistemas e Lebenswelt; garantir a coexistência de grupos com formas de vida e experiências do mundo muito diferentes. Pretende identificar de que maneira o direito pode desempenhar estas funções. Em primeiro lugar, pode articular sistemas e Lebenswelt pelo facto de os procedimentos jurídicos formalizados (tomada de decisão administrativa; debate parlamentar) terem lugar sempre no contexto de debates espontâneos. Em virtude desta característica dos procedimentos jurídicos, o direito funciona como um conjunto de “comportas” pelas quais os temas interessando o público podem ser canalizados para as arenas de debate formalizado. Aplicando este raciocínio, Habermas preconiza a reunificação da Alemanha pela via da elaboração de uma nova constituição, que cria as condições para um procedimento no qual os Alemães poderão desenvolver uma experiência comum da reunificação. Afinal optou-se pela outra solução: manter o Grundgesetz, os Länder da RDA aderindo a este. O debate não teve lugar. A integração entre as duas partes da Alemanha continua a ser, hoje ainda, um tema sensível.

10 de Novembro (1) (1) Breve evocação de Claude Lévi-Strauss, falecido na semana anterior. – Habermas (cont.). Sublinha-se uma particularidade no percurso deste autor: ter mudado de estatuto académico entre uma fase em que se dedicou às ciências sociais, e uma fase em se dedicou à filosofia do direito e do Estado. Um motivo desta viragem: depois de ter identificado a diferença entre Lebenswelt e sistemas como uma das principais características das sociedades modernas, procura meios de articular entre si estas duas componentes, e considera que o direito tem grandes potencialidades neste sentido. Daí que tenha optado por estudá-lo em profundidade. – Ensaio de esquematização da teoria do direito de Habermas, em três passos: (1) o direito situa-se entre Lebenswelt e sistemas. Com efeito, a sua prática consiste simultaneamente em participar em processos formalizados e em discutir de maneira criativa princípios gerais; o direito participa na formação dos sistemas (direito-medium) e no reforço das condições que permitem uma comunicação na qual os vários interlocutores podem contribuir para a invenção de projectos e significados novos; o direito pode facilitar a expressão de aspirações, do lado da Lebenswelt e a identificação, do lado dos sistemas, dos meios que poderão concretizar estas aspirações. (2) O direito que reúne estas características pode contribuir para a articulação entre Lebenswelt e sistemas, mas em contrapartida, apenas conseguiu alcançar estas características tornando-se mais profissional, sendo por isso mais difícil entender pelo não especialista. Fenómenos semelhantes se verificam com a ciência e com a arte, o que Habermas pôde observar de perto ao passar da posição do cientista à posição de interveniente num debate de política do direito. (3) Nestas condições, o direito poderá contribuir para a integração das sociedades modernas, na condição de ser praticado de acordo com uma determinada concepção. Habermas

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considera que se podem distinguir hoje três concepções do direito que chama paradigmas: o paradigma formalista, o paradigma providencialista e o paradigma processualista. Habermas procura valorizar o paradigma processualista, que consiste em praticar o direito com particular atenção à noção que os não juristas têm do direito e dos seus direitos, e à efectiva participação das pessoas nos processos que lhes dizem respeito.

10 de Novembro (2) (2) Habermas (fim) : Complemento 1 ao modelo geral: o modelo geral é organizado principalmente no sentido de captar processos nos quais uma determinada colectividade, que tem alguma experiência de vida em comum, se dota de um enquadramento institucional e procura especificar as suas relações com os sistemas (estadual / económico), situação à qual corresponde nalguma medida a que se verifica depois da queda do muro de Berlim. Habermas também procura dar conta do processo inverso: como a participação num determinado contexto institucional pode contribuir para a formação de experiências partilhadas. Neste sentido, a experiência partilhada do funcionamento de um determinado sistema político-jurídico pode suscitar o que se chamou “patriotismo constitucional” / Verfassungspatriotismus. Em termos mais gerais, a experiência do envolvimento junto com outras num determinado sistema político e administrativo, onde todos têm direitos e deveres semelhantes pode gerar o que Habermas chama “solidariedade cidadã”; por seu turno, esta solidariedade cidadã poderá favorecer a participação política. – Compl. 2 ao modelo geral: Os trabalhos mais recentes do Habermas incidem no direito internacional. Trata-se dos dois textos seguintes: HABERMAS, Jürgen (2004), « Hat die Konstitutionalisierung des Völkerrechts noch eine

Chance ? » [Ainda haverá alguma hipótese de constitucionalização do direito dos povos?], in : Der gespaltene Westen [O Ocidente divido] (2004), pp. 113-193.

