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TEXTO PARA DISCUSSÃO N O 511 Sistemas Públicos de Emprego: a Experiência de Três Países da OCDE (Espanha, EUA e Alemanha) Carlos Alberto Ramos SETEMBRO DE 1997

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TEXTO PARA DISCUSSÃO NO 511

Sistemas Públicos deEmprego: a Experiênciade Três Países daOCDE (Espanha,EUA e Alemanha)

Carlos Alberto Ramos

SETEMBRO DE 1997

TEXTO PARA DISCUSSÃO NO 511

Sistemas Públicos de Emprego: aExperiência de Três Países da OCDE

(Espanha, EUA e Alemanha)*

Carlos Alberto Ramos**

* Este artigo integra uma pesquisa sobre a experiência in-

ternacional dos sistemas públicos de emprego realizadano âmbito do convênio IPEA/BNDES. O autor agradece a co-laboração de Valdemir Silva (auxiliar de pesquisa), Fá-tima Faro e Celso Cardoso (bolsistas ANPEC/IPEA).

** Professor do Departamento de Economia — UnB, e bolsis-ta da ANPEC/IPEA.

Brasília, setembro de 1997

M I N I S T É R I O D O P L A N E J A M E N T O E O R Ç A M E N T OM i n i s t r o : A n t ô n i o K a n d i rSec re tá r i o Execu t i vo : M a r t u s T a v a r e s

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

PresidenteF e r n a n d o R e z e n d e

D I R E T O R I A

C l a u d i o M o n t e i r o C o n s i d e r aG u s t a v o M a i a G o m e sL u í s F e r n a n d o T i r o n iL u i z A n t o n i o d e S o u z a C o r d e i r oM a r i a n o d e M a t o s M a c e d oMur i l o Lôbo

O IPEA é uma fundação pública, vinculada ao Ministério doPlanejamento e Orçamento, cujas finalidades são: auxiliaro ministro na elaboração e no acompanhamento da políticaeconômica e promover atividades de pesquisa econômicaaplicada nas áreas fiscal, financeira, externa e dedesenvolvimento setorial.

TEXTO PARA DISCUSSÃO tem o objetivo de divulgar resultadosde estudos desenvolvidos direta ou indiretamente peloIPEA, bem como trabalhos considerados de relevânciapara disseminação pelo Instituto, para informarprofissionais especializados e colher sugestões.

Tiragem: 160 exemplares

SERVIÇO EDITORIAL

Brasília — DF:SBS Q. 1, Bl. J, Ed. BNDES, 10o andarCEP 70076—900E-mail: [email protected]

Rio de Janeiro — RJ:Av. Presidente Antonio Carlos, 51, 14o andarCEP 20020—010E-mail: [email protected]

SUMÁRIO

SINOPSE

1 INTRODUÇÃO 7

2 ESPANHA 8

3 ESTADOS UNIDOS 13

4 ALEMANHA 16

5 COMENTÁRIOS FINAIS 21

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 32

SINOPSE

o artigo estudamos a estrutura do sistemapúblico de emprego (SPE) em três países daOrganização de Cooperação para o Desen-volvimento Econômico — OCDE (Espanha,

Estados Unidos e Alemanha). O SPE é definidocomo aquele arcabouço institucional a partir doqual são administrados, de forma articulada ounão, segundo o país, os benefícios financeiros aotrabalhador desempregado, a intermediação demão-de-obra e a formação e reciclagem profissio-nal. Os resultados indicam que não existe associ-ação muito estrita entre essas políticas. Nos doispaíses europeus percebe-se articulação maior, quese estreita à medida que o desempregado perma-nece nessa situação, enquanto os benefícios do se-guro vão sendo substituídos pela assistência soci-al. Nos Estados Unidos, o SPE está centrado na in-termediação, quase sem articulação com as ou-tras políticas. Em todos os casos, o denominadorcomum é a extrema descentralização, especial-mente no gerenciamento, e, em certas circunstân-cias, no próprio desenho dos programas.

N

O CONTEÚDO DESTE TRABALHO É DA INTEIRA E EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DE SEU AUTOR,CUJAS OPINIÕES AQUI EMITIDAS NÃO EXPRIMEM, NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO.

SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA, EUA E

ALEMANHA ) 7

1 INTRODUÇÃO

O objetivo do presente artigo é apresentar omarco institucional e as principais linhas de polí-tica que são implementadas no contexto dos de-nominados sistemas públicos de emprego (SPE),em três países da Organização de Cooperaçãopara o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Os SPEs constituem o principal arcabouço insti-tucional a partir do qual foram implementadas aspolíticas de emprego após a crise dos anos 70.Esse marco institucional tende a articular a as-sistência financeira ao trabalhador desemprega-do (seguro-desemprego, por exemplo) paralela-mente ao apoio em termos de colocação (interme-diação) e a formação e reciclagem. Esgotadas aspolíticas ativas de inspiração keynesiana, produ-to, em parte, da crescente internacionalização daseconomias, duas foram as alternativas observa-das em matéria de geração de empregos. A pri-meira consiste na desregulamentação radical domercado de trabalho, política que supõe poder omercado de trabalho, atuando da forma mais con-corrente possível, atingir o equilíbrio entre ofertae demanda de mão-de-obra. A segunda alternativaconsiste em uma intervenção cujo eixo seria omercado de trabalho, mas, diferentemente da an-terior, deveria estar estruturada nos três eixos jámencionados (assistência financei-ra/intermediação/formação).

Nesse contexto, procuramos, no artigo, a partirda experiência de três países da OCDE, subsidiar adiscussão no Brasil sobre as possíveis caracterís-ticas de um SPE no país.

A seleção dos países analisados revestiu-se,como em todo processo de escolha, de uma certadose de arbitrariedade. Porém, em termos gerais,optou-se pela análise de contextos nacionais einstitucionais que servissem como uma caricatura das

8 SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA,EUA E ALEMANHA)

grandes tendências observadas em nível interna-cional.

