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PSICOLOGIASICOLOGIAPPSICOLOGIACORPORALANÁLISE REICHIANA 1:
ANÁLISE DO CARÁTER,
CARACTEROLOGIA PÓS-REICHIANA
E PSICODRAMA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
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1
PROFESSORES
Dr. José Henrique Volpi
Me. Sandra Mara Volpi
COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Ficha catalográfica. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M.(Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba:Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
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Dados de Catalogação Interna
Os artigos e vídeos aqui apresentados são de uso exclusivo do aluno e de usointerno para complemento ao aprendizado do aluno. As referências de qualquercitação para publicação externa deverão ser retiradas diretamente da fonteoriginal de cada artigo/autor, cujas informações encontram-se devidamentecitadas no alto da página de cada artigo dessa apostila.
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Por esta ciência, o aluno isenta o CENTRO REICHIANO – VOLPI EDITORA ETREINAMENTO PROFISSIONAL E GERENCIAL LTDA. E os professores docurso de quaisquer responsabilidades, na medida em que foi orientado pelomesmo a esse respeito.
Volpi, José Henrique; VOLPI, Sandra Mara (Organizadores)
Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. – Curitiba: Centro Reichiano, 2020, módulo 1.
Publicação Interna
Vários colaboradores
1. Psicologia Corporal. 2. Centro Reichiano.
COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apresentação do Centro Reichiano. In: VOLPI, J. H.;VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
APRESENTAÇÃO DO CENTRO REICHIANO
José Henrique VolpiSandra Mara Volpi
Desde sua fundação, em 1995, o Centro Reichiano tem como meta principal de todo o
seu trabalho a criação de um espaço científico Interdisciplinar e Transdisciplinar que visa
discutir, debater, ensinar e trocar experiências a respeito da Psicologia Corporal, através de
suas teorias e suas práticas.
Nossa atuação teórico e prática concentra-se na Psicologia Corporal, termo criado por
José Henrique Volpi e Sandra Volpi, diretores do Centro Reichiano, definindo-a como uma
ciência que estuda o ser humano em seu aspecto somatopsicodinâmico, onde o corpo, a
mente e a energia são trabalhados em seu conjunto e em sua relação funcional.
Somatopsicodinâmico porque a mente interfere no movimento energético do corpo e o corpo
no movimento energético da mente. Assim, mente, corpo e energia são indivisíveis e devem
ser trabalhados em seu conjunto.
Essa definição surgiu em 1998 com a criação da revista Psicologia Corporal (INSS-
1516-0688), editada anualmente pelo Centro Reichiano, cujo objetivo é congregar as diversas
escolas de abordagem corporal, que comungam do mesmo princípio: estudar e trabalhar com a
interferência da mente sobre o corpo e do corpo sobre a mente.
A Psicologia Corporal é uma ciência que reconhece na atitude e no corpo do paciente
as impressões registradas durante as etapas do desenvolvimento emocional (caráter). Parte da
leitura corporal, da investigação da história pessoal, da compreensão do caráter, e ainda
considera a própria relação psicoterapêutica no diagnóstico inicial, no direcionamento durante o
projeto psicoterapêutico e na metodologia de trabalho.
Nossa abordagem está focada principalmente na escola da Orgonomia criada por
Wilhelm Reich (Análise Reichiana), que engloba as técnicas da análise do caráter,
vegetoterapia e orgonoterapia, na escola da Somatopsicodinâmica desenvolvida pelo
neuropsiquiatra italiano Federico Navarro e na escola da Análise Bioenergética desenvolvida
por Alexander Lowen.
Estas são as abordagens das quais somos especialistas oficializados tanto para o
atendimento clínico quanto para os cursos que ministramos (Especialização ou Extensão).
Enquanto instituição de saúde e ensino, o Centro Reichiano tem como objetivo algo que
já o era, para seus diretores, em termos profissionais e pessoais, antes de sua fundação:
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apresentação do Centro Reichiano. In: VOLPI, J. H.;VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
instituir qualidade à vida, divulgar as psicoterapias corporais no Brasil e no mundo, atuar de
forma interdisciplinar com outras áreas do saber, contribuindo para a ciência e a humanidade.
A cada passo, buscamos estar em contato com o que há de melhor e mais atual em
termos de formação pessoal e profissional, para, com seriedade e honestidade, levarmos a
todos aqueles que nos procuram como pessoas ou como profissionais, a qualidade que norteia
a Psicologia Corporal.
É nosso desejo que você possa desfrutar ao máximo do aprendizado oferecido por esse
Curso e que leve esse conhecimento a todos que necessitarem e puderem desfrutar dessa
magnífica experiência.
PROFESSORES DO CURSO
José Henrique Volpi / Curitiba / PR / Brasil Psicólogo (CRP-08-3685) graduado em 1989 pela Universidade Tuiuti doParaná. Especialista em Psicologia Clínica, Psicologia Corporal, Anátomo-Fisiologia, Hipnose Ericksoniana e Psicodrama. Psicoterapeuta CorporalReichiano/Analista Reichiano formado com o Dr. Federico Navarro(Vegetoterapia e Orgonoterapia). Especialista em Acupuntura clássica e MétodoHyodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição da energia dos
meridianos do corpo), com foco no tratamento dos distúrbios emocionais. Mestre em Psicologiada Saúde (Neuropsicofisiologia) pela Universidade Metodista de São Paulo. Doutor em MeioAmbiente e Desenvolvimento (Epistemologia) pela Universidade Federal do Paraná. Possuilarga experiência em psicoterapia de abordagem corporal e na coordenação de gruposterapêuticos e workshops, com diversos cursos no Brasil e Exterior. Editor chefe da revistaPsicologia Corporal e autor de diversas publicações na área da Psicologia Corporal.Organizador e Presidente dos Encontros Paranaenses, Congressos Brasileiros e ConvençõesBrasil/Latino-América de Psicoterapias Corporais. Atendimento clínico a pacientes adultos,casal, família e grupos.E-mail: [email protected]
Sandra Mara Volpi / Curitiba / PR / Brasil Psicóloga (CRP-08-5348) graduada em 1993 pela PUC-PR. Especialista emPsicologia Clínica, Psicopedagogia, Ludoterapia, Psicoterapia Infantil, PsicologiaCorporal, Análise Bioenergética (CBT e Supervisor). Especialista em Acupunturaclássica e Método Hyodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição daenergia dos meridianos do corpo), com foco no tratamento dos distúrbiosemocionais. Mestre em Tecnologia (Universidade Tecnológica Federal do
Paraná). Possui larga experiência em psicoterapia de abordagem corporal e na coordenaçãode grupos terapêuticos e workshops, com diversos cursos no Brasil e Exterior. Editora chefe darevista Psicologia Corporal e autora de diversas publicações na área da Psicologia Corporal.Organizadora e Presidente dos Encontros Paranaenses, Congressos Brasileiros e ConvençõesBrasil/Latino-América de Psicoterapias Corporais. Atendimento clínico a pacientes adultos,casal, família e grupos.E-mail: [email protected]
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apresentação do Módulo 1. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO 1
José Henrique VolpiSandra Mara Volpi
Quando Reich entrou para a psicanálise, 1919, passou a fazer parte do grupo de
psicanalistas vistos com “bons olhos” por Freud devido ao seu grande interesse por essa área.
Suas pesquisas iniciais sobre a questão do orgasmo, levaram-no a também perceber que
analisar apenas o sintoma isolado como era a proposta da psicanálise, para tornar o conteúdo
inconsciente, consciente, não promovia a cura em muitos pacientes.
Foi a partir dessa questão que Reich começou a olhar mais de perto a resistência dos
pacientes ao método psicanalítico, concluindo que a resistência do paciente em “abandonar o
sintoma neurótico” estava atrelada ao seu comportamento como um todo, ou seja, ao seu
caráter, que era demonstrado por meio do tom de voz, vestimenta, corpo, etc. Isso significa que
mais do que apenas ouvir o conteúdo verbal do paciente, era também preciso olhar para os
aspectos comportamentais, o caráter, porque era a partir dessa análise que se conseguiria
chegar às profundezas do inconsciente.
Para fazer uso desses recursos, a observação, Reich tirou o paciente do divã
psicanalítico e passou a sentar-se frente a frente com o mesmo, apontando diretamente suas
resistências, fazendo-o perceber de forma mais clara e direta como e contra o que resistia.
Esse método logo ganhou força e foi se mostrando muito mais eficiente e rápido do que o
tradicional modelo psicanalítico que buscava desenterrar o conteúdo emocional sem uma
ordem, sem objetivo, sem saber onde iria chegar com a análise. Cabe lembrar que a
psicanálise, a partir das propostas de Reich também foi evoluindo em sua metodologia, apesar
de que são poucos psicanalistas que reconhecem a contribuição de Reich àquela ciência.
Reich então percebe que o caráter da pessoa está diretamente ligado às etapas do
desenvolvimento psico-emocional e por isso é que cada pessoa tem um tipo de caráter e por
esse motivo é que cada pessoa age e reage de maneira diferente. Com isso, Reich estruturou
sua teoria do caráter que foi um marco para seu afastamento da psicanálise porque sua
proposta já não mais condizia com a proposta de Freud.
Tempos depois, com a descoberta da couraça muscular, a análise do caráter foi sendo
incorporada a essa nova técnica e passou a se chamar vegetoterapia caractero-analítica, ou
seja, uma técnica que fazia a análise do caráter, mas com base no sistema neurovegetativo.
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VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apresentação do Módulo 1. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
Percebendo a necessidade de ajustes e atualizações nas técnicas da análise do caráter
e vegetoterapia, Reich pediu a um de seus alunos, colaborador e grande amigo, Ola Raknes
que fizesse essa revisão. Sentindo-se limitado em seus conhecimentos, Raknes repassou essa
missão a outro de seu aluno, o italiano Federico Navarro que brilhantemente cumpriu com essa
proposta desenvolvendo principalmente uma metodologia para a vegetoterapia que é utilizada
em praticamente todas as escolas reichianas do mundo.
Navarro afirmava que não há um caráter único, mas sim, uma junção de traços de
caráter que estão ligados à fixação da energia orgone numa ou mais etapas do
desenvolvimento. E com isso, Navarro desenvolve sua metodologia chamada de
caractereologia pós-reichiana apontando que além dos traços básicos de caráter, temos as
chamadas “coberturas” que são traços que encobrem os próprios traços de caráter,
funcionando como uma defesa da defesa.
Independente da metodologia, de Reich ou Navarro, o importante é trabalhar camada
por camada até que se chegue às profundezas do inconsciente e o paciente consiga
novamente ter sua energia fluindo livremente pelo corpo, energia essa que quando congelada,
responde pela formação das neuroses.
Dentre as técnicas que Reich desenvolveu ao longo de sua história, podemos citar
resumidamente:
a) Economia Sexual, que buscava relacionar as perturbações da sexualidade com a
neurose;
b) Análise do caráter, que buscava compreender a formação da neurose e do caráter a
partir da fixação da libido em uma ou mais etapas do desenvolvimento psico-afetivo;
c) Vegetoterapia caracteroanalítica, que tinha como proposta compreender as couraças do
caráter e musculares a fim de flexibilizá-las por meio de movimentos (actings) a fim de “libertar”
a energia presa e por conseqüência reduzir ou eliminar a neurose.
d) Orgonoterapia, último nome dado à junção de todas as técnicas acima em uma só, cujo
objetivo era estudar e manipular a energia orgone presente dentro e fora do corpo do paciente.
É uma proposta muito voltada às questões energéticas.
Todas essas técnicas são incorporadas em uma ciência, que Reich denominou de
Orgonomia – ciência que estuda e investiga a energia orgone.
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VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apresentação do Módulo 1. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
Ao longo dos anos, percebeu-se que muitos terapeutas de abordagem corporal
deixaram de lado o trabalho analítico, prezando apenas pelo trabalho energético e corporal.
Sentindo a necessidade de resgatar essa questão, muitos terapeutas passaram a utilizar a
denominação de Análise Reichiana no lugar de Orgonomia.
EMENTA
Partiremos da compreensão das bases filosóficas e psicanalíticas da Psicologia
Corporal para entender o desenvolvimento dos trabalhos de Wilhelm Reich (Economia Sexual,
Análise do Caráter, Vegetoterapia e Orgonoterapia). Na sequencia, estudaremos a formação e
ligação energética entre os 3 cérebros (reptiliano, límbico e neocórtex) e sua relação com os
processos emocionais, as etapas do desenvolvimento psico-afetivo e a formação do
temperamento, da personalidade e do caráter, finalizando com o entendimento da fixação da
libido em cada etapa, que responde pela formação da neurose e dos traços de caráter.
Compreenderemos a questão das resistências, transferências e contra-transferências
em psicoterapia corporal, aprenderemos a estruturar uma entrevista inicial com base na análise
do caráter, levantar um diagnóstico caracterológico e energético e a criar um projeto
terapêutico de tratamento para cada estrutura caracterológica - Núcleo Psicótico - Borderline -
Psiconeurótico - Neurótico. Focaremos no desenvolvimento da caracterologia pós-reichiana
desenvolvida por Federico Navarro e no Psicodrama de Jacob Levi Moreno, como recursos
complementares ao tratamento clínico e pedagógico. Apontaremos também de algumas
possibilidades de trabalhos com casal, famílias e grupos, fazendo uso da metodologia da
Análise Reichiana e do Psicodrama.