– (2005), « Eine politische Verfassung für die pluralistische Weltgesellschaft ? » [Uma constituição política para uma sociedade-mundo pluralista?], Neue Zürcher

Zeitung, 11-12 décembre 2004, rééd. in: ID., Zwischen Naturalismus und Religion

[Entre o naturalismo e a religião], Francfort, Suhrkamp, pp. 324-365.

Textos elaborados em relação a um processo de reflexão sobre possíveis reformas das Nações Unidas, processo no qual a Alemanha tinha interesse em participar activamente, na perspectiva de um reforço da sua posição institucional. Considera que uma ordem mundial deveria desenvolver-se paralelamente em três planos. (i) Num primeiro plano, deve haver normas de garantia dos direitos humanos básicos e de prevenção dos conflitos armados; estas normas gozam de uma legitimidade suficiente, manifestada pelas reacções da opinião pública às notícias sobre violações graves dos direitos humanos e podem, logo, ser sancionadas eventualmente por meios militares. A organização que assumiria esta função poderia ser a Organização das Nações Unidas, que se deveria concentrar nestas questões. (ii) Num segundo plano, deveriam instituir-se arenas de negociação mundial das grandes opções de desenvolvimento económico, social e ecológico; nestas arenas, deveriam confrontar-se grandes actores da política internacional, isto é: as

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superpotências actuais assim como blocos de países que deveriam alcançar uma maior capacidade de acção internacional, nomeadamente a Europa. (iii) O terceiro plano é o da formação destes blocos de países, pelo facto de os países que os compõem se experienciarem, tanto ao nível dos governos como ao nível dos cidadãos, como componentes destes blocos regionais, isto é, entidades dotadas de uma coerência interna, e assumindo um determinado papel no plano mundial. O que está em jogo a nível nacional é que os cidadãos adquiram a noção de que a sua participação política no plano nacional tem implicações nos planos regionais e mundiais. Uma das questões mais importantes para o futuro da Europa é desenvolver esta noção entre os cidadãos de todos os Estados-membros da UE. Sobre o Pierre Bourdieu em geral: O seu lugar na cronologia geral apresentada no inicio do semestre: trabalhou muito na base das obras dos clássicos Durkheim e Weber. Contribuiu para a recepção em França de Goffman, sociólogo americano que se afastava do funcionalismo de Talcott Parsons. Apareceu – e apresentou-se – de alguma forma como um sucessor de Michel Foucault. Colaborou com Habermas em esforços em criar um espaço intelectual europeu. Manifestou nalgumas ocasiões uma nítida hostilidade a Luhmann, preocupado em marcar diferenças entre as suas propostas teóricas e as de Luhmann. Percurso em cinco etapas sucessivas: (i) investigações sobre meios sociais desfavorecidos (os Kabilos na Argélia; as classes populares e população rural em França). Com a vontade de fazer melhor reconhecer estes meios sociais e as suas diferenças em relação à elite francesa instalada em Paris. (ii) Progressivo reforço dos meios organizados de investigação: retoma a direcção de um centro de investigação, publica um manual de sociologia, lança uma revista, concorre para uma cátedra no Collège de France. Consegue desta maneira formar uma equipa de investigação bem formada e dotada de importantes meios materiais. (iii) Tendo conseguido entrar no Collège de France, manifesta uma grande preocupação em não se deixar condicionar intelectualmente pelo facto de ter alcançado esta posição. Neste sentido, empreende vários trabalhos de investigação agora sobre as elites e sobre os meios sociais onde actuam os que dominam a sociedade francesa: os técnicos superiores da função pública, a cultura, a economia, etc.

