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T E X T O

O objetivo de Sartre em O Ser e o Nada é superar a oposição do realismoe do idealismo ou, noutros termos, superar a imanência da consciência aomesmo tempo em que mantém a transcendência do mundo, além de criticaro idealismo francês de sua época.1 Porém devemos nos deter um poucomais neste conceito de mundo pois, embora nitidamente influenciado porHusserl no início de seu pensamento, em O Ser e o Nada, na introdução,Sartre não se mostra partidário do mundo fenomênico husserliano. E,conforme veremos, não era seu objetivo falar do mundo reduzido, mas“superar a oposição do idealismo e do realismo, afirmar (...) a soberaniada consciência e a presença do mundo tal como se dá a nós.”2 Estaafirmação pode até dar ares de uma filosofia nos moldes husserlianos, namedida em que o mundo será tratado enquanto se dá, ou seja, na forma desua aparição. Será esta uma mesma noção de mundo?

No artigo Questão de Método Sartre esclarece a que mundo se referia aoafirmar que “é do concreto absoluto que queríamos partir [e] é ao concretoabsoluto que queríamos chegar.”3 Com esta citação fica mais fácilcompreendermos porque Sartre, em Uma Idéia fundamental daFenomenologia de Husserl: a Intencionalidade, eleva o autor ao mais altograu de lucidez filosófica por ter encontrado o caminho que permitiria superartodos os ‘dualismos’ da filosofia e porque, em seguida, nos textos AImaginação, O Imaginário e, por fim, na introdução de O Ser e o Nada,Husserl é criticado e, até mesmo, acusado de ter recaído no idealismo. Isso,no entanto, se deve ao fato da distância das preocupações sartrianas emrelação às de Husserl, já que Sartre demonstra ter compreendido aintencionalidade como pura e direta relação do homem com o mundo,entendido o mundo como ‘real’, ‘a coisa ela mesma’. Disso decorre estanoção de concreto como totalidade homem no mundo, em oposição ao

Notas à OntologiaNotas à OntologiaNotas à OntologiaNotas à OntologiaNotas à OntologiaFFFFFenomenológica Sartrianaenomenológica Sartrianaenomenológica Sartrianaenomenológica Sartrianaenomenológica Sartriana

A relação Sartre, Husserl e Heidegger na introdução e naprimeira parte de O Ser e o Nada

Luciano Donizetti da SilvaLuciano Donizetti da SilvaLuciano Donizetti da SilvaLuciano Donizetti da SilvaLuciano Donizetti da SilvaMestrando em Filosofia - UFPR

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abstrato, do qual Hegel e Heidegger são, por Sartre, repreendidos4 .

Esta rápida introdução ao pensamento sartriano tem sua importância namedida em que se percebe, entre a introdução e a primeira parte de O Sere o Nada, uma aparente quebra na argumentação e, possivelmente, umapassagem da pesquisa fenomenológica a um nível argumentativo que lançamão de hipóteses e que não se prende apenas à aparição do mundo.5

Nossa questão, no presente texto, pode ser dividida em três linhasargumentativas: Existe, conforme a posição defendida por Bornheim, umaquebra argumentativa na passagem da introdução à primeira parte de OSer e o Nada, no sentido de que Sartre abandona o campo fenomenológicopara se dedicar a uma pesquisa especulativa? Que relação pode ser descrita,de um lado, entre as duas regiões de Ser estabelecidas na introdução de OSer e o Nada (ser-em-si e ser-para-si) e, de outro, o Nada que será temado primeiro capítulo? Como é, caso se verifique uma mudança no métodosartriano de pesquisa, o diálogo ou apropriação de outros autores? Emvista dessas questões é que será lido o início de O Ser e o Nada, nãoesquecendo, por certo, de confrontar com outras obras pertinentes paraque se possa dar uma resposta à questão que nos propomos. Vale lembrarque a argumentação de Sartre não será seguida passo a passo, podendo,por isso, apresentar lacunas não atribuíveis ao autor, que poderão serresolvidas cotejando com o original6 .