No caso dos EUA, trata-se de um país de referên-cia em termos de mercado de trabalho desregulado eque, nos anos 80, foi um dos que registraram osmaiores percentuais de crescimento do emprego,apresentaram as menores taxas de desemprego, eno qual o desemprego de longa duração afetou umpercentual pequeno entre os assalariados desem-pregados.

A Alemanha é, contrariamente, uma economiaem que a desregulamentação avançou pouco, as taxas dedesemprego estavam situadas em patamares rela-tivamente elevados,1 o desemprego de longa dura-ção foi relativamente importante, constituindo,porém, um dos modelos de boa performance econômica.Dessa forma, temos, com EUA e Alemanha, dois ca-sos polares de funcionamento do mercado de tra-balho, sendo, ambas as economias, marcos de re-ferência (junto com o Japão) do novo contexto in-ternacional.

A escolha da Espanha merece um justificativaparticular. Sua economia foi periférica na Europa con-tinental e apresentou um rápido processo de inte-gração internacional e modernização. Os percen-tuais da força de trabalho desempregada, queatingiram os maiores patamares entre todos paí-ses da OCDE, chegando a cerca de 25%, foram ob-servados paralelamente a uma transição políticaacelerada. Ou seja, muitos paralelos podem reali-zar-se com a história brasileira recente (interna-cionalização, transição política e desemprego),fato que torna a experiência espanhola um bommarco de referência para apreciar as potenciali-dades e limitações de um SPE no Brasil.

Dados esses objetivos e realizadas as justifica-tivas sobre as escolhas, estruturamos o artigo da

1 As taxas de desemprego na Alemanha verificaram umatendência crescente, ultrapassando hoje os 10%, em par-te devido aos problemas da unificação.

SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA, EUA E

ALEMANHA ) 9

seguinte forma. Nos capítulos 2, 3 e 4, analisamosos casos da Espanha, EUA e Alemanha, respecti-vamente. Na apresentação de cada país, relizamosum pequeno resumo sobre as principais caracte-rísticas de seu mercado de trabalho, o arcabouçoinstitucional do SPE e os principais pontos que dis-tinguem seu sistema de seguro-desemprego, in-termediação e formação profissional. Por último,concluiremos o artigo com os comentários finais.

2 ESPANHA

A morte de Franco(1975) dá origem a umprocesso de transição

que coincide com a crise do modelo de acumulaçãodo pós-guerra no mundo desenvolvido. Os confli-tos sociais e políticos decorrentes da crise e datransição são gerenciados, entre 1975 e 1985, pormeio de sucessivos pactos sociais, sendo o maisfamoso o Pacto Social de Moncloa, em 1987. Amodernização e a abertura da economia culmi-nam com o ingresso na Espanha na ComunidadeEuropéia, em 1986.

A crise do emprego foi conseqüência direta dacrise dos anos 70. No período de 1960 — 1968,auge do modelo de acumulação do pós-guerra,apesar do elevado crescimento da produtividade(6,9% de média anual), o dinamismo da economia(7,5% de média anual no aumento do produto)permitia manter uma situação de quase plenoemprego.2 A taxa de desocupação sai de um pata-mar próximo aos 5%, em meados da década de 70,para percentuais que superavam os 20% dez anosdepois. Entre 1975 e 1985, foram perdidos doismilhões de empregos. No ciclo de crescimento dosanos 80 (1985—89), foi gerado 1,5 milhão de pos-

2 As fontes de dados utilizadas foram as séries da OCDE. Sóserá citada a fonte quando não corresponder a informa-ções dessa organização.

2.1 Uma Breve Caracterização doMercado de Trabalho

10 SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA,EUA E ALEMANHA)

tos de trabalho, quantidade que não foi suficientepara compensar a perda anterior e o crescimentoda força de trabalho.

O aumento exponencial da taxa de desempregofoi atribuído, em parte, a esse crescimento naoferta de mão-de-obra. Com a rápida moderniza-ção da sociedade, a taxa de atividade das mulhe-res passa de 23%, em meados dos anos 70, para33%, vinte anos depois [Vázquez (1991)]. Em par-te devido a esse crescimento, a taxa de desempre-go feminino, que era inferior à dos homens nosanos 70 (em torno de 4%), chega a, em média, 30%no período 1986—1989. O problema do desem-prego da mulher não é decorrente, unicamente, dataxa de desemprego aberto. A forma de inserçãoda força de trabalho feminina parece estar carac-terizada pela precariedade: em 1989, 77,2% dospostos de trabalho a tempo parcial eram ocupadospor pessoas do sexo feminino.

Produto desse crescimento da oferta de traba-lho das mulheres e do boom da natalidade dos anos60, o aumento da força de trabalho espanhola nosanos 80 foi um dos maiores entre os países daOCDE. No período 1980—1988, a variação média dapopulação ativa foi de 1,2% ao ano, superior à mé-dia dos países da OCDE—Europa (0,9%). Na presen-te década esse percentual de aumento começa aapresentar uma forte redução, passando de 1,4%,em 1990, para 0,8%, em 1992.

Outro grupo vulnerável são os jovens. A taxa dedesocupação dos jovens (15—24 anos) passa de5%, em 1973 (uma situação de pleno emprego),para um percentual de 35%, em 1992. Em perío-dos de crise, a desocupação entre os jovens atingiuníveis extremamente elevados. Em 1983, porexemplo, o percentual de desemprego entre os jo-vens de 16—19 anos foi de 48%.

Parte desse crescimento do desemprego foi mi-nimizado, à semelhança da maioria dos países,pela flexibilização da legislação trabalhista.3 Os

3 Essas medidas para a flexibilização do mercado de trabalho

eram sustentadas em uma suposta associação entre rigidez e

SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA, EUA E

ALEMANHA ) 11

atos legislativos que permitiam ou facilitavam asformas de contratos atípicas (trabalhos a tempo par-cial e temporários) foram comuns nos anos 80.Produto dessa estratégia, as formas atípicas deempregos começam a ser preponderantes na ge-ração de novos empregos. Em 1989, por exemplo,dos 5,5 milhões de novos contratos de trabalhoregistrados, apenas 6% eram de duração indeter-minada e a tempointegral.