17 de Novembro (1) (1) Percurso Bourdieu (cont.) (iv) Na realização de uma investigação sobre a formação de um novo mercado – o mercado da habitação: os franceses são incentivados em comprar e fazer construir casas próprias –, constata os efeitos do endividamento, da desertificação do espaço público, e da degradação das zonas progressivamente abandonadas pelas classes médias, e, mais geralmente, a aparição de novas formas de pobreza. Considerando que o debate publico deste tema não é bem conduzido pela comunicação social, lança um livro destinado a ter uma grande divulgação e a alterar as condições deste debate: não um livro de investigação, mas uma recolha de entrevistas de pessoas que vivem situações de precariedade: La misère du monde (1993). Grande êxito deste livro. Bourdieu aparece agora como um autor político. (v) Últimos anos: por um lado mais intervenções políticas. Por outro lado, livros nos quais procura dar mais coerência ao seu trabalho teórico (em particular as Meditações pascalianas). Neste sentido, ver a contracapa das Meditações pascalianas:

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(2) Elementos da teoria da sociedade de Pierre Bourdieu. Recorda-se primeiro que Bourdieu, comparado com os três outros autores é quem dá mais importância ao trabalho de observação directa, “no terreno”, da realidade social. Elabora no entanto uma teoria, mas formula mais globalmente esta teoria no fim da sua carreira; até lá, desenvolve conceitos, que são ferramentas indispensáveis para a observação. Principalmente dois conceitos: O Habitus: uma maneira de entender a realidade social sem dar uma importância excessiva à subjectividade individual. Actuamos de uma certa forma porque adquirimos reflexos, disposições. Estes reflexos e disposições, por um lado, são adquiridos porque existem dispositivos que favorecem a sua interiorização (família, escola, outros dispositivos de aprendizagem) e mantém-se porque têm uma certa eficácia social (as nossas atitudes são intelegíveis para os outros, o que facilita a interacção). Ao mesmo tempo, a facilidade com a qual as conseguimos reproduzir e a sua eficácia na interacção permitem-nos actuar de maneira eficaz. Ou seja: o habitus simultaneamente condiciona-nos e dá-nos meios de acção. Conceito desenvolvido em particular quando Bourdieu observa as actividades de pessoas que não beneficiaram de uma formação intelectual avançada.

17 de Novembro (2) (2) Os campos: Bourdieu verifica que existem domínios de actividade diferenciados, e que se diferenciam pelo facto de se travar uma luta, na qual se envolvem pessoas que ocupam posições diferentes, luta essa pela qual se vai definindo progressivamente um objecto (o que está “em jogo” na luta), e pela qual este objecto adquire uma certa relevância social (o que merece que haja luta deve ter um certo valor, na perspectiva dos combatentes como na perspectiva de pessoas exteriores). À medida que esta importância é reconhecida, torna-se também mais importante definir quem pode participar na luta: desenvolvem-se então mecanismos de “filtragem” no acesso ao campo, garantindo que entrem no campo apenas os que adquiriram o Habitus adequado as lutas que deverão ser travadas. Exemplos de campos, entre muitos outros, onde Bourdieu e os seus assistentes observam estes mecanismos de importância de um fenómeno conferida pelas lutas às quais dá lugar: a moda, a banda desenhada (na época: a luta entre Tintin e Pilote, jornal onde se publicava Asterix). Conceito desenvolvida precisamente na fase em que Bourdieu estava a posicionar-se de maneira polémica face a outros autores franceses em sociologia, abordando a sociologia como um campo, que teria tudo a ganhar das lutas travadas entre autores. Existe aliás um documentário sobre Bourdieu intitulado “A sociologia, um desporto de combate”.