O ponto de partida de Sartre, que inclusive permite a crítica feita a Husserl,é a forma de ser da consciência, qual seja, ‘direção àquilo que ela não é’;e a introdução de O Ser e o Nada parte desta idéia fundante (aIntencionalidade da consciência, que é um axioma husserliano) para, apartir da relação fenomênica que esta estabelece com o mundo, chegar aduas regiões do Ser: o ser-em-si e o ser-para-si7 . Aproveitando-se da novanoção de fenômeno (para a qual a aparência é considerada de formapositiva) Sartre se vê livre do impedimento de acesso ao mundo, esse,entendido de modo ‘real’ e ‘concreto’, e pode, assim, estabelecer a relaçãoda consciência com o mundo sem a necessidade de intermediários. Sartreacredita, conforme seu objetivo supra-citado, que a ‘noção moderna defenômeno’ estabelecida por Husserl lhe permitiria falar sobre as coisasmesmas, sem a necessidade de um noumeno (como é o caso kantiano, emque o fenômeno sempre mantinha sob si algo desconhecido e impossívelde ser descoberto) ou de uma hyle (matéria subjetiva husserliana, entendidapor Sartre como um ser híbrido, que não fazia parte da consciência e nempoderia fazer parte do mundo). Assim sendo, a distância entre consciênciae mundo é diminuída, ainda que para isso fosse necessário abandonar a

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pesquisa fenomenológica conforme feita por Husserl e, a exemplo deDescartes, buscar na relação consciência-mundo a solução para esteproblema8 .

Torna-se evidente o início de uma ‘ontologia fenomenológica’ propriamentedita, já que Sartre, a partir desta nova acepção de fenômeno, passa aquestionar o ser desse fenômeno; e a questão pelo fundamento desse serremete, por sua vez, à consciência, já que, para que haja transcendência,é com o mundo que a consciência tem que se relacionar. Conforme veremos,após este movimento da consciência em relação ao ser do fenômeno e seuconseqüente retorno á consciência, o texto tratará de forma exaustiva apenasda consciência, relegando ao fenômeno o status de apenas ser o que é.Retomando a argumentação, vemos que a consciência é sempre movimentoem direção ao mundo transcendente, visto que ela é pura atividadeintencionante do mundo. Aqui, Sartre esbarra no primeiro problema queapresenta sua teoria: se a consciência é intenção do mundo, como podeela não se fundir com ele? Ainda que se tenha a anterioridade do cógitopré-reflexivo, como explicar a reflexão? Sartre se resume a dizer (e mostrarcom exemplos da psicologia9 ) que é da forma de ser da consciência serconsciência do mundo e ser consciência de que é consciência do mundo,o que, para Sartre não caracteriza de modo algum um círculo vicioso, jáque “é da própria natureza da consciência existir em círculos”10 (ela ésempre consciência tética do mundo e consciência não tética de si; comisso, foge-se do argumento que, caso a consciência fosse tética de si mesma,o inventário sobre si seria elevado ao infinito). Sendo esse o modo de ser daconsciência, conseqüentemente, pode-se determinar sua constante relaçãocom o mundo e a pergunta ontológica é inevitável: qual é o ser daconsciência e qual é o ser do mundo para que haja relação entre ambos?Neste ponto, mesmo sendo necessárias algumas mediações, é possíveldetectar a influência heideggeriana no que tange ao conceito de compreensãopré-ontológica utilizado por Sartre como fundamento da relação imediataentre consciência e mundo. Além disso, doravante, a consciência seránomeada ser-para-si em constante movimento rumo ao ser-em-si (mundo).O ser-em-si é opaco para si por estar repleto de si, sendo simplesmente “oque é”11 em relação ao ser-para-si, “que é aquilo que é e não é aquilo queé”12 . Simplificadamente, o ser-em-si é considerado um absoluto, o serpreenchido por si mesmo e isolado em si, e o ser-para-si também éconsiderado um absoluto, já que é puro movimento para fora e não sepode estabelecer seus limites ou, noutras palavras, é o Nada.