AO FINAL DESSE MÓDULO O ALUNO DEVERÁ SER CAPAZ DE RESPONDER AS
SEGUINTES QUESTÕES:
1 – Qual a divisão topográfica do cérebro humano segundo Paul MacLean e pelo que responde
cada cérebro?
2 – Qual a importância de se ter conhecimentos desses 3 cérebros e onde eu posso aplicar
esses conhecimentos?
3 – Quais são os mecanismos de defesa e como cada um deles pode aparecer no dia a dia
profissional, seja na clínica, na escola, na empresa, etc?
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VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apresentação do Módulo 1. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
4 – O que significa “fixação da libido” que na linguagem reichiana chamamos de energia
orgone, nas zonas erógenas e nas etapas do desenvolvimento?
5 – Qual a diferença entre temperamento, personalidade e caráter?
6 – Quais são as etapas do desenvolvimento segundo a Psicologia Corporal (Volpi e Volpi),
como surgem, como são bloqueadas e que traço de caráter se desenvolve em cada uma delas
quando há um bloqueio no desenvolvimento emocional?
7 – Qual a diferença entre o caráter neurótico e o genital?
8 – Como é o padrão de funcionamento emocional (comportamento) dos traços de caráter:
Núcleo Psicótico, Borderline, Psiconeurótico (Masoquista, Ob. Compulsivo e Passivo-feminino)
e Neurótico (Fálico-narcisista e Histérico)?
9 – Como é a condição energética de cada um dos traços de caráter acima?
10 – Que características no corpo são mais evidentes em cada um dos traços de caráter
acima?
11 – O que significa “cobertura caracterológica”?
12 – Por que chamamos de “traços de caráter” e não de “caráter?
13 – O que é mais importante levarmos em consideração no projeto terapêutico para o
tratamento do paciente Núcleo Psicótico?
14 – O que é mais importante levarmos em consideração no projeto terapêutico para o
tratamento do paciente Borderline?
15 – O que é mais importante levarmos em consideração no projeto terapêutico para o
tratamento do paciente Psiconeurótico (Masoquista, Ob. Compulsivo e Passivo-Feminino?
16 – O que é mais importante levarmos em consideração no projeto terapêutico para o
tratamento do paciente Neurótico (Fálico-Narcisista e Histérico)?
17 – O que é mais importante levarmos em consideração no projeto terapêutico para o
tratamento do paciente com traços Psicopáticos?
18 – Cite cinco elementos importantes no contrato terapêutico?
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ALDRIGHI, M. L. M. Ressignificando Reich à luz da Filosofia de Henri Bergson. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
RESSIGNIFICANDO REICH À LUZ DA FILOSOFIA DE HENRI BERGSON
Maria de Lourdes Mendes Aldrighi
“O filósofo é um principiante perpétuo. Isto quer dizer que ele não considera como adquirido aquilo queos homens ou sábios creem saber. Isto quer dizer também que a Filosofia não deve ela própria ter-secomo acabada no que pode dizer de verdadeiro, significa que ela é uma experiência renovada de seu
próprio começo, que consiste integralmente em descrever este começo e finalmente que a reflexãoradical é consciência de sua própria dependência em relação à uma vida irrefletida que é sua situação
inicial, constante e final.” (MERLEAU PONTY,1971)
Ao atestar a incompetência da inteligência para compreender a vida, Bergson traz uma
questão crucial para o campo epistemológico: matéria orgânica e matéria inorgânica não
podem ser conhecidas através do mesmo método. Em seu primoroso ensaio “Introdução à
Metafísica”, o filósofo afirma haver
[…] duas maneiras profundamente diferentes de se conhecer uma coisa. Aprimeira implica que a rodeemos; a segunda, que entremos nela. A primeiradepende do ponto de vista em que nos colocamos e dos símbolos pelos quaisnos exprimimos. A segunda não se prende a nenhum ponto de vista e não seapoia em nenhum símbolo. Acerca da primeira maneira de conhecer, diremosque ela se detém no relativo; quanto à segunda, onde ela é possível, diremosque ela atinge o absoluto. (BERGSON, 1979c, p. 13).
A primeira refere-se ao procedimento da Ciência, via inteligência e a segunda, à
Filosofia, enquanto investigação metafísica. É o próprio autor quem esclarece: “Chamamos
intuição a simpatia pela qual nos transportamos para o interior de um objeto para coincidir com
o que ele tem de único e, consequentemente, de inexprimível.” (BERGSON, 1979c, p. 14).
Considerando a realidade como um “[…] jorro contínuo de novidade e mudança […]” algo
jamais acabado e marcado pela imprevisibilidade, Bergson (1979d, p. 105) aponta a
precariedade da linguagem, sempre tradução do real, representação. Quanto à Ciência,
exatamente por trabalhar através de conceitos, reconstituindo a partir do já dado, do já
conhecido, “[…] deixa escapar o que há de novo a cada momento de uma história. Ela não
admite o imprevisível. Ela rejeita toda criação.” (BERGSON, 1979b, p. 193). Radicaliza sua
crítica, pontuando que a inteligência se caracteriza por uma “[…] incompreensão natural da
vida.” (BERGSON, 1979b, p. 149). No que se refere à Psicologia, assinalará sua fragilidade,
uma vez que, segundo o autor, nossa consciência, nossa interioridade, será sempre
inacessível ao método analítico. “Analisar consiste em exprimir uma coisa em função do que
não é ela”, uma vez que “A análise multiplica sem fim os pontos de vista para completar a
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
ALDRIGHI, M. L. M. Ressignificando Reich à luz da Filosofia de Henri Bergson. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
representação sempre incompleta, varia sem cessar os símbolos para perfazer a tradução
sempre imperfeita. Ela se desenvolve, pois, ao infinito.” (BERGSON, 1979c, p. 14). Bergson
quer encontrar um meio de escapar às traduções ou representações simbólicas do real, quer
conhecer, ao menos, uma realidade de forma absoluta e não relativa. Este meio é a Metafísica
compreendida como “[…] a Ciência que pretende dispensar os símbolos.” (BERGSON, 1979c,
p. 15). A experiência desta realidade absoluta acontece através da percepção do “eu” em seu
fluir no tempo, via intuição. Numa carta a William James, Bergson (1979) afirma:
Quanto mais tento apreender-me a mim mesmo pela consciência, tanto maisme apercebo como a totalização ou o inbergriff (resumo) de meu passado, estepassado contraído em vista da ação. A “unidade do eu” de que falam osfilósofos me aparece como a unidade de uma ponta ou de um cume, no qualme concentro a mim mesmo por um esforço de atenção, esforço que seprolonga durante a vida inteira e ao que parece, é a própria essência da vida.Mas para passar desta ponta de consciência ou deste cume para a base, paraum estado em que todas as lembranças de todos os momentos do passadoestariam espalhadas e distintas, sinto que teria de passar do estado normal deconcentração a um estado de dispersão como o de certos sonhos; não haveria,pois, nada de positivo a fazer, mas simplesmente algo a desfazer, nada aganhar, nada a acrescentar, mas antes algo a perder.
Para melhor compreendermos, Bergson compara a consciência à imagem de um cone,
cuja base cresceria, constantemente, através das experiências vividas. O vértice representaria
nosso momento presente, nosso permanente esforço de inserção na atenção à vida. É como
se a consciência transitasse entre dois “eus”: o superficial (automatizado, repetitivo, preso às
necessidades da vida, às regras sociais, determinado) e o profundo (registro ontológico de
nossas memórias, livre, criador). Não haveria outra via senão a observação interior, ou “visão
interior,” para sabermos quem somos, para nos percebermos enquanto registro do tempo, “[…]
mesmo que ela nos trouxesse, de nós mesmos, apenas uma vaga intuição.” (BERGSON, 1991,
p. 842). Indiretamente, nosso eu poderia ser sugerido através de imagens. No entanto, sua
percepção direta somente se daria via intuição. Por natureza, ele é avesso à qualquer
representação conceitual (BERGSON, 1979c, p. 19). Somos tempo e memória, somos
duração, o próprio tempo experimentado, subjetivamente. No entanto, não somos, apenas,
memória psicológica, somos memória orgânica, “[…] registro ininterrupto da duração, todo o
passado do organismo, sua hereditariedade, enfim, o conjunto de sua longuíssima história.”
(BERGSON, 1991, p. 510-511). Nossos corpos são a história de nosso existir, existir este que
“[…] consiste em mudar, mudar amadurecendo, amadurecer criando-se infinitamente a si
mesmo.” (BERGSON, 1979b, p. 18). A memória orgânica seria paulatinamente tecida pelo
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
ALDRIGHI, M. L. M. Ressignificando Reich à luz da Filosofia de Henri Bergson. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
grande artista da vida, criador de todas as formas existentes: o élan vital. Concebido ora como
“vontade”, ora como “força” ou “corrente elétrica”, esta potência criadora atravessa toda e
qualquer matéria, criando por criar, nela inserindo indeterminação e liberdade. Daí a enorme
variedade das espécies vegetais e animais existentes, criadas sem projeto ou plano algum,
apenas por amor, prazer, por nada. Porém, as formas produzidas pelo élan tendem a se
imitarem e a se repetirem, obstaculizando o impulso criador que caracteriza seu trabalho. Daí a
tendência ao automatismo e à repetição que ameaça as espécies que, para se protegerem de
outras inimigas, vão criando invólucros mais ou menos rígidos (carapaça, concha, armadura,
couraça), aprisionando ou paralisando o fluxo vital. Segundo Bergson (1979b), apenas no
homem este movimento vital parece prosseguir sem obstáculo, através de sua liberdade de
escolha, de seu fabuloso cérebro e de sua competência criadora. Poder-se-ia considerá-lo
como o “termo da evolução da vida.” Por abarcar em si tendências contrárias, o élan vital
caminha em direções contrárias, daí a criação dos reinos animal e vegetal, a mobilidade e o
repouso, os vertebrados e os invertebrados, o instinto e a inteligência, a individualização e a
socialização. No tocante à vida humana, sua plena satisfação acontece na esfera social. O
próprio élan já contém em si a inclinação moral. Porém, apenas alguns homens podem
experimentá-la e compartilhá-la com os demais. São eles “os grandes homens de bem”
místicos, heróis, que abririam caminhos para a virtude, iluminando núcleos de generosidade.
Estes homens, por estarem mais distantes das necessidades materiais, desta atenção à “vida”,
do “eu superficial”, manteriam com o élan vital uma profunda conexão e seriam, naturalmente,
“éticos”, tal como é da natureza do impulso vital: criar com e por amor. Tais homens, de
percepção mais apurada, semelhantemente aos artistas e filósofos, não se subjugam à ação,
ao pragmatismo. Conseguem preservar a visão que têm de si e do mundo, o que não
aconteceria com os demais, capturados pela necessidade de viver e agir, diminuindo-lhes a
capacidade de enxergar, em detrimento da ação. Neste sentido, “[…] tanto mais nos
preocupamos em viver, menos somos inclinados a ver.”1 E é exatamente ao nos abrirmos para
esta percepção apurada de nós mesmos, ao nos permitirmos atingir o “estado semelhante ao
dos sonhos”, nos percebendo como duração, compreendendo a própria vida, que todos os
seres vivos se apresentam, igualmente compreendidos, enquanto duração, enquanto formas
1 A percepção, enquanto apenas auxiliar da ação, isola, no conjunto do real, apenas o que nos interessaàquela determinada ação. Ela nos mostra menos das coisas, do que elas realmente são. O seu critério éo da “utilidade”. No entanto, alguns de nós escapariam desta condição: “De quando em quando,felizmente, nascem homens que, seja pelos seus sentidos, seja por sua consciência, são menos ‘ligados’à vida. Não se subjugam ao agir, ao que é útil.”
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
ALDRIGHI, M. L. M. Ressignificando Reich à luz da Filosofia de Henri Bergson. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
de consciência. Vemos todas as manifestações da vida se interpenetrarem, atravessadas por
um impulso único e indivisível. “Todos os seres se entrosam e todos cedem ao mesmo
formidável ímpeto”, nos diz o filósofo. “A consciência, enquanto duração, torna-se o arquétipo
epistemológico da Ciência e da Filosofia da vida, uma vez que a inteligência não nos permite
pensar a vida”, resume Philonenko (1994, p. 257), estudioso da filosofia bergsoniana. Apenas a
percepção da duração, via intuição, pode fazê-lo. Assim é que a relação entre a consciência e
o corpo, ou, em outras palavras, entre o espírito e a memória, assume um papel fundamental
na Filosofia e Epistemologia bergsonianas. O corpo, enquanto matéria, é concebido como
instrumento, obstáculo e estímulo ao élan vital. Cabe-lhe conter a vida do espírito,
compreendido enquanto consciência, “[…] uma força capaz de tirar de si mais do que possui.”
