sicologia olítica · coletivo ou das massas antes do que os atos individuais isolados....

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2005 Sociedade Brasileira de Psicologia Política Jul. / Dez. . VOL.5 . nº 10 . ISSN 1518-549X P sicologia olítica

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  • 2005

    SociedadeBrasileira dePsicologia Política

    Jul. / Dez. . VOL.5 . nº 10 . ISSN 1518-549X

    Psicologiaolítica

  • Sociedade Brasileira de Psicologia Política

    PresidenteSalvador Antonio Mireles Sandoval (PUCSP/Unicamp-Brasil)

    Vice-PresidentesCentro Oeste - Ana Raquel Rosas Torres (UCG-Brasil)

    Sudeste - Cornelis van Stralen (UFMG-Brasil)Norte - Enock Pessôa (UFAC-Brasil)

    Nordeste - Leoncio Camino (UFPb-Brasil)Sul - Louise Lhullier (UFSC-Brasil)

    Secretário GeralMarco Aurélio Máximo Prado (UFMG-Brasil)

    Conselho FiscalKarin von Smigay (UFMG-Brasil)Maria Palmira da Silva (ESP-Brasil)

    Cícero Pereira (UCG-Brasil)Alessandro Soares da Silva (PUCSP-Brasil)

    Comitê Editorial da RPP

    EditoresMarco Aurélio M. Prado (UFMG-Brasil)

    Salvador Antonio Mireles Sandoval (PUCSP/UNICAMP-Brasil)

    Comissão de ApoioBruno da Graça Leite Padilha (PUCSP-Brasil)

    Frederico Viana Machado (UFMG-Brasil)Nadir Lara Junior (UNIMARCO-Brasil)

    Soraia Ansara (PUCSP-Brasil)

    Conselho EditorialAna Raquel Rosas Torres (UCG – Brasil), Bert Klandermans (Free Univ. ofAmsterdam – Holanda), Cecília Coimbra (UFF – Brasil), Celso Pereira de Sá (UERJ– Brasil), Celso Zonta (UNESP – Brasil), Cornelis van Stralen (UFMG – Brasil),Elísio Estanque (Univ. de Coimbra – Portugal), Iray Carone (USP – Brasil), JohnHammond (CUNY – EUA), Jorge Valla (Univ. de Lisboa –Portugal), Jose Sabucedo(Univ. de Santiago de Compostela – Espanha), Karin von Smigay (UFMG – Bra-sil), Louise Lhullier (UFSC – Brasil), Lucília Reboredo (UNIMEP – Brasil), MárciaRegina de Oliveira Andrade (ITESP – Brasil), Maria da Graça Correa Jacques

  • (UFRGS), Maria de Fátima Quintal de Freitas (UFPR – Brasil), Maria AparecidaMorgado (UFMT – Brasil), Maritza Montero (UCV – Venezuela), Odair Sass(PUC/SP – Brasil), Osvaldo Yamamoto (UFRN – Brasil), Pedrinho Guareschi(PUC/RS – Brasil),Telma Regina de Paula Souza (UNIMEP/PUCCAMP – Brasil)

    Os artigos da RPP são de responsabilidade dos autores.

    Endereço para correspondênciaNúcleo de Psicologia Política - Universidade Federal de Minas Gerais

    Faculdade de Filosofia e Ciências humanasAv. Antônio Carlos, 6.627 - FAFICH - sala 4020 - Pampulha

    Cep: 31.275-901 - Belo Horizonte - Minas Gerais - BrasilRevista disponível integralmente no site:

    www.fafich.ufmg.br/~psicopol

    Revisão técnica de língua inglesaSalvador Sandoval - PUC/SP

    Cornelis van Stralen - UFMG

    Preparação para formato eletrônicoFrederico Viana Machado

    Diagramação e Produção EditorialAna Paula Trindade

    Fone: (31) 3225-5309 || (31) 9968-5309

    Tiragem500 exemplares/Impresso em 2006

    Banco de dados em IndexINDEX PSI (Conselho Federal de Psicologia)

    Geodados (Universidade Estadual de Maringá)PSER INFO

    Revista psicologia política / Sociedade Brasileira de PsicologiaPolítica – vol.5, nº10 - (Jul./Dez. 2005). – São Paulo: SBPP,2001

    Semestral

    ISSN 1519-549X

    1. Psicologia política – Periódicos 2. Psicologia social –Periódicos3. Psicologia e política – Periódicos.

    CDD-320.019

    Bibliotecária: Rosangela Ap. Marciale CRB 8/5846

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    vol. 5 - número 10 - julho / dezembro 2005

    Linha editorial .............................................................. 153

    Mensagem da Diretoria da Sociedade Brasileira dePsicologia Política - SSBP ................................................ 155

    Editorial ....................................................................... 157

    Psicologia, tecnologia e educação: apontamentos sobreOliveira Vianna e Lourenço Filho - Odair Sas (PUC-SP) ......... 161

    Notas sobre movimentos sociais e participação política -Stella Narita (IP-USP)........................................................ 183

    Povos indígenas e o sistema colonizador na Amazôniasul-ocidental - Enock da Silva Pessoa .................................. 211

    Prática do sistema albergal: subversões, submissões epossibilidades de sublevações - Ricardo Mendes Mattos(UNIMARCO), Mauro Kenji Yamaguchi (UNIMARCO),Adriana Rodrigues Domingues (UNIMARCO) ........................... 239

    Esporte e sociedade: entre civilização e barbarie -José Newton Garcia de Araújo (PUC - MG) ........................... 273

    Psicologia do Trabalho ou do Capital? Eis a questão... -José Roberto Montes Heloani (FGV-SP - UNICAMP -UNIMARCO - CRP-SP) ....................................................... 297

    Publicando na RPP ......................................................... 313

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    vol. 5 - number 10 - july / december 2005

    Editorial Linel ............................................................... 153

    Message from Brazilian Society of PoliticalPsychology ................................................................... 155

    Editorial ....................................................................... 157

    Psychology, technology and education:notes ofOliveira Vianna and Lourenço Filho -Odair Sas (PUC-SP) ........................................................... 161

    Notes about social movements andpolitical participation - Stella Narita (IP-USP) ....................... 183

    Indians peoples and the colonizer system in south-westAmazonia - Enock da Silva Pessoa ........................................ 211

    For the criticism of the homeless shelter system:subversion, submission and sublevation possibilities-Ricardo Mendes Mattos (UNIMARCO), Mauro KenjiYamaguchi (UNIMARCO), Adriana RodriguesDomingues (UNIMARCO) ................................................... 239

    Sport and society: between civilization and barbarism -José Newton Garcia de Araújo (PUC - MG) ........................... 273

    Psychology of work or psychology of capital?This is the question... - José Roberto Montes Heloani(FGV-SP - UNICAMP - UNIMARCO - CRP-SP) ........................... 297

    Submission guidelines ..................................................... 313

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    A Revista Psicologia Política é um periódico semestral vinculado aSociedade Brasileira de Psicologia Política (SBPP). A Revista é umapublicação dirigida ao campo de estudos interdisciplinar da Psicolo-gia Política. Constitui-se, portanto, em um periódico de estudos dasproblemáticas no campo da Psicologia Política que tem comoepicentro a reflexão sobre o comportamento político nas socieda-des contemporâneas. O ponto de intersecção entre estas duas áre-as científicas – Psicologia e Política – tem sido a preocupação com aconstrução de um universo de debate no qual nem as condiçõesobjetivas nem as subjetivas estejam ausentes, pelo contrário, estãosendo compreendidas, por diferentes abordagens teóricas, comocodeterminantes, portanto, constituintes dos comportamentos co-letivos, dos discursos, das ações sociais e das representações queconstituem antagonismos políticos no campo social. A Revista preo-cupa-se com o desenvolvimento deste campo interdisciplinar de re-flexão e prática investigativa, no qual os principais debates têm sidoreunidos em torno de questões como o preconceito social, dife-rentes formas de racismos e xenofobias, ações coletivas e movimen-tos sociais, violência coletiva e social, socialização política, compor-tamento eleitoral, relações de poder, valores democráticos eautoritarismos, participação social e políticas públicas, bem comoos estudos sobre opinião pública e meios de comunicação de massa.Reunem-se, ainda, nestas preocupações, os estudos sobre análisede discursos e ideologias, de universos simbólicos e de práticasinstitucionais. As questões referentes aos debates teóricos emetodológicos neste campo são bem recebidas por este conselhoeditorial que tem a preocupação de debater cientificamente oaprofundamento das temáticas constituintes da interface entre osaspectos políticos e os psicológicos.

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    Mensagem da Sociedade Brasileirade Psicologia Política

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  • Psicologia, tecnologia e educação:apontamentos sobre

    Oliveira Vianna e Lourenço Filho

    Odair SassMestre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP

    ResumoO presente artigo examina a presença da Psicologia nos campos da

    Educação e da Política, destacando que, no Brasil, o recurso a essa discipli-na se dá mais precisamente como ciência aplicada ao exercício do controlesocial e como tecnologia do que uma ciência da vida psíquica, voltada parao bem estar dos indivíduos. São apresentados dois casos desse tipo derecurso: a) os escritos de Oliveira Vianna, publicados em 1923 e 1949, rela-tivos ao papel da Educação na formação social e política brasileira e b) oestudo sobre a Escola Nova, realizado por Lourenço Filho, publicado em1930, com vistas à organização da escola brasileira.

    Palavras-chaveEducação—controle social—psicologia social—psicologia política—

    tecnologia

    161Psicologia Política . vol. 5 . nº 10 . p. 161- 181 . jul - dez 2005

  • Psicologia, Tecnologia e Educação: apontamentos sobre Oliveira Vianna eLourenço Filho

    Psychology, technology and education:notes of Oliveira Vianna and

    Lourenço Filho

    AbstractThe present article examines the presence of Psychology in the

    Educational and Political fields highlighting that, in Brazil, the call for thosedisciplines is rather carried through as science applied to the exercise of thesocial control and as technology than as science of psychical life related towell-being of the individuals. Two cases of this kind of calling are presented:the writings of Oliveira Vianna, published in 1923 and 1949, relative to therole of Education in the Brazilian social and political shape and b) the studyon the New School by Lourenço Filho published in 1930 seeking an Brazilianschool arrangement.