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Combinando estes dois conceitos: a teoria da razão escolástica. Três passos de raciocínio: (i) Temos hoje em dia a possibilidade de olhar para as coisas de uma maneira que podemos qualificar de objectiva. Isto não é mérito tanto das pessoas, mas sim de um “habitus” que as pessoas adquiriram; e este habitus foi adquirido ao entrar e ao manter-se num determinado campo. Exemplo: os cientistas produzem um trabalho que outros poderão considerar como objectivo porque estão em competição uns com os outros, cada um procurando aparecer como mais objectivo que o outro. (ii) Esta razão escolástica tem virtualidades, nomeadamente porque nos permite formular apreciações valorativas baseadas em critérios que procuram ser universais. Mas levanta um problema: afasta-nos da prática. (iii) Deve portanto lutar-se contra esta tendência, e isto, também, por “combates”, nomeadamente entre cientistas e não cientistas (militantes políticos, pessoas directamente afectadas por determinados problemas etc.), isto é, também, pela formação de campos específicos, onde se poderá criar um “habitus” que possa compensar, nalguma medida, os efeitos da razão escolástica. O direito na obra de Pierre Bourdieu. Existe um conjunto de artigos dedicados ao direito, publicados num intervalo relativamente breve: entre os primeiros anos 1980 e os primeiro anos 1990. Mas este período é também o período durante o qual o pensamento de Bourdieu evolui mais, talvez em parte por causa das reflexões que lhe sugerem a observação do direito. Contexto deste trabalho: os primeiros anos no Collège de France e a vontade de Bourdieu de entender o funcionamento das elites sociais, utilizando o conceito de campo. Entre os campos que pretende estudar: o direito. Vai, nesta perspectiva, organizar um seminário no CF onde vários investigadores sociólogos vão apresentar os seus trabalhos sobre o direito. Para dar fundamento teórico a este trabalho, Bourdieu escreve o texto “A força do direito” que publica na sua revista. As contribuições dos outros sociólogos – Yves Dezalay, Alain Bancaud, Anne Boigeol (actual presidente do RCSL) e outros, serão publicados alguns anos mais tarde. Estes contactos de Bourdieu com sociólogos do direito vão ter como consequência que Bourdieu é convidado em pronunciar a conferência de encerramento do primeiro congresso mundial de sociologia do direito, em Amesterdão em 1991. Elementos da sociologia do direito de Bourdieu: Desenvolvimento do conceito de Habitus. Nós obedecemos a regras, mas não tanto em virtude do conhecimentos de textos normativos, mas por termos adquirido determinadas atitudes. Aproveitamento do conceito de campo: o direito deve a sua força social ao facto de existir um campo jurídico, isto é: uma arena de luta entre várias concepções do direito. Os Estados modernos – os monarcas – teriam favorecido o reconhecimento deste campo, pois os juristas podiam desempenhar a função de formular conceitos úteis para a consolidação do poder de Estado, a começar pelo conceito de soberania. Na actualidade, entre os conflitos entre juristas que contribuem para o prestígio social do direito, temos as tensões entre privatistas e publicistas; ou entre os que defendem um modelo clássico de justiça e os que defendem modelos alternativos (exemplo: julgados de paz). O direito na teoria da razão escolástica: Bourdieu refere em várias ocasiões que o direito é um dos campos onde se produz razão escolástica. Mas aprofunda pouco o caso do direito nas suas últimas publicações. Deixam-se deduzir dos seus trabalho várias linhas de reflexão: o pensamento jurídico como um pensamento distanciado sobre a realidade social, com um potencial de crítica às condições sociais que prevalecem actualmente (pense-se na afirmação dos direitos humanos). Mas ao mesmo tempo, um pensamento afastado da realidade social quotidiana (por exemplo pela sua maneira de procurar atribuir qualquer

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acto a uma vontade subjectiva). Um pensamento que ganha, por um lado, em haver mais debates entre juristas; por outro lado em haver debates entre juristas e não juristas, nomeadamente cientistas sociais. (2) Boaventura de Sousa Santos: diferença em relação aos quatro outros autores: não pertence à mesma geração. Alcança fase de maior produtividade quando se entra na época da globalização. Comparável com os outros quatro pela forma de abordar o direito a partir de uma teoria geral da sociedade; obra discutida fora da sua região linguística de origem. – Etapas: (i) Formação inicial como jurista em Coimbra. (ii) profundar esta formação no estrangeiro, primeiro na Alemanha, depois nos Estados Unidos. Completa a sua formação em sociologia do direito com o seu doutoramento sobre modalidades de resolução dos conflitos numa favela brasileira. (iii) Regresso a Portugal coincide com o 25 de Abril. Participa na criação de uma área de ciências sociais na faculdade de economia da Universidade de Coimbra. Posiciona-se nas ciências sociais em Portugal ao lançar a Revista crítica de ciências sociais e ao criar o Centro de Estudos Sociais. (iv) Neste âmbito, procura desenvolver também a sociologia do direito (número especial da RCCS. Esforços travados pela faculdade de direito de Coimbra. (v) Fim anos 80: Fase de reforço da sua legitimidade de teórico da sociedade em Portugal; de reforço do seu dispositivo de investigação (publicação de Portugal. Um