A tese idealista de Husserl que, segundo Sartre, determina a constituição do

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Ser pela ação da consciência, rompe com o ponto comum que assegura arelação entre estes dois âmbitos do Ser. Mais do que isso, essa posturaimpossibilita qualquer relação, já que nega o acesso ao ser-em-si. Isso,obviamente, vai de encontro ao projeto de Sartre, o que lhe exigirá um meiode superar esta cisão. Fugindo ao idealismo, foi possível descobrir estesdois seres e, assim, temos o problema esboçado de uma forma maisespecífica: com a fenomenologia foi possível descobrir que o Ser se subdivideem ser-em-si e ser-para-si. O para-si apenas ‘existe’ em relação ao em-sique, por sua vez, estaria isolado, não fosse a ação da consciência. Sartremostrou que a consciência é o puro Nada em relação ao puro existir e queo engano que perpetuava apenas as posturas idealista e realista comosoluções tinha por origem um erro metodológico: tratar separadamenteconsciência e mundo. Referir-se ao concreto, conforme desejava Sartre erareferir-se “à totalidade sintética da qual tanto a consciência como o fenômenosão apenas momentos”13 , ou seja, a solução para um problema de taisdimensões está na opção mais simples, qual seja, não buscar apenas umtermo da questão, mas partir do conjunto, da união consciência mundo.

Visto isto, verifiquemos se não é senão por um desvio que Sartre introduz aquestão do Nada, na perspectiva em que é tratado, em sua narrativa.Parece que, partindo do questionamento fenomenológico desenvolvido naintrodução de O Ser e o Nada esta questão não é decorrente, já que aconsciência foi entendida como um absoluto que é Nada e o ser-em-sioutro absoluto, fechado em si mesmo. Entretanto, servindo-se doquestionamento humano em relação ao mundo, de condutas e deexperiências humanas, Sartre chega à negação ‘no’ mundo como resposta(não, nada, ninguém). O próximo passo é, com base em exemplos decondutas humanas, mostrar que a negação não é um ato judicativo masque, ao contrário, ela é transcendente; é o Ser quem nega. A decorrência éobvia: o Nada está na origem da negação, que surge da interrogação enão da consciência; este Nada surge da relação ao mundo, do ‘homem nomundo’, e não é mais simplesmente o ‘ser da consciência’ (uma clarareferência ao projeto heideggeriano). Com isto, Sartre logrou mostrar aposterioridade lógica do Nada em relação ao Ser, passo importante paraseu objetivo de não cindir o concreto entre Ser e Nada, mas mostrar quesendo o Nada posterior ao Ser, a única possibilidade para sua existência éque ele se extraia do Ser, ou melhor, que ele exista ‘no Ser’. Entretanto, istojá havia se mostrado impossível, já que o ser-em-si é fechado em si mesmo,não podendo por isso manter relações com outras regiões do Ser, além deter definido a consciência como Nada.

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Vale notar aqui a proximidade deste percurso empreendido por Sartre naprimeira parte de O Ser e o Nada e O que é Metafísica, de Heidegger14 ;embora haja diferença de objetivos no que se refere ao projeto sartriano, jáque o aspecto fundante de sua investigação é a consciência e, mesmo se oponto de partida teve bases fenomenológicas, neste momento a questão étrazida por Sartre para o campo existencial, ou seja, o homem “comconsciência”, pode-se assim dizer, no mundo. E, na tentativa de manter asduas regiões de Ser outrora descobertos, Sartre busca estabelecer no ser-para-si a sua própria negatividade e a negação do mundo: “O homem é oser pelo qual o nada vem ao mundo”15 e, assim sendo, pode-se retomar ascontribuições conseguidas fenomenologicamente e vislumbrar uma saídapara se estabelecer a relação entre o ser-em-si e o ser-para-si, já que oconcreto, se entendido como totalidade do homem no mundo, só pode serentendido como um Ser, do qual o ser-em-si e o ser-para-si seriamconstituintes; isso permitiria tirar o Nada do Ser sem recair em contradição,já que este Nada seria proveniente de apenas um dos horizontes do Ser. Noentanto, Sartre passou da análise fenomenológica, na qual considerava as‘coisas mesmas’ como fenômenos para uma análise existencial; assim, aconsciência não pode ser considerada o absoluto (vazio que se direciona aalgo que não é) conforme obtido anteriormente, mas agora é necessáriotratar das condutas do homem no mundo. Explicando melhor, a dificuldadeestabelecida na introdução foi descobrir duas regiões de Ser que, pela suadescrição fenomenológica, não podem ser reduzidas novamente em apenasuma; Sartre estabeleceu o ‘ser dentro do mundo’, idéia incompatível com anoção de ‘ser no mundo’(In-der-Welt-Sein) heideggeriano.