    Key wordEducation – Social Control – Social Psychology – Political Psychology –Technology

    162 Sociedade Brasileira de Psicologia Política

  • O reconhecimento de que o comportamento humano recebe influên-cias do meio sócio-cultural por intermédio da convivência social remontaaos primórdios da formalização da psicologia como disciplina científica,realizada desde o último quartel do século XIX.Tome-se, por exemplo, aPsicologia dos povos(Völkerpsychologie), de Wilheim Wundt, publicadoem 1900, e Princípios de psicologia (The Principles of Psychology), deWilliam James, publicado em 1890. Os dois autores contribuíram distintiva-mente para a refutação da consciência como substância propugnando quetal conceito deveria ser entendido mais apropriadamente como uma funçãopsicológica e repousando suas convicções na psicologia fisiológica. Con-tudo, enquanto Wundt procura distinguir a porção das funções mentaisque não dependem da convivência com os outros daquela porção dasfunções étnicas dependentes da vida coletiva, James propõe a noção deself—constituído pelo eu(I) e o mim(Me)—como função psicológica de-senvolvida pelo indivíduo a partir de suas experiências com os outros eque ele as declara como suas. O self, segundo James, contrapõe-se tanto anoção de eu empírico do associacionismo quanto ao ego transcendental,que, admitido como um a priori não modificável, é incompatível com asevidências da evolução do indivíduo, realizada no decorrer de sua históriade vida.

    Desde esses primórdios desdobram-se, em consonância com as mu-danças das relações sociais promovidas pela sociedade capitalista , de umlado, intensos debates acerca da funções mentais do indivíduo na evolu-ção da sociedade e, de outro, em preocupações com o comportamentocoletivo ou das massas antes do que os atos individuais isolados. Menci-one-se, a título de registro, a conhecida polêmica travada entre GabrielTarde, que sustentava ser a imitação um mecanismo psíquico essencialpara explicar o comportamento social do indivíduo, enquanto Émile Durkheimreivindicava ser a pressão social(la contrainte) o elemento decisivo paraexplicar os atos e pensamentos individuais como fato sociológico(Germani,1971). Acrescente-se a essa polêmica uma outra, tão intensa quanto rele-vante, que incide sobre a função do indivíduo em comportamentos coleti-vos e que reverbera até a atualidade. São exemplares, além de Wundt,Durkheim, James e Tarde, autores franceses, tais como Charles Blondel eGustave Le Bon—importantes elaboradores da psicologia coletiva, psico-logia dos povos e das multidões—e estadunidenses, tais como John Deweye George Herbert Mead—propositores da psicologia social—,sem esque-cer, é óbvio, os nomes de William McDougall e Sigmund Freud.1

    163Psicologia Política . vol. 5 . nº 10 . p. 161- 181 . jul - dez 2005

    Odair Sass

  • Psicologia, Tecnologia e Educação: apontamentos sobre Oliveira Vianna eLourenço Filho

    Neste ensaio explora-se dois modos com que a psicologia social éinserida nas ciências sociais e na educação brasileira; em particular, preten-de-se evidenciar como a psicologia é introduzida, no Brasil, comotecnologia, isto é, como componente relevante para o exercício do controlesocial sobre o indivíduo. O primeiro modo trata da conversão da psicologiasocial em psicologia política tal como se depreende dos escritos de JoséFrancisco de Oliveira Vianna[1883—1951]; diga-se, o primeiro autor brasi-leiro, do ponto de vista cronológico, a adotar a psicologia social como ummodo de interpretar, sob a óptica da psicologia social, o homem brasileiroem relação ao meio sócio-cultural(OliveiraVianna,1923) bem como a organi-zação política brasileira(OliveiraVianna,1987). Antecipe-se que o significa-do atribuído por Oliveira Vianna à Psicologia Social aproxima-se bastantedaquele assumido pela tendência francesa de tradição durkheiminiana, comuma aplicação singular à época em que escreveu, pois, inscreve a psicolo-gia social como psicologia política, especificamente, como elemento cen-tral de sua análise sobre as carências da vida política brasileira e básicopara aquilo que ele denomina de “tecnologia das reformas sociais”( Olivei-ra Vianna,1987.); por sua vez, a educação é entendida pelo autor comoeducação política do povo para superar a inércia social fundada na tradiçãoe nos costumes bem como a coação imposta por transformações exógenasconduzidas pelo Estado, na mesma proporção que rejeita a educação redu-zida, pelos reformadores, à alfabetização.

    O segundo modo é exemplificado pelo conhecido estudo da EscolaNova levado a cabo por Manuel Bergström Lourenço Filho [1897—1970],publicado em 1930, no qual o autor adere à psicologia funcional ou dainteligência e fundamenta as bases para o desenvolvimento da psicometriae da mensuração pedagógica,no Brasil.

    I - Da psicologia do povo massa à psicologia política: OliveiraVianna

    Em Instituições políticas brasileiras, publicado pela primeira vez em1949, Oliveira Vianna faz referência à sua obra anterior em que tratou dacultura (da elite e do povo-massa dos sertões, matas, planaltos, pampas)bem como das relações entre o direito público elaborado (constitucional e

    164 Sociedade Brasileira de Psicologia Política

  • administrativo) e o direito público costumeiro, enraizado nas tradições enos costumes do povo-massa, nos seguintes termos:

    (...)”antes de me lançar nos estudos do direito trabalhista,de 1932 até 1940 (o que me levou, por imposições das minhaspróprias funções consultivas, ao setor de nossas tradições e costu-mes esportivos), eu já havia me deparado, desde 1920, com umaoutra camada de nosso direito costumeiro, também inexplorada ecuja sondagem fui, no Brasil, o primeiro a realizar: a camada donosso direito público, constitucional e administrativo, elaborado—como o direito social dos marítimos e portuários e o direito espor-tivo do remo e do atletismo—também pela atividade e espontanei-dade criadora do nosso povo-massa. Do nosso povo-massa, jáagora não mais dos centros urbanos da costa e do planalto; mas,do povo-massa das regiões rurais do país, habitante de suaamplíssima hinterlândia, fora da área metropolitana das capitaisestaduais e da capital fluminense”.(Oliveira Vianna, 1987:20)

    Como se depreende, Oliveira Vianna, ao arrolar os temas de seu inte-resse, que incidem em especial sobre os costumes e os direitos do povo-massa antes do que aqueles da elite, estabelece o vínculo de sua obraproduzida nos anos de 1920 com aquela produzida nos anos de 1940. Cabe,então, indagar quais são os elementos permanentes ou descontínuos dosdois momentos referidos pelo autor, focalizando especificamente a funçãoque ele atribui à psicologia social.

    Integra a sua obra precedente o ensaio intitulado Pequenos estudosde Psycologia social (1923); um dos primeiros textos integrais publicadosno Brasil que registram em seus títulos a denominação: psicologia social.Organizado em quatro partes—o meio social, o meio político, o meio serta-nejo, o homem e a raça—o autor insiste que esse livro bem como outros desua lavra,

    “ inspiram-se num pensamento contrário a essa xenophiliaexagerada de nossas elites políticas e mentaes: o seu ponto departida é a nossa gente, o nosso homem, a nossa terra, isto é, oquadro das realidades sociais e naturaes, que nos cerca e em que

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    Odair Sass

  • vivemos” (Oliveira Vianna, l923:iv).

    A essa simpatia exagerada pelas pessoas e coisas estrangeiras oautor se contrapõe argumentando que o seu

    “...é o único ponto de partida sério de qualquer movimentonacionalista...” e que “o primeiro dever de um verdadeiro nacio-nalista é nacionalizar suas idéias—e o melhor caminho para faze-lo é identificar-se, pela inteligência, com o seu meio e a sua gente”(Oliveira Vianna, 1923:iv).

    O nosso nacionalista tece as suas considerações acerca do meiosocial afirmando a existência de uma identidade moral do brasileiro, cujapermanência no subconsciente da raça não decorre de uma degeneraçãodo caráter nacional, como querem muitos, mas, porque,

    “ o que está dando á nossa sociedade esta apparencia decorrupção e degeneração e (...) de desalento e egoísmo, póde-secompendiar nesta formula synthetica: tendencia de origem recen-te, das classes superiores e dirigentes do paiz a se concentraremnas capitaes; dahi, como consequencia, uma crise intensa e extensanos seus meios profissionaes de subsistência.”(OliveiraVianna,1923:22-23).

    Oliveira Vianna, marcado pela transição do Império para a República,que ele reputa como uma realização de improviso, toma como fio condutorde suas considerações as múltiplas dualidades (urbano-rural; povo-elite;passividade –atividade, nacional-estrangeiro, rústico/sertanejo-intrépido/citadino) para daí constatar:

    1) a ruína da aristocracia rural brasileira que dominou a política brasi-leira até o final do segundo reinado, quando foi fulminada por “uma espé-cie de sideração econômica”, causada pela “lei da abolição inopinada einepta”(Oliveira Vianna,1923:79-80);

    166 Sociedade Brasileira de Psicologia Política

    Psicologia, Tecnologia e Educação: apontamentos sobre Oliveira Vianna eLourenço Filho

  • 2) a carência de uma cultura política e de uma experiência democráticado povo brasileiro(antes do que um traço incorrigível do caráter nacional),condições necessárias para dirigir a conduta racional e democrática , assimcomo ocorre na América e na Inglaterra onde “ha uma democracia real,vivaz, actuante, culta, tradicionalmente versada no trato dos negociospublicos”; enquanto,

    “aqui, o que existe é a negação de tudo isto, é uma democra-cia inconsciente de si mesma, absenteísta, indifferente, completa-mente alheia á vida administrativa e politica do paiz. Lá,... o silen-cio dos grandes homens do campo dos debates políticos seriasupprido pelo proprio civismo dos cidadãos, pelo instincto politicodas massas, pelos habitos millenarios de self-government edemocracia.Aqui,...só a presença constante, assídua, insistente, dosdirigentes nos comícios, na imprensa, nas assembléas...é que po-deria dar ao povo, aos cidadãos em geral, o conhecimento mais oumenos exacto dos negocios publicos, um criterio seguro de conductaeleitoral—enfim, um pouco de aptidão democratica”(OliveiraVianna,1923:62);

    3) o mal posicionamento do conjunto de problemas que dá consis-tência à chamada “questão nacional” porque,

    “neste caso, como em todos os outros, e em todos os tempos,sempre procedemos segundo a nossa velha maneira, isto é, parti-mos sempre dos systemas, das theorias, das doutrinas, das idéasfeitas, em summa, da ‘opinião dos autores’, e baseamos todos osnossos raciocinios sobre esses materiaes theoricos, sem nos preo-cupar em mesclal-os com a menor porção, o traço mais insignifi-cante das nossas realidades, dos factos concretos do nosso meio eda nossa vida”(Oliveira Vianna,1923:89).