retrato singular, como demonstração dos recursos do CES – Centro de Estudos Sociais); de consolidação da sua posição de sociólogo do direito nas associações internacionais (um dos conferencistas convidados na inauguração do Instituto internacional de sociologia do direito). (vi) Alcança posição privilegiada para desenvolver a sociologia do direito quando é encarregue pelo CEJ de levar a cabo uma grande investigação sobre os tribunais em Portugal. Concluído este trabalho, cria-se, sob a sua responsabilidade, o Observatório permanente da justiça portuguesa. (vii) Recentemente muito activo no movimento “altermundialista” (Forum Social mundial).

24 de Novembro (Docente ausente de Portugal; aulas compensadas na última semana do semestre)

30 de Novembro (1) (1) Boaventura de Sousa Santos (cont.) (A) Complementos sobre o percurso do autor. (B) O direito na obra de Boaventura de Sousa Santos. Consideração geral: a preocupação central é ultrapassar a compartimentação do saber na modernidade. Estabelecer ligações entre o direito e a política, e entre o direito e a ciência. (a) O pluralismo jurídico: ponto de partida: a oposição entre o direito oficial e o direito da comunidade (trabalhos dos anos 1970-80). Modelo tornado mais complexo nos anos 1990-2000, com a elaboração de um mapa estrutural das sociedades capitalistas no sistema mundial. Apresentação e comparação de duas versões sucessivas deste mapa: na RCCS 30, 1990 e em Crítica da Razão Indolente, 2000 (ver a seguir ao presente sumário na versão “word” dos sumários completos). Observação de método quanto a estes quadros: representam divisões, pelas casas das tabelas; estas divisões têm um estatuto ambivalente: correspondem a realidades, na medida em que se conseguiram

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processos de diferenciação nas sociedades modernas; mas indicam também separações que se deve procurar ultrapassar na prática. Assim o movimento “contra-hegemónico” de que BSS considera que está a ganhar força à escala global, tem força porque reúne dinâmicas globais, de cidadania (nos Estados), oriundas das comunidades, e também do espaço doméstico (movimentos mulheres).

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30 de Novembro (2) (2) Boaventura de Sousa Santos (fim); (b) Direito na semi-periferia. BSS procura precisar o conceito de semiperiferia proposto por Immanuel Wallerstein. Define-o pela descoincidência entre estruturas produtivas (a economia) e estruturas de reprodução (o Estado). As primeiras próximas das condições da periferia; as segundas das condições do centro. Resultado no plano do direito: leis que são próximas das que vigoram em países do centro não são efectivas por que os actores sociais que deveriam intervir na sua aplicação não têm forças suficientes. Hipóteses de alguma maneira confirmadas em Os tribunais nas sociedades contemporâneas (1996): os cidadãos utilizam pouco os meios jurídicos que são postos à sua disposição; estes meios são utilizados sobretudo por grandes empresas na cobrança das dívidas dos consumidores. (c) Direito pós-moderno: o direito moderno resultaria de – e teria contribuído a favorecer – um predomínio do Estado e da economia entre os âmbitos estruturais da sociedade, e de uma concepção segundo à qual o único direito que vale é o direito do Estado. Para ultrapassar esta situação, devem revalorizar-se as formas de legalidade que emergem noutros âmbitos de sociabilidade, onde são consubstanciais de formas de conhecimento essas também alternativas às formas autorizadas de conhecimento (a ciência). Isto é, deve desenvolver-se um “novo senso comum”. Processos de valorização deste novo senso comum terão mais facilmente lugar na semi-periferia, onde a articulação entre estado e economia é menos estreita.

