síntese histórica da imprensa moçambicana: tentativa de interpretação

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  • 8/9/2019 Sntese histrica da imprensa moambicana: Tentativa de interpretao

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    ComunicaoXXXII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Curitiba, PR 4 a 7 de

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    Sntese histrica da imprensa moambicana: Tentativa de interpretao1

    Antonio HOHLFELDT2

    James Machado dos SANTOS3

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RGS

    Resumo

    O presente trabalho d seqncia pesquisa iniciada no estgio ps-doutoral, em 2008,

    na Universidade Fernando Pessoa/Biblioteca Pblica Municipal, da cidade do Porto,

    Portugal. Trata-se de buscar reconstituir a histria da chamada imprensa colonial

    portuguesa, constituda por uma histria da imprensa colonial e uma histria comparada

    da imprensa luso-brasileira. Em artigos anteriores, abordou-se um panorama geral e a

    bibliografia disponvel. Posteriormente, estudou-se um jornal, especificamente. Este

    paper faz uma sntese histrica da imprensa de Moambique. Depois de se fazer um

    panorama da histria das conquistas portuguesas do ultramar e da chegada dos

    portugueses a Moambique, desdobra-se a sntese histrica da imprensa moambicana.

    Conclui-se o estudo com uma sntese de caractersticas dessa imprensa, destacando-se

    algumas figuras de jornalistas e alguns dos peridicos editados.

    Palavras-chave: Histria da imprensa; Imprensa em Portugal; Histria de

    Moambique; Histria da imprensa de Moambique; Teoria do Jornalismo.

    Uma histria necessria

    Em 1894, convidado a representar Portugal no 1 Congresso

    Internacional da Imprensa, em Anvers, Blgica, o decano dos jornalistas portugueses,

    Brito Aranha, apresentou um Rapport de la section portugaise que fazia o primeiro

    levantamento moderno e ampliado da imprensa portuguesa, a compreendida a chamada

    imprensa colonial, isto , aquela publicada em idioma portugus, nas ento colnias de

    1 Trabalho apresentado no GP de Histria do Jornalismo do IX Encontro de Grupos de Pesquisa emComunicao, evento componente do XXXII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao,Curitiba, Universidade Positivo. 4 a 7 de setembro de 2009.2 Ps-Doutor pela Universidade Fernando Pessoa, Porto. 2008; Presidente da INTERCOM; pesquisadordo CNPq, email: [email protected] Mestrando do Programa de Ps-Graduao da PUCRS, email:[email protected]

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    Portugal do Ultramar, como se costumava dizer ento4. Escrevia ele: A imprensa o

    elemento civilizador por excelncia e reconhecido que de sua influncia dependem

    benefcios incalculveis5. Quase um sculo depois, o historiador que, neste momento,

    apresenta o estudo mais completo e mais amplo a respeito da histria da imprensa em

    Moambique, de que vamos nos ocupar neste artigo, voltava a insistir sobre a

    importncia desta instituio.

    Para alm das datas, dos nomes e dos ttulos a que no se pode fugir, htoda uma vida que o territrio viveu a vida social do agregado, etambm a vida privada, mesquinha ou grandiosa, dos homens desseagregado (...) a imprensa continua ser a porta do maior espetculo doMundo o espetculo dos homens6.

    O mesmo autor, em obra posterior, voltava ao tema, mais explicitamente,

    reconhecendo que a imprensa o retrato de toda uma sociedade7.

    Alis, admirvel ler-se o que, na poca, o Governador Geral da

    Provncia de Moambique, Vasco Guedes de Carvalho e Menezes, escreveu, em 1854,

    quando do lanamento do Boletim do Governo da Provncia de Moambique: A

    Imprensa um dos melhores inventos do esprito humano. Ella tem prestado os mais

    importantes servios ao Commercio, indstria, aos interesses, e civilisao duma

    grande parte dos povos do universo8.

    Se, ao final do sculo XIX, e ao longo do sculo XX, foi este o

    pensamento, no ocorreu o mesmo ao longo daquele sculo XIX, quando esta imprensa

    nasceu. Se a histria da imprensa em Moambique a mais recente, mesmo em relao

    s demais colnias, como veremos logo adiante, ela das mais produtivas, tanto

    quantitativa quanto qualitativamente. Contudo, como referem todos os principais

    pesquisadores, h uma enorme dificuldade para se poder reconstituir essa histria.

    Como disse Ildio Rocha, faltou quem colecionasse e guardasse os jornais; e, sobretudo,

    inexistiu lugar onde se pudesse mant-los. Diz este ltimo:

    4 HOHLFELDT, Antonio Imprensa das colnias de expresso portuguesa: Primeira aproximao,

    comunicao apresentada ao XXXI Congresso Brasileiro de Cincias Interdisciplinares da Comunicao,Universidade Federal do Rio Grande do Norte/INTERCOM, Natal. Setembro de 2008.5 ARANHA, Pedro Wenceslau Brito Rapporte la section portugaise au 1er. Congrs International de laPresse, Lisboa, Imprimrie Universelle. 1894, p. 7.6 ROCHA, Ildio Contribuio para a histria da imprensa em Moambique , Loureno Marques,CODAM. 1973, p. 2.7 ROCHA, Ildio A imprensa em Moambique, Lisboa, Livros do Brasil. 2000, p. 16.8 CARVALHO E MENEZES, Vasco Guedes Apresentao do Boletim do Governo da Provncia doMoambique, transcrito por DIAS, Raul Neves A imprensa peridica em Moambique 1854 1954(Subsdios para a sua histria), Loureno Marques, Imprensa Nacional. 1957. Manteve-se a grafia dapoca.

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    O primeiro [obstculo] o de no existirem em Portugal [nem emMoambique] colecionadores de jornais no h a tradio nem a taltipo de papel impresso se d grande importncia. O segundo [obstculo]e no menor, os sucessivos ataques polticos, castrenses, religiosos oumuito simplesmente policiais s redaes e aos seus produtos, comempastelamentos, atentados, apreenses, fogueiras, prises e tudo omais de que a represso capaz, que fizeram desaparecer tiragensinteiras, quanto no todos os nmeros de vrios jornais9.

    Assim, as dificuldades para reconstruir esta histria so enormes, ainda

    que gradualmente a tarefa venha sendo concretizada, conforme levantamento que Raul

    Neves Dias realizou: se Brito Aranha foi o pioneiro, e sua lista apresentou apenas 4

    ttulos: Boletim da Companhia de Moambique; Boletim Oficional do Governo da

    Provncia de Moambique (40 ano de publicao); Clamor africano (3 ano de

    publicao tratava-se de um jornal que substitua um outro, O Brado africano, ento

    suspenso, num procedimento que analisamos mais adiante, tpico da imprensa colonial);

    Correio da Beira (2 ano de publicao)10, outros autores conseguiram, gradativamente,

    descobrir novos ttulos e estabelecer novos dados e segurana sobre informaes

    descobertas. Assim foi com Sousa Ribeiro, que nos anos de 1908, 1917 e 1940 produziu

    diferentes edies de umAnurio: comeou com 29 ttulos e chegou a 80, atualizando e

    corrigindo constantemente seus dados. Antnio dos Santos Figueiredo, que escreveu

    monografia a ser apresentada Exposio Colonial do Porto, em 1934, e de que tenho

    um exemplar11, cita 9 jornais que, naquele momento, editavam-se na provncia, e mais

    os dois que haviam iniciado aquela histria, ainda no sculo XIX, num total, portanto,

    de onze peridicos. Rocha Martins, de seu lado, identificou pouco menos de uma

    vintena, e Mrio Costa lembrou cerca de 120 publicaes. Filipe Gasto de Almeida de

    Ea, alm de tambm recuperar diferentes peridicos, preocupou-se em definir qual

    teria sido efetivamente a primeira publicao no-oficial da Provncia, estudando ttulos

    como O clamor militar, que estabeleceu como tendo sido definitivamente editado no

    Porto e no na frica; O baluarte, de que se tem notcias, mas do qual jamais se viu

    qualquer exemplar; e O progresso, de que ele descobriu um exemplar da primeira

    edio, datada de 9 de abril de 1868, hebdomadrio religioso, instructivo, commercial

    9 ROCHA, Ildio A imprensa de Moambique, op. cit., p. 15.10 ARANHA, Brito Rapporte la section portugaise au 1er. Congrs International de la Presse, Lisboa,Imprimrie Universelle. 1894, ps. 44/45.11 FIGUEIREDO. Antnio dos Santos Colnia de Moambique A vida social, Loureno Marques,Imprensa Nacional de Moambique. 1934.