    A essa reivindicação de que a questão nacional seja equacionadapelo potencial nacional de resolução, o autor acrescenta que o apelo e oapego ao que é estrangeiro faz com que no Brasil “cultura significaexpatriação intelectual”; associação de que se utiliza para encetar

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    Odair Sass

  • despautérios sobre o socialismo e o comunismo (Oliveira Vianna,1923),como se “a questão nacional” fosse produzida e sua resolução fosse impe-dida pelo pensamento de esquerda, em vez de atribuir os problemas nacio-nais, com os dados que dispõe, à uma aristocracia arruinada, à uma buro-cracia açodada ou à uma elite débil e desorientada para realizar o necessárioajustamento entre a esfera social e a esfera política, ainda que dessa elitefaçam parte os doutores, os políticos e os burocratas

    De pequenos estudos vale ainda observar que o autor(a)conclui assuas análises sobre os obstáculos ao desenvolvimento social e políticobrasileiro discorrendo sobre dois personagens importantes na transiçãobrasileira do regime monárquico para o regime republicano: Diogo Feijó(Regente Feijó) e Joaquim Nabuco. Essa observação importa porqueexemplifica o modo sociológico de operar, que o autor aplica ao tomarindivíduos como tipos sociais para daí encetar suas considerações acercado caráter nacional e a ordem política brasileira; b) em sua obra posteriorconsidera esse ensaio como uma das sondagens que realizou a propósitoda distinção entre a cultura de elite e do povo-massa que habita os sertões,as matas, os planaltos, os pampas, conferindo-lhe assim um papel, juntocom seus outros escritos, de fio condutor que se desdobra em suas inves-tigações de sociologia das instituições políticas do povo brasileiro(OliveiraVianna, 1987).

    A sociologia das instituições brasileiras trata, no primeiro volume, darelação entre o direito, a cultura e o comportamento social, acompanhadapor uma análise da culturologia do Estado, e finalizada, como a quarta partedo livro, pela psicologia política, isto é, o esforço para tornar compreensí-vel a razão real da falta de habilitações para a prática democrática inexistentesdesde o período colonial em decorrência da ausência de uma escola propri-amente brasileira, pois,

    “das instituições democráticas e do interesse coletivo o quehavia—nas elites políticas de primeiro, segundo e terceiro graus—eram apenas idéias gerais, pré-noções, como se diz em psicologiado conhecimento, aprendidas nos livros—nas Universidades;mas,estas idéias aprendidas nos livros—e não nos costumes e nas tra-dições—careciam por isso mesmo de força afetiva, desse coeficien-te emocional, que só os ‘complexos culturais’—nascidos da educa-ção social e vindos dos costumes—possuem...” (Oliveira

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    Psicologia, Tecnologia e Educação: apontamentos sobre Oliveira Vianna eLourenço Filho

  • Vianna,1987:256-257).

    Essas idéias aprendidas nos livros, destituídas de uma psicologia doconhecimento enraizada nos costumes e nas tradições do povo, andam depar com a falta de uma escola própria que promova a educação social ou aeducação política do povo, para a qual “só há uma escola eficiente—aescola dos seus costumes, das suas tradições, dos seus usos, das suasinstituições sociais, do seu direito público costumeiro, em suma.”(OliveiraVianna,1987:257).

    Vê-se aqui, com clareza, um liame que prende a perspectiva dos escri-tos do autor: a psicologia como um elemento explicativo de uma história dequatro séculos de colonização e de imitação do que é estrangeiro, marcadapela discrepância entre o que é idealizado pelas elites e o que de fato épraticado pelo direito costumeiro do povo-massa; discrepância separadorada cultura das elites e das massas, prolongada até mesmo com o novoregime. Além disso, se, as sondagens parciais realizadas pelo autor desdeos anos de 1920 “deram a revelação de um conflito patente entre estacultura das elites metropolitanas e a cultura de nossa enorme massarural, que é quase toda a nação”, na sociologia das instituições o objetivoé o de “estudar o nosso direito público e constitucional exclusivamente àluz dos modernos critérios da ciência jurídica e da ciência política: istoé, como um fato de comportamento humano”, do que decorre concluir queos problemas de reformas de regime, convertem-se em problemas de mu-dança de comportamento coletivo, imposto ao povo-massa; portanto emproblemas de cultura e de culturologia aplicada.”( OliveiraVianna,1987:20-21). Antes, os hábitos mentais ausentes, a inconsciência daelite, dos políticos e dos intelectuais do novo regime, agora, de posse doconceito de cultura (Oliveira Vianna,1987), a constituição do Estado nacio-nal, investigado sob a óptica do comportamento social e político.

    Assim, no que concerne à psicologia no Brasil, é de todo relevanteregistrar: se a psicologia social é um componente decisivo para a interpre-tação do autor acerca da cultura e da formação social e política do brasilei-ro, ao longo de sua obra, não é menos procedente afirmar que ela deixa deser uma psicologia dos povos e das massas, marcada pelo ensaísmo dePequenos estudos..., para se converter em instrumento fundamental dametodologia do direito público e da tecnologia das reformas sociais2 , ouseja, a psicologia social converte-se em psicologia política. Nos termos do

    169Psicologia Política . vol. 5 . nº 10 . p. 161- 181 . jul - dez 2005

    Odair Sass

  • autor, a persistência do domínio senhorial, dos clãs eleitorais ou partidospolíticos, que continuam a ser fatores preponderantes para explicar a fragi-lidade das estruturas democráticas(local, provincial e nacional), impõe anecessidade de se criar organizações “ para fins de interesses coletivos”,do que decorre que a psicologia política deve expressar “o conteúdo psico-lógico da atividade política brasileira e a carência de motivações cole-tivas nos comportamentos partidários.”(Oliveira Vianna,1987:254).

    A função exercida pela psicologia na análise política conduzida peloautor é retomada, no segundo volume, para balizar a crítica encetada contrao que ele denomina de tecnologia das reformas sociais, ou seja, as transfor-mações realizadas pelas sociedades modernas em decorrência das inven-ções, das instituições e hábitos mentais correspondentes, do direito apli-cado e do conhecimento desenvolvido pelas ciências sociais.

    Ao constatar que “a nossa sociedade se tem transformado, e melho-rado, e progredido: os seus antigos ‘complexos culturais’ se estão desin-tegrando e evoluindo”, arremata o nacionalista que o “nosso mal, a causade todos os nossos erros, e também dos nossos desesperos, é a incapaci-dade de compreender isto, de aceitarmos ou nos conformarmos com estafatalidade da história, que é—a lentidão da evolução das realidadessociais. Queremos atingir logo—a golpes de leis e de programas políti-cos—um estágio cultural, que os povos europeus mais civilizados leva-ram séculos, e mesmo milênios, para atingir.” (Oliveira Vianna, 1987:94).Por isso, reitera que sua dúvida

    “está em outra espécie de transformações:—as que vêm defora, as que são preparadas pelo Estado ou forçadas por ele,usando da coação, através da lei ou através dos golpes de força.Destas eu duvido e dos seus resultados...Com estas eu conto pou-co—e rio-me,às vezes, delas e de seus promotores.”(OliveiraVianna,1987:96).

    A rigor, a leitura do texto indica, que o autor não tem efetivamentemuitas dúvidas quanto às reformas sociais impostas, seja pelo que denomi-na de técnica autoritária, seja pelo que denomina de técnica liberal, ambasfadadas ao fracasso, pois, tanto em regimes democráticos quanto em regi-

    170 Sociedade Brasileira de Psicologia Política

    Psicologia, Tecnologia e Educação: apontamentos sobre Oliveira Vianna eLourenço Filho

  • mes autoritários, é preciso admitir que

    “...no planejamento de qualquer reforma política ou de qual-quer reforma social, que importe uma mudança de conduta ou dealteração do comportamento habitual do povo—o primeiro pontoa esclarecer, a conhecer ou a atender há de ser o exame das condi-ções culturais do povo, a análise de suas tradições vivas, dos seususos e costumes:—disto dependerá o êxito ou o fracasso da refor-ma em causa.”(Oliveira Vianna, 1987:101).

    Também por isso, o sociologista brasileiro, descrê das iniciativas quevisam implementar a ação educativa do Estado, posto que, indica-nos ahistória, não há correlação entre analfabetismo e capacidade política de umpovo bem como é

    “grande a confusão que os nossos teoristas políticos fazementre a capacidade democrática e alfabetização—o que tem levadoos nossos governos a gastar rios de dinheiro, não para dar educa-ção profissional ao povo—que é o que ele precisa substancialmen-te; mas, prepará-lo civicamente ‘para a democracia’, para o exer-cício do ‘sagrado direito do voto’—preocupação ingênua que sereflete claramente nos programas escolares e nos métodos deensino.(Oliveira Vianna,1987:142). Ou, em termos mais contun-dentes: “Estamos ainda no lirismo do mote antigo—‘onde se abreuma escola se fecha uma cadeia e prepara-se um cidadão’, que asciências sociais modernas desmentem e desautorizamcompletamente”(Oliveira Vianna,1987:142).

    É suficiente para os nossos propósitos o que se expôs acerca doentendimento de Oliveira Vianna relativo á psicologia como psicologia po-lítica e as indicações arroladas quanto à educação, ainda que, sem dúvida,a obra do autor constitua uma peça importante para se investigar a históriada formação social brasileira, a história da psicologia e da educação noBrasil.