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Em conclusão apresentação de um modelo do direito na sociedade que faz a síntese das teorias apresentadas durante o semestre. Retira-se da comparação dos autores tratados um quadro teórico onde os principais conceitos são agrupados em dois conjuntos (ver gráfico incluído nos sumários completos) que correspondem cada um a uma perspectiva específica sobre a realidade social: caracterizada, por um lado, por ser tecida por actividades que têm alguma continuidade e inteligibilidade; por outro lado, por ser palco de forças que surgem e se confrontam; caracterizada também por ser mais ou menos diferenciada em actividades diferentes, ou por acolher forças mais ou menos individuadas.

Agir Instâncias

~ Luhmann~ Foucault 1~ Foucault 2

~ Bour-~ Habermas ~ Habermas

filósofo

Ind

ivid

uaç

ão

Difere

ncia

ção

sociólogo -dieu

Sistemas sociais

Organizações

Discursos

Dispositivos

(Me

diu

m)

Lebenswelt

Solidariedadecidadã

ActoresSujeitos

Campos

Discussão

“Grondement

de la bataille”

Habitus Habitus

Campos

A partir deste modelo, o direito deve ser estudado sob duas perspectivas. Como uma instância própria, eventualmente dividida em sub-instâncias. Nesta perspectiva, trata-se de perceber o que distingue esta instância de outras, como funciona, que consistência tem. Como um elemento da realidade social onde se podem revelar forças sociais, eventualmente forças que já se afirmaram fora do direito e que se servem também do direito nas suas estratégias; ou que surgem dentro dos próprios procedimentos jurídicos. Exemplo um grupo que toma melhor consciência da sua coesão no âmbito de um processo de formalização jurídica do grupo, com a criação de uma associação ou outra figura jurídica que o reconheça (mais sobre este modelo em Guibentif, “Teorias sociológicas comparadas e aplicadas. Bourdieu, Foucault, Habermas e Luhmann face ao direito”, Cidades – Comunidades e Territórios, nº 14, texto à disposição no site da unidade curricular). Implicações deste modelo para juristas em formação: estarem atentos ao que faz a especificidade do seu trabalho, das relações com os outros profissionais do direito, podendo interrogar-se sobre processos de reforço ou pelo contrario de decomposição da

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instância direito; estarem atentos às forças sociais que se revelam nos procedimentos nos quais são chamados a intervir, em particular às forças que surgem nestes processos.

7 de Dezembro (1) (1) Síntese pelo docente e discussão dos seguintes trabalhos entregues por escrito pelos estudantes: Análises de textos relacionados com Foucault: EWALD, François, “Foucault e a

norma”, in: François EWALD, Foucault, a norma e o direito, Lisboa, Vega, 1993, pp. 77-123, analisado por Jaime Pereira;

– LASCOUMES, Pierre, “A acção pública vista pelo ângulo dos seus instrumentos”, in: GONÇALVES, Maria Eduarda, GUIBENTIF, Pierre (coord.), Novos Territórios do

Direito. Europeização, Globalização e Transformação da Regulação Jurídica, Estoril, Princípia, 2008, pp. 115-125, analisado por Flávia de Sá, Helena

Guilherme;

– MARQUES, Tiago Pires, “O momentum da codificação criminal. Reflexões metodológicas sobre a análise histórica dos códigos penais”, in: ALMEIDA, Pedro Tavares, MARQUES, Tiago, Pires (orgs.), Lei e Ordem – Justiça penal,

criminalidade e polícia – Séculos XIX-XX, Lisboa, Livros Horizonte, 2006, pp. 15-43, analisado por Francisco Amaral, Kim Hou, Lenira Dias

Análises de textos relacionados com Luhmann: ESTEVES, João Pissarra, “Legitimação pelo procedimento e deslegitimação da opinião pública”, in : SANTOS, José Manuel (org.), O pensamento de Niklas Luhmann, Covilhã, Universidade da Beira Interior (Ta Pragmata), 2005, pp. 281-320, analisado por Cátia Major e Sara Conceição, por um lado, Luís Oliveira, Sofia Sá Fernandes e Tiago Roupiço, por outro.