O problema social do desemprego é agravado pe-las características que assume. O desemprego delonga duração (um ano ou mais nessa situação)afetava, em 1993, 50% do total de desempregados.Esse percentual denota a crescente dificuldade deingresso (no caso dos jovens) ou reintegração (nocaso dos adultos), a qual evidencia uma tendênciade exclusão social via desocupação.

Ou seja, a Espanha transita de uma situação depleno emprego, na primeira metade dos anos 70,para uma conjuntura caracterizada pelo excessode oferta de trabalho, que atinge particularmenteos grupos mais vulneráveis (mulheres e jovens),seja pelo desemprego aberto, seja pela precarieda-de de sua inserção.

O SPE na Espanhanasce com a abertu-ra política e o cres-

cimento do desemprego. Em 1978 é criado o Insti-tuto Nacional de Emprego (INEM), um órgão autô-

desemprego. Em uma pesquisa realizada pela Associa-ção Internacional de Empregadores, a Espanha foi clas-sificada, junto com a Itália, como a economia que tinha,entre os países da OCDE, a legislação mais abrangente emtermos de proteção do emprego. Essa correlação entreproteção ao emprego e desocupação, porém, não é con-sensual. Sobre o ponto consultar Heylen, Goyubert eOmey (1996).

4 As informações sobre a estrutura burocrática, os pro-gramas e os dados sobre a sua cobertura foram tomadosde Ministerio de Trabajo y de la Seguridad Social (1995).

2.2 O Sistema Público de Emprego:Marco Institucional4

12 SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA,EUA E ALEMANHA)

nomo, vinculado institucionalmente ao Ministé-rio de Trabalho. A partir dele são administradasas principais políticas voltadas ao mercado detrabalho: seguro-desemprego, formação profissi-onal e intermediação.

As grandes linhas de atuação do Instituto sãoestabelecidas por um conselho tripartite e paritá-rio, que, presidido por um integrante do Ministé-rio do Trabalho, conta com representantes de tra-balhadores, empresários e governo. Por intermé-dio de direções provinciais, essas grandes linhas,determinadas centralmente, são implementadasde forma descentralizada. Essa tendência à des-centralização foi aprofundada na presente déca-da, quando se observou uma rápida e extensatransferência de funções para as comunidadesautônomas e regiões.

Nos escritórios regionais do INEM, são realizadasas inscrições dos demandantes de emprego, e ad-ministrados os benefícios financeiros aos des-empregados. Aos demandantes de emprego, o INEM

informa sobre as oportunidades de trabalho (tan-to na Espanha quanto na Comunidade Européia)e os orienta profissionalmente. A legislação espa-nhola autoriza o funcionamento de agências pri-vadas de colocação, as quais poderão cobrar dosusuários as despesas ocasionadas, porém não po-derão ter fins lucrativos.5

Os recursos do INEM provêm dos encargos soci-ais para financiar o seguro-desemprego e a for-mação profissional (encargos compartilhadospor trabalhadores e empresários), de parte da ar-recadação dos jogos de loteria, de aportes do or-çamento do Estado e de recursos próprios.

As demandas de empregos registradas pelo INEM

elevaram-se 112% entre 1984 e 1994, passando de4,1 milhões, no primeiro ano, para 8,7 milhões no

5 Em realidade, as agências privadas de intermediaçãonão possuem nenhuma importância como alternativapara procurar emprego. Só 0,5% dos desempregados(1991) procuraram emprego por meio de agências deemprego privadas. Ver OCDE (1994).

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segundo. Nesse período, os maiores aumentos fo-ram registrados na faixa de adultos entre 25 e 54anos (+156%). Os percentuais de crescimento dasdemandas dos jovens, apesar de serem os maispenalizados pelo desemprego, registraram umaumento menor (+93,12%).

Entre os países da OCDE, a Espanha conta com apior rede de assistência ao desempregado (umfuncionário para cada 191 desempregados).6

Os benefícios financeiros aotrabalhador desempregado,

gerenciados no âmbito do INEM, foram implemen-tados, à diferença da maioria dos países da Euro-pa, muito recentemente, e coincidem com a conso-lidação da abertura política.7

Como na maioria dos países, existem dois tiposde assistência ao desempregado: um de tipo con-tributivo (próximo do que normalmente se de-nomina seguro) e outro assistencial.8 Quando éesgotado o período no qual o desempregado temdireito ao seguro, que geralmente está associadoao salário recebido anteriormente, ele pode bene-ficiar-se da assistência ao trabalhador desocupa-do.

A associação entre prestações do seguro-desemprego e a intermediação e qualificação é tê-nue. O desempregado terá suspensa a prestação se

6 Na Suécia, por exemplo, essa relação é de um funcioná-rio para cada 27 desempregados.

7 Não obstante ser mencionada na Constituição de 1978, aassistência financeira ao trabalhador desempregado sómereceu uma lei específica em 1980, sendo posterior-mente ampliada, mediante atos legislativos, em 1984 e1989.

8 O valor do benefício do seguro-desemprego (antes dosimpostos) em relação ao salário anterior (antes dos im-postos) é, na Espanha, um dos mais elevados entre os pa-íses da OCDE, chegando, no primeiro ano, a 70%. Na Itália,a relação mais baixa é de 7,3%, e na Inglaterra, de 23%,percentual similar ao observado nos EUA. A relação bene-fício/salário na Espanha só é superada pela verificadana Dinamarca (73%).

2.3 Seguro-Desemprego

14 SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA,EUA E ALEMANHA)

deixar de estar cadastrado como demandante deemprego no INEM de sua região. Por outra parte, asuspensão das prestações também ocorreráquando for indicado para uma vaga e não compa-recer nos cinco dias posteriores. Porém, não exis-te nenhuma cláusula indicando que o desempre-gado deva participar de cursos de formação e re-ciclagem.