    De modo bastante distinto, acompanhe-se, a seguir, uma perspectivafavorável ao recurso da psicologia na organização da educação escolar noBrasil, adotando como referência um texto importante de Lourenço Filho,

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    Odair Sass

  • admitido, aqui, como um exemplar da difusão da psicologia como ciênciaaplicada para o controle social do indivíduo, ou seja, como tecnologia.

    II - Introdução ao estudo da Escola Nova: Lourenço Filho

    A obra de Lourenço Filho sobre a Escola Nova obteve entre 1930 e ofinal dos anos de 1970 uma dúzia de edições, sofrendo entre as váriasedições significativas reformulações; nas primeiras edições o autor mante-ve a exposição sob a forma de lições—precisamente cinco lições comoeram denominados os cinco capítulos que compunham o livro—e nas últi-mas o texto é apresentado em 12 capítulos distribuídos em três partes.Aqui,as referências foram extraídas da 6ª.edição, publicada em 1948, ainda apre-sentada sob a forma de lições.

    Vale salientar que não se trata aqui de investigar o papel que a psico-logia desempenha na produção intelectual do autor, pretende-se apenasressaltar a apropriação que ele realiza no livro mencionado com destaquepara a psicologia e a psicologia social, de modo a cotejar tal apropriaçãocom as perspectivas da psicologia social que lhe eram disponíveis.

    Nesses termos, a principal conclusão que se pôde extrair é a seguin-te: o estudo da escola nova realizado por Lourenço Filho exprime a ambi-güidade das psicologias que lhe são contemporâneas, ou , em outras pala-vras, a apropriação do autor oscila entre a psicologia associacionista eintelectualista—criticada por John Dewey, um dos mais conhecidos auto-res da Escola Nova e sistematicamente referido nas obras do educadorbrasileiro—e a psicologia social , cultural ou interpsicologia, como prefere,por vezes, o autor denominar as tendências da época. Em especial, procedi-da a análise de conteúdo, conclui-se que o autor inclina-se 1] para a promo-ção da psicologia da inteligência em detrimento da psicologia social—tendência que lhe era acessível, como registra o livro em pauta e 2] comodesdobramento dessa inclinação para a psicologia das diferenças das ca-pacidades individuais, contribui para difundir um vínculo indevido entre apsicometria e a educação progressiva postulada por Dewey; vínculo que,note-se, orienta certas interpretações acerca do papel desempenhado pelapsicologia na educação brasileira3 .

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    Psicologia, Tecnologia e Educação: apontamentos sobre Oliveira Vianna eLourenço Filho

  • A psicologia é referida ao longo de toda a exposição, obviamente,com modulações variadas e com base em um repertório diversificado defontes teóricas e de autores. De todo modo dois aspectos se sobrelevam. Oprimeiro é que a psicologia, em termos concisos, é inserida, por meio dasprincipais tendências teóricas da época, na lição inicial, diga-se a maisextensa das cinco, dedicada a estabelecer as bases da educação. A classi-ficação em tendências biológica, na qual o autor inclui a psicologia gené-tica e a psicologia comparada, interpretativa, exemplificada pela ciência docomportamento (behaviorismo) e estruturalista, indicada pela psicologiada forma (Gestalt), antes de ser criticada pela fragilidade dos critérios declassificação ou pelas omissões visíveis de autores e de tendências, deve,para fazer justiça ao autor e ao objetivo da Introdução..., ser admitida comoum procedimento compatível com a noção de psicologia que se pretendiadifundir em consonância com as renovações dos fins e dos meios da edu-cação de que a Escola Nova se dizia portadora.

    Esclareça-se que a escola nova é para o autor um conceito social queabrange tanto uma visão geral da educação quanto uma renovação de seusfins e meios realizados nas instituições escolares, não sendo passível, porisso, de ser reduzida a um conceito didático.Tal renovação, diga-se, inicia-da com uma atitude técnica da ação educativa, fortemente apoiada nosestudos sistemáticos de natureza biológica que incidiam sobre a criança,sofreu um impulso decisivo, com o desenvolvimento das ciências psicoló-gicas de base experimental, para a implantação de uma atitude operacionalda ação educativa, para usar a expressão do autor.

    Para o educador, as conseqüências pedagógicas dos avanços dasnovas teorias psicológicas,

    ...deveriam influir, como é óbvio, sobre as técnicas educa-ção. Mesmo que outras causas de renovação educativa não tives-sem aparecido, a reação de crítica psicológica teria concorrido,por si só, para transforma o espírito do ensino. A crítica sociológi-ca mudou essencialmente os fins da educação; a crítica psicológicaos meios. Esta mudança de meios pode ser considerada, por umlado, por suas influências sobre a organização estática dasescolas(organização de classes, diagnóstico de aptidões, progra-mas e horários...); de outro, sôbre a arte de ensinar, pròpriamentedita, pois que alterou, sensivelmente, a compreensão dos fatos da

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  • aprendizagem.” ( Lourenço Filho, 1948:57-58)).

    Desnecessário é chamar a atenção para o elevado estatuto que oeducador brasileiro confere à psicologia na organização escolar; estatutoque talvez nem os psicólogos mais corporativistas ousassem sustentar. Detoda maneira, vale a pena ainda indagar: se a psicologia deve inscrever-sena organização estática e dinâmica da escola, ou para atualizar os termos,no currículo e na didática, então, qual é a acepção teórica, ou nos termos doautor, qual é a tendência por ele privilegiada?

    As passagens subseqüentes evidenciam que, para o pioneiro daeducação brasileira, 1] a psicologia é irremediavelmente derivada da ciênciabiológica antes do que um desdobramento histórico das ciências sociais e2] a tendência por ele propugnada é marcadamente a psicologia da inteli-gência, em que pese sua concordância com a crítica dos pragmatistas àpsicologia intelectualista de cepa herbartiana, com recorrência adjacentesespecialmente à psicologia social européia, a interpsicologia e a psicologiacoletiva.

    A correspondência necessária entre os fins e os meios da educaçãorenovada implica em reconhecer que os meios mais apropriados são aque-les “que adaptem e ajustem o comportamento dos educandos aos finsvisados bem como admitir que:

    No mais largo sentido, esses meios são de natureza biológi-ca, pois que as modificações e a sistematização da conduta só sepodem fazer por meios biológicos:”a educação é vida”. Poucoimporta que muitos deles, a maioria, depois de certa idade doeducando, assumam a forma de meios interpsicológicos, ou, natécnica corrente, sociológicos, porque realizados de indivíduo aindivíduo ou por influência do grupo sobre o indivíduo. Em suaestrutura íntima, porém, os meios de educação são sempre biológi-cos, isto é, próprios da experiência vital de cada educando.( Lou-renço Filho, 1948:26-27)

    Essa compreensão repousa no reconhecimento de que foi “inega-velmente o progresso das ciências biológicas e, em particular, o da psico-

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    Psicologia, Tecnologia e Educação: apontamentos sobre Oliveira Vianna eLourenço Filho

  • logia, nos últimos cinqüenta anos, que veio permitir o extenso movimentode renovação da pedagogia”; tal reconhecimento, registre-se, está longede afirmar “que as ciências biológicas, a psicologia inclusive, tenhamdado de si tudo quanto possam dar.”( Lourenço Filho, 1948:17)

    A educação definida objetivamente como a socialização do educan-do, assentada nos princípios da adaptação e do ajustamento, deve se ocu-par tanto dos cuidados físicos da criança quanto com o fato de que educarnão é só viver, é também conviver, é ajustar a criança à vida social.Ora,conviver é ato social e, portanto, a convivência, como ato deliberado erefletido, remete às noções de consciência e de razão que “influenciadas,como são, por impulsos biológicos, modelados, por sua vez, pelas condi-ções da vida cultural”( Lourenço Filho, 1948: 56) é o elo que leva o autor arecorrer à psicologia social ou como ele prefere denominar à interpsicologia,salientada pelo teor social ou mais claramente social de suas explicações,pois, “a psicologia humana é tôda ela uma interpsicologia, e só se podeexplicar pela influência social.”( Lourenço Filho, 1948:57).

    A interpsicologia, referida explicita à acepção de Gabriel Tarde, éassociada à psicologia coletiva de Charles Blondel à medida que

    “só o estudo da psicologia coletiva pode permitir determi-nar com precisão o que, na atividade mental, é independente daação do grupo, e se aplica, por conseguinte, aos caracteres daespécie ou às particularidades individuais. Longe de ser simplescomplemento—um anexo da psicologia—diz Blondel, a psicologiasocial, assim concebida, tornar-se-á para logo o centro e a base detôda explicação psicológica.”( Lourenço Filho, 1948:57).