(BERGSON, 1972, p. 937). É como se o corpo servisse de “vaso maleável” a este sopro
criador, delimitando-lhe as fronteiras em relação aos demais corpos, constantemente em
transformação e em comunicação, interpenetrados pelo élan vital. Para Bergson (1979b), o
organismo seria apenas o lugar de passagem do fluxo vital, da corrente de vida, distintamente
do corpo, concebido como o lugar das afecções, isto é, por onde nos chegam os objetos do
mundo, experimentados, singularmente, pela nossa subjetividade. Apesar da estreita relação
da alma (consciência) e do corpo, há que se cuidar para jamais se reduzir os fenômenos
mentais aos fenômenos cerebrais. Há que se considerar, segundo a Epistemologia
bergsoniana, a natureza daquilo que se pretende conhecer, através de meios específicos e
apropriados. Assim é que a inteligência, enquanto fruto do processo de evolução da vida,
jamais pode explicar sua origem (da vida). A habilidade da inteligência estaria restrita à
manipulação do inerte, da matéria inorgânica e não do que é vivo. Se não respeitarmos a
natureza daquilo a ser conhecido, cometemos graves erros. Daí seu comentário:
Quer se trate da vida do corpo ou do espírito, ela [a inteligência] age com todoo rigor e a rusticidade de um instrumento que não havia sido destinado asemelhante uso. […]. A grosseria e a persistência dos erros de uma práticamédica ou pedagógica teriam a origem […] em nossa obstinação em tratar oser vivo como se trata o inerte e em pensar a realidade, por mais fluida queseja, sob forma de sólido definitivamente parado. (BERGSON, 1979b, p. 149).
Bergson (1979) resume:
Queremos uma diferença de método, não admitimos uma diferença de valorentre a Metafísica e a Ciência. […] Cremos que elas podem tornar-se,igualmente precisas e certas. Uma e outra referem-se à própria realidade. […]Deixemos-lhes, ao contrário, objetos diferentes, à Ciência a matéria e àMetafísica o espírito: como espírito e matéria se tocam, Metafísica e Ciência
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ALDRIGHI, M. L. M. Ressignificando Reich à luz da Filosofia de Henri Bergson. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
vão poder, ao longo da face comum, pôr-se mutuamente à prova esperandoque o contato se torne fecundação.
Ciência e Metafísica diferenciam-se pelo objeto e pelo método, mas se comunicam na
experiência. Bergson (1979c) reconhece que a forma matemática que a Física tomou satisfaz
mais nosso entendimento e responde melhor à realidade. Reconhece, também, a
impossibilidade de uma linguagem estritamente apropriada à experiência interior por haver,
nesta experiência, algo que escapa à representação. Haveria sempre uma franja dela,
alcançada tão somente, via intuição, única a se instalar no “movente”, “[…] a realidade
compreendida enquanto novidade, movimentação e mudança.” A seu ver, a Psicologia, por
trabalhar com recortes da nossa existência, incapaz de compreender o eu, enquanto
continuidade melódica, limita-se ao estudo do espírito humano enquanto funcionamento à
prática da ação. Cabe à Metafísica estudar o esforço deste mesmo espírito para se reaprender
enquanto pura energia criadora (BERGSON, 1975). Apesar de dedicar grande parte dos seus
estudos à compreensão da relação consciência-corpo e de ter abraçado a tarefa de apreender
o espírito humano como “pura energia criadora”, participando de experiências sobre radiações,
hipnose e estados alterados de consciência do Groupe d’études des phénomènes psychiques,
Bergson não clinicou. No entanto, seu legado foi, sem dúvida alguma, fonte de inspiração e
apoio epistemológico para Reich. Em “A função do orgasmo” ele afirma ter feito “um estudo
muito cuidadoso” de algumas obras de Bergson. “A experiência bergsoniana da percepção
como duração temporal na experiência psíquica e da unidade do Ego confirmou as minhas
próprias percepções íntimas da natureza não mecanicista do organismo”, conta-nos o autor
(REICH, 1988, p. 30). Relata, também, ter buscado no pensamento bergsoniano a origem de
sua teoria da identidade e da unidade do funcionamento psicofísico. Considerado, em sua
época, um “bergsoniano maluco”, encontra, no filósofo francês, legitimação epistemológica do
que até então “era obscuro e vago” “[…] mais percepção que conhecimento.” (REICH, 1988, p.
30). Inspirado no élan vital e ancorado na Epistemologia de Bergson, erige sua “Análise do
Caráter” e a própria Orgonomia, trabalhando, fundamentalmente, sobre a noção do conceito de
energia como desencadeador da vida. Em sua trajetória, desaponta-se seriamente com Freud.
Luta arduamente pela sua teoria. “Gastei quatorze anos de trabalho intensivo na e para a
Psicanálise.” (REICH, 1988, p. 39). Refere-se ao “inconsciente freudiano” como uma
descoberta fundamental e ferramenta essencial para a terapia das neuroses. No entanto, a
experiência lhe revela que, na verdade, é “[…] mais complicado do que sugerira a fórmula de
tornar consciente o inconsciente.” (REICH, 1988, p. 187). Seu trabalho clínico mostra que a
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neurose era não somente a perturbação de um equilíbrio psíquico, mas a expressão de uma
perturbação crônica do equilíbrio vegetativo e da motilidade natural. Assim, sua investigação
volta-se para a busca das bases biológicas da teoria da libido, através da experiência. Neste
sentido é que a expressão “estrutura psíquica” ganha um significado especial em suas
pesquisas. Busca-se atingir diretamente os afetos a partir da atitude somática. É por isto que,
para a Análise do Caráter, as atitudes musculares assumem outra importância: liberam-se os
afetos a partir da compreensão do significado e da dissolução da atitude muscular. Em outros
termos, o trabalho de Análise do Caráter não se limita em apontar e desmascarar as atitudes
de caráter enquanto mecanismos de defesa psíquicos. Através da dissolução dos afetos
represados provoca-se reações no Sistema Nervoso Vegetativo. Para Reich, quanto mais
tratamos as atitudes musculares correspondentes às atitudes de caráter, mais adentramos
no campo biológico. Desvia-se uma parte do trabalho dos campos psicológico e
caractereológico para a dissolução direta, imediata da couraça muscular. “Pode-se dizer que
toda rigidez muscular contém a história e o significado da sua origem”, afirma Reich (1988, p.
255). Não se trata mais de deduzir a partir de sonhos ou de associações a maneira do
desenvolvimento da couraça muscular. “A couraça é a forma na qual a experiência infantil é
preservada como obstáculo ao funcionamento.” (REICH, 988, p. 255). Em outros termos, a
noção bergsoniana da memória orgânica parece ter colaborado na formulação reichiana da
teoria das neuroses, onde consciência e corpo se constroem reciprocamente. Bergson já nos
esclarecera sobre o aprisionamento do élan vital pelas carapaças de proteção, como estratégia
de algumas espécies. Reich observa, através da prática clínica, fenômeno semelhante em seus
pacientes:
Todos os nossos pacientes contam que atravessaram períodos na infância nosquais, por meio de certos artifícios sobre o comportamento vegetativo (prendera respiração, aumentar a pressão dos músculos abdominais, etc.) haviamaprendido a anular os seus impulsos de ódio, de angústia ou de amor. Atéagora, a Psicologia Analítica se dedicou apenas ao que a criança anula e aosmotivos que a levam a aprender a controlar as suas emoções. Não pesquisou omodo pelo qual as crianças lutam contra os impulsos. É precisamente oprocesso fisiológico de repressão que merece a nossa maior atenção. Nãodeixa nunca de ser surpreendente o modo como a dissolução de um espasmomuscular não só libera a energia vegetativa mas, além disso e principalmente,reproduz a situação de infância na qual ocorreu a repressão do instinto.(REICH, 1988, p. 254)2.
2 Grifos do autor citado.
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Em resumo, o corpo, por trazer em si a inscrição da neurose, serve-lhe como pista
diagnóstica, prevenção e tratamento. No entanto, não é apenas a percepção visual ou tátil do
terapeuta que participa na elaboração do diagnóstico. Reich, através da noção de sensação
plasmática3 parece responder às críticas de Bergson com relação à linguagem e à Ciência,
sempre limitadas ao trabalho de tradução do real, ao propor que o terapeuta, através de todo
seu aparelho sensório motor “apreenda” o cliente que está diante de si, via intuição (ou
simpatia) obtendo, assim, o que o Bergson chamara de conhecimento absoluto,
dispensando os símbolos que representem o que o cliente sente, uma vez que o próprio corpo
do terapeuta “teria coincidido” com o cliente. Como nos esclarece Bedani (2013, p. 123), Reich
também faz da empatia uma via privilegiada do contato entre terapeuta e paciente: “Apenas
quando tivermos sentido a expressão facial do paciente estaremos em condições de
compreendê-la.” Segundo Bedani (2013) “compreender” significaria reconhecer a emoção que
está por trás daquela expressão facial, em seu nível orgânico mais profundo, isto é, sua
condição plasmática. Reich traz o relato de casos clínicos que atestam este importante contato
empático, compartilhando sua experiência: “A primeira coisa a fazer em tais situações é
relaxar, sentar-se, olhar o paciente, conversar com ele e saber que ‘impressão’ ele nos dá.”
Esta via de conhecimento do “outro” através da sensorialidade só seria atingida em estruturas
não encouraçadas, com potência orgástica, isto é, com “[…] a capacidade de se entregar ao
fluxo da energia biológica, sem quaisquer inibições; capacidade de descarregar
completamente, por meio de convulsões involuntárias e prazerosas do corpo, a excitação
sexual acumulada.” No limite, estruturas capazes de manter contato “[…] com a natureza que
está dentro e fora delas.”4 Reich, mesmo reconhecendo um princípio de uma força criativa
governando a vida, sabia da dificuldade de sua aceitação pela Ciência natural, em virtude da
sua “inaplicabilidade”. Através de suas pesquisas, chega à energia capaz de carregar a matéria
orgânica: o orgone. Os bions, vesículas microscópicas carregadas desta energia orgonal se
desenvolveriam ou a partir da matéria inorgânica (por meio de aquecimento e dilatação, ou
espontaneamente, na terra) ou, a partir da matéria orgânica em degeneração, como no caso do
câncer. O organismo vivo conteria esta energia orgonal em cada célula e se carregaria
constantemente com a energia orgonal da atmosfera, por meio da respiração. O trajeto de sua
investigação culmina na formulação da teoria do orgone, através da qual Reich formulou o
conceito de “sensação orgonótica”, “[…] percepção subjetiva da excitação plasmática objetiva,
3 Além de sensações plasmáticas, Reich utiliza mais três termos: sensação de órgão, sensaçãoorgonótica ou correntes vegetativas.4 Bedani (2013, p. 21 e 104) cita trechos da autobiografia científica de Reich.
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percepção essa que anteriormente5 designávamos, de maneira mecanicista, como corrente
vegetativa.” (BEDANI, 2013). Parece-nos evidente que o anteriormente deve ser
compreendido como antes do contato com a filosofia de Henri Bergson. Através de sua
pesquisa do orgone, Reich afirma ter podido demonstrar a identidade existente entre a energia
bioelétrica e a energia sexual. Tal como em Freud, a satisfação sexual ocupa, na obra
reichiana, um lugar privilegiado na promoção e prevenção da saúde. Assentado em sua
experiência médica, Reich (1974a, p. 96) afirma que “A repressão sexual resulta em doença,
perversão ou lascívia.” Semelhantemente a Bergson que via no próprio élan vital a origem de
nossa existência ética, Reich constrói uma complexa relação entre sexualidade e moralidade,
que perpassa todos os modos do existir humano: de sua subjetividade à compreensão do
Universo. No seu entender, “Toda regulamentação moral é sexualmente negativa, isto é, nega
as necessidades sexuais naturais. Toda moral nega a própria vida e a revolução social parece
não ter tarefa mais importante do que possibilitar finalmente ao homem, ao ser humano vivo, a
satisfação e realização da sua vida.” (REICH, 1974, p. 57). Assim, a sexualidade seria a via
privilegiada de se atingir não apenas a revolução social mas o próprio modo de existir humano.
Num primeiro momento, satisfação genital e moralidade andariam juntas, produzindo a saúde
de nossas relações sociais. “O doente, com a regulamentação moral pelo seu consciente,
perde também sua antissocialidade e torna-se ‘moral’ na medida em que se refaz
genitalmente.” (REICH, 1974, p. 55). A própria satisfação e saúde sexuais já garantiriam uma
proteção a parceiros com tendências autoritárias, como se parece poder concluir a partir de
sua referência à jovem que, para satisfazer as exigências da economia sexual “[…] não
somente precisaria ter uma livre sexualidade genital; também necessitaria de […] um amigo
potente, com vitalidade, justamente não nacional-socialista, isto é, não-estruturado na negação
do sexo […]” (REICH, 1974, p. 47). Muito semelhantemente a Bergson (1991, p. 1071), o social
em Reich estaria inserido no vital, satisfação sexual e moralidade se interpenetrariam,
naturalmente. Há que se compreender o lugar da sexualidade no pensamento reichiano em
suas profundezas e sua imbricação na esfera social. Neste sentido, a importante constatação
de Albertini (2011): “Mais do que um mero brado de reivindicação hedonista, Reich aponta para
a necessidade da presença de um contexto social não cerceador da vida, algo fundamental
para a formação do cidadão.” Este contexto seria fruto do trabalho humano, de pessoas mais
próximas ainda da sua fonte originária, “naturalmente” éticas. Injustiça e maldade seriam
produzidas “socialmente” (REICH, 1988, p. 189). Toda esta discussão nos remeteria à
5 Grifo da autora do texto.
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complexa questão da natureza humana, a saber: a maldade nasce com a civilização ou dela é
fruto? Não é propósito deste ensaio o aprofundamento desta significativa questão. Atenhamo-
nos, apenas, a apresentar algumas considerações do próprio Reich que, semelhantemente a
Bergson, não pensava serem as pessoas, naturalmente, ruins.