Uma vez que o desempregado esgota o prazo doseguro e entra no benefício assistencial, as exi-gências são maiores. O beneficiário, além de terque estar inscrito como demandante de empregono INEM, não deve ter-se negado a aceitar (salvocausa justificada) as vagas que lhe são oferecidase (também salvo causa justificada) a realizar cur-sos de formação e reciclagem profissional.9

A intermediação é realizada peloINEM de forma descentralizada

(escritórios regionais). As empresas têm obriga-ção de comunicar ao INEM as vagas a serem preen-chidas, mesmo que uma pessoa já tenha sido esco-lhida para ocupá-la. Segundo essa comunicaçãode vagas, esse órgão envia a lista de candidatosinscritos no sistema. Se a empresa escolhe umcandidato que não lhe foi oferecido pelo sistemapúblico, tem três dias para comunicar as causasda não-escolha de um dos candidatos oferecidos.No INEM, entretanto, devem ser registrados todosos contratos de trabalho.

Apesar dessas obrigações, a quantidade de va-gas no sistema por desempregado inscrito é mar-ginal; no período 1982—89 , atingiu 0,01.10

9 A obrigação de estar inscrito como demandante de em-prego no INEM e participar de cursos de formação tambémé contemplada em certos benefícios assistenciais cujosalvos são populações muito específicas (liberados de pri-são, emigrantes que retornam, etc.).

10 Entre os países da OCDE, as maiores vagas no sistema pordesempregado inscrito são verificadas na Suíça (0,82),Suécia (0,58), Japão (0,45), Áustria (0,25) e Noruega(0,22).

2.4 A Intermediação

SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA, EUA E

ALEMANHA ) 15

A Espanha possui dois sis-temas complementares deformação profissional. O

primeiro está destinado à formação dos jovenspara seu futuro ingresso no mercado de trabalho.Esse sistema é gerenciado no âmbito do Ministé-rio da Educação e Ciências. O segundo tem comopúblico-alvo a força de trabalho desempregada, eestá gerenciado pelo INEM.

No caso desse último sistema, os beneficiáriossão, exclusivamente, os trabalhadores desempre-gados que recebem algum tipo de compensação fi-nanceira, sendo prioritários os grupos mais vul-neráveis (maiores de 25 anos com mais de umano de desemprego, mulheres, etc.). A adminis-tração desse programa é realizada de forma des-centralizada, sendo os cursos oferecidos deter-minados em cada região. Os escritórios do INEM

realizam estudos que balizam essa oferta de cur-sos segundo as tendências das contratações dosúltimos três anos.

No âmbito da formação profissional, existe umaparceria entre o Estado e a iniciativa privada. Asfirmas podem assinar convênios de colaboração,permitindo que alunos realizem práticas laborais,pelas quais serão compensados financeiramente,sem que essas práticas impliquem algum tipo derelação laboral. Os cursos também podem ser rea-lizados por centros conveniados (centros colabo-radores), devendo ser reconhecidos pelo INEM oupelas autoridades das Comunidades Autônomas.11

No início dos anos 90, a Espanha alocava, àformação profissional, em torno de 0,10% do PIB ebeneficiava pouco mais de 1,2% da população ati-va.

11 Para os trabalhadores empregados existe um programa

de formação profissional que foi resultado de um acordoentre três organizações sindicais e representantes deempresários, denominado Acordo Tripartite de Forma-ção Contínua.

2.5. A Formação Profissional

16 SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA,EUA E ALEMANHA)

3 ESTADOS UNIDOS

Tradicionalmente, omercado de trabalho dosEUA é identificado como

sendo extremamente flexível, especialmentequando comparado com seus similares da Europacontinental. Essa flexibilidade seria produto dasignificativa importância que as forças do mer-cado têm na determinação dos salários reais e doemprego.

Para os analistas que associam desemprego àrigidez do mercado de trabalho, os dados sobreesse país parecem confirmar essa correlação. Ataxa de desemprego nos EUA é perceptivelmentemenor que na Europa.12 O desemprego de longaduração afetava, em 1993, só 11,7% do total dedesempregados, quando a média era de 42,5% nospaíses da União Européia. A taxa de desempregoentre os jovens (15—24 anos) é, também, tradici-onalmente baixa nos EUA. No fins dos anos 80,esse percentual, que chegava a 34% na Itália, 32%na Espanha e 25% na Irlanda, era de só 10% nosEUA.

O custo desse mercado de trabalho pouco regula-mentado seria uma dualização social, que estariadada pela qualidade do emprego e não, como naEuropa, pela desocupação. A dispersão de salári-os, medida como a relação entre os ganhos donono decil com respeito ao primeiro decil, era, em1990, de 5,55, quando a média na União Européiasituava-se em 2,43. O percentual de famílias debaixos rendimentos — definido como o percentualde famílias jovens com renda, ajustada pelo ta-manho da família, não superior a 50% da rendamédia disponível — foi, entre 1984 e 1987, de18,7%, quando a média para a União Européia foide 8,9% [Heylen, Goubert e Omey (1996)]. Outro

12 No ciclo de crescimento de 1983—90, a taxa média de de-

socupação nos EUA foi de 7,1%, percentual inferior aoverificado na OCDE—Europa (9,6%) e na ComunidadeEconômica Européia (10,2%).

3.1 Breve Caracterizaçãodo Mercado de Trabalho

SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA, EUA E

ALEMANHA ) 17

indicador dessa flexibilidade seria a rotatividade.Em 1991, por exemplo, 28,8% dos assalariadostinham menos de um ano de antigüidade no em-prego, sendo esse percentual de 9,8%, no Japão, e12,8%, na Alemanha, as outras duas potênciaseconômicas.

Ou seja, o mercado de trabalho dos EUA pode sercaracterizado como um espaço em que a dualiza-ção da sociedade está mais correlacionada com otipo de emprego gerado do que com a falta de opor-tunidades de emprego.