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    e agrcola, a cargo de Miguel Augusto dos Santos Severino e Manuel Dias da Silva12.

    Os autores mais contemporneos so justamente os j citados Raul Neves Dias e Ildio

    Rocha, ambos jornalistas e participantes de boa parte desta histria, j nas primeiras

    dcadas do sculo XX, alm de Lus C. Lpi, Joo Alves das Neves e Jos Jlio

    Gonalves, que tm produzido diferentes obras13.

    Esta bibliografia retoma as publicaes a partir de 1854 e vai

    especialmente at 1975, quando a independncia da at ento colnia mudar bastante a

    perspectiva, no apenas da imprensa quanto das comunicaes em geral, em

    Moambique. Alis, Jos Jlio Gonalves j intentara um panorama mais diverso, no

    centralizado apenas na imprensa, ainda que ela seja quantitativamente mais

    significativa, em seu trabalho de que aqui tambm nos valemos14.

    Deve-se acrescentar, como registra Joo Alves das Neves, o fato de que

    pouco se sabe, no Brasil, acerca da imprensa dos jovens pases africanos que falam

    portugus: Cabo Verde, Guin-Bissau, So Tom e Prncipe, Angola e Moambique [,

    Macau e Goa]15. Por isso, foi importante que, estando o pesquisador no Brasil, fazendo

    estudos de ps-graduao, tenha alcanado propor e realizar o I Encontro Luso-Afro-

    Brasileiro de Jornalismo e Literatura, na Faculdade de Comunicao Social Csper

    Lbero, em So Paulo, em 1984, a que se seguiu um segundo, em 198716. Infelizmente,

    o projeto no teve continuidade, com o retorno do pesquisador a Portugal. Pretendemos

    estar retomando a idia com este conjunto de estudos que iniciamos a publicar em

    200817.

    12 Referncias em DIAS, Raul Neves A imprensa peridica em Moambique, op. cit., p. 13 e ss., emespecial, sobre O Progresso, p. 49 e ss.13 Ver referncia geral a este bibliografia em HOHLFELDT, Antonio A imprensa das colnias deexpresso portuguesa: Principal bibliografia, 6 Encontro Anual da SBPJor, UNIPI, So Paulo. 2008.14 GONALVES, Jos Jlio A informao em Moambique (Contribuio para o seu estudo), Lisboa,Instituto Superior de Cincias Sociais e Poltica Ultramarina. 1965.

    15 NEVES, Joo Alves Histria breve da imprensa de lngua portuguesa no mundo, Lisboa, DirecoGeral da Comunicao Social. 1989, p. 155.16 NEVES, Joo Alves Histria breve da imprensa de lngua portuguesa no mundo, idem, ibidem, ps.157 a 160.17 Graas bolsa de Estgio Ps-Doutoral concedida pela CAPES, no primeiro semestre de 2008,permaneci na cidade do Porto, em Portugal, junto Universidade Fernando Pessoa, sob a orientao doprof. Dr. Salvato Trigo. Pude pesquisar, ento, as colees de jornais da chamada imprensa colonialportuguesa que se encontram, por fora de lei, depositados no acervo da Biblioteca Pblica Municipal doPorto, de quem recebi gentilmente o apoio para a pesquisa. Assim, este estudo d continuao srie deensaios que venho publicando a respeito de tal tema, com nfase especial, no momento, imprensa deMoambique, por ser, como se disse, quantitativa e qualitativamente a mais significativa.

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    Descoberta e ocupao de Moambique

    Segundo alguns historiadores, o projeto de expanso ultramarina

    portugus nasce da responsabilidade comum da Cruzada em que se encontravam

    envolvidas todas as naes da Pennsula [Ibrica], visto que todas dela haviam nascido e

    todas continuavam a considerar a luta contra os mouros como o objetivo fundamental da

    sua existncia18. Assim, Portugal, depois de expulsar os mouros da Pennsula e

    constituir-se em nao autnoma, manteve sua mobilizao. Desenvolvida a marinha

    real e particular, criavam-se as geraes de marinheiros que permitiriam depois os

    primeiros arrojos pelo oceano fora19. Depois da avanada sobre Ceuta, o esforo

    portugus se ampliou e, ao longo de diferentes reinados, prosseguiu e, enfim,

    concretizou-se nas descobertas de territrios africanos, asiticos e sul-americanos. O

    Infanta Dom Henrique teve importante papel neste processo. E seus seguidores deram

    continuidade a seus projetos. Assim, j no incio do sculo XV, os portugueses

    chegavam s Canrias e, a partir da, atingiam as costas africanas. Por isso mesmo, ser

    preciso aceitar que, entretanto, se realizou, impulsionado pelo Infante, um

    extraordinrio esforo de adaptao das condies e dos processos de navegao, para

    que fosse possvel viajar pelo mar alto20. A partir de 1458, o movimento em busca da

    frica incrementado. Em agosto de 1486, Bartolomeu Dias chega ao Cabo das

    Tormentas, mais tarde batizado como Cabo da Boa Esperana (atual Cidade do Cabo),

    que Vasco da Gama dobrar, avanando pelo Oceano ndico, chegando Ilha de

    Moambique a 1 de maro de 149821. Moambique vai se tornar praa importante para

    Portugal, eis que dali partia-se para a explorao da Madagascar e de toda a costa da

    frica, como se partira de Goa e de Mlaca para a explorao da costa asitica22.

    Fernando de Castro Brando23 publicou obra exemplar a respeito das

    conquistas portuguesas, de onde destacamos alguns dados sobre Moambique. O

    primeiro contato dos portugueses com o atual territrio de Moambique ocorreu no dia

    12 de janeiro de 1498, quando Vasco da Gama chega com sua frota regio do

    Inharrime, ao sul do territrio, avanando pelo rio Quelimane, um pouco mais acima e,

    18 MRIAS, Manuel Histria breve da colonizao portuguesa, Lisboa, tica.1940, p. 5.19 MRIAS, Manuel Histria breve da colonizao portuguesa, op. cit., p. 8.20 MRIAS, Manuel Histria breve da colonizao portuguesa, idem, ibidem, p. 22.21 MRIAS, Manuel Histria breve da colonizao portuguesa, idem, ibidem, ps. 53 e 54.22 MRIAS, Manuel Histria breve da coloinizao portuguesa, idem, ibidem, p. 87.23 BRANDO, Fernando de Castro Histria da expanso portuguesa 1367 1580 Uma cronologia,Europress, Odivelas. 1995.