    Supor o indivíduo, que em suas bases é biológico, e encontrar umapsicologia coletiva que se dispõe a separar o que é da espécie daquilo queé do espécime, fornecem um dos argumentos teóricos para que LourençoFilho articule a psicologia das diferenças individuais com a psicologia co-letiva, sem sujeito, fundamentada nas representações sociais e na consci-ência coletiva, desenvolvida em especial por intelectuais franceses dofinal do século XIX e primeiras décadas do XX, ao mesmo tempo que lhepermite desembaraçar-se da psicologia social norte-americana, tal como foi

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    Odair Sass

  • desenvolvida pelos pragmatistas norte-americanos, incluindo John Dewey.O outro argumento que serve de arremate para desembaraçar-se daquelatendência da psicologia social ao mesmo tempo que propicia ao autor esta-belecer o vínculo com a psicometria aparece, a propósito de esclarecer asua adesão à psicologia das diferenças individuais, isto é, “psicologia‘individual’, como a chamou um de seus criadores W. Stern, ou ‘diferenci-al’ porque reveladora de diferenças individuais, como a denominam osautores atuais”( Filho, 1948:30), bem como, após distinguir a Escola Novada Escola Ativa, conclui, em uma passagem extensa, mas esclarecedora:

    A primeira expressão inclui mais, em si, a revisão dos finssociais, uma nova filosofia da educação in extenso, uma nova com-preensão da vida, na fase de evidente transformação social queatravessamos. Do ponto de vista moral, ninguém parece ter fixadomelhor os problemas dessa educação para um mundo que se trans-forma que KILPATRICK, em seu famoso livro “Education for aChanging Civilization”; e do ponto de vista político-social, DEWEY,no seu livro “Democracy and Education”. E não é só. A escolanova proclama a necessidade da verificação objetiva dos elemen-tos da educação e de cada passo do aprendizado. Aproveita, as-sim, os modernos estudos da psicologia das diferenças individu-ais. Ao invés da apreciação subjetiva das condições devida doaluno e de seu trabalho, por parte do mestre, ela pretende largaintrodução de processos de verificação objetiva, ou seja, da medi-da. Ë o ideal da pedagogia que se veio a chamar de experimental,conjunto de processos tendentes a essa verificação, sob base esta-tística. Em sua forma prática é a questão dos testes. A escola ativapode ser feita sem aquela filosofia, com sem[sic] êstes processosde apreciação objetiva.Não pode ser confundida, pois, com a idéiade escola nova, mais ampla e mais profunda, e por isso mesmo,mais fecunda à luz da reflexão pedagógica.( Lourenço Filho,1948:62)

    Dois comentários adicionais.Primeiro, a Escola Nova e a Escola Ati-va não são cambiáveis, uma é referida à filosofia da nova vida e à esferapolítico-social da educação “para esse mundo que se transforma”, a outra,é referida especificamente como uma concepção da ação de educativa: aeducação ativa ou funcional, na acepção desenvolvida por EdouardClaparède (cf. Lourenço Filho, 1948:31,55,62). Segundo, como a escola ati-

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    Psicologia, Tecnologia e Educação: apontamentos sobre Oliveira Vianna eLourenço Filho

  • va pode ser feita sem a nova filosofia da educação, o que equivale a tornaruma independente da outra, o reformador brasileiro não tem dificuldadealguma em aceitar os princípios filosóficos e políticos-sociais da escolanova e os princípios científicos e metodológicos da educação funcionalque reivindica a verificação objetiva e a mensuração da ação educativa. Emuma palavra, o autor consagra o que chamou de necessária atitudeoperacional: os testes padronizados4 . Acresça-se, apenas, que a “a largaintrodução de processos de verificação objetiva”, ou seja, a classificaçãodo indivíduo pelo critério de capacidades ou habilidades pessoais, levan-do em conta a idade de cada um e a comparação com outros indivíduos dogrupo a que pertence, facilmente obtida por meio dos testes, é estendidanão só para a organização racional de classes homogêneas, ao ensino “sobmedida”, mas à classificação científica dos deficitários da inteligência, aosbem-dotados, aos supernormais e à orientação e seleçãoprofissional(Lourenço filho, 1948).

    Em resumo, nos estudos de Lourenço Filho acerca da Escola Nova, apsicologia social ocupa um lugar ou adjacente ou complementar da açãoeducativa, por mais que ele insista que tal psicologia, marcadamente apsicologia coletiva ou psicossociologia francesa, proporcione uma expli-cação central para aquela ação. Mais ainda, ao propugnar tal tendência dapsicologia social, que ressalta a influência do grupo e da cultura sobre oindivíduo, não entra, de fato, em conflito com a psicologia funcional deClaparède, entre outros, e a psicologia das diferenças individuais, mas,colide, sim, com uma tendência da psicologia social que estava sendodelineada desde os primórdios do século XX e defendida por John Dewey,George Herbert Mead, Sigmund Freud, Henri Wallon e por uma parcelasignificativa de psicólogos soviéticos (só recentemente difundidos nasAméricas), para a qual o psiquismo é social e historicamente constituído;não se trata tão somente de influência de um grupo, uma sociedade ou umacultura, sobre o indivíduo. E não se diga que tal tendência não estava à mãoou era desconhecida do nosso reformador.

    De todo modo preciso é fazer justiça a um ponto que vale reiterar: seo entendimento aqui apresentado com brevidade acerca da função que apsicologia e a psicologia social desempenharam na elaboração teórica doautor, forçoso é concluir que a introdução da psicometria na educaçãobrasileira pode ser debitada apenas genericamente à Escola Nova, ou, maisespecificamente, ao nexo que o autor estabelece entre escola nova, escolae educação ativa e psicologia diferencial, não é procedente, com base nos

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    Odair Sass

  • dados apresentados, atribuir a introdução da psicometria na educação bra-sileira ao escolanovismo deweyano. Na obra de Dewey são raras as men-ções às provas padronizadas, ainda que amplamente confeccionadas nosEstados Unidos, talvez, não porque o filósofo e educador estadunidensedeixasse de apreciar o controle social e padronização da conduta do indiví-duo, mas porque a sua idéia de ação inteligente implicaria em padronizar ométodo de agir dos homens, dimensão que as provas padronizadas deinteligência apenas conseguem tangenciar. Em todo caso, para a elabora-ção de uma história crítica da educação brasileira o que aqui se expôsreivindica a necessidade de uma espécie de sisifismo, isto é, ler e reler o quenos foi legado.

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    Psicologia, Tecnologia e Educação: apontamentos sobre Oliveira Vianna eLourenço Filho

  • Notas

    1 É imprescindível neste ponto observar que psicologia social e psicologia coletiva,psicossociologia, psicologia das multidões, não são sinônimos ou equivalentes; antessão termos por vezes antagônicos, pois, enquanto o termo psicologia social destacaa ação do indivíduo, a psicologia coletiva, seguindo a linha de pensamento de Le Bone de Durkheim, privilegiam o caráter e as representações coletivas. Esses entendi-mentos distintos perduram até hoje, ainda que, com conteúdos diferentes nos debatessobre psicologia social e psicologia política(coteje-se, por exemplo: Camino,2001;Crochík,1995)

    2 Sobre o conceito de tecnologia , em sentido aproximado àquele aplicado pelo autor,consulte-se Mumford(s/d); Marcuse(1999); Warde( 2003).

    3 Apenas para registro, mencione-se que esse vínculo é reafirmado porNagle(1976:247-248) e por Patto (1996:61 e segs.). Não se trata de elidir a funçãoque a Escola Nova, um termo que ao fim e ao cabo abriga concepções teóricas tãodistintas umas das outras, exerceu sobre o desenvolvimento da mensuração psicoló-gica e das provas psicológicas padronizadas mais conhecidas no Brasil como testespsicológicos; trata-se apenas de associar de modo pouco plausível, isto é, sem susten-tação suficiente, a psicometria ao instrumentalismo de John Dewey.

    4 Ressalte-se que os testes cumprem funções bastante específicas e são inseridos demodo bastante claro para o autor ,na vida escolar. Escreve ele, a esse propósito, queos “mesmos processos científicos de organização dos testes psicológicos( base esta-tística e técnica de aplicação) vieram fornecer elementos para a organização damedida objetiva de todo o trabalho do mestre. Ao lado dos testes psicológicos, lançamão a pedagogia moderna dos testes pedagógicos ou de escolaridade...Se os testespsicológicos intervêm, como dissemos, antes do ensino, podemos dizer agora que ostestes pedagógicos se empregam depois dele.”(Lourenço Filho, 1948: 31-32,grifosno original)

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    Odair Sass

  • 180 Sociedade Brasileira de Psicologia Política

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    PATTO, M. H. S..(1996) A produção do fracasso escolar: histórias de sub-missão e rebeldia. São Paul: T.A.Queiroz Editor.

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    Psicologia, Tecnologia e Educação: apontamentos sobre Oliveira Vianna eLourenço Filho

  • 181Psicologia Política . vol. 5 . nº 10 . p. 161-181 . jul - dez 2005

    Odair Sass

    Odair Sasse-mail: [email protected]

    . recebido em agosto de 2005. . aprovado em outubro de 2005.

  • 182 Sociedade Brasileira de Psicologia Política

  • Notas sobre movimentos sociais eparticipação política

    Stella NaritaPsicóloga e Mestre em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universi-dade de São Paulo (IP-USP), Bacharel em Filosofia pela Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Especi-alista em Saúde Coletiva pelo Instituto de Saúde da Secretaria do Estado daSaúde (IS-SES/SP) de São Paulo, Doutora pelo Programa de Pós-graduação em

    Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM-USP).

    ResumoO presente estudo realiza uma revisão teórico-conceitual sobre Mo-

    vimentos Sociais e Participação Política, temas bastante caros às Ciênci-as Sociais (sobretudo Sociologia e Política), e mais recentemente, à Psico-logia Social no Brasil. Ao discutir a participação em movimentos sociais,sob uma perspectiva psicossocial, levanta importantes questões teórico-metodológicas e salienta a relevância da pesquisa de campo para aprofundaras investigações nessa área.

    Palavras-chaves1.Movimentos Sociais; 2. Participação Política; 3. Ciências Sociais; 4.

    Psicologia Social; 5.Teoria.

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  • Notes about social movements andpolitical participation

    AbstractA theoretical-conceptual revision on Social Movements and Political

    Participation is presented. These approaches are considered very relevantto the Social Sciences, particularly Sociology and Politics, and more recently,to Social Psychology in Brazil. On discussing the participation in socialmovements under a psychosocial perspective, important theoretic-methodological questions are raised and the relevance of the field researchto profound the investigation on this area is emphasized.

    Key-wordsSocial Movements; 2, Participation; 3, Social Sciences; 4. Social

    Psychology; 5.Theory.

    184 Sociedade Brasileira de Psicologia Política

    Notas sobre Movimentos sociais e Participação política

  • Consideraciones sobre movimientos sociales yparticipación política

    ResumenEl presente trabajo realiza una revisión teórico-conceptual con

    respecto a Movimientos Sociales y Participación Política, asuntos bas-tante caros a las Ciencias Sociales (Sociología y Política, sobremanera), ymás recientemente a la Psicología Social en Brasil. En este trajecto, alproblematizar sobre participación en movimientos sociales, bajo una pers-pectiva psicológico-social, contribui con importantes questiones relacio-nadas a las pesquisas de campo en esta área.