À diferença da Espa-nha, as políticas públi-cas de emprego nos EUA

têm uma longa tradição, que remonta à depressãodos anos 30. Em 1933 (Wagner-Peyser Act), o governo de-senha uma estratégia de criação de empregos pormeio de fundos públicos. Essa política, de eviden-te inspiração keynesiana, é complementada em1935 pelas primeiras medidas que deram origemao sistema de seguro-desemprego.

Desde suas origens, o sistema tem uma admi-nistração descentralizada. Essa tendência, ape-nas interrompida no transcurso da SegundaGuerra, é reforçada em 1982 pela emenda Wagner-

Peyser Act, que reforça os poderes estaduais e locais.

Se a implementação e a administração são des-centralizadas, as grandes linhas são estabelecidaspor uma comissão supraministerial de quinzemembros, indicada pelo presidente da República.A National Commission for Employment Policyfoi criada em 1973 e identifica as necessidades eobjetivos em matéria de emprego, norteando aspolíticas e programas de treinamento. Dessa for-ma, os programas de emprego e treinamento estãodispersos entre os diferentes ministérios (Depar-tamentos de Estado), estando, tradicionalmente,concentrados no Departamento de Trabalho e noDepartamento de Educação. Ou seja, nos EUA nãoexiste um órgão federal que concentre, em sua es-

3.2 O Sistema Público de Emprego: Origens eEstrutura

18 SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA,EUA E ALEMANHA)

trutura organizacional , os sistemas de benefíciosaos desempregados, intermediação e formaçãoprofissional. O órgão máximo em nível central é amencionada comissão supraministerial, que de-fine os programas, aloca os recursos entre os es-tados e analisa as principais tendências do mer-cado de trabalho.

Já no âmbito dos estados, os planos são dese-nhados pelos conselhos de coordenação (State JobTraining Coordinating Council). Por último, emnível local, a responsabilidade de adequação dasdiretrizes federais e estaduais corre por conta deconselhos (Private Industry Council), que nu-cleiam representantes do setor privado, das agên-cias públicas locais e da comunidade.

Essa estrutura altamente descentralizada per-mite um fluxo de informações bi-direcional. As-sim, tanto existem diretrizes centrais, que devemser respeitadas, quanto estas podem estar sendoalimentadas pelas necessidades identificadas emnível local.

A origem desse benefíciodata da crise dos anos 30 (Fede-

ral Unemploymente Tax Act, de 1935). O benefício não está associ-ado a nenhum programa de intermediação outreinamento. A obrigação do segurado consisteem confirmar sua situação a cada oito ou quinzedias, por correio, sendo freqüente que o mesmotenha que se apresentar ao escritório.

A cobertura do sistema é a menor entre os paísesda OCDE (exceto a Grécia). Em 1990, por exemplo,só 34% dos desempregados foram beneficiadospelo sistema. A taxa de substituição — relação en-tre o benefício e o último salário, ambos antes dosimpostos — é também uma das mais baixas entreos países da OCDE. No primeiro ano de desemprego,esse percentual foi de 23,7%, só maior que o vigen-te, para esse mesmo ano, na Inglaterra (23%) e na

3.3 O Seguro-Desemprego

SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA, EUA E

ALEMANHA ) 19

Itália (7,3%). A média para os países da Europacontinental era de 52,7%. 13

Uma das manifestações mais nítidas da descen-tralização do sistema nos EUA está nas disposiçõesrelativas ao seguro-desemprego, que variam se-

gundo o estado, a instância quetem o poder de fixar, e o mon-tante do benefício.

A intermediação é uma das principais políticas deemprego nos EUA. Existem 1 800 escritórios esta-duais ligados ao sistema nacional de informa-ções, que coletam e põem à disposição do públicoos dados relativos à oferta e à demanda de mão-de-obra.

Os demandantes de emprego podem, nos escri-tórios locais, acessar diretamente o sistema, queestá sob responsabilidade do Departamento deTrabalho.14

Nos EUA não existe obrigação, por parte das fir-mas, de comunicar as vagas aos escritórios deemprego. Por outra parte, as agências de coloca-ção com fins de lucro estão autorizadas.

Os programas públicos deformação, treinamento e re-

ciclagem dos EUA visam, fundamentalmente, atin-gir as populações vulneráveis (mulheres, vetera-nos de guerra, maiores de 22 anos com renda fa-

13 Essa baixa cobertura e a reduzida taxa de substituiçãono sistema são muitas vezes assinaladas como variáveisque ajudam a explicar a baixa taxa de desemprego nosEUA. A ausência de um amplo sistema de proteção social in-duziria o desempregado a ser menos exigente em termos de em-prego, aceitando rapidamente as ofertas disponíveis.Contrariamente, na Europa, dada a amplitude de seu Welfa-re-State, o desempregado poderia permanecer mais temponessa situação. Entre 1980 e 1986, a metade dos desem-pregados aceitou empregos com remunerações inferio-res às percebidas anteriormente, e dois terços aceitaramuma redução do salário superior a 20%. Sobre o pontover Sibille (1990).

14 O sistema também pode ser acessado via Internet((HTTP://WWW.AJB.DNI.US).

3.4 A Intermediação

3.5 A Formação Profissional

20 SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA,EUA E ALEMANHA)

miliar abaixo da linha de pobreza, etc.); ou seja,essa política está altamente focalizada — atingia,no início dos anos 90, 0,7% da população ativa edemandava 0,10% do PIB.

Essa falta de importância da formação profis-sional na alocação de recursos origina-se, talvez,na própria forma de funcionamento do mercadode trabalho. Como o tipo de flexibilidade do mer-cado de trabalho é capaz de gerar empregos, aindaque sejam de baixa qualidade, as necessidades dequalificação não são tão evidentes como no casoeuropeu, em que o fato de não se ter a qualificaçãonecessária para ocupar as vagas de qualidade cri-adas tem como custo o desemprego aberto. Os da-dos sugerem a plausibilidade dessa explicação.Em pesquisa realizada nos EUA e na Alemanha, adiferença entre os tipos de qualificação requeri-dos para ocupar um posto é evidente. Nos EUA, só55,8% dos empregados requereram algum tipo dequalificação para ocupar o atual posto de traba-lho. Na Alemanha, esse percentual foi de 94,2%.Nos EUA, depois de 12 anos do término do segundograu, só 35% dos que não foram para a universi-dade receberam algum tipo de qualificação outreinamento. Na Alemanha, 82% dos estudantesque, tendo acabado o segundo grau, nunca chega-ram à universidade, tiveram algum tipo de di-ploma de aprendiz ou formação profissional [OCDE

(1994)].