Neste sentido, é possível entender porque, mesmo tendo vislumbrado asolução da relação ser-em-si e ser-para-si no Nada da consciência, Sartrenão leva esta idéia adiante e, chega até a afirmar que as duas regiões ser-em-si e ser-para-si são duas regiões incomunicáveis do ser e para a qual éimpossível estabelecer qualquer relação.16 Já que houve uma passagemda totalidade a que levou a descrição fenomenológica (introdução) paraum âmbito existencial (primeira parte), onde as noções absolutas foramsubstituídas por condutas humanas, a relação apenas é possível graças aoser-para-si “particular”, ou seja, apenas a nadificação do ser-para-siparticular ao ser-em-si é plausível. Isso exclui o problema anterior, quebuscava estabelecer o Nada a partir do Ser. Resta para Sartre explicar comose dá a nadificação do ser-em-si, uma vez que isso requereria uma negaçãointerna no ser-para-si: “só a consciência constitui-se como negaçãointerna”17 . Assim, para fugir da aporia em que iria recair, caso mantivessea postura de absoluto descrita no início de sua pesquisa, Sartre reduz sua

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questão pura e simplesmente ao problema ontológico do conhecimento e oresolve pela primazia ontológica do ser-em-si sobre o ser-para-si.

Em decorrência desses problemas, Sartre abandona seu projeto de ‘partir echegar ao absoluto’ e transfere esta questão para a metafísica, definindo-acomo o estudo dos processos individuais que deram origem ao mundo emsua totalidade concreta e singular. Com isso, livra-se de questões ‘queseriam metafísicas’ mas que, no limite, poderiam ser colocadas para suafilosofia, tais como ‘porque o ser e não antes o nada?’ e ‘qual a origem doSer?’ Para Sartre estas questões não se colocam no campo da ontologiaexistencial, afinal o “ser é, sem razão, sem causa e sem necessidade”18 .Agora, quanto a questões como o sentido do Nada, as relações da origemdo Nada no Ser, o que há de comum entre o ser que é (ser-em-si) e o serque é o que não é e não é o que é (ser-para-si) e, por último, o momentodo nascimento da consciência no embrião (já que ela não pode existir semter passado19 ) são unicamente da alçada da metafísica: “a questão datotalidade não pertence à ontologia20 . Estes problemas são ‘metafísicos’.

Vejamos se estas anotações são suficientes para responder as questões aque nos propomos:

1 - Relativo à primeira questão, sobre se houve um desnível argumentativoentre a introdução e a primeira parte de O Ser e o Nada, podemos concluirque Bornheim tem razão ao afirmar que há uma mudança significativa noque tange ao método da introdução de O Ser e o Nada quando contrastadacom a primeira parte da mesma obra. No entanto, devemos objetar queisto não se deve simplesmente ao fato de Sartre alçar um nível especulativo,mas muito mais pela mudança de campo investigativo, de fenomenológico,em busca de uma resposta que abrangesse a ‘totalidade’, para um nívelexistencial, onde não seria mais possível resolver o problema da relaçãoser-em-si ser-para-si, já que são ambas regiões do Ser e, como Sartre naprimeira parte de O Ser e o Nada questiona a partir de condutas humanas,seria impossível inferir o que fosse descoberto para o ser-em-si, já que ele épuro si mesmo. Mais do que isto, reafirmamos que, uma vez cindido o Serem duas regiões, conforme foi feito na introdução, Sartre tornou estas regiõesincomunicáveis e a única solução encontrada foi a de colocar este problemapara o campo metafísico.

2- A resposta para a segunda questão, a respeito da tematização do Nadana primeira parte e sua relação com a introdução, pode ser pleiteada deduas maneiras: primeiro, Sartre estava profundamente influenciado por

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Heidegger, haja visto a comparação feita entre os conceitos tratados em OQue é Metafísica? e a primeira parte de O Ser e o Nada. Mas longe defazermos aqui uma análise biográfica de Sartre, partamos para a segundahipótese: pode-se entrever, de forma muito mais nítida que a melhor soluçãopara a relação entre o ser-em-si e o ser-para-si era partindo do Nada, jáque, em obras anteriores (Uma Idéia fundamental da Fenomenologia deHusserl: A Intencionalidade, Imaginação e Imaginário) a consciência haviasido definida como Nada. Também por isso Sartre buscou o ‘fundamento’para o Nada que não seria outro senão a consciência; assim estariareestabelecida a relação entre as duas regiões de Ser da introdução. Porém,o caminho proposto por Heidegger não havia feito a cisão inicial (nãohavia ainda tematizado a consciência, conforme o projeto de Ser e Tempo)e isto permitia a ele servir-se do ‘homem no mundo’, objetivo de Sartre quese tornou impossível devido à escolha prévia de tratar de forma total eabsoluta os ‘seres’ dessa relação. Enfim, o que ocorre é uma tentativa deSartre em responder as questões que ele havia se colocado no final daIntrodução e, ao deparar-se com a inviabilidade, deixar de lado as conquistasde seu objetivo primeiro, empurrar estes problemas para a Metafísica econtinuar sua obra, agora num plano puramente existencial. Vão-se osanéis. Ficam os dedos.

3 - A terceira questão, sobe a relação como outros autores, já estápraticamente respondida em vista das duas anteriores e até mesmo do iníciodeste texto. No entanto vale ressaltar algumas coisas: Sartre inspirou oinício de seu pensamento em Husserl, isso é público e notório, mas ao sedeparar uma diferença entre a proposta husserliana e seus objetivos, serve-se daquilo que lhe poderia ser útil no aparato conceitual e toma seu própriorumo. Com Heidegger ocorre algo parecido, já que Sartre objetiva falar do‘homem no mundo’ sem que para isso tenha que partir de instânciasfundamentais e adequar-se ao círculo hermenêutico. Seu projeto é clássico,no sentido de buscar uma filosofia que parta de um fundamento e que dêconta da totalidade das nuanças do real, e o faz a partir de leituras daescola fenomenológica alemã sem, contudo, perder as contribuições dafilosofia moderna francesa. Em resumo, há na obra de Sartre umaapropriação de conceitos de outros filósofos em busca de um fim original,totalizando numa obra, sem dúvida, também original.

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SARTRE, J. P. A Imaginação, in: Coleção ‘Os Pensadores’, p. 33. Tradução Luis Roberto Salinas Fortes. São Paulo: Ed. Abril, 1978.

_______. O Imaginário. São Paulo: Ed. Ática, 1996.

_______. L’ Être et le Néant - Essai d’ ontologie phénoménologique. Paris: Gallimard, 1943.

_______. Questão de Método, in Coleção ‘Os Pensadores’, p. 109. Tradução de Bento Prado Júnior. São Paulo: Abril

Cultural, 1978.

BAUVOIR. S. Lettres au Castor et à quelques autres. Paris: Édition Établi, 1983.

BORNHEIM, G. A. Sartre. São Paulo: Perspectiva, 1971.

HEIDEGGER, M. O Que é Metafísica?, in Coleção ‘Os Pensadores’. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

BIBLIOGRAFIA

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NOTAS1 - Conf. Questão de Método, p. 120.

2 - Conf. Lettres au Castor et á qualques autres, p. 156.

3 - Conf. Questão de Método, p. 119.

4 - A intencionalidade da consciência, de forma simplificada, pode ser resumida

com o axioma “Toda consciência é consciência de alguma coisa”, in Idéias

relativas a uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica, de Husserl.

Neste sentido, Sartre critica Hegel devido à noção abstrata de Ser e de Nada,

conf. O Ser e o Nada, p. 46 a 50. A crítica a Heidegger ocorre em virtude de,

embora ter estabelecido o Nada como posterior na relação com o Ser, em O

que é Metafísica?, não se preocupou em fundamentar este Nada.

5 - Esta opinião é defendida por G. A. Bornheim em seu ensaio Sartre, Metafísica

e Existencialismo, ao referir-se à questão da interrogação do homem ao mundo,

que é colocada em pauta na primeira parte de O Ser e o Nada; assim se

expressa Bornheim: “com este problema, Sartre abandona o plano da descrição

fenomenológica e se ergue a um nível especulativo”, p. 42.

6 - Embora Sartre não tenha feito a delimitação, a argumentação feita no texto

em voga leva a crer que existe um ‘Ser-em-geral’ do qual, fenomenologicamente,

chega-se ao ser-em-si e ao ser-para-si. Quando Sartre fala do ‘para-si particular’,

esta tese se torna ainda mais confiável. Por uma questão didática, neste texto,

quando a referência for feita ao ‘Ser-em-geral’, será escrito apenas Ser

(maiúsculo).

7 - Este tema foi tratado por Sartre, inicialmente e com originalidade, em O

Imaginário, texto que pode ser considerado uma continuidade de A imaginação

onde Sartre criticou Husserl devido a problemas insuperáveis no que toca a

distinção entre o mundo ‘real’ e o ‘mundo fenomênico’, uma vez feita a epoché.

8 - Descartes, obviamente, queria resolver a relação entre alma e corpo. Embora

o problema para Sartre seja outro (relação consciência-mundo), este se refere à

busca de solução na ‘relação’ conf. Sartre, em O Ser e o Nada, p. 36.

9 - Conf. O Ser e o Nada, p. 17 a 19.

10 - O pensamento sartriano não incide em círculo; é a própria consciência que

o faz, in O Ser e o Nada, p. 20.

11 - Conf. O Ser e o Nada, p. 34.

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12 - Conf. O Ser e o Nada, p. 23.

13 - Conf. O Ser e o Nada, p. 37.

14 - É gritante a proximidade da argumentação de O que é Metafísica? e este

capítulo de Sartre pois se Heidegger parte do Não, chega à negação e, daí, ao

Nada. Sartre percorre o mesmo caminho, com a diferença de que introduz, no

início, a interrogação do ser-para-si ao ser-em-si para, daí, chegar ao Não, à

negação e ao Nada. Os objetivos também terão uma diferença básica: se

Heidegger está pleiteando o Nada como possibilidade de desvelamento do Ser

(razão pela qual é criticado por Sartre, já que não se preocupou em estabelecer

o fundamento do Nada), Sartre utilizará o Nada como vetor de ligação que

permitirá explicar a relação do ser-em-si e do ser-para-si. Isso também explica

o crescente do texto de Sartre que, a partir da Angústia, conceito entendido por

Heidegger como o sentimento do Nada, vai tirar a Liberdade. Isso será tratado

num texto posterior.

15 - Conf. O Ser e o Nada, p. 60 a 61.

16 - Conf. O Ser e o Nada, p. 666.

17 - Conf. O Ser e o Nada, p. 754 a 755.

18 - Conf. O Ser e o Nada, p. 755.

19 - Isso se deve ao fato de a consciência ser relação a um transcendente que ela

não é mas que deve sempre se solidarizar, e isto pressupõe que ela desde sempre

tenha um passado, ou seja, como sendo já nascida, Conf. O Ser e o Nada, p.

189.

20 - Conf. O Ser e o Nada, p. 761.