    Palabras-llave1. Movimientos Sociales; 2.Participación Política; 3. Ciencias Sociales;

    4. Psicologia Social; 5. Teoría

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    Stella Narita

  • Os Movimentos sociais e a Participação política têm sido objetosde ampla discussão na literatura brasileira nas últimas cinco décadas. NasCiências Sociais e Humanas o tema ganha relevância quando as açõescoletivas passam a ser organizadas e entendidas através da categoria mo-vimentos sociais. Isso ocorre quando os movimentos sociais ganham forçae visibilidade, especialmente nas áreas urbanas, como conseqüência doprocesso de industrialização e urbanização, e dos seus efeitos nas cidadescom a inversão na distribuição da população, antes predominantementerural.

    Muitos foram os autores que discutiram esses dois grandes temas,especialmente nas áreas de Sociologia, Política, Antropologia e Educação,e mais recentemente na Psicologia Social, no Brasil. Entre alguns dos gran-des teóricos brasileiros que se debruçaram sobre o estudo dos movimentossociais, podemos citar Edgard Carone, Eunice Ribeiro Durhan, Ruth CorrêaLeite Cardoso, Fernando Henrique Cardoso, Lúcio Kowarick, Paulo SérgioPinheiro, Paul Singer, Marilena de Souza Chaui, Maria Sylvia Franco, EderSader, Leôncio Martins Rodrigues, Maria Célia Paoli, Emir Sader, José Ál-varo Moisés, Luiz Eduardo Wanderley, Maria Conceição D’Incao, ViníciosCaldeira Brant, Pedro Roberto Jacobi, Renato Raul Boschi, Aldaísa de Oli-veira Sposati, Maria da Glória Gohn, Ilse Scherer-Warren. A esta lista tería-mos que acrescentar muitos outros nomes, sobretudo se nos detivésse-mos mais especificamente ao problema dos movimentos sociais no campo.São pesquisadores importantes nessa área os professores AriovaldoUmbelino de Oliveira, Cândido Grzybowski, Ricardo Abramovay, ZildaMárcia Gricoli Iokoi, Bernardo Mançano Fernandes, apenas para mencio-nar alguns, pois não pretendemos dar conta do estado da arte sobre movi-mentos sociais e participação política no Brasil.

    Parte expressiva dos trabalhos brasileiros se referem às décadas de1970 e 1980, período de ascensão dos movimentos sociais, tanto dos movi-mentos sociais ditos populares, quanto dos movimentos sociais de carátersindical. Alguns autores tratam mais amplamente o tema movimentos soci-ais, outros centram análise mais especificamente nos movimentos popula-res, e outros, ainda, procuram debater com maior profundidade os movi-mentos operários e sindicais. No entanto, praticamente todos os estudosdeste período, sejam sobre movimentos populares, sejam sobre movimen-tos sindicais, enfocam os movimentos sociais urbanos.

    Na literatura brasileira, é a partir da década de 1960 que as mobiliza-ções sociais passam a ser conhecidas e trabalhadas através de uma forma

    186 Sociedade Brasileira de Psicologia Política

    Notas sobre Movimentos sociais e Participação política

  • de organização social denominada pela categoria movimento social. Osestudos sobre movimentos sociais neste período salientam os temas pró-prios da época: a marginalidade e a dependência - discussão centrada naproblemática da integração e da não-integração social, em face aos proble-mas urbanos do desemprego e da habitação (Cardoso, 1972).

    Na década de 1970, trabalhos como os de Singer (1973), Kowarick(1975) e Oliveira (1977) fazem uma revisão crítica sobre a chamada teoria damarginalidade recolocando a discussão, agora centrada na dinâmica daacumulação capitalista e suas implicações sobre as formas de exploraçãoda força de trabalho (Jacobi, 1987). Nesse período surgem nas grandescidades do país as ações coletivas que se convencionou denominar Movi-mentos Sociais Urbanos ou Novos Movimentos Sociais - inspirados naSociologia Urbana - , em trabalhos como os de Borja (1972), Castells (1977,1983) e Lojkine (1981) entre outros, dentro de uma perspectiva marxianaque associa movimento social à mudança social. Dizem respeito às mobili-zações originadas no processo de periferização das chamadas “classespopulares” urbanas, na luta por melhores condições de moradia, sanea-mento, transporte, creches, escolas, postos de saúde e outros serviçosdestinados a atender as necessidades de sobrevivência dessa população;são chamados novos movimentos sociais pelos autores que trabalham comesta categoria, pois consideram que esses movimentos diferenciam-se dosmovimentos anteriores, considerados “velhos”, por assumirem bandeirasde luta diferenciadas.

    Mas é a partir da década de 1980 que ocorre uma grande ampliação ediversificação das demandas e das reivindicações dos movimentos soci-ais. Problemas de direitos humanos, questões ecológicas, pacifistas, degênero, étnicas, e lutas por espaço pelas “minorias urbanas” passam a serobjetos de grande debate na sociedade. Estes “novos” movimentos, apon-ta Evers (1984), passam a enfocar mudanças no campo dos valores, crençase atitudes, e não a tomada de poder. Expressam, antes, necessidades degrupos que se organizam para defender direitos coletivos, nos bairros atra-vés de associações de moradores, clubes de mães, Comunidades Eclesiaisde Base (CEBs) e em grupos minoritários, reclamando melhorias nas condi-ções de vida e inserção social; daí serem caracterizados como movimentosde caráter reivindicativo.

    Nesse momento histórico o debate sobre movimentos sociais se dáno marco da reconstrução democrática, da conquista dos direitos políticos

    187Psicologia Política . vol. 5 . nº 10 . p. 183-210 . jul - dez 2005

    Stella Narita

  • e sociais e da cidadania, além de acumular a discussão sempre presentesobre a relação dos movimentos sociais com o Estado. Tal problemáticareaparece na década de 1990, como assinalado por Ana Maria Doimo (1995),ao analisar três matrizes de interpretação para a compreensão dos movi-mentos sociais pós-70. Segundo a autora, uma matriz é a de Inflexão Estru-tural-autonomista, centrada na análise da estrutura social e de crítica àfunção do Estado que “financia a reprodução do capital, em detrimentoda garantia de reprodução da força de trabalho” (Doimo, 1995: 43). Nes-sa vertente os movimentos sociais são vistos como novos sujeitos coleti-vos, autônomos e independentes, protagonistas da possibilidade de trans-formação das relações capitalistas de produção. Essa matriz tem raízes teó-ricas em Borja (1972), Castells (1977), Oliveira (1977), entre outros. Umasegunda matriz de interpretação, que ganha força no início dos anos 80 é achamada matriz de Inflexão Cultural-autonomista, que propõe toda umacrítica ao “reducionismo” da corrente anterior e propõe uma análise centradano campo cultural das experiências, a partir da pluralidade de sujeitos queconstituem a nova identidade sócio-cultural dos movimentos sociais. Sãorepresentativos dessa matriz os estudos como os de Evers (1984), Bava(1983), Kowarick (1983; 1988), Sader e Paoli (1986), Krische e Scherer-Warren(1987).

    Essas duas matrizes trabalham com a hipótese de que os movimen-tos sociais seriam capazes de provocar rupturas na estrutura capitalista. Aprimeira (matriz de inflexão estrutural-autonomista), no entanto, procuracentrar a discussão na determinação estrutural das relações sociais, en-quanto a segunda (matriz de inflexão cultural-autonomista) foca o planodas determinações culturais que se encontram na base da não inserção dedeterminadas camadas de população, na sociedade. Ambas, entretanto,chamam atenção para a “desejável” autonomia dos movimentos sociaisfrente ao Estado.

    Uma terceira matriz interpretativa apontada por Doimo (1995) queajuda a lançar luzes para a compreensão dos movimentos sociais no Brasilé aquela de Enfoque Institucional, que aponta o caráter institucional dosmovimentos sociais e o processo de institucionalização pelo qual os movi-mentos sociais passam ao relacionar-se com o Estado. Essa vertente traz àtona o fato de que a maior parte dos movimentos considerados anti-Esta-do, de fato, mostraram-se mais próximos do mesmo do que se supunha. Pormeio dessa leitura podemos estar mais atentos à dinâmica da relaçãoconflituosa de demandas, pactos e alianças, que revelam assistencialismos,

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    Notas sobre Movimentos sociais e Participação política

  • dependências e cooptações na relação Movimentos Sociais-Estado. Nes-sa concepção “a natureza dessas novas formas de participação residemenos nas relações de classe do que no crescimento e ampliação dasfunções do Estado sobre a sociedade” (Doimo, 1995: 49) Essa abordagemtem origem nos trabalhos de Carlos Nelson Ferreira Santos e se consolidacom os estudos de Ruth Corrêa Leite Cardoso e Renato Raul Boschi. Talmatriz defende a idéia de um anacronismo dos movimentos sociais e consi-dera que as lutas sociais devem se colocar através dos canais institucionais,especialmente sob as formas de parcerias com o Estado. Propõe a supera-ção da clássica oposição entre Estado e Sociedade (onde se encontram osmovimentos sociais) e a construção de novos canais de participação -representativos ou não -, como os Conselhos Temáticos Institucionalizados,os Conselhos Populares, os Conselhos Comunitários, Conselhos Munici-pais, Estaduais e Nacional Setoriais, as Organizações Não Governamentais(ONGs), os Orçamentos Participativos, assim como os modelos de Açãopela Cidadania e Comunidade Solidária, para tratar dos assuntos soci-ais. As demandas sociais passam, assim, a ser entendidas não apenas comoproblemas da sociedade (ou de parcelas da sociedade), mas como de inte-resse do próprio Estado, que deve procurar atendê-las através de políticaspúblicas. Dentro dessa concepção encontra-se a defesa da construção deespaços públicos (alguns propõe os chamados espaços públicos não-estatais) onde Sociedade e Estado devem desenvolver trabalhos em parce-ria, visando a solução dos problemas sociais, via negociação - através dodiálogo e não pelo confronto -, a fim de construir uma democracia maisparticipativa, pelos canais institucionais.

    Como podemos observar, a forma de abordagem dos movimentossociais tem passado por grandes transformações na medida em que ospróprios movimentos sociais vêm assumindo, ao longo do tempo, diferen-tes conteúdos e formas, acompanhando (fazendo parte) as mudanças ocor-ridas na própria sociedade.