4 ALEMANHA

A economia alemã quesurge no pós-guerra temsido considerada, junto

com os EUA e o Japão, um model no cenário internaci-onal. Distante da tradição liberal dos países anglo-saxões e diferenciando-se dos asiáticos, o modeloalemão pode ser assinalado como uma caricatura quesintetiza o projeto social-democrata da Europa

4.1 Uma Breve Caracterizaçãodo Mercado de Trabalho

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continental. Na realidade, a Alemanha pode serconsiderada uma média entre o radicalismo social-democrata dos países nórdicos e uma práticamais eclética dos países do sul da Europa.

Durante o auge do ciclo de crescimento do pós-guerra, a Alemanha vivenciou uma situação depleno emprego. A escassez de mão-de-obra eracontornada pela migração, tanto do sul da Europaquanto de países subdesenvolvidos como a Tur-quia.15 Ainda depois de esgotado esse ciclo de cres-cimento, as taxas de desemprego, ainda que ele-vando-se, continuaram em patamares baixos, es-pecialmente quando a referência são os países daEuropa. Entre 1980 e 1989, a taxa média anualde desocupação foi de 5,9%, muito inferior à ob-servada, para o mesmo período, na OCDE—Europa(9,2%) e no conjunto da OCDE (7,3%). O percentualde desocupados era, inclusive, menor que aqueleregistrado em países como os EUA, com tradição deapresentar taxas menores que as européias.

Porém, como na maioria dos países do velhocontinente, o desemprego de longa duração erauma característica de seu mercado de trabalho.Nos anos 80, em média, o percentual de desocu-pados nessa situação durante mais de um ano foide 45%, muito superior ao observado nos EUA

(9,1%).16

À diferença de outros países europeus, como aEspanha e a Itália, a taxa de desemprego entre osjovens nunca foi elevada — produto de uma articu-lação muita estreita entre o sistema de ensino e omundo do trabalho.17 Dessa forma, o problema so-cial da Alemanha é produto não de um desempre-go de insersão (de jovens), mas, sim, de um de-

15 O saldo líquido de migrantes foi, nos anos 60 e começodos 70, o mais elevado entre os países da OCDE (excetoAustrália) e situava-se em 7,2 por mil habitantes.

16 Em 1993, o percentual de desempregados de longa dura-ção continuava elevado — 40,3% do total de desemprega-dos.

17 Esse ponto será tratado com mais detalhes na seção 4.4.

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semprego de exclusão (desemprego de longa du-ração de adultos).

As baixas taxas de desemprego, ainda que cres-centes, não eram resultado de uma demanda detrabalho dinâmica (o emprego total ficou quaseestagnado nos anos 70 e 80), mas de um cresci-mento populacional extremamente baixo — emtorno a 0,5% ao ano entre 1970 e 1990.

A dispersão de salários foi baixa — uma carate-rística européia quando o referencial são os EUA. Arelação entre os rendimentos de um trabalhador atempo integral do nono decil e os de um trabalha-dor do primeiro decil era de 2,52 (1990), muitoinferior ao verificado nos países anglo-saxões(3,21, na Inglaterra, e 5,55, nos EUA). A taxa desindicalização (32,9%, em 1990) não era muitoelevada quando a referência são os países nórdi-cos, porém era o dobro da norte-americana.

Essas características do mercado de trabalho,que o distanciam do mercado flexível dos EUA, ti-nham como conseqüência menor taxa de rotati-vidade. Em 1991, por exemplo, só 12,8% do totalde empregados tinha menos de um ano de anti-güidade no serviço, sendo esse percentual de28,8% nos EUA. A Alemanha (10,4 anos, em 1990)é superada só pelo Japão (10,9 anos nesse mesmoperíodo) em termos de anos médios no mesmoemprego. Nos países anglo-saxões, em que o mer-cado de trabalho é menos regulamentado e tam-bém é menor a presença de sindicatos, os anosmédios de permanência no posto de trabalho é ni-tidamente menor.18 Essa baixa rotatividade é mui-tas vezes mencionada como tendo importantes re-flexos sobre o crescimento da produtividade. Re-lações capital—trabalho mais estáveis e duradou-ras resultariam em ganhos de produtividademaiores que aqueles obtidos em circunstânciasem que o preponderante na determinação de pre-ços e salários é o mercado. No auge do ciclo de

18 EUA: 6,7 anos; Austrália: 6,8 anos; Canadá: 7,8 anos; e In-glaterra: 7,9 anos.

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crescimento do pós-guerra (1960—68), o cresci-mento médio anual da produtividade do trabalhofoi de 4,1%, na Alemanha, e 2,6%, nos EUA. Esse di-ferencial conserva-se até hoje.

Dessa forma, os dados sugerem que o mercadode trabalho alemão pode ser colocado, com todasas suas especificidades, como uma caricatura dasformas de regulação na Europa continental, comtodos os seus benefícios e custos.

À diferença dos EUA, emque políticas públicas deemprego de grande esca-

la só mereceram atenção nos anos 30, ou da Es-panha, em que surgem com a crise e transiçãodemocrática a partir da segunda metade dos anos70, as primeiras ações na Alemanha têm como re-ferência a política social de Bismarck, na segundametade do século passado. Bases jurídicas de polí-ticas de emprego e assistência financeira ao tra-balhador desempregado vão-se consolidando nes-te século. A Lei de Fomento do Trabalho e do Se-guro-Desemprego (AVAVG) data de 16 de julho de1927. Posteriormente, em 1952, foi estabelecido oAct for the Establishment of a Bundesanstalt for Placement and Unemployment Insurance,com vistas a consolidar o sistema de assistênciaaos trabalhadores desempregados, aconselha-mento vocacional e alocação/insersão empregatí-cia.