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    enfim, atingindo a Ilha de Moambique. Em 1502, cria-se a feitoria de Moambique,

    naquela ilha, a que se seguir a criao de outra feitoria, em 1505, j no interior do

    territrio, na regio de Sofala que ser, a partir de ento, o centro de colonizao

    portuguesa da regio, sobretudo porque ali se espera encontrar grandes quantidades de

    ouro. A partir de 1511, o degredado Antnio Fernandes vai desdobrar uma srie de

    expedies em torno daquela regio, ao longo do Monomotapa24, cujos reis, nos sculos

    seguintes, depois de firmarem as pazes com os portugueses, vo desenvolver constantes

    ataques aos colonizadores, sobretudo ao longo dos sculos XVIII e XIX.

    Alis, nesta regio que o sacerdote Gonalo da Silveira, em 1561,

    tentando catequizar e batizar os nativos, terminou sendo assassinado25. Atravs de

    diferentes movimentos, os portugueses vo ocupando o territrio, desbravando-o mas

    no necessariamente o explorando economicamente.

    importante citar-se que, na origem, esta regio africana era ocupada por

    pigmeus. Em constantes migraes da sia, chegam quela costa oriental os

    bosqumanos, que com eles se miscigenam, em torno dos sculos III e II a.C. 26. Quando

    os portugueses atingem regio, no sculo XV, a maior parte dela est ocupada por

    bantus, resultantes de toda aquela miscigenao. Boa parte da populao tem inclusive a

    influncia rabe, graas presena islamita, iniciada em torno do ano 100027.

    A expanso da presena portuguesa foi rpida, mas a decadncia tambm

    veio ligeiro, e a partir do sculo XVII, mas especialmente ao longo do sculo XVIII,

    graas corrupo, sobretudo, crise na regio do Monomotapa e chegada de outros

    grupos estrangeiros europeus, como holandeses, franceses e ingleses, Portugal comeou

    a perder terreno. Tudo o que os portugueses que l se encontravam queriam riquezas e

    roubo, gerando extrema imoralidade28. Ao mesmo tempo, Portugal fortemente

    pressionado por esses governos, que vo ocupando o territrio a partir de diferentes

    24 Toda esta regio, rica em ouro, foi considerada por cronistas da poca como a bblica Ofir, mencionada

    por Salomo e que, justamente pela sua produo aurfera, havia despertado o interesse dos rabes, que adominaram, ainda ao tempo da decadncia do Imprio Romano.25 VIEIRA, A. da E. Santos Colnia de Moambique Histria da expanso do domnio portugus,Loureno Marques, Imprensa Nacional de Moambique. 1934, p. 10 e ss.26 VIEIRA, A. da E. Santos - Colnia de Moambique Histria da expanso do domnio portugus,Loureno Marques, Imprensa Nacional de Moambique. 1934, p. 10 e ss.27 GONALVES, Jos Jlio A informao em Moambique (Contribuio para o seu estudo), op. cit.,p. 22.28 VIEIRA, A. da E. Santos - Colnia de Moambique Histria da expanso do domnio portugus,Loureno Marques, Imprensa Nacional de Moambique. 1934, p. 23 e ss.

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    pontos. As crises de agravam: em 1894, na regio prxima atual cidade de Loureno

    Marques, ocorre uma grande rebelio liderada por um chefe nativo, Gungunhana, que

    vai ser derrotado e preso por Mousinho de Albuquerque, posteriormente enviado a

    Portugal e exilado nos Aores. Mas mesmo com sua morte, a rebelio prossegue. De

    outro lado, Alemanha e Inglaterra vo-se apossando crescentemente de antigos

    territrios pretendidos pelos portugueses. Portugal obrigado a assinar acordos com a

    Alemanha, em 1886, fixando novas fronteiras ao norte. E em seguida, pressionado por

    Cecil Rhodes, representando a Inglaterra, firma outro acordo em 1890, que elimina por

    completo o antigo sonho de ligar os territrios de Angola e Moambique, formando o

    chamado mapa cor-de-rosa africano29. S no incio do sculo XX exploradores

    portugueses vo tentar seguir o modelo ingls de David Livingstone e atingir a regio

    do Niassa, ao norte, o que, alis, vai garantir a Portugal algumas vitrias em arbitragens

    internacionais. Os projetos portugueses haviam se desenvolvido, no passado, graas ao

    Conselho Ultramarino30. Na modernidade, foi o surgimento da Sociedade de Geografia

    de Lisboa, ao final do sculo XIX, que passou a pressionar o governo portugus para

    que a falta de continuidade dos projetos africanos no provocasse a total derrocada de

    Portugal naquele continente. A ecloso da I Grande Guerra ajudou esses planos, e

    Portugal pode consolidar seus espaos coloniais. A ascenso de Antonio de Oliveira

    Salazar, aps 1926, quando ele se torna Ministro das Colnias e faz aprovar,

    sucessivamente o Ato Colonial, depois integrado Constituio portuguesa do Estado

    Novo; a Carta Orgnica das Colnias e a Reforma Administrativa Ultramarina em que

    pesem as imensas crticas que recebeu nas prprias colnias, no apenas pela maneira

    aodada com que se procederam as votaes, sem qualquer tempo para debates, quanto

    pelos conceitos que ali se apresentavam, teve como conseqncia principal, de qualquer

    modo, a plena retomada de alguns territrios moambicanos por parte do governo

    portugus. Refiro-nos, especialmente, regio do Niassa, entregue a uma companhia

    majesttica desde o sculo XIX e que retorna autonomia da administrao

    exclusivamente portuguesa a partir de 1933, e a regio de Sofala e Manica, que a partir

    29 VIEIRA, A. da E. Santos - VIEIRA, A. da E. Santos - Colnia de Moambique Histria da expansodo domnio portugus, Loureno Marques, Imprensa Nacional de Moambique. 1934, p. 23 e ss., ps. 43,48 e 50. Ver, tambm, MRIAS, Manuel Histria breve da colonizao portuguesa, op. cit., p. 143.30 VIEIRA, A. da E. Santos - VIEIRA, A. da E. Santos - Colnia de Moambique Histria da expansodo domnio portugus, Loureno Marques, Imprensa Nacional de Moambique. 1934, p. 23 e ss., ps. 127e 128.

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    de 1942 retomada plenamente por Portugal. Se levarmos em conta que essas

    administraes que provocavam as maiores reaes dos moradores das colnias, quer

    por seus pssimos servios, quer pela maneira autoritria com que agiam, conforme a

    farta documentao que encontramos nos jornais pesquisados, pode-se bem

    compreender o sucesso de Salazar com a poltica desenvolvida em face das antigas

    colnias. Marcelo Caetano, que tambm foi Ministro das Colnias, vai inclusive visit-

    las, coisa que nenhum Ministro jamais o fizera. Isso no impediu a ecloso dos

    movimentos independentistas, a partir dos anos 1960, mas por certo amainou,

    parcialmente, as crticas dos coloniais metrpole. Tanto que as independncias s

    ocorreram, de fato, a partir das mudanas polticas sofridas pela prpria metrpole, a

    partir de 1974-1975.

    , portanto, sob interesses contraditrios que a imprensa dever se

    desenvolver neste territrio. importante lembrar que a administrao portuguesa, ao

    contrrio da espanhola, no admitira a imprensa nos domnios de seu imprio. Os

    jesutas, que a haviam levado at a China e a ndia, desde o sculo XVI, tardiamente se

    estabeleceram em terras africanas. E em Goa, mesmo, perderam seus direitos a partir do

    sculo XVIII.

    Primeiros jornais de Moambique

    A invaso francsa de 1808, que culmina na sada da Famlia Real para o

    Brasil e, posteriormente, os movimentos liberais de 1820 e, enfim, a independncia do

    Brasil, em 1822, acabaram produzindo frutos. Em 1836, Portugal decide no apenas

    liberar quanto tornar obrigatria a publicao de um boletim oficial em suas colnias.