Haviam se tornado assim por causa das condições da vida. No início, porém,poderiam ter-se tornado um tanto diferentes: decentes, honestas, capazes deamar, sociáveis, mutuamente responsáveis, sociais sem compulsão.Estávamos lidando com contradições do caráter que refletiam contradições dasociedade.[…] da mesma forma, o comportamento humano reflete apenas ascontradições entre a afirmação de vida e a negação de vida no próprioprocesso social. (REICH, 1988, p. 57).
Este “contexto social não cerceador da vida”, só seria viabilizado através de uma “moral
compulsória”, que não estivesse em contraste com a natureza, já naturalmente concebida
como a afirmação da vida. Bergson também já se ocupara do tema, fazendo uma distinção
entre duas morais: a “fechada” e a “aberta”. A primeira (fechada) se constituiria a partir da
inteligência e poderia ser assimilada à pressão do todo social para atender sua necessidade
enquanto coletivo. A segunda (aberta) diria respeito à aspiração, enquanto força original do
élan para “levar a humanidade adiante”. Esta segunda moral seria traduzida apenas por alguns
homens através da emoção particular que experimentam ao se colocarem longe das
necessidades da atenção “à vida”. O engajamento não viria da pregação do amor ao próximo.
Este seria o procedimento da inteligência. Bergson (1991) afirma ser necessário passar pelo
heroísmo para se chegar ao amor. Apenas a emoção trazida como experiência viva do herói
seria capaz de mobilizar os outros homens. Neste sentido, a moral do evangelho seria
essencialmente uma moral aberta, enquanto a moral da pólis, a preconizada pelos gregos,
seria exemplo de moral fechada. Reich (1988) tece duras críticas a Freud, incapaz de
encontrar na Sociologia o respaldo teórico para alargar sua compreensão da “malícia do
homem”. “Freud estava desiludido”, comenta Reich, acusando severamente a Psicanálise por
ter se tornado uma “[…] teoria de adaptação cultural abstrata e portanto conservadora, cheia
de contradições insolúveis.” (REICH, 1988, p. 187-189). Apesar de não termos a pretensão de
adentrarmos em tal querela, Freud, referindo-se a aqueles que buscavam nas questões sociais
a explicação das neuroses, insistiu sobre a preponderância do fator sexual como sendo o
principal na etiologia das neuroses. Considera suas teorias
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[…] insuficientes para explicar as peculiaridades dos distúrbios nervosos porignorarem justamente o fator etiológico mais importante6. Se deixarmos delado as modalidades mais leves de “nervosismo” e nos atermos às doençasnervosas propriamente ditas, veremos que a influência da civilização reduz-seprincipalmente7 à repressão nociva da vida sexual dos povos (ou classes)civilizados através da moral sexual “civilizada” que os rege.8
Apesar do importante legado deixado por Bergson e Reich para a compreensão da vida
e para a própria teoria do conhecimento, a leitura de suas obras tem se prestado a críticas,
muitas delas infundadas, sob nosso ponto de vista. Bergson é acusado de ser “espiritualista” e
apolítico. Politzer é citado por Soulez (1989) como um dos disseminadores deste equívoco
interpretativo, por partir de comentadores de sua obra, cujas afirmações são deduzidas a partir
de uma caricatura daquilo que consideram ser o bergsonismo e não a partir dos seus próprios
escritos. A complexidade da obra de Bergson e seu lugar singular na História da Filosofia são
temas minuciosamente tratados por Philonenko em sua obra “Bergson ou de la Philosophie
comme Science rigoureuse”. Enquanto outros pensadores poderiam ser tidos como herdeiros
legítimos de seus predecessores, o mesmo não se passa com Bergson. A seu ver,
Ele não é o herdeiro de nada, pela simples razão de nada ter existido antesdele, […] de não haver um progresso na história do pensamento que conduziriaa Bergson: do mundo obscurecido do pensamento pela confusão do símbolo eda ação, de um lado e do pensamento da vida interior, de outro lado, ao mundoteórico e luminoso e verdadeiro da intuição, existe uma solução decontinuidade radical. (PHILONENKO, 1994, p. 28).
Isto não significa que nada fora feito em Filosofia. A intuição se trairia a si mesma se
quisesse ocupar o lugar das Ciências Exatas que servem ao mundo da ação. Ao contrário,
caberia ao filósofo bergsoniano penetrar na realidade psicológica, dissipar as confusões
filosóficas, alcançar o movimento interior da vida, protestar contra as intrusões da lógica da
ação na lógica das significações. Em resumo, apreender a vida enquanto “jorro contínuo, de
novidade e mudança”. Reich fora apelidado de “bergsoniano maluco” e até hoje parece não ter
recebido, em alguns círculos, o respeito e o valor merecidos. Porém, é indubitável que sua obra
ajudou o alargamento da compreensão da vida para além dos limites impostos pela
racionalidade científica de sua época, ao resgatar nossa outra importante via epistemológica, a
intuição, tal como já propusera Bergson, reiterando a complexidade do real e apreendendo-o
6 Grifos da autora do artigo.7 Grifo da autora do artigo.8 Neste sentido, Freud, já em 1908, escreve: “Quem penetrar nos determinantes das doenças nervosascedo ficará convencido de que o incremento dessas doenças em nossa sociedade provém daintensificação das restrições sexuais.”
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como um todo indivisível, imprevisível e movente. Assim, parece-nos que o codinome que
outrora lhe fora outorgado em sua juventude (“bergsoniano maluco”) revela a resistência dos
que o rodeavam em compreender a vida através de novas vias de conhecimento. Aliás, ele
próprio se manifestara frequentemente a respeito dos limites da Ciência, sobretudo através da
crítica à Ciência Positiva, por ele considerada como “[…] um problema em si mesmo” (REICH,
1988, p. 87). Bergson e Reich nos conduzem à mesma conclusão, quanto ao organismo vivo:
sua investigação ultrapassa os limites da Psicologia Profunda e da Fisiologia. A percepção de
si, enquanto duração, levou Bergson ao élan vital, à compreensão da vida. Reich (1988),
orientado pelo bergsonismo, cria a teoria do orgone através da qual, pelo estudo do orgasmo, é
levado “até o fundo dos segredos da natureza”. Psicologia torna-se biofísica e “[…] parte de
uma Ciência Natural experimental.” (REICH, 1988, p. 319). No entanto, ele próprio, que relutara
em se valer do élan vital, acaba por se mostrar mais bergsoniano do que pretenderia, ao
concluir uma de suas mais importantes obras (“A função do orgasmo”), afirmando: “O que era
Psicologia tornou-se Biofísica, e parte de uma genuína Ciência Natural experimental, cujo
cerne permanece, como sempre, o enigma do amor, a que devemos o ser.” Surpreendem-nos,
não apenas os termos utilizados (“ser”, “enigma do amor”), mas a ideia mesma. Reich parece
dizer que devemos nossa existência ao amor e, ao mesmo tempo, que estaríamos impedidos
de conhecermos o cerne da “Biofísica”, pois se trata de um “enigma”. Estaria Reich transpondo
as fronteiras da Ciência, adentrando, assim, no universo da própria Ontologia? Seria o caso de
se considerar toda a investigação reichiana como desprovida de rigor ou, ao contrário, o
momento de colocarmos em discussão o alcance de nossa Ciência e Epistemologia?
Lançamos a questão, lembrando que valeria a pena considerarmos a advertência feita por
Merleau Ponty, em “A fenomenologia da percepção”: os fenômenos precedem a Ciência. O fato
de não conseguirmos explicá-los não nos autoriza a negá-los. Dificuldade de delimitação entre
Ciência e Ontologia à parte, é incontestável a competência de Reich. O próprio Freud a ele se
referira, como o psicanalista mais brilhante no manejo da Análise do Caráter. Marcuse (1972,
p. 207) igualmente comentara:
A mais séria tentativa realizada para desenvolver a teoria crítica social implícitaem Freud foi a de Wilhelm Reich, em seus primeiros escritos. Em sua obra“Einbruch der Sexualmoral” (1931), Reich orientou a Psicanálise no sentido darelação entre as estruturas social e instintiva. Salientou o grau em que arepressão sexual é imposta pelos interesses de dominação e exploração, e amedida em que esses interesses são, por seu turno, reforçados e reproduzidospela repressão sexual.
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Birman (2007) atualiza esta apreciação elogiosa de Marcuse, ao se referir com apreço
às análises feitas por Reich em “Psicologia de Massas do Fascismo”, onde se examinam as
relações de poder e o consequente empobrecimento erótico das massas, além do
silenciamento ostensivo de seus recursos simbólicos. O trabalho clínico de Reich e suas
investigações, sobretudo as que diziam respeito à dissolução do encouraçamento corporal
parecem trazer ao homem a compreensão de sua origem cósmica e de seu lugar no Universo.
Como se a clínica reichiana, além da dimensão política que lhe é inerente, atingisse o que,
segundo Bergson, seria a tarefa da própria Metafísica, isto é, a apreensão do espírito humano
como pura energia criadora. Bedani (2013, p. 91) pontua:
Ao que tudo indica, a análise bergsoniana da duração forneceu a Reichelementos para que ele compreendesse a maneira dinâmica, melódica,contínua pela qual as sensações de corrente apresentar-se-iam à consciênciado sujeito. […] especialmente as relacionadas à “excitação orgástica”,poderiam ser de grande valia para o estudo da consciência humana; a seu ver,as mudanças de estado que ocorreriam durante a excitação sexual ofereceriamreferências “claras e úteis” para o estudo do “fenômeno da consciência”.
A Orgonoterapia não procuraria trabalhar meramente com conflitos individuais ou
examinar as particularidades dos encouraçamentos pessoais, mas sim, “[…] alcançar
tecnicamente o organismo vivo em si mesmo”, explica Bedani (2013, p. 98). E nós
acrescentaríamos: organismo este compreendido em sua teia relacional com os demais seres
do Universo. Consideramos o estudo da Filosofia bergsoniana como condição imprescindível à
compreensão da obra e do trabalho clínico de Wilhelm Reich. É nela que Reich busca não
apenas inspiração, mas seu próprio esteio epistemológico que o encorajou a estruturar sua
Orgonomia. Nunca é demais enfatizar que tanto Reich como Bergson, ao legitimarem o
conhecimento intuitivo, jamais prescindiram da busca de precisão. Ademais, não fosse o rigor
epistemológico destes dois autores, como explicar o interesse de tantos leitores e estudiosos?
Há muito ainda a ser explorado na relação consciência-corpo. As experiências do Instituto do
Cérebro em São Petersburgo sobre a questão da drogadicção e a proposta de tratá-la, via
intervenção cirúrgica mostram-nos algo já sinalizado nas obras de Bergson: o equívoco de se
reduzir os fenômenos mentais aos cerebrais. Depois de terem seus cérebros perfurados,
jovens com idade de dezesseis a vinte e poucos anos voltavam rapidamente às drogas. Os
únicos que resistiram à reincidência foram dois jovens que se apaixonaram durante a
internação e deixaram o Instituto, sem jamais se deixarem. Isso reiteraria a ideia de “encontros
potentes” como afirmação da vida, defendida por Albertini, no Encontro das 3 Bios em
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dezembro de 2012. O relato de Sacks, neurologista britânico, sobre sua experiência a partir de
um acidente nas montanhas também merece nossa reflexão. Já hospitalizado, perdera a
percepção de uma das pernas, fenômeno que ele próprio acompanhara, através de relatos de
antigos pacientes. Ainda internado, ao ouvir o “Concerto para violino”, de Mendelssohn,
começa a resgatar sua identidade não apenas somática, mas ontológica: a sensação do corpo
como unidade e continuidade melódica, a partir de percepções jamais experimentadas, até
então. Sentia, novamente, sua perna, cujas medidas se alteravam, como se procurassem se
ajustar ao seu tamanho anterior a seu desaparecimento. “Dentro de mim parecia haver o
trabalho de uma matemática cósmica, o estabelecimento de uma ordem microcósmica
impessoal”. (SACKS, 1988, p. 128) Apesar de impressionante, Sacks comenta que esta
experiência é inacessível à objetividade dos médicos e outros especialistas que dele tratavam,
uma vez que suas avaliações clínicas não consideram, jamais, a subjetividade vivida no corpo
afetado do paciente. Tal como Bergson já dissera, tratar-se-ia de uma experiência de outra
natureza, de outra ordem. Sacks chega a se referir à uma “Ontologia Clínica” ou “Neurologia
existencial”, “uma Neurologia do Ego, na dissolução e criação.” (SACKS, 1988, p. 193).