Apesar desses antecedentes, as modernas polí-ticas voltadas para o mercado de trabalho sãoconsolidadas nos anos 60, especialmente pela Leido Fomento do Trabalho (LFT). Esta estabelecenormas para a formação profissional, a partici-pação dos assalariados nos centros de formação, aproteção contra o desemprego, etc.

A administração desse sistema institucionali-zou-se em 1969, com a criação do Instituto Fede-ral do Trabalho (Bundesanstalt fur Arbeit), comsede em Nurembergue. Além do gerenciamento doseguro, o instituto administra a intermediação e

4.2 Aspectos Institucionais doSistema Público de Emprego

24 SISTEMAS PÚBLICOS DE EMPREGO: A EXPERIÊNCIA DE TRÊS PAÍSES DA OCDE (ESPANHA,EUA E ALEMANHA)

formação profissional. O gerenciamento é reali-zado pelas Sel-Governing Bodies, comissões in-dependentes e tripartites (um terço de represen-tantes de trabalhadores, empregadores e institui-ções públicas). A capilaridade e descentralizaçãona administração é lograda por meio de onze es-critórios regionais de emprego, 184 escritórioslocais e 647 agências distritais.

A linha estratégica é desenhada pelo corpo degovernadores (Board of Governors), sendo defi-nida centralmente, enquanto o Executive Boardimplementa essas diretrizes.

O instituto dispõe de seu próprio orçamento, queé preparado pelo corpo executivo, mas deve seraprovado pelo Board of Governors e referendado, em últi-ma instância, pelo governo federal. As tarefas deaconselhamento vocacional, treinamento, assis-tência ao desempregado, serviços médicos e psico-lógicos, etc. são operacionalizadas pelas agênciaslocais.

A administração do sistema público de empregodemanda pouco mais de 0,20% do PIB. O númerode funcionários desse sistema por desempregadoera, em 1992, de 39, um patamar levemente infe-rior ao apresentado pelos países nórdicos, comoSuécia, e Holanda, mas muito superior aos do res-to da Europa.

O sistema de assistência aotrabalhador desempregado,

regulamentado pela LFT, está constituído por doissubsistemas. O primeiro pode ser caracterizadocomo um seguro (Unemployment Benefit), dado que requerum tempo mínimo de contribuição ao Fundo deSeguridade Social.

A taxa de substituição — relação entre o montan-te de benefício e o salário anterior, ambos antesdos impostos — é uma das mais baixas da Europa:38,3% no primeiro ano, ante uma média de 52,7%

4.3 O Seguro-Desemprego

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na União Européia.19 Antes de completar um ano,não existe nenhuma programação de entrevistasdetalhadas com o desempregado com vistas a ofe-recer-lhe, ou obrigá-lo a realizar, cursos de for-mação.

O financiamento do programa é realizado porcontribuições compulsórias de empregados e em-pregadores, e é facultado ao governo federal alte-rar as alíquotas de contribuição em função daconjuntura. Essas contribuições alimentam oFundo de Seguros, que é administrado pelo Insti-tuto do Trabalho.

Paralelamente a esse subsistema de seguro,existe o Unemployment Assistence, financiado com recursosorçamentários, que provê assistência social apessoas atingidas pelo desemprego, mas que nãotêm direito ao seguro.

No âmbito das políticas direcionadas ao merca-do de trabalho, a assistência financeira ao traba-lhador desempregado verifica a maior participa-ção, chegando a mais de 1% do PIB.

A intermediação na Alemanha éexecutada pelo Job Conselling

Service, serviço típico de aconselhamento, e peloJob Placement Service, serviço de colocação.

O estoque médio de vagas no serviço público deemprego por desempregado foi, nos anos 80, de0,10, inferior ao patamar apresentado pelos paí-ses nórdicos, mas superior ao do resto da Europa.Porém, apesar de essa disponibilidade de vagaspor desocupado ser irrisória, a importância doserviço público de emprego alemão como alterna-tiva de procurar ocupação parece ser elevada. Dototal dos desempregados, em 1991, 47,4% só pro-curava um novo emprego por intermédio das

19 Na Espanha e na Alemanha, à diferença dos EUA, os bene-fícios do seguro-desemprego não estão sujeitos à taxaçãopelo imposto de renda.

4.4 Intermediação

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agências, um percentual elevadíssimo quandocomparado ao do restante dos países da OCDE.20

Na Alemanha, as firmas não têm obrigação decomunicar às agências de emprego suas vagas, eas agências privadas somente estão autorizadaspara pessoal temporário.

No caso alemão, as políticaspúblicas de formação pro-

fissional podem não ser, como talvez também nãosejam no Japão, um bom indicador do sistema deformação. Essa falta de representatividade podeser sintetizada pelos recursos públicos que sãoalocados a esse fim ( só 0,6% do PIB em 1992), umpercentual que, intuitivamente, não parece refle-tir uma economia que se distingue, no cenário in-ternacional, pela sua competitividade em produ-tos de alta tecnologia. Porém, a participação daforça de trabalho em programas de formação pro-fissional está entre as mais elevadas da Europa(3,3%, em 1992, percentual só superado pela Di-namarca (6,6%), Suécia (4,6%), e Portugal(6,2%).

Em realidade, o sistema de educação/formaçãodos recursos humanos na Alemanha deve ser si-tuado na estreita articulação entre o sistema esco-lar tradicional, as escolas técnicas e a importân-cia da firma na formação.

Ainda que o ensino técnico na empresa date dosgrêmios da Idade Média, no presente século, coma crescente industralização, as escolas profissio-nais tornaram-se obrigatórias mediante ato legis-lativo em 1938. Apesar desses antecendentes, amoderna formação profissional só foi normati-zada nos anos 60, criando-se o sistema denomi-nado de dual. Sinteticamente, consiste em um sis-tema que integra estabelecimento escolar e em-

20 Na Bélgica, esse percentual foi de 12,3%; na França, de17,3%; na Holanda, de 1,3%. Devemos salientar que es-tamos nos referindo aos desocupados que procuram em-prego somente por meio das agências oficiais.