    No obstante, Moambique foi das ltimas colnias a receber uma imprensa e a adotar

    tal iniciativa, at porque a metrpole desenvolvia polticas contraditrias, sucedendo-se,

    quele decreto de 1836, inmeros outros, nos anos seguintes, que ao mesmo tempo

    tolhiam e mandavam desenvolver a imprensa nas colnias, dependendo dos humores de

    Lisboa, em tempos polticos muito difceis.

    S em 1799 criou-se uma primeira escola primria para os filhos dos

    colonos31. Provavelmente apenas em 1847 foi organizado o primeiro censo da

    31 GONALVES, Jos Jlio A informao em Moambique (Contribuio para o seu estudo), op. cit.,p. 50.

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    populao moambicana, com muito poucos alfabetizados32. O surgimento da imprensa

    era, independentemente da questo poltica, tal como refere Jos Marques de Melo a

    propsito do Brasil33, dificultado por questes como o referido analfabetismo, as

    barreiras lingsticas, o condicionamento econmico-social, a falta absoluta de

    transportes, o poder aquisitivo da populao, a escassez de publicidade que viabilizasse

    economicamente um empreendimento, e, claro, a censura, se no diretamente das

    autoridades metropolitanas, com toda a certeza das autoridades locais, fossem aquelas

    formalmente empossadas, como um Governador Geral, fossem aquelas de planto,

    como juzes, delegados de polcia e at os mais simples administradores civis ou

    militares que se sentissem eventualmente incomodados por alguma coisa que se

    publicasse em qualquer jornal.

    Assim, portanto, evidente que as tiragens seriam mnimas34, ainda que

    muitos jornais fossem inclusive bilnges, dependendo da regio em que se

    publicassem, sendo impressos em portugus e ingls, ou mesmo em portugus e algum

    idioma nativo35. Houve, contudo, alguns acontecimentos significativos, que

    contriburam para o desenvolvimento das colnias em geral, e para Moambique, em

    especial. Das iniciativas gerais, pode-se citar a criao do Banco Nacional Ultramarino

    que, apesar do nome, no estava constitudo de capitais portugueses, mas sim,

    ingleses36. Tambm foi importante o final da escravido em Portugal e nas colnias,

    alis, muito antes de o mesmo ocorrer no Brasil37. A criao de um servio de correios

    bi-semanal, entre Inhambane e Loureno Marques, que levava de quinze a vinte dias

    para cumprir seu trajeto38, e que na maioria das vezes atrasava (basta ler os jornais da

    poca), quando no perdia ou demorava ainda mais do que o normal a entrega dos

    jornais que eventualmente criticassem seus servios, foi, de qualquer modo, outro

    avano. Bem ou mal, Moambique ganhava foros europeus e civilizados: em 31 de

    maio de 1885, por iniciativa dos maons, que alis contriburam fortemente, ao longo

    dos sculos, para a implantao da civilizao branca na frica e para um significativo

    32 GONALVES, Jos Jlio -A informao em Moambique (Contribuio para o seu estudo), op. cit.,,p. 37.33 MELO, Jos Marques de Sociologia da imprensa brasileira, Petrpolis, Vozes. 1973.34 FIGUEIREDO, A. dos Santos Colnia de Moambique Vida social, op. cit., p. 26.35 FIGUEIREDO, A. dos Santos Colnia de Moambique Vida social, op. cit., p. 26.36 ROCHA, Ildio A imprensa em Moambique, op. cit., p. 24.37 ROCHA, Ildio A imprensa em Moambique, op. cit., p. 25.38 ROCHA, Ildio A imprensa em Moambique, op. cit., p. 25.

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    conjunto de idias modernas e democrticas no continente, tendo sido o grupo de

    presso mais importante da colnia39, Loureno Marques ganhava o primeiro Jardim

    Botnico de toda a frica40. maonaria no apenas pertenciam muitos dos jornalistas

    que chegaram colnia, enviados desde a metrpole, compulsoriamente, quanto

    maonaria coube a abertura de escolas de primeiras letras e mesmo escolas tcnicas. Da

    que, em Moambique, tenha se formado um segmento social de mestios, sobretudo,

    fortemente intelectualizados, bem informados poltica e claramente vinculados

    militncia social, o que se reflete no grande nmero de jornais, criados ao longo do

    sculo de sua imprensa, entre 1854 e 1954, ou mesmo de escritores, advogados e

    mdicos que se notabilizaram, tanto na colnia quanto inclusive na metrpole41.

    Uma sntese histrica da imprensa moambicana, portanto, inicia-se em

    1854, com a chegada da fragata Dom Fernando, que traz no apenas o novo Governador

    Geral, Vasco Guedes de Carvalho e Meneses, quanto alguns caixotes com um prelo e

    algumas caixas de tipos e outros utenslios tipogrficos42. provavel que no mesmo

    navio, segundo o autor de que nos valemos, tenha viajado ainda o primeiro impressor,

    Antonio Joaquim de Carvalho. Partida de Lisboa a 31 de dezembro de 1853, a

    embarcao atingiu a Ilha de Moambique a 19 de abril de 1854, e j a 13 de maio do

    mesmo ano tirava-se a primeira edio doBoletim Oficial do Governo da Provncia de

    Moambique. A tipografia fora instalada muito perto do hospital, onde permaneceu at

    novembro de 1856. No mesmo ano, a tipografia deu ainda luz o Regulamento Geral

    das Alfndegas da Provncia de Moambique, folheto de esmerada apresentao, ao

    gosto da poca.

    A primeira tipografia particular, conta-nos ainda Ildio Rocha, teria sido a

    de Francisco Paula de Carvalho e Joo Sinfrnio de Carvalho, a partir de 1876,

    imprimindo o semanrio frica Oriental, sendo seu diretor o primeiro, e seu editor, o

    segundo. Joo era tipgrafo e trabalhara na Imprensa Nacional local, segundo Raul

    Neves Dias; e Francisco era professor da Escola Principal, advogado de proviso e

    tambm Diretor da Imprensa Nacional, em substituio ao primeiro. Mas Francisco

    viria a ser igualmente demitido, ao que parece, por prevaricao, cuidando mais de sua

    tipografia pessoal do que daquela oficial.

    39 ROCHA, Ildio A imprensa em Moambique, op. cit., p. 1640 ROCHA, Ildio A imprensa em Moambique, op. cit., p. 1641 ROCHA, Ildio A imprensa em Moambique, op. cit., p. 80.42 ROCHA, Ildio A imprensa em Moambique, idem, ibidem, p. 30.

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    O Boletim era uma publicao de quatro pginas, em tamanho pequeno

    (menor que nosso atual tablide). Comeou semanal, mas reservava parte de seu espao

    aos interesses do Commercio, e publicao dartigos de convenincia publica. Alm

    disso a typographia est habilitada para dar ao prelo quaes quer outras obras que se

    convencionem (texto original)43.

    Em 1898, quando a capital de Moambique deslocou-se da Ilha do

    mesmo nome para Loureno Marques, a grfica oficial sofreu o mesmo destino. Com

    pequeninas modificaes, ao longo das dcadas, a publicao chegou at 1975, quando

    Moambique independentizou-se de Portugal. Na verdade, at 1870, foi o nico jornal a

    circular em todo o territrio, constituindo-se, por isso mesmo, na fonte de informao

    fundamental para toda aquela sociedade.

    Sucessivamente, novas publicaes se fundaram, na prpria ilha, em

    1868, como se disse, e em 1870; em Quelimane (1877), e em Loureno Marques (1888),

    mas o Boletim continuou sendo a grande fonte de informao, tanto oficial quanto

    social. Foi noBoletim Oficial que nasceram os primeiros jornalistas de Moambique,

    afirma Rocha, citando Toms Antnio Gonzaga de Magalhes e Jos Vicente da Gama.

    O primeiro lembra, pelo nome, o poeta mineiro exilado em Angola; o segundo era um

    brmane nascido em Bardez, na ndia, mas que fixou residncia em Moambique at

    sua morte. Jos Vicente foi autor, alis, do Almanaque Civil Eclesistico Histrico-

    Administrativo da Provncia de Moambique: 1859, que levou tanto tempo para ser

    impresso que acabou sendo publicado quase no ano seguinte; editou, ainda, uma

    Folhinha Civil e Eclesistica, a partir de 1861 at 1864.

    Tudo se imprimia na Imprensa Oficial, e isso valeu a primeira crise da

    histria da imprensa moambicana. Estudo de Filipe Almeida de Ea conseguiu resgatar

    e que repetida por Ildio Rocha em suas obras. Sucintamente, o primeiro jornal no-

    oficial da provncia comeou a ser publicado a 9 de abril de 1868, editado por Miguel

    Augusto dos Santos Severino e Manuel Dias da Silva. Chamou-se O Progresso e, assim

    que saiu, inaugurou a censura prvia, provocada por aquela mesma primeira edio.

    Ocorre que, nesta poca, era Governador Geral o tenente-coronelAntnio Augusto de Almeida Correia de Lacerda. Um escrivo da comarca, no muitoescrupuloso, havia surrupiado 55 libras que haviam sido depositadas a seus cuidados,em um processo. Quando assumiu seu posto, o juiz da comarca Vicente Mximo daSilveira logo se deu conta do desvio e citou o escrivo para devolver a quantia. Chegou

    43 ROCHA, Ildio A imprensa em Moambique, idem, ibidem, p. 32.

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    mesmo a oficiar ao Governador. Neste meio tempo, Santos Severino resolveu defendera autoridade maior e mandou publicar um panfleto contra o juiz, impresso,naturalmente, na Imprensa Oficial, e que circulou no dia 24 de maro de 1868. O Juiz,que no gostou, oficiou metrpole. O Governador Geral, do mesmo modo, defendeu-

    se autoridade suprema. Sobretudo porque o prprio Governador havia lido o panfleto eo liberara. Indagado pela Metrpole, ele defendeu-se:V. Exa. sabe perfeitamente quais tm sido as minhas idias comodeputado, e como jornalista, a favor da livre emisso do pensamento(...)Contra mim mesmo que fosse o aludido artigo, eu o mandava publicar,porque enquanto me for confiado o governo desta provncia, no hei-detolher a livre manifestao do pensamento (...)44.

    No dia 9 de abril foi lanado o jornal O Progresso, e para desgosto do

    juiz, o peridico, dirigido pelo mesmo Santos Severino, reiterava os termos do panfleto

    ainda mais calorosamente. O jornal tambm dependia da Imprensa Nacional. Novas

    reclamaes se sucederam e o resultado foi que, no dia 11 de abril, a Ordem 243, do

    Governador, determinava que no jornal O Progresso, que se imprime na referida

    oficina [da Imprensa Nacional], se no devem inserir artigos, ou correspondncia de

    natureza poltica ou de agresso pessoal, e como tais estranhos ndole de um jornal

    puramente literrio; devendo outro sim, o referido encarregado, remeter secretaria

    geral: antes da tiragem do referido jornal, uma prova de prelo, a fim de se lhe lanar o

    competente visto, sem o qual se no poder imprimir o mencionado jornal.

    Nenhum historiador sabe se mais de uma edio de O Progresso chegou

    a funcionar...

    Como se disse, Ildio Rocha, na obra de que tanto nos valemos, levantou

    mais do que um milhar de diferentes ttulos de peridicos que se publicaram desde ento

    at 1975, identificando cada um deles, na medida do possvel, pelo ttulo, sede, nmero

    de pginas, incio e final de circulao, responsveis, etc.

    Podemos, assim, o surgimento de uma imprensa catlica, esportiva, uma

    imprensa operria, algumas publicaes dirigidas ao pblico infantil, jornais tcnicos

    especializados como aquele que vai acompanhar o surgimento da primeira emissora

    de rdio de Moambique a imprensa humorstica, etc.Alguns talvez a maioria dessas publicaes tiveram vida breve.

    Outros, contudo, sobreviveram a todas as dificuldades e circularam, ao longo dos anos.

    Enfrentaram a falta de papel, a raridade dos tipos variados, a perseguio poltica, a

    legislao sempre restritiva, sobretudo depois de 1927, com a chamada Lei Joo Belo,

    44 ROCHA, Ildio Contribuio para a histria da imprensa em Moambique, op. cit., p. 3.

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    o atraso de entrega pelos correios ou atravs do transporte ferrovirio; as perseguies

    aos entregadores residenciais, quando na prpria sede de edio; a escassa publicidade;

    os assinantes caloteiros que, tendo recebido o jornal ao longo das semanas, quando

    deveriam pagar o boleto, simplesmente se recusavam de faz-lo; os leitores que

    pilhavam os jornais de seus verdadeiros assinantes e os liam nas ruas e nas praas

    pblicas, sem os pagar, e assim por diante. Cada historiador destaca este ou aquele

    profissional; esta ou aquela personalidade.

    Reunindo os dados levantados por esses estudiosos e mais as observaes

    que fizemos na leitura atenta dos jornais consultados no acervo da Biblioteca do Porto,

    queremos aqui, a ttulo de referncia rpida, pois cada um deles merece estudo parte,

    identificar alguns deles.

    Um jornal: O Emancipador

    J escrevemos a respeito de um jornal, O emancipador45. Vida nova, de

    1907, foi, provavelmente, o primeiro jornal operrio a circular, publicado em Loureno

    Marques, bi-semanal; mais adiante, surgiram Os simples (1911 a 1913), publicado por

    integrantes de um conjunto musical(!!!) e Germinal, da empresa do mesmo nome, e que

    circulou entre 1914 e 1918, justamente durante um perodo difcil, graas I Grande

    Guerra, com forte presso da censura prvia. Sucedendo-lhe, mas sob outra perspectiva

    editorial, em 1919 surgiu O emancipador, que circulou at 1924. Semanal, teve seu

    diretor afastado e, assim, segundo a legislao, viu-se impedido de continuar a circular.

    Seus responsveis lanaram mo, ento, da alternativa legal de que dispunham:

    passaram a editar nmeros nicos, semanais, que mantinham inclusive a numerao

    de ordem da publicao, mas que no exigiam a existncia de um diretor. Assim,

    sucederam-se, ao longo de 1925, O emancipado, A voz do emancipador, A voz do

    emancipado e Emancipador. Encontrado e registrado um novo diretor, o jornal voltou a

    circular. Quando, numa segunda ocasio, em 1926, aps uma greve de ferrovirios que

    a publicao apoiou, o jornal voltou a ser suspenso, inclusive com tentativa de

    empastelamento da oficina prpria, torna a publicar nmeros nicos, sob os ttulos

    sucessivos e semanais de O emancipador dos assalariados, O emancipador dos

    45 HOHLFELDT, Antonio Comunicao e cidadania: O caso exemplar de O emancipador deMoambique, Comunicao, mdia e consumo, So Paulo, ESPM, Ano 5, Vol. 5, N 14, novembro de2008, ps. 13-32.

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    humildes, O emancipador dos produtores, O emancipador dos proletrios, O

    emancipador dos oprimidos, O emancipador dos trabalhadores, O emancipador dos

    desprotegidos, O emancipador amordaado, retomando sua circulao normal at 1937,

    quando foi suspenso por fora de ato do Estado Novo portugus.

    Editado por uma espcie de confederao de sindicatos de trabalhadores,

    O emancipador no caso nico que uma publicao que trocou de nome, quando

    proibida de circular, seja por que motivo fosse, mas a mais referencial pela obviedade

    da alternativa buscada e pelo verdadeiro desafio s autoridades que significou, o que

    leva-nos a pensar, dado o poder discricionrio que tais autoridades possuam e que, se

    quisessem, poderiam t-lo usado efetivamente contra os responsveis pelo peridico,

    que, na verdade, tomavam-se medidas mais formais e administrativas do que

    propriamente polticas. Tudo mudou, claro, com a chegada do Estado Novo. Aps

    1975, conta Ildio Rocha, foi ele intermedirio, a pedido das novas autoridades, junto

    aos descendentes daqueles militantes sindicalistas e alguns dos redatores e diretores da

    publicao, no sentido de resgat-la escondida que fora para que pudesse ser melhor

    conhecida e valorizada46.

    Alguns jornalistas pioneiros

    Neste mesmo sentido, uma figura pioneira foi o alferes Alfredo de

    Aguiar, mestio angolano que se fixou em Moambique. Em 1885, comeou sua

    carreira jornalstica com um jornal chamado O imparcial; dois anos depois, publicou

    O correio da Zambsia; em 1891, fez circular um jornal demolidor, Gazeta do Sul, a

    que se seguiria, em 1892, Clamor africano, semanal, que sobreviveu at 189447.

    Na mesma linha andar Clemente Nunes de Carvalho e Silva. A 20 de

    outubro de 1900, este surpreendente redator de requerimentos embaraosos e de

    folhetos de radical liberdade de expresso, ao lado de Manuel de Morais dos Santos e

    Jos Benigno Ribeiro Garrido faz editar O Portuguez, que viver at a dcima primeira

    edio, quando suprimido por uma portaria provincial, a 30 de novembro do mesmo

    ano. Sem interromper a periodicidade da publicao, Clemente Nunes imediatamente

    publica Portuguez, que estria no dia 8 de dezembro. O jornal suprimido a 28 de

    agosto de 1901, durando, pois, um pouco mais do que o anterior. Clemente Nunes no

    46 Ildio Rocha estuda detidamente a publicao, emA imprensa de Moambique, op. cit., p. 123 e ss.47 ROCHA, Ildio - Contribuio para a histria da imprensa em Moambique, op. cit., p. 6.

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    se intimida e lana, em 26 de janeiro de 1902, O Progresso de Loureno Marques,

    escrevendo, no cabealho, que se trata do sucessor dos dois peridicos anteriores. Esta

    nova publicao circular at a edio 169, quando, em 5 de abril de 1905 ainda uma

    vez suprimido. Sucede-se o quarto jornal, A portugueza, cujas datas se desconhecem.

    Deve ter circulado entre fins de abril e princpios de maio de 1905, mas durou muito

    pouco. Clemente Nunes continua sua jornada, e volta, no mesmo ano, ao Progresso de

    Loureno Marques, que estampa, no cabealho, explicitamente: Semanrio sucessor de

    O Portuguez, Portuguez, O Progresso de Loureno Marques e A portugueza, todos

    suprimidos. Desta vez, alcanou 110 edies e foi ainda uma vez suprimido, em 27 de

    dezembro de 1906. Clemente Nunes editou, ainda em 1905, panfleto de 16 pginas em

    que historiava e protestava publicamente contra as sucessivas supresses de seus

    jornais, atacando especialmente o Governador Geral Joo de Azevedo Coutinho.

    Outra figura impressionante de jornalista militante foi Manuel

    Nascimento Ornelas. A exemplo de Clemente Nunes de Carvalho, tambm ele

    republicano e lana, em 29 de maro de 1904, um primeiro jornal destinado a difundir

    tais princpios. Trata-se do O distrito, de Loureno Marques, peridico dirio, que foi

    suprimido um ano depois, em 15 de maro de 1905. Em seguida, Ornelas inicia a

    circulao doDirio de notcias, a 1 de abril de 1905, interrompido em sua circulao

    em 1907.

    Ainda destacvel a figura do capito Manuel Simes Vaz. Em 15 de

    abril de 1926, ele d incio publicao do jornal Notcias, que poca em que Ildio

    Rocha editou a monografia Contribuio para a histria da imprensa de Moambique

    ainda circulava, em Loureno Marques. Notcias substitua O correio de Loureno

    Marques, de Eduardo Saldanha, que deixara de circular, e do qual Simes Vaz era o

    principal redator. Simes Vaz funda a Empresa Tipogrfica, sendo seus scios aquele

    mesmo Eduardo Saldanha, Jos Joaquim de Morais e Paulino dos Santos Gil, outro

    nome de importncia na histria da imprensa moambicana. Nas primeiras 151 edies

    do jornal, o capito era seu editor e redator, mas com a nova lei de imprensa, de 1926

    (Lei Joo Belo, nome do administrador que a idealizou, valendo o princpio apenas para

    a imprensa colonial), ele foi substitudo, sucessivamente, por diferentes figuras ilustres

    da cidade, portadoras de ttulo universitrio, que ele no possua, mas que era exigido

    pela nova lei, independentemente de vinculao (do ttulo) ou no com a prpria

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    atividade editorial. Enquanto isso, Simes Vaz mantinha um processo na rea jurdica,

    que acabou vencendo, podendo retornar funo de diretor do jornal, que manteve, at

    vend-lo, em 1963.

    A publicao iniciou com dificuldades. Nas primeiras semanas, tinha

    apenas 36 assinantes! Mas graas explorao de notcias defait divers, e com o golpe

    militar que instuiria o Estado Novo, a 28 de maio de 1926, logo alcanou 900 assinantes

    e se firmou, financeiramente, de sorte que, em 1967, tornou-se uma sociedade annima,

    com um excelente capital social e sede prpria. O capito dirigiu o jornal entre 1926 e

    1957. Seus filhos lhe continuaram a obra. Rocha acusa o jornal de, neste perodo, ter

    evidenciado simpatias para com os aliados, ao longo da II Grande Guerra, e chega

    mesmo a contar que, ao abrir um armrio da redao, encontrou farto material enviado

    pelo governo ingls como propaganda oficial48.

    Segundo Ildio Rocha, Notcias teve pelo menos trs iniciativas

    importantes para a histria da imprensa local: em 1933 fez editar uma revista ilustrada

    quinzenal, dirigida por Sobral Campos, chamada O ilustrado; ela circulou exatamente

    durante um ano, conforme havia sido antecipado, com excelente apresentao grfica49.

    Simes Vaz passou a publicar uma edio extraordinria do Notcias aos domingos, dia

    em que, na poca, no circulavam jornais. Esta edio tinha carter mais recreativo e

    literrio, sendo preparada ao longo da semana50. Esta edio circulou entre 24 de

    outubro de 1943 e 26 de maio de 1946, quando o jornal suprimiu a publicao

    extraordinria, porque passou a circular sete dias na semana. Por fim, a 15 de abril de

    1952,Notcias lanou uma edio vespertina, que adotou o ttulo de Notcias da tarde,

    publicando-se at 6 de dezembro de 1969, quando foi substitudo pelo Tribuna, que

    poca da pesquisa de Ildio Rocha, ainda circulava51.

    As figuras mais significativas, contudo, inclusive com suas contradies,

    de todas as que se destacam nesta sucesso do que podemos denominar verdadeiramente

    de apstolos da imprensa so os irmos Jos e Joo Albasini. Netos de Joo Albasini,

    48 ROCHA, Ildio -A imprensa de Moambique, op. cit., p. 147, nota 13.49 Tivemos a oportunidade de compulsar a coleo completa da revista, quando de nossa pesquisa naBiblioteca Pblica Municipal do Porto, e que ser motivo de estudo individualizado, em breve.50 Note-se que a prtica perdura hoje nos grandes jornais de referncia, que acrescentam ediocotidiana do domingo uma revista ou um caderno complementar com artigos variados.51 Todos os dados foram compilados do livro de Ildio Rocha antes mencionado, Contribuio para ahistria da imprensa em Moambique, op. cit., p. 12, mas so confirmados por nossas pesquisas, j que,sendo publicaes mais recentes, encontram-se em bom estado e arquivados na Biblioteca PblicaMunicipal do Porto.

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    portugus (1813-1888), que foi caador, negociante, chefe tribal (!!!), alto funcionrio

    do governo da repblica ber, at sua derrocada, e cnsul de Portugal no Transvaal.

    figura destacada no livro de Diocleciano Fernandes das Neves, Itinerrio de uma

    viagem caa do elefante52. Em 1909, seus dois netos, Jos e Joo, criam um jornal

    chamado O africano. Trata-se da primeira publicao dirigida a uma classe social que

    surge em Moambique, a dos mulatos ou mestios, resultado da miscigenao de

    homens brancos, europeus na maioria, nas no s (poderiam ser hindus ou rabes),

    chegados ao continente africano e que se casam e procriam com mulheres africanas

    negras. O jornal dirigido, assim, populao no branca alfabetizada. Joo Albasini,

    na poca, era empregado do porto de Loureno Marques, como chefe de pessoal do cais;

    e seu irmo Jos tambm trabalhava ali, como despachante oficial. Uma das grandes

    novidades da publicao era uma sesso em lngua quironga, editada desde um chamado

    nmero programa do jornal, publicado no dia 25 de dezembro de 190853. Se levarmos

    em conta que, em sentido estrito, tais lnguas no eram escritas, isso significa que j se

    havia desenvolvido, em tais territrios, um sistema de grafia de idiomas eminentemente

    orais, o que nos traz interessantes questes para estudos lingsticos, ocupao de quem

    tenha tal competncia e capacidade54.

    A partir de 1 se maro de 1909 o jornal se torna semanrio, sob o

    slogan, no cabealho, de Nmero de propaganda a favor da instruo. Jos Albasini

    foi o editor e Joo Albasini o diretor do jornal. O africano tinha tipografia prpria, e

    teve sempre despesas razoavelmente altas, o que significa: no era cobertas pelas

    assinaturas. No entanto, registra Ildio Rocha, depoimento de um dos antigos

    proprietrios do jornal, ao pesquisador Raul Neves Dias, esclarece seu financiamento:

    52 Referncia de Ildio Rocha, emA imprensa de Moambique, op. cit., p. 98, nota 28.53 Era uma prtica, no muito comum, mas presente em jornais que se pretendiam de maior porte eseriedade, a edio de um nmero programa de jornal que se pretendesse editar. Servia para divulgar anova publicao. Esta primeira edio era enviada gratuitamente a potenciais assinantes, e combinava-se

    com uma prtica, essa sim, absolutamente generalizada, de um pedido e alerta para que, quem no seinteressasse pela mesma, deveria devolv-la redao. A no devoluo implicaria em aceitar serassinante do jornal e, portanto, ao final de um determinado perodo, em geral mensal, pagar a devidaassinatura. Ou seja, repassava-se o nus da devoluo ao prprio assinante. O risco do editor e isso severifica nos avisos e queixas de diferentes publicaes que muita gente no devolvia o jornal, mastambm no pagava a assinatura. Nas pesquisas desenvolvidas, pode-se verificar, inclusive, que muitojornal acabou deixando de circular graas a esses chamados caloteiros (?).54 O bilinguismo do jornalismo moambicano, assim, no era apenas de portugus-ingls, j queMoambique estava rodeado de colnias ocupadas pela Inglaterra, como a Zambzia, Transvaal, etc., mastambm em relao a lnguas nativas. O mesmo processo vai se verificar na imprensa de Goa, na ndia,em que a diversidade lingstica to grande ou maior que a de Moambique.

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    era a maonaria e seus adeptos quem o financiava, com excelentes resultados. O jornal

    cresceu e chamou a ateno de muitos, inclusive de um sacerdote missionrio, padre

    Jos Vicente do Sacramento. O sacerdote, que vivia praticamente na misria, na regio

    do Transvaal, tornou-se correspondente do jornal. Recebia, como paga, exemplares que

    deveria vender, podendo ficar com o dinheiro. Contudo, acaba expulso da regio, uma

    vez que o jornal denunciava constantemente a espoliao a que eram submetidos os

    trabalhadores moambicanos nas empresas locais. De retorno a Loureno Marques,

    torna-se funcionrio do jornal: redige, traduz, auxilia na rea administrativa.

    Em 1912, a maonaria decide indicar um secretrio de redao, Jos dos

    Santos Rufino, que logo se torna grande amigo do religioso, ainda que este, a essas

    alturas, j explorasse a agricultura em uns campos prximos. No deixara, contudo, de

    colaborar com o peridico.

    Durante a I Grande Guerra, Santos Rufino se torna correspondente da

    agncia Havas, em Moambique. Com isso, O africano recebe um servio telegrfico

    exclusivo com informaes do front, a que soma informaes telegrficas da Reuters,

    at ento exclusividade do The Loureno Marques Guardian, em lngua inglesa.

    Tudo isso alarga o pblico dO africano, que comea a atingir tambm o

    leitor branco. Sem deixar de publicar a sesso em lngua ronga, torna-se em breve um

    simples jornal noticioso, ampliando, inclusive, a circulao para bi-semanal.

    O sacerdote, enquanto isso, associa-se com um judeu estabelecido na

    frica do Sul e torna-se concessionrio da loteria de Moambique. Em breve, adquire O

    africano, de que se torna ento diretor, incluindo ainda uma seo em lngua inglesa,

    dirigida especialmente ao leitor da frica do Sul. O africano deixou de ser editado em

    1920.

    Os irmos Albasini, contudo, com o dinheiro recebido, fundaram outro

    semanrio, nos mesmos moldes, O brado africano, comeando tudo de novo, a partir de

    24 de dezembro de 1918, em associao com Estcio Dias, outro mestio funcionrio da

    Fazenda.

    Ildio Rocha bastante duro na avaliao que faz da histria deste jornal.Semanal, a princpio, vale-se da mesma frmula do peridico anterior, dirigindo-se,pois, essencialmente, aos mulatos. Mas para Rocha, ele demasiadamente europeu emsua ideologia, e profundamente racista em relao aos negros. Tambm bilinge, sobreele escreve Ildio Rocha:

    A verdade que, enquanto dirigido, de fato, por mulatos, teve sempreum ponto de vista que em nada diferia do dos brancos ali radicados ou

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    em vias de se radicarem, ou seja, um ponto de vista colonial, comoaqueles pugnando pelo desenvolvimento econmico e social doterritrio, mas sempre numa perspectiva eurocentrista55.

    As pesquisas realizadas no indicam esta tendncia to radical. Se o

    jornal se coloca s vezes crtico em relao aos negros, defendendo sobretudo aosmulatos, torna-se um eficiente porta-voz da colnia junto metrpole, o que ultrapassa

    qualquer questo racista. De qualquer maneira, ambos os irmos Albasini foram

    militantes de uma causa objetiva, a defesa do interesse dos coloniais, como chamavam

    os mestios nativos de Moambique, e neste sentido inclusive participaram da fundao,

    dirigiram e vincularam inclusive o jornal ao Grmio Africano, instituio que, ao longo

    de muitos anos, defendeu a causa dos mestios. Tanto isso verdade que, quando da

    morte de Joo Albasini, e nos anos subseqentes, enormes homenagens e constantes

    artigos de fundo e rememoraes buscaram sempre valorizar a figura, especialmente, de

    Joo Albasini.

    O que se deve reconhecer que, sobretudo a partir de 1958, e j sem o

    concurso dos irmos, o jornal (e o Grmio Africano), de que ele era porta-voz, recebe

    apoio formal do Ministro das Colnias, Marcelo Caetano, e torna-se, at seu

    desaparecimento, em 1974, por fora da injuno poltica de ento, apoiador explcito

    da ditadura salazarista. O Grmio Africano alcana, inclusive, receber um terreno do

    governo, e financiamento para a construo de sua sede, luta que mantivera ao longo

    dos anos56.

    Muito mais se pode escrever, com detalhes, a respeito de personalidades

    e de publicaes. Tanto as fontes bibliogrficas quanto nossas pesquisas nos levam,

    contudo, a planejar ensaios especficos para cada caso.

    Algumas generalizaes

    A ttulo de concluso, queremos resumir algumas caractersticas dessa

    imprensa, algumas das quais tpicas da imprensa da poca, inclusive a colonial; outras,

    especficas da imprensa colonial; e algumas poucas, enfim, diretamente vinculadas

    realidade do entorno em que circulava, o territrio de Moambique.

    55 ROCHA, Ildio -A imprensa de Moambique, op. cit., ps. 120 e SS.56 O Grmio Africano, mais tarde Associao Africana de Loureno Marques, teve seguidores em outrascolnias, como Angola. Seus estatutos foram aprovados em 7 de julho de 1920, e constitua-se emassociao de mestios nascidos em Moambique. Ver ROCHA, Ildio - A imprensa de Moambique, op.cit., p. 145, nota 3.

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    J identifiquei algumas dessas tendncias em artigo anterior57:

    1. envio dos exemplares das primeiras edies a um determinado

    conjunto de habitantes, provavelmente aqueles que constam como alfabetizados, mais

    ou menos possuidores de bens e capazes de se interessar por um jornal. Quem no

    quiser assinar o peridico, dever devolv-lo redao;

    2. registro do aparecimento de congneres, no apenas na prpria colnia

    quanto nas demais colnias. Isso significa que os jornais de ento mantm forte

    intercmbio, o que se confirma pela observao do ponto seguinte. Os jornais

    igualmente noticiam a suspenso de circulao dos colegas e, por vezes, at a existncia

    de processos (policiais, administrativos ou censoriais), condenaes ou absolvies;

    essa prtica auxilia na reconstruo da histria de cada peridico;

    3. forte trnsito dos jornais entre as colnias e destas com a metrpole:

    comum a citao e a transcrio de artigos de uns jornais pelos outros, o que significa

    que os jornais se lem entre si;

    4. isso implica, tambm, na constituio de um campo especifico de

    circulao, para aqum do crculo de leitores leigos e gerais, ou especficos mas no

    campo da poltica partidria ou dos grupos administrativos, por exemplo que a

    publicao busca alcanar. Pode-se mesmo dizer que o jornal que no mantiver uma

    constante polmica com outras publicaes um jornal de menor importncia no

    contexto de imprensa de ento;

    5. todos os jornais coloniais so obrigatoriamente enviados, para

    depsito, s bibliotecas do Porto e de Lisboa, advindo da a possibilidade de se fazer

    consulta a essas publicaes;

    6. comum o lanamento de novos ttulos em substituio aos

    anteriormente suspensos ou proibidos. Assim, quando um jornal impedido de circular,

    imediatamente a instituio editorial lana um novo ttulo; e este novo ttulo assume

    assinantes, compromissos financeiros e linha editorial do jornal anterior;

    7. menos que oposio condio colonial em si, os jornais das colnias,

    de modo geral, exercem uma constante crtica s companhias de administrao a quem a

    Metrpole entregava as colnias, especialmente no caso de Moambique;

    57 HOHLFELDT, Antonio Imprensa das colnias de expresso portuguesa: Primeira aproximao,comunicao apresentada ao XXXI Congresso Brasileiro de Cincias Interdisciplinares da Comunicao,Universidade Federal do Rio Grande do Norte/INTERCOM, Natal. Setembro de 2008.

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    8. multiplicam-se os perodos de censura ao longo da histria desses

    jornais, na maior parte das vezes por questes absolutamente externas ao prprio

    contexto colonial; essa censura no interfere diretamente nas questes locais ou

    regionais, de modo que falar mal da limpeza da cidade; criticar a companhia de

    administrao; cobrar melhor desempenho dos servios postais no obrigatoriamente

    motivo para a interveno da censura, nem mesmo depois de 1926;

    9. as dimenses dos peridicos em geral a do tablide, tal como o

    conhecemos hoje, mas com infinitas variaes nas dimenses exatas, dependendo do

    papel recebido; os jornais em geral circulam com quatro pginas, sendo que a ltima

    sempre de publicidade; de modo geral, os jornais so semanais, definem-se como

    informativos e noticiosos (embora haja aqueles que sejam polticos, e neste caso ligam-

    se claramente a um partido e quase sempre so fundados pouco antes de uma campanha

    eleitoral, desaparecendo em seguida, sobretudo se o candidato no se elege;

    10. h exigncias de registro prvio da publicao, identificao do seu

    administrador e do seu editor e, a partir de um determinado momento, exige-se mesmo

    um ttulo universitrio para o responsvel pelo jornal, ou um depsito prvio, de valor

    bastante alto, que s poder ser levantado alguns meses depois do encerramento de

    circulao do jornal; isso serve para pagamento de eventuais multas em casos de

    processos sofridos pela publicao, o que gerar inmeros problemas para muitas

    folhas.

    Especificamente sobre Moambique, pode-se dizer, para concluir que,

    embora tendo iniciado sua vida bastante recentemente, em 1854, como se viu,

    desenvolveu-se muito rapidamente, alcanou diversificao e teve algumas experincias

    no mnimo curiosas, como publicaes dedicadas ao cinema (Cine-frica 1933) ou

    estreitamente vinculado ao surgimento do rdio, comoRdio Moambique (1935-1973),

    vinculado ao Grmio dos Radifilos da Colnia de Moambique/Rdio Clube de

    Moambique; ou Q.R.V (1937-1963), pertence Liga dos Rdio-Emissores de

    Moambique58. Ou seja, nos anos mais recentes, pode-se verificar uma articulao

    crescente entre a imprensa e outros meios de informao e de comunicao,

    constituindo o que denominar-se-ia uma indstria cultural, mesmo que insipiente.

    58 Informa Ildio Rocha, em A imprensa de Moambique, op. cit., p. 347, que Rdio Moambiquepertencia primeira agncia de publicidade do territrio, a Agncia Colonial de Moambique. Tivemos aoportunidade de compilar alguns desses exemplares e mesmo de copi-los, junto Biblioteca PblicaMunicipal do Porto.

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    HOHLFELDT, Antonio Imprensa das colnias de expresso portuguesa: Primeiraaproximao, comunicao apresentada ao XXXI Congresso Brasileiro de CinciasInterdisciplinares da Comunicao, Universidade Federal do Rio Grande do Norte/INTERCOM,Natal. Setembro de 2008.

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