Bergson já nos falara de emoção criadora, aquela produtora de ideias. Reich trabalhara sobre
as sensações orgonóticas, via seu conceito de emoção plasmática, que não se restringiria à
esfera psicológica e expressaria, antes de tudo, “estados de motilidade físicos e
bioenergéticos”. Bedani (2013. p. 124) esclarece: “Os estados psíquicos de angústia e prazer
são experienciados como estados específicos de motilidade.” Enquanto o prazer é por nós
experimentado como movimento de expansão e abertura, a angústia é vivida como retração-
encolhimento. Poderia ter o Concerto de Mendelssohn acionado as sensações orgonóticas
de Sacks, recolocando-o em contato com a motilidade, devolvendo-lhe a percepção de sua
totalidade? Bergson já se referira ao poder transformador da música via emoção. Por outro
lado, o próprio Sacks se refere ao poder da música e da dança na recuperação de pacientes
neurológicos. Estes autores parecem se juntar a Bergson e Reich e nos convidam a
reconhecer que a compreensão da vida não se esgota na pura e simples racionalidade.
Parecem sugerir, tal como já fizera Novellis que “Ao tocarmos um corpo, tocamos o céu.”
(MONTAGU, 1986, p. 21). Ancorado na filosofia de Bergson, Reich revoluciona o campo da
clínica, inaugurando um espaço onde a loquacidade do terapeuta é substituída por sua
sensibilidade, onde o outro se faz conhecer, via simpatia, em sua singularidade mais profunda.
O legado de Reich é incontestável. Gerda Boyesen, através de seu trabalho clínico com a
Psicologia Biodinâmica torna-se uma de suas principais herdeiras ao se embrenhar neste
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universo da memória orgânica bergsoniana, do qual já nos ocupamos em outro texto, outrora
mencionado. Desta revolução, nos ocuparemos num próximo trabalho.
REFERÊNCIAS
ALBERTINI, P. Wilhelm Reich: percurso histórico e inserção do pensamento no Brasil. Boletim de Psicologia, 61 (135), Julho/ Dezembro 2011, p. 159-176.
BEDANI, A. A relação entre sensação e produção de conhecimento na obra de WilhelmReich. 2013. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de SãoPaulo, São Paulo.
BERGSON, H. A alma e o corpo. In: BERGSON, H. Cartas, conferências e outros escritos.São Paulo: Abril Cultural, 1979a.
BERGSON, H. A evolução criadora. Rio de Janeiro: Zahar, 1979b.
BERGSON, H. Introdução à Metafísica. In: BERGSON, H. Cartas, conferências e outrosescritos. São Paulo: Abril Cultural, 1979c.
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A PERCEPÇÃO E O SENSÍVEL: NOTAS SOBRE O FUNCIONAMENTOPERCEPTIVO E A QUESTÃO DA MUDANÇA1
Yuri C. Vilarinho
INTRODUÇÃO
A investigação da interface entre a teoria reichiana e a Filosofia de Henri Bergson não é
inédita. Recentemente, alguns autores (ALBERTINI, 1994; 2003; BEDANI, 2007) enfatizaram a
interessante afinidade entre as contribuições do filósofo francês e de Wilhelm Reich. Vale
lembrar que Bergson exerceu grande influência no pensamento de Reich quando este ainda
cursava a faculdade de Medicina, em fins dos anos 1910. Reich era então considerado um
“bergsoniano maluco” (REICH, 2004). Sua teoria da identidade e unidade do funcionamento
psicofísico, ou seja, da relação funcional entre corpo e mente, tem origem no pensamento
bergsoniano2. Cada um dos autores, ao seu modo, partindo de arcabouços teóricos diferentes,
formulou questões muito semelhantes, como o problema da rigidez do homem e as implicações
na percepção da realidade, a relação mente-corpo, a existência de um éter, a crítica do
materialismo mecanicista predominantes na Ciência e na Filosofia da época. Embora haja
vários pontos em comum entre ambas as teorias, focaremos neste estudo a questão da
percepção da mudança.
Henri Bergson, laureado com o prêmio Nobel em 1927, trouxe uma importante
contribuição à filosofia, desenvolvendo seu pensamento em contraposição ao campo filosófico
hegemônico de sua época, moldado no racionalismo cartesiano. Escreveu do final do século
XIX até a década de 1930. Sua obra atravessou um século e ainda corrobora muitas questões
discutidas na contemporaneidade. Bergson desenvolveu vários conceitos importantes, tais
como o de duração, memória, élan vital e de intuição. Da mesma forma que na teoria reichiana,
tratada mais à frente, a questão da percepção assume um lugar central na obra de Bergson.
Tanto a concepção de Bergson como a de Reich são muito próprias e estão relacionadas a
uma percepção sensível capaz de captar o movimento das coisas. Desta forma, antes de
1 Artigo publicado em “Pensamento Reichiano em Revista”, v. 3, 2009.2 Ele escreve: “A minha atual teoria da identidade e da unidade do funcionamento psicofísico teve a suaorigem no pensamento bergsoniano, e se tornou uma nova teoria da relação funcional entre o corpo e amente” (REICH, 2004, p. 30). É preciso observar ainda que a concepção de Reich sobre o problemamente-corpo foi fortemente influenciada também pelo materialismo-dialético. Ver “Materialismo dialéticoe psicanálise” (REICH, 1977).
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iniciarmos a discussão de como os dois concebem esta faculdade, faz-se necessária uma
breve consideração a respeito de como é colocado o problema da mudança na Filosofia.
A PERCEPÇÃO DA MUDANÇA: ENTRE O SENSÍVEL E A MENTE, ENTRE O CORPO E A
RAZÃO
O conceito de movimento tem sido analisado por pensadores e provocado discussões
filosóficas por muitos séculos. Para Bergson, a origem da Filosofia estaria na insuficiência das
faculdades do homem de perceber a mudança das coisas:
Se os sentidos e a consciência tivessem um alcance ilimitado, se, na dupladireção da matéria e do espírito, a faculdade de perceber fosse indefinida, nãoprecisaríamos conceber nem tampouco raciocinar. Conceber é um paliativoquando não é dado perceber, e o raciocínio é feito para colmatar os vazios dapercepção ou para estender seu alcance (BERGSON, 2006, p. 151).
Entre os primeiros filósofos gregos predominava a ideia de uma eterna mudança na
Natureza. Tentava-se mostrar, a partir de um ou outro princípio primário, que todas as formas
do ser observadas no mundo surgiriam em decorrência de certas transformações de tais
substâncias. Assim, diante do problema do que realmente existe, poderia se responder água,
como em Tales de Mileto, ou ar, como defendeu Anaxímenes. De forma geral, cada filósofo
defendia a ideia do movimento, que seria expresso através das transformações de uma
substância primária.
Dentre as contribuições filosóficas que viam no movimento a base do ser, merece
destaque a Filosofia de Heráclito. A noção de que a natureza das coisas está eternamente
mudando foi particularmente clara em sua Filosofia, antecipando uma série de questões
surgidas na contemporaneidade.
É Heráclito o responsável por proclamar o fato de que todas as coisas ao nosso redor
estão constantemente mudando. Segundo ele, é impossível vermos uma coisa duas vezes da
mesma forma, pois, se por um lado, a própria coisa está se transformando a cada momento,
nós mesmos deixamos de ser o que éramos ao vê-la numa segunda ocasião. Quando
examinamos o mundo realmente com olhos imparciais, é impossível ignorar o eterno fluir, o
verdadeiro devir da realidade. Contudo, esta concepção profunda da essência mesma da
Natureza é combatida por muitas escolas posteriores, sendo somente resgatada com força na
Filosofia moderna de Bergson. Como veremos mais adiante, a concepção de um ser não
estático, é corroborada por Reich ao longo de sua obra.
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Já nos primórdios da Filosofia, surgiram concepções que combatiam a noção de um
mundo mutável. A escola de Eléia, por exemplo, fundada por Parmênides, criticou a ideia de
transformação, sustentando a impossibilidade de nos mantermos tão próximos dos dados dos
sentidos. Segundo Morente (1967), a Filosofia de Parmênides ganha maior sentido quando
confrontada com a Filosofia de Heráclito É em contraposição direta a esta que o pensamento
de Parmênides se desenvolve e amadurece.
A Filosofia parmenídica foi tão poderosa que mudou por completo a história da Filosofia,
marcando o pensamento filosófico no qual permanecemos até hoje. A própria noção enraizada
no pensamento ocidental de uma dicotomia mente-corpo, presente na Filosofia e na Psicologia,
tem as suas raízes na Filosofia de Parmênides, há 25 séculos. Segundo Parmênides, há uma
contradição lógica na resposta dada por Heráclito a respeito do que seria o ser. Analisando a
noção de devir, da mudança, Parmênides sustenta, a partir do raciocínio, que o registro
sensível e a consequente percepção da mutabilidade das coisas conduzem-nos
inevitavelmente ao erro. De forma muito resumida, pode-se dizer que, a partir deste ponto, a
Filosofia embrenhou-se na via pela qual caminhou desde então: aquela que conduzia a um
mundo “supra-sensível”. Era, portanto, através das “puras ideias” que o mundo devia ser
explicado.
Platão (1999) diz que não é pelo registro da experiência sensível que chegamos ao
conhecimento verdadeiro, episteme. No capítulo sete de “A República”, vamos encontrar o
recurso alegórico do mito da caverna. A realidade, neste mito, é aquilo que participa do real,
mas não é o real. Essa busca pela verdade é marcada pela neutralidade, ou seja, saímos do
registro sensível à medida que chegamos ao plano das ideias, da pura essência. Isso é o que
vai constituir a matriz do Racionalismo.
O pensamento racionalista traz embutido o idealismo das formas puras. Com isso,
perdemos o toque, o cheiro, a libido, justamente aquilo que compõe e constitui o mundano, o
mundo das coisas. Pode-se dizer, neste sentido, que o Racionalismo instalou a neutralidade
sensorial. Esta maneira de pensar atravessará toda a Idade Grega, chegando a Descartes (e
também a Espinoza, Leibniz e Hegel), instaurando de vez, na modernidade, o Racionalismo. O
Racionalismo parece à primeira vista um descaminho, mas na verdade é a busca pelas
verdades universais que são aquilo que não comove a corporeidade. Quanto mais se mergulha
na experiência puramente sensível, mais tocamos naquilo que nos é mais subjetivo. Vemos,
portanto, na Filosofia, dos antigos aos modernos, uma substituição do percepto pelo conceito.
Todos estes filósofos, de uma forma ou de outra, mostram como nossa consciência e nossos
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sentidos são insuficientes, apelando às faculdades de abstração, de generalização ou de
raciocínio.
O PLANO SENSÍVEL NA EXPERIÊNCIA
A separação mecânica entre o eixo vertical, da racionalidade, e o horizontal, do registro
sensível, foi modificada na entrada do século XX. O velho cogito cartesiano foi abalado em
seus alicerces. Em âmbito clínico, foi Freud o responsável por misturar estes dois eixos. Se na
Filosofia existem dois eixos principais, separados, na Psicanálise eles se encontram juntos.
Assim, o arcabouço conceitual da Psicanálise ora é marcado pelo mundo platônico, pois opera
na verticalidade, procurando a verdade conceitual, ora (enquanto prática clínica) atua na
horizontalidade, operando naquilo que é mais subjetivo, nos erros, nos tropeços, no
esquecimento, ou nos sonhos, nos sintomas, etc. A Psicanálise, freudiana, desta forma, tanto é
constituída pela verticalidade como pelo que existe de mais horizontal, no plano sensível.
Entretanto, não estaríamos enganados se disséssemos que uma Psicanálise pós-freudiana se
desencaminhou da ideia original, já que aos poucos foi eliminando o afeto e o corpo de sua
clínica, concentrando cada vez mais a atenção na racionalização e na interpretação.
Progressivamente, esta Psicanálise resgatou o velho erro parmenídico-cartesiano da cisão e
do antagonismo entre mente e corpo. É fato: a experiência sensível foi relegada ao segundo
plano em favor da análise do discurso, da linguagem. De volta ao cogito cartesiano.
Por outro lado, ainda em âmbito clínico, foi Reich o responsável por trazer de volta o
plano sensível da experiência. É possível pensarmos na clínica reichiana como um “sinto logo
sou”, pois se toca ainda mais naquilo que atenta para o sensível, para o corpo. Este
literalmente entra em cena, deixando de ser um mero coadjuvante no processo analítico do
indivíduo. O corpo, materialmente, e não meramente simbólico, entra em cena, adquirindo
extrema importância nos relatos, no processo de elaboração psíquica, ab-reações, choros,
risos, etc. As marcas da vida, na cena reichiana, se evidenciam não somente através da fala,
do discurso que pode ser compreendido e analisado, mas também, e muitas vezes
principalmente, nos traços, gestos e marcas corporais. O corpo não está excluído. Não apenas
coabita, mas participa ativamente da cena analítica.
