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Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.
Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616
SÍNDROME DE DOWN E ENSINO DE ARTE: POSSIBILIDADES DA TECNOLOGIA COMO MEDIADORA
Helene Paraskevi Anastasiou1 [email protected]
Neli Klix Freitas2 [email protected]
Resumo: Este relato apresenta um recorte de uma pesquisa maior, na qual investigamos o ensino de Arte para pessoas com síndrome de Down e na qual empregamos diferentes metodologias e técnicas. Aqui apresentamos dados e atuações junto aos participantes da pesquisa, em que se utiliza a tecnologia como mediadora nesse aprendizado pretendido. Palavras-chave: Síndrome de Down; Ensino de arte; Tecnologia. Abstract: This report refers to a crop of a larger research, in which we investigate the art teaching for people with Down Syndrome and where we employ different methodologies and techniques. In here we present data and performances with the research participants, where technology is utilized to mediate this desired learning. Key words: Down Syndrome; Art teaching; Technology. UM RECORTE
Este artigo apresenta um recorte de uma pesquisa de mestrado, realizada com a
metodologia de pesquisa-ação, que investiga o ensino de Arte em ambiente não-formal para
pessoas com Síndrome de Down, acima da idade escolar.
Para a conceituação da pesquisa-ação foram estudados e utilizados os autores Barbier,
Andaloussi e Thiollent. Andaloussi afirma que a função desta metodologia é a de diagnosticar
1 Helene Paraskevi Anastasiou - Possui graduação em Escultura (Bacharelado) pela EMBAP-Curitiba, PR. É aluna
regular do Mestrado em Artes Visuais – PPGAV – UDESC, bolsista CAPES. A pesquisa de Mestrado envolve a produção de pessoas com síndrome de Down, em ONGs. 2 Neli Klix Freitas - Possui doutorado em Psicologia, formação em Arte, e é orientadora da primeira autora no
Mestrado-PPGAV/UDESC. É líder do Grupo Memórias Sociais, Percepção, Imaginação, Processos Cognitivos e Imaginativos do diretório dos pesquisadores do CNPq. É docente permanente do PPGAV/UDESC. Desenvolve pesquisa sobre ensino e aprendizagem em arte, trazendo os resultados através de narrativas verbais e visuais de autistas e pessoas com síndrome de Down. Pesquisa também sobre dimensões estéticas presentes na formação de professores e memórias sociais de instituições, cidades e famílias. Desenvolve pesquisa também com jovens em situação de risco social, visando à educação do olhar para espaços e contextos da cidade e à apreciação estética do cotidiano.
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uma situação e promover uma ação que abrange acompanhar, observar e conferir sentido a
ela própria, buscando alcançar objetivos comuns ao grupo (ANDALOUSSI, 2004, p. 86). Assim,
nesta pesquisa, trabalhou-se em conjunto, o grupo e a mediadora, buscando alguns elementos
de superação de seu ser atual, da construção do conhecimento, da realidade e de sua própria
inserção neste processo.
Para localizar o leitor passamos a descrever alguns elementos sobre a síndrome de
Down. Segundo Kozma (2007) refere-se à síndrome descoberta pelo médico John Langdon
Down, em 1866, que a descreveu como um conjunto distinto de características, como cabelos
lisos, nariz pequeno, face alargada. Down foi o responsável pela denominação de mongolismo,
pela semelhança física entre estas pessoas. Por um longo tempo, nomenclaturas depreciativas
também foram empregadas associando a síndrome de Down a pessoas infelizes, ou incapazes,
referenciando a palavra down a algo negativo, e não ao nome do médico que a descreveu.
Schwartzman (1999) explica que não se sabe ao certo as causas da síndrome de Down,
mas a idade materna tem sido considerada entre os estudiosos como um fator relacionado à
probabilidade de ter um bebê com esta síndrome. É comum encontrar uma descrição física
minuciosa de pessoas com a síndrome de Down: face levemente alargada, ponte nasal mais
plana do que a usual, nariz menor, olhos levemente inclinados para cima, mas há poucos
estudos e pesquisas sobre como aprendem e se desenvolvem.