4.5 A Formação Profissional

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presa, em alternância. Na medida em que estánormatizado, as próprias firmas podem outorgardiplomas e certificados, que são reconhecidos nomercado como sinalizadores de conhecimentos ehabilidades. Isso permite, entre outras coisas, quea transição entre o sistema escolar e o mundo dotrabalho seja realizada sem traumas, fato que é refletidonas baixas taxas de desemprego entre os jovensna Alemanha. Quando essa articulação sistemaescolar/empresa não é verificada, os custos sãoelevadas taxas de desemprego entre jovens, mes-mo entre os que possuem elevado grau de escola-ridade (como na Espanha e Itália).

Dessa forma, o sistema de formação na Alema-nha não pode ser reduzido aos cursos realizadospelas agências públicas. A formação e a recicla-gem nas firmas são tão importantes para enten-der o sistema alemão, que Lembert (1988) chega aafirmar que a “empresa privada é a escola profis-sional da nação”.

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5 COMENTÁRIOS FINAIS

Os capítulos anteriores evidenciaram os dife-rentes marcos institucionais que podem adquiriros sistemas públicos de emprego nacionais. Pou-cos são os denominadores comuns.

Os primeiros a serem mencionados são a des-centralização nas ações de intermediação e reci-clagem e uma gestão marcada pela presença de re-presentantes da sociedade civil (especialmente deempregados e empregadores).

A segunda tendência que permeia os três paísesanalisados é a muito tênue associação entre bene-fícios financeiros aos desempregados e as exi-gências em termos de formas e intermediação.Essas exigências são perceptíveis somente quan-do o desempregado deixa o seguro propriamentedito e ingressa no sistema de assistência.

As diferenciações surgem de tradições históri-cas, das escolhas políticas recentes e dos proble-mas que devem ser enfrentados no próprio mer-cado de trabalho.

Entre as tradições históricas, podemos mencio-nar a tendência à maior ou menor regulamenta-ção. Um país como os EUA tende a privilegiar a in-termediação, talvez como manifestação de suasingular confiança nas forças do mercado. Aformação tende a ser muito focalizada nos gruposvulneráveis. Na Alemanha, contrariamente, apresença do Estado é mais marcante. Em 1992,por exemplo, os gastos em políticas de empregopor pessoa desempregada foram de US$ 4 583, ede US$ 898 nos EUA.

Em termos de escolha política recente, observa-se que o desemprego tende a merecer maior im-portância nos orçamentos públicos naqueles paí-ses em que a liberalização não foi assumida comoo eixo da estratégia excludente para combater odesemprego. Nos EUA, por exemplo, os gastos porpessoa desempregada caíram de U$S 1 333, em1987, para os mencionados U$S 898, em 1992.

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Nesse mesmo país, os recursos públicos alocadosà formação profissional caem de 0,12%, um per-centual já muito reduzido se comparado à médiada OCDE, para 0,08% em 1991—92. Contrariamen-te, a Alemanha e a Espanha elevam, significati-vamente, os recursos por pessoa desocupada en-tre 1987 e 1993 (+82,01% e 15,14%, respectiva-mente). Para a formação profissional, os recur-sos públicos passam, na Espanha, de 0,02% do PIB,em 1985, para 0,10%, em 1990. Na Alemanha es-ses percentuais são de 0,20% e 0,38%. Ou seja,nos dois países europeus, o crescimento do de-semprego tende a ser enfrentado com maior am-plitude das políticas de emprego, enquanto em pa-íses como os EUA a aposta é a favor da liberalizaçãoe da perda de importância do sistema público deemprego.

Porém, apesar dessas diferenças, os dados su-gerem que, ainda com a expansão das políticasvoltadas para o mercado de trabalho, os serviçospúblicos de emprego, em qualquer dos cenáriosestudados, atinge um papel marginal na presençado desemprego de grandes proporções. A possibi-lidade de intermediar e formar é limitada quandoo objetivo é combater taxas de desemprego em pa-tamares superiores a 20%, como na Espanha, oumesmo de 10%, como hoje na Alemanha. A ofertade vagas oferecidas é reduzida, porque, em últimainstância, essa oferta vai depender do desempe-nho macroeconômico. Não é possível imaginarum sensível impacto da intermediação quando,no caso da Espanha, as vagas por desempregadono serviço público é de 0,01.

As mesmas considerações poderiam realizar-secom respeito à formação. A Espanha, com mais de20% de sua força de trabalho desempregada, che-ga a atingir, com seus cursos de formação profis-sional, pouco mais de 1% de sua população econo-micamente ativa. Ou seja, ainda que efetiva, essapolítica, pela magnitude do desemprego, só podeter um impacto marginal.

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Por outra parte, à medida que as taxas de de-semprego se elevam, os recursos dos sistemas deemprego, que podem ser direcionados a políticasativas (criação de postos de trabalho, formaçãoprofissional, intermediação, etc.), reduzem-se.Em 1992, na Espanha, a relação entre os recursosalocados a políticas ativas e passivas foi de 0,14%,enquanto na Alemanha essa relação foi de 0,47%.Obviamente, os graus de liberdade na alocação derecursos estão limitados pelo desempenho domercado de trabalho. Na Espanha, dados os per-centuais de sua força de trabalho desocupada, aimportância das políticas passivas vai ser muitomaior que em países como a Alemanha, indepen-dentemente dos desejos dos gestores de política.

Assim, os dados sugerem que, à margem das es-pecificidades nacionais, em qualquer dos casos ossistemas públicos de emprego podem e devemajudar a enfrentar o desafio do desemprego, mas édifícil imaginar que será a partir desses arcabou-ços institucionais, cujo âmbito de atuação é omercado de trabalho, que o desemprego contem-porâneo poderá ser superado.

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