    Em meio a uma crise conceitual e diante de críticas à própria existên-cia dos movimentos sociais, alguns estudos propõem encarar os movimen-tos sociais a partir de novas perspectivas e dimensões, tanto teórico-metodológicas, quanto prático-políticas. É nesse contexto que a PsicologiaSocial dos Grupos e Movimentos Sociais aparece participando do debate eoferecendo importantes elementos teóricos e metodológicos para aprofundara discussão.

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    Stella Narita

  • A compreensão psicossocial dos movimentos sociais permite ir alémdos problemas teóricos e práticos identificados nos trabalhos anteriores,na medida em que permite acessar os indivíduos concretos e assim evitarinterpretações abstratas obtidas meramente por meio de análisesconceituais. Podendo ir ao encontro dos sujeitos sociais que efetivamenteparticipam dos movimentos sociais podemos enfrentar muitas das armadi-lhas presentes nas macro-análises estabelecidas ao longo desses cinqüen-ta anos de estudos sobre o tema no Brasil.

    Um estudo que propõe esse desafio e investiga um movimento socialconcreto - o Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra -, ao longode dois anos de pesquisa de campo, foi por nós realizado (Narita, 2000).Através de entrevistas, utilizando-se o recurso do discurso livre, entramosem contato com conteúdos profundos dos indivíduos que participam deum movimento social e assim confrontamos diferentes discursos (teóricose práticos).Trata-se de um estudo realizado na década de 1990, período noqual os movimentos sociais mais significativos deixam de ser aqueles queorganizam categorias sociais estruturadas em suas lutas corporativas esindicais. Nesse momento tornam-se mais relevantes os movimentos quemobilizam categorias pouco estudadas e nomeadas genericamente comoexcluídos: desempregados, trabalhadores informais, sem-teto, sem-terra,entre outros. Ganham visibilidade, então, movimentos pela reforma agrá-ria, que têm o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)como sua maior expressão, e os movimentos pela reforma urbana - especi-almente os Movimentos dos trabalhadores sem teto.

    Nesse contexto, os estudos de modo geral, salientam não os sujei-tos, mas as problemáticas: a fome, o desemprego, a moradia, terra. Daí anecessidade teórica de se buscar, por meio de estudos em Psicologia Soci-al, ir ao encontro dos sujeitos sociais concretos e criar novas categorias deanálise para o estudo dos movimentos sociais e da participação política noBrasil - objetivo que não temos a pretensão de alcançar com o presenteartigo.

    Não se pretende também, nesse manuscrito, estabelecer o estado daarte dos estudos sobre movimentos sociais e participação política no Bra-sil. Estão omissas muitas contribuições mais recentes, especialmente oenfoque das redes de ações coletivas e movimentos sociais, bastante im-portante e presente na discussão atual. Por outro lado, traz alguns dosprincipais debates e debatedores que participam desse campo e que pode-

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    Notas sobre Movimentos sociais e Participação política

  • mos chamar de Escola sociológica uspiana (produção realizada no Depar-tamento de Sociologia e Política da Universidade de São Paulo). Assim, seo artigo tem uma limitação em sua revisão bibliográfica, por outro lado, temo mérito de recuperar importantes e pioneiros trabalhos no campo de estu-dos sobre movimentos sociais e participação política no Brasil. A recupera-ção da discussão da literatura aqui abordada concentra-se em alguns dosclássicos (penso que já podemos nos referir assim a alguns dos autorestratados) da literatura nacional sobre o tema, sobretudo das décadas de1970-90. Outras análises mais recentes e também relevantes poderiam tersido utilizadas; não foi, no entanto, nossa pretensão fazer uma abordagemsistemática e dar conta de todo o campo de debate1 .

    Discussão sobre a categoria movimento social

    A categoria movimento social foi criada aproximadamente em 1840para tratar o emergente movimento operário europeu (Scherer-Warren, 1984).Posteriormente foi desenvolvida no âmbito do debate de cunho marxistapara representar a organização da classe trabalhadora em sindicatos e par-tidos, empenhados na transformação das relações capitalistas de produ-ção. E, no processo de transformações sociais, foi adquirindo a capacidadede referir-se a uma multiplicidade de novas formas de participação (Doimo,1995).

    Acompanhando, parcialmente, o processo de transformaçãoconceitual pelo qual vem passando a categoria movimento social, traremosa discussão algumas das definições mais citadas na literatura, visandoestabelecer parâmetros que contribuam para torná-la mais clara e compre-ensível.

    Alguns autores preocupam-se em diferenciar movimentos sociais demanifestações coletivas de modo geral. É o caso da pesquisadora Maria daGlória Gohn (1985) que entende que um movimento pode ser consideradomovimento social quando o fenômeno “tem uma trajetória, um processono qual entram diferentes elementos e também porque eles emergem apartir de problemáticas que expressam contradições sociais.” (Gohn,1985:48). Segundo a autora, para que uma manifestação coletiva possa ser

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    Stella Narita

  • considerada um movimento social é importante que tenha algumas carac-terísticas: 1) expresse uma necessidade, 2) tenha certa profundidade e ex-tensão na sociedade, 3) tenha um tempo de duração social, e 4) tenhacapacidade de mobilizar, articular e organizar pessoas. Trata-se de umadefinição bastante ampla, que cumpre a função de distinguir movimentosocial de outras manifestações sociais, mas que pede maior delimitação doproblema.

    Uma definição noutra direção é desenvolvida por Ilse Scherer-Warren(1984) que entende movimento social como “ação grupal transformadora(a práxis), voltada para a realização dos mesmos objetivos (o projeto),sob a orientação mais ou menos consciente de princípios valorativoscomuns (a ideologia), e sob a organização diretiva mais ou menos defini-da (a organização e sua direção)” (Scherer-Warren, 1984: 8). Tal defini-ção, relevante por contribuir com a delimitação do conceito e de suaabrangência, não oferece elementos para a percepção do objeto nas suascontradições, uma vez que traz uma concepção que estabelece, por defini-ção, que os movimentos sociais realizam ação social transformadora. Ora,estudos recentes sobre movimentos sociais têm demonstrado que, emboraos movimentos sociais busquem conquistas de maior ou menor enverga-dura, suas ações sociais não são necessariamente transformadoras (nosentido da práxis), seja no que diz respeito aos métodos, seja em relaçãoaos objetivos.

    Outra definição que ajuda a trabalhar teoricamente o conceito demovimentos sociais é aquela elaborada por Luiz Eduardo Wanderley (1980).O autor define movimentos sociais como um “conjunto de característicasgenéricas tais como objetivos definidos, organização, estrutura, ideolo-gia, estratégia, táticas, espirit de corps, tradições, lealdade, divisão detarefas, lideranças, etc.” (Wanderley, 1980: 108) Trata-se de uma definiçãobastante ampla que, se de um lado garante uma abertura importante paratratar uma série de movimentos sociais distintos, por outro lado, necessitade maior afinação conceitual.

    A definição de Daniel Camacho (1987) ajuda-nos nesse processo debusca de contornos conceituais que contribuam para melhor entender osmovimentos sociais. O autor considera os movimentos sociais como umadinâmica gerada pela sociedade civil, que se orienta para a defesa de inte-resses específicos. Sua ação se dirige para o questionamento, seja de modofragmentário ou absoluto, das estruturas de dominação prevalecentes, e

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    Notas sobre Movimentos sociais e Participação política

  • sua vontade implícita é transformar parcial ou totalmente as condições decrescimento social (Camacho, 1987). A partir desta definição, o autor realizauma diferenciação entre movimentos sociais e movimentos populares, con-siderando movimentos populares os movimentos sociais que expressamos interesses dos chamados grupos populares, em oposição aos gruposhegemônicos, grupos que se diferenciam pelos interesses na estrutura dedominação fundamental da sociedade; coloca nos grupos populares osinteresses voltados ao trabalho (da classe trabalhadora), e nos gruposhegemônicos os interesses do capital (empresarial e patronal). Em tal defi-nição é fundamental a noção de classe popular, conceito entendido a partirda tradição marxiana como se referindo àqueles setores da sociedade quesofrem exploração (no campo da produção) e dominação (no campo daideologia). Wanderley (1980) coloca nesta categoria o operariado, ocampesinato, os “marginais” (lumpemproletariado) e setores da pequenaburguesia, além das populações indígenas, de desempregados esubempregados. É a mesma categoria denominada nos documentos doEpiscopado e das Pastorais católica como “pobres e oprimidos”.

    Essa discussão de fundo sobre classes sociais, que permeia o debatesobre movimentos sociais, é tratada de forma bastante clara por nós emNarita (2000), a partir de um estudo de campo realizado com um grupo socialdeterminado. O problema – classes sociais – é discutido através do concei-to de habitus de classe, do sociólogo Pierre Bourdieu (ver Bourdieu 1989,1992, 1996a, 1996b). Nesse trabalho a noção de classe social fica explicitadapelo modus vivendi dos sujeitos que fazem parte de determinado gruposocial e que demonstram, na concretude de sua vivência cotidiana, o habitusda classe a que pertencem. Embora importante essa discussão não podeser aqui aprofundada. Voltemos então a nossa discussão conceitual sobremovimentos sociais.

    Outra reflexão conceitual bastante citada na literatura é aquela colo-cada pelo sociólogo e psicólogo italiano Alberto Melucci (1989), que cha-ma a atenção para a necessidade de redefinição das categorias analíticascomo condição para o entendimento dos movimentos contemporâneos, epropõe uma definição analítica de movimento social: uma forma de açãocoletiva baseada na solidariedade, que desenvolve um conflito, e rompelimites do sistema em que ocorre a ação. Com essa demarcação conceitualMelucci (1989) diferencia os movimentos sociais de outros comportamen-tos coletivos, como a delinqüência e outros fenômenos de massa.

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  • É pertinente a preocupação do autor. De fato, há necessidade deestudos empíricos que tragam a realidade concreta dos movimentos soci-ais reais, para que possamos formular novas categorias de análise eaprofundar a compreensão do problema em questão. O apego a definiçõesformuladas a priori, sem o conhecimento dos movimentos sociais e de suarealidade própria, pode comprometer as formulações teóricas, conceituaise políticas.