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CONSIDERAÇÕES SOBRE A FUNÇÃO DA PERCEPÇÃO NA TEORIA REICHIANA
A questão da percepção esteve sempre presente nos esforços intelectuais de Reich. É
possível dizer que o entendimento sobre os processos perceptivos assumiram um lugar central
em toda a sua trajetória teórica. A própria noção de contato, sem dúvida considerada um ponto
central na teoria reichiana, passa pela questão do funcionamento da percepção. O
entendimento da percepção passou por transformações e aprimoramentos ao longo do tempo.
Segundo Konia (1984), as contribuições sobre esta função podem ser divididas em três fases
principais: a primeira, psicanalítica, uma segunda, após a descoberta de uma energia
especificamente biológica, e a última fase, a partir dos estudos sobre a energia orgone
cósmica.
Nos anos 1920, em Viena, a partir de sua experiência clínica psicanalítica, Reich
descobriu o fenômeno do encouraçamento, chegando à compreensão de que cada fenômeno
psíquico está acompanhado de uma determinada excitação somática. Reich elaborou suas
primeiras formulações sobre a relação psicossomática a partir de uma identidade funcional
entre a função psíquica da percepção (subjetiva) e a função corporal (objetiva), as quais, em
1934, ele comprovou com base estritamente experimental, mensurando as excitações
bioelétricas da superfície da pele. Nos anos 1940, esta compreensão serviu de base para
formular suas equações funcionais.
Por volta de 1939, Reich descobriu uma base física subjacente às funções psíquicas e
somáticas. A descoberta de uma energia especificamente biológica foi um grande avanço para
a elucidação do enigma da percepção. Deste modo, Reich mostrou que os processos
somáticos e psicológicos eram funcionalmente idênticos e possuíam, em comum, uma raiz
única (princípio comum de funcionamento), a energia orgone biológica. Neste mesmo período,
estudando o processo esquizofrênico, Reich postulou que a base desta doença tinha relação
com uma profunda cisão entre a função da percepção e a excitação bioenergética corporal.
Reich descobriu que esta cisão tinha a sua origem, principalmente, no encouraçamento interno
profundo do primeiro segmento. Assim, tanto os processos perceptivos quanto o fluxo de
energia no corpo estão preservados, embora haja uma forte dissociação entre ambos. A
associação dessas duas funções, segundo Reich, é responsável pelo fenômeno do contato.
Este, por sua vez, pode ocorrer tanto dentro do organismo (autopercepção) quanto fora
(percepção do ambiente). Uma das suas últimas contribuições ao estudo da percepção prende-
se ao problema de como o homem está enraizado na natureza e à origem da função da
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percepção a partir de um processo energético primário. Esse período coincide
aproximadamente com a primeira formulação de Reich da equação orgonômica, por volta de
1947.
No capítulo oito, “O enraizamento da razão na natureza” de “A Superposição Cósmica”,
Reich sustenta que as funções superiores do sistema vital, como o intelecto e o raciocínio,
emergem a partir do funcionamento básico da energia dentro do sistema orgonótico. Reich
pressupõe que, num organismo desencouraçado, há uma harmonia entre as correntes
bioenergéticas e a função intelectual. Não há oposição, mas uma colaboração mútua, uma
relação de causalidade recíproca entre as diferentes funções, onde o bom funcionamento de
um requer a fluidez do outro.
Resumidamente falando, Reich afirma que ao longo da história, ocorreram processos
encadeados sequencialmente que deram origem à função da percepção nos animais
superiores. Desta forma, o desenvolvimento do homem pode ser explicado em termos de
fluxos de energia integrados uns aos outros e surgidos uns dos outros: a) fluxo de energia
cósmica; b) fluxo confinado dentro das membranas; c) sensação de correntes orgonóticas; d)
percepção do fluxo em si: autoconsciência.
A PERCEPÇÃO E A MUDANÇA
No mesmo movimento de resgate do plano sensível da experiência do indivíduo,
encontra-se a Filosofia bergsoniana. Enquanto a Metafísica clássica vai no sentido da
invariância, da estabilidade do ser, Bergson trilha um caminho oposto, valorizando a ideia de
mudança nas coisas, estendendo-a à própria ontologia do ser. O ser é duração, mudança,
variação. O ser é a própria mutação, variabilidade temporal. Além de apostar na variação no
âmago do ser, Bergson resgata a concepção heraclitiana do fluir da realidade, vista como a “lei
fundamental da vida”. Numa série de conferências proferidas na Universidade de Oxford, em
1911, ele se dedica, exclusivamente, a tratar do problema da mudança. Segundo ele, caso as
pessoas se convencessem de sua realidade e se esforçassem para resgatá-la, as coisas se
simplificariam: “Determinadas dificuldades filosóficas, cujas soluções parecem ser
intransponíveis, simplesmente desapareceriam” (BERGSON, 2006, p. 150).
Na Filosofia de Bergson, vemos um elogio à percepção e à variabilidade. A faculdade
de percepção, quando dilatada, seria capaz de perceber a mudança e a duração. Assim, a
incapacidade humana de perceber a mudança e de comportar-se e pensar de forma livre é
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fruto de uma rigidez mecânica não só do corpo como de seu pensamento. Em “O Riso”, estudo
escrito em 1899, Bergson enfatiza que a comicidade do homem está diretamente relacionada à
sua incapacidade de agir em uníssono com o continuum da vida, que pulsa, que dura. Aqui, a
noção de rigidez assume o mesmo sentido que na teoria de Reich.
Um homem, correndo pela rua, tropeça e cai: os transeuntes riem. Não ririamdele, acredito, se fosse possível supor que de repente lhe deu na veneta desentar-se no chão. Riem porque ele se sentou no chão involuntariamente.Portanto, não é a sua mudança brusca de atitude que provoca o riso, é o quehá de involuntário na mudança, é o mau jeito... Teria sido preciso mudar opasso ou contornar o obstáculo. Mas, por falta de flexibilidade, por distração ouobstinação do corpo, por um efeito de rigidez ou de velocidade adquirida, osmúsculos continuaram realizando o mesmo movimento quando ascircunstâncias exigiam outra coisa [...]. O hábito imprimira um impulso. Teriasido preciso deter o movimento ou desviá-lo. Mas qual nada: continuou-semaquinalmente em linha reta. (BERGSON, 2007, p. 7).
Mais à frente Bergson conclui: “O que há de risível num caso e noutro é certa rigidez
mecânica quando seria de se esperar a maleabilidade atenta e a flexibilidade vívida de uma
pessoa.” (BERGSON, 2007, p. 8) Assim, a dificuldade de uma pessoa de se adaptar ao fluxo
da vida, seria consequência de sua rigidez corporal-mental, que a incapacitaria de perceber a
mudança. A própria noção de couraça, vista em outro livro de Bergson, “A Evolução Criadora”,
assume o mesmo sentido proposto por Reich. Curiosamente, ainda em “O Riso”, o filósofo
confere um tom de comicidade ao encouraçamento do homem:
Há rostos que parecem ocupados a chorar o tempo todo; outros, a rir ou aassobiar; outros a assoprar eternamente uma trombeta imaginária. São os maiscômicos de todos. Também aí se verifica a lei segundo a qual o efeito é maiscômico quando podemos explicar de modo mais natural a sua causa.Automatismo, rigidez, vezo contraído e mantido: aí está por que uma fisionomianos faz rir. (BERGSON, 2007, p. 19).
Outro ponto importante na Filosofia de Bergson, fundamental na compreensão da
percepção da mudança, é o conceito de intuição. Bergson dá um estatuto de seriedade ao
conceito de intuição, distinguindo-o do senso comum. No senso comum, a intuição pode ser
entendida como algo místico, transcendente, ou uma espécie de afeto premonitório. No
entanto, para Bergson, intuição seria um método de conhecimento tão rigoroso quanto o
método da inteligência.
Bergson diz que a intuição seria uma espécie de experiência que nos possibilitaria
perceber as coisas diretamente, sem mediações. Contrapõem-se, portanto, intuição e
inteligência, as duas faculdades através das quais podemos conhecer as coisas. Pela
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inteligência, percebemos o mundo através de representações construídas, ou seja,
percorremos um “caminho” já percorrido e ficamos impossibilitados de entrar em contato com a
variância das coisas. Assim, podemos nos relacionar com as coisas por presença (intuição) ou
por representações mentais e conceitos (inteligência). O modo de entrarmos em contato direto,
sem mediações, com as coisas do mundo, difere muito da maneira habitual de vivermos. Há
uma diferença grande entre a percepção cotidiana, da vida prática, e a percepção voltada para
mergulhar nos objetos e conhecê-los direta e profundamente.
A concepção bergsoniana de intuição é sensível, não devendo ser entendida num
sentido kantiano (intuição intelectual). Para muitos filósofos pós-kantianos, a Filosofia é uma
teoria do conhecimento. Fala-se sobre o conhecimento do mundo e não sobre o mundo em si,
devido à impossibilidade de conhecê-lo diretamente. Caberia, então, à Ciência falar sobre o
mundo. Existe aí uma cisão entre o ser e o conhecer. Na verdade, Kant propõe o fim da
Metafísica, separando bem o campo filosófico do científico. Bergson critica justamente esta
cisão. Segundo ele, a Filosofia é mais que uma teoria do conhecimento, ela é também uma
ontologia, uma Filosofia do ser.
Como Bergson, Reich enfatizou muitas vezes a relevância de um método de
conhecimento além de uma faculdade meramente intelectual. É possível estabelecermos
relações entre a intuição bergsoniana e o método do Pensamento Funcional, cujo valor da
sensação é de extrema importância. Da mesma forma que Bergson propunha uma intuição
capaz de separar os verdadeiros dos falsos problemas, Reich afirma que “A sensação de órgão
não conduz a Ciência natural mecanicista à solução dos enigmas verdadeiramente importantes
da natureza.” (REICH, 2005, p. 108). Intuição e sensação de órgão seriam faculdades
imanentes, deste mundo, capazes de sondar a realidade das coisas. Dentro da teoria reichiana
é válido, neste sentido, falarmos de uma sensação intuitiva, assim como na Filosofia de
Bergson falamos de uma intuição sensível.
Nos últimos anos de sua vida, Reich dedicou-se a desenvolver um método de
pensamento próprio, que ficou conhecido como Funcionalismo Orgonômico ou Pensamento
Funcional. Fugiria aos objetivos deste trabalho explicações detalhadas acerca deste método.
No âmbito desta discussão, basta dizer que o Pensamento Funcional é um método capaz de
apreender a complexidade da Natureza. Em vários escritos sobre o Funcionalismo
Orgonômico, sobretudo na década de 1950, Reich enfatiza o fato de que o mecanicismo,
presente nas ciências, é decorrente de uma percepção mecânica do mundo. A própria ideia de
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um mundo estático, de uma imutabilidade presente na natureza, seria produto da rigidez do
próprio observador.
Assim como nas proposições de Bergson, a teoria reichiana não aceita a ideia de uma
realidade estática. Ao contrário, está na base do pensamento reichiano a noção de uma
realidade energética em movimento. Como escreve Reich:
O Pensamento Funcional não tolera nenhuma condição estática. Para ele,todos os processos naturais estão em movimento, mesmo no caso deestruturas enrijecidas e formas imóveis. É precisamente essa mobilidade eincerteza em seu pensar, esse fluxo constante, que coloca o observador emcontato com o processo da natureza. O termo “em fluxo” ou “fluente” é válido,sem qualificações, para as percepções sensoriais do cientista observando anatureza. O que está vivo não conhece condições estáticas de qualquer ordem,a menos que esteja sujeito à imobilização devido à couraça. A naturezatambém “flui” em cada uma de suas diferentes funções, bem como na suatotalidade. A natureza também não conhece condições estáticas de qualquerordem. (REICH, 2005, p. 107).
A proposta da não-linearidade do mundo (incluindo os organismos biológicos e as
estruturas aparentemente imóveis) não é exclusividade de Reich. Na verdade, não só remonta
às contribuições de sistemas antigos de pensamento, como o Taoísmo e o Hinduísmo, como
se apoia em muitos achados recentes da Ciência, como a teoria quântica da realidade,
proposta inicialmente na década de 1920 e, mais recentemente, a concernente aos sistemas
biológicos, as concepções de Fritz Popp e Prigogine, formuladas na década de 1970. Ainda a
guisa de ilustração, conforme afirma Ho (1996), pode-se dizer o mesmo de Bergson, no que se
refere aos achados recentes da Ciência. Reich, ao se referir à ciência natural, afirma que uma
de
[...] suas maiores dificuldades metodológicas reside no fato de que, emboratenha que descrever funções objetivas da natureza, nenhum julgamento éindependente da percepção sensorial individual, e a percepção sensorialpertence ao sistema subjetivo do cientista. Espera-se que ele seja “objetivo”,apesar de jamais conseguir se libertar do ponto de vista subjetivo (REICH,2005, p. 46).
Segundo o Pensamento Funcional, a estrutura do observador não seria neutra no
estudo de uma determinada função da natureza. Não há a possibilidade de se excluir a
estrutura caracterológica do observador de seu estudo. Reich enfatiza a importância de este
estar atento ao mau funcionamento de seu aparelho biopsíquico, que poderia levá-lo a uma
distorção da realidade. Por exemplo, seguindo este raciocínio, um cientista ávido por um
“perfeccionismo”, ao não se dar conta deste fato, procuraria enxergar da mesma forma um
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perfeccionismo na Natureza. Assim, Reich enfatiza que o mecanicismo da Ciência decorre de
uma percepção mecanicista da vida. As abstrações teóricas que um pesquisador faz estão
intimamente ligadas à função de percepção, que, por sua vez, está enraizada em suas funções
bioenergéticas, podendo variar qualitativamente, de acordo com o seu grau de
encouraçamento.
Bergson e Reich apontam para a possibilidade de um alargamento da percepção.
Segue-se, consequentemente, o questionamento de quais seriam os fatores que impedem, ou
dificultam a nossa capacidade de dilatar a percepção. Cada um dos dois responde esta
questão a seu modo, mas enfatizam em comum a rigidez do homem como possível entrave a
este estado de contato e consciência. Bergson enfatiza o fato de que a vida prática,
burocrática, contribui para este aprisionamento do homem:
De fato, não seria difícil mostrar que, quanto mais estamos preocupados emviver, tanto menos estamos inclinados a contemplar, e que as necessidades daação tendem a limitar o campo da visão. Não posso entrar na demonstraçãodesse ponto; considero que muitas questões psicológicas e psicofisiológicasseriam iluminadas por uma nova luz caso reconhecêssemos que a percepçãodistinta é simplesmente recortada, pelas necessidades da vida prática, numconjunto mais vasto. (BERGSON, 2006b, p. 157).
A percepção de um indivíduo sofre influência não somente de seus aspectos
psicológicos, biopsíquicos, mas também de certa disponibilidade, uma certa abertura à
experiência que este tem com o mundo. Perceber a mudança, então, mais do que se relacionar
com um grau de encouraçamento ou não, implica num colocar entre parênteses as
preocupações cotidianas, os interesses pessoais, a fim de que o mundo possa ter o total
privilégio de nossa presença.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da discussão feita acima, caberia perguntarmos o quanto estamos longe da
capacidade de perceber-olhar com olhos de criança para o mundo. Dentro da teoria reichiana,
esta discussão assume uma conotação própria, já que a percepção distorcida de um indivíduo
relaciona-se com as alterações funcionais de determinados padrões caracterológico-biofísicos
deste indivíduo. Neste sentido, durante o período de distorção perceptiva, nos encontramos
diante de um mundo distorcido, longe do real, mais atenuado ou mais intenso, mais agressivo
ou mais dócil, mais rígido ou mais mole, mais tolerável ou nada tolerável. No que se refere
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VILARINHO, Y. A percepção e o sensível: notas sobre o funcionamento perceptivoe a questão da mudança. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do cursode Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.
especificamente à ação terapêutica reichiana, é possível melhorar o estado psicofísico de uma
pessoa. Contudo, poderíamos levar esta discussão a outro âmbito, talvez um pouco mais
abrangente. Gostaríamos de levantar alguns outros questionamentos: o quanto perdemos
desta capacidade e o que poderemos fazer para recuperá-la? Será a terapia individual, então,
realmente um meio para chegarmos a este fim? A pessoa mudou, seu caráter mudou, seu
padrão biofísico mudou, sua percepção mudou, mas, em meio à vida numa sociedade como a
nossa, que valoriza cada vez mais o egoísmo, a praticidade, a pressa, o consumo, quais são
as saídas que podemos seguir no intuito de conseguir perceber as coisas como elas são? De
que forma o hábito e a percepção prática da vida embotada de que Bergson tanto falou,
impedem uma percepção mais apurada das coisas? Antes mesmo de chegarmos a quaisquer
conclusões, caberiam as seguintes perguntas: seria inútil pensarmos nas implicações desta
discussão em nossa vida cotidiana? Seria forçoso dizer que nossa rigidez forma um gigantesco
entrave em nossas relações? E, no âmbito clínico, quais seriam as implicações na análise, ou
as consequências de uma visão congelada de um analista sobre um determinado traço de seu
paciente? Se o paciente realmente tinha tal traço, caso ele mude, o que acontece? A visão do
analista acompanha a mudança? Seriam em vão os esforços de encarar as relações entre a
nossa rigidez e uma subjetividade coletiva cada vez mais enraizada num autocentramento?
Acreditamos que não. E os esforços de Reich em explicar como os fatores subjetivos
individuais estão enraizados numa estrutura social? Caberiam nesta discussão? A percepção
da mudança em um sentido mais amplo passa pela questão da alteridade, do Outro, pela
flexibilidade e possibilidade de aceitar a essência mesma de nós mesmos e do mundo, a
mudança profunda (e não aparente, superficial), o que vai de encontro ao atributo central de
uma sociedade mesma encouraçada e narcísica.
REFERÊNCIAS
ALBERTINI, P. Reich – história das ideias e formulações para a educação. São Paulo: Ágora,1994.
ALBERTINI, P. Reich e a possibilidade do bem-estar na cultura. Psicologia USP, 14 (2), 2003.p. 61-89.
BEDANI, A. Energética e epistemologia no nascimento da obra de Wilhelm Reich. 2007.Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo,São Paulo.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VILARINHO, Y. A percepção e o sensível: notas sobre o funcionamento perceptivoe a questão da mudança. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do cursode Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.
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BERGSON, H. O pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006b.
BERGSON, H. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2006c.
BERGSON, H. O riso: ensaio sobre a significação da comicidade. São Paulo: Martins Fontes,2007.
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KONIA, C. The Perceptual Function. Journal of Orgonomy, v. 18, n. 1, 1984. p. 80-98.
MORENTE, M. G. Fundamentos de filosofia, lições preliminares. São Paulo: Mestre Jou,1967.
PLATÃO. A República. Diálogos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
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REICH, W. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, S. M. Psicanálise: um sobrevôo sobre a história de Sigmund Freud e suasideias. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especializaçãoem Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em:__/__/____.
PSICANÁLISE:UM SOBREVOO SOBRE A HISTÓRIA DE SIGMUND FREUD E SUAS IDEIAS
A PRÉ-HISTÓRIA DA PSICANÁLISE
Em 06 de maio de 1856, nasce Sigmund Freud, em Příbor, onde hoje localiza-se a
Tchecoslováquia, em uma família de origem judaica em que conviviam três gerações.
Em 1860, a família, financeiramente arruinada, muda-se para Viena, onde Freud viveu
até a velhice.
Aos 17 anos, ingressa na faculdade de Medicina. Em 1879, cursa Psiquiatria com
Meynert. Em 1885, estuda a Hipnose com Charcot, o que foi recebido como uma traição por
Meynert.
Relata as experiências por ele observadas com a hipnose e propõe a existência da
histeria masculina. É totalmente rechaçado, retirando-se da vida acadêmica e médica. Mais
tarde, por isso, Freud desvinculará a Psicanálise da Medicina.
Abre seu consultório em 1886, ano em que também se casa. Aprimora seus
conhecimentos a respeito da técnica da Hipnose, em 1889, passando a utilizar também a
sugestão. Sua hipótese é de que a histeria é provocada por fortes cenas do passado que foram
esquecidas. A terapêutica, então, é a de fazer o paciente lembrar destas cenas e reproduzí-las,
através da Hipnose.
Sintoma = substituto da manifestação de afeto
Hipnose = recordação, com emoção, que resolve o sintoma
Entre 1893 e 1897 sustenta a Teoria da Sedução. Afirma, em 1895, que sonhos são a
realização (disfarçada) de desejos (reprimidos).
Em 1896, percebe que muitos pacientes são resistentes à Hipnose, e que os resultados
obtidos não se mantêm. Sente-se interrompendo o encadeamento espontâneo das ideias do
paciente e exausto física e mentalmente após a Hipnose. Abandona-a e adota a Associação
Livre.
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VOLPI, S. M. Psicanálise: um sobrevôo sobre a história de Sigmund Freud e suasideias. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especializaçãoem Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em:__/__/____.
A TÉCNICA DA PSICANÁLISE
A Associação Livre consiste em que o paciente relate tudo o que lhe vier à mente, sem
censuras. A atenção do analista deve ser flutuante. Sua tarefa é interpretar todo o material
significativo.
Freud depara-se então com a resistência, que significa a oposição do paciente em
fornecer material esclarecedor, a nível consciente. Conclui que a cada resistência corresponde
um conflito reprimido, e passa a pesquisar os mecanismos de defesa que compõe as
resistências.
Em 1897, depois de abandonar a Teoria da Sedução por perceber que o trauma
provocador da histeria nem sempre tinha ocorrido, mas se tratava de uma dissimulação de
desejos sexuais que a própria criança não aceita como seus, anuncia a descoberta do
“Complexo de Édipo”.
Em 1901, afirma que “O inconsciente não pode ser atingido diretamente, mas através
de seus fenômenos”.
“Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” é publicado em 1905.
Etiologia das neuroses = sexualidade anômala
Sexualidade infantil
“Energia sexual” = “libido”
Complexo de Édipo
Suas afirmações são sumariamente rechaçadas pela comunidade científica.
A TEORIA SOBRE A SEXUALIDADE
Cerne psíquico: questão edípica
Cerne somático: energia reprimida
Patologia = descarga socialmente condicionada da energia sexual
Pulsão = impulso do instinto; força para a ação, cujo fim é eliminar o estímulo que
leva ao impulso
Zona erógena = parte da pele ou da mucosa que, estimulada, provoca sensação
prazerosa. Todo o corpo tem a potencialidade de ser erógeno; a erotogenia desloca-
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VOLPI, S. M. Psicanálise: um sobrevôo sobre a história de Sigmund Freud e suasideias. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especializaçãoem Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em:__/__/____.
se de uma parte a outra do corpo, ou se espalha por todo ele
Alvo sexual = ação para a qual a pulsão impele
“O alvo sexual da pulsão infantil consiste em provocar a satisfação mediante a
estimulação apropriada da zona erógena que de algum modo foi escolhida.”
Libido = manifestação dinâmica, na vida psíquica, da pulsão sexual
Libido do Ego = também chamada libido narcísica, é a libido que é trazida de volta ao
interior do ego, após ter sido retirada dos objetos.
Libido do objeto = é a libido psiquicamente empregada para investir os objetos
sexuais.
Objeto sexual = pessoa de quem provém a atração sexual
O CAMINHO DA EROGENEIDADE
Boca → Ânus → Genitais
O DESENVOLVIMENTO DA SEXUALIDADE
Nasce apoiando-se numa das funções somáticas vitais.
Amamentação → Controle dos esfíncteres →Genitalidade: Descoberta da diferença
sexual anatômica
É autoerótica, não conhecendo nenhum objeto sexual.
Chuchar → Retenção e expulsão da urina e das fezes → Masturbação
Seu alvo sexual acha-se sob o domínio de uma zona erógena.
Boca → Ânus → Genitais
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VOLPI, S. M. Psicanálise: um sobrevôo sobre a história de Sigmund Freud e suasideias. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especializaçãoem Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em:__/__/____.
PRINCÍPIO DO PRAZER
Energia direcionada à satisfação das necessidades do organismo. A libido desloca-se
do interior do corpo em direção à periferia, na busca do prazer.
Id = regido pelo princípio do prazer, é a instância psíquica que coloca em movimento as
pulsões.
Bebê e meio formam uma unidade indivisível.
PRINCÍPIO DA REALIDADE
Surgem as frustrações aos impulsos em busca do prazer, o que funda o princípio da
realidade.
Forma-se uma distinção entre diferentes qualidades de experiência: boas/prazerosas e
más/desprazerosas.
Estas experiências são identificadas a objetos internos e externos, que satisfazem ou
frustram as necessidades da criança. A distinção entre bom e mau é absoluta e cria traços de
memória.
Para amenizar o impacto entre o Id e o ambiente, cria-se uma nova instância: o Ego,
que logo aprende a obedecer ao princípio da realidade.
O princípio do prazer cria conflito... ID X EGO.
Ao mesmo tempo, o meio impõe exigências, que são internalizadas pelo Ego na forma
de um controle automático, ao qual se dá o nome de Superego. Entretanto, ao mesmo tempo
em que faz exigências e frustra, o meio também atua como estimulante a impulsos do Id. O
ambiente cria outro conflito... EGO X SUPEREGO.
SAÚDE X DEFESAS
Se o desenvolvimento ocorrer de forma saudável, mais tarde, o indivíduo integrará os
objetos bom e mau em um objeto total e será capaz de superar os conflitos entre Ego, Id e
Superego.
Porém, se houver problema no desenvolvimento, a partir desses conflitos, e com o
objetivo de aliviá-los, bem como a angústia por eles gerados, surgem os mecanismos de
defesa.
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VOLPI, S. M. Psicanálise: um sobrevôo sobre a história de Sigmund Freud e suasideias. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especializaçãoem Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em:__/__/____.
MECANISMOS DE DEFESA
Finalidade: diminuir a tensão interior experimentada como angústia ou culpa, evitando
reconhecê-la graças à sua manutenção fora do campo da consciência.
São essencialmente inconscientes
São ocasionais no indivíduo normal
Na neurose são a própria lei de sua organização
Geralmente, mantém a dissociação entre objeto bom e objeto mau
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VOLPI, J. H. Estrutura psíquica da mente humana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M.(Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba:Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
ESTRUTURA PSÍQUICA DA MENTE HUMANA
José Henrique Volpi
As observações de Freud a respeito dos conflitos psíquicos levaram-no a propor uma
estrutura psíquica para a mente humana de forma a melhor compreendermos essa dinâmica
da psique. Assim, dividiu a mente humana numa estrutura psíquica composta de três sistemas
operacionais: o consciente (cs), o pré-consciente (pcs), e o inconsciente (ics). A primeira
estrutura, o consciente (cs) diz respeito à percepção imediata da experiência que vivenciamos
no dia a dia. O pré-consciente (pcs) responde pelos processos psíquicos às vezes proibidos,
que penetram a consciência, só que não podem permanecer nela por motivos diversos (pudor,
recalques, medos, etc). Ficam aí por um tempo e logo são transferidos para o inconsciente
(ics), que armazena tais conteúdos vividos, onde permanecem não apenas na mente como
também no corpo (couraças musculares, na concepção reichiana) até que possam ser
acessados por meio dos chamados insights, sonhos, trabalhos psicocorporais, etc.
Paralelamente ao sistema operacional da mente, estabelece-se uma estrutura, cujas
instâncias mantêm-se em um relacionamento funcional entre si, e a estas instâncias
chamamos de Id, Ego e Superego. O Id compreende os instintos e seus impulsos, os quais
estão presentes em nossas vidas desde o nascimento. Sua intenção é apenas uma: o da
satisfação dos instintos para obter o prazer e para isso, não irá medir esforços, motivo que
provoca sérios conflitos com o mundo exterior. Portanto, o Id é regido pelo Princípio do Prazer.
O Ego desenvolve-se a partir do Id e é sem sombra de dúvidas a estrutura mais
conhecida. Pode-se dizer que o Ego é uma parte do Id que foi modificada pela influência direta
do mundo externo. Diferentemente do Id, o Ego representa uma razão que permite à pessoa
ter uma boa relação com mundo externo. O Ego é quem irá se mostrar ao mundo externo, ou
seja, é o nosso jeito de ser, nossa consciência, nosso caráter (funcionamento). Sua função é a
de agir como mediador entre os impulsos do Id e o mundo externo e é o Ego quem decide se
os acontecimentos externos são perigosos ou não.
A terceira instância, o Superego, forma-se em conformidade com as regras, valores e
educação que recebemos durante nosso desenvolvimento. Corresponde às funções morais e
normativas de nossa personalidade como autoestima, autoelogio, autoobservação crítica,
aprovações e desaprovações de ações e desejos, arrependimento e reparação de ações, etc.
Isso quer dizer que todas as exigências e proibições morais dos pais, professores, igreja e
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Estrutura psíquica da mente humana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M.(Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba:Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
sociedade em geral, podem influenciar a vida da criança e permitir que ela desenvolva um
Superego tão rígido quanto foi sua educação.
Dessa forma, a meta fundamental de um trabalho analítico de base psicocorporal é
recuperar o padrão de funcionamento harmônico entre essas três estruturas da mente, quando
encontram-se em desequilíbrio, mas sem deixar de considerar as relações que tais estruturas
apresentam com o corpo, ao que Reich chamava de couraça muscular. Para tanto, é preciso
não apenas tornarmos consciente os conteúdos inconscientes, como afirmava Freud, mas mais
do que isso. É preciso também flexibilizarmos as couraças musculares para que a energia
circule livremente e deixe de ancorar dentro dela os conteúdos energéticos e emocionais
responsáveis por tais encouraçamentos, que são os verdadeiros responsáveis pela nossa
neurose.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Georg Groddeck e a Psicanálise. Um analista selvagem. In: VOLPI, J.H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
GEORG GRODDECK E A PSICANÁLISEUM ANALISTA SELVAGEM
José Henrique Volpi
Groddeck cursou a faculdade de Medicina em Berlim onde teve a oportunidade de ter
como mestre o médico Ernst Schwenninger que via a alopatia com extrema reserva. Seguindo
as orientações do mestre Schwenninger, Groddeck estabeleceu um tratamento diferenciado
para seus pacientes baseado em massagens, dietas, banhos quentes e procedimentos
analíticos, com o intuito de evitar o estado de intoxicação provocado por remédios.
Em 1900, fundou um sanatório na cidade de Baden-Baden (Alemanha), onde
trabalharia até o fim da vida.
Contemporâneo de Freud, por muitos anos Groddeck acreditou ser ele o “pai” da
Psicanálise e não Freud. Intitulava-se como um “analista selvagem” e tinha o desejo de ser
reconhecido pela Ciência, mas acabou sendo um cientista pouco conhecido e referenciado nos
meios acadêmicos.
Ao tomar conhecimento dos trabalhos de Freud, no ano de 1911, passou por três
momentos importantes. O primeiro momento foi a frustração por ter encontrado alguém que se
antecipou às suas propostas. O segundo momento foi marcado por um breve momento de
rejeição e crítica pública das noções da Psicanálise, mas em seguida, num terceiro momento,
reconheceu a primazia dos trabalhos de Freud, com quem passou a trocar correspondências
amistosas ao longo de oito anos, de 1917 a 1925.
Desde 1895, Groddeck já praticava a Psicossomática, logicamente com sua forma
peculiar de atuar, que fazia que inclusive se considerasse um “analista selvagem”. Estruturou
seu trabalho no doente e não na doença, alegando que o papel do médico é cuidar e não curar,
pois “Não é o médico que derrota a doença, mas o próprio doente que se cura”. Dizia que era
importante tratar os pacientes com paciência, humildade e amor, devolvendo-lhes o brilho que
se perdeu quando teve uma infância reprimida (GRODDECK, 2008).
Também foi um grande crítico da fragmentação da Medicina em várias especializações,
por achar que isso faz o médico perder de vista o ser humano em sua totalidade. Além disso,
não aceitava as dicotomias presentes no pensamento de Descartes, que separava a mente do
corpo. Para Groddeck, corpo e mente eram vistos como uma realidade única e indivisível.
Um dos conceitos de Groddeck girava em torno do que ele denominava de “Isso”, o que
mais tarde foi chamado por Freud de Id. De acordo com Groddeck (2008), todos os seres
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Georg Groddeck e a Psicanálise. Um analista selvagem. In: VOLPI, J.H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
humanos possuem um “Isso”, algo interno, uma espécie de fenômeno que comanda tudo que
fazemos e tudo que nos acontece na vida, nossos atos e pensamentos. Desse “Isso”
conhecemos apenas aquilo que está em nosso consciente, porque a maior parte do “Isso” é
inacessível. Segundo Groddeck (1992a, p. 118), “[...] o Isso engloba consciente e inconsciente,
o Ego e os impulsos, corpo e alma, o fisiológico e o psicológico; perante o Isso não há uma
fronteira demarcando o físico e o psíquico. Ambos são manifestações do Isso, formas de
apresentação”.
Na concepção de Groddeck, o Isso não fala apenas através de palavras, mas pelo
corpo e suas atitudes. Tudo é uma forma de expressão do Isso, o modo de falar, os gestos, o
tom de voz, o formato do corpo, etc. Esse pensamento é muito parecido com o de Reich
quando fala de caráter, como veremos mais à frente.
Em seu livro, “O Ego e o Id”(Das Ich und das Es), Freud me concedeu a honrade me indicar como sendo a primeira pessoa a empregar a expressão “o Isso”(das Es) e afirmar que iria assumi-la. É verdade, mas só que o conceito do“Isso” como eu o utilizava para minhas finalidades, não servia para Freud econsequentemente ele o transformou em outra coisa diferente do que euconcebi [...]. Mas com isso não modificou nada essencial na Psicanálise, nãoacrescentou nem tirou. Ela continuou a ser o que era, a análise do consciente edos recalques, em suma: da psique. (GRODDECK, 1992b, p. 161).
Em relação às doenças, após a formulação do conceito do Isso, Groddeck, afirmou que
não fazia mais sentido falar em doenças orgânicas e doenças psíquicas porque todas seriam
doenças do Isso, pertencentes a um indivíduo que é corpo e psique ao mesmo tempo. “No
fundo, sou da opinião de que o ponto de intervenção do tratamento psíquico e orgânico é o
mesmo, é o Isso do ser humano, e que esse Isso tem a capacidade de fazer um uso psíquico
de uma laparotomia ou de uma dose de digitalina, ou então um uso físico através da sugestão
ou da influência da análise.” (GRODDECK, 1992c, p. 169).
Groddeck vê a doença como sendo a expressão de símbolos inconscientes. Segundo
seu entendimento toda somatização é carregada de símbolos e os tratamentos deveriam levar
em conta o sujeito que a manifesta. Diz ele que “O inconsciente obriga-o a simbolizar. Assim, a
mulher que se deita na presença de outro automaticamente cruza os pés, expressando
simbólica e inconscientemente: eu sei o que pode me acontecer agora; assim também
acontece com o homem que se apruma quando quer parecer forte.” (GRODDECK, 1992d, p.
94).
Do ponto de vista de Groddeck, a doença é uma forma de expressão do Isso que se
expressa pela linguagem da doença porque não consegue se expressar por vias normais da
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Georg Groddeck e a Psicanálise. Um analista selvagem. In: VOLPI, J.H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
fala. Dizia ele que o corpo registra nossa história e expressa os conflitos até que os mesmos
possam ser compreendidos e solucionados da melhor forma possível. Afirmava ser a doença
nossa melhor amiga, que nos conta tudo o que precisamos saber. A doença é muito verdadeira
em suas mensagens e quando aparece, exige uma alteração na forma de vida e nos impõe
mudanças radicais para que possamos melhorar. A doença é o alarme que soa quando nos
distanciamos de nós mesmos e ao mesmo tempo, é o caminho para a saúde. Mas para o
doente ser saudável, é preciso mudar.
REFERÊNCIAS
GRODDECK, G. O Isso e a Psicanálise, além de considerações gerais sobre os congressoscientíficos de outrora, bem como da atualidade. In: GRODDECK, G. Estudos psicanalíticossobre psicossomática. São Paulo: Perspectiva, 1992a, p. 113-123.
GRODDECK, G. O trabalho do sonho e do sintoma orgânico. In: GRODDECK, G. Estudospsicanalíticos sobre psicossomática. São Paulo: Perspectiva, 1992b, p. 159-166.
GRODDECK, G. Sobre o tratamento psíquico da formação de cálculos renais. In: GRODDECK,G. Estudos psicanalíticos sobre psicossomática. São Paulo: Perspectiva. 1992c, p. 167-171.
GRODDECK, G. A pulsão à simbolização. In: GRODDECK, G. Estudos psicanalíticos sobre
psicossomática. São Paulo: Perspectiva 1992d, p. 83-95.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
SOUZA, M. C. C. C. A crítica freudiana à concepção biológica da sexualidadehumana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso deEspecialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.
A CRÍTICA FREUDIANA À CONCEPÇÃO BIOLÓGICA DASEXUALIDADE HUMANA
Maria Cecília Cortez Christiano de Souza
O primeiro dos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” de Freud é dedicado ao
desmonte desse dispositivo conceitual (concepção biológica da sexualidade humana). Em
primeiro lugar, Freud questiona a tese da universalidade e da invariabilidade fundamental da
manifestação do instinto, bem como da fragilidade e inconsistência dos critérios que serviam de
base para distinguir a normalidade da anormalidade, mostrando que eles eram ora de ordem
biológica, ora de ordem estatística, ora de natureza moral e social.
Começa por considerar os desvios do instinto sexual em relação ao seu objeto,
centrando-se na análise do homossexualismo. Freud demonstra que se, analiticamente, é
possível definir o que seja homossexualismo e associar essa classificação a um desvio, é mais
difícil detectá-lo na prática e fazê-lo corresponder a uma forma patológica de manifestação
instintiva1. Depois, Freud trata de desligar o homossexualismo de uma base orgânica, para
demonstrar, então, que não é um comportamento hereditário, nem sinal de degenerescência
da espécie.
A conclusão mais importante que Freud retira de sua análise do homossexualismo é o
fato de que, não havendo base para supô-lo como uma anomalia da sexualidade, a relação da
pulsão sexual com seu objeto (já adotando aqui o termo freudiano pulsão2) é meramente
contingente, acidental, não necessária. O objeto encontra-se “colado” à pulsão em razão de
sua história, não de uma inscrição biológica, diz ele.
Da mesma forma, nas suas críticas ao conceito de perversão (atividades sexuais que
não envolvem a zona genital), Freud mostra claramente que essa demarcação entre o normal e
o patológico se tornava ainda mais difícil, porque formas de perversão estão presentes nos
atos sexuais considerados normais, tais como: a excitação de outras partes do corpo que não a
1 Ao contrário do que seria esperado numa doença hereditária. Freud mostra que entre os homossexuaisestão abrigados indivíduos que variam largamