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PSICOLOGIASICOLOGIAPPSICOLOGIACORPORALANÁLISE REICHIANA 1:

ANÁLISE DO CARÁTER,

CARACTEROLOGIA PÓS-REICHIANA

E PSICODRAMA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO

COR

PO

RAL

COR

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RAL

CU

RSO

PR

ESEN

CIA

L

1

PROFESSORES

Dr. José Henrique Volpi

Me. Sandra Mara Volpi

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Ficha catalográfica. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M.(Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba:Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

1 | www.centroreichiano.com.br

Dados de Catalogação Interna

Os artigos e vídeos aqui apresentados são de uso exclusivo do aluno e de usointerno para complemento ao aprendizado do aluno. As referências de qualquercitação para publicação externa deverão ser retiradas diretamente da fonteoriginal de cada artigo/autor, cujas informações encontram-se devidamentecitadas no alto da página de cada artigo dessa apostila.

O aluno fica ciente de que apropriação de ideias de qualquer autor ou cópialiteral de parte do texto sem o devido crédito é considerado crime, pela violaçãode direitos autorais. Qualquer distribuição não autorizada, acarretará em medidaslegais, de acordo com a lei que protege os direitos autorais: lei nº 9.610, de 19 defevereiro de 1998;

Por esta ciência, o aluno isenta o CENTRO REICHIANO – VOLPI EDITORA ETREINAMENTO PROFISSIONAL E GERENCIAL LTDA. E os professores docurso de quaisquer responsabilidades, na medida em que foi orientado pelomesmo a esse respeito.

Volpi, José Henrique; VOLPI, Sandra Mara (Organizadores)

Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. – Curitiba: Centro Reichiano, 2020, módulo 1.

Publicação Interna

Vários colaboradores

1. Psicologia Corporal. 2. Centro Reichiano.

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apresentação do Centro Reichiano. In: VOLPI, J. H.;VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

APRESENTAÇÃO DO CENTRO REICHIANO

José Henrique VolpiSandra Mara Volpi

Desde sua fundação, em 1995, o Centro Reichiano tem como meta principal de todo o

seu trabalho a criação de um espaço científico Interdisciplinar e Transdisciplinar que visa

discutir, debater, ensinar e trocar experiências a respeito da Psicologia Corporal, através de

suas teorias e suas práticas.

Nossa atuação teórico e prática concentra-se na Psicologia Corporal, termo criado por

José Henrique Volpi e Sandra Volpi, diretores do Centro Reichiano, definindo-a como uma

ciência que estuda o ser humano em seu aspecto somatopsicodinâmico, onde o corpo, a

mente e a energia são trabalhados em seu conjunto e em sua relação funcional.

Somatopsicodinâmico porque a mente interfere no movimento energético do corpo e o corpo

no movimento energético da mente. Assim, mente, corpo e energia são indivisíveis e devem

ser trabalhados em seu conjunto.

Essa definição surgiu em 1998 com a criação da revista Psicologia Corporal (INSS-

1516-0688), editada anualmente pelo Centro Reichiano, cujo objetivo é congregar as diversas

escolas de abordagem corporal, que comungam do mesmo princípio: estudar e trabalhar com a

interferência da mente sobre o corpo e do corpo sobre a mente.

A Psicologia Corporal é uma ciência que reconhece na atitude e no corpo do paciente

as impressões registradas durante as etapas do desenvolvimento emocional (caráter). Parte da

leitura corporal, da investigação da história pessoal, da compreensão do caráter, e ainda

considera a própria relação psicoterapêutica no diagnóstico inicial, no direcionamento durante o

projeto psicoterapêutico e na metodologia de trabalho.

Nossa abordagem está focada principalmente na escola da Orgonomia criada por

Wilhelm Reich (Análise Reichiana), que engloba as técnicas da análise do caráter,

vegetoterapia e orgonoterapia, na escola da Somatopsicodinâmica desenvolvida pelo

neuropsiquiatra italiano Federico Navarro e na escola da Análise Bioenergética desenvolvida

por Alexander Lowen.

Estas são as abordagens das quais somos especialistas oficializados tanto para o

atendimento clínico quanto para os cursos que ministramos (Especialização ou Extensão).

Enquanto instituição de saúde e ensino, o Centro Reichiano tem como objetivo algo que

já o era, para seus diretores, em termos profissionais e pessoais, antes de sua fundação:

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apresentação do Centro Reichiano. In: VOLPI, J. H.;VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

instituir qualidade à vida, divulgar as psicoterapias corporais no Brasil e no mundo, atuar de

forma interdisciplinar com outras áreas do saber, contribuindo para a ciência e a humanidade.

A cada passo, buscamos estar em contato com o que há de melhor e mais atual em

termos de formação pessoal e profissional, para, com seriedade e honestidade, levarmos a

todos aqueles que nos procuram como pessoas ou como profissionais, a qualidade que norteia

a Psicologia Corporal.

É nosso desejo que você possa desfrutar ao máximo do aprendizado oferecido por esse

Curso e que leve esse conhecimento a todos que necessitarem e puderem desfrutar dessa

magnífica experiência.

PROFESSORES DO CURSO

José Henrique Volpi / Curitiba / PR / Brasil Psicólogo (CRP-08-3685) graduado em 1989 pela Universidade Tuiuti doParaná. Especialista em Psicologia Clínica, Psicologia Corporal, Anátomo-Fisiologia, Hipnose Ericksoniana e Psicodrama. Psicoterapeuta CorporalReichiano/Analista Reichiano formado com o Dr. Federico Navarro(Vegetoterapia e Orgonoterapia). Especialista em Acupuntura clássica e MétodoHyodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição da energia dos

meridianos do corpo), com foco no tratamento dos distúrbios emocionais. Mestre em Psicologiada Saúde (Neuropsicofisiologia) pela Universidade Metodista de São Paulo. Doutor em MeioAmbiente e Desenvolvimento (Epistemologia) pela Universidade Federal do Paraná. Possuilarga experiência em psicoterapia de abordagem corporal e na coordenação de gruposterapêuticos e workshops, com diversos cursos no Brasil e Exterior. Editor chefe da revistaPsicologia Corporal e autor de diversas publicações na área da Psicologia Corporal.Organizador e Presidente dos Encontros Paranaenses, Congressos Brasileiros e ConvençõesBrasil/Latino-América de Psicoterapias Corporais. Atendimento clínico a pacientes adultos,casal, família e grupos.E-mail: [email protected]

Sandra Mara Volpi / Curitiba / PR / Brasil Psicóloga (CRP-08-5348) graduada em 1993 pela PUC-PR. Especialista emPsicologia Clínica, Psicopedagogia, Ludoterapia, Psicoterapia Infantil, PsicologiaCorporal, Análise Bioenergética (CBT e Supervisor). Especialista em Acupunturaclássica e Método Hyodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição daenergia dos meridianos do corpo), com foco no tratamento dos distúrbiosemocionais. Mestre em Tecnologia (Universidade Tecnológica Federal do

Paraná). Possui larga experiência em psicoterapia de abordagem corporal e na coordenaçãode grupos terapêuticos e workshops, com diversos cursos no Brasil e Exterior. Editora chefe darevista Psicologia Corporal e autora de diversas publicações na área da Psicologia Corporal.Organizadora e Presidente dos Encontros Paranaenses, Congressos Brasileiros e ConvençõesBrasil/Latino-América de Psicoterapias Corporais. Atendimento clínico a pacientes adultos,casal, família e grupos.E-mail: [email protected]

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apresentação do Módulo 1. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

APRESENTAÇÃO DO MÓDULO 1

José Henrique VolpiSandra Mara Volpi

Quando Reich entrou para a psicanálise, 1919, passou a fazer parte do grupo de

psicanalistas vistos com “bons olhos” por Freud devido ao seu grande interesse por essa área.

Suas pesquisas iniciais sobre a questão do orgasmo, levaram-no a também perceber que

analisar apenas o sintoma isolado como era a proposta da psicanálise, para tornar o conteúdo

inconsciente, consciente, não promovia a cura em muitos pacientes.

Foi a partir dessa questão que Reich começou a olhar mais de perto a resistência dos

pacientes ao método psicanalítico, concluindo que a resistência do paciente em “abandonar o

sintoma neurótico” estava atrelada ao seu comportamento como um todo, ou seja, ao seu

caráter, que era demonstrado por meio do tom de voz, vestimenta, corpo, etc. Isso significa que

mais do que apenas ouvir o conteúdo verbal do paciente, era também preciso olhar para os

aspectos comportamentais, o caráter, porque era a partir dessa análise que se conseguiria

chegar às profundezas do inconsciente.

Para fazer uso desses recursos, a observação, Reich tirou o paciente do divã

psicanalítico e passou a sentar-se frente a frente com o mesmo, apontando diretamente suas

resistências, fazendo-o perceber de forma mais clara e direta como e contra o que resistia.

Esse método logo ganhou força e foi se mostrando muito mais eficiente e rápido do que o

tradicional modelo psicanalítico que buscava desenterrar o conteúdo emocional sem uma

ordem, sem objetivo, sem saber onde iria chegar com a análise. Cabe lembrar que a

psicanálise, a partir das propostas de Reich também foi evoluindo em sua metodologia, apesar

de que são poucos psicanalistas que reconhecem a contribuição de Reich àquela ciência.

Reich então percebe que o caráter da pessoa está diretamente ligado às etapas do

desenvolvimento psico-emocional e por isso é que cada pessoa tem um tipo de caráter e por

esse motivo é que cada pessoa age e reage de maneira diferente. Com isso, Reich estruturou

sua teoria do caráter que foi um marco para seu afastamento da psicanálise porque sua

proposta já não mais condizia com a proposta de Freud.

Tempos depois, com a descoberta da couraça muscular, a análise do caráter foi sendo

incorporada a essa nova técnica e passou a se chamar vegetoterapia caractero-analítica, ou

seja, uma técnica que fazia a análise do caráter, mas com base no sistema neurovegetativo.

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VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apresentação do Módulo 1. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

Percebendo a necessidade de ajustes e atualizações nas técnicas da análise do caráter

e vegetoterapia, Reich pediu a um de seus alunos, colaborador e grande amigo, Ola Raknes

que fizesse essa revisão. Sentindo-se limitado em seus conhecimentos, Raknes repassou essa

missão a outro de seu aluno, o italiano Federico Navarro que brilhantemente cumpriu com essa

proposta desenvolvendo principalmente uma metodologia para a vegetoterapia que é utilizada

em praticamente todas as escolas reichianas do mundo.

Navarro afirmava que não há um caráter único, mas sim, uma junção de traços de

caráter que estão ligados à fixação da energia orgone numa ou mais etapas do

desenvolvimento. E com isso, Navarro desenvolve sua metodologia chamada de

caractereologia pós-reichiana apontando que além dos traços básicos de caráter, temos as

chamadas “coberturas” que são traços que encobrem os próprios traços de caráter,

funcionando como uma defesa da defesa.

Independente da metodologia, de Reich ou Navarro, o importante é trabalhar camada

por camada até que se chegue às profundezas do inconsciente e o paciente consiga

novamente ter sua energia fluindo livremente pelo corpo, energia essa que quando congelada,

responde pela formação das neuroses.

Dentre as técnicas que Reich desenvolveu ao longo de sua história, podemos citar

resumidamente:

a) Economia Sexual, que buscava relacionar as perturbações da sexualidade com a

neurose;

b) Análise do caráter, que buscava compreender a formação da neurose e do caráter a

partir da fixação da libido em uma ou mais etapas do desenvolvimento psico-afetivo;

c) Vegetoterapia caracteroanalítica, que tinha como proposta compreender as couraças do

caráter e musculares a fim de flexibilizá-las por meio de movimentos (actings) a fim de “libertar”

a energia presa e por conseqüência reduzir ou eliminar a neurose.

d) Orgonoterapia, último nome dado à junção de todas as técnicas acima em uma só, cujo

objetivo era estudar e manipular a energia orgone presente dentro e fora do corpo do paciente.

É uma proposta muito voltada às questões energéticas.

Todas essas técnicas são incorporadas em uma ciência, que Reich denominou de

Orgonomia – ciência que estuda e investiga a energia orgone.

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VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apresentação do Módulo 1. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

Ao longo dos anos, percebeu-se que muitos terapeutas de abordagem corporal

deixaram de lado o trabalho analítico, prezando apenas pelo trabalho energético e corporal.

Sentindo a necessidade de resgatar essa questão, muitos terapeutas passaram a utilizar a

denominação de Análise Reichiana no lugar de Orgonomia.

EMENTA

Partiremos da compreensão das bases filosóficas e psicanalíticas da Psicologia

Corporal para entender o desenvolvimento dos trabalhos de Wilhelm Reich (Economia Sexual,

Análise do Caráter, Vegetoterapia e Orgonoterapia). Na sequencia, estudaremos a formação e

ligação energética entre os 3 cérebros (reptiliano, límbico e neocórtex) e sua relação com os

processos emocionais, as etapas do desenvolvimento psico-afetivo e a formação do

temperamento, da personalidade e do caráter, finalizando com o entendimento da fixação da

libido em cada etapa, que responde pela formação da neurose e dos traços de caráter.

Compreenderemos a questão das resistências, transferências e contra-transferências

em psicoterapia corporal, aprenderemos a estruturar uma entrevista inicial com base na análise

do caráter, levantar um diagnóstico caracterológico e energético e a criar um projeto

terapêutico de tratamento para cada estrutura caracterológica - Núcleo Psicótico - Borderline -

Psiconeurótico - Neurótico. Focaremos no desenvolvimento da caracterologia pós-reichiana

desenvolvida por Federico Navarro e no Psicodrama de Jacob Levi Moreno, como recursos

complementares ao tratamento clínico e pedagógico. Apontaremos também de algumas

possibilidades de trabalhos com casal, famílias e grupos, fazendo uso da metodologia da

Análise Reichiana e do Psicodrama.

AO FINAL DESSE MÓDULO O ALUNO DEVERÁ SER CAPAZ DE RESPONDER AS

SEGUINTES QUESTÕES:

1 – Qual a divisão topográfica do cérebro humano segundo Paul MacLean e pelo que responde

cada cérebro?

2 – Qual a importância de se ter conhecimentos desses 3 cérebros e onde eu posso aplicar

esses conhecimentos?

3 – Quais são os mecanismos de defesa e como cada um deles pode aparecer no dia a dia

profissional, seja na clínica, na escola, na empresa, etc?

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VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apresentação do Módulo 1. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

4 – O que significa “fixação da libido” que na linguagem reichiana chamamos de energia

orgone, nas zonas erógenas e nas etapas do desenvolvimento?

5 – Qual a diferença entre temperamento, personalidade e caráter?

6 – Quais são as etapas do desenvolvimento segundo a Psicologia Corporal (Volpi e Volpi),

como surgem, como são bloqueadas e que traço de caráter se desenvolve em cada uma delas

quando há um bloqueio no desenvolvimento emocional?

7 – Qual a diferença entre o caráter neurótico e o genital?

8 – Como é o padrão de funcionamento emocional (comportamento) dos traços de caráter:

Núcleo Psicótico, Borderline, Psiconeurótico (Masoquista, Ob. Compulsivo e Passivo-feminino)

e Neurótico (Fálico-narcisista e Histérico)?

9 – Como é a condição energética de cada um dos traços de caráter acima?

10 – Que características no corpo são mais evidentes em cada um dos traços de caráter

acima?

11 – O que significa “cobertura caracterológica”?

12 – Por que chamamos de “traços de caráter” e não de “caráter?

13 – O que é mais importante levarmos em consideração no projeto terapêutico para o

tratamento do paciente Núcleo Psicótico?

14 – O que é mais importante levarmos em consideração no projeto terapêutico para o

tratamento do paciente Borderline?

15 – O que é mais importante levarmos em consideração no projeto terapêutico para o

tratamento do paciente Psiconeurótico (Masoquista, Ob. Compulsivo e Passivo-Feminino?

16 – O que é mais importante levarmos em consideração no projeto terapêutico para o

tratamento do paciente Neurótico (Fálico-Narcisista e Histérico)?

17 – O que é mais importante levarmos em consideração no projeto terapêutico para o

tratamento do paciente com traços Psicopáticos?

18 – Cite cinco elementos importantes no contrato terapêutico?

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ALDRIGHI, M. L. M. Ressignificando Reich à luz da Filosofia de Henri Bergson. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

RESSIGNIFICANDO REICH À LUZ DA FILOSOFIA DE HENRI BERGSON

Maria de Lourdes Mendes Aldrighi

“O filósofo é um principiante perpétuo. Isto quer dizer que ele não considera como adquirido aquilo queos homens ou sábios creem saber. Isto quer dizer também que a Filosofia não deve ela própria ter-secomo acabada no que pode dizer de verdadeiro, significa que ela é uma experiência renovada de seu

próprio começo, que consiste integralmente em descrever este começo e finalmente que a reflexãoradical é consciência de sua própria dependência em relação à uma vida irrefletida que é sua situação

inicial, constante e final.” (MERLEAU PONTY,1971)

Ao atestar a incompetência da inteligência para compreender a vida, Bergson traz uma

questão crucial para o campo epistemológico: matéria orgânica e matéria inorgânica não

podem ser conhecidas através do mesmo método. Em seu primoroso ensaio “Introdução à

Metafísica”, o filósofo afirma haver

[…] duas maneiras profundamente diferentes de se conhecer uma coisa. Aprimeira implica que a rodeemos; a segunda, que entremos nela. A primeiradepende do ponto de vista em que nos colocamos e dos símbolos pelos quaisnos exprimimos. A segunda não se prende a nenhum ponto de vista e não seapoia em nenhum símbolo. Acerca da primeira maneira de conhecer, diremosque ela se detém no relativo; quanto à segunda, onde ela é possível, diremosque ela atinge o absoluto. (BERGSON, 1979c, p. 13).

A primeira refere-se ao procedimento da Ciência, via inteligência e a segunda, à

Filosofia, enquanto investigação metafísica. É o próprio autor quem esclarece: “Chamamos

intuição a simpatia pela qual nos transportamos para o interior de um objeto para coincidir com

o que ele tem de único e, consequentemente, de inexprimível.” (BERGSON, 1979c, p. 14).

Considerando a realidade como um “[…] jorro contínuo de novidade e mudança […]” algo

jamais acabado e marcado pela imprevisibilidade, Bergson (1979d, p. 105) aponta a

precariedade da linguagem, sempre tradução do real, representação. Quanto à Ciência,

exatamente por trabalhar através de conceitos, reconstituindo a partir do já dado, do já

conhecido, “[…] deixa escapar o que há de novo a cada momento de uma história. Ela não

admite o imprevisível. Ela rejeita toda criação.” (BERGSON, 1979b, p. 193). Radicaliza sua

crítica, pontuando que a inteligência se caracteriza por uma “[…] incompreensão natural da

vida.” (BERGSON, 1979b, p. 149). No que se refere à Psicologia, assinalará sua fragilidade,

uma vez que, segundo o autor, nossa consciência, nossa interioridade, será sempre

inacessível ao método analítico. “Analisar consiste em exprimir uma coisa em função do que

não é ela”, uma vez que “A análise multiplica sem fim os pontos de vista para completar a

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ALDRIGHI, M. L. M. Ressignificando Reich à luz da Filosofia de Henri Bergson. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

representação sempre incompleta, varia sem cessar os símbolos para perfazer a tradução

sempre imperfeita. Ela se desenvolve, pois, ao infinito.” (BERGSON, 1979c, p. 14). Bergson

quer encontrar um meio de escapar às traduções ou representações simbólicas do real, quer

conhecer, ao menos, uma realidade de forma absoluta e não relativa. Este meio é a Metafísica

compreendida como “[…] a Ciência que pretende dispensar os símbolos.” (BERGSON, 1979c,

p. 15). A experiência desta realidade absoluta acontece através da percepção do “eu” em seu

fluir no tempo, via intuição. Numa carta a William James, Bergson (1979) afirma:

Quanto mais tento apreender-me a mim mesmo pela consciência, tanto maisme apercebo como a totalização ou o inbergriff (resumo) de meu passado, estepassado contraído em vista da ação. A “unidade do eu” de que falam osfilósofos me aparece como a unidade de uma ponta ou de um cume, no qualme concentro a mim mesmo por um esforço de atenção, esforço que seprolonga durante a vida inteira e ao que parece, é a própria essência da vida.Mas para passar desta ponta de consciência ou deste cume para a base, paraum estado em que todas as lembranças de todos os momentos do passadoestariam espalhadas e distintas, sinto que teria de passar do estado normal deconcentração a um estado de dispersão como o de certos sonhos; não haveria,pois, nada de positivo a fazer, mas simplesmente algo a desfazer, nada aganhar, nada a acrescentar, mas antes algo a perder.

Para melhor compreendermos, Bergson compara a consciência à imagem de um cone,

cuja base cresceria, constantemente, através das experiências vividas. O vértice representaria

nosso momento presente, nosso permanente esforço de inserção na atenção à vida. É como

se a consciência transitasse entre dois “eus”: o superficial (automatizado, repetitivo, preso às

necessidades da vida, às regras sociais, determinado) e o profundo (registro ontológico de

nossas memórias, livre, criador). Não haveria outra via senão a observação interior, ou “visão

interior,” para sabermos quem somos, para nos percebermos enquanto registro do tempo, “[…]

mesmo que ela nos trouxesse, de nós mesmos, apenas uma vaga intuição.” (BERGSON, 1991,

p. 842). Indiretamente, nosso eu poderia ser sugerido através de imagens. No entanto, sua

percepção direta somente se daria via intuição. Por natureza, ele é avesso à qualquer

representação conceitual (BERGSON, 1979c, p. 19). Somos tempo e memória, somos

duração, o próprio tempo experimentado, subjetivamente. No entanto, não somos, apenas,

memória psicológica, somos memória orgânica, “[…] registro ininterrupto da duração, todo o

passado do organismo, sua hereditariedade, enfim, o conjunto de sua longuíssima história.”

(BERGSON, 1991, p. 510-511). Nossos corpos são a história de nosso existir, existir este que

“[…] consiste em mudar, mudar amadurecendo, amadurecer criando-se infinitamente a si

mesmo.” (BERGSON, 1979b, p. 18). A memória orgânica seria paulatinamente tecida pelo

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ALDRIGHI, M. L. M. Ressignificando Reich à luz da Filosofia de Henri Bergson. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

grande artista da vida, criador de todas as formas existentes: o élan vital. Concebido ora como

“vontade”, ora como “força” ou “corrente elétrica”, esta potência criadora atravessa toda e

qualquer matéria, criando por criar, nela inserindo indeterminação e liberdade. Daí a enorme

variedade das espécies vegetais e animais existentes, criadas sem projeto ou plano algum,

apenas por amor, prazer, por nada. Porém, as formas produzidas pelo élan tendem a se

imitarem e a se repetirem, obstaculizando o impulso criador que caracteriza seu trabalho. Daí a

tendência ao automatismo e à repetição que ameaça as espécies que, para se protegerem de

outras inimigas, vão criando invólucros mais ou menos rígidos (carapaça, concha, armadura,

couraça), aprisionando ou paralisando o fluxo vital. Segundo Bergson (1979b), apenas no

homem este movimento vital parece prosseguir sem obstáculo, através de sua liberdade de

escolha, de seu fabuloso cérebro e de sua competência criadora. Poder-se-ia considerá-lo

como o “termo da evolução da vida.” Por abarcar em si tendências contrárias, o élan vital

caminha em direções contrárias, daí a criação dos reinos animal e vegetal, a mobilidade e o

repouso, os vertebrados e os invertebrados, o instinto e a inteligência, a individualização e a

socialização. No tocante à vida humana, sua plena satisfação acontece na esfera social. O

próprio élan já contém em si a inclinação moral. Porém, apenas alguns homens podem

experimentá-la e compartilhá-la com os demais. São eles “os grandes homens de bem”

místicos, heróis, que abririam caminhos para a virtude, iluminando núcleos de generosidade.

Estes homens, por estarem mais distantes das necessidades materiais, desta atenção à “vida”,

do “eu superficial”, manteriam com o élan vital uma profunda conexão e seriam, naturalmente,

“éticos”, tal como é da natureza do impulso vital: criar com e por amor. Tais homens, de

percepção mais apurada, semelhantemente aos artistas e filósofos, não se subjugam à ação,

ao pragmatismo. Conseguem preservar a visão que têm de si e do mundo, o que não

aconteceria com os demais, capturados pela necessidade de viver e agir, diminuindo-lhes a

capacidade de enxergar, em detrimento da ação. Neste sentido, “[…] tanto mais nos

preocupamos em viver, menos somos inclinados a ver.”1 E é exatamente ao nos abrirmos para

esta percepção apurada de nós mesmos, ao nos permitirmos atingir o “estado semelhante ao

dos sonhos”, nos percebendo como duração, compreendendo a própria vida, que todos os

seres vivos se apresentam, igualmente compreendidos, enquanto duração, enquanto formas

1 A percepção, enquanto apenas auxiliar da ação, isola, no conjunto do real, apenas o que nos interessaàquela determinada ação. Ela nos mostra menos das coisas, do que elas realmente são. O seu critério éo da “utilidade”. No entanto, alguns de nós escapariam desta condição: “De quando em quando,felizmente, nascem homens que, seja pelos seus sentidos, seja por sua consciência, são menos ‘ligados’à vida. Não se subjugam ao agir, ao que é útil.”

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ALDRIGHI, M. L. M. Ressignificando Reich à luz da Filosofia de Henri Bergson. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

de consciência. Vemos todas as manifestações da vida se interpenetrarem, atravessadas por

um impulso único e indivisível. “Todos os seres se entrosam e todos cedem ao mesmo

formidável ímpeto”, nos diz o filósofo. “A consciência, enquanto duração, torna-se o arquétipo

epistemológico da Ciência e da Filosofia da vida, uma vez que a inteligência não nos permite

pensar a vida”, resume Philonenko (1994, p. 257), estudioso da filosofia bergsoniana. Apenas a

percepção da duração, via intuição, pode fazê-lo. Assim é que a relação entre a consciência e

o corpo, ou, em outras palavras, entre o espírito e a memória, assume um papel fundamental

na Filosofia e Epistemologia bergsonianas. O corpo, enquanto matéria, é concebido como

instrumento, obstáculo e estímulo ao élan vital. Cabe-lhe conter a vida do espírito,

compreendido enquanto consciência, “[…] uma força capaz de tirar de si mais do que possui.”

(BERGSON, 1972, p. 937). É como se o corpo servisse de “vaso maleável” a este sopro

criador, delimitando-lhe as fronteiras em relação aos demais corpos, constantemente em

transformação e em comunicação, interpenetrados pelo élan vital. Para Bergson (1979b), o

organismo seria apenas o lugar de passagem do fluxo vital, da corrente de vida, distintamente

do corpo, concebido como o lugar das afecções, isto é, por onde nos chegam os objetos do

mundo, experimentados, singularmente, pela nossa subjetividade. Apesar da estreita relação

da alma (consciência) e do corpo, há que se cuidar para jamais se reduzir os fenômenos

mentais aos fenômenos cerebrais. Há que se considerar, segundo a Epistemologia

bergsoniana, a natureza daquilo que se pretende conhecer, através de meios específicos e

apropriados. Assim é que a inteligência, enquanto fruto do processo de evolução da vida,

jamais pode explicar sua origem (da vida). A habilidade da inteligência estaria restrita à

manipulação do inerte, da matéria inorgânica e não do que é vivo. Se não respeitarmos a

natureza daquilo a ser conhecido, cometemos graves erros. Daí seu comentário:

Quer se trate da vida do corpo ou do espírito, ela [a inteligência] age com todoo rigor e a rusticidade de um instrumento que não havia sido destinado asemelhante uso. […]. A grosseria e a persistência dos erros de uma práticamédica ou pedagógica teriam a origem […] em nossa obstinação em tratar oser vivo como se trata o inerte e em pensar a realidade, por mais fluida queseja, sob forma de sólido definitivamente parado. (BERGSON, 1979b, p. 149).

Bergson (1979) resume:

Queremos uma diferença de método, não admitimos uma diferença de valorentre a Metafísica e a Ciência. […] Cremos que elas podem tornar-se,igualmente precisas e certas. Uma e outra referem-se à própria realidade. […]Deixemos-lhes, ao contrário, objetos diferentes, à Ciência a matéria e àMetafísica o espírito: como espírito e matéria se tocam, Metafísica e Ciência

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vão poder, ao longo da face comum, pôr-se mutuamente à prova esperandoque o contato se torne fecundação.

Ciência e Metafísica diferenciam-se pelo objeto e pelo método, mas se comunicam na

experiência. Bergson (1979c) reconhece que a forma matemática que a Física tomou satisfaz

mais nosso entendimento e responde melhor à realidade. Reconhece, também, a

impossibilidade de uma linguagem estritamente apropriada à experiência interior por haver,

nesta experiência, algo que escapa à representação. Haveria sempre uma franja dela,

alcançada tão somente, via intuição, única a se instalar no “movente”, “[…] a realidade

compreendida enquanto novidade, movimentação e mudança.” A seu ver, a Psicologia, por

trabalhar com recortes da nossa existência, incapaz de compreender o eu, enquanto

continuidade melódica, limita-se ao estudo do espírito humano enquanto funcionamento à

prática da ação. Cabe à Metafísica estudar o esforço deste mesmo espírito para se reaprender

enquanto pura energia criadora (BERGSON, 1975). Apesar de dedicar grande parte dos seus

estudos à compreensão da relação consciência-corpo e de ter abraçado a tarefa de apreender

o espírito humano como “pura energia criadora”, participando de experiências sobre radiações,

hipnose e estados alterados de consciência do Groupe d’études des phénomènes psychiques,

Bergson não clinicou. No entanto, seu legado foi, sem dúvida alguma, fonte de inspiração e

apoio epistemológico para Reich. Em “A função do orgasmo” ele afirma ter feito “um estudo

muito cuidadoso” de algumas obras de Bergson. “A experiência bergsoniana da percepção

como duração temporal na experiência psíquica e da unidade do Ego confirmou as minhas

próprias percepções íntimas da natureza não mecanicista do organismo”, conta-nos o autor

(REICH, 1988, p. 30). Relata, também, ter buscado no pensamento bergsoniano a origem de

sua teoria da identidade e da unidade do funcionamento psicofísico. Considerado, em sua

época, um “bergsoniano maluco”, encontra, no filósofo francês, legitimação epistemológica do

que até então “era obscuro e vago” “[…] mais percepção que conhecimento.” (REICH, 1988, p.

30). Inspirado no élan vital e ancorado na Epistemologia de Bergson, erige sua “Análise do

Caráter” e a própria Orgonomia, trabalhando, fundamentalmente, sobre a noção do conceito de

energia como desencadeador da vida. Em sua trajetória, desaponta-se seriamente com Freud.

Luta arduamente pela sua teoria. “Gastei quatorze anos de trabalho intensivo na e para a

Psicanálise.” (REICH, 1988, p. 39). Refere-se ao “inconsciente freudiano” como uma

descoberta fundamental e ferramenta essencial para a terapia das neuroses. No entanto, a

experiência lhe revela que, na verdade, é “[…] mais complicado do que sugerira a fórmula de

tornar consciente o inconsciente.” (REICH, 1988, p. 187). Seu trabalho clínico mostra que a

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neurose era não somente a perturbação de um equilíbrio psíquico, mas a expressão de uma

perturbação crônica do equilíbrio vegetativo e da motilidade natural. Assim, sua investigação

volta-se para a busca das bases biológicas da teoria da libido, através da experiência. Neste

sentido é que a expressão “estrutura psíquica” ganha um significado especial em suas

pesquisas. Busca-se atingir diretamente os afetos a partir da atitude somática. É por isto que,

para a Análise do Caráter, as atitudes musculares assumem outra importância: liberam-se os

afetos a partir da compreensão do significado e da dissolução da atitude muscular. Em outros

termos, o trabalho de Análise do Caráter não se limita em apontar e desmascarar as atitudes

de caráter enquanto mecanismos de defesa psíquicos. Através da dissolução dos afetos

represados provoca-se reações no Sistema Nervoso Vegetativo. Para Reich, quanto mais

tratamos as atitudes musculares correspondentes às atitudes de caráter, mais adentramos

no campo biológico. Desvia-se uma parte do trabalho dos campos psicológico e

caractereológico para a dissolução direta, imediata da couraça muscular. “Pode-se dizer que

toda rigidez muscular contém a história e o significado da sua origem”, afirma Reich (1988, p.

255). Não se trata mais de deduzir a partir de sonhos ou de associações a maneira do

desenvolvimento da couraça muscular. “A couraça é a forma na qual a experiência infantil é

preservada como obstáculo ao funcionamento.” (REICH, 988, p. 255). Em outros termos, a

noção bergsoniana da memória orgânica parece ter colaborado na formulação reichiana da

teoria das neuroses, onde consciência e corpo se constroem reciprocamente. Bergson já nos

esclarecera sobre o aprisionamento do élan vital pelas carapaças de proteção, como estratégia

de algumas espécies. Reich observa, através da prática clínica, fenômeno semelhante em seus

pacientes:

Todos os nossos pacientes contam que atravessaram períodos na infância nosquais, por meio de certos artifícios sobre o comportamento vegetativo (prendera respiração, aumentar a pressão dos músculos abdominais, etc.) haviamaprendido a anular os seus impulsos de ódio, de angústia ou de amor. Atéagora, a Psicologia Analítica se dedicou apenas ao que a criança anula e aosmotivos que a levam a aprender a controlar as suas emoções. Não pesquisou omodo pelo qual as crianças lutam contra os impulsos. É precisamente oprocesso fisiológico de repressão que merece a nossa maior atenção. Nãodeixa nunca de ser surpreendente o modo como a dissolução de um espasmomuscular não só libera a energia vegetativa mas, além disso e principalmente,reproduz a situação de infância na qual ocorreu a repressão do instinto.(REICH, 1988, p. 254)2.

2 Grifos do autor citado.

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Em resumo, o corpo, por trazer em si a inscrição da neurose, serve-lhe como pista

diagnóstica, prevenção e tratamento. No entanto, não é apenas a percepção visual ou tátil do

terapeuta que participa na elaboração do diagnóstico. Reich, através da noção de sensação

plasmática3 parece responder às críticas de Bergson com relação à linguagem e à Ciência,

sempre limitadas ao trabalho de tradução do real, ao propor que o terapeuta, através de todo

seu aparelho sensório motor “apreenda” o cliente que está diante de si, via intuição (ou

simpatia) obtendo, assim, o que o Bergson chamara de conhecimento absoluto,

dispensando os símbolos que representem o que o cliente sente, uma vez que o próprio corpo

do terapeuta “teria coincidido” com o cliente. Como nos esclarece Bedani (2013, p. 123), Reich

também faz da empatia uma via privilegiada do contato entre terapeuta e paciente: “Apenas

quando tivermos sentido a expressão facial do paciente estaremos em condições de

compreendê-la.” Segundo Bedani (2013) “compreender” significaria reconhecer a emoção que

está por trás daquela expressão facial, em seu nível orgânico mais profundo, isto é, sua

condição plasmática. Reich traz o relato de casos clínicos que atestam este importante contato

empático, compartilhando sua experiência: “A primeira coisa a fazer em tais situações é

relaxar, sentar-se, olhar o paciente, conversar com ele e saber que ‘impressão’ ele nos dá.”

Esta via de conhecimento do “outro” através da sensorialidade só seria atingida em estruturas

não encouraçadas, com potência orgástica, isto é, com “[…] a capacidade de se entregar ao

fluxo da energia biológica, sem quaisquer inibições; capacidade de descarregar

completamente, por meio de convulsões involuntárias e prazerosas do corpo, a excitação

sexual acumulada.” No limite, estruturas capazes de manter contato “[…] com a natureza que

está dentro e fora delas.”4 Reich, mesmo reconhecendo um princípio de uma força criativa

governando a vida, sabia da dificuldade de sua aceitação pela Ciência natural, em virtude da

sua “inaplicabilidade”. Através de suas pesquisas, chega à energia capaz de carregar a matéria

orgânica: o orgone. Os bions, vesículas microscópicas carregadas desta energia orgonal se

desenvolveriam ou a partir da matéria inorgânica (por meio de aquecimento e dilatação, ou

espontaneamente, na terra) ou, a partir da matéria orgânica em degeneração, como no caso do

câncer. O organismo vivo conteria esta energia orgonal em cada célula e se carregaria

constantemente com a energia orgonal da atmosfera, por meio da respiração. O trajeto de sua

investigação culmina na formulação da teoria do orgone, através da qual Reich formulou o

conceito de “sensação orgonótica”, “[…] percepção subjetiva da excitação plasmática objetiva,

3 Além de sensações plasmáticas, Reich utiliza mais três termos: sensação de órgão, sensaçãoorgonótica ou correntes vegetativas.4 Bedani (2013, p. 21 e 104) cita trechos da autobiografia científica de Reich.

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percepção essa que anteriormente5 designávamos, de maneira mecanicista, como corrente

vegetativa.” (BEDANI, 2013). Parece-nos evidente que o anteriormente deve ser

compreendido como antes do contato com a filosofia de Henri Bergson. Através de sua

pesquisa do orgone, Reich afirma ter podido demonstrar a identidade existente entre a energia

bioelétrica e a energia sexual. Tal como em Freud, a satisfação sexual ocupa, na obra

reichiana, um lugar privilegiado na promoção e prevenção da saúde. Assentado em sua

experiência médica, Reich (1974a, p. 96) afirma que “A repressão sexual resulta em doença,

perversão ou lascívia.” Semelhantemente a Bergson que via no próprio élan vital a origem de

nossa existência ética, Reich constrói uma complexa relação entre sexualidade e moralidade,

que perpassa todos os modos do existir humano: de sua subjetividade à compreensão do

Universo. No seu entender, “Toda regulamentação moral é sexualmente negativa, isto é, nega

as necessidades sexuais naturais. Toda moral nega a própria vida e a revolução social parece

não ter tarefa mais importante do que possibilitar finalmente ao homem, ao ser humano vivo, a

satisfação e realização da sua vida.” (REICH, 1974, p. 57). Assim, a sexualidade seria a via

privilegiada de se atingir não apenas a revolução social mas o próprio modo de existir humano.

Num primeiro momento, satisfação genital e moralidade andariam juntas, produzindo a saúde

de nossas relações sociais. “O doente, com a regulamentação moral pelo seu consciente,

perde também sua antissocialidade e torna-se ‘moral’ na medida em que se refaz

genitalmente.” (REICH, 1974, p. 55). A própria satisfação e saúde sexuais já garantiriam uma

proteção a parceiros com tendências autoritárias, como se parece poder concluir a partir de

sua referência à jovem que, para satisfazer as exigências da economia sexual “[…] não

somente precisaria ter uma livre sexualidade genital; também necessitaria de […] um amigo

potente, com vitalidade, justamente não nacional-socialista, isto é, não-estruturado na negação

do sexo […]” (REICH, 1974, p. 47). Muito semelhantemente a Bergson (1991, p. 1071), o social

em Reich estaria inserido no vital, satisfação sexual e moralidade se interpenetrariam,

naturalmente. Há que se compreender o lugar da sexualidade no pensamento reichiano em

suas profundezas e sua imbricação na esfera social. Neste sentido, a importante constatação

de Albertini (2011): “Mais do que um mero brado de reivindicação hedonista, Reich aponta para

a necessidade da presença de um contexto social não cerceador da vida, algo fundamental

para a formação do cidadão.” Este contexto seria fruto do trabalho humano, de pessoas mais

próximas ainda da sua fonte originária, “naturalmente” éticas. Injustiça e maldade seriam

produzidas “socialmente” (REICH, 1988, p. 189). Toda esta discussão nos remeteria à

5 Grifo da autora do texto.

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complexa questão da natureza humana, a saber: a maldade nasce com a civilização ou dela é

fruto? Não é propósito deste ensaio o aprofundamento desta significativa questão. Atenhamo-

nos, apenas, a apresentar algumas considerações do próprio Reich que, semelhantemente a

Bergson, não pensava serem as pessoas, naturalmente, ruins.

Haviam se tornado assim por causa das condições da vida. No início, porém,poderiam ter-se tornado um tanto diferentes: decentes, honestas, capazes deamar, sociáveis, mutuamente responsáveis, sociais sem compulsão.Estávamos lidando com contradições do caráter que refletiam contradições dasociedade.[…] da mesma forma, o comportamento humano reflete apenas ascontradições entre a afirmação de vida e a negação de vida no próprioprocesso social. (REICH, 1988, p. 57).

Este “contexto social não cerceador da vida”, só seria viabilizado através de uma “moral

compulsória”, que não estivesse em contraste com a natureza, já naturalmente concebida

como a afirmação da vida. Bergson também já se ocupara do tema, fazendo uma distinção

entre duas morais: a “fechada” e a “aberta”. A primeira (fechada) se constituiria a partir da

inteligência e poderia ser assimilada à pressão do todo social para atender sua necessidade

enquanto coletivo. A segunda (aberta) diria respeito à aspiração, enquanto força original do

élan para “levar a humanidade adiante”. Esta segunda moral seria traduzida apenas por alguns

homens através da emoção particular que experimentam ao se colocarem longe das

necessidades da atenção “à vida”. O engajamento não viria da pregação do amor ao próximo.

Este seria o procedimento da inteligência. Bergson (1991) afirma ser necessário passar pelo

heroísmo para se chegar ao amor. Apenas a emoção trazida como experiência viva do herói

seria capaz de mobilizar os outros homens. Neste sentido, a moral do evangelho seria

essencialmente uma moral aberta, enquanto a moral da pólis, a preconizada pelos gregos,

seria exemplo de moral fechada. Reich (1988) tece duras críticas a Freud, incapaz de

encontrar na Sociologia o respaldo teórico para alargar sua compreensão da “malícia do

homem”. “Freud estava desiludido”, comenta Reich, acusando severamente a Psicanálise por

ter se tornado uma “[…] teoria de adaptação cultural abstrata e portanto conservadora, cheia

de contradições insolúveis.” (REICH, 1988, p. 187-189). Apesar de não termos a pretensão de

adentrarmos em tal querela, Freud, referindo-se a aqueles que buscavam nas questões sociais

a explicação das neuroses, insistiu sobre a preponderância do fator sexual como sendo o

principal na etiologia das neuroses. Considera suas teorias

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[…] insuficientes para explicar as peculiaridades dos distúrbios nervosos porignorarem justamente o fator etiológico mais importante6. Se deixarmos delado as modalidades mais leves de “nervosismo” e nos atermos às doençasnervosas propriamente ditas, veremos que a influência da civilização reduz-seprincipalmente7 à repressão nociva da vida sexual dos povos (ou classes)civilizados através da moral sexual “civilizada” que os rege.8

Apesar do importante legado deixado por Bergson e Reich para a compreensão da vida

e para a própria teoria do conhecimento, a leitura de suas obras tem se prestado a críticas,

muitas delas infundadas, sob nosso ponto de vista. Bergson é acusado de ser “espiritualista” e

apolítico. Politzer é citado por Soulez (1989) como um dos disseminadores deste equívoco

interpretativo, por partir de comentadores de sua obra, cujas afirmações são deduzidas a partir

de uma caricatura daquilo que consideram ser o bergsonismo e não a partir dos seus próprios

escritos. A complexidade da obra de Bergson e seu lugar singular na História da Filosofia são

temas minuciosamente tratados por Philonenko em sua obra “Bergson ou de la Philosophie

comme Science rigoureuse”. Enquanto outros pensadores poderiam ser tidos como herdeiros

legítimos de seus predecessores, o mesmo não se passa com Bergson. A seu ver,

Ele não é o herdeiro de nada, pela simples razão de nada ter existido antesdele, […] de não haver um progresso na história do pensamento que conduziriaa Bergson: do mundo obscurecido do pensamento pela confusão do símbolo eda ação, de um lado e do pensamento da vida interior, de outro lado, ao mundoteórico e luminoso e verdadeiro da intuição, existe uma solução decontinuidade radical. (PHILONENKO, 1994, p. 28).

Isto não significa que nada fora feito em Filosofia. A intuição se trairia a si mesma se

quisesse ocupar o lugar das Ciências Exatas que servem ao mundo da ação. Ao contrário,

caberia ao filósofo bergsoniano penetrar na realidade psicológica, dissipar as confusões

filosóficas, alcançar o movimento interior da vida, protestar contra as intrusões da lógica da

ação na lógica das significações. Em resumo, apreender a vida enquanto “jorro contínuo, de

novidade e mudança”. Reich fora apelidado de “bergsoniano maluco” e até hoje parece não ter

recebido, em alguns círculos, o respeito e o valor merecidos. Porém, é indubitável que sua obra

ajudou o alargamento da compreensão da vida para além dos limites impostos pela

racionalidade científica de sua época, ao resgatar nossa outra importante via epistemológica, a

intuição, tal como já propusera Bergson, reiterando a complexidade do real e apreendendo-o

6 Grifos da autora do artigo.7 Grifo da autora do artigo.8 Neste sentido, Freud, já em 1908, escreve: “Quem penetrar nos determinantes das doenças nervosascedo ficará convencido de que o incremento dessas doenças em nossa sociedade provém daintensificação das restrições sexuais.”

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como um todo indivisível, imprevisível e movente. Assim, parece-nos que o codinome que

outrora lhe fora outorgado em sua juventude (“bergsoniano maluco”) revela a resistência dos

que o rodeavam em compreender a vida através de novas vias de conhecimento. Aliás, ele

próprio se manifestara frequentemente a respeito dos limites da Ciência, sobretudo através da

crítica à Ciência Positiva, por ele considerada como “[…] um problema em si mesmo” (REICH,

1988, p. 87). Bergson e Reich nos conduzem à mesma conclusão, quanto ao organismo vivo:

sua investigação ultrapassa os limites da Psicologia Profunda e da Fisiologia. A percepção de

si, enquanto duração, levou Bergson ao élan vital, à compreensão da vida. Reich (1988),

orientado pelo bergsonismo, cria a teoria do orgone através da qual, pelo estudo do orgasmo, é

levado “até o fundo dos segredos da natureza”. Psicologia torna-se biofísica e “[…] parte de

uma Ciência Natural experimental.” (REICH, 1988, p. 319). No entanto, ele próprio, que relutara

em se valer do élan vital, acaba por se mostrar mais bergsoniano do que pretenderia, ao

concluir uma de suas mais importantes obras (“A função do orgasmo”), afirmando: “O que era

Psicologia tornou-se Biofísica, e parte de uma genuína Ciência Natural experimental, cujo

cerne permanece, como sempre, o enigma do amor, a que devemos o ser.” Surpreendem-nos,

não apenas os termos utilizados (“ser”, “enigma do amor”), mas a ideia mesma. Reich parece

dizer que devemos nossa existência ao amor e, ao mesmo tempo, que estaríamos impedidos

de conhecermos o cerne da “Biofísica”, pois se trata de um “enigma”. Estaria Reich transpondo

as fronteiras da Ciência, adentrando, assim, no universo da própria Ontologia? Seria o caso de

se considerar toda a investigação reichiana como desprovida de rigor ou, ao contrário, o

momento de colocarmos em discussão o alcance de nossa Ciência e Epistemologia?

Lançamos a questão, lembrando que valeria a pena considerarmos a advertência feita por

Merleau Ponty, em “A fenomenologia da percepção”: os fenômenos precedem a Ciência. O fato

de não conseguirmos explicá-los não nos autoriza a negá-los. Dificuldade de delimitação entre

Ciência e Ontologia à parte, é incontestável a competência de Reich. O próprio Freud a ele se

referira, como o psicanalista mais brilhante no manejo da Análise do Caráter. Marcuse (1972,

p. 207) igualmente comentara:

A mais séria tentativa realizada para desenvolver a teoria crítica social implícitaem Freud foi a de Wilhelm Reich, em seus primeiros escritos. Em sua obra“Einbruch der Sexualmoral” (1931), Reich orientou a Psicanálise no sentido darelação entre as estruturas social e instintiva. Salientou o grau em que arepressão sexual é imposta pelos interesses de dominação e exploração, e amedida em que esses interesses são, por seu turno, reforçados e reproduzidospela repressão sexual.

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Birman (2007) atualiza esta apreciação elogiosa de Marcuse, ao se referir com apreço

às análises feitas por Reich em “Psicologia de Massas do Fascismo”, onde se examinam as

relações de poder e o consequente empobrecimento erótico das massas, além do

silenciamento ostensivo de seus recursos simbólicos. O trabalho clínico de Reich e suas

investigações, sobretudo as que diziam respeito à dissolução do encouraçamento corporal

parecem trazer ao homem a compreensão de sua origem cósmica e de seu lugar no Universo.

Como se a clínica reichiana, além da dimensão política que lhe é inerente, atingisse o que,

segundo Bergson, seria a tarefa da própria Metafísica, isto é, a apreensão do espírito humano

como pura energia criadora. Bedani (2013, p. 91) pontua:

Ao que tudo indica, a análise bergsoniana da duração forneceu a Reichelementos para que ele compreendesse a maneira dinâmica, melódica,contínua pela qual as sensações de corrente apresentar-se-iam à consciênciado sujeito. […] especialmente as relacionadas à “excitação orgástica”,poderiam ser de grande valia para o estudo da consciência humana; a seu ver,as mudanças de estado que ocorreriam durante a excitação sexual ofereceriamreferências “claras e úteis” para o estudo do “fenômeno da consciência”.

A Orgonoterapia não procuraria trabalhar meramente com conflitos individuais ou

examinar as particularidades dos encouraçamentos pessoais, mas sim, “[…] alcançar

tecnicamente o organismo vivo em si mesmo”, explica Bedani (2013, p. 98). E nós

acrescentaríamos: organismo este compreendido em sua teia relacional com os demais seres

do Universo. Consideramos o estudo da Filosofia bergsoniana como condição imprescindível à

compreensão da obra e do trabalho clínico de Wilhelm Reich. É nela que Reich busca não

apenas inspiração, mas seu próprio esteio epistemológico que o encorajou a estruturar sua

Orgonomia. Nunca é demais enfatizar que tanto Reich como Bergson, ao legitimarem o

conhecimento intuitivo, jamais prescindiram da busca de precisão. Ademais, não fosse o rigor

epistemológico destes dois autores, como explicar o interesse de tantos leitores e estudiosos?

Há muito ainda a ser explorado na relação consciência-corpo. As experiências do Instituto do

Cérebro em São Petersburgo sobre a questão da drogadicção e a proposta de tratá-la, via

intervenção cirúrgica mostram-nos algo já sinalizado nas obras de Bergson: o equívoco de se

reduzir os fenômenos mentais aos cerebrais. Depois de terem seus cérebros perfurados,

jovens com idade de dezesseis a vinte e poucos anos voltavam rapidamente às drogas. Os

únicos que resistiram à reincidência foram dois jovens que se apaixonaram durante a

internação e deixaram o Instituto, sem jamais se deixarem. Isso reiteraria a ideia de “encontros

potentes” como afirmação da vida, defendida por Albertini, no Encontro das 3 Bios em

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dezembro de 2012. O relato de Sacks, neurologista britânico, sobre sua experiência a partir de

um acidente nas montanhas também merece nossa reflexão. Já hospitalizado, perdera a

percepção de uma das pernas, fenômeno que ele próprio acompanhara, através de relatos de

antigos pacientes. Ainda internado, ao ouvir o “Concerto para violino”, de Mendelssohn,

começa a resgatar sua identidade não apenas somática, mas ontológica: a sensação do corpo

como unidade e continuidade melódica, a partir de percepções jamais experimentadas, até

então. Sentia, novamente, sua perna, cujas medidas se alteravam, como se procurassem se

ajustar ao seu tamanho anterior a seu desaparecimento. “Dentro de mim parecia haver o

trabalho de uma matemática cósmica, o estabelecimento de uma ordem microcósmica

impessoal”. (SACKS, 1988, p. 128) Apesar de impressionante, Sacks comenta que esta

experiência é inacessível à objetividade dos médicos e outros especialistas que dele tratavam,

uma vez que suas avaliações clínicas não consideram, jamais, a subjetividade vivida no corpo

afetado do paciente. Tal como Bergson já dissera, tratar-se-ia de uma experiência de outra

natureza, de outra ordem. Sacks chega a se referir à uma “Ontologia Clínica” ou “Neurologia

existencial”, “uma Neurologia do Ego, na dissolução e criação.” (SACKS, 1988, p. 193).

Bergson já nos falara de emoção criadora, aquela produtora de ideias. Reich trabalhara sobre

as sensações orgonóticas, via seu conceito de emoção plasmática, que não se restringiria à

esfera psicológica e expressaria, antes de tudo, “estados de motilidade físicos e

bioenergéticos”. Bedani (2013. p. 124) esclarece: “Os estados psíquicos de angústia e prazer

são experienciados como estados específicos de motilidade.” Enquanto o prazer é por nós

experimentado como movimento de expansão e abertura, a angústia é vivida como retração-

encolhimento. Poderia ter o Concerto de Mendelssohn acionado as sensações orgonóticas

de Sacks, recolocando-o em contato com a motilidade, devolvendo-lhe a percepção de sua

totalidade? Bergson já se referira ao poder transformador da música via emoção. Por outro

lado, o próprio Sacks se refere ao poder da música e da dança na recuperação de pacientes

neurológicos. Estes autores parecem se juntar a Bergson e Reich e nos convidam a

reconhecer que a compreensão da vida não se esgota na pura e simples racionalidade.

Parecem sugerir, tal como já fizera Novellis que “Ao tocarmos um corpo, tocamos o céu.”

(MONTAGU, 1986, p. 21). Ancorado na filosofia de Bergson, Reich revoluciona o campo da

clínica, inaugurando um espaço onde a loquacidade do terapeuta é substituída por sua

sensibilidade, onde o outro se faz conhecer, via simpatia, em sua singularidade mais profunda.

O legado de Reich é incontestável. Gerda Boyesen, através de seu trabalho clínico com a

Psicologia Biodinâmica torna-se uma de suas principais herdeiras ao se embrenhar neste

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

ALDRIGHI, M. L. M. Ressignificando Reich à luz da Filosofia de Henri Bergson. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

universo da memória orgânica bergsoniana, do qual já nos ocupamos em outro texto, outrora

mencionado. Desta revolução, nos ocuparemos num próximo trabalho.

REFERÊNCIAS

ALBERTINI, P. Wilhelm Reich: percurso histórico e inserção do pensamento no Brasil. Boletim de Psicologia, 61 (135), Julho/ Dezembro 2011, p. 159-176.

BEDANI, A. A relação entre sensação e produção de conhecimento na obra de WilhelmReich. 2013. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de SãoPaulo, São Paulo.

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BERGSON, H. A evolução criadora. Rio de Janeiro: Zahar, 1979b.

BERGSON, H. Introdução à Metafísica. In: BERGSON, H. Cartas, conferências e outrosescritos. São Paulo: Abril Cultural, 1979c.

BERGSON, H. O pensamento e o movente. In: BERGSON, H. Cartas, conferências e outrosescritos. São Paulo: Abril Cultural, 1979d.

BERGSON, H. Carta a William James. In: BERGSON, H. Cartas, conferências e outrosescritos. São Paulo: Abril Cultural, 1979e.

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BERGSON, H. L’ évolution créatrice. Paris: Presses universitaires de France, 1991.

BERGSON, H. Matière et Mémoire. Paris: Presses Universitaires de France, 1975.

BERGSON, H. La conscience et la vie. Paris: Magnard, 1993.

BIRMAN, J. Mal estar na atualidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

MARCUSE, H. Eros e civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

MONTAGU, A. Tocar – o significado humano da pele. São Paulo: Summus, 1986.

PHILONENKO, A. Bergson ou de la Philosophie comme Science rigoureuse. Paris: Leseditions du cerf, 1994 .

PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Freitas Bastos, 1971.

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ALDRIGHI, M. L. M. Ressignificando Reich à luz da Filosofia de Henri Bergson. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

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VILARINHO, Y. A percepção e o sensível: notas sobre o funcionamento perceptivoe a questão da mudança. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do cursode Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.

A PERCEPÇÃO E O SENSÍVEL: NOTAS SOBRE O FUNCIONAMENTOPERCEPTIVO E A QUESTÃO DA MUDANÇA1

Yuri C. Vilarinho

INTRODUÇÃO

A investigação da interface entre a teoria reichiana e a Filosofia de Henri Bergson não é

inédita. Recentemente, alguns autores (ALBERTINI, 1994; 2003; BEDANI, 2007) enfatizaram a

interessante afinidade entre as contribuições do filósofo francês e de Wilhelm Reich. Vale

lembrar que Bergson exerceu grande influência no pensamento de Reich quando este ainda

cursava a faculdade de Medicina, em fins dos anos 1910. Reich era então considerado um

“bergsoniano maluco” (REICH, 2004). Sua teoria da identidade e unidade do funcionamento

psicofísico, ou seja, da relação funcional entre corpo e mente, tem origem no pensamento

bergsoniano2. Cada um dos autores, ao seu modo, partindo de arcabouços teóricos diferentes,

formulou questões muito semelhantes, como o problema da rigidez do homem e as implicações

na percepção da realidade, a relação mente-corpo, a existência de um éter, a crítica do

materialismo mecanicista predominantes na Ciência e na Filosofia da época. Embora haja

vários pontos em comum entre ambas as teorias, focaremos neste estudo a questão da

percepção da mudança.

Henri Bergson, laureado com o prêmio Nobel em 1927, trouxe uma importante

contribuição à filosofia, desenvolvendo seu pensamento em contraposição ao campo filosófico

hegemônico de sua época, moldado no racionalismo cartesiano. Escreveu do final do século

XIX até a década de 1930. Sua obra atravessou um século e ainda corrobora muitas questões

discutidas na contemporaneidade. Bergson desenvolveu vários conceitos importantes, tais

como o de duração, memória, élan vital e de intuição. Da mesma forma que na teoria reichiana,

tratada mais à frente, a questão da percepção assume um lugar central na obra de Bergson.

Tanto a concepção de Bergson como a de Reich são muito próprias e estão relacionadas a

uma percepção sensível capaz de captar o movimento das coisas. Desta forma, antes de

1 Artigo publicado em “Pensamento Reichiano em Revista”, v. 3, 2009.2 Ele escreve: “A minha atual teoria da identidade e da unidade do funcionamento psicofísico teve a suaorigem no pensamento bergsoniano, e se tornou uma nova teoria da relação funcional entre o corpo e amente” (REICH, 2004, p. 30). É preciso observar ainda que a concepção de Reich sobre o problemamente-corpo foi fortemente influenciada também pelo materialismo-dialético. Ver “Materialismo dialéticoe psicanálise” (REICH, 1977).

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iniciarmos a discussão de como os dois concebem esta faculdade, faz-se necessária uma

breve consideração a respeito de como é colocado o problema da mudança na Filosofia.

A PERCEPÇÃO DA MUDANÇA: ENTRE O SENSÍVEL E A MENTE, ENTRE O CORPO E A

RAZÃO

O conceito de movimento tem sido analisado por pensadores e provocado discussões

filosóficas por muitos séculos. Para Bergson, a origem da Filosofia estaria na insuficiência das

faculdades do homem de perceber a mudança das coisas:

Se os sentidos e a consciência tivessem um alcance ilimitado, se, na dupladireção da matéria e do espírito, a faculdade de perceber fosse indefinida, nãoprecisaríamos conceber nem tampouco raciocinar. Conceber é um paliativoquando não é dado perceber, e o raciocínio é feito para colmatar os vazios dapercepção ou para estender seu alcance (BERGSON, 2006, p. 151).

Entre os primeiros filósofos gregos predominava a ideia de uma eterna mudança na

Natureza. Tentava-se mostrar, a partir de um ou outro princípio primário, que todas as formas

do ser observadas no mundo surgiriam em decorrência de certas transformações de tais

substâncias. Assim, diante do problema do que realmente existe, poderia se responder água,

como em Tales de Mileto, ou ar, como defendeu Anaxímenes. De forma geral, cada filósofo

defendia a ideia do movimento, que seria expresso através das transformações de uma

substância primária.

Dentre as contribuições filosóficas que viam no movimento a base do ser, merece

destaque a Filosofia de Heráclito. A noção de que a natureza das coisas está eternamente

mudando foi particularmente clara em sua Filosofia, antecipando uma série de questões

surgidas na contemporaneidade.

É Heráclito o responsável por proclamar o fato de que todas as coisas ao nosso redor

estão constantemente mudando. Segundo ele, é impossível vermos uma coisa duas vezes da

mesma forma, pois, se por um lado, a própria coisa está se transformando a cada momento,

nós mesmos deixamos de ser o que éramos ao vê-la numa segunda ocasião. Quando

examinamos o mundo realmente com olhos imparciais, é impossível ignorar o eterno fluir, o

verdadeiro devir da realidade. Contudo, esta concepção profunda da essência mesma da

Natureza é combatida por muitas escolas posteriores, sendo somente resgatada com força na

Filosofia moderna de Bergson. Como veremos mais adiante, a concepção de um ser não

estático, é corroborada por Reich ao longo de sua obra.

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Já nos primórdios da Filosofia, surgiram concepções que combatiam a noção de um

mundo mutável. A escola de Eléia, por exemplo, fundada por Parmênides, criticou a ideia de

transformação, sustentando a impossibilidade de nos mantermos tão próximos dos dados dos

sentidos. Segundo Morente (1967), a Filosofia de Parmênides ganha maior sentido quando

confrontada com a Filosofia de Heráclito É em contraposição direta a esta que o pensamento

de Parmênides se desenvolve e amadurece.

A Filosofia parmenídica foi tão poderosa que mudou por completo a história da Filosofia,

marcando o pensamento filosófico no qual permanecemos até hoje. A própria noção enraizada

no pensamento ocidental de uma dicotomia mente-corpo, presente na Filosofia e na Psicologia,

tem as suas raízes na Filosofia de Parmênides, há 25 séculos. Segundo Parmênides, há uma

contradição lógica na resposta dada por Heráclito a respeito do que seria o ser. Analisando a

noção de devir, da mudança, Parmênides sustenta, a partir do raciocínio, que o registro

sensível e a consequente percepção da mutabilidade das coisas conduzem-nos

inevitavelmente ao erro. De forma muito resumida, pode-se dizer que, a partir deste ponto, a

Filosofia embrenhou-se na via pela qual caminhou desde então: aquela que conduzia a um

mundo “supra-sensível”. Era, portanto, através das “puras ideias” que o mundo devia ser

explicado.

Platão (1999) diz que não é pelo registro da experiência sensível que chegamos ao

conhecimento verdadeiro, episteme. No capítulo sete de “A República”, vamos encontrar o

recurso alegórico do mito da caverna. A realidade, neste mito, é aquilo que participa do real,

mas não é o real. Essa busca pela verdade é marcada pela neutralidade, ou seja, saímos do

registro sensível à medida que chegamos ao plano das ideias, da pura essência. Isso é o que

vai constituir a matriz do Racionalismo.

O pensamento racionalista traz embutido o idealismo das formas puras. Com isso,

perdemos o toque, o cheiro, a libido, justamente aquilo que compõe e constitui o mundano, o

mundo das coisas. Pode-se dizer, neste sentido, que o Racionalismo instalou a neutralidade

sensorial. Esta maneira de pensar atravessará toda a Idade Grega, chegando a Descartes (e

também a Espinoza, Leibniz e Hegel), instaurando de vez, na modernidade, o Racionalismo. O

Racionalismo parece à primeira vista um descaminho, mas na verdade é a busca pelas

verdades universais que são aquilo que não comove a corporeidade. Quanto mais se mergulha

na experiência puramente sensível, mais tocamos naquilo que nos é mais subjetivo. Vemos,

portanto, na Filosofia, dos antigos aos modernos, uma substituição do percepto pelo conceito.

Todos estes filósofos, de uma forma ou de outra, mostram como nossa consciência e nossos

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sentidos são insuficientes, apelando às faculdades de abstração, de generalização ou de

raciocínio.

O PLANO SENSÍVEL NA EXPERIÊNCIA

A separação mecânica entre o eixo vertical, da racionalidade, e o horizontal, do registro

sensível, foi modificada na entrada do século XX. O velho cogito cartesiano foi abalado em

seus alicerces. Em âmbito clínico, foi Freud o responsável por misturar estes dois eixos. Se na

Filosofia existem dois eixos principais, separados, na Psicanálise eles se encontram juntos.

Assim, o arcabouço conceitual da Psicanálise ora é marcado pelo mundo platônico, pois opera

na verticalidade, procurando a verdade conceitual, ora (enquanto prática clínica) atua na

horizontalidade, operando naquilo que é mais subjetivo, nos erros, nos tropeços, no

esquecimento, ou nos sonhos, nos sintomas, etc. A Psicanálise, freudiana, desta forma, tanto é

constituída pela verticalidade como pelo que existe de mais horizontal, no plano sensível.

Entretanto, não estaríamos enganados se disséssemos que uma Psicanálise pós-freudiana se

desencaminhou da ideia original, já que aos poucos foi eliminando o afeto e o corpo de sua

clínica, concentrando cada vez mais a atenção na racionalização e na interpretação.

Progressivamente, esta Psicanálise resgatou o velho erro parmenídico-cartesiano da cisão e

do antagonismo entre mente e corpo. É fato: a experiência sensível foi relegada ao segundo

plano em favor da análise do discurso, da linguagem. De volta ao cogito cartesiano.

Por outro lado, ainda em âmbito clínico, foi Reich o responsável por trazer de volta o

plano sensível da experiência. É possível pensarmos na clínica reichiana como um “sinto logo

sou”, pois se toca ainda mais naquilo que atenta para o sensível, para o corpo. Este

literalmente entra em cena, deixando de ser um mero coadjuvante no processo analítico do

indivíduo. O corpo, materialmente, e não meramente simbólico, entra em cena, adquirindo

extrema importância nos relatos, no processo de elaboração psíquica, ab-reações, choros,

risos, etc. As marcas da vida, na cena reichiana, se evidenciam não somente através da fala,

do discurso que pode ser compreendido e analisado, mas também, e muitas vezes

principalmente, nos traços, gestos e marcas corporais. O corpo não está excluído. Não apenas

coabita, mas participa ativamente da cena analítica.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A FUNÇÃO DA PERCEPÇÃO NA TEORIA REICHIANA

A questão da percepção esteve sempre presente nos esforços intelectuais de Reich. É

possível dizer que o entendimento sobre os processos perceptivos assumiram um lugar central

em toda a sua trajetória teórica. A própria noção de contato, sem dúvida considerada um ponto

central na teoria reichiana, passa pela questão do funcionamento da percepção. O

entendimento da percepção passou por transformações e aprimoramentos ao longo do tempo.

Segundo Konia (1984), as contribuições sobre esta função podem ser divididas em três fases

principais: a primeira, psicanalítica, uma segunda, após a descoberta de uma energia

especificamente biológica, e a última fase, a partir dos estudos sobre a energia orgone

cósmica.

Nos anos 1920, em Viena, a partir de sua experiência clínica psicanalítica, Reich

descobriu o fenômeno do encouraçamento, chegando à compreensão de que cada fenômeno

psíquico está acompanhado de uma determinada excitação somática. Reich elaborou suas

primeiras formulações sobre a relação psicossomática a partir de uma identidade funcional

entre a função psíquica da percepção (subjetiva) e a função corporal (objetiva), as quais, em

1934, ele comprovou com base estritamente experimental, mensurando as excitações

bioelétricas da superfície da pele. Nos anos 1940, esta compreensão serviu de base para

formular suas equações funcionais.

Por volta de 1939, Reich descobriu uma base física subjacente às funções psíquicas e

somáticas. A descoberta de uma energia especificamente biológica foi um grande avanço para

a elucidação do enigma da percepção. Deste modo, Reich mostrou que os processos

somáticos e psicológicos eram funcionalmente idênticos e possuíam, em comum, uma raiz

única (princípio comum de funcionamento), a energia orgone biológica. Neste mesmo período,

estudando o processo esquizofrênico, Reich postulou que a base desta doença tinha relação

com uma profunda cisão entre a função da percepção e a excitação bioenergética corporal.

Reich descobriu que esta cisão tinha a sua origem, principalmente, no encouraçamento interno

profundo do primeiro segmento. Assim, tanto os processos perceptivos quanto o fluxo de

energia no corpo estão preservados, embora haja uma forte dissociação entre ambos. A

associação dessas duas funções, segundo Reich, é responsável pelo fenômeno do contato.

Este, por sua vez, pode ocorrer tanto dentro do organismo (autopercepção) quanto fora

(percepção do ambiente). Uma das suas últimas contribuições ao estudo da percepção prende-

se ao problema de como o homem está enraizado na natureza e à origem da função da

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percepção a partir de um processo energético primário. Esse período coincide

aproximadamente com a primeira formulação de Reich da equação orgonômica, por volta de

1947.

No capítulo oito, “O enraizamento da razão na natureza” de “A Superposição Cósmica”,

Reich sustenta que as funções superiores do sistema vital, como o intelecto e o raciocínio,

emergem a partir do funcionamento básico da energia dentro do sistema orgonótico. Reich

pressupõe que, num organismo desencouraçado, há uma harmonia entre as correntes

bioenergéticas e a função intelectual. Não há oposição, mas uma colaboração mútua, uma

relação de causalidade recíproca entre as diferentes funções, onde o bom funcionamento de

um requer a fluidez do outro.

Resumidamente falando, Reich afirma que ao longo da história, ocorreram processos

encadeados sequencialmente que deram origem à função da percepção nos animais

superiores. Desta forma, o desenvolvimento do homem pode ser explicado em termos de

fluxos de energia integrados uns aos outros e surgidos uns dos outros: a) fluxo de energia

cósmica; b) fluxo confinado dentro das membranas; c) sensação de correntes orgonóticas; d)

percepção do fluxo em si: autoconsciência.

A PERCEPÇÃO E A MUDANÇA

No mesmo movimento de resgate do plano sensível da experiência do indivíduo,

encontra-se a Filosofia bergsoniana. Enquanto a Metafísica clássica vai no sentido da

invariância, da estabilidade do ser, Bergson trilha um caminho oposto, valorizando a ideia de

mudança nas coisas, estendendo-a à própria ontologia do ser. O ser é duração, mudança,

variação. O ser é a própria mutação, variabilidade temporal. Além de apostar na variação no

âmago do ser, Bergson resgata a concepção heraclitiana do fluir da realidade, vista como a “lei

fundamental da vida”. Numa série de conferências proferidas na Universidade de Oxford, em

1911, ele se dedica, exclusivamente, a tratar do problema da mudança. Segundo ele, caso as

pessoas se convencessem de sua realidade e se esforçassem para resgatá-la, as coisas se

simplificariam: “Determinadas dificuldades filosóficas, cujas soluções parecem ser

intransponíveis, simplesmente desapareceriam” (BERGSON, 2006, p. 150).

Na Filosofia de Bergson, vemos um elogio à percepção e à variabilidade. A faculdade

de percepção, quando dilatada, seria capaz de perceber a mudança e a duração. Assim, a

incapacidade humana de perceber a mudança e de comportar-se e pensar de forma livre é

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fruto de uma rigidez mecânica não só do corpo como de seu pensamento. Em “O Riso”, estudo

escrito em 1899, Bergson enfatiza que a comicidade do homem está diretamente relacionada à

sua incapacidade de agir em uníssono com o continuum da vida, que pulsa, que dura. Aqui, a

noção de rigidez assume o mesmo sentido que na teoria de Reich.

Um homem, correndo pela rua, tropeça e cai: os transeuntes riem. Não ririamdele, acredito, se fosse possível supor que de repente lhe deu na veneta desentar-se no chão. Riem porque ele se sentou no chão involuntariamente.Portanto, não é a sua mudança brusca de atitude que provoca o riso, é o quehá de involuntário na mudança, é o mau jeito... Teria sido preciso mudar opasso ou contornar o obstáculo. Mas, por falta de flexibilidade, por distração ouobstinação do corpo, por um efeito de rigidez ou de velocidade adquirida, osmúsculos continuaram realizando o mesmo movimento quando ascircunstâncias exigiam outra coisa [...]. O hábito imprimira um impulso. Teriasido preciso deter o movimento ou desviá-lo. Mas qual nada: continuou-semaquinalmente em linha reta. (BERGSON, 2007, p. 7).

Mais à frente Bergson conclui: “O que há de risível num caso e noutro é certa rigidez

mecânica quando seria de se esperar a maleabilidade atenta e a flexibilidade vívida de uma

pessoa.” (BERGSON, 2007, p. 8) Assim, a dificuldade de uma pessoa de se adaptar ao fluxo

da vida, seria consequência de sua rigidez corporal-mental, que a incapacitaria de perceber a

mudança. A própria noção de couraça, vista em outro livro de Bergson, “A Evolução Criadora”,

assume o mesmo sentido proposto por Reich. Curiosamente, ainda em “O Riso”, o filósofo

confere um tom de comicidade ao encouraçamento do homem:

Há rostos que parecem ocupados a chorar o tempo todo; outros, a rir ou aassobiar; outros a assoprar eternamente uma trombeta imaginária. São os maiscômicos de todos. Também aí se verifica a lei segundo a qual o efeito é maiscômico quando podemos explicar de modo mais natural a sua causa.Automatismo, rigidez, vezo contraído e mantido: aí está por que uma fisionomianos faz rir. (BERGSON, 2007, p. 19).

Outro ponto importante na Filosofia de Bergson, fundamental na compreensão da

percepção da mudança, é o conceito de intuição. Bergson dá um estatuto de seriedade ao

conceito de intuição, distinguindo-o do senso comum. No senso comum, a intuição pode ser

entendida como algo místico, transcendente, ou uma espécie de afeto premonitório. No

entanto, para Bergson, intuição seria um método de conhecimento tão rigoroso quanto o

método da inteligência.

Bergson diz que a intuição seria uma espécie de experiência que nos possibilitaria

perceber as coisas diretamente, sem mediações. Contrapõem-se, portanto, intuição e

inteligência, as duas faculdades através das quais podemos conhecer as coisas. Pela

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inteligência, percebemos o mundo através de representações construídas, ou seja,

percorremos um “caminho” já percorrido e ficamos impossibilitados de entrar em contato com a

variância das coisas. Assim, podemos nos relacionar com as coisas por presença (intuição) ou

por representações mentais e conceitos (inteligência). O modo de entrarmos em contato direto,

sem mediações, com as coisas do mundo, difere muito da maneira habitual de vivermos. Há

uma diferença grande entre a percepção cotidiana, da vida prática, e a percepção voltada para

mergulhar nos objetos e conhecê-los direta e profundamente.

A concepção bergsoniana de intuição é sensível, não devendo ser entendida num

sentido kantiano (intuição intelectual). Para muitos filósofos pós-kantianos, a Filosofia é uma

teoria do conhecimento. Fala-se sobre o conhecimento do mundo e não sobre o mundo em si,

devido à impossibilidade de conhecê-lo diretamente. Caberia, então, à Ciência falar sobre o

mundo. Existe aí uma cisão entre o ser e o conhecer. Na verdade, Kant propõe o fim da

Metafísica, separando bem o campo filosófico do científico. Bergson critica justamente esta

cisão. Segundo ele, a Filosofia é mais que uma teoria do conhecimento, ela é também uma

ontologia, uma Filosofia do ser.

Como Bergson, Reich enfatizou muitas vezes a relevância de um método de

conhecimento além de uma faculdade meramente intelectual. É possível estabelecermos

relações entre a intuição bergsoniana e o método do Pensamento Funcional, cujo valor da

sensação é de extrema importância. Da mesma forma que Bergson propunha uma intuição

capaz de separar os verdadeiros dos falsos problemas, Reich afirma que “A sensação de órgão

não conduz a Ciência natural mecanicista à solução dos enigmas verdadeiramente importantes

da natureza.” (REICH, 2005, p. 108). Intuição e sensação de órgão seriam faculdades

imanentes, deste mundo, capazes de sondar a realidade das coisas. Dentro da teoria reichiana

é válido, neste sentido, falarmos de uma sensação intuitiva, assim como na Filosofia de

Bergson falamos de uma intuição sensível.

Nos últimos anos de sua vida, Reich dedicou-se a desenvolver um método de

pensamento próprio, que ficou conhecido como Funcionalismo Orgonômico ou Pensamento

Funcional. Fugiria aos objetivos deste trabalho explicações detalhadas acerca deste método.

No âmbito desta discussão, basta dizer que o Pensamento Funcional é um método capaz de

apreender a complexidade da Natureza. Em vários escritos sobre o Funcionalismo

Orgonômico, sobretudo na década de 1950, Reich enfatiza o fato de que o mecanicismo,

presente nas ciências, é decorrente de uma percepção mecânica do mundo. A própria ideia de

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VILARINHO, Y. A percepção e o sensível: notas sobre o funcionamento perceptivoe a questão da mudança. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do cursode Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.

um mundo estático, de uma imutabilidade presente na natureza, seria produto da rigidez do

próprio observador.

Assim como nas proposições de Bergson, a teoria reichiana não aceita a ideia de uma

realidade estática. Ao contrário, está na base do pensamento reichiano a noção de uma

realidade energética em movimento. Como escreve Reich:

O Pensamento Funcional não tolera nenhuma condição estática. Para ele,todos os processos naturais estão em movimento, mesmo no caso deestruturas enrijecidas e formas imóveis. É precisamente essa mobilidade eincerteza em seu pensar, esse fluxo constante, que coloca o observador emcontato com o processo da natureza. O termo “em fluxo” ou “fluente” é válido,sem qualificações, para as percepções sensoriais do cientista observando anatureza. O que está vivo não conhece condições estáticas de qualquer ordem,a menos que esteja sujeito à imobilização devido à couraça. A naturezatambém “flui” em cada uma de suas diferentes funções, bem como na suatotalidade. A natureza também não conhece condições estáticas de qualquerordem. (REICH, 2005, p. 107).

A proposta da não-linearidade do mundo (incluindo os organismos biológicos e as

estruturas aparentemente imóveis) não é exclusividade de Reich. Na verdade, não só remonta

às contribuições de sistemas antigos de pensamento, como o Taoísmo e o Hinduísmo, como

se apoia em muitos achados recentes da Ciência, como a teoria quântica da realidade,

proposta inicialmente na década de 1920 e, mais recentemente, a concernente aos sistemas

biológicos, as concepções de Fritz Popp e Prigogine, formuladas na década de 1970. Ainda a

guisa de ilustração, conforme afirma Ho (1996), pode-se dizer o mesmo de Bergson, no que se

refere aos achados recentes da Ciência. Reich, ao se referir à ciência natural, afirma que uma

de

[...] suas maiores dificuldades metodológicas reside no fato de que, emboratenha que descrever funções objetivas da natureza, nenhum julgamento éindependente da percepção sensorial individual, e a percepção sensorialpertence ao sistema subjetivo do cientista. Espera-se que ele seja “objetivo”,apesar de jamais conseguir se libertar do ponto de vista subjetivo (REICH,2005, p. 46).

Segundo o Pensamento Funcional, a estrutura do observador não seria neutra no

estudo de uma determinada função da natureza. Não há a possibilidade de se excluir a

estrutura caracterológica do observador de seu estudo. Reich enfatiza a importância de este

estar atento ao mau funcionamento de seu aparelho biopsíquico, que poderia levá-lo a uma

distorção da realidade. Por exemplo, seguindo este raciocínio, um cientista ávido por um

“perfeccionismo”, ao não se dar conta deste fato, procuraria enxergar da mesma forma um

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VILARINHO, Y. A percepção e o sensível: notas sobre o funcionamento perceptivoe a questão da mudança. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do cursode Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.

perfeccionismo na Natureza. Assim, Reich enfatiza que o mecanicismo da Ciência decorre de

uma percepção mecanicista da vida. As abstrações teóricas que um pesquisador faz estão

intimamente ligadas à função de percepção, que, por sua vez, está enraizada em suas funções

bioenergéticas, podendo variar qualitativamente, de acordo com o seu grau de

encouraçamento.

Bergson e Reich apontam para a possibilidade de um alargamento da percepção.

Segue-se, consequentemente, o questionamento de quais seriam os fatores que impedem, ou

dificultam a nossa capacidade de dilatar a percepção. Cada um dos dois responde esta

questão a seu modo, mas enfatizam em comum a rigidez do homem como possível entrave a

este estado de contato e consciência. Bergson enfatiza o fato de que a vida prática,

burocrática, contribui para este aprisionamento do homem:

De fato, não seria difícil mostrar que, quanto mais estamos preocupados emviver, tanto menos estamos inclinados a contemplar, e que as necessidades daação tendem a limitar o campo da visão. Não posso entrar na demonstraçãodesse ponto; considero que muitas questões psicológicas e psicofisiológicasseriam iluminadas por uma nova luz caso reconhecêssemos que a percepçãodistinta é simplesmente recortada, pelas necessidades da vida prática, numconjunto mais vasto. (BERGSON, 2006b, p. 157).

A percepção de um indivíduo sofre influência não somente de seus aspectos

psicológicos, biopsíquicos, mas também de certa disponibilidade, uma certa abertura à

experiência que este tem com o mundo. Perceber a mudança, então, mais do que se relacionar

com um grau de encouraçamento ou não, implica num colocar entre parênteses as

preocupações cotidianas, os interesses pessoais, a fim de que o mundo possa ter o total

privilégio de nossa presença.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da discussão feita acima, caberia perguntarmos o quanto estamos longe da

capacidade de perceber-olhar com olhos de criança para o mundo. Dentro da teoria reichiana,

esta discussão assume uma conotação própria, já que a percepção distorcida de um indivíduo

relaciona-se com as alterações funcionais de determinados padrões caracterológico-biofísicos

deste indivíduo. Neste sentido, durante o período de distorção perceptiva, nos encontramos

diante de um mundo distorcido, longe do real, mais atenuado ou mais intenso, mais agressivo

ou mais dócil, mais rígido ou mais mole, mais tolerável ou nada tolerável. No que se refere

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especificamente à ação terapêutica reichiana, é possível melhorar o estado psicofísico de uma

pessoa. Contudo, poderíamos levar esta discussão a outro âmbito, talvez um pouco mais

abrangente. Gostaríamos de levantar alguns outros questionamentos: o quanto perdemos

desta capacidade e o que poderemos fazer para recuperá-la? Será a terapia individual, então,

realmente um meio para chegarmos a este fim? A pessoa mudou, seu caráter mudou, seu

padrão biofísico mudou, sua percepção mudou, mas, em meio à vida numa sociedade como a

nossa, que valoriza cada vez mais o egoísmo, a praticidade, a pressa, o consumo, quais são

as saídas que podemos seguir no intuito de conseguir perceber as coisas como elas são? De

que forma o hábito e a percepção prática da vida embotada de que Bergson tanto falou,

impedem uma percepção mais apurada das coisas? Antes mesmo de chegarmos a quaisquer

conclusões, caberiam as seguintes perguntas: seria inútil pensarmos nas implicações desta

discussão em nossa vida cotidiana? Seria forçoso dizer que nossa rigidez forma um gigantesco

entrave em nossas relações? E, no âmbito clínico, quais seriam as implicações na análise, ou

as consequências de uma visão congelada de um analista sobre um determinado traço de seu

paciente? Se o paciente realmente tinha tal traço, caso ele mude, o que acontece? A visão do

analista acompanha a mudança? Seriam em vão os esforços de encarar as relações entre a

nossa rigidez e uma subjetividade coletiva cada vez mais enraizada num autocentramento?

Acreditamos que não. E os esforços de Reich em explicar como os fatores subjetivos

individuais estão enraizados numa estrutura social? Caberiam nesta discussão? A percepção

da mudança em um sentido mais amplo passa pela questão da alteridade, do Outro, pela

flexibilidade e possibilidade de aceitar a essência mesma de nós mesmos e do mundo, a

mudança profunda (e não aparente, superficial), o que vai de encontro ao atributo central de

uma sociedade mesma encouraçada e narcísica.

REFERÊNCIAS

ALBERTINI, P. Reich – história das ideias e formulações para a educação. São Paulo: Ágora,1994.

ALBERTINI, P. Reich e a possibilidade do bem-estar na cultura. Psicologia USP, 14 (2), 2003.p. 61-89.

BEDANI, A. Energética e epistemologia no nascimento da obra de Wilhelm Reich. 2007.Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo,São Paulo.

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VILARINHO, Y. A percepção e o sensível: notas sobre o funcionamento perceptivoe a questão da mudança. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do cursode Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.

BERGSON, H. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo:Martins Fontes, 2006a.

BERGSON, H. O pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006b.

BERGSON, H. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2006c.

BERGSON, H. O riso: ensaio sobre a significação da comicidade. São Paulo: Martins Fontes,2007.

HO, M. W. The Biology of Free Will. Journal of Consciousness Studies, 3, 1996. p. 231-244.

KONIA, C. The Perceptual Function. Journal of Orgonomy, v. 18, n. 1, 1984. p. 80-98.

MORENTE, M. G. Fundamentos de filosofia, lições preliminares. São Paulo: Mestre Jou,1967.

PLATÃO. A República. Diálogos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.

REICH, W. Éter, Deus e o Diabo. Superposição cósmica. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

REICH, W. A função do orgasmo. São Paulo: Brasiliense, 2004.

REICH, W. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, S. M. Psicanálise: um sobrevôo sobre a história de Sigmund Freud e suasideias. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especializaçãoem Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em:__/__/____.

PSICANÁLISE:UM SOBREVOO SOBRE A HISTÓRIA DE SIGMUND FREUD E SUAS IDEIAS

A PRÉ-HISTÓRIA DA PSICANÁLISE

Em 06 de maio de 1856, nasce Sigmund Freud, em Příbor, onde hoje localiza-se a

Tchecoslováquia, em uma família de origem judaica em que conviviam três gerações.

Em 1860, a família, financeiramente arruinada, muda-se para Viena, onde Freud viveu

até a velhice.

Aos 17 anos, ingressa na faculdade de Medicina. Em 1879, cursa Psiquiatria com

Meynert. Em 1885, estuda a Hipnose com Charcot, o que foi recebido como uma traição por

Meynert.

Relata as experiências por ele observadas com a hipnose e propõe a existência da

histeria masculina. É totalmente rechaçado, retirando-se da vida acadêmica e médica. Mais

tarde, por isso, Freud desvinculará a Psicanálise da Medicina.

Abre seu consultório em 1886, ano em que também se casa. Aprimora seus

conhecimentos a respeito da técnica da Hipnose, em 1889, passando a utilizar também a

sugestão. Sua hipótese é de que a histeria é provocada por fortes cenas do passado que foram

esquecidas. A terapêutica, então, é a de fazer o paciente lembrar destas cenas e reproduzí-las,

através da Hipnose.

Sintoma = substituto da manifestação de afeto

Hipnose = recordação, com emoção, que resolve o sintoma

Entre 1893 e 1897 sustenta a Teoria da Sedução. Afirma, em 1895, que sonhos são a

realização (disfarçada) de desejos (reprimidos).

Em 1896, percebe que muitos pacientes são resistentes à Hipnose, e que os resultados

obtidos não se mantêm. Sente-se interrompendo o encadeamento espontâneo das ideias do

paciente e exausto física e mentalmente após a Hipnose. Abandona-a e adota a Associação

Livre.

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, S. M. Psicanálise: um sobrevôo sobre a história de Sigmund Freud e suasideias. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especializaçãoem Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em:__/__/____.

A TÉCNICA DA PSICANÁLISE

A Associação Livre consiste em que o paciente relate tudo o que lhe vier à mente, sem

censuras. A atenção do analista deve ser flutuante. Sua tarefa é interpretar todo o material

significativo.

Freud depara-se então com a resistência, que significa a oposição do paciente em

fornecer material esclarecedor, a nível consciente. Conclui que a cada resistência corresponde

um conflito reprimido, e passa a pesquisar os mecanismos de defesa que compõe as

resistências.

Em 1897, depois de abandonar a Teoria da Sedução por perceber que o trauma

provocador da histeria nem sempre tinha ocorrido, mas se tratava de uma dissimulação de

desejos sexuais que a própria criança não aceita como seus, anuncia a descoberta do

“Complexo de Édipo”.

Em 1901, afirma que “O inconsciente não pode ser atingido diretamente, mas através

de seus fenômenos”.

“Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” é publicado em 1905.

Etiologia das neuroses = sexualidade anômala

Sexualidade infantil

“Energia sexual” = “libido”

Complexo de Édipo

Suas afirmações são sumariamente rechaçadas pela comunidade científica.

A TEORIA SOBRE A SEXUALIDADE

Cerne psíquico: questão edípica

Cerne somático: energia reprimida

Patologia = descarga socialmente condicionada da energia sexual

Pulsão = impulso do instinto; força para a ação, cujo fim é eliminar o estímulo que

leva ao impulso

Zona erógena = parte da pele ou da mucosa que, estimulada, provoca sensação

prazerosa. Todo o corpo tem a potencialidade de ser erógeno; a erotogenia desloca-

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, S. M. Psicanálise: um sobrevôo sobre a história de Sigmund Freud e suasideias. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especializaçãoem Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em:__/__/____.

se de uma parte a outra do corpo, ou se espalha por todo ele

Alvo sexual = ação para a qual a pulsão impele

“O alvo sexual da pulsão infantil consiste em provocar a satisfação mediante a

estimulação apropriada da zona erógena que de algum modo foi escolhida.”

Libido = manifestação dinâmica, na vida psíquica, da pulsão sexual

Libido do Ego = também chamada libido narcísica, é a libido que é trazida de volta ao

interior do ego, após ter sido retirada dos objetos.

Libido do objeto = é a libido psiquicamente empregada para investir os objetos

sexuais.

Objeto sexual = pessoa de quem provém a atração sexual

O CAMINHO DA EROGENEIDADE

Boca → Ânus → Genitais

O DESENVOLVIMENTO DA SEXUALIDADE

Nasce apoiando-se numa das funções somáticas vitais.

Amamentação → Controle dos esfíncteres →Genitalidade: Descoberta da diferença

sexual anatômica

É autoerótica, não conhecendo nenhum objeto sexual.

Chuchar → Retenção e expulsão da urina e das fezes → Masturbação

Seu alvo sexual acha-se sob o domínio de uma zona erógena.

Boca → Ânus → Genitais

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, S. M. Psicanálise: um sobrevôo sobre a história de Sigmund Freud e suasideias. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especializaçãoem Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em:__/__/____.

PRINCÍPIO DO PRAZER

Energia direcionada à satisfação das necessidades do organismo. A libido desloca-se

do interior do corpo em direção à periferia, na busca do prazer.

Id = regido pelo princípio do prazer, é a instância psíquica que coloca em movimento as

pulsões.

Bebê e meio formam uma unidade indivisível.

PRINCÍPIO DA REALIDADE

Surgem as frustrações aos impulsos em busca do prazer, o que funda o princípio da

realidade.

Forma-se uma distinção entre diferentes qualidades de experiência: boas/prazerosas e

más/desprazerosas.

Estas experiências são identificadas a objetos internos e externos, que satisfazem ou

frustram as necessidades da criança. A distinção entre bom e mau é absoluta e cria traços de

memória.

Para amenizar o impacto entre o Id e o ambiente, cria-se uma nova instância: o Ego,

que logo aprende a obedecer ao princípio da realidade.

O princípio do prazer cria conflito... ID X EGO.

Ao mesmo tempo, o meio impõe exigências, que são internalizadas pelo Ego na forma

de um controle automático, ao qual se dá o nome de Superego. Entretanto, ao mesmo tempo

em que faz exigências e frustra, o meio também atua como estimulante a impulsos do Id. O

ambiente cria outro conflito... EGO X SUPEREGO.

SAÚDE X DEFESAS

Se o desenvolvimento ocorrer de forma saudável, mais tarde, o indivíduo integrará os

objetos bom e mau em um objeto total e será capaz de superar os conflitos entre Ego, Id e

Superego.

Porém, se houver problema no desenvolvimento, a partir desses conflitos, e com o

objetivo de aliviá-los, bem como a angústia por eles gerados, surgem os mecanismos de

defesa.

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, S. M. Psicanálise: um sobrevôo sobre a história de Sigmund Freud e suasideias. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especializaçãoem Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em:__/__/____.

MECANISMOS DE DEFESA

Finalidade: diminuir a tensão interior experimentada como angústia ou culpa, evitando

reconhecê-la graças à sua manutenção fora do campo da consciência.

São essencialmente inconscientes

São ocasionais no indivíduo normal

Na neurose são a própria lei de sua organização

Geralmente, mantém a dissociação entre objeto bom e objeto mau

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H. Estrutura psíquica da mente humana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M.(Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba:Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

ESTRUTURA PSÍQUICA DA MENTE HUMANA

José Henrique Volpi

As observações de Freud a respeito dos conflitos psíquicos levaram-no a propor uma

estrutura psíquica para a mente humana de forma a melhor compreendermos essa dinâmica

da psique. Assim, dividiu a mente humana numa estrutura psíquica composta de três sistemas

operacionais: o consciente (cs), o pré-consciente (pcs), e o inconsciente (ics). A primeira

estrutura, o consciente (cs) diz respeito à percepção imediata da experiência que vivenciamos

no dia a dia. O pré-consciente (pcs) responde pelos processos psíquicos às vezes proibidos,

que penetram a consciência, só que não podem permanecer nela por motivos diversos (pudor,

recalques, medos, etc). Ficam aí por um tempo e logo são transferidos para o inconsciente

(ics), que armazena tais conteúdos vividos, onde permanecem não apenas na mente como

também no corpo (couraças musculares, na concepção reichiana) até que possam ser

acessados por meio dos chamados insights, sonhos, trabalhos psicocorporais, etc.

Paralelamente ao sistema operacional da mente, estabelece-se uma estrutura, cujas

instâncias mantêm-se em um relacionamento funcional entre si, e a estas instâncias

chamamos de Id, Ego e Superego. O Id compreende os instintos e seus impulsos, os quais

estão presentes em nossas vidas desde o nascimento. Sua intenção é apenas uma: o da

satisfação dos instintos para obter o prazer e para isso, não irá medir esforços, motivo que

provoca sérios conflitos com o mundo exterior. Portanto, o Id é regido pelo Princípio do Prazer.

O Ego desenvolve-se a partir do Id e é sem sombra de dúvidas a estrutura mais

conhecida. Pode-se dizer que o Ego é uma parte do Id que foi modificada pela influência direta

do mundo externo. Diferentemente do Id, o Ego representa uma razão que permite à pessoa

ter uma boa relação com mundo externo. O Ego é quem irá se mostrar ao mundo externo, ou

seja, é o nosso jeito de ser, nossa consciência, nosso caráter (funcionamento). Sua função é a

de agir como mediador entre os impulsos do Id e o mundo externo e é o Ego quem decide se

os acontecimentos externos são perigosos ou não.

A terceira instância, o Superego, forma-se em conformidade com as regras, valores e

educação que recebemos durante nosso desenvolvimento. Corresponde às funções morais e

normativas de nossa personalidade como autoestima, autoelogio, autoobservação crítica,

aprovações e desaprovações de ações e desejos, arrependimento e reparação de ações, etc.

Isso quer dizer que todas as exigências e proibições morais dos pais, professores, igreja e

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VOLPI, J. H. Estrutura psíquica da mente humana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M.(Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba:Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

sociedade em geral, podem influenciar a vida da criança e permitir que ela desenvolva um

Superego tão rígido quanto foi sua educação.

Dessa forma, a meta fundamental de um trabalho analítico de base psicocorporal é

recuperar o padrão de funcionamento harmônico entre essas três estruturas da mente, quando

encontram-se em desequilíbrio, mas sem deixar de considerar as relações que tais estruturas

apresentam com o corpo, ao que Reich chamava de couraça muscular. Para tanto, é preciso

não apenas tornarmos consciente os conteúdos inconscientes, como afirmava Freud, mas mais

do que isso. É preciso também flexibilizarmos as couraças musculares para que a energia

circule livremente e deixe de ancorar dentro dela os conteúdos energéticos e emocionais

responsáveis por tais encouraçamentos, que são os verdadeiros responsáveis pela nossa

neurose.

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VOLPI, J. H. Georg Groddeck e a Psicanálise. Um analista selvagem. In: VOLPI, J.H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

GEORG GRODDECK E A PSICANÁLISEUM ANALISTA SELVAGEM

José Henrique Volpi

Groddeck cursou a faculdade de Medicina em Berlim onde teve a oportunidade de ter

como mestre o médico Ernst Schwenninger que via a alopatia com extrema reserva. Seguindo

as orientações do mestre Schwenninger, Groddeck estabeleceu um tratamento diferenciado

para seus pacientes baseado em massagens, dietas, banhos quentes e procedimentos

analíticos, com o intuito de evitar o estado de intoxicação provocado por remédios.

Em 1900, fundou um sanatório na cidade de Baden-Baden (Alemanha), onde

trabalharia até o fim da vida.

Contemporâneo de Freud, por muitos anos Groddeck acreditou ser ele o “pai” da

Psicanálise e não Freud. Intitulava-se como um “analista selvagem” e tinha o desejo de ser

reconhecido pela Ciência, mas acabou sendo um cientista pouco conhecido e referenciado nos

meios acadêmicos.

Ao tomar conhecimento dos trabalhos de Freud, no ano de 1911, passou por três

momentos importantes. O primeiro momento foi a frustração por ter encontrado alguém que se

antecipou às suas propostas. O segundo momento foi marcado por um breve momento de

rejeição e crítica pública das noções da Psicanálise, mas em seguida, num terceiro momento,

reconheceu a primazia dos trabalhos de Freud, com quem passou a trocar correspondências

amistosas ao longo de oito anos, de 1917 a 1925.

Desde 1895, Groddeck já praticava a Psicossomática, logicamente com sua forma

peculiar de atuar, que fazia que inclusive se considerasse um “analista selvagem”. Estruturou

seu trabalho no doente e não na doença, alegando que o papel do médico é cuidar e não curar,

pois “Não é o médico que derrota a doença, mas o próprio doente que se cura”. Dizia que era

importante tratar os pacientes com paciência, humildade e amor, devolvendo-lhes o brilho que

se perdeu quando teve uma infância reprimida (GRODDECK, 2008).

Também foi um grande crítico da fragmentação da Medicina em várias especializações,

por achar que isso faz o médico perder de vista o ser humano em sua totalidade. Além disso,

não aceitava as dicotomias presentes no pensamento de Descartes, que separava a mente do

corpo. Para Groddeck, corpo e mente eram vistos como uma realidade única e indivisível.

Um dos conceitos de Groddeck girava em torno do que ele denominava de “Isso”, o que

mais tarde foi chamado por Freud de Id. De acordo com Groddeck (2008), todos os seres

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H. Georg Groddeck e a Psicanálise. Um analista selvagem. In: VOLPI, J.H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

humanos possuem um “Isso”, algo interno, uma espécie de fenômeno que comanda tudo que

fazemos e tudo que nos acontece na vida, nossos atos e pensamentos. Desse “Isso”

conhecemos apenas aquilo que está em nosso consciente, porque a maior parte do “Isso” é

inacessível. Segundo Groddeck (1992a, p. 118), “[...] o Isso engloba consciente e inconsciente,

o Ego e os impulsos, corpo e alma, o fisiológico e o psicológico; perante o Isso não há uma

fronteira demarcando o físico e o psíquico. Ambos são manifestações do Isso, formas de

apresentação”.

Na concepção de Groddeck, o Isso não fala apenas através de palavras, mas pelo

corpo e suas atitudes. Tudo é uma forma de expressão do Isso, o modo de falar, os gestos, o

tom de voz, o formato do corpo, etc. Esse pensamento é muito parecido com o de Reich

quando fala de caráter, como veremos mais à frente.

Em seu livro, “O Ego e o Id”(Das Ich und das Es), Freud me concedeu a honrade me indicar como sendo a primeira pessoa a empregar a expressão “o Isso”(das Es) e afirmar que iria assumi-la. É verdade, mas só que o conceito do“Isso” como eu o utilizava para minhas finalidades, não servia para Freud econsequentemente ele o transformou em outra coisa diferente do que euconcebi [...]. Mas com isso não modificou nada essencial na Psicanálise, nãoacrescentou nem tirou. Ela continuou a ser o que era, a análise do consciente edos recalques, em suma: da psique. (GRODDECK, 1992b, p. 161).

Em relação às doenças, após a formulação do conceito do Isso, Groddeck, afirmou que

não fazia mais sentido falar em doenças orgânicas e doenças psíquicas porque todas seriam

doenças do Isso, pertencentes a um indivíduo que é corpo e psique ao mesmo tempo. “No

fundo, sou da opinião de que o ponto de intervenção do tratamento psíquico e orgânico é o

mesmo, é o Isso do ser humano, e que esse Isso tem a capacidade de fazer um uso psíquico

de uma laparotomia ou de uma dose de digitalina, ou então um uso físico através da sugestão

ou da influência da análise.” (GRODDECK, 1992c, p. 169).

Groddeck vê a doença como sendo a expressão de símbolos inconscientes. Segundo

seu entendimento toda somatização é carregada de símbolos e os tratamentos deveriam levar

em conta o sujeito que a manifesta. Diz ele que “O inconsciente obriga-o a simbolizar. Assim, a

mulher que se deita na presença de outro automaticamente cruza os pés, expressando

simbólica e inconscientemente: eu sei o que pode me acontecer agora; assim também

acontece com o homem que se apruma quando quer parecer forte.” (GRODDECK, 1992d, p.

94).

Do ponto de vista de Groddeck, a doença é uma forma de expressão do Isso que se

expressa pela linguagem da doença porque não consegue se expressar por vias normais da

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H. Georg Groddeck e a Psicanálise. Um analista selvagem. In: VOLPI, J.H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

fala. Dizia ele que o corpo registra nossa história e expressa os conflitos até que os mesmos

possam ser compreendidos e solucionados da melhor forma possível. Afirmava ser a doença

nossa melhor amiga, que nos conta tudo o que precisamos saber. A doença é muito verdadeira

em suas mensagens e quando aparece, exige uma alteração na forma de vida e nos impõe

mudanças radicais para que possamos melhorar. A doença é o alarme que soa quando nos

distanciamos de nós mesmos e ao mesmo tempo, é o caminho para a saúde. Mas para o

doente ser saudável, é preciso mudar.

REFERÊNCIAS

GRODDECK, G. O Isso e a Psicanálise, além de considerações gerais sobre os congressoscientíficos de outrora, bem como da atualidade. In: GRODDECK, G. Estudos psicanalíticossobre psicossomática. São Paulo: Perspectiva, 1992a, p. 113-123.

GRODDECK, G. O trabalho do sonho e do sintoma orgânico. In: GRODDECK, G. Estudospsicanalíticos sobre psicossomática. São Paulo: Perspectiva, 1992b, p. 159-166.

GRODDECK, G. Sobre o tratamento psíquico da formação de cálculos renais. In: GRODDECK,G. Estudos psicanalíticos sobre psicossomática. São Paulo: Perspectiva. 1992c, p. 167-171.

GRODDECK, G. A pulsão à simbolização. In: GRODDECK, G. Estudos psicanalíticos sobre

psicossomática. São Paulo: Perspectiva 1992d, p. 83-95.

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SOUZA, M. C. C. C. A crítica freudiana à concepção biológica da sexualidadehumana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso deEspecialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.

A CRÍTICA FREUDIANA À CONCEPÇÃO BIOLÓGICA DASEXUALIDADE HUMANA

Maria Cecília Cortez Christiano de Souza

O primeiro dos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” de Freud é dedicado ao

desmonte desse dispositivo conceitual (concepção biológica da sexualidade humana). Em

primeiro lugar, Freud questiona a tese da universalidade e da invariabilidade fundamental da

manifestação do instinto, bem como da fragilidade e inconsistência dos critérios que serviam de

base para distinguir a normalidade da anormalidade, mostrando que eles eram ora de ordem

biológica, ora de ordem estatística, ora de natureza moral e social.

Começa por considerar os desvios do instinto sexual em relação ao seu objeto,

centrando-se na análise do homossexualismo. Freud demonstra que se, analiticamente, é

possível definir o que seja homossexualismo e associar essa classificação a um desvio, é mais

difícil detectá-lo na prática e fazê-lo corresponder a uma forma patológica de manifestação

instintiva1. Depois, Freud trata de desligar o homossexualismo de uma base orgânica, para

demonstrar, então, que não é um comportamento hereditário, nem sinal de degenerescência

da espécie.

A conclusão mais importante que Freud retira de sua análise do homossexualismo é o

fato de que, não havendo base para supô-lo como uma anomalia da sexualidade, a relação da

pulsão sexual com seu objeto (já adotando aqui o termo freudiano pulsão2) é meramente

contingente, acidental, não necessária. O objeto encontra-se “colado” à pulsão em razão de

sua história, não de uma inscrição biológica, diz ele.

Da mesma forma, nas suas críticas ao conceito de perversão (atividades sexuais que

não envolvem a zona genital), Freud mostra claramente que essa demarcação entre o normal e

o patológico se tornava ainda mais difícil, porque formas de perversão estão presentes nos

atos sexuais considerados normais, tais como: a excitação de outras partes do corpo que não a

1 Ao contrário do que seria esperado numa doença hereditária. Freud mostra que entre os homossexuaisestão abrigados indivíduos que variam largamente quanto ao grau e à qualidade da manifestação dodesvio. Segundo Freud, há homossexuais que manifestam exclusivamente esse tipo de atração e outrosque esse tipo de atração não é exclusiva. Ao longo da vida individual, há indivíduos que sãohomossexuais desde a infância, outros que se tornam depois da puberdade, outros depois damaturidade, outros em que a atração homossexual foi um episódio isolado, e outros que forampressionados a se tornar homossexuais.2 “Processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga energética, fator de motricidade) quefaz tender o organismo para um alvo. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa excitaçãocorporal (estado de tensão); o seu alvo é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é noobjeto ou graças a ele que a pulsão pode atingir seu alvo.” (LAPLANCHE E PONTALIS, 1977, p. 506).

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SOUZA, M. C. C. C. A crítica freudiana à concepção biológica da sexualidadehumana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso deEspecialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.

zona genital, a presença de atos diferentes do contato entre genitais (o olhar e ser olhado, a

permuta de dor). Torna-se assim problemático, nos termos da Medicina clássica, traçar os

limites entre a normalidade e a patologia. Mais ainda, se nos atos sexuais considerados

“normais” há essas formas “benignas” de perversão, nenhuma delas é comum a todos os atos

sexuais. Cada uma delas, então, segundo Freud, pode ser colocada como um componente ou

uma unidade da pulsão, e a pulsão “normal” constitui um amálgama que assume, em cada

indivíduo, uma totalidade particular.

Estendendo a atividade da pulsão sexual a outras partes do corpo e percebendo sua

presença nas atividades adultas normais, Freud considerou a possibilidade de identificar cada

uma delas a remanescentes arcaicos da sexualidade infantil.

A atividade de mamar do bebê constitui o exemplo freudiano clássico a respeito da

gênese da sexualidade. O reflexo de sucção, biologicamente herdado, tem uma finalidade

intrínseca, qual seja, a satisfação da fome. Aliado ao prazer consecutivo dessa satisfação,

porém, um prazer paralelo se desenvolve: o prazer sexual. Este se junta à atividade de sucção

e a transforma, igualmente, numa atividade sexual. O prazer sexual nasce de uma excitação da

boca pelo contato com o seio materno e com o fluxo do leite. Breve, essa atividade e esse

prazer marginal serão buscados por si mesmos, por intermédio da sucção do polegar. Chupar

o dedo é, pois, algo procurado como satisfação independente e prazer específico, já apartado

da sensação de fome, por sua vez provocado por um prurido local dos lábios, então

transformados numa zona erógena, que leva a um impulso (pulsão) de estimular-se: “como se

os lábios quisessem beijar a si mesmos”.

A edição de 1915 dos “Três ensaios” exibe maior ênfase na afirmação de que a

sexualidade nasce paralelamente a uma atividade vital, como se fosse um benefício de prazer

marginal obtido graças a essa mesma satisfação. A sexualidade nasce, portanto, apoiada

numa função biológica, e a característica de apoio ou anaclítica fornece a pista para a

elucidação da noção fundamental de sexualidade para a Psicanálise.

Pois, se não admitirmos, como Freud faz supor, qualquer distinção qualitativa entre o

impulso da fome e o impulso sexual, a única especificidade da sexualidade é ser uma atividade

que se prolonga para além da necessidade vital. Compreendida dessa forma, é possível ver

que a sexualidade se manifesta num movimento de desvio, de desnaturalização do instinto,

tanto tomando a fome por referência quanto tomando a definição clássica do instinto que exige

objeto externo. A perversão infantil – a conhecida definição de Freud da criança como

“perverso polimorfo” – não é entendida por ele como fuga ou desvio de qualquer norma social

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ou moral, ou transgressão de uma norma biológica que tem como referência a acepção

clássica do instinto. A desnaturalização constitui a própria sexualidade.

Às superfícies do corpo encarregadas de uma função vital, das quais surge a

sexualidade como produto marginal, Freud fará corresponder uma zona erógena. Se Freud

admite que existem partes do corpo privilegiadas como origem e instalação da sexualidade –

as clássicas zonas oral, anal, fálica e genital –, também admite que elas não são de nenhum

modo exclusivas.

Freud chama a atenção para certos comportamentos que, não sendo originalmente

sexuais, agregam-se à sexualidade sob forma do que ele denomina “pulsões componentes”.

Essas pulsões se disporiam aos pares, como uma tendência passiva e outra ativa: olhar e ser

olhado, tocar e ser tocado, dominar e ser dominado.

Além das funções vitais e dessas pulsões componentes, Freud preocupa-se em

enumerar outras fontes de atividades, não ligadas diretamente a funções vitais, que fazem

brotar a sexualidade. Aponta as excitações externas de qualquer parte do corpo por via

mecânica, a atividade muscular, emoções particularmente intensas e o próprio trabalho

intelectual. Quando essas atividades excedem a necessidade, ao se tornarem procuradas por

si mesmas, fazem “brotar” a sexualidade como produto marginal.

Freud leva ao limite essa ideia ao propor, finalmente, que “[…] bem pode acontecer que

nada de considerável importância ocorra no organismo sem contribuir para a excitação da

pulsão sexual.” (FREUD, 1977a, p. 211).

É, pois, nesse sentido, que se deve compreender o pansexualismo freudiano. Nos “Três

ensaios”, a sexualidade é algo que tudo invade, algo que preenche uma função quando a

função ultrapassa a simples necessidade, algo que adere a tudo que é intenso, a tudo, enfim,

que se configura como “excesso”.

Há, ainda, uma outra característica apontada por Freud na sexualidade infantil. Cada

zona erógena assim constituída, com sua pulsão correspondente, cada uma das “pulsões

componentes”, cada uma dessas atividades que, se intensas, se tornam sexualizadas,

comporta-se como independente uma da outra. O que ele chama de “pulsões parciais” atuam

na infância como “ilhas de prazer”3. Freud associa, principalmente nas primeiras edições dos

“Três ensaios”, a perversão polimorfa da criança à anarquia pulsional.

3 Ao comparar a sexualidade adulta com a infantil, Freud assinala que na infância a sexualidade não tempor objetivo uma excitação maior, em direção ao ápice do orgasmo, como nos adultos, mas é umafruição. Se usássemos a gíria popular, poderíamos dizer que é mais uma “curtição” do que uma “fissura”.

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Nesse momento Freud estava mais preocupado em mostrar como essa anarquia

pulsional ligada à infância poderia ter um desfecho que, na maioria estatística da população

adulta, é heterossexual e genital. Procura assim distinguir sobre as diversas fases do

desenvolvimento, fazendo cada uma delas corresponder a uma organização dominada por

uma zona erógena, por sua vez apoiada numa função vital, até finalizar na organização genital

adulta.

Contudo, nas últimas revisões que fez dos “Três ensaios”, vemos pouco a pouco o

“objeto”, exatamente o elemento da pulsão mais contingente, ganhar especial importância na

teoria sexual, na organização da sexualidade e, de forma mais ampla, na estruturação do

próprio psiquismo. Com isso, Freud abandona o polo da Biologia para se aproximar de uma

percepção cada vez mais psíquica da sexualidade.4

Assim, assinala num parágrafo:

Numa época em que o início da satisfação sexual está vinculado à ingestão dealimentos, a pulsão sexual tem um objeto fora do corpo, próprio da criança, soba forma do seio da mãe. Somente mais tarde a pulsão perde esse objeto, bemna época, talvez, em que a criança pode formar uma ideia da pessoa a quempertence este órgão que lhe está dando satisfação […]. Há, portanto, bonsmotivos para que uma criança que suga o seio materno tenha tornado oprotótipo de toda a relação de amor. O encontro do objeto é, na verdade, umreencontro dele. (FREUD, 1977a, p, 288-289).

Contrariando sua primeira ideia de que a sexualidade infantil era autoerótica, como

ilustra o exemplo da sucção do polegar, Freud mostra que o autoerotismo é secundário a uma

escolha de objeto, cuja relação com este terá, para a criança, um caráter prototípico e

exemplar.5

A experiência de satisfação por intermédio de outra pessoa implica, no surgimento da

próxima necessidade, uma reativação dos movimentos cinestésicos que conduziram à

satisfação (movimentos de sucção) e da imagem do objeto, até a alucinação, que levou à

satisfação (o seio materno).

Mesmo quando o Ego atua no sentido de impedir que esse traço deixado na memória

seja reativado até a alucinação, sempre persistirá, no plano do inconsciente, a associação

entre o prazer e o objeto que levou à satisfação primeira.

4 Acompanhar o deslocamento da teoria freudiana nessa direção excederia aos propósitos do presenteartigo. Limitar-nos-emos, aqui, a seguir as indicações das sucessivas edições dos “Três ensaios”.5 Freud retoma aqui uma antiga ideia sua, esboçada no “Projeto para uma Psicologia científica”, em quemostra que o longo e extremo desamparo do recém-nascido humano e sua incapacidade de obtersatisfação de suas necessidades pelos seus próprios meios levam-no a uma dependência crucial de umoutro ser humano.

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Assim, nos termos do “Projeto” de Freud,

[…] a imagem mnêmica de uma certa percepção se conserva associada aotraço deixado na memória da excitação resultante da necessidade. Logo queesta necessidade aparece de novo, produzir-se-á, graças à ligação que foiestabelecida, uma moção psíquica que procurará reinvestir a imagem mnêmicadesta percepção e mesmo invocar esta percepção, isto é, restabelecer asituação da primeira satisfação: esta moção é que chamaremos desejo.(FREUD, 1977b, p. 424).

O que Freud quis dizer com isso é que a satisfação da primeira pulsão por intermédio

de uma pessoa, a mãe, e a interdição cultural de tê-la como objeto da pulsão, significam a

transformação da necessidade em desejo sexual. Daí por diante, necessidade e desejo jamais

coincidirão. O objeto, na realidade, transforma a pulsão sexual em seu objeto, como um

fantasma que o perseguisse para sempre. Em outras palavras, conduz a pulsão não só a

procurar o prazer específico, como igualmente procurar reproduzir, debalde, a situação da

satisfação primeira.

A interdição do incesto é uma lei da cultura e não da biologia. Se a reprodução exige

uma escolha de objeto heterossexual, a cultura irá exigir a interdição do primeiro objeto da

pulsão. Esta regra cultural promove verdadeira mudança de nível da sexualidade, conjugando

indevidamente sexualidade e lei.

O fantasma dessa primeira relação e a impossibilidade do retorno, devido à interdição

edípica, percorrerão todos os avatares da sexualidade humana. Freud apoia-se nessa ideia

para dizer que o ser humano está fadado a perseguir o impossível, a restabelecer uma relação

irremediavelmente perdida, sentida como anseio de amor insaciável, que nenhuma relação

amorosa jamais poderá preencher.6

REFERÊNCIAS

FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição standard das obrascompletas de Sigmund Freud, v. VII, Rio de Janeiro: Imago, 1977a.

6 A centralidade de Freud na sexualidade está apoiada no fato de que, curiosamente, aquilo que no serhumano mais parece se aproximar da animalidade é aquilo no qual a cultura parece estar maisradicalmente inscrita. Mesmo ao se submeter à cultura, que determina na maior parte dos casos odestino heterossexual e genital da sexualidade, existe uma ampla gama de variações, peculiaridadespessoais e culturais, pequenas e grandes idiossincrasias na sexualidade humana: a sexualidade escapa,extravasa, por assim dizer, da genitalidade. E o instinto humano, se pudermos chamar assim, éextremamente lábil, elástico, variado. Ao mesmo tempo, observa Freud, a sexualidade tem um carátermodelar, isto é, a relação sexual constitui a metáfora das relações que uma pessoa estabelece consigomesma, com os outros e com a vida. Como disse belamente Marx: “Aquele que duvida de seu amorprovavelmente duvida de tudo o mais em sua vida”.

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SOUZA, M. C. C. C. A crítica freudiana à concepção biológica da sexualidadehumana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso deEspecialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.

FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica. Edição standard das obras completas de

Sigmund Freud, v. I, Rio de Janeiro: Imago, 1977b.

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VOLPI, J. H. Um panorama histórico de Wilhelm Reich. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

UM PANORAMA HISTÓRICO DE WILHELM REICH

José Henrique Volpi

O objetivo desse artigo é oferecer ao leitor, ainda leigo com relação às ideias de Reich,

um panorama geral sobre a história desse grande pensador que tinha nada mais nada menos o

desejo de juntar saberes e oferecer sua dedicação em prol da prevenção da saúde energética

e emocional do ser humano, defendendo com unhas e dentes as crianças do futuro. Reich

sempre foi um cientista inserido em sua época. Mesmo assim, buscava transpor as barreiras

da Ciência ortodoxa e mecanicista, sem que, em nenhum momento deixasse de lançar seus

olhos para a verdadeira ciência, construída em cima de saberes, pesquisas e ética.

Além de ético, Reich foi cético e marginalizado. Recebeu rótulos como o de “judeu

pornográfico”, “esquizofrênico paranoico” e “bergsoniano maluco”. Ensinou o homem a

respeitar a si mesmo e à natureza da qual faz parte e, por fim, acabou sendo vítima desse

mesmo homem, o qual chamou de Modju, acometido pela peste emocional. Mesmo assim,

Reich nunca deixou de lutar e acreditar que sempre há uma fruta (pessoa) boa no meio de

tantas podres. E é por essa fruta (pessoa) que vale a pena lutar.

Wilhelm Reich nasceu em 24 de março de 1897, em Dobrzynica, uma aldeia da Galícia,

que então fazia parte do antigo império austro-húngaro. Pouco tempo depois, a família mudou-

se para Jujintz, província de Bukovina, o lado germano-ucraniano da Áustria, região onde seu

pai, Leon Reich, adquiriu uma extensa propriedade rural de aproximadamente mil acres.

Leon Reich era originário de uma família judaica. No entanto, falava alemão com a

esposa e com os filhos e não permitia o uso de qualquer expressão judaica. A língua materna e

de instrução sempre foi o alemão. Realizava viagens periódicas porque fornecia carne bovina

ao exército de Berlim. Também não permitia o contato dos filhos com os empregados da

fazenda e camponeses vizinhos.

Cëcilie Reich, sua esposa, era tida como boa dona de casa, sem preocupações

intelectuais ou religiosas, mas submissa ao poder do marido. Sempre foi admirada pela família

e por amigos pela sua generosidade, suavidade e beleza física. O casal teve três filhos: a

primeira, uma menina, faleceu logo após o nascimento; o segundo foi Wilhelm Reich,

conhecido na família por Willy, e o terceiro, um menino que recebeu o nome de Robert Reich,

três anos mais novo.

Willy sempre recebeu aulas particulares em casa. Sua primeira instrutora não tinha

nenhuma escolaridade. Além desta, teve outros três instrutores que eram estudantes de

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Direito. Na época de seu primeiro instrutor, Willy roubou certa quantia de fumo de seu pai e

deu-o para um carroceiro em troca de um suporte de madeira para sua coleção de borboletas.

O pai, quando retornou de uma de suas viagens, deu falta do fumo e interrogou os filhos.

Enquanto Willy negava a autoria do roubo, a mãe apareceu no quarto dos filhos, trazendo nas

mãos a jaqueta de Willy onde no bolso havia a prova do crime, um aparato de enrolar cigarros.

O pai, como sempre muito agressivo, aplicou-lhe uma surra, fato esse que fez Willy se sentir

traído pela mãe.

Leon, marido muito ciumento, um dia desconfiando da esposa, questionou-a sobre um

possível relacionamento dela com o terceiro instrutor de Willy. Cëcilie negou. Ainda

desconfiado, Leon dirigiu-se ao quarto dos filhos e ameaçadoramente ordenou-lhes que

contassem tudo o que sabiam. Willy, com muito medo do pai respondeu que de nada sabia em

relação àquele instrutor, mas que havia testemunhado o relacionamento sexual de sua mãe

com o instrutor anterior. No quarto ao lado, desesperada, a mãe tentava suicídio ingerindo uma

dose de veneno.

O episódio todo e o fracasso do suicídio da mãe acarretaram numa série de

transformações na família. Willy deixou de receber aulas particulares e foi enviado para estudar

em Viena, onde passou a morar como pensionista numa casa de família, enquanto Robert

permaneceu com os pais na fazenda.

Cëcilie continuava sendo severamente punida por Leon, tanto física quanto

psicologicamente. Depois de oito meses, em consequência de uma terceira tentativa de

suicídio, acabou por falecer. Willy estava com 13 anos e muitos anos mais tarde escreve:

A situação parece-me clara agora: o que fez minha mãe estava perfeitamentecorreto. Minha traição, que lhe custou a vida, foi um ato de vingança: ela tinhame traído com meu pai quando roubei fumo para o carroceiro, e por desforra,eu a traí. Que tragédia. Oxalá minha mãe estivesse viva hoje para que eupudesse reparar o crime cometido então, 35 anos atrás. Afixarei um retratodessa nobre mulher para tê-la constantemente à vista. Que nobre criatura foiessa mulher, minha mãe. Oxalá a obra de minha vida possa reparar minha máação. Em vista da brutalidade de meu pai, ela estava perfeitamente justificadano que fez (REICH, 1988, p. 32).

Após a morte da mãe, a família entrou num período de completa ruína. Leon contraiu

tuberculose e ao mesmo tempo foi prejudicado economicamente por um parente que havia

ajudado financeiramente. O estado de saúde fez com que Willy conseguisse um empréstimo

financeiro e o internasse em um sanatório para tratamento. Retornando da viagem, Willy foi

alcançado por um telegrama informando sobre a morte do pai.

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Com apenas 16 anos, Willy se viu obrigado a abandonar os estudos em Viena e

assumir a fazenda, ao mesmo tempo que passou a cuidar do irmão Robert. Em seguida, o

arquiduque da Áustria e herdeiro do trono, Francisco Ferdinando Habsburgo, foi assassinado e

o império austro-húngaro, aliado à Prússia, declarou guerra à Sérvia. Com a rápida

internacionalização do conflito, teve início a Primeira Guerra Mundial. Tornou-se tão iminente o

perigo de invasão da região que a primeira providência tomada por Willy foi enviar seu irmão

para a casa de parentes em Viena, enquanto ele permanecia cuidando da propriedade. Pouco

tempo depois a fazenda foi invadida pela infantaria do exército russo, mas nada lhe aconteceu.

O exercito austríaco estava recrutando soldados para irem à frente de combate. Porém,

como para cargos de comando a exigência da escolaridade mínima era do nível médio

completo, permitiu-se que os estudantes do último ano participassem de um exame geral de

forma a receber o diploma antes do tempo previsto. Willy submeteu-se ao exame e concluiu o

segundo grau quando, em 1915, deu início ao treinamento militar para a formação de

comandantes.

Willy, agora conhecido apenas pelo seu sobrenome Reich, ocupou as posições de

primeiro cabo e tenente e chegou a ir para a frente de batalha, sempre em território italiano.

Com o fim da guerra, em 1918, pediu dispensa e tentou retornar para a fazenda, que a essa

altura, já havia sido invadia pelo exército. Uma ação de desapropriação ou indenização sairia

mais caro do que o valor da própria fazenda, motivo que fez com que Reich abandonasse tudo

e rumasse novamente para Viena.

Reich passou a morar num quarto de pensão, juntamente com seu irmão Robert e um

outro estudante. Entrou na faculdade de Direito, que cursou seis meses, abandonando-a e

substituindo em seguida pela faculdade de Medicina. Os primeiros meses foram muito difíceis,

mas com o tempo a situação econômica melhorou, pois Reich dava aulas particulares a outros

estudantes de Medicina, aprendendo muito mais com isso, e podendo terminar em quatro anos

o curso que sempre foi de seis.

Depois de quatro anos de reclusão no exército, Reich dizia encontrar-se

“intelectualmente faminto”, o que o levou a uma intensa atividade de leitura dos mais diversos

autores em diferentes áreas do conhecimento. Destacou seu interesse pelo filósofo francês

Henri Bergson e até mesmo foi tachado de “bergsoniano maluco”. Em 1919, já no segundo ano

da faculdade de Medicina, em uma de suas aulas de anatomia, circulava de carteira em

carteira um folheto o qual pedia aos alunos interessados que organizassem um seminário

sobre sexologia, pois acreditavam que esse importante assunto estava sendo negligenciado na

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H. Um panorama histórico de Wilhelm Reich. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

formação médica. Reich compareceu à primeira reunião e a partir daí, participou de todos os

seminários seguintes. Tomou contato com os escritos de Freud, a quem, juntamente com

outros colegas, escreveu informando sobre os seminários e pediu ajuda. Freud, imediatamente

prontificou-se a ajudá-los e marcou um primeiro encontro com os estudantes. Reich dizia que

Freud era diferente. Enquanto os outros desempenhavam um papel qualquer, Freud não se

dava ares de importante e falava com ele como uma pessoa absolutamente comum. Perguntou

a respeito do seminário e achou sensata a iniciativa (REICH, 1977).

Interessado na importância da energia sexual, Reich elaborou um trabalho intitulado “Os

conceitos de pulsão e libido de Forel a Jung” o qual apresentou aos participantes do seminário.

No outono, foi eleito presidente dos seminários e ficou encarregado de conseguir material de

leitura para os grupos de estudos, passando então a visitar diversos profissionais.

No dia 13 de outubro de 1920, Reich apresentou como candidato a Membro da

Sociedade Psicanalítica de Vienna a comunicação “O conflito da libido e a ilusão de Peer

Gynt”, no qual analisou as determinações inconscientes do personagem do drama Peer Gynt

do autor norueguês Henrik Ibsen. Sua comunicação foi bem recebida e no dia 20 desse mesmo

mês foi admitido como membro da Sociedade (REICH, 1986).

Seu interesse inicial dentro da Psicanálise era relacionado á técnica terapêutica, pois

poucos eram os trabalhos dedicados a essa área, e muitas eram as dificuldades encontradas.

Tendo Freud como seu mestre foi aos poucos se convencendo de que, de todos os impulsos, o

sexual era o mais forte. 1922 foi o ano em que Reich teve dois grandes acontecimentos em sua

vida: o primeiro aconteceu em 17 de março quando se casou com Annie Pink também

estudante de Medicina, sua ex-paciente e depois psicanalista. Foi muito censurado pelos seus

colegas por ter se casado com uma ex-paciente. Deste casamento nasceram Eva, em 1924, e

Lore, em 1928. O segundo acontecimento foi a sua formatura. Depois de graduado, continuou

estudando neuropsiquiatria e atendendo seus pacientes na Clinica Psicanalítica.

Em 1927, Reich publicou a primeira parte de seus escritos sobre a descoberta do

orgônio. Tal publicação recebeu o título em português de “Psicopatologia e Sociologia da Vida

Sexual”, e foi dedicada a Freud: “A meu mestre, o professor Sigmund Freud, como prova de

profundo respeito” (REICH, [19--], p. 23). Freud pareceu ter uma reação negativa ao livro. A

partir daí, Reich passou a entrar em sérios conflitos com Freud. No entanto, numa carta datada

de 27 de julho de 1927, Freud assegurou a Reich que, embora sabendo das divergências

pessoais e hostilidades na organização psicanalítica, elas não poderiam influenciar o seu

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grande apreço pela competência de Reich, o que era compartilhado por muitos outros

(HIGGINS; RAPHAEL, 1979).

Reich começou a se interessar por Marx e Engels, fundou o movimento de higiene

mental na Áustria e teve muitos encontros com Freud. Em 1928, filiou-se ao partido comunista

austríaco e intensificou seus estudos sobre o marxismo, ano em que também fundou a

Sociedade Socialista para o Conselho e Pesquisa Sexual, que manteve em funcionamento

numerosos Dispensários de Higiene Mental. Paul Federn, psicanalista de Vienna e vice-

presidente da Sociedade Psicanalítica de Vienna desde 1924, até a sua dissolução pelos

Nazistas em 1938, tentava de todas as maneiras perturbar a relação existente entre Freud e

Reich. Uma das provas de tais perturbações foi claramente revelada pelo próprio Freud numa

carta a Reich datada de 22 de novembro de 1928, na qual lhe disse que Federn lhe tinha

pedido a destituição de Reich como diretor do Seminário sobre técnicas. Mesmo assim, a teoria

do orgasmo e a técnica carateroanalítica foram ambas rejeitadas e nunca mencionadas por

Freud nos seus escritos. Reich então decidiu prosseguir por conta própria, desde 1928, sob a

designação de Economia Sexual (HIGGINS; RAPHAEL, 1979).

Quando Reich trabalhou com grupos socialistas e comunistas em Vienna, de 1927 a

1930, os analistas diziam que ele era comunista. Entre os anos de 1929 e 1930, Reich entrou

no campo comunista-socialista para fazer trabalho prático no exterior, em higiene mental.

Apresentou o conceito da neurose e da miséria genital no pensamento social. Seus primeiros

passos neste campo resultaram na conclusão de que, embora os ideais do movimento

estivessem corretos, as técnicas usadas para atingir os fins eram inadequadas, senão de todo

nocivas. Deste modo, orientou-se para o desenvolvimento do movimento de esquerda pela

liberdade introduzindo conceitos básicos psiquiátricos na Sociologia política.

Partindo do ponto de vista da posterior evolução de seu sofrimento e da de seus entes

queridos, Reich desejou nunca ter dado início ao seu programa de aperfeiçoamento dos

movimentos socialistas. Nunca encontrou inimigos mais mortais nem perigos maiores para sua

vida e liberdade ou felicidade que naquele movimento dirigido por libertadores sem

conhecimento das leis da liberdade responsável. Mas do ponto de vista de uma aprendizagem,

Reich dizia que voltaria a fazer o mesmo, apesar do desgosto.

A ligação de Reich com o movimento comunista nos finais dos anos vinte, o que tem

sido repetidamente explorado para desacreditá-lo, surgiu pelo simples fato de ser oportuna,

com o fim de continuar seu trabalho sobre higiene sexual, indo ao encontro das massas por

meio da aparente organização nos partidos socialistas e comunistas. Assim, era necessário

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prosseguir com o trabalho sobre a higiene econômico-sexual no seio dos partidos socialista e

comunista, porque era aí que as massas se encontravam nessa altura. Os seus problemas

tinham de ser abordados no seu meio ambiente, se se queria sair da linha do tratamento

individual (VOLPI, 2019).

A pressão sobre este trabalho social-higiênico era tão grande que, em 1930, resolveu

transferir-se para a Alemanha. Em setembro deste ano viu Freud pela ultima vez e em

novembro mudou-se para Berlim, na procura de um ambiente mais receptivo para suas ideias.

Tinha-se tornado independente de Freud e a ênfase que deu em seus trabalhos a respeito da

transferência negativa, seu manejo na terapia psicanalítica, na couraça muscular do caráter e

na potência orgástica, vinha significando um sério impedimento à sua amizade com Freud.

Em 1931, juntamente com o partido comunista alemão, criou a SEXPOL (Associação

para uma Política Sexual Proletária) que se expandiu rapidamente por toda a Alemanha

mobilizando cerca de 40 mil membros.

Em 1932, a tensão com os dirigentes do partido comunista aumentou, e os mesmos

tentaram neutralizá-lo oferecendo-lhe um cargo num comitê político, ao qual recusou. Com o

objetivo de se emancipar de qualquer tutela ou pressão, fundou sua própria editora (“Edições

de Política Sexual”), que logo instalou em Copenhague, sua próxima residência. Nesse mesmo

ano, o Diário das Juventudes Comunistas tomou oficialmente partido contra Reich proibindo a

difusão dos seus textos, principalmente dos opúsculos nesse ano editados: “Revelação dos

segredos adultos”, destinado às crianças, e “Quando teu filho te interroga”, destinado aos pais.

Em 1933, com a chegada dos nazistas ao poder, Reich viu-se obrigado a fugir da

Alemanha. Primeiro refugio-se em Vienna, onde seus colegas não lhe deram atenção por

considerarem que política nada tem a ver com Ciência, e onde até Freud o evitou por ser

“comunista” e porque usou a Psicanálise “com fins alheios à sua essência”. Seus alunos foram

aconselhados a não assistirem suas aulas, mas não se lhes impediu a entrada.

Em primeiro de maio de 1933, chegou à Copenhague, depois de ter decidido abandonar

Viena. Viajou a Londres, Paris, Áustria, Checoslováquia e Polônia. Quando retornou à

Copenhague, tomou conhecimento de que havia sido expulso do Partido Comunista Alemão

por causa de suas críticas à atuação desse partido diante da irrupção do nazismo. Separou-se

de sua primeira esposa, Annie Pink Reich, e passou a viver com a bailarina Elza Lindeberg,

que havia conhecido em Berlim. Em seguida mudou-se para a Dinamarca, onde permaneceu

até o final de 1933. Foi acusado de ser suposto agente provocador pelo comitê do partido e de

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indesejável revolucionário pelas forças direitistas. O regime hitleriano incluiu no seu índice de

livros proibidos, “O combate sexual da juventude”. Foi obrigado a abandonar a Dinamarca.

Em 1934, Reich seguiu para Malmö na Suécia, onde os próprios alunos dinamarqueses

podiam alcançá-lo de balsa, mas depois de seis meses também foi expulso. Convidado então

pelo professor Harald Schielderup, diretor do Instituto de Psicologia da Universidade de Oslo,

Reich seguiu para Oslo, na Noruega, onde encontrou apoio no grupo do psicanalista Ola

Raknes, que se tornou seu amigo pessoal e um de seus mais importantes colaboradores. Teve

então a oportunidade de realizar suas primeiras pesquisas biofísicas. Residiu em Oslo por

cinco anos e continuou escrevendo seus artigos. As perseguições aumentaram cada vez mais,

o que o levou a usar o pseudônimo de Peter Stein em seus escritos. A partir das expulsões,

vários analistas iniciaram contra ele uma campanha de difamação.

Em agosto de 1934, Reich compareceu ao XIII Congresso da Associação de

Psicanálise, celebrado em Lucerna, onde recebeu um comunicado de que havia sido expulso

da Associação Alemã e da Internacional. No congress, corriam boatos de que ele seduzia suas

pacientes, que era um psicopata e por fim um esquizofrênico. Segundo Reich, os boatos foram

espalhados por Otto Fenichel e Paul Federn, psicanalistas da época. Reich havia ido ao

congresso junto com Elsa. Muitos psicanalistas estavam hospedados em hotéis luxuosos e ele

queria ficar junto à natureza. Montou uma tenda próximo ao Lago de Lucerna e só tinha

consigo um punhal daqueles que se leva em acampamentos. Quinze anos depois, em Nova

Iorque, surgiu o boato de que tinha ficado completamente louco. Havia armado uma tenda no

vestíbulo do hotel e andava nu e armado. Reich dizia nunca ter descoberto a origem de tais

boatos. Os rumores a respeito dele correram por muito tempo. Mesmo em fevereiro de 1966, o

editor do New York Herald Tribune escreveu um artigo onde o declarou mentalmente doente.

Quando retornou a Oslo, deu continuidade aos seus estudos e experimentos. Voltou toda a sua

atenção para os fundamentos fisiológicos da vida psíquica. Passava horas de seu dia dentro de

sua sala de estudos. Determinou-se a descobrir a natureza física da energia “libido”, que Freud

havia inicialmente postulado. No ano de 1935, passou a usar em suas pesquisas um aparelho

que media o potencial elétrico da pele (SHARAFF, 1993).

Em 1936, pesquisas subsequentes permitiram a descoberta do que denominou “bions”

– unidades básicas de energia vital, surgindo então a configuração de um novo campo de

estudo: a biofísica e a energia orgônica. Os experimentos realizados em Oslo de 1934 a 1939

haviam medido, com o auxilio de um oscilógrafo, as variações do potencial elétrico quando esta

era tocada de modo que provocasse prazer e ansiedade. Verificou que a excitação sexual

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proporcionava um aumento de carga elétrica na superfície do corpo, enquanto que emoções

desagradáveis correspondiam a uma retirada da energia elétrica para o interior do corpo. O

conceito de libido deixava de ser uma mera analogia.

Reich não se contentou por muito tempo com sua teoria elétrica da sexualidade.

Pesquisas posteriores revelaram que não apenas a sexualidade, mas a própria vida funcionava

de acordo com o padrão orgástico de tensão e descarga, expansão e contração. Com isso,

ampliou a técnica da Análise do Caráter, chegando à couraça muscular e argumentando que a

energia sexual estava aprisionada na própria musculatura. Mapeou então o corpo em sete

segmentos denominados por ele de segmentos de couraça, consolidando assim uma nova

forma de terapia que denominou Vegetoterapia Caracteroanalítica, visto a base estar no

sistema neurovegetativo (REICH, 1995).

A essência e o objetivo do tratamento psicanalítico consistia em tornar consciente a

matéria inconsciente. A essência e o objetivo da Vegetoterapia consistia em restabelecer o

equilíbrio biofísico libertando a potência orgástica, isto é, não só tornar consciente a matéria

inconsciente, mas também libertar as energias vegetativas. O principal método da terapia

psicanalítica era e é a “associação livre”, isto é, essencialmente falar e comunicar. O principal

método da Vegetoterapia consiste desde então na estimulação das atitudes vegetativas

involuntárias (logo inconscientes). Ao contrário, na técnica da Vegetoterapia, não falar é que se

constitui como um dos principais métodos para trazer à superfície sentimentos e afetos

vegetativos, enraizados em processos orgânicos, antes que se tornem conscientes, e então

possam ser verbalizados.

Reich afastou-se cada vez mais da Psicologia e partiu para o campo da biofísica e para

o estudo das principais leis físicas. Seus interesses estavam não mais na Psicanálise, mas em

como a energia vital estava dentro e fora do indivíduo, como funcionava dentro e através dele e

sobre o mundo. Suas pesquisas enfureceram a imprensa norueguesa.

Em 1939, separou-se de Elsa e conheceu Ilse Ollendorf, com quem viveu até 1954 e

com quem teve um filho, Peter. A convite de um colega seu, Dr. Theodore Wolfe, em 1939

emigrou para os Estados Unidos, onde passou a trabalhar como professor e aprofundar suas

pesquisas biofísicas. Descobriu por acaso numa cultura de bions (vesículas de energia, visíveis

microscopicamente) um tipo de energia diferente de todas as formas até então conhecidas, a

qual chamou de energia vital ou orgônio, configurando assim um novo campo de estudo: a

biofísica e a energia orgônica (REICH, 1981).

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Em 1940, Reich (1985) descobriu que a energia orgone não estava presente somente

nos organismos vivos, mas também poderia ser encontrada na atmosfera, e que poderia ser

acumulada. Construiu então um aparelho muito simples composto de material orgânico e

inorganic, que chamou de acumulador de orgônio. Depois de haver descoberto o orgônio,

Reich percebeu que se tratava da bioenergia que havia procurado desde o início dos seus

estudos. A liberação da energia dos organismos era objetivo constante do seu trabalho

terapêutico, portanto nada mais natural que tivesse chamado a sua técnica terapêutica de

terapia orgônica ou Orgonoterapia, e o estudo da Orgonoterapia de Orgonomia.

Em 13 de janeiro de 1941, teve uma entrevista com Albert Einstein para falar sobre o

acumulador de orgônio. O FBI tomou a investigação orgônica por uma atividade de

espionagem alemã (ou russa) e colocou Reich sob custódia, como sendo um estrangeiro

inimigo, acusado de atividades subversivas. Em 12 de dezembro de 1941, às duas horas da

manhã, Reich foi arrancado de sua cama por agentes do FBI e levado para Ellis Island, onde

permaneceu atrás das grades durante três semanas e meia, devido a denúncias anônimas a

respeito de seu trabalho. Segundo Reich, sua primeira mulher (Annie), devia ter tido algo a ver

com o caso, porque sua filha, Lore, havia dito a ele meses antes que seria melhor ficar em

alerta, porque a mãe dela, juntamente com alguns psicanalistas, estavam arquitetando

qualquer coisa contra Reich (1953).

Em 1942, instalou seu laboratório de Investigação Orgone e Investigação do Câncer em

Forest Hills, no estado de Nova Iorque. Publicou então “A descoberta do orgone I” (“A função

do orgasm”).

No ano de 1944, Reich reforçou ainda mais seu isolamento, instalando-se em Rangeley,

uma pequena cidade do Estado do Maine, próximo à divisa com o Canadá. Adquiriu uma

pequena propriedade agrícola e com a ajuda de um arquiteto de Nova Iorque de nome James

Bell construiu a primeira casa de estilo moderno do estado do Maine, dando o nome da região

de Orgonon. Instalou seu laboratório e mergulhou mais fundo ainda nos segredos de sua

energia orgônica.

Lançou no mercado, para fins experimentais, alguns acumuladores de orgone,

destinados a abrir novos caminhos no diagnóstico e terapêutica da maioria das doenças

funcionais (biopatias), incluindo o câncer. No dia 28 de maio de 1946, Reich naturalizou-se

cidadão norteamericano. Em 1947, em parte como resultado de dois artigos publicados por um

jornalista, Reich foi repentinamente rotulado como perigoso e esquizofrênico, sendo que por

trás desses ataques, segundo ele, encontravam-se psicanalistas e psiquiatras

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desassossegados. Logo, o Food and Drug Administration (FDA) iniciou uma investigação sobre

o uso do acumulador de orgônio que Reich na época alegava ter utilidade na terapia do câncer,

mas não na sua cura. O FDA abriu um inquérito contra ele, que se prolongou por vários anos,

dando a entender que havia uma proveitosa exploração da população a respeito do mesmo.

Em 1948, em seu laboratório em Rangeley, fez sua primeira conferência sobre Orgonomia e o

funcionamento do acumulador de orgônio. Em 1949, um grupo de médicos seguidores de

Reich começaram a exprimir admiração por ele e pediram a um colega, Jo Jenks, que fizesse

um busto em sua homenagem, com o qual o presentearam. Criaram também a Fundação

Wilhelm Reich com o objetivo de preservar todos os seus escritos.

Além do trabalho, Reich encontrava tempo para pintar suas telas: “Semente”, “Os

peixes”, “Movimento Espiral”, “Autorretrato”, todas em 1951; “O Mensageiro”, em 1952, entre

outras. Nesse mesmo ano (1952), Reich tentou testar o poder da energia orgônica, cujo

objetivo era destruir ou anular os efeitos mortíferos da energia nuclear por meio da energia

orgônica. Preparou um grande experimento para uma averiguação mais acurada sobre suas

observações. Obteve alguns isótopos radioativos e os colocou dentro do acumulador orgônico.

Esperava-se que o acumulador enfraquecesse ou reduzisse a radioatividade, mas a mistura

resultante produziu algo completamente diferente: a radioatividade estimulou o orgônio para

uma atividade tão intensa que causou um desastre, e todos os que tomavam parte do

experimento adoeceram. Reich chamou o experimento de Orgone against nuclear radiation

(ORANUR). Todos os que tomavam parte do experimento adoeceram. A propriedade toda ficou

por alguns anos tão sobrecarregada de energia orgônica radioativa que se tornou impossível

viver ali.

A atmosfera em Orgonon e à sua volta tornou-se opressiva e sufocante e a cor azul que

normalmente se podia observar no céu transformou-se em um negro tenebroso. Reich chamou

a essa variante do orgônio de Deadly Orgone (DOR), orgônio letal. Procurou então descobrir

como se manifestava e como poderia ser contra-atacado e removido.

Construiu então um equipamento que consistia em duas fileiras de tubos metálicos

colocados em uma plataforma giratória. Seu funcionamento poderia ser comparado ao do para-

raios. Descobriu que com esse aparelho poderia interferir na meteorologia. Concentrando o

potencial orgônico da atmosfera e descarregando-o na direção desejada, podia provocar uma

tempestade. Chamou o aparelho de cloudbuster (sugador de nuvens). A South West Machine

Company, de Portland, no Maine, fabricou, mediante a supervisão de Reich alguns

cloudbusters. Segundo seus discípulos, Reich desviou a trajetória do furacão Edna em 1954

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com o cloudbuster. Suas experiências tiveram 50% de êxito, sendo que uma das provas feitas

no deserto foi transmitida pela televisão canadense (SHARAFF, 1983).

Reich (1954) chamou esse período de sua vida de Cosmic Orgone Engineering

(CORE), ou seja, Engenharia Orgonômica Cósmica.

Em função de tais resultados positivos obtidos na remoção do DOR da atmosfera, Reich

supôs que podia ser possível removê-lo também do organismo humano. Construiu então um

outro aparelho baseado nos princípios do cloudbster e chamou-o de DOR-buster.

No ano de 1954, o FDA declarou a inexistência da energia orgônica e instruiu-lhe,

apresentando como justificativa as leis federais sobre a venda de objetos terapêuticos, um

processo de evidente aspecto politico, e que pode considerar-se inserido na então recém

iniciada “caça às bruxas” do senador Joseph MacCarthy. Reich enfrentou o governo

americano, enviando um memorando ao juiz federal do Maine, no qual alegava que se negava

a ser acusado por questões de Ciências naturais e biológicas, e que só responderia diante de

cientistas, não diante de juizes. Dizia ainda que este não tinha qualquer direito de perseguí-lo

em nome de atividades que eram estritamente científicas.

Ainda em 1954, pintou a tela “Modju”. Reich procura representar através desta pintura o

que para ele era sinônimo de peste emocional ou do caráter pestilento, que utilizava a calúnia

dissimulada e a difamação na sua luta contra a vida e a verdade. Derivou esta denominação de

Moceningo, um idiota, um zé-ninguém.

Em 23 de agosto de 1956, suas obras foram queimadas no Maine e em Nova Iorque.

Muitos de seus manuscritos inéditos desapareceram. Sua filha, Eva, conseguiu salvar e

microfilmar alguns. Desde o início do ataque pelo FDA em 1947 até 1957, Reich foi forçado a

despender grande parte do seu tempo e energia com assuntos legais.

O não comparecimento de Reich aos tribunais levou-a à condenação por desacato à

autoridade e com isso foi sentenciado a dois anos de encarceramento, bem como ficou

estabelecida a proibição de divulgação de todos os seus escritos. Tal fato circulou nos

principais jornais dos Estados Unidos, o que veio a denegrir mais ainda a reputação de Reich.

Em 11 de março de 1957, foi preso na penitenciária federal de Lewisburg, na

Pensilvânia. Juntamente com ele, prenderam um de seus colaboradores, Michael Silvert, que

aparentemente se suicidou poucos meses depois de deixar a prisão.

Mesmo assim, de dentro de sua cela, continuou escrevendo, e muito. Entregou então

todos seus escritos, lacrados, à Fundação que recebeu seu nome, e pediu que os mesmos

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fossem abertos somente 50 anos após a sua morte. Estes escritos permaneceram na

Countway Library of Medicine, em Boston, até sua abertura, no ano de 2007.

Em 03 de novembro, Reich apareceu morto em sua cela, vítima de um ataque cardíaco.

Seguindo suas instruções, seu corpo foi enterrado em Orgonon. Acima do túmulo encontra-se

o busto que ganhou em 1949 de seus seguidores (REICH, 1957).

Seus colaboradores mais próximos sofreram uma série de represálias, ainda que

indiretas. Alguns foram expulsos de seus centros de trabalho, sendo proibido qualquer tipo de

publicação a respeito de suas experiências. Dentre os diversos seguidores de Reich, podemos

citar Elsworth F. Backer, que seguiu rigorosamente os princípios postulados por Reich e foi o

responsável pela Escola Americana. Uma outra figura de grande importância para Reich foi o

norueguês Ola Raknes, instrutor de vários outros seguidores na metodologia reichiana mundo

afora. De seus inúmeros alunos, quem mais se destacou, foi o neuropsiquiatria italiano

Federico Navarro.

REFERÊNCIAS

HIGGINS, M.; RAPHAEL, C. (Org.) Reich fala de Freud. Lisboa: Moraes, 1979.

REICH, W. Passion of Youth. Wilhelm Reich: an autobiography, 1897-1922. New York: Farrar,Straus & Giroux, 1988.

REICH, W. A função do orgasmo. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.

REICH, W. Análise do Caráter. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

REICH, W. Experimenti Bionici. Milano: SugarCo, 1981.

REICH, W. History of the discovery of the life energy – The Einstein affair. Rangeley:Orgone Institute, 1953.

REICH, W. La biopatía del cáncer. Buenos Aires: Nueva Visión, 1985.

REICH, W. Last will and testament of Wilhelm Reich. Rangeley: Orgone Institute, 1957.

REICH, W. Psicopatologia e sociologia da vida sexual. São Paulo: Global, [19--].

SHARAFF, M. Fury on Earth – A biography of Wilhelm Reich. New York: DaCapo, 1983.

VOLPI, J. H. Psicoterapia corporal – um trajeto histórico de Wilhelm Reich. 2ª ed. Curitiba:

Centro Reichiano, 2019.

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VOLPI, J. H. Reich e a Economia Sexual. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

REICH E A ECONOMIA SEXUAL

José Henrique Volpi

Freud havia postulado que o sintoma neurótico é resultado da repressão de um trauma

sexual ocorrido na infância. Mas não conseguia explicar porque tal sintoma aparecia somente

anos mais tarde (15, 20 anos). “Todo e qualquer sintoma neurótico e psicótico, por mais

desprovido de sentido que pareça, tem um conjunto significante que, por meio dum

conhecimento preciso do doente, pode ser completamente integrado no conjunto da sua vida.”

(FREUD apud REICH, [19--], p. 31). E complementa: “Os sintomas neuróticos provêm dum

conflito entre as reivindicações instintuais primitivas e as exigências morais que proíbem a sua

satisfação.” (FREUD apud REICH, [19--], p. 31).

APARELHO PSÍQUICO X IMPULSOS

ID → Desejos instintivos – satisfação imediata

EGO → Moderador, caráter

SUPEREGO → Inibidor, moralista

A repressão de um impulso traz o sintoma neurótico. Exemplo: compulsão por andar

depressa – análise de um menino que roubou algo de uma loja. O impulso procura

possibilidades disfarçadas de expressão.

Em 1919, Reich organizou Seminários de sexologia. Para ele, a energia sexual opera

no corpo todo e não apenas nos genitais e após a puberdade está totalmente desenvolvida e a

castração não pode afetá-la.

Consegue-se a cura, segundo Freud, tornando o impulso reprimido consciente. Dizia-se

que uma parte da personalidade não havia conseguido o total desenvolvimento em direção à

maturidade, permanecendo assim atrasada, em um estágio anterior do desenvolvimento

sexual. Isso resultava em uma “fixação”. O que acontecia então é que essa parte isolada

entrava em conflito com o resto do Ego, pelo qual era mantida em repressão. A teoria posterior

do caráter mostrou, por outro lado, que não pode haver um sintoma neurótico sem uma

perturbação do caráter como um todo. Os sintomas são apenas picos de uma cadeia de

montanhas que o caráter neurótico representa.

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H. Reich e a Economia Sexual. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

Em 1920, Reich tornou-se membro da Sociedade Psicanalítica de Viena. Dizia Reich: “A

Sociedade Psicanalítica era como uma comunidade de gente que tinha de erguer uma luta

única contra um mundo de inimigos. Era maravilhoso.” (REICH, 1975, p. 49).

ANÁLISE DAS RESISTÊNCIAS

Havia poucos trabalhos sobre a técnica e Reich buscava conselhos com os mais velhos,

mas não eram de grande ajuda, pois sempre respondiam: continue analisando.

A análise das resistências tinha sido estabelecida teoricamente, mas não funcionava na

prática.

O paciente que não verbalizava deixava o analista sem saber o que fazer. Também de

nada adiantava dizer ao paciente que ele estava resistindo, defendendo-se, etc.

Até que em um dos congressos, Freud modificou a afirmação de que o sintoma

neurótico tinha de desaparecer quando o seu significado inconsciente tivesse se tornado

consciente. Agora ele afirmava: “Temos que fazer uma correção. O sintoma pode, mas não é

obrigado a desaparecer quando o significado houver sido descoberto.”

Isso fez com que Reich saísse em busca do que era então necessário para o seu

desaparecimento.

Reich enfocava os aspectos sexuais da neurose alegando que se uma pessoa fosse

sexualmente satisfeita, não poderia ser neurótica. Sendo assim, sua tese era de que o

orgasmo sexual descarregava o excesso de energia, que mantinha o sintoma neurótico.

Portanto, a potência orgástica era a solução.

Muitos psicanalistas discordavam de Reich alegando que seus pacientes, mesmo

neuróticos, apresentavam a chamada potência orgástica (= saúde emocional).

A contestação de Reich era que os psicanalistas confundiam ereção e ejaculação com

orgasmo.

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VOLPI, J. H. Reich e a Economia Sexual. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

POTÊNCIA ORGÁSTICA

Potência orgástica Impotência orgástica

Segundo Reich (1975), a saúde psíquica depende da potência orgástica, e do ponto até

o qual o indivíduo pode entregar-se, e pode experimentar o clímax de excitação no ato sexual

natural. Baseia-se na atitude não neurótica da capacidade do indivíduo para o amor. As

enfermidades psíquicas são o resultado de uma perturbação da capacidade natural de amar.

No caso da impotência orgástica, de que sofre a esmagadora maioria, ocorre um bloqueio na

energia biológica, e esse bloqueio torna-se a fonte de ações irracionais. A condição essencial

para curar tais perturbações é o restabelecimento da capacidade natural de amar.

Reich tinha traçado as consequências sociais da teoria da libido. Na ideia de Freud isto

foi a pior coisa que fez. Dizia Reich que se há uma corrente natural, deve-se deixá-la correr. Se

a bloqueamos em algum ponto, a água transborda para as margens. Quando se bloqueia a

corrente natural da bioenergia, ela transborda, resultando em irracionalidade, perversões,

neuroses, etc. O que podemos fazer para corrigir isto? Temos que reconduzir a corrente ao seu

leito normal e deixá-la fluir de novo naturalmente. Isso requer uma quantidade de alterações na

educação, na formação da criança, no ambiente familiar. E de certo modo, Freud não

conseguiu compreendê-lo neste ponto.

Reich também deixou claro que embora seu trabalho sobre a Economia Sexual se

baseasse inteiramente na teoria sexual de Freud e na sua teoria das neuroses, a concepção

exposta não significava aceitação pela Psicanálise, apesar de achar que suas ideias eram um

prolongamento direto das teorias da Psicanálise.

Reich estava buscando uma base somática para a libido e disse que Freud havia

indicado o caminho.

Freud havia afirmado que nenhuma neurose desenvolve-se sem o conflito sexual. Reich

afirmava que não há neurose sem perturbações da função genital, e defendia a liberdade

sexual e não uma promiscuidade selvagem. Mas Reich foi incrivelmente incompreendido e

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VOLPI, J. H. Reich e a Economia Sexual. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

difamado, e quase tudo o que ele escreveu foi mal interpretado por uma sociedade neurótica e

reprimida principalmente em sua própria sexualidade, que por isso não dá conta de lidar com a

sexualidade de forma natural.

PERTURBAÇÕES PSÍQUICAS DO ORGASMO

Uma pesquisa conduzida no Dispensário Psicanalítico de Viena de novembro de 1923 a

novembro de 1924, com 338 pacientes, sendo 166 homens e 91 mulheres, revelou (REICH,

[19--], p. 36):

Homens (166):

17 – potentes

18 – impotentes

69 – neuróticos e abstinentes

27 – neuróticos e incapazes de ereção

14 – neuróticos com ejaculação precoce

09 – perversos e incapazes de ereção

05 – idade crítica

07 – neurose atual com coito interrompido

Mulheres (91):

06 – frígidas

27 – neuróticas e abstinentes

37 – neuróticas e frígidas

12 – neuróticas e frígidas com conflito atual

09 – idade crítica

Do ponto de vista da Economia Sexual pouco importava saber se havia uma maior ou

menor sensibilidade sexual ou que o homem fosse capaz ou incapaz de uma ereção. O que

importava é que o orgasmo encontrava-se perturbado.

Potencia orgástica é a capacidade de atingir uma satisfação sem perturbações da

genitalidade, uma entrega máxima ao prazer livre de quaisquer inibições.

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VOLPI, J. H. Reich e a Economia Sexual. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

Reich (1975) argumentava que os psicanalistas confundiam o ato sexual puramente

animal com a entrega amorosa.

A estase é a fonte da energia das neuroses. Então, a enfermidade psíquica não é só o

resultado de uma perturbação sexual no sentido freudiano lato da palavra; mas é

concretamente o resultado da perturbação da função genital, no sentido estrito da potência

orgástica. Portanto, tornar o paciente consciente dos impulsos sexuais reprimidos garante a

cura apenas quando também se elimina a fonte de energia da neurose e a estase sexual, ou

seja, quando a consciência das exigências instintivas restaura também a capacidade de obter

plena satisfação orgástica.

Segundo Reich (1975) potência orgástica significa:

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POTÊNCIA ORGÁSTICA

TM

CBDB

RLX

EJACULAÇÃO PRECOCE

TM

CBDB

RLX

NINFOMANIA

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VOLPI, J. H. Reich e a Economia Sexual. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

Capacidade no ser humano, de atingir uma satisfação de acordo com a estaselibidinal do momento; mas também a capacidade de atingir freqüentementeessa satisfação, permanecendo pouco sujeito às perturbações da genitalidade,que afetam por vezes o orgasmo mesmo num indivíduo relativamente são (p.41)

Enfim, na visão de Reich, pode-se dizer que quem não é saudável não pode

experimentar um verdadeiro orgasmo.

REFERÊNCIAS

REICH, W. Psicopatologia e sociologia da vida sexual. São Paulo: Global, [19--].

REICH, W. A função do orgasmo – problemas econômico-sexuais da energia biológica. SãoPaulo: Brasiliense, 1975.

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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

WILHELM REICH E ANNA FREUD: SUA EXPULSÃO DA PSICANÁLISE1

Lore Reich Rubin

NOTA DO EDITOR

Fica aqui registrado pela primeira vez, para documentação histórica, um relatório

honestamente apresentado sobre a expulsão de Reich da Sociedade Internacional de

Psicanálise (IPA). Esta história apresenta informações disponíveis nunca antes trazidas a

público claramente. Nós sabíamos o quanto Reich foi odiado por certos psicanalistas e que

foram eles que começaram o boato de que ele era louco e tinha estado institucionalizado.

Elsworth Baker2, Myron Sharaf3 e outros historiadores recontaram os fatos que levaram a

expulsão de Reich da IPA, em 1934. Porém até agora não sabíamos que a construção da

insanidade de Reich originou-se de vários membros do grupo dos discípulos de Freud. Esta

reação em forma de peste emocional4 desenvolveu-se em parte porque Reich era enérgico e

dinâmico, e por isso atraia as pessoas, mas principalmente porque suas teorias davam

importância essencial ao funcionamento sexual, natural e saudável.

A crença dentro da comunidade científica vigente, de que a energia orgônica não existe,

foi sempre reforçada pela afirmação de que Reich era louco e que suas teorias eram produto

de uma mente perturbada. O fato de que os cientistas sempre se recusaram a examinar

criticamente suas descobertas energéticas é em parte o resultado da calúnia que começou em

Viena em 1920. Estas construções difamatórias a respeito de Reich tiveram consequências

que ultrapassaram fronteiras.

A invenção de que Reich havia se tornado um doente acompanhou-o até os Estados

Unidos. Este fato deu crédito ao artigo escrito por Mildred Edie Brady intitulado “O estranho

caso de Wilhelm Reich”5. Este segmento de jornalismo obscuro, feito de meias-verdades e

indubitáveis mentiras, tornou-se a base para sucessivos artigos que desqualificaram Reich e

suas descobertas. A ficção de que Reich era louco efetivamente desempenhou importante

papel no ataque do FDA que ocasionou finalmente sua prisão.

1 Artigo publicado no “Journal of Orgonomy”.2 BAKER, E. Man in the Trap. New York: Macmillan, 1967.3 SHARAF, M. Fury on Earth: a biography of Wilhelm Reich. New York: St. Martins, 1983.4 REICH, W. Charater Analysis. New York: Orgone Institute, 1949.5 SHARAF, M. Fury on Earth: a biography of Wilhelm Reich. New York: St. Martins, 1983. p. 360.

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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

Em 1048 o boletim da clínica Menninger reeditou o artigo de Brady na sua íntegra.

Psiquiatras, muitos dos quais dependiam das informações deste artigo, comunicaram a

terapeutas em treinamento que Reich havia se tornado psicótico. Mesmo hoje, sempre que

Reich é mencionado, este fato é afirmado ou insinuado. Este contexto que apresenta a imagem

de Reich como desequilibrado, permitiu que Dusan Makavejev apresentasse este homem

como um psiquiatra louco e pervertido no filme pornográfico: “W.R.: Mistérios do Organismo”.

Os últimos efeitos da campanha difamatória que começou há setenta anos atrás

estenderam-se até o presente. Lamentavelmente, hoje Reich é principalmente conhecido

apenas com “o psiquiatra louco que inventou a caixa orgonômica”. As revelações de Lore

Reich Rubin sobre como foi construída a insanidade de Reich começaram a expor os

psicanalistas pelo assassinato desta personagem. Suas revelações são de um valor

inestimável porque agregam uma importante página na história da Ciência da Orgonomia e

também porque fica documentado mais um exemplo da força destrutiva de uma praga

emocional.

Eu sou uma psicanalista e, portanto, interessada na história da Psicanálise,

particularmente na história que aconteceu em Viena. Como as pessoas implicadas morreram e

já não se pode mais fazer censo ou investigação, muito desta história tem aparecido

recentemente, através de cartas e biografias. Dois livros por exemplo, foram publicados sobre

Anna Freud. Um é uma biografia escrita por Elizabeth Young-Bruehl (1988) e o outro é

chamado “The last Tiffany”, de Michael Burlinghan (1989). A avó de Michael era Dorothy

Burlinghan, que se tornou companheira permanente de Anna Freud. Estas são as duas

principais fontes que utilizei sobre Anna Freud.

Alguns livros foram editados em Viena sobre Reich no último ano. Karl Fallend (1988)

escreveu “Wilhelm Reich in Wien”. Ele recentemente editou outro livro em coautoria com Bernd

Nitzchke (1997), no qual incluiu artigos de vários autores, chamado “Der Fall Wilhelm Reich”.

Os “Fascículos Rundbriefe” de Fenichel também serão publicados este ano por Stroemfeld /

Roter Stern. Isto está acontecendo graças a mim porque eu não entreguei estes relatos aos

arquivos de Freud na Biblioteca do Congresso, os quais estão fechados ao público. Em lugar

disto, entreguei-os aos editores.

Agora vou falar sobre meu pai. Ele não era um santo. Ele era um homem muito difícil,

mas eu não quero salientar isto hoje, na celebração de seu nascimento. Estou interessada,

agora, no fato de que ele era um homem entusiasta, enérgico e dedicado à Psicanálise. Ele

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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

entrou para a Psicanálise quase imediatamente após terminar o serviço militar, ainda estudante

de Medicina em Viena. Isto aconteceu depois da Primeira Guerra Mundial.

Reich tornou-se finalmente o diretor da Clínica Psicanalítica de Viena. Ele lecionou no

Instituto Psicanalítico de Viena, ministrando Seminários sobre técnicas, no período de 1924 a

1930. Obviamente ele era muito bem respeitado e tinha muitos amigos na comunidade

psicanalítica (FALLEND, NITZSCHKE, 1997, SHARAF, 1983). De acordo com Sterba (1985), a

comunidade psicanalítica formava uma malha fechada e as pessoas casavam entre si. Estas

pessoas as quais estou me referindo são as mais jovens, aquelas que entraram para a

Psicanálise depois da Primeira Guerra Mundial.

Reich, entretanto encontrou problemas com seu segundo analista, Paul Federn.

Atualmente, estamos muitos interessados em transferência e contratransferência. Porém

naquela época, apenas alguma coisa era conhecida sobre transferência e praticamente nada

sobre contratransferência. Federn desenvolveu uma severa contratransferência em relação ao

meu pai, ignorando todas as modernas regras de confidencialidade, referentes a falar sobre um

paciente. Ao contrário, passou anos tentando convencer Freud a se livrar de Reich, a colocá-lo

para fora dos Seminários sobre técnicas e para fora da Clínica (FALLEND, 1988). Meu pai

reclamou a Freud sobre o que ele estava considerando uma perseguição. Federn não tinha a

menor ideia de que nesta questão a contratransferência estava envolvida. Ele considerava

Reich um louco e tentava se ver livre dele.

A resposta de meu pai a este fato muito interessante pois apresentou dois tipos de

reação. Acredito que, primeiramente, ele tenha entrado em profunda depressão, embora nada

se encontre escrito a este respeito. O que sei do ocorrido foi retirado de observações de minha

mãe, sobre a grande depressão que atingiu meu pai em 1927, levando-o a uma severa

tuberculose.

A segunda reação foi quando, após ter retornado ao Sanatório de Davos ele

desenvolveu uma nova, inteligente, e brilhante inovação. Esta inovação referia-se a dissecar a

transferência negativa no paciente. Parece-me que, o que ele decidiu fazer, não sei se

consciente ou inconscientemente, foi ensinar seu analista Federn como ele deveria ter

conduzido sua análise. Reich então escreveu o livro “Análise do Caráter”. Aproximadamente as

primeiras cem páginas, tratam sobre a transferência negativa e como ela deve ser entendida

antes de podermos analisar uma pessoa. Atualmente isto não é uma teoria inovadora. A

Psicanálise avançou tanto no manejo da transferência e da contratransferência que esta ideia

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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

hoje nos parece muito natural, mas naquela época a contratransferência era algo

revolucionário e não aceito pelos psicanalistas.

Reich teve uma maneira muito criativa de lidar com o que foi realmente um trauma.

Eu acredito que este padrão de se tornar abatido e então chegar a uma constatação

teórica foi o padrão de sua vida. Um outro mecanismo de defesa restaurador, foi aparecendo

ao mesmo tempo em que o anterior: se excluído de um grupo, ele formaria um novo grupo e

faria novas amizades.

Durante toda sua vida, Reich criou inúmeras teorias e formou novos grupos em

respostas a fracassos. Acredito, estar aqui, adiantando este meu relato, ao me deter na sua

necessidade de formar novos grupos.

Assim Federn não conseguiu separar Reich de Freud nem da comunidade psicanalítica,

mas Anna Freud conseguiu, conforme vou relatar a seguir.

Como Reich estava perdendo o grupo psicanalítico, ele foi se tornando mais e mais

envolvido: primeiramente, envolvido com os socialistas e depois com os comunistas

(FALLEND, 1988), formando assim, ele mesmo, uma nova comunidade e um sistema de apoio.

Deve-se mencionar que em 1934, Reich foi rechaçado pelos comunistas e, como todos nós

sabemos, tornou-se um forte anticomunista nos últimos anos.

Ele deixou Viena em 1930 e foi para Berlim, pois estava se tornando cada vez mais

radical. A razão atribuída a esta mudança para a Alemanha foi a de combater os nazistas.

Viena tornava-se cada vez mais fascista, logo ele corria perigo político ali. Este era

provavelmente um dos motivos de sua mudança. Mas também é verdade que ele estava sendo

empurrado para fora do grupo interno da Psicanálise. Então, este era o mais doloroso e

pessoal motivo de sua mudança. Durante os últimos dezenove a vinte anos, Reich, tinha sido

um comunista bastante eloquente. Nesta época muitas pessoas em Viena eram por demais

conservadoras, mas não todas. Alguns psicanalistas tinham uma tendência esquerdista radical,

mas os Freuds, por exemplo, eram muitíssimo conservadores. Naquela época, Viena estava

tornando-se fascista, de uma forma suave e sutil, ao contrário da forma alemã.

Aqueles eram tempos difíceis, e por isso mesmo o radicalismo de Reich destacou-se.

Os Freuds ficaram abalados, ambos os Freuds, Anna e Sigmund. Devo dizer a vocês que

realmente não sei se Sigmund estava fazendo alguma coisa por ele próprio. Seu câncer

começou a se manifestar em 1932, e cada vez mais Anna Freud se posicionava à frente, na

liderança da organização psicanalítica. Portanto, embora Sigmund tenha escrito a carta em

1932, não está claro quem estava por trás disto. Naquele ano, meu pai queria publicar um

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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

artigo sobre o caráter masoquista. Freud recusou-se enfaticamente a aceitar esta publicação,

dizendo que se tratava de um artigo comunista. Porém, após este fato, houve pressão sobre

Freud, e então finalmente ele disse que o artigo poderia ser publicado, mas com a condição de

que o jornal colocasse um adendo, esclarecendo que se tratava de um artigo comunista.

Somente por causa de pressão de pessoas como Ernst Kris em Viena e aparentemente

também de pessoas em Berlim, este artigo pode ser publicado no “Internazionale Zeitschrift

Psychonalyse”. Agora ele está no livro “Análise do Caráter” (REICH, 1949). Eu o li

recentemente. É um excelente artigo sobre masoquismo. Afirmo que é realmente um bom

artigo. Eu trabalhei este artigo com meus alunos em uma aula. Meus alunos gostaram muito.

Eles são psicanalistas e não orgonomistas.

O que Reich fez neste artigo foi atacar o instinto de morte, uma teoria que Freud

desenvolveu naquela época. Os comunistas naturalmente disseram que não poderia haver o

instinto de morte, já que os problemas das pessoas são todos causados pela sociedade.

Assim, o ataque de meu pai ao instinto de morte foi sentido por Freud como proveniente de sua

ideologia comunista. Obviamente, ninguém hoje acredita no instinto de morte.

Este trabalho de Reich foi um perfeito artigo psicanalítico, ficando evidente o ataque

direto e aberto à teoria de Freud. Isto não era o habitual entre os psicanalistas. Eles preferiam

reverenciar Freud, e se por acaso dele discordassem em alguma ocasião, subitamente

mudavam de ideia, e se retratavam nos próximos artigos. Não há dúvida de que meu pai, em

1932, não era mais um membro admirado pelos Freuds e ainda mais, sabendo disto, não

escondia de forma alguma sua discordância em relação a eles.

Existem cartas, hoje publicadas, onde Anna Freud, em 1933, escrevia para Jones em

Londres, dizendo que seu pai Freud não tinha mais tempo para discussões e desejava se livrar

de Wilhelm Reich imediatamente. Eu realmente não sei, como já referi anteriormente, se quem

estava falando era Anna ou Sigmund por ele mesmo. Passado um tempo, Anna escreveu a

alguém dizendo que Reich, após ter deixado a Alemanha, veio a Viena proferir uma palestra

radical, que ela julgou impensada e inconsequente (FALLEND; NITZSCHKE, 1997). Assim, em

1933, quando Hitler assumiu o poder, Sigmund escreveu a Eitington (FALLEND; NITZSCHKE,

1997), que estava na direção do Instituto de Berlim, pedindo-lhe o favor de se livrar de Wilhelm

Reich, porque ele não queria que Reich fosse preso dentro das dependências do Instituto

Psicanalítico de Berlim.

Como cortesia, Reich demitiu-se do Instituto da Alemanha. Tudo leva a crer que

solicitaram a ele que fizesse isto. Agora, na verdade, há toda uma longa história que vocês

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podem ler, sobre o que aconteceu aos analistas alemães dentro do regime nazista (FALLEND;

NITZSCHKE, 1997). Existem algumas controvérsias sobre se eles cooperaram com os nazistas

ou não. Nitzschke pensa que sim. Colocando todo este episódio dentro de um entendimento,

estou certa de que Ernest Jones (Presidente da Sociedade Internacional de Psicanálise), bem

como os Freuds, pensavam como Winston Churchil naquela época, de que os comunistas

eram mais perigosos do que os nazistas. De qualquer forma, meu pai honrou o pedido de

Eitington, renunciando à Organização Psicanalítica Alemã.

Assim, em 1934, ocorreu um daqueles congressos de verão em Zurich, na Suíça. Nesta

ocasião, meu pai morava na Dinamarca. Ele compareceu ao Congresso inocentemente. Anna

Freud estava na comissão executiva e Jones era o presidente da Sociedade Internacional de

Psicanálise. Então eles disseram a Reich que se ele já não era membro da Organização Alemã

e de nenhuma outra organização local, não poderia ser membro da Sociedade Internacional.

Ele definitivamente não poderia ser um membro. Assim, por um mecanismo criado por eles

pela primeira vez, expulsaram Reich. Eles disseram obviamente que se ele viesse participar de

alguma organização local ele poderia voltar. Porém, um ou dois anos depois, meu pai mudou-

se para a Noruega. Quando os noruegueses solicitaram a formação de uma organização local,

foi negada a eles sua inclusão na Sociedade Internacional de Psicanálise. Consequentemente,

Reich jamais voltou a ser membro desta Sociedade. Percebe-se que tudo isto foi premeditado.

Primeiro, eles pedem a ele que vá embora, depois dizem a ele que é porque não é filiado a

uma organização local. Ele está fora. Esta história está detalhada nos “Fascículos Rundbrief”,

de Fenichel.

É justamente sobre a sequela desta expulsão de Reich que desejo falar a vocês. Eu

estava com meu pai naquele verão. Nós fomos dirigindo nosso carro para a Suíça, através de

uma estrada indireta que não cruzasse pela Alemanha. Pegamos um barco da Dinamarca para

a Bélgica e então fomos dirigindo contornando a Alemanha. Eu passei todo este verão com

meu pai. Ele estava com um humor perfeito, e estava se divertindo muito naquele verão. Mas

depois de ser expulso, ele ficou, conforme meus amigos dizem, “balístico”. Quer dizer, ele ficou

totalmente enfurecido, brigava com minha mãe, brigava com crianças que estavam à volta, e

com certeza com todas as pessoas. Ele ficou realmente muito abalado. Mas como já

mencionei, logo se recuperou usando como sempre seus eficazes e repetitivos mecanismos.

Primeiro, ele formou um grupo para ele na Noruega. Um grupo que, apesar de ter passado

tanto tempo, ainda está vivo e lembra dele afetuosamente. Segundo, ele quebrou a barreira

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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

psicanalítica contra o toque no corpo e se desenvolveu mais em direção à Vegetoterapia, o que

mais tarde envolveu a Bioenergética.

Voltando à nossa história, o que é importante salientar é que os psicanalistas que

apoiavam Reich, Fenichel e todo o grupo de Berlim e mais um grande número de pessoas em

Viena, sentiram-se intimidados. Eles não podiam dizer nada porque ficavam com medo de

serem expulsos também e acredito que este perigo realmente existia. Por isso Otto Fenichel

começou escrever os “Fascículos Rundbriefe”. Eles não tinham xerox, então tinham que

datilografar na máquina de escrever, dez cópias cada vez em papel de seda, e enviá-las aos

seus companheiros da ala marxista da Psicanálise. Isto tudo era feito muito, muito

silenciosamente. Minha mãe foi uma das pessoas que recebeu esses “Fascículos Rundbriefe”.

Muitos anos depois, como ela estava morrendo em sua cama, alguém entrou em seu quarto e

roubou-os, para que eles jamais aparecessem. Esta maneira de como amedrontaram os

analistas da antiga ala esquerdista da Psicanálise pode ser conhecida porque constam dos

“Fascículos Rundbriefe”. O líder deste grupo confessou isto a mim e me trouxe numa sacola de

compras os “Fascículos Rundbriefe”. E foi assim que salvamos estes documentos. Certamente,

devem existir outras cópias, mas eu tenho a posse do exemplar mais completo.

Mas o que aconteceu com o resto dos analistas? Os da ala esquerdista foram

derrubados, porque ficaram realmente amedrontados de serem também expulsos, mas eles

possuíam secretamente os “Fascículos Rundbriefe”. Os outros analistas desenvolveram uma

conspiração em silêncio. Esta história de como Reich foi expulso da Sociedade Internacional,

está escrita exclusivamente nos “Fascículos Rundbriefe”. Se não contasse ali, ninguém jamais

o teria mencionado. Ninguém jamais teria falado sobre o que aconteceu com Reich. Até

mesmo minha mãe sussurrou algo para mim, de que por efeito desta política, eles estavam

muito infelizes.

Houve então uma revisão da história. Ernest Jones escreveu uma biografia de Freud na

qual relata que Reich renunciou à Sociedade Internacional (JONES, 1957). Considerando que

a expulsão foi arquitetada pelo próprio Jones, isto é uma total distorção do que aconteceu na

época. Assim os analistas começaram a reforçar o fato de que Reich era louco e que esta foi a

real razão de ter sido expulso. Devemos lembrar que rotular alguém de louco tinha sido usado

para expulsar outras pessoas da comunidade psicanalítica. Vejamos, por exemplo, “O Irmão

Animal” de Roazen (ROAZEN, 1969). Alguns analistas começaram a espalhar uma história

boca a boca. Era uma típica história vienense de humor. Eles disseram que Reich tinha vindo a

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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

Zurich, colocado uma barraca bem na frente do Congresso e ficado ali com sua amante. Eles

disseram ainda que ele tinha uma enorme faca.

A verdade é muito mais palpável do que a versão que inventaram. Reich não ficou na

frente do hotel, ele estava em um acampamento. A mulher com quem ele estava, não era sua

amante, e sim sua companheira marital. Ele não tinha dinheiro e por isso estava acampado. É

necessário ter uma faca para acampar. Estou querendo dizer que eles inventaram esta história

dentro de um contexto cômico, dizendo que Reich estava acampado na tenda e que até fez

sexo ali. Este era o tipo de clima que pairava naquele meio. Assinalaram inclusive seu

desapontamento após a expulsão, para mostrar o quanto descontrolado ele era. Ninguém

jamais mencionou tudo isto às crianças. Não tínhamos a menor ideia do porque ele estava tão

abatido naquele Congresso. Parecia que, de repente, ele estava explodindo, no seu limite.

Agora, após terem decorrido muitos anos destes acontecimentos, alguns analistas têm

me procurado, e isto é incrivelmente constrangedor. Isto não acontece a mais ninguém, eu

asseguro a vocês. Eles têm uma expressão engraçada em suas faces, um certo ar de cordeiro,

e eles dizem: “Ele era um grande homem. O que aconteceu com ele? Isto não é triste?”

Normalmente você não se dirige e subitamente diz: “Seu pai é um louco”. Você simplesmente

não faz isso. Isso não é polido. Portanto, há uma espécie de pressão por trás disto. Eles têm

que fazer isto. É compulsivo. Eu acredito que isto é culpa, porque todos estavam lá naquele

Congresso. Todos eles sabiam o que aconteceu e ninguém falou sobre o fato. Então eles

começaram a reescrever a história.

Somente mencionarei aqui mais alguns exemplos, além do que já coloquei sobre Jones.

Vou mencionar Richard Sterba que era um grande amigo de meu pai. Existem fotos de uma

viagem que os dois fizeram juntos a uma estação de esqui, acho que em 1931, onde se

percebe estarem se divertindo muito. Richard disse a Myron Sharaf (SHARAF, 1983) que ele

havia tido problemas com Wilhelm Reich desde 1927. Então, o que fazia ele esquiando com

meu pai na década de trinta? Na década de cinquenta, Richard Sterba emigrou para Detroit.

Ele foi a Nova York fazer um artigo (STERBA, 1951). Este artigo está publicado em várias

revistas. Todos vocês podem lê-lo, e constatar que ali está dito que “Análise do Caráter” é um

livro ruim. Sterba disse inclusive que ao ler este livro se pode afirmar que Reich era um

paranoide. Agora, porque Sterba teve que fazer isto? Foi para recuperar sua reputação junto à

comunidade psicanalítica. Pelo fato de ter sido amigo de Reich, era uma pessoa suspeita.

Assim, para ser incluído no grupo de analistas emigrantes da Europa, os quais eram

extremamente próximos a Anna Freud, ele fez este artigo. É realmente um artigo idiota, nada

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interessante. Outra pessoa que revisou a história foi Helene Deutsch, que escreveu uma

biografia intitulada “Confrontações comigo mesma” (DEUTSCH, 1973), na qual ela diz o quanto

se relacionou bem com Anna e Sigmund Freud, e o quão terrível era Wilhelm Reich. Porém,

Sharaf afirma que embora Helene considerasse Reich um fanático, ela aproveitava muito de

seus Seminários sobre técnicas (SHARAF, 1983). Pois bem, mais tarde ela morreu, livros

apareceram sobre ela com cartas suas. Roazen escreveu um livro sobre sua biografia

(ROAZEN, 1969). Aparentemente ela estava encontrando problemas com Anna Freud e com o

próprio Freud, tendo incusive que se mudar de cidade. Está claro que Helene Deutsch deixou

Viena e foi para Boston em 1933 porque não se sentia confortável com o grupo de pessoas

que Anna tinha formado ao redor de Freud, nos seus últimos anos. Está também documentado

que Deutsch assistiu os Seminários sobre técnicas em Viena, com meu pai, tendo gostado

muito de participar.

O último incidente de que desejo falar é quando Myron Sharaf e eu fomos convidados

pela Sociedade Americana de Psicanálise, em abril de 1986, para participar de um painel sobre

a história da Psicanálise. Os filhos dos psicanalistas de Viena foram convidados a falar sobre

seus pais. Eles convidaram os filhos de Reich, Bernfeld e Ernest Khris. Na curta palestra que

fiz, mencionei como Waelder não publicou o artigo de Reich sobre masoquismo, e assim eu

continuei minha fala. Quase no fim do painel, um analista da Filadélfia chamado Gutmacher,

um aluno de Waelder recentemente falecido, levantou-se e disse: “Você não deixou algo fora

disto?” Eu respondi “O quê?” Eu não sabia sobre o que ele estava falando. Ele então disse:

“Reich era louco. Isto é o que você deixou fora”.

Novamente, julguei aquilo tão inoportuno. Mas me dei conta somente depois que ele fez

aquilo porque eu havia atacado Waelder por não publicar o artigo sobre masoquismo. Ele era

apenas um aluno de Waelder. Na ocasião eu não entendi bem o que estava acontecendo.

Porém, quando fui ouvir novamente a fita do painel, fiquei desapontada ao constatar que,

justamente no momento em que este incidente acontecia, eles trocavam a fita, de forma que

nada ficou gravado.

Agora, por que estavam todos tão preocupados com Reich? Que clima havia para

estarem todos tão silenciosos? Será que revisar a história os dissociava de Reich? Temos que

entender a tremenda agitação que se encontrava na Europa na época. Os nazistas estavam no

poder, pessoas estavam sendo presas, comunistas estavam promovendo ativamente

revoluções. Os analistas, por sua vez, estavam amedrontados. Mas alguma coisa estava

acontecendo na comunidade psicanalítica. O período de ortodoxia tinha iniciado em 1911

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(BERGMAN,, 1997), mas, ultimamente, nas épocas de vinte e trinta, os problemas de ortodoxia

tinham a ver com Anna Freud. Anna Freud estava sendo preparada para assumir a Sociedade

Psicanalítica de Viena e depois a Internacional. Ela estava sendo ajudada por Freud para

consolidar seu poder. Mas Anna tinha também sua personalidade, digamos assim, sua

desordem. Ela realmente tinha que ser a número um (YOUNG-BRUEHL, 1988). Isto é, ela

parecia ser uma pessoa muito retraída, não demonstrando jamais ser tão manipulativa e

determinada, e o quanto era importante ser a número um e adorada por todos. Portanto, se

você não aderisse a ela e não ficasse à sua volta, você estava fora. Por exemplo, Richard

Sterba estava fora, mas todas as pessoas em Viena que estavam dentro, eram seus grandes

amigos.

Quando Anna Freud chegou à Inglaterra, estes seus traços de personalidade

apareceram mais claramente. Tornou-se óbvio para todos, inclusive para Ernest Jones, que a

havia defendido anteriormente. Quando Anna chegou à Inglaterra, descobriu que Melanie

Klein, sua grande rival em análise de crianças e com quem ela havia tido diferenças teóricas e

técnicas, lá estava e era admirada por todos. Anna começou fazer a mesma coisa: ou você é

leal a ela ou você não é um analista. Isto era o que ela havia feito, de forma sutil, em Viena.

Mas agora ela o fazia abertamente. Bem, os ingleses são muito mais democráticos e não

aceitaram isto. Assim, o que aconteceu foi que um grande grupo de analistas ligados a Anna,

resolveram seguir Melanie Klein. Anna Freud isolou-se em Hempstead, pois seu verdadeiro

grupo analítico estava nos Estados Unidos. O grupo de analistas ingleses que restou, tornou-se

o que chamamos de grupo do centro. Eles não quiseram fazer parte deste partidarismo.

Agora, retornando aos acontecimentos de Viena, devo dizer que meu pai não era um

tipo de pessoa para jogar em equipe. Ele também tinha que ser o número um. Como falamos

antes, Anna parecia quieta e retraída. Fenichel escreveu nos seus “Fascículos Rundbriefe” que

no Instituto de Viena havia um corredor. No fim deste corredor, havia uma sala de aula na qual

Anna Freud lecionava o que mais tarde tornou-se “O Ego e os Mecanismos de Defesa”. Numa

outra sala, Reich lecionava o que mais tarde tornou-se “Análise do Caráter”. Ambos davam

aula na mesma hora. Você não podia assistir às duas aulas, você teria que escolher uma ou

outra. Como estes dois livros têm diferentes abordagens sobre a teoria da estrutura do caráter,

pode-se perceber olhando em retrospectiva, como havia ainda em Viena, um espírito político –

ideológico sobre a teoria. Por esta razão é que Helene Deutsch, que assistira os seminários de

meu pai, teve que voltar atrás para recuperar sua respeitabilidade perante o grupo.

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A crença de ter que seguir uma facção teórica estendeu-se por Nova York nos anos

cinquenta. Quando eu estava em treinamento no Instituto de Psicanálise em Nova York,

Melanie Klein era simplesmente um nome ruim. Ela não era lida, era olhada de baixo para

cima, enquanto Anna Freud era considerada um grande guru. Agora Melanie Klein está sendo

prestigiada e vista com a precursora da atual teoria das relações objetais, a qual está muito

próxima do que aceito hoje na Psicanálise. Anna Freud ficou ocupada com os psicólogos do

Ego e agora seu trabalho tem sido citado.

Havia também contratransferências ocultas em Anna Freud que a levaram ao seu

intento de se ver livre de Wilhelm Reich. Na verdade nos círculos de Viena ela era conhecida

como a “dama de ferro” e algumas vezes a “virgem de ferro”. Ela não tinha nenhum parceiro

sexual conhecido na época em que Reich a conheceu. Algumas pessoas pensam que mais

tarde Dorothy Burlingham tornou-se sua amante. Entretanto, outros pensam que este

relacionamento nunca foi sexual, embora elas acabassem por viver juntas. De qualquer forma,

não importa saber isso agora. O que é certo e que Anna nunca teve um amante homem. Isto

está definido. Agora, na época em que meu pai era membro da comunidade psicanalítica, tanto

Sigmund como Anna valorizavam o que é chamado de sublimação através do trabalho. Você

não precisaria ter uma manifestação sexual expressa. Você poderia sublimar isto. Por exemplo

em “The last Tiffany”, está claro que Dorothy Burlingham desejava seu marido, desejava fazer

sexo. Os Freuds trabalharam incessantemente para manter Dorothy separada de seu marido.

Eles diziam: “Não, você não precisa de sexo. Você pode trabalhar duramente e não precisa

fazer sexo.” Freud disse isso para Robert Burlingham quando ele veio para a entrevista. A

ênfase de Anna era nas defesas contra o instinto. Portanto, estou certa de que ela sentiu-se

pessoalmente atacada por Reich, que estava dizendo que se não tivesse um orgasmo

completo, você era neurotic, e mais, que um orgasmo incompleto era causa de neurose. Aqui

temos uma mulher que não tinha orgasmo. Segundo Young-Bruehl, Anna, quando jovem,

apresentava problemas de masturbação, e por isso Freud colocou-a em análise. Estou

querendo dizer que, na verdade, os dois formavam um par muito antiquado. Entretanto, Freud

modificou-se em relação a seus primeiros interesses. De acordo com as cartas completas de

Freud para Fliess (MASSON, 1985), quando ele se casou tinha muitos problemas sexuais.

Então começou a sonhar com uma sociedade onde homens e mulheres pudessem ter acesso

ao contato sexual limpo, com parceiros limpos. Lembrem que a sífilis era uma grande

preocupação na época. Assim as ideias originais de Freud sobre sexualidade eram muito mais

próximas da promulgação da liberdade sexual para os jovens, do que o que Freud acreditou

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mais tarde. Quando Freud estava na década de seus sessenta anos, ele não mais estava

interessado em sexo.

Peter Heller fala da férias de Anna Freud em Grüner See em 1930 (HELLER, 1990). Ela

estava de um lado do lago e no outro lado estavam analistas jovens fazendo sexo. Ela

desaprovou muito o fato. Ele está se referindo a Berta Borstein e Fenichel, fazendo sexo num

barco no meio do lago. Podemos concluir que estes dois são muito diferentes de Anna Freud.

Infelizmente para Reich, sua chegada à Psicanálise ocorreu no momento em que toda a teoria

sobre sexualidade estava mudando, e principalmente enfatizava-se a modificação na

exploração do Ego. Para Anna, a teoria de Reich deve ter significado que ela não era normal.

Outra causa da contratransferência de Anna em relação a Reich foi o complicado

relacionamento com seus pacientes crianças. No meu entendimento, após ter lido a biografia

de Young-Bruehl e o livro de Burlingham, concluí que Anna era uma pessoa possessiva, que

desejava manter certas pessoas só para ela, separando-as de seus outros rivais. Mas

naturalmente esta é uma apreciação extrema, sendo estas características expressadas por ela

de forma muito sutil. Anna Freud desenvolveu teorias sobre técnicas analíticas de crianças nas

quais diz que a criança não é uma pessoa adulta e por isso o analista também educa a criança,

o que de fato faz melhor que os pais.

Para ilustrar, existem algumas semelhanças entre o que aconteceu com minha família e

com a família Burlingham. Anna Freud começou a analisar todas as quatro crianças dos

Burlinghams, ao mesmo tempo em que também iniciava a mãe das crianças. Os Freuds

trabalhavam intensamente para conseguir manter as crianças afastadas de seu pai Robert

Burlingham. Porque ele era “louco”. Ele aparentemente tinha um distúrbio bipolar e por isso foi

julgado ser prejudicial para as crianças terem qualquer tipo de relação com o pai. Para mantê-

lo longe, Anna escreveu a Robert dizendo que suas visitas à América para ver seus filhos

tinham abalado muito as crianças e que ele deveria manter-se longe delas. Anna inclusive

colocou Dorothy em análise com Freud. Cerca ocasião, saíram de férias juntos, Freud, Dorothy

e Anna. Esta intimidade não tinha nada a ver com a neutralidade que a técnica psicanalítica

pregava na época. Quando Robert vinha falar com Freud, este explicava-lhe que ele (Freud)

estava ajudando Dorothy a superar sua necessidade sexual por Robert. As crianças nunca

superaram seu conflito por terem se separado de seu pai.

Infelizmente esta história é similar ao que aconteceu em minha família. Minha mãe

estava em análise com Anna Freud, eu acho que em 1927. Anna dizia a ela para abandonar

sua atividade sexual com Reich por que ele era “louco”. Anna aconselhou minha mãe a não ter

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seu segundo filho, que sou eu. Minha mãe desafiou Anna e voltou para meu pai em 1931, pois

tinham se separado. Eu acredito que minha mãe precisou lutar muito após este fato, para

manter-se dentro de um círculo interno dos analistas vienenses.

Minha irmã, felizmente não eu, foi encaminhada para analise com Berta Bornstein, a

qual eu descobri, estava em supervisão com Anna Freud. Não havia ninguém mais que

pudesse ser seu supervisor. Minha irmã contou-me que sua análise consistia em Berta dizer a

ela, o tempo todo, que meu pai era “louco”. Todo o tempo repetia isto. Assim era a análise. Eu

me lembro que quando minha irmã estava por volta de seus vinte anos, minha mãe, minha

irmã, Berta Bornstein e eu fomos escalar uma montanha. Mesmo ali Berta seguia: “Vocês

vêem, ele é louco. Vocês não vêem agora?” Minha irmã finalmente ficou muito brava, e cuspiu

nela. Continuando a analogia da situação dos Burlingham com a nossa, Berta Bornstein

escreveu ou telefonou a meu pai porque estava interferindo na análise de Eva. Como ele era

um homem que honrava compromissos, ingênuo, e não chegado a manipulações, aceitou

aquilo. Ele até mesmo falou: “Eu não quero interferir na análise.” Isto teve um efeito bastante

desastroso em mim, pois meu pai simplesmente desapareceu de minha vida por alguns anos.

Eva não tinha muitos motivos neuróticos e pessoais, o que a impediu de se livrar de Wilhelm

Reich. Ao mesmo tempo, seus traços de personalidade tornaram a situação mais difícil, porque

outros analistas mantiveram com ela a mesma posição em relação a ele.

REFERÊNCIAS

BERGMAN, M. The historical roots of Psychoanalytic orthodoxy. International Journal ofPsychoanalysis, v. 78: 69ff, 1997.

BURLINGHAM, M. The Last Tiffany: a biography of Dorothy Tiffany Burlingham. New York:Atheneum, 1989.

DEUTSCH, H. Confrontations with myself. New York: W. W. Norton & Co., 1973.

FALLEND, K. Wilhelm Reich in Wien: Psychoanalyse und Politik. Salzburg: Geyer, 1988.

FALLEND, K.; NITZSCHKE, B. Der Fall Wilhelm Reich: Beitrage Zum Verhaliniss vonPsychoanalyse um Politik. Suhrkamp tashenbuch, n. 1285, 1997.

HELLER, P. A child analysis with Anna Freud. Connecticut: International Universities, 1990.

JONES, E. The life and work of Sigmund Freud, v. III. New York: Basic Books, 1957.

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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

MASSON, J. (Ed.). The complete letters of Sigmund Freud to Wilhelm Fliess (1887-1904).Massachusetts: Harvard University, 1985.

REICH, W. Character Analysis. 3rd ed. New York: Orgone Institute, 1949.

ROAZEN, P. Brother animal: The story of Freud and Tausk. New York: Knopf, 1969.

SHARAF, M. Fury on Earth: a biography of Wilhelm Reich. New York: St. Martins, 1983.

STERBA, R. Charater Resistance. Psychoanalytic Quarterly, XX: 72ff, 1951.

STERBA, R. Erinnerungen eines Wiener Psychoanalytikers. Frankfurt Am Main: S. Fischer,1985.

YOUNG-BRUEHL, E. Anna Freud: a biography. New York: Summit Books, 1988.

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REICH, W. Reich fala sobre a teoria da libido de Freud. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

REICH FALA SOBRE A TEORIA DA LIBIDO DE FREUD1

Wilhelm Reich

DR. REICH: Sabe quem tem mantido a teoria da libido viva e em funcionamento, atualmente?

E quem a desenvolveu? Considero-me o único que fez isso. Mais ninguém. Isto é claro? Quero

isto bem claro na gravação. Reivindico isso. Não sou psicanalista2. Não estou interessado em

Psicanálise. Não tenho qualquer animosidade contra ela. Não tenho qualquer má vontade

contra ela – de modo algum. Está tudo morto e enterrado. Mas uma coisa é certa, e isso, penso

que deveria ser focado aqui. Era também um ponto de frequente discussão com Freud. Refiro-

me à relação do quantitativo ao qualitativo. Para ele, uma das suas maiores descobertas era

que uma ideia não é ativa em si mesma, mas porque tem uma certa catexis de energia, isto é,

tem uma certa quantidade de energia que lhe está associada. Nisto, ele tinha unido o

quantitativo e o qualitativo. Fez o mesmo quando afirmou que a neurose tem um núcleo

somático. Mas o quantitativo, o ângulo da energia, era apenas um conceito. Não era realidade.

Agora, enquanto a organização psicanalítica desenvolveu o ângulo qualitativo, isto é, as ideias,

a sua interligação, etc., eu retomei o ângulo da energia. Tinha de me apoiar na teoria da libido,

compreende, não só porque era verdadeira, mas porque eu necessitava dela. Necessitava dela

como um instrumento. Conduziu à esfera fisiológica. Isso significa que o que Freud chamou

libido, não era nada de químico3, mas um movimento do protoplasma. Compreende?

ENTREVISTADOR: Sim.

DR. REICH: Se uma ameba quer alcançar alguma coisa, estende-se. Certo? Se tem medo, o

que ela faz? Encolhe-se. Contrai-se. Certo? Ora, isso era a teoria da libido conforme a

1 Trecho da entrevista extraído do livro “Reich fala de Freud”.2 Não ponho qualquer espécie de objeções a que alguém ligue os conceitos ideacionados de Freudsobre a energia psíquica com a minha descoberta. Eu próprio o fiz. Contudo, devo precaver-me contraqualquer tentativa para me referir na história como um freudiano ou como uma das muitas escolaspsicoterapêuticas originadas na supressão do nervo vital da teoria freudiana, a saber, a teoria da libido.A atual descoberta da energia cósmica, não tem absolutamente nada a ver com Freud. É exclusivamentede minha responsabilidade, e tenho que estar atento uma vez que as consequências desta descobertasão tão graves, permanecendo apenas nos meus ombros (REICH, 1956).3 Sabemos que os mecanismos das psicoses não são diferentes, em essência, dos das neuroses, masnão temos à nossa disposição a estimulação quantitativa necessária para os modificar. Aqui, aesperança para o futuro, reside na química orgânica, mas deveria estudar-se analiticamente cada casode psicose porque este conhecimento orientará um dia a terapia química (Freud numa cara a MariaBonaparte, 1930).

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REICH, W. Reich fala sobre a teoria da libido de Freud. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

desenvolvi, como uma função real, fisiológica. E daqui resultou a descoberta da energia

orgone.4 Agora, tenho que dizer algumas palavras sobre esse assunto: não me parece que haja

muitos analistas que apreciem a maior realização de Freud, a descoberta da energia psíquica.

Não me parece que haja muitos que saibam o que isso significa. E ontem eu disse porque é

que eles não sabem. Poucos deles têm experiência científica natural ou capacidade para

pensar de um modo científico natural. Não me refiro apenas a pensamento psicológico. É muito

mais. Freud era um cientista natural neste sentido. Ele pensava em termos de quantidade,

energia, catexis de libido nas ideias. Foi aqui que a organização psicanalítica se revelou

completamente limitada, completamente limitada. E foi aqui que eu me agarrei. É isso que eu

devo a Freud na descoberta da Energia Vital. O que Freud chamou a libido no interior do

organismo é também uma realidade no exterior do organismo. Pode observar-se isso nos

aparelhos. O azul da atmosfera é energia orgone.

É uma realidade. Foi descoberto com base na libido original de Freud, com base no

princípio da energia. Nas minhas discussões com Freud, o problema do conteúdo e da catexis,

a relação entre a ideia e a quantidade de energia que lhe está ligada, eram pontos cruciais. O

ângulo sexual era importante porque a excitação genital é o melhor exemplo dessa energia.

Quando da ereção do pênis, algo de físico acontece. Assim, eu não continuei na teoria da libido

por ser um partidário especial do sexo no sentido usual do termo, mas porque se tratava de um

princípio científico natural da quantidade de energia e do funcionamento objetivo. Eu já nem

sequer me considero um discípulo de Freud. Não tenho nada a ver com ele há muito tempo.

Teria mesmo muita razão para estar zangado com ele. Ele não se portou muito bem em 1933 e

1934 quando eu estive em apuros. Enquanto eu defendia o seu trabalho, ele não quis me

apoiar. Recusou-se.

Mas isso não conta, de forma alguma, do ponto de vista concreto, científico, do conjunto

da questão. É o fator quantitativo, o princípio da energia que eu devo a Freud, e é esse

princípio que me separa dos psicanalistas. A Psicanálise é uma Psicologia de ideias, enquanto

a Orgonomia é uma ciência da energia física, energia física no interior do organismo e no

exterior do organismo. Estou me expressando de modo a que mesmo quem não está por

dentro da questão consegue compreender do que se trata?

4 A questão básica de toda a Biologia é a da origem dos impulsos internos do organismo vivo. Ninguémduvida do fato de que a diferença entre o vivo e o não-vivo reside na origem interna dos impulsosmotores. Este impulso interno só pode ser devido a uma energia em funcionamento dentro doorganismo. (Reich em “A biopatia do câncer”).

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REICH, W. Reich fala sobre a teoria da libido de Freud. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

ENTREVISTADOR: Sim.

DR. REICH: A libido a que Freud se referiu de modo hipotético e que ele sugeriu pudesse ser

de natureza química, é uma energia concreta, algo de muito concreto e físico. Encontra-se na

atmosfera e pode ser concentrada num acumulador de energia orgone. Vou dar-lhe um folheto

sobre isso. Já ouviu falar disso?

ENTREVISTADOR: Sim.

DR. REICH: Portanto não se trata de Psicanálise. Não tem nada a ver com Psicanálise. Mas a

teoria psicanalítica da libido, a teoria da energia psíquica, foi um passo decisivo na descoberta

que eu fiz5. Agora, queria ter a certeza de que não dou a impressão de tentar depreciar ou

rebaixar os psicanalistas. Não é verdade. Como lhe disse, não estou absolutamente nada

interessado em Psicanálise. Aquilo em que estou interessado é como a Energia Vital, que está

dentro do indivíduo e fora do indivíduo, funciona dentro dele e através dele, sobre o mundo.

Por exemplo, como é que ela funciona através de você, como psicanalista, sobre o seu

paciente? Aquilo que automaticamente funciona em você é o que chamo de bioenergia. É algo

de concreto. A libido, contudo, era apenas um termo para designar um conceito. A energia vital

é algo que se pode ouvir no laboratório. Pode se ouvir soar em instrumentos. É este o

significado da transição da teoria da libido para a energia física concreta. Aquilo em que estou

interessado é saber como é que esta energia que existe fora de você, na natureza, e dentro de

você, e que funciona dentro de você, influencia o seu paciente. Se, como psicanalista, essa

energia dentro de você for contrariada, genitalmente frustrada, então todo o seu sistema de

pensamento será diferente do da pessoa em que ela não for contrariada. O modo como olha o

mundo e o modo como o vê, serão diferentes. Aqui, estamos de novo falando do caráter genital

e do caráter neurótico. No caráter genital, esta energia, esta energia objetiva, cósmica,

funciona livremente. Flui livremente. Há contato. Num caráter neurótico, ela está contrariada e

bloqueada. Agora, saber se o psicanalista é, ou até que ponto é, um caráter neurótico,

5 A ênfase que tenho posto na teoria da libido de Freud, como precursor hipotético da descoberta atualda energia vital cósmica, deve-se ao fato de que, como psicanalista, trabalhei prática e clinicamente comisso durante doze anos, e assim, cheguei à minha própria descoberta no decurso de acontecimentos econflitos dentro do movimento psicanalítico. Contudo, eu podia ter desenvolvido a minha descoberta daenergia vital tanto a partir da enteléquia de Driesch ou do élan vital de Bergson, como a partir dequalquer dos ramos bioquímicos da Ciência, se tivesse acontecido de eu trabalhar, na prática, emqualquer destes campos. Idênticos conflitos teriam surgido para libertar os meus pensamentos. Issosignifica que houve muitos precursores da minha descoberta (REICH, 1954).

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

REICH, W. Reich fala sobre a teoria da libido de Freud. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

determina o modo como ele avalia o meu trabalho. Vai determinar se ele me calunia ou não, se

pensa que eu sou um psicopata, ou se pensa que eu sou um indivíduo bem normal e alegre, ou

um indivíduo que é aberto e natural, etc. Compreende o meu ponto de vista? Não me

interessam estes distúrbios dos psicanalistas, em si mesmos, ou por eles terem me feito isto ou

aquilo. Só me interessa de que maneira eles são reprimidos e frustrados, porque a deformação

da força vital na Psicanálise foi responsável pela degeneração do trabalho de Freud. Ficou

claro isso?

ENTREVISTADOR: Sim.

DR. REICH: É nisso que estou interessado. A mesma deformação da força vital teve lugar em

todos os movimentos – no movimento cristão, no movimento marxista, em qualquer

movimento, compreende? Contudo, o que é significativo na Psicanálise é que Freud foi o

primeiro a abordar a energia vital como hipótese. Foi o primeiro a abordar a questão, embora

apenas como um conceito. Antes dele era uma conjectura. Era apenas uma ideia, como a

enteléquia. Mas Freud, com a sua penetrante exposição do princípio de uma energia psíquica,

abordou a energia vital no organismo, como um conceito real. Ora, é aqui que eu entro. Isto

está claro? Dali em diante, avançou-se diretamente até a energia cósmica, mensurável no

contador Geiger, visível no azul da atmosfera. É por isso que é importante saber se um

psicanalista mancha o meu nome ou se ele sabe o que estou fazendo. Se mancha o meu

nome, está simplesmente doente. Há energia vital reprimida dentro dele. Tenta fazer ao meu

trabalho o que fez ao trabalho de Freud, destruindo a teoria da libido. Os psicanalistas terão

consciência de que a teoria da libido está morta na sua organização?

ENTREVISTADOR: Não, penso que não. A maioria deles, penso eu, não admitiria isso.

DR. REICH: Não admitiriam isso?

ENTREVISTADOR: Penso que não.

DR. REICH: Não há dúvidas a esse respeito. Pense num artigo como o de Sterba sobre o meu

trabalho, no qual exclui completamente a questão crucial do orgasmo. Oh, sim, sei que eles

falam de anal e oral, etc. Não é essa a questão, compreende? A questão é compreender o

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REICH, W. Reich fala sobre a teoria da libido de Freud. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

significado da teoria da libido. Com a teoria da libido, a Psicologia ligou-se à ciência natural

pela primeira vez na história da Ciência. Não sei se está realmente compreendendo.

ENTREVISTADOR: Sim.

DR. REICH: Está compreendendo? Está compreendendo que, antes de Freud a Psicologia era

algo que estava longe da Ciência natural? Ainda está para muitos, para a maioria. E o que

estou dizendo-lhe agora é fundamental. Pela primeira vez na história da humanidade, a mente

foi incorporada, pelo menos teoricamente, à natureza em geral. Faço-me entender agora?

ENTREVISTADOR: Sim.

DR. REICH: Foi aqui que eu entrei. Tornei-a real6 através da descoberta da teoria do orgone. E

é por isso que eu digo que a teoria da libido está morta. Nada lhe aconteceu. Ninguém fez

nada com ela. Falar acerca de coisas orais e anais não significa teoria da libido. Para Freud a

teoria da libido, era, como pode ver em “Para além do princípio do prazer” e em outros

trabalhos, algo de muito básico e muito profundo. E, aqui, uma parte da sua tragédia começa.

Aqui, também, estava o seu interesse pelo meu trabalho. Ele sabia que eu tinha espírito

científico, isto é, basicamente orientado para processos naturais fundamentais. O

funcionamento genital numa pessoa é uma expressão da sua energia vital. Se apresenta

distúrbios, como é o caso do psicanalista médio, ela não funciona e não pode pensar de uma

6 O que a teoria psicanalítica chama Id é na realidade a função orgone física no biossistema. O termo Idexprime, de um modo metafísico, o fato de que há no biossistema algo cujas funções são determinadasfora do indivíduo. Este algo, o Id, é uma realidade física: a energia orgone cósmica. O sistema orgonóticovivo, o bioaparelho, não representa senão um estado especial de energia orgone concentrada. Numapublicação recente, um psicanalista descreveu o orgone como idêntico ao Id de Freud. Isto é tão corretocomo a contenda que diz que a enteléquia de Aristóteles de Driesch é idêntica ao orgone. É verdade,com efeito, que os termos Id, enteléquia, élan vital e orgone descrevem a mesma coisa. Mas simplificam-se demasiado as coisas com tais analogias. O orgone é uma energia visível, mensurável e aplicável denatureza cósmica. Conceitos como Id, enteléquia ou élan vital por outro lado, são apenas a expressão deindícios da existência de tal energia. As ondas eletromagnéticas de Maxwell serão o mesmo que asondas eletromagnéticas de Hertz? Sem dúvida que são. Mas com as segundas podem transmitir-semensagens através dos oceanos, enquanto que com as primeiras não. Tão corretas equações nãomencionando as diferenças práticas servem a função de verbalizar incorretamente grandes descobertasem Ciência natural. São tão pouco científicas como o sociólogo que, numa publicação recente, se referiuao orgone como uma hipótese. Com hipóteses, com coisas como o Id ou a enteléquia não é possívelcarregar-se corpúsculos sanguíneos ou destruir tumores cancerosos; com a energia orgone é possível(“Análise do Caráter”).

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forma bioenergética. Não pode pensar dessa maneira. E então ela odeia. Ora, isto é a raiz do

ódio e da difamação que me foram dirigidos.

ENTREVISTADOR: Acha que Freud abandonou a teoria da libido?

DR. REICH: NÃO, nunca, nunca! Simplesmente ELE NÃO CONSEGUIU AVANÇAR MAIS NO

SEU CAMINHO. Ficou bloqueado. Acredito que esse caminho era o meu caminho, o caminho

por onde eu enveredei com tanto sucesso. Tive que penetrar na Análise do Caráter, nas

emoções, nas ansiedades do prazer, nas direções opostas do fluxo de bioenergia no

organismo, e a partir dali no movimento plasmático – sim, na ameba -, e depois, na energia

orgone exterior. Libido enquanto realidade cósmica física – é isto o meu trabalho. Freud

forneceu o conceito. Foi aqui que ele entrou. Isto, a meu ver, foi a sua maior proeza. Ele era

um homem extraordinário, um homem extraordinário.

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VOLPI, S. M. O espectro do crescimento: contato, comunicação, independência,produtividade, autonomia, identidade. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

O ESPECTRO DO CRESCIMENTO: CONTATO, COMUNICAÇÃO, INDEPENDÊNCIA,PRODUTIVIDADE, AUTONOMIA, IDENTIDADE

Sandra Mara Volpi

Quando observamos o crescimento físico de um indivíduo, esteja ele no útero materno

ou vivendo os dias de sua infância e puberdade, constamos uma progressão em seu peso, em

sua estatura, em seu volume corpóreo. Se ampliamos nosso foco de observação e incluímos a

cognição, no sentido que lhe cabe ao promover a apreensão do mundo, estaremos frente a

frente com a aquisição, o refinamento e a manutenção de habilidades, na interação do

indivíduo com o ambiente a seu redor, estabelecendo aprendizagens. Já em termos

emocionais, o crescimento liga-se ao amadurecimento, ao desenvolvimento, focalizado de

maneira particular nos vínculos estabelecidos entre pessoas, que modulam uma forma única e

típica de se relacionar.

Assim, o crescimento de um indivíduo, da concepção às etapas finais de sua vida, é

demarcado por sucessivos momentos de mudança. Da fusão com o organismo materno, nasce

a possibilidade de estabelecimento de um indivíduo único, independente e autorregulado. Por

meio do funcionamento particular de seu organismo, o qual inclui tanto aspectos fisiológicos

quanto psicológicos, revela-se seu temperamento e, da interação com seu entorno –

adicionando-se dessa maneira, aos aspectos fisiológicos e psicológicos, também os sociais –,

delineia-se uma personalidade e um caráter específicos. O caráter, por sua vez, será

observável em seu corpo – instância última do contato e da inter-relação entre indivíduo,

mundo interno e mundo externo – na medida em que se adapta ao meio, desenvolvendo

padrões de tensão perante situações de ameaça, ou mantendo-se saudável o tônus muscular,

quando a segurança é preservada. O caráter também transparece na forma do indivíduo agir e

reagir (REICH, 1998; VOLPI, 2004) e nas particularidades que assumem os vínculos que

estabelece – consigo próprio e também com o ambiente em que se insere.

Crescimento e desenvolvimento são então sinônimos de progressão, evolução,

expansão, aperfeiçoamento. As aquisições nesse processo evolutivo são de vários níveis – do

motor ao afetivo, passando pelas conquistas intelectivas, e levando a uma mútua adaptação

entre indivíduo e sociedade.

A Psicologia Corporal é porta-voz de uma visão do crescimento que engloba corpo,

mente e energia. Crescer, nesse sentido, é um processo fisiológico, cognitivo e emocional, não

havendo hierarquia entre esses processos ou a concepção de uma maior importância de um

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VOLPI, S. M. O espectro do crescimento: contato, comunicação, independência,produtividade, autonomia, identidade. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

em detrimento dos demais. Enquanto o corpo cresce e o organismo aperfeiçoa-se, a emoção e

a razão também amadurecem, havendo entre essas instâncias uma ligação intrínseca,

representada, segundo esta abordagem, pela energia.

A compreensão do funcionamento da natureza em termos de energia é, na teoria da

Psicologia Corporal, um recurso atemporal na apreensão das nuances do desenvolvimento

humano. Como natureza, o ser humano também é energia. Esta flui concomitantemente ao

crescimento orgânico ou se depara com bloqueios, erigidos como defesas ao longo dos

períodos gestacional, da infância e da adolescência, que atingem igualmente psiquismo e

corpo.

Ao falar em energia, lança-se mão do conceito de autorregulação, que, em termos

reichianos (REICH, 1983), é compreendido como a força do organismo livre de

encouraçamentos e biopatias para reconhecer em si as necessidades naturais e operar sobre o

meio de forma a alcançar a satisfação de tais necessidades. Infelizmente não demora a ocorrer

que qualquer ser humano perca tal capacidade, dada a educação compulsiva a que é

submetido em sua infância e adolescência.

No início da vida de um bebê, a energia está inteiramente voltada para o seu

crescimento físico, crescimento este que é próximo-distal (do interno para o externo) e céfalo-

caudal (da cabeça em direção aos pés). O desenvolvimento físico, que jamais pode ser visto

em separado do desenvolvimento psíquico, do social ou do cognitivo, direciona a energia para

pontos no corpo que, sucessivamente, carregam-se, encontram-se com as respectivas funções

vitais, assumem componentes afetivos e finalmente podem se descarregar.

Desde Freud (1987) descrevem-se relações entre as funções vitais, o caminho da

erogeneidade e o desenvolvimento da sexualidade: amamentação, boca e prazer no chuchar;

controle esfincteriano, esfínceres anal e vesical e prazer na retenção e no controle da urina e

das fezes; genitalidade, órgãos sexuais, descoberta da diferença sexual anatômica, prazer na

masturbação e, mais tarde, na relação genital.

Especifiquemos estas ideias: a sexualidade humana, nos primórdios de seu

desenvolvimento, é constatada como uma função que nasce apoiada em uma das funções

somáticas vitais – fome, sede, excreção – tornando-se sua satisfação gradativamente

independente destas, segundo o avanço do desenvolvimento. Dessa maneira, a sexualidade

migra entre determinadas regiões do corpo, denominadas zonas erógenas: boca, esfíncteres

anal e vesical. Em diferentes etapas do desenvolvimento, em concordância com a função

somática central a cada momento, o potencial prazeroso se localiza em uma mucosa

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específica – cavidade bucal e paredes internas dos esfíncteres – e se realiza por meio desta,

ainda de uma forma autoerótica, ou seja, a sexualidade, em cada um destes momentos “[...]

satisfaz-se no próprio corpo [...]” (FREUD, 1987, p. 169). Também os primeiros contatos com o

prazer genital, na infância, são autoeróticos, incluindo os órgãos genitais igualmente como

zonas erógenas no espectro da sexualidade. As funções, as zonas erógenas e suas mucosas

podem ainda tornar-se sensíveis em seu conjunto, reservando ao corpo como um todo o

potencial de proporcionar prazer. Num primeiro momento, exatamente aquele que coincide

com o autoerotismo, a sexualidade é considerada pré-genital; passa a ser genital a partir da

adolescência, ao se completar a maturação sexual e se concretizar a satisfação sexual na

relação com um parceiro. A sexualidade genital encontra plena expressão quanto mais o

amadurecimento psicológico e emocional acompanhar o amadurecimento fisiológico, tornando-

se, então, mais que uma nova perspectiva, uma realidade na vida do indivíduo, altamente

significativa na composição de sua identidade e na manutenção de sua saúde integral.

Retomando a sexualidade pré-genital, há que se sublinhar que o fato de o

desenvolvimento psicossexual apoiar-se primeiramente na nutrição, posteriormente no controle

dos esfíncteres e finalmente na estimulação genital encontra explicação na própria maturação

do sistema nervoso: o ser humano nasce com diversas funções ainda por se desenvolver e se

especializar, situação esta que é compatível com um cérebro cujo volume é passível de

completar a travessia pelo canal vaginal no momento do parto (PAPALIA; OLDS; FELDMAN,

2006). À medida que estas funções vão amadurecendo, refinando-se e se especializando, o

controle motor e o desenvolvimento psicológico permitem que, de ações do organismo cujo

objetivo é, antes de tudo, garantir a sobrevivência e atender a necessidades fisiológicas –

inicialmente no âmbito de uma relação de dependência com a pessoa que cumpre as tarefas

de cuidado infantil –, evolua-se para a autorrealização, integrando cada vez mais o indivíduo à

sociedade, com qualidade de vida, rumo à independência, à autonomia e a uma identidade

estabelecida.

Já o fato de que as funções de alimentação, controle de esfíncteres e estimulação

genital sejam fundamentais na eleição da boca, do ânus e do canal vesical, e dos órgãos

sexuais como zonas erógenas baseia-se na riqueza da vascularização de tais regiões e na

consequente intensidade de estimulação que estas regiões encontram em sua proximidade

com a epiderme e no contato com outros organismos, especialmente na amamentação e na

relação sexual entre parceiros (REICH, 1975; 1995). Daí Reich (1995) haver definido os órgãos

sexuais como especializados na descarga da energia do organismo. A seu tempo, estes

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cumprem tal função mais que qualquer outro órgão do corpo, tendo sido precedidos, nas fases

pré-genitais do desenvolvimento psicoemocional, pela boca, pelo ânus e pelo canal vesical,

bem como pelos próprios genitais, sendo estes experimentados, na infância, por meio de uma

estimulação autoerótica.

Baker (1980) acrescentou, com base em Reich, os olhos como outra zona erógena a

ser considerada no corpo. A eles correspondem também uma função vital – o contato – e este

contato pode ser prazeroso, além de ter o sentido de, por assim dizer, humanizar o organismo.

Passando pelos olhos, boca, esfíncteres e genitais, o fluxo energético tem a função de integrar

o corpo ao mundo, tal seu movimento descendente. Como não somos somente corpo, mas

também psiquismo, nesse caminho, a energia integra as funções do contato e da comunicação,

da independência, da autonomia e produtividade, da identidade e também as direciona ao

mundo.

O contato abrange não apenas a visão, mas todos os demais sentidos com os quais

podemos interagir com o mundo. No processo de adaptação da espécie, a visão (GERRIG;

ZIMBARDO, 2005, p. 123 e 124) “[...] proporciona a consciência de mudanças em

características do ambiente físico de uma forma a adaptar o seu comportamento conforme

essas mudanças”. Os olhos compreendem o mundo ao seu redor e comunicam os

sentimentos. Como sentidos complementares entre si, visão e audição trabalham muitas vezes

em conjunto: os olhos podem voltar-se àquilo que primeiramente é ouvido. Da mesma forma,

olfato, paladar e tato têm seu valor na sobrevivência da espécie e são igualmente responsáveis

pela integração do ser humano ao mundo.

Todos os sentidos, funcionando isoladamente ou em conjunto, guardam em si o

potencial para a comunicação, na medida em que viabilizam o contato entre o que está fora e o

que está dentro do organismo. Essa comunicação é imprescindível também do ponto de vista

emocional. O isolamento sensorial pode provocar danos até mesmo irreparáveis à capacidade

de contato com o mundo. Baker ressalta (1980, p. 45): “Um contato completo é vital ao

desenvolvimento em geral, na medida em que promove a sensação de aceitação e de bem-

estar, encorajando a expansão e a busca no meio ambiente.”

Denominamos a etapa em que se evidencia o contato e a comunicação de

“Sustentação” (VOLPI; VOLPI, 2008, p. 129). Tem seu início na fecundação e estende-se ao

nascimento e às primeiras semanas de vida. Logo após a concepção, há um elevado gasto de

energia, a qual provém do espermatozoide e do óvulo, fundidos no chamado zigoto. O termo

sustentação traduz assim a nidação – fixação do zigoto nas paredes uterinas –, por volta do

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quinto ao sétimo dia de gravidez. A energia da célula em formação é inicialmente denominada

autógena. Esta célula multiplica-se, formando o embrião e estabelecendo, por meio do cordão

umbilical, a ligação entre o ser em formação e as paredes do útero da mãe. Nesse momento, a

energia passa a ser denominada trofoumbilical. O útero é o primeiro ambiente em que se

encontra o bebê durante seu desenvolvimento emocional, e nele o contato com a mãe se dá

não somente de forma fisiológica, mas também emocional e energética. Daí a importância de

que este útero seja receptivo, pulsante e acolhedor. A presença de figuras de apoio à mãe,

como, por exemplo, o pai, durante a gestação, também é fundamental, dado que o afeto

demonstrado ao bebê, por intermédio da mãe, alcança o ser em formação. O contato,

primeiramente com o útero e posteriormente com as figuras humanas de referência é

indispensável ao desenvolvimento emocionalmente saudável do ser humano, à sua

sobrevivência emocional, tanto quanto o organismo é equipado com sentidos que são também

responsáveis por sua sobrevivência biológica. Este contato primordial é fundamentalmente

energético, corporal e emocional, e origina um ser que é, antes de mais nada, “[...] um sistema

energético enormemente produtivo e adaptável que, por seus próprios recursos fará contato

com seu meio ambiente e começará a dar forma a este meio ambiente de acordo com suas

necessidades.” (REICH, 1983, p. 30).

A etapa seguinte, de “Incorporação” (VOLPI; VOLPI, 2002, p. 133), é responsável pela

possibilidade da independência. Estende-se do nascimento ao desmame, que idealmente

deverá ocorrer por volta do nono mês de vida. A vivência da plena dependência no momento

da amamentação, do vínculo com a figura que exerce a função materna, e até mesmo da

simbiose que temporariamente une bebê e mãe em uma única célula narcísica é necessária à

construção da noção primitiva de não-eu e de eu. Ao experimentar a satisfação da necessidade

vital de alimentação, de início, o bebê desconhece de onde provém tal satisfação. Apenas

registra a experiência de equilíbrio homeostático por ser suprido e, ao mesmo tempo, o prazer

em ser aconchegado no colo. A figura materna, nesse momento, promove a introjeção do

mundo externo pelo bebê, começando pelo bico do seio ereto e preferencialmente disponível –

quando o aleitamento materno é possível –, passando pelo sabor do leite, pelo cheiro da mãe,

pelos olhos maternos a contatar os olhos do bebê de forma atenta e receptiva, pelas mãos

quentes e acolhedoras e pelo contato epidérmico que envolve o bebê da mesma forma que

anteriormente o útero o fez. “A pele é a ponte sensível do contato com o mundo... É o nosso

órgão mais extenso, é o nosso código mais intenso, um lar de profundas memórias.” (LELOUP,

1983, p. 9).

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O bebê é capaz de regular suas próprias necessidades de fome, demonstrando-a por

meio do choro. Pouco a pouco, a alimentação do bebê vai ganhando um ritmo, que deve ser a

combinação das necessidades naturais da criança e a realidade externa, representada pela

figura materna. Com isso, constrói-se um outro lado da experiência, e, com ela, desenvolve-se

no bebê uma memória rudimentar, composta por dois tipos de experiência: prazer e desprazer.

Essa memória é de fundamental importância para o crescimento da consciência da separação

entre bebê e meio, não-eu e eu. Na medida em que reconhece que a satisfação ou a frustração

provém do meio, este passa a existir na consciência da criança; e se o meio existe, o si mesmo

também. Gradativamente, o bebê descobre que não faz parte da mãe, como até então tinha a

sensação, por manter com ela um contato simbiótico. Ao começar a se distanciar, explorando o

ambiente e as pessoas à sua volta, passa a reconhecer a si mesmo (bebê) e ao outro (mãe).

Naturalmente, sobrevêm os primeiros impulsos de sair do colo, engatinhar e arriscar os

primeiros passos. O desmame se dá em relação ao seio e à situação de dependência e

passividade.

Paralelamente, o amadurecimento físico, que permite que se incluam na dieta do bebê

alimentos mais pastosos, coloca em funcionamento uma capacidade mais refinada de

digestão. Em outras palavras, o papel da amamentação perde naturalmente a sua força e o

organismo humano passa a ter participação maior na digestão dos alimentos. Essa função

equivale, a nível emocional, à possibilidade da independência, de sermos separados e nos

reconhecermos como seres únicos e responsáveis por nós mesmos.

Capaz de se perceber separada da mãe, a criança entra na fase de “Produção” (VOLPI;

VOLPI, 2008, p. 137). Esta etapa tem seu início com o desmame e se estende até o terceiro

ano de vida. Ao exercer plenamente sua condição de independência também por meio de

novas aquisições físicas e cognitivas, que se traduzem na mobilidade e na memória que torna

possível a constância das figuras de referência, é hora de alcançar a autonomia. O ritmo

próprio, que num primeiro momento desta etapa diz respeito eminentemente ao controle

esfincteriano, dá o compasso desse alcance. Estabelecem-se a consciência de si mesmo, dos

limites a serem respeitados, e da dimensão dos desafios a serem aceitos na vida.

A satisfação e o orgulho de realização da criança ao poder controlar a eliminação das

fezes e da urina é de fundamental importância para a manutenção do senso de si mesma. A

energia da criança está inteiramente voltada à construção de pensamentos e ações, com base

na percepção das emoções, e tudo isso se faz notar por meio das brincadeiras, dos jogos, dos

relacionamentos, etc. Nota-se uma clara evolução do brincar simples e repetitivo para o brincar

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construtivo, que inclui jogos imaginativos. Mais tarde, tornam-se possíveis igualmente os jogos

com regras, uma vez que limites e possibilidades tenham sido elaboradas pela criança. Cresce

a autoconsciência e concretiza-se a perspectiva do autodomínio, inclusive sobre as próprias

reações e expressões emocionais. Autodomínio, aliás, é um dos critérios de saúde propostos

por Lowen (1986). Em conjunto com a autopercepção e a autoexpressão, alcança um

importante patamar de realização nessa etapa do desenvolvimento, uma vez que seja mantida

a espontaneidade e a criatividade própria do organismo humano.

A aquisição final do desenvolvimento é a identidade. As etapas correspondentes são a

de “Identificação” (VOLPI; VOLPI, 2008, p. 138) e de “Formação do caráter” (VOLPI; VOLPI,

2008, p. 140), que ocorrem entre o quarto ano de vida e a puberdade. Inicia-se com a

exploração do corpo, especificamente dos genitais, e com a descoberta das diferenças sexuais

entre meninos e meninas. Baker (1980, p. 50) assinala que esta etapa é marcada por “[...] um

orgulho transitório pela descoberta do genital, que progride até se transformar numa

apreciação completa das funções masculina ou feminina deste órgão”. Precisamente a

diferença – “meninos têm pênis, meninas não têm...” – abre as portas à noção de gênero,

sendo que a criança pode então se reconhecer como homem ou mulher, buscando

compreender o papel social associado a cada um deles. Assim, é de suma importância que das

diferenças sexuais anatômicas, meninas e meninos evoluam para a consciência de suas

particularidades físicas – “meninos têm pênis, meninas têm vulva!”. Para que isso seja

possível, particularmente nas meninas, é necessário que a energia prossiga seu caminho e

vitalize a vulva e a vagina. Ao distinguir as diferenças e compreender as particularidades,

meninos e meninas podem passar a ter uma ideia segura quanto ao sexo a que pertencem.

Como órgãos especializados à descarga energética, conforme descrito por Reich (1975), o

contato com os genitais é potencialmente prazeroso e a masturbação surge como alternativa

para a vivência da sexualidade neste momento. A masturbação, nesse momento, dá-se pela

fricção do genital, sem nenhuma intenção ou fantasia para além da estimulação autoerótica.

Mais tarde, a masturbação dará lugar ao contato sexual entre parceiros, o que irá reforçar

ainda mais a consciência de gênero e a identidade.

Assim, ao longo do desenvolvimento e com base em processos energéticos, corpo,

intelecto, emoção e psiquismo encontram os recursos necessários para promover a integração

intrapessoal no indivíduo e deste com o ambiente em que vive. Nas palavras de Baker (1980,

p. 47), “O recém-nascido é capaz de regular seu próprio organismo segundo suas

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, S. M. O espectro do crescimento: contato, comunicação, independência,produtividade, autonomia, identidade. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

necessidades e só deve ser ensinado a não pôr sua vida em risco, a distinguir e a respeitar os

direitos dos outros além dos seus”. Em nossa idade adulta, assim também pode ser.

REFERENCIAS

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VOLPI, J. H. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter,segundo a psicologia corporal. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila docurso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.

PARTICULARIDADES SOBRE O TEMPERAMENTO, A PERSONALIDADEE O CARÁTER, SEGUNDO A PSICOLOGIA CORPORAL

José Henrique Volpi

É notório o fato de que os estudos sobre as questões que norteiam o comportamento

humano despertem interesse nos estudiosos a milênios. Da mesma forma, temperamento,

personalidade e caráter, são palavras utilizadas com frequência desde a antiguidade. Porém,

seus significados quase sempre são confusos e/ou utilizados de forma errônea. A proposta

desse artigo é traçar um apanhando geral sobre os conceitos postulados por diversos autores,

no intuito de oferecer aos estudantes e profissionais da Psicologia e áreas afins, uma maior

clareza.

TEMPERAMENTO

Há cerca de 2500 anos, Hipócrates, considerado o pai da Medicina, classificou o

temperamento da espécie humana em quatro tipos básicos:

Sangüíneo, típico de pessoas de humor variado; Melancólico, característico de

pessoas tristes e sonhadoras; Colérico, peculiar de pessoas cujo humor se caracteriza por um

desejo forte e sentimentos impulsivos, com predominância da bile; Fleumático, encontrado em

pessoas lentas e apáticas, de sangue frio.

Tendo feito uso da teoria postulada por Hipócrates, o psicólogo Ivan Pavlov verificou

experimentalmente em animais os mesmos tipos de temperamentos humanos, demonstrando

ao mesmo tempo a relação com o Sistema Nervoso e os fatores bioquímicos. A partir disso,

várias pesquisas foram desenvolvidas com base nos neurotransmissores, nos processos

genéticos, bioquímicos e nervosos, acreditando estar aí a explicação para as diferenças de

temperamento (ZUCKERMAN, 1987).

São vários os sistemas básicos que tentam explicar a essência do temperamento,

porém, dois deles se destacam mais. O primeiro, chamado de sistema humoral, tem um

interesse histórico e liga o estado do organismo com a proporção dos líquidos e humores que

circulam pelo organismo. Daí surgiu a classificação dos temperamentos sanguíneo, colérico,

fleumático e melancólico. O segundo sistema, denominado constitucional, sustenta-se nas

diferentes compleições do organismo e em sua estrutura física.

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VOLPI, J. H. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter,segundo a psicologia corporal. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila docurso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.

Essa tipologia representa um estudo da relação entre as características físicas e as

psicológicas.

A palavra temperamento tem sua origem do latim (temperamentum = medida).

Representa a peculiaridade e intensidade individual dos afetos psíquicos e da estrutura

dominante de humor e motivação. Breuer, citado por Freud (1987), aponta algumas diferenças

de temperamento dizendo que algumas pessoas são mais vivazes ao passo que outras são

mais inertes e letárgicas. Há ainda aquelas que não conseguem ficar paradas, as que têm o

dom inato de se espreguiçarem nos sofás, as que são mais ágeis, etc. Diz ainda que “Essas

diferenças, que constituem o ‘temperamento natural’ de um homem, por certo se baseiam em

profundas diferenças em seu sistema nervoso – no grau em que os elementos cerebrais

funcionalmente quiescentes liberam energia” (Breuer, 1987, p. 205).

Novais (1977), diz que o temperamento está ligado a um clima químico na qual se

desenvolve a personalidade. Já Petroviski (1985) define o temperamento como sendo a

combinação determinada e constante das peculiaridades psicodinâmicas do indivíduo, que se

revelam por meio de suas atividades e comportamento, compondo dessa forma a sua base

orgânica. Ainda seguindo o curso desse pensamento, Allport (1966) caracteriza o

temperamento como sendo um fenômeno específico da natureza emocional do indivíduo, que

inclui a sua sensibilidade aos estímulos, intensidade e rapidez de respostas e várias outras

particularidades, todas ligadas à hereditariedade.

Atualmente, o que mais se aceita a respeito do temperamento é que certas

características são decorrentes de processos fisiológicos do sistema linfático, bem como a

ação endócrina de certos hormônios. Assim, pode-se explicar a genética e a interferência do

meio sobre o temperamento de cada pessoa. Então, poderíamos definir temperamento como

sendo uma disposição inata e particular de cada pessoa, pronta a reagir aos estímulos

ambientais; é a maneira interna de ser e agir de uma pessoa, geneticamente determinado; é o

aspecto somático da personalidade.

O temperamento pode ser transmitido de pais para filhos, porém, não é aprendido, nem

pode ser educado; apenas pode ser abrandado em sua maneira de ser, o que é feito pelo

caráter. Em termos biológicos, o temperamento também está diretamente relacionado ao

terreno biológico, ou seja, o pH dos líquidos do corpo irão determinar um tipo de terreno

biológico que poderá ser alcalino ou ácido e ambos podem ter um potencial oxidável ou

reduzido.

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O hidrologista francês Jean Claude Vincent desenvolveu, em 1946, um teste para medir

o pH do sangue, urina e saliva e com isso, determinar alguns tipos de doenças que são mais

comuns aparecer quando a pessoa apresenta um tipo de terreno.

Segundo Navarro (1996, p. 12), os terrenos biológicos:

São indicadores preciosos da estrutura biológica individual e enfatizamos que éna estrutura que se implanta a caracterialidade do indivíduo. Caracterialidadenão significa caráter – este é único e só se verifica quando maduro (Freud) egenital (Reich).

a) Terreno alcalino oxidado = psicose, câncer, AIDS, doenças degenerativas do sistema

nervoso, etc. É o terreno dos indivíduos chamados por Navarro de Núcleo Psicótico.

b) Terreno ácido oxidado = HIV, diabetes, obesidade secundária, alergia, hipertensão,

asma, etc. É o terreno do borderline.

c) Terreno ácido reduzido = gastrite, úlcera, angina, colite, cistite, miomas, etc. É o

terreno do psiconeurótico.

d) Terreno alcalino reduzido = doenças somatopsíquicas. É o terreno dos indivíduos

que possuem uma caracterialidade chamada por Navarro de neurótico.

O pH do sangue humano deve ser ligeiramente alcalino (7.35-7.45); abaixo ou acima

dessa faixa surge sintomas e ate mesmo doenças. Um pH de 7,0 é considerado neutro. Abaixo

de 7,0 é ácido e acima de 7,0, alcalino.

Podemos verificar os níveis do pH no sangue, urina e saliva utilizando um papel

indicador de pH universal que pode ser adquirido em lojas de produtos químicos. E podemos

corrigir o pH por meio de dieta equilibrada.

Os principais alimentos formadores de alcalinidade são: frutas, verduras, ervilhas,

feijões, lentilhas, especiarias, ervas e temperos, sementes e nozes. O limão e a melancia são

considerados extremos formadores de alcalinidade.

Por outro lado, os alimentos formadores de ácidos são principalmente: carnes, peixes,

aves, ovos, cereais e leguminosas. Os adoçantes artificiais são considerados extremamente

ácidos.

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PERSONALIDADE

A personalidade é formada durante as etapas do desenvolvimento psicoafetivo pelas

quais passa a criança desde a gestação. Sua formação inclui tanto os elementos

geneticamente herdados (temperamento) como também os adquiridos do meio ambiente no

qual a criança está inserida.

São várias as teorias que versam sobre personalidade tanto quanto as controvérsias,

temas de discussões presentes em toda história da Filosofia, Psicologia, Sociologia,

Antropologia e Medicina geral.

Uma das escolas de grande destaque no estudo da personalidade foi a Psicanálise de

Freud, que sustenta que os processos do inconsciente dirigem grande parte do comportamento

das pessoas. Outra escola importante foi a do americano Skinner, que sustenta a tese de que a

aprendizagem se dá pelo condicionamento.

Desde a gestação, as crianças já se encontram em condições ambientais distintas,

sofrendo com a ação dos estresses e apresentando comportamentos particulares. A

antropóloga Margaret Mead (2001) estudou o comportamento de duas tribos indígenas da

Guiné e percebeu que apesar de ambas terem as mesmas características étnicas e viver no

mesmo lugar, apresentavam comportamentos diferentes. Uma era mais hostil e competitiva ao

passo que a outro era mais amistosa, pacífica e cooperativa, demonstrando assim um

comportamento particular.

Ballone (2003) define personalidade como sendo:

A organização dinâmica dos traços no interior do eu, formados a partir dosgenes particulares que herdamos, das existências singulares que suportamos edas percepções individuais que temos do mundo, capazes de tornar cadaindivíduo único em sua maneira de ser e de desempenhar o seu papel social.(BALLONE, 2003).

Compreender os aspectos e a dinâmica da personalidade humana não é tarefa simples,

dada a complexidade e a variedade de elementos que a circunda, gerados por diversos fatores

biológicos, psicológicos e sociais. Com relação aos aspectos sociais, quanto mais complexa e

diferenciada for a cultura e a organização social em que a pessoa estiver inserida, mais

complexa e diferenciada será a personalidade. Do ponto de vista biológico, a pessoa já traz

consigo, em seus genes, diferentes tendências, interesses e aptidões que também são

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formados pela combinação dinâmica entre diversos fatores hereditários e uma infinidade de

influências sócio-psicológicas que ela recebe do meio ambiente. (FERNANDES FILHO, 1992).

Então, podemos dizer que a personalidade é formada por dois fatores básicos:

Hereditários: são os fatores que estão determinados desde a concepção do bebê. É a

estatura, cor dos olhos, da pele, temperamento, reflexos musculares e vários outros. É aquilo

que o bebê recebe de herança genética de seus pais.

Ambientais: São aqueles que também exercem uma grande influência porque dizem

respeito à cultura, hábitos familiares, grupos sociais, escola, responsabilidade, moral e ética,

etc. São experiências vividas pela criança que irão lhe dar suporte e contribuir para a formação

de sua personalidade.

Mesmo que alguns traços possam ser parecidos com os de outra pessoa, a

personalidade é única. Ela se apóia em uma estrutura biopsicosocial, é dinâmica, adaptável e

mutável.

Strelau e Angleitner (1987) discutem cinco características que diferenciam o

temperamento da personalidade:

1. O temperamento é biologicamente determinado e a personalidade é um produto do

ambiente social.

2. Características temperamentais podem ser identificadas já cedo, na infância, ao

passo que a personalidade é moldada durante os períodos do desenvolvimento

infantil.

3. Diferenças individuais com características temperamentais como ansiedade,

extroversão-introversão, também são observados em animais, ao passo que

personalidade é a prerrogativa de seres humanos.

4. O temperamento apresenta aspectos estilísticos. A personalidade contém aspectos

do comportamento.

5. Ao contrário do temperamento, a personalidade refere-se à função integrativa do

comportamento humano.

Phillips (1983, p. 4) define personalidade como “[...] a organização integrada de todas

as características cognitivas, afetivas, e físicas de um indivíduo, como se manifesta em

distintas situações e atribui significado especial para outras.”

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VOLPI, J. H. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter,segundo a psicologia corporal. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila docurso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.

Assim, em linhas gerais podemos definir personalidade como sendo o conjunto de

elementos temperamentais que foram herdados durante a gestação e de elementos adquiridos

do meio durante as etapas do desenvolvimento, que formam o mundo interno psíquico de uma

pessoa.

CARÁTER

O conceito de caráter emergiu do campo da Filosofia e se tornou objeto de investigação

científica. O termo caráter é originário do grego charakter e se refere a sinal, marca, ao

instrumento que grava. Aplicado esse termo à personalidade, denota aqueles aspectos que

foram gravados, inscritos no psiquismo e no corpo de cada indivíduo durante o seu

desenvolvimento.

Freud (1987) e Abraham (1970) apesar de não terem sido os primeiros, também se

dedicaram com afinco ao estudo do caráter e deixaram grandes contribuições, tendo sido

seguidos por vários outros cientistas nessa direção. Mas dentre todos, quem mais se destacou

e conseguiu formar uma teoria condizente do caráter foi Wilhelm Reich.

De acordo com Reich (1995), o caráter é o conjunto de reações e hábitos de

comportamento que vão sendo adquiridos ao longo da vida e que especificam o modo

individual de cada pessoa. Portanto, o caráter é composto das atitudes habituais de uma

pessoa e de seu padrão consistente de respostas para várias situações. Incluem-se aqui as

atitudes e valores conscientes, o estilo de comportamento (timidez, agressividade e assim por

diante) e as atitudes físicas (postura, hábitos de manutenção e movimentação do corpo). Em

outras palavras, o caráter é a forma com que a pessoa se mostra ao mundo, com seu

temperamento e sua personalidade; é a expressão do temperamento e da personalidade por

meio das atitudes de uma pessoa.

A gênese e estrutura do caráter tem sido objeto de estudo de diversas escolas no

âmbito da Psicologia sendo que a maioria comunga da mesma ideia de que o caráter não se

manifesta de forma total e definitiva na infância, mas vai sendo formado enquanto atravessa as

distintas fases do desenvolvimento psicossexual, até alcançar sua completa expressão ao final

da adolescência.

É por meio do caráter que a personalidade e o temperamento do indivíduo se

manifestam. Portanto, conhecer o caráter de uma pessoa significa conhecer os traços

essenciais que determinam o conjunto de seus atos.

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Desde o momento da fecundação, todas as informações genéticas do pai e da mãe

passam ao novo bebê, constituindo o seu temperamento. Ainda na gestação, o bebê apreende

todos os estímulos provindos do meio. Sente e sofre com qualquer alteração sofrida pela mãe

durante a gestação e gradativamente, vai incorporando esses estímulos e organizando-os em

seu mundo interno, contribuindo para a formação de sua personalidade. Os possíveis

comprometimentos que porventura irá ter ao longo das etapas de desenvolvimento, irão

determinar a sua forma de agir e reagir perante a vida, constituindo assim o seu caráter, sendo

esse nada mais do que a expressão de seu mundo interno.

Então, cada pessoa assumirá uma forma definida de funcionamento, um padrão típico

de agir frente às mais inusitadas situações. Como exemplo, podemos pensar numa sala de

aula cheia de alunos, onde, sem ninguém esperar, entra um bandido armado. É provável que

todos se assustem, porém, cada qual irá reagir com base em sua estrutura de caráter. Alguns

desmaiam de medo, outros têm diarréia, sono, taquicardia, sudorese. Encontramos também

aqueles que querem persuadir o bandido, os que tentam seduzí-lo, os que procuram enfrentá-

lo, mesmo ele estando armado. E assim, uma sucessão de comportamentos irão aparecer

perante a mesma situação.

A formação e o tipo de caráter de uma pessoa serão determinados por vários fatores

(REICH, 1995). O primeiro desses fatores diz respeito ao momento em que ocorre a frustração,

ou seja, a etapa em que a criança estiver atravessando em seu desenvolvimento. Se a

frustração se der na etapa de sustentação (VOLPI; VOLPI, 2002), a criança terá um tipo de

caráter esquizoide (REICH, 1995) ou núcleo psicótico (NAVARRO, 1995). Se a frustração se

der na etapa de incorporação (VOLPI; VOLPI, 2002), a criança terá um tipo de caráter oral

(REICH, 1995) ou borderline (NAVARRO, 1995). Se a frustração se der na etapa de produção

(VOLPI; VOLPI, 2002), a criança terá um tipo de caráter masoquista ou obsessivo-compulsivo

(REICH, 1995) ou psiconeurótico (NAVARRO, 1995). Se a frustração se der na etapa de

identificação (VOLPI; VOLPI, 2002), a criança terá um tipo de caráter fálico-narcisista ou

histérico (REICH, 1995) ou neurótico (NAVARRO, 1995). A ausência de frustração pode

permitir que a criança desenvolva um tipo de caráter chamado de genital, um ideal de Reich

(1995) para as crianças do futuro.

Assim sendo, cada tipo de caráter tem uma dinâmica particular. O esquizoide tem como

comportamento básico a esquiva; o oral a dependência; o masoquista a lamentação e

sofrimento; o obsessivo-compulsivo a ordem e limpeza; o fálico-narcisista o poder e o histérico

a sedução.

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Um outro fator, de suma importância para a formação e o tipo de caráter que a criança

irá desenvolver, está relacionado à frequência e a intensidade da frustração. Isso significa que

para que ocorra um bloqueio na etapa do desenvolvimento e, por consequência, a formação de

um traço de caráter, é preciso que a frustração ou o estresse seja aplicado com certa

frequência e/ou que sua intensidade seja suficiente para atingir o limiar da criança. Cabe

lembrar que cada criança, cada pessoa possui um limiar próprio.

Outras situações como a natureza dos impulsos contra os quais a frustração é

principalmente dirigida, as concessões feitas de início à criança, seguidas de frustrações

intensas, sem motivos, o sexo da principal pessoa que frustra a criança e as contradições

existentes nas próprias frustrações, irão formando registros significativos e comprometendo a

criança em seu desenvolvimento psicoafetivo, deixando, dessa forma, traços significativos que

irão compor a sua estrutura de caráter.

Diz Reich (1995, p. 212): “O caráter não é determinado por aquilo que evita, mas pela

maneira como o faz e pelas forças pulsionais que o Ego utiliza para esse fim.”

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VOLPI, J. H. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter,segundo a psicologia corporal. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila docurso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.

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HIRSCH, M. Psicanálise reichiana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostilado curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.

PSICANÁLISE REICHIANA1

Margarita Hirsch

A Psicanálise reichiana é um enfoque terapêutico que integra alguns dos conceitos

teóricos e técnicos da Psicanálise com as teorias de Donald Winnicott e Wilhelm Reich. Ao

incorporar à técnica psicanalítica uma abordagem simultânea ao “corpo”, favorece-se o

desenvolvimento dos processos regressivos às primeiras etapas evolutivas (pré-verbais), que

permitem reconhecer e reviver as causas que deram lugar às dificuldades do verdadeiro self

manifestar-se no mundo, dando ao paciente condições mais favoráveis para sua expressão. A

inclusão do corpo possibilita a intervenção sobre as defesas corporais que se manifestam

como couraças caractereológicas e musculares. O corpo é a base sobre a qual se constitui o

verdadeiro self, seu núcleo “[…] emana da vida que possuem os tecidos do corpo e da ação

das funções corporais, que incluem as do coração e as da respiração”.

A partir de Reich, temos a possibilidade de compreender a linguagem corporal integrada

aos fatores psicológicos e incorporar ao trabalho terapêutico uma técnica de desbloqueio das

couraças, caractereológica e muscular. Um dos objetivos principais deste trabalho é a

recuperação dos movimentos e expressões mais naturais e espontâneos do ser humano. Os

conceitos de Francoise Dolto sobre esquema corporal e imagem do corpo “[…] aportam uma

linguagem clara e precisa para a compreensão da dinâmica corporal. O esquema corporal é

um representante da espécie e será o intérprete ativo ou passivo da imagem do corpo, no

sentido de que permite a objetivação da intersubjetividade de uma relação libidinal

fundamentada na linguagem.”

Se, em princípio, o esquema corporal é o mesmo para todos os indivíduos (de uma

mesma idade e vivendo o mesmo clima), a imagem do corpo é, ao contrário, própria de cada

um. Está ligada ao sujeito e à história. A imagem do corpo é a síntese viva de nossas

experiências emocionais vividas repetitivamente através das sensações erógenas eletivas,

arcaicas e atuais.

Isto significa que vamos nos servir do esquema corporal (em parte consciente em parte

inconsciente) para a realização dos movimentos expressivos (que constituem um dos

instrumentos básicos da Psicanálise reichiana) com a finalidade de entrar em contato com a

1 Este artigo, publicado originalmente na Revista Insight, n. 17, em 1992, traz um panorama sucinto, masmuito rico, sobre a Psicanálise reichiana como facilitadora da expressão do self A autora é médica,graduada na Unitersidade Buenos Aires, psicoterapeuta e vegetoterapeuta formada na Itália.

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HIRSCH, M. Psicanálise reichiana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostilado curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.

imagem do corpo, que é eminentemente inconsciente. Graças à nossa imagem do corpo,

entrecruzada com o esquema corporal, podemos entrar em comunicação com o outro.

DESBLOQUEIO DE COURAÇAS

Durante o desenvolvimento do processo terapêutico, realiza-se um diagnóstico do

paciente e de suas condições ambientais e se analisam as problemáticas transferenciais. Ao

conseguir uma aliança terapêutica, projeta-se junto com o paciente (nos casos em que se faz

indicado e em momento preciso) um aprofundamento do tratamento através de um caminho

regressivo. Este é um processo longo e difícil, no qual o paciente apresenta uma série de

mecanismos defensivos e couraças caractereológicas e musculares correspondendo a

diferentes etapas de sua vida.

Para melhor compreensão das couraças musculares, Reich segmentou o corpo humano

em sete anéis que apresentam uma disposição circular e perpendicular ao eixo do corpo,

começando a partir da cabeça até os pés: o primeiro anel é o ocular; o segundo, o oral; o

terceiro, o cervical; o quarto, o torácico; o quinto, o diafragmático; o sexto, o abdominal; o

sétimo, o pélvico.

O PROCESSO TERAPÊUTICO

No momento em que se incorpora o corpo ao trabalho terapêutico, a tarefa centra-se no

desbloqueio das couraças e na conscientização, por parte do paciente, dos transtornos

perceptivos, motores e afetivos do primeiro e segundo nível (ocular e oral), continuando-se logo

com os cinco anéis restantes. Nestes dois anéis encontram-se alojados, desde os primeiros

momentos da vida, os principais órgãos de contato com a mãe (olhos, nariz, ouvidos e boca).

No que diz respeito à importância da primeira percepção visual na evolução do bebê, Winnicott

colocou que o encontro de seu olhar com o de sua mãe constitui – nesta primeira experiência –

a matriz do intercâmbio significativo com o mundo.

A forma de trabalho é a seguinte: o paciente realiza por si mesmo, deitado no divã e em

total silêncio, um movimento muscular expressivo dos olhos a partir da consigna do terapeuta.

O processo terapêutico completa-se com a comunicação verbal do vivido e pensado pelo

paciente durante a realização do movimento e com o trabalho associativo e interpretativo sobre

o material abordado. Ao colocar em movimento um músculo em forma voluntária (movimento

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

HIRSCH, M. Psicanálise reichiana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostilado curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.

expressivo) entra em ação tanto a função motora como a perceptiva, que despertam

recordações, afetos e ideias que permaneciam ocultos. Ao mobilizar os músculos intrínsecos

dos olhos ativa-se ao mesmo tempo o Sistema Nervoso Central, o Sistema Vegetativo da visão

e toda a gama de percepções do órgão visual. Para poder entrar em contato com a imagem do

corpo é necessário que toda a musculatura de ação esteja inibida para limitar o campo dos

movimentos que estão compreendidos na consigna.

Este enfoque terapêutico permite, por um lado, neutralizar o esquema do corpo pela

posição do paciente deitado no divã e, por outro, ser um veículo ativo para a realização da

ação proposta. Isto permite o desenvolvimento da imagem do corpo em cada estágio, em seus

três aspectos inconscientes: linguagem mímica, visceral e gestual. É através da imagem do

corpo que se inscrevem as experiências de relação da necessidade e do desejo. A imagem do

corpo é, em cada momento, memória inconsciente de toda a vivência relacional passada e, ao

mesmo tempo, atual. É através de suas manifestações atuais (a repetição dos movimentos

expressivos) que se pode despertar uma imagem relacional arcaica, que havia ficado reprimida

e que, a partir de agora, pode retornar.

No trabalho terapêutico, ao aparecerem as dificuldades, defesas e resistências na

realização de movimentos e percepções bloqueadas, torna-se possível a reconstrução das

causas que motivaram sua perturbação. Os casos mais severos requerem um trabalho

terapêutico diferente que tem por finalidade reconstruir as funções corporais e psíquicas

danificadas e distorcidas por falhas no processo de constituição narcísica.

Em condições normais teria-se que poder ver com clareza e perceber sem esforço o

que se está vendo, diferenciar o que se olha a partir de si mesmo, perceber que está a se

perceber e que é o olho que percebe, poder manter a atenção na percepção durante o tempo

em que as circunstâncias o requeiram, poder integrar as percepções entre si e integrá-las aos

movimentos, afetos e pensamentos.

FALSO SELF E VERDADEIRO SELF

Em condições anormais encontramos uma ampla gama de manifestações patológicas

nas quais a percepção visual teve uma importância vital para a sua constituição e ainda tem

para a sua manutenção. Estas manifestações podem ser confusão ou indiscriminação entre si

mesmo e os demais, transtornos nos esquemas de tempo e do espaço e cisões: entre

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

HIRSCH, M. Psicanálise reichiana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostilado curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.

movimento e percepção; as percepções entre si; percepções movimentos e afetos;

movimentos, percepções, afetos e ideias.

Ademais, podem observar-se distintos tipos de expressão no olhar, correspondentes a

diferentes quadros psicopatológicos, como olhar desconectado, olhar vazio, olhar fixo, olhar

rígido, olhar fugidio, olhar desorbitado pelo medo, etc. Também é possível comprovar a inibição

da execução de determinados movimentos expressivos dos olhos, já que no momento em que

são mobilizados, podem ser despertados agudos sentimentos e/ou intensas recordações que

perturbam o equilíbrio.

Winnicott desenvolveu a teoria sobre a divisão da personalidade em um verdadeiro e

falso self e sua relação com os mecanismos de cisão nos fenômenos psíquicos e somáticos.

Destacou também a importância do meio (especialmente da mãe) no processo de integração

do indivíduo.

O verdadeiro self, para poder preservar-se da comunicação com o mundo, desencarna-

se cindindo as funções corporais do contato, o qual dá lugar a que o sujeito não se sinta mais

habitando em seu próprio corpo. No falso self, o corpo se reduz a um simples instrumento

mimético que o permite ser como os demais.

Para que o verdadeiro self possa começar a manifestar-se sem estar dissociado do

corpo e a se expressar livremente com um novo sentimento de seu self, é necessário que o

paciente passe por um processo regressivo muito profundo dentro de um âmbito terapêutico

tranquilo, seguro, confiando que o terapeuta saberá compreender e respeitar seus ritmos, seus

tempos e sua individualidade.

Por trás deste processo regressivo poderá iniciar o caminho progressivo em direção a

um estado de independência e de maior espontaneidade e, então, como afirma Winnicott, a

pessoa vivenciará a si mesma como encarnada e contando com um ponto sólido na sensação

de integração. Suas necessidades e desejos instintivos poderão realizar-se, então, com

atividade, vitalidade e vigor genuínos.

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H. Wilhelm Reich e as escolas reichianas, pós e neorreichianas. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

WILHELM REICH E AS ESCOLAS REICHIANAS, PÓS E NEORREICHIANAS

José Henrique Volpi

REICH E A PSICANÁLISE

Em 1919 conhece Freud e logo se torna o mais novo psicanalista de Viena;

Oferece sua contribuição, estudando com detalhes o problema das resistências,

transferência e contratransferência;

Entende a potência orgástica como descarga máxima ao prazer, diferenciando-a de

ereção.

Denomina seus postulados de Economia Sexual.

REICH E A ANÁLISE DO CARÁTER

Tira o paciente do divã;

Identifica a couraça psíquica;

Ataca diretamente as resistências, apontando-as ao paciente porque, como e contra

o que resiste;

Sistematiza os diversos tipos de caráter segundo os bloqueios ocorridos nas etapas

do desenvolvimento (oral, masoquista, obsessivo-compulsivo, fálico-narcisista, etc.) e

cria a técnica da Análise do Caráter.

REICH E A VEGETOTERAPIA CARACTEROANALÍTICA

Identifica a couraça muscular, como equivalente somático da couraça psíquica. Tudo

o que acontece na mente, reflete-se no corpo e vice-versa;

Trabalha sobre o corpo do paciente, atacando diretamente a couraça muscular;

Mapeia o corpo em sete segmentos de couraça (ocular, oral, cervical, torácico,

diafragmático, abdominal e pélvico), sendo que cada um deles corresponde a uma

emoção específica;

Denomina a técnica do desbloqueio da couraça muscular de Vegetoterapia

Caracteroanalítica, por estar diretamente ligada ao Sistema Neuvovegetativo.

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H. Wilhelm Reich e as escolas reichianas, pós e neorreichianas. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

REICH E A ORGONOTERAPIA

Busca o reflexo orgástico nos seres inferiores (amebas);

Pesquisas laboratoriais levam-no à descoberta dos chamados bíons (vesículas

energéticas);

Identifica um novo tipo de energia que chama de orgônio;

Cria o chamado acumulador de energia orgônio (caixa de orgônio)m cujo objetivo é

concentrar a energia orgônio e utilizá-la em diversas patologias, principalmente o

câncer;

Denomina essa nova ciência de Orgonomia – ciência que estuda e trabalha com a

energia orgônio. Fazem parte da Orgonomia as técnicas da Análise do Caráter, da

Vegetoterapia Caracteroanalítica e da Orgonoterapia.

PSICOLOGIA CORPORAL: ONTEM E HOJE

WILHELM REICHREICHIANOS PÓS-REICHIANOS NEORREICHIANOS

ELSWORTH BAKER FEDERICO NAVARRO(SOMATOPSICODINÂMICA)

EOLA(Escola de Orgonomia F.

Navarro)↓

IOFEN – RJSOVESP – SPEOFEN – RN

CENTRO REICHIANO – PR

ALEXANDER LOWENJOHN PIERRAKOS

(ANÁLISEBIOENERGÉTICA)

OLA RAKNES

WALTER HOPPEGERDA BOYESEN

(PSICOLOGIABIODINÂMICA)

EVA REICHDAVID BOADELLA

(BIOSSÍNTESE)

MYRON SHARAFFJOHN PIERRAKOS

(CORE ENERGETICS)

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H. A B C reichiano e pós-reichiano. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

A B C REICHIANO E PÓS-REICHIANO

José Henrique Volpi

ACTIGN: Movimento específico proposto ao paciente durante o processo terapêutico, com o

objetivo de circular a energia da couraça e trazer à tona lembranças e/ou sensações vividas

pelo paciente ao longo de sua história. Faz parte da metodologia da Vegetoterapia

desenvolvida por Federico Navarro.

ACUMULADOR DE ORGONE: Caixa feita por Reich de matéria orgânica (madeira, algodão,

etc) e inorgânica (metal). Partindo do princípio que a matéria orgânica capta a energia e a

inorgânica capta e expele, a caixa absorve a energia orgone da atmosfera e a acumula em seu

interior, podendo ser utilizada no combate de inúmeras doenças, inclusive o câncer.

ANÁLISE DO CARÁTER: Técnica desenvolvida por Reich que tem por objetivo identificar as

atitudes de caráter do paciente, ou seja, sua forma de agir, falar, vestir-se, gesticular, etc.

ANORGONIA: Ausência de energia orgone. Esse termo era utilizado por Reich em seus

escritos para representar a diminuição da energia orgone no organismo, mas foi substituído

pelo termo hipoorgonia.

ANSIEDADE DE ORGASMO: Ansiedade sexual, causada por uma frustração externa da

satisfação do instinto, e fixada internamente pelo medo da excitação sexual represada.

Constitui a base da ansiedade geral diante do prazer, que é parte integrante da estrutura

humana predominante.

AUTORREGULAÇÃO: É um conceito que se aplica a todas as dimensões da vida; no social,

econômico, biológico, psicológico, etc. No ser humano é uma capacidade maior para a

autonomia, para realizar equilíbrios dinâmicos e flexíveis na sua existência, ou seja, no

trabalho, no amor, nas relações com os outros. É uma espécie de competência espontânea,

uma aptidão para autodeterminar-se que tem como obstáculo para sua existência a influência

das instituições sociais e os modelos culturais. A autorregulação é liberada com o

afrouxamento da couraça de caráter. Ela é o objeto maior da clínica reichiana.

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VOLPI, J. H. A B C reichiano e pós-reichiano. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

BACILOS T: São corpos observáveis microscopicamente que se desenvolvem a partir da

degeneração e da desintegração de proteínas vivas e sem vida.

BIONS: Vesículas que representam as fases de transição entre substância não-viva e

substância viva. Desenvolvem-se constantemente na natureza, por um processo de

desintegração de matéria orgânica e inorgânica, que pode ser reproduzido experimentalmente.

Os bions estão carregados de energia orgônica e transformam-se em protozoários e bactérias.

BIOPATIA: Distúrbio resultante da perturbação da pulsação biológica em todo o organismo.

Abrange todos os processos de doença que perturbam o aparelho autônomo da vida. O

mecanismo central é um distúrbio na excitação biosexual.

CAMPOS ENERGÉTICOS:. São momentos de vida pelas quais todos os seres humanos

passam, iniciando na gestação (campo fusional), passando pelo nascimento e amamentação

(simbiótico), pela família (familiar), sociedade (social) e finalmente, com a maturidade, o campo

cósmico (relação do ser humano com Deus e com a natureza).

CARÁTER GENITAL: Estrutura de caráter mais saudável de todas, capaz de uma

autorregulação natural, flexibilização de couraças e potência orgástica. É o indivíduo

autorregulado.

CARÁTER NEURÓTICO: Oposto do caráter genital. Pessoa com estrutura moralista que

desenvolve uma couraça que restringe e controla todas as ações e funções... a felicidade do

outro desperta seu mau humor. Encara o trabalho como um dever cansativo ou como sendo

apenas uma necessidade material.

COBERTURA CARACTEREOLÓGICA: São traços do caráter que encobrem um outro, com

objetivo de reforçar a defesa.

CONTATO: Capacidade plena de perceber simultaneamente, a nível interno e externo, a

realidade. Podemos entender que os indivíduos são mais ou menos conectados e/ou vivem

momentos na vida de maior ou menor contato.

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VOLPI, J. H. A B C reichiano e pós-reichiano. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

COURAÇA: Armadura. A representação reichiana para esse conceito pode estar ligada a uma

armadura psíquica (couraça psíquica) ou uma armadura muscular (couraça muscular).

COURAÇA DO CARÁTER: Também chamada de couraça psíquica, caractereológica ou

caracterial. É a armadura que protege o Ego do indivíduo daquilo que não lhe agrada,

bloqueando suas emoções e, por consequência, suas reações. Também está ligada à couraça

muscular.

COURAÇA MUSCULAR: Por meio de contrações musculares crônicas, forma uma armadura

que protege o corpo do indivíduo daquilo que não lhe agrada, bloqueando suas emoções e por

consequência, suas reações e sua energia. Também está ligada à couraça do caráter.

DEMOCRACIA DO TRABALHO: Forma de organização social embasada nas seguintes

funções naturais da vida: amor, trabalho e conhecimento. Está estrutura social só pode existir

em uma comunidade composta por cidadãos autorregulados.

DOR: Quando a energia orgônica encontra-se num estado de hiperexcitação e ao mesmo

tempo aprisionada, suas propriedades vitais transformam-se manifestando-se de maneira

prejudicial e letal. Reich denominou este estado de energia DOR (deadly orgone ou orgone

mortífero).

DESORGONIA: Má distribuição da energia orgone no organismo.

ECONOMIA SEXUAL: Modo como o indivíduo regula sua energia biológica, isto é, que

quantidade reserva e que quantidade descarrega orgasticamente. Os fatores que influenciam

este modo de regulação são de natureza sociológica, psicológica e biológica.

ENERGIA ORGÔNICA (orgone): Energia cósmica primordial; está presente em tudo e pode ser

observada visualmente, termicamente, eletroscopicamente e por meio de contadores Geiger-

Mueller. No organismo vivo: bioenergia, energia vital. Descoberta por Reich entre 1936 e 1940.

ESTASE ENERGÉTICA: Estagnação da energia ou represamento da energia, geralmente

ligada ao desejo sexual. É a responsável pela formação das doenças físicas e/ou emocionais.

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VOLPI, J. H. A B C reichiano e pós-reichiano. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

ESTRUTURA DO CARÁTER: Estrutura típica de um indivíduo, sua maneira estereotipada de

agir e reagir. O conceito orgonômico de caráter é funcional e biológico, e não um conceito

estático, psicológico ou moralista.

FÓRMULA DO ORGASMO: É a formula que representa todas as manifestações da vida:

tensão – carga – descarga – relaxamento. A doença é o resultado do bloqueio em uma das

etapas deste processo.

FUNCIONALISMO ORGONÔMICO (Energético): Método de pensamento que enfoca a

totalidade de um processo natural, ao mesmo tempo em que os detalhes. Seu principio básico

é: “Não acredite em nada, só se convença daquilo que seus olhos virem e nunca perca de vista

o fato que foi observado, até ele ser totalmente descoberto.” (Reich).

HIPOORGONIA: Baixa condição da energia orgone no organismo.

HIPERORGONIA: Excesso de energia orgone no organismo.

IMPOTÊNCIA ORGÁSTICA: É a falta de potência orgástica, isto é, a incapacidade de entrega

total à convulsão voluntária do organismo (reflexo do orgasmo) e descarga completa da

excitação no auge do abraço genital.

NÚCLEO PSICÓTICO: Traço de caráter definido por Navarro, para representar aquele

indivíduo que sofreu estresse durante a etapa de gestação ou primeiros anos de vida.

ORGONOMIA: Ciência desenvolvida por Reich que estuda e trabalha com a energia orgônio.

ORGONOTERAPIA: Forma prática desenvolvida por Reich para se trabalhar com as pessoas,

analisando, mobilizando e aplicando a energia orgone.

ORGONOTERAPIA FÍSICA: Aplicação da energia orgone em estado natural, concentrada em

um acumulador de energia orgone, para aumentar a resistência bioenergética natural do

organismo contra a doença.

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VOLPI, J. H. A B C reichiano e pós-reichiano. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

ORGONOTERAPIA PSIQUIÁTRICA. Mobilização da energia orgone no organismo, isto é, a

liberação de emoções biofísicas dos encouraçamentos muscular e caracterial, com o objetivo

de estabelecer, se possível, a potência orgástica.

PESTE EMOCIONAL: É a representação da irracionalidade em grupo. É um comportamento

humano que com base numa estrutura de caráter neurótica, age de maneira organizada e

típica em relações interpessoais e instituições correspondentes. Uma característica básica da

peste emocional é que a ação e o motivo da ação nunca coincidem, o motivo real está

escondido e o motivo falso é apresentado como razão da ação. Pessoa de caráter neurótico,

que atua destrutivamente contra tudo e contra todos.

POLÍTICA SEXUAL: O termo “política sexual” refere-se à aplicação prática dos conceitos de

economia sexual às massas, no cenário social. Este trabalho foi realizado entre 1927 e 1933,

na Áustria e na Alemanha, no seio dos movimentos revolucionários pela liberdade e de higiene

mental.

POTÊNCIA ORGÁSTICA: Capacidade do indivíduo administrar sua carga e descarga de

energia.

SEGMENTO DE COURAÇA (ANEL): “[…] ao examinar vários casos típicos de diferentes

doenças à procura da lei que governa esses bloqueios, descobri que a couraça está ordenada

em segmentos que funcionam circularmente no corpo, à frente, nos lados e atrás”. Assim Reich

descreveu que a couraça se dispõe no corpo em sete segmentos ou anéis: 1º segmento –

ocular; 2º segmento – oral; 3º segmento – cervical; 4º segmento – toráxico; 5º segmento –

diafragmático; 6º segmento – abdominal e 7º segmento – pélvico.

SEXPOL: Nome da organização alemã que se ocupava das atividades de política sexual das

massas.

TERRENOS ENERGÉTICOS: Condição biológica do indivíduo que se forma desde a sua

concepção. Pode ser ácido-oxidado ou reduzido e alcalino-oxidado ou reduzido. O terreno

responde pela predisposição a determinadas doenças e por consequência aos traços de

caráter.

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO

VOLPI, J. H. A B C reichiano e pós-reichiano. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.

VEGETOTERAPIA: A partir da descoberta da couraça muscular (distúrbio nas funções do

Sistema Nervoso Vegetativo), a prática clínica de Reich passou a ser a combinação entre a

Análise do Caráter com as técnicas de desencouraçamento. Esta etapa do seu trabalho

recebeu o nome de Vegetoterapia Caracteroanalítica. Posteriormente, com a descoberta da

energia orgônica, sua prática clínica denominou-se Orgonoterapia.

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