    Em outro artigo, Melucci (1994) coloca-nos questões também impor-tantes para enfrentar essa discussão: defende que as pessoas não sãosimplesmente moldadas por condições estruturais, não são somente explo-radas e submetidas à dominação; os indivíduos são sujeitos de seus pen-samentos e de suas ações. Nesse sentido, devemos estar atentos para ofato de que, para se entrar em contato, de forma profunda, com os movi-mentos sociais, é preciso ir ao encontro dos sujeitos que participam dedeterminado movimento social. Sujeito esse entendido como relacional, enão como um indivíduo passivo à mercê do Estado ou do próprio movimen-to social.

    Outra discussão importante nesse debate é apresentada por Bobbio,Matteucci e Pasquino (1998). Para os autores, movimento social deve serdiferenciado de comportamento coletivo pelo grau e tipo de mudança quepretende provocar no sistema, e pelos valores e nível de integração quelhes são intrínsecos. Ambos “constituem tentativas, fundadas num con-junto de valores comuns, destinadas a definir formas de ação social einfluir nos seus resultados” (Bobbio et al., 1998: 787). Trata-se de umadistinção histórico-conceitual relevante para a compreensão dos movimen-tos sociais pois traz uma dimensão psicossocial para o problema, na medi-da em que chama atenção para os valores comuns ao grupo social. Astensões grupais e as mudanças no comportamento dos indivíduos na situ-ação de grupo – temas próprios da Psicologia Social – são trazidos à tonapelos autores que, no entanto, divergem quanto a importância atribuídaaos comportamentos psicológicos (aspectos microssociais) em relação aossociológicos (aspectos macrossociais). Os autores, de concepçãomarcadamente sociológica, alertam para o risco teórico do reducionismopsicológico, mas afirmam a importância “de uma análise dos participan-tes, das suas motivações, dos seus recursos e das suas incumbências den-tro de um movimento social” (Bobbio et al., 1998: 787-8)

    Essa breve discussão da literatura sobre movimentos sociais procu-

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    Notas sobre Movimentos sociais e Participação política

  • ra trazer alguns elementos conceituais para se pensar tal fenômeno social eaprofundar sua compreensão, a partir de novas categorias de análise. Odebate na área revela, de um lado, o predomínio das abordagens sociológi-cas e políticas do problema e, de outro, a importância da participação deoutras disciplinas do conhecimento – como a Psicologia Social - para enri-quecer o entendimento das dinâmicas que envolvem o problema em ques-tão.

    Estudos brasileiros sobre movimento social em Psicologia Social

    Na perspectiva da Psicologia Social, na literatura brasileira, os movi-mentos sociais têm sido objeto de estudos importantes e que procuramdesenvolver o tema, a partir de análises mais circunscritas às micro-realida-des dos indivíduos concretos que participam em movimentos sociais.

    São trabalhos importantes na perspectiva da Psicologia Social bra-sileira sobre movimentos e grupos sociais os estudos de Cardia (1989),Tarelho (1988), Sandoval (1989a, 1989b), Ieno Neto (1989), Del Prette (1990),García (1994), Carone (2002), Narita (2000) entre outros. Não sendo nossointuito aprofundar a discussão sobre esses estudos, apenas apontaremosalgumas considerações teórico-conceituais relevantes para pensar a rela-ção entre movimentos sociais e participação política.

    Nesse sentido o estudo de Sandoval (1989a) é importante porqueaponta o hiato existente nos modelos analíticos entre movimentos sociaise participação política, o caráter estático de alguns modelos sociológicosde estudo sobre movimentos sociais, e a necessidade de se aprofundar acompreensão dos processos microssociais para a análise dos mesmos.Realiza também um “inventário de categorias de fatores importantes naanálise do comportamento individual em situações de mobilizações cole-tivas, destacando a necessidade de abordar esta problemática em umenfoque que explique melhor aquela dinâmica de fatores que conduzem auma maior participação num contexto em que a participação tende aestar ausente” (Sandoval, 1989b: 72). Chama a atenção, portanto, para acontribuição que a Psicologia Social pode trazer para esse debate.

    Dentro de uma perspectiva de análise psicossocial, Sandoval (1989b)

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  • entende os movimentos sociais como fenômenos psicossociais de compor-tamento político, e destaca o fato de que as análises sociológicas sobre otema no Brasil, no plano macrossocial, subestimam a dinâmica interna dosmovimentos sociais e a complexidade psicossocial para se entender ques-tões como o engajamento político e a participação. O autor aponta a neces-sidade de se pesquisar os fatores que obstruem os processos de politizaçãoe participação, pois considera que “ainda desconhece-se aspectos funda-mentais explicativos da fragilidade das mobilizações populares e osdeterminantes detrás da flutuação participatória característica dos mo-vimentos populares” (Sandoval, 1989b: 62). Esse tipo de proposição é ex-tremamente pertinente e abre novas perspectivas de análise, na medida emque estudar empiricamente os aspectos psicossociais relativos à dinâmicainterna dos movimentos sociais permite conhecer mais a fundo os proces-sos internos dos grupos e subgrupos que participam de determinado movi-mento social.

    Dentre as diversas concepções teóricas para a análise dos movimen-tos sociais e dos comportamentos do indivíduo no grupo, Sandoval (1989a)salienta algumas: 1) Concepções psicossociológicas de comportamentoenquanto execução de normas internalizadas, ou como ação intencional eestratégica; 2) a teoria da ação que busca fornecer uma explicação dosatos individuais sob determinadas condições; 3) a teoria dos jogos, a qualajuda pensar a participação e a não-participação nos movimentos sociaisem termos de desvantagens, perdas ou custos e vantagens, ganhos oubenefícios.

    Considerando diversas outras concepções, que não serão aquilistadas, o autor acima citado propõe, para fins de análise sobre osdeterminantes da participação, levar em conta tanto os aspectos da esferainterna (dinâmica dos agrupamentos envolvidos no movimento social)quanto os fatores referentes à esfera externa ao movimento social (estrutu-ra de poder no local e na sociedade, de grupos ideológicos, conjuntura ecorrelação de forças políticas, etc.). Propõe, portanto, a realização de estu-dos que articulem dinamicamente a relação indivíduo-grupo-sociedade, eanalisem tanto os aspectos intra quanto os aspectos intergrupais implica-dos.

    Um estudo que procurou ir ao encontro a um movimento social con-creto e a pensá-lo a partir de uma Psicologia Social é aquele realizado porTarelho (1988), psicólogo social que estudou o problema da consciência

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    Notas sobre Movimentos sociais e Participação política

  • dos direitos e da identidade social dos trabalhadores sem-terra de Sumaré,São Paulo. Trata-se de uma pesquisa empírica importante e que tem bastan-te a contribuir para enfrentarmos os problemas conceituais aqui em causa,tendo como referência uma análise de um movimento social real.

    Outro estudo que também vai nessa direção é aquele realizado pornós (Narita, 2000). Nele percebe-se a preocupação teórica em trazer umacontribuição psicossocial à problemática de pesquisa de campo com gru-pos e movimentos sociais. Nesse sentido, propõe a construção de umametodologia psicossocial capaz de perceber, através dos indivíduospesquisados, a sociedade que habitam, com a mediação do grupo social aque pertencem. A partir da coleta e registro de Relatos Orais (Discursolivre, Depoimentos e Histórias de Vida) realiza a reconstituição históricada condição de um grupo social, trazendo à tona, pelos trabalhos da memó-ria, as percepções, preocupações, desejos, sonhos, valores e motivos paraa participação. Defende que pela reconstituição das histórias de vida e dareconstrução das próprias vidas, no processo de participação política emum movimento social, pode-se compreender os processos psicossociaismotivadores da participação em tal movimento.

    Convém também assinalar que importantes e já “clássicos” teóricosdo campo psicológico oferecem subsídios para se pensar os movimentossociais, a partir de elementos da Psicologia de Grupos. Nesse rol de autorese estudos, podemos citar Freud (1921/1969), Kurt Lewin (1948/1973), Pichon-Rivière (1971/1994), Anzieu (1984/1990), entre outros importantes traba-lhos que oferecem recursos teóricos relevantes para a análise dos fenôme-nos e processos grupais.

    A partir de teorias e metodologias de domínio da Psicologia Social épossível chegar mais próximo da realidade microssocial e conhecer os mo-vimentos sociais em suas particularidades e ambigüidades. Estudos decampo que busquem conhecer os processos psicossociais implicados nasrelações entre movimentos sociais e sociedade, movimentos sociais e Esta-do e movimentos sociais e seus participantes podem trazer elementos queajudem enormemente a pensar conceitualmente e complexificar as análisessobre o tema.

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  • Participação social e política

    Assim como no estudo sobre os movimentos sociais, autores dediversas áreas do conhecimento têm se debruçado sobre a problemática daparticipação. Da literatura brasileira destacamos os seguintes estudos:Ammann (1977), Lima (1983), Foracchi (1982), Díaz Bordenave (1983), Dallari(1983), Cardoso (1985;1987;1988), Gohn (1985, 1997), Simões (1992), Doimo(1995), Demo (1996), entre outros. Grande parte desses estudos discute opapel da participação política no processo de construção democrática e deconquista da cidadania no Brasil. Mas o grande pano de fundo da discus-são sobre a participação em movimentos sociais tem sido o modelo dedesenvolvimento e o modo de produção capitalista. Este macro-problema éobjeto de diversos estudos (Ianni, 1972, 1978; Oliveira, 1977; Oliveira 1990,Abramovay, 1991), que se propõem a pensar a situação político-econômicae sócio-histórica da problemática. Nessa perspectiva, há autores que sali-entam a dimensão estrutural enquanto outros aprofundam a dimensãoconjuntural do sistema.

    O tema participação vem de longa tradição na literatura brasileira,sendo tratado, sobretudo a partir da década de 1930, quando a “participa-ção popular não era um elemento a considerar, pois a rigidez das classesnão o permitia” (Gohn,1985: 23). Isso porque o pensamento político daépoca defende a idéia do Estado como sendo o único elemento transforma-dor da sociedade.

    Como nosso intuito aqui é discutir participação política e movimen-tos sociais, não realizaremos uma discussão historiog