Segundo Freitas e Teixeira (2011) mesmo que tenham características físicas
específicas, geralmente, as pessoas com síndrome de Down possuem mais semelhanças do
que diferenças com a população em geral. Não há um padrão estereotipado e previsível para
todas as pessoas com síndrome de Down, uma vez que tanto o comportamento, quanto o
desenvolvimento não dependem exclusivamente da síndrome, mas sofrem influências de
fatores sócio-culturais.
Tais características são mais importantes para o diagnóstico e para os médicos.
Constata-se que, mesmo diante de causas genéticas, fatores ambientais têm importância
fundamental no desenvolvimento de pessoas com essa síndrome (SCHWARTZMAN, 1999).
Em nossa pesquisa, buscamos fundamentação sobre o desenvolvimento humano no
aporte teórico de Vygotsky (1984). Segundo o autor, o desenvolvimento humano não é
compreendido como a decorrência de fatores isolados que amadurecem, nem tampouco de
fatores ambientais que agem sobre o organismo controlando seu comportamento, mas sim, de
trocas recíprocas que se estabelecem durante a vida entre indivíduo e meio, cada um deles
interferindo um sobre o outro. Nessa dinâmica, Vygotsky pontua a importância da mediação.
Ressalta ainda que há uma relação de reciprocidade entre desenvolvimento e aprendizagem.
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Oliveira (1997, p. 26), retomando Vygotsky, escreve que o autor distinguiu dois tipos
de elementos mediadores: os instrumentos e os signos. Refere que, “ao longo do
desenvolvimento do indivíduo, as relações mediadas passam a predominar sobre as relações
diretas”. Os elementos mediadores são os instrumentos e os signos.
O instrumento é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza. [...] O instrumento é feito ou buscado especialmente para um objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para a qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. É, pois, um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo (OLIVEIRA, 1997, p. 29).
A autora explica que, quando ocorre a internalização, os instrumentos passam a ser
signos psicológicos, orientados para dentro do indivíduo, e auxiliam no controle consciente das
suas ações. Essa explicação corrobora a noção de representação mental e significa que o
sujeito não necessita ver o objeto que já internalizou, sendo capaz de lembrá-lo mesmo
quando está ausente. Tal processo ocorre com o advento da linguagem e está relacionado com
as interações sociais e com a cultura, com os significados. Ambos, signos e instrumentos são
elementos mediadores. Para entendermos a importância da mediação no processo de
aprendizagem, destacamos o conceito de Vygostky acerca dos níveis de desenvolvimento, as
possibilidades de aprendizagem desses indivíduos e o papel do mediador.
Retomamos os níveis do desenvolvimento descritos por Vygotsky, como o “nível de
desenvolvimento real” (o que a pessoa é capaz de fazer sozinha), o “nível de desenvolvimento
potencial”, ou seja, o que a pessoa é capaz de fazer em conjunto ou com a ajuda do Outro. A
distância entre um nível e outro é a chamada “zona de desenvolvimento proximal”, na qual as
funções ou conhecimentos e aptidões dos indivíduos estão em processo de aprendizagem.
Ressaltamos a importância da mediação na aprendizagem, que se dá no contato com o meio
social, seus objetos e significados e principalmente no contato com o outro (REGO, 1995, p. 95).
Entendemos que a tecnologia pode ser mediadora na atualidade como uma forma de
entrar em contato com o outro, de um modo que se expande e está cada vez mais acessível a
um número maior de pessoas. A partir dessas considerações percebemos a importância de
pensar e pesquisar a respeito de seu uso no ensino de Arte.
Freitas (2007, p. 2) refere Lèvy (1993) e expõe o pensamento do autor sobre os três
grandes momentos da história do conhecimento. O primeiro valoriza a oralidade, o segundo
refere-se à escrita e o terceiro é o “pólo mediático e informativo no qual adentramos na
segunda metade do século XX”. Neste terceiro momento, a tecnologia ocupa um espaço
privilegiado.
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Assim, a tecnologia traz uma nova possibilidade, na qual a oralidade pode ser substituída
ou enriquecida com imagens, com a cybercultura, que amplia a velocidade de circulação das
informações.
Examinando a literatura, é possível encontrar pesquisas sobre o emprego da tecnologia
no ensino, com enfoques e objetivos distintos. Nesta pesquisa, a tecnologia foi utilizada como
mídia de reprodução e produtora de imagens, possibilitando aos participantes explorarem essa
linguagem, como outra forma de se comunicar.
Segundo Freitas (2007, p. 2), os efeitos da tecnologia em nossa sociedade só podem
ser vistos com o sujeito implicado nesta realidade, e nessa perspectiva não há espaço para “a
transmissão de conhecimentos sem a presença dos signos, dos símbolos e da cultura,
considerados como agentes mediadores e ferramentas úteis no processo de aquisição do
conhecimento”.
Esta citação aborda o processo de construção do conhecimento, que implica a presença
do aluno, do professor como mediador, dos signos, da sociedade e da cultura, sendo que o
professor não pode desconsiderar estas questões.
Nos encontros realizados, buscou-se sempre utilizar a tecnologia como mediadora das
percepções do entorno e das vivências dos participantes como base para a construção do
conhecimento. Ao levar a tecnologia como possibilidade para o grupo trabalhar, observou-se
um grande interesse e vontade por parte dos participantes de experimentar e explorar o
material.
A arte abre possibilidades para esses objetivos para pessoas com síndrome de Down.
Como colocam Freitas e Anastasiou (2008, p. 5), o fazer em arte não responde a fórmulas ou
aprendizagens pré-estabelecidas, por se tratar de um saber aberto que, mais do que configurar
um pacote de conhecimentos acumulados, gera uma relação significativa em cada momento,
com particularidades e especificidades da realidade. Este fazer em arte em relação com os
acontecimentos do mundo implica um sujeito criativo, em diálogo com experiências
complexas, que produzem tanto uma transformação na pessoa que cria, como no contexto em
que está inserida.
Assim, buscamos pesquisar também como o docente no ensino de arte e a sociedade
em geral podem atuar para aprender a conviver e trabalhar com a diversidade dos grupos e
das experiências. Vivenciar e participar de um processo com pessoas que têm síndrome de
Down pode exigir uma mudança no olhar. Pensar no tempo necessário, respeitar o processo e
a percepção de cada um é crucial.
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A VIVÊNCIA
O recorte da pesquisa desse artigo foi composto por nove encontros. Quatro
encontros foram utilizados para trabalhar a fotografia, quatro para trabalhar a filmagem e um
para o fechamento das atividades.
O grupo iniciou com sete participantes, sendo quatro do sexo feminino e três do sexo
masculino. Seis deles têm mais de 18 anos, e apenas uma tem 16 anos. A de 16 anos entrou na
pesquisa com o consentimento, apoio e incentivo familiar e foi admitida principalmente por
sua motivação pessoal e familiar, apesar de estar ligeiramente abaixo da idade legal para ser
considerada adulta. Cumpre salientar também que a pesquisa observou os preceitos éticos
recomendados com todos os participantes.
As informações dos participantes foram recolhidas nos registros e com funcionários da
ONG Amigo Down3, com a autorização da direção da instituição. Para utilização das imagens e
realização da pesquisa foi assinado pelo participante e seu responsável o Termo de
Consentimento Informado.
Inicialmente foi conversado com o grupo sobre como funcionava o equipamento
(máquina fotográfica e filmadora) e algumas possibilidades para se trabalhar a fotografia e a
filmagem. Foram levadas ao grupo filmagens e fotografias de pequenos animais (insetos),
orvalho, pessoas e algumas imagens que trabalhavam a perspectiva para criar ilusões, o que os
interessou bastante.
Para iniciar o recolhimento de imagens, visando ações de trabalho com a perspectiva e
criação de ilusões, o grupo se organizou para que todos tivessem sua vez com os aparelhos
(câmera filmadora e fotográfica). Começaram então a explorar as possibilidades dos
equipamentos, com o auxílio da pesquisadora.
Figura 1 – Imagem retirada de uma filmagem da participante Iracema, utilizando a mão do colega para conseguir o efeito desejado.
3 Esta ONG está Localizada em São José, região metropolitana de Florianópolis e atende pessoas com
Síndrome de Down oferecendo cursos, palestras e atendimento médico.
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Segue a conversa que acontecia durante o recolhimento desta imagem:
Iracema: Por que a minha mão não está aparecendo aqui?
Pesquisadora: Porque tem que colocar a mão na frente da lente.
Iracema: Oh, parece mesmo, olha aqui professora, olha aqui!
Pesquisadora: Olha que legal! Deu certinho.
Iracema: Deu certinho, né?
Pesquisadora: Deu certinho, viram?
Durante essa conversa a participante procurava enquadrar a sua mão e o colega que
aparecia no fundo do terraço da ONG no mesmo quadro da filmadora para conseguir o efeito.
Com um pouco de auxílio ela entendeu o funcionamento do enquadramento, demonstrando
satisfação ao perceber que conseguiu realizar o efeito pretendido.
Figura 2 – Imagem retirada de uma filmagem da participante Iracema utilizando a própria mão e conseguindo novamente o efeito desejado.
Quando passada a vez do uso do equipamento para o outro participante (Uilson), ele
demonstrou o desejo de ter uma câmera sua. O grupo ajudou no aprendizado procedimental
com opiniões sobre o que ele deveria filmar. Neste momento ocorreu o seguinte diálogo:
Uilson: Eu vou comprar uma filmadora.
Pesquisadora: Ah, então vamos aprender a usá-la. O que você quer filmar?
(Um colega se posiciona no fundo do terraço enquanto ele segura a câmera e experimenta
apontá-la em várias direções).
Iracema: Anda! Filma lá! (Diz a participante, se referindo ao Osmar que estava
ajudando ao se voluntariar para ser filmado pelo colega).
Uilson: Espera. (Enquanto tenta se ajustar ao uso da câmera e apontar para o colega,
conseguindo a imagem e o foco desejado), o que aparece na fotografia abaixo.
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Figura 3 – Imagem retirada da filmagem de Uilson. Nesta imagem, o participante consegue focar o filme e retratar o colega que posa para ele.
Enquanto a câmera passava de um para o outro, eles se organizaram para que todos
tivessem vez, e negociaram seu tempo enquanto ajudavam um ao outro ensinando aos colegas
como segurar a câmera, captar as imagens e conseguir efeitos diferentes com o uso da
perspectiva. Embora eles não usassem a palavra “perspectiva” conseguiram efetivar o
exercício no qual buscaram o efeito causado pelo distanciamento de uma pessoa da câmera e
a aproximação da mão em uma única imagem.
Outro exercício proposto para o grupo foi procurar algo que eles apreciassem ou
achassem bonito e filmar de perto, buscando a beleza das coisas pequenas, detalhes das
imagens que lhes interessassem e possibilidades de textura. Os participantes passearam pelo
terraço da ONG, com a câmera em mãos, procurando e focalizando várias imagens que
atendessem à atividade proposta.
Alguns recortes das imagens obtidas nesse processo podem ser observados a seguir:
Figura 4 – Recorte de imagem recolhida por Iracema na atividade proposta.
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Figura 5 – Recorte de imagem (árvore) recolhida por Iracema na atividade proposta.
Figura 6 – Recorte de imagem recolhida por Osmar na atividade proposta.
Figura 7 - Recorte de imagem recolhida por Osmar na atividade proposta.
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Para exemplificar a atividade, a pesquisadora filmou o olho de uma das participantes,
mostrando como apenas um detalhe de uma pessoa (um olho), pode tornar-se uma imagem
de força e interesse.
Podemos observar nas imagens acima, que os participantes buscaram seus próprios
exemplos no ambiente à sua volta, nas plantas, cabelos, no corpo.
Nos encontros em que foi trabalhada a fotografia com o grupo, o objetivo era que eles
conseguissem capturar imagens que avançassem para além da ideia que tinham de fotografia,
como registro de pessoas fazendo poses caseiras, e buscassem uma alternativa estética. Assim
foi proposto que eles buscassem outras imagens, outros focos (ou não-focos), trabalhando o
tema e o enquadramento.
A princípio, o grupo se manteve dentro do que já costumava fazer em casa com suas
câmeras domésticas e de celular. Seguiram para imagens “sem pose”, mais naturais do próprio
grupo e sua movimentação e, finalmente, conseguiram buscar outros focos e possibilidades
dentro da fotografia, como aparece nas imagens a seguir:
Figura 8 - Fotografia em momento inicial do recolhimento.
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Figura 9 - Fotografia de momento de descontração.
Figura 10 - Fotografia da mediadora recolhida pelo grupo, espontaneamente.
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Figura 11 - Mudança no olhar: fotografia em momento final dos encontros.
Figura 12 - Fotografia de detalhe do símbolo da ONG.
A pesquisadora atuou também como mediadora durante a coleta das fotografias.
Mediar, segundo Vygotsky (1984) é interpor um elemento intermediário em uma relação, que
deixa de ser direta, como na concepção de estímulo-resposta, e passa então a ser mediada.
Segundo o autor (1984), o professor é um mediador.
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Estas premissas de Vygotsky coincidem com a pesquisa-ação. Oliveira (2005) explica
que a pesquisa-ação é recomendada quando o aporte teórico de Vygotsky é empregado.
O ENCERRAMENTO
Para encerrar os encontros, foi solicitado ao grupo que cada um falasse ou desenhasse
sobre como se sentiram durante o processo, o que perceberam e o que mais aproveitaram.
Evidenciamos em algumas verbalizações e nas imagens produzidas o aproveitamento dos
encontros e assimilação de conceitos apresentados, como podemos observar nas transcrições
abaixo:
Iracema (descrevendo seu desenho): Olha, aqui é um símbolo (mostrando um coração
desenhado), aqui é a fotografia (mostrando um desenho de uma pessoa e se referindo à
atividade de fotografia realizada com o grupo), a filmagem (mostrando o desenho de uma
árvore).
Mediadora: Aquela árvore que você filmou, é isso?
Iracema: É isso. Mas eu quero dar um título, pode?
Mediadora: Claro, deve.
Iracema: Professora, acho que vou botar assim, “filmagem, os símbolos e fotografia”,
será que dá?
Figura 13 – Desenho do símbolo de Iracema.
Figura 14 – Desenho da fotografia de Iracema.
Figura 15 - Desenho da filmagem de Iracema (se refere à imagem da Figura 5).
Podemos perceber pela verbalização e pelos desenhos da participante Iracema que ela
retrata e identifica, através do desenho, as atividades realizadas, apreende o conceito de
símbolo e consegue descrever verbalmente as etapas percorridas no processo em que está
localizado esse recorte.
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Osmar (mostrando seu desenho): Olha, aqui, primeiro de tudo é aquela foto da Amigo
Down (o participante mostra seu desenho do símbolo da ONG que ele fotografou na atividade
das fotos).
Pesquisadora: Ah, a foto que você tirou do símbolo da Amigo Down (que aparece em
uma placa na porta da ONG).
Figura 16 – Desenho da fotografia tirada por Osmar.
Osmar fala que gostou de fotografar o símbolo da ONG, de pinçar a pessoa com o dedo
(fala e mostra com o gestual como foi realizada a filmagem com o uso da perspectiva, que
aparece na Figura 1 desse artigo).
As atividades foram realizadas em grupo, em interação com a pesquisadora. Vygotsky
(1984) expõe que a aprendizagem é uma construção que se dá em interação social. Assinala
para a importância da família, da escola, das instituições, da sociedade e da cultura no
desenvolvimento humano, na apropriação do indivíduo como sujeito que aprende e cria. Em
sua concepção teórica sobre criatividade e imaginação Vygotsky (2005) expõe que a atividade
criadora pode ser evocatória ou combinatória. No primeiro caso aparece o que está
armazenado na memória e, no segundo, o sujeito faz combinações com os conteúdos
armazenados e com outros, que aprende em interação social. Nas fotografias apresentadas e
nos desenhos aparecem as combinações realizadas pelos participantes da pesquisa. Foram
capazes de transferir o que vivenciaram nas fotografias para os desenhos e diálogos. A
interação com a mediadora foi importante, tanto que foi fotografada espontaneamente pelos
participantes. Pode-se observar também a aprendizagem do grupo nas produções realizadas.
Outros elementos, como o acolhimento da ONG e seu papel para o grupo também são
evidentes, e aparecem na fotografia e nos desenhos.
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CONSIDERAÇÕES COMPLEMENTARES
Este relato refere um recorte de uma pesquisa maior, na qual investigamos o ensino
de arte para pessoas com síndrome de Down sendo que ressaltamos aqui a tecnologia.
Percebemos pelas imagens apresentadas alguns elementos acerca de possibilidades desse
ensino com o uso da tecnologia como elemento de mediação.
A tecnologia, o manuseio da câmera, a interação do grupo e a mediação foram os
destaques nesse relato. Afirmamos, no contato com o grupo, a importância de respeitar o
tempo de cada um e de todos, de oferecer diversas possibilidades de expressar a apreensão do
conteúdo proposto e que, junto com essa expressão de conteúdo vem toda a carga da história
de vida dos participantes.
A interação do grupo também se revela fundamental no aprendizado, sendo
observado em vários momentos em que um ensina o outro, dá ideias e, ao falar sobre sua
percepção, facilita o processo de aprendizado, sendo este um dos objetivos da mediação.
Os participantes aprenderam o uso e manusearam a filmadora, seu emprego para a
criação de imagens, com o uso de um novo conceito, como o de perspectiva, e a busca de
novos focos de interesse em relação à fotografia.
A participação foi vivenciada com interesse, com gosto, foi prazerosa, ampliando a
integração e a colaboração entre os participantes, levando a uma satisfação visível com a
produção obtida. Destacamos o percurso ao trabalhar com os novos conceitos e com as
tecnologias mediadoras da experiência, ampliando a zona de desenvolvimento proximal para o
nível real, pois efetivaram com autonomia ações para as quais, no início do processo,
solicitavam a ação direta da pesquisadora. Esse comentário, bem como a mediação, as
interações sociais, o desenvolvimento e a aprendizagem, corroboram o aporte teórico de
Vygotsky e permitem considerar que a tecnologia pode e deve ser empregada nas aulas de
Artes. Com os participantes, todos com síndrome de Down, ficou evidente a aprendizagem, até
mesmo o desejo de seguir as aulas com o manuseio do equipamento e a mediação da
pesquisadora.
REFERÊNCIAS
ANDALOUSSI, Khalid. Pesquisas-ações: ciências, desenvolvimento, democracia. Trad.: Michel Thiollent. São Carlos: EdUFSCar, 2004.
FREITAS, Neli Klix. Novas tecnologias, educação, formação de professores e construção do conhecimento. Revista: Ibero-Americana de Educación, n. 57, v. 3, 2007. Disponível em: <http://www.rieoei.org/deloslectores/2179Freitas.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2012.
Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.
Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616
FREITAS, Neli Klix: TEIXEIRA, Rosanny Morais. Linguagem e Desenho: formas de comunicação e de expressão do pensamento em pessoas com síndrome de Down e com autismo. In: FREITAS, Neli Klix; RAMALHO, Sandra Regina; NUNES, Sandra Conceição. Proposições Interativas III: Arte, Pesquisa e Ensino. Florianópolis: UDESC, 2011, p. 73-91.
FREITAS, Neli Klix; ANASTASIOU, Helene Paraskevi. Desenho e Inclusão Sócio-educativa: Diálogos com a Arte. In: Anais do VI Fórum de Pesquisa Científica em Arte, Curitiba, ArtEmbap, p. 5, 2008. Disponível em: <http://www.embap.pr.gov.br/arquivos/File/Forum/anais-vi/08HeleneAnastasioueNeliFreitas.pdf>.
KOZMA, C. O que é Síndrome de Down. In: STRAY-GUNDERSEN K (Org). Crianças com Síndrome de Down: guia para pais e educadores. Porto Alegre: ARTMED, 2007.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento: um processo sócio- histórico. São Paulo: Scipione, 1997.
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 1995.
SCHWARTZAN, José Salomão. Síndrome de Down. São Paulo: Mackenzie, 1999.
VYGOTSKY, Lev Seminovich. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
_____. Art y Imaginación en la Infancia. Madrid: Akal, 2005.