– PIRES, Edmundo Balsemão, “O pensamento de Niklas Luhmann como teoria crítica da Moral”, in : SANTOS, José Manuel (org.), O pensamento de Niklas

Luhmann, Covilhã, Universidade da Beira Interior (Ta Pragmata), 2005, pp. 253-279, analisado por Pedro Silva.

7 de Dezembro (2) (2) Síntese pelo docente e discussão dos seguintes trabalhos entregues por escrito pelos estudantes: Análises de textos relacionados com Habermas: SILVA, Filipe Carreira da, “Cidadãos

da Europa. Algumas reflexões sobre o patriotismo constitucional”, Revista Crítica

de Ciências Sociais núm. 70, 2004, pp. 147-158, analisado por Diogo Paredes

Meira.

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– VIANNA, Túlio, “Crítica da razão comunicativa. O direito entre consenso e conflito”, Scientia Jurídica núm. 316, 2008, pp. 589-613, analisado por Mariana

Aveiro, Rita Guerra e Sílvia Lopes.

– KREMPEL, Luciana Rodrigues, “A autonomia do direito e o liberalismo político de John Rawls”, Boletim da Faculdade de Direito de Combra, vol. LXXIX, 2003, pp. 735-761, analisado por Diogo Melo, João Nuno Camacho e Vítor Cruz por

um lado, Marina Areias Amaro, por outro.

Análise de um texto relacionado com Bourdieu: LENOIR, Rémi, “O objecto sociológico da família”, in: José Madureira Pinto e Virgílio Borges (orgs.), Desigualdades, Desregulação e Riscos nas Sociedades Contemporâneas, Porto, Edições Afrontamento, 2008, pp. 153-171, analisado por Inês Rodrigues Pereira,

Mafalda Falcão

16 de Dezembro (1)

(1) Exposições de estudantes sobre os seguintes textos:

Texto relacionado com Foucault: SILVA, Susana, “Classificar e silenciar: vigilância e controle institucional sobre a prostituição feminina em Portugal”, Análise Social núm. 184, 2007, pp. 789-810; exposição de Maria Francisca Silva, Maria João

Câmara, Sara Rebelo.

Texto relacionado com Luhmann: SCHWARTZ, Germano, “Um pouco de direito e um tanto de literatura. Autopoiese, risco e altas tecnologias sanitárias”, Revista da

Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano IV, 2007, pp. 57-78; exposição de Rita Pereira.

16 de Dezembro (2) (2) Exposições de estudantes sobre os seguintes textos: Textos relacionados com Habermas:

SILVA, Filipe Carreira da, “Cidadãos da Europa. Algumas reflexões sobre o patriotismo constitucional”, Revista Crítica de Ciências Sociais núm. 70, 2004, pp. 147-158; exposição de Ana Fialho e Sara Mendonça.

FRADE, Manuel Carneiro de, “Relativismo, valores, direito”, Revista da Ordem dos

Advogados, 2008, II-III, pp. 651-713; exposição de Sara Garcia, José Henriques

e Sérgio Henriques.

Texto relacionado com B. Sousa Santos:

PEDROSO, João, BRANCO, Patrícia, “Mudam-se os tempos, muda-se a família. As mutações do acesso ao direito e a justiça da família e das crianças em Portugal”, Revista Crítica de Ciências Sociais núm. 82, 2008, pp. 53-84; exposição de Maria Vara Branco, Melissa Juma e Andreia Neves.

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16 de Dezembro (3) (3) Exposições de estudantes sobre os seguintes textos:

Textos com referências a vários autores:

RODRIGUES, Maria da Conceição Carapinha, “Linguagem, discurso e direito. Algumas questões de linguística jurídica”, Revista do Ministério Público núm. 111, 2007, pp. 5-36; exposição de Marco Matroca e Sofia Ladeira.

FERNANDES, Plácido Conde, “Justiça e media: legitimação pela comunicação”, Revista

do CEJ, 2008-2, núm. 10, pp. 311-346; exposição de Filipa Almeida, Francisco

Costa e Vera Cardoso (oral)

CUNHA, Silvério da Rocha e, “Trabalho de Sísifo do Direito e da Política no actual labirinto da sociedade mundial”, Economia e Sociologia núm. 80, 2005, pp. 171-253; exposição de Tomás Machado, Bernardo Marques e Tomás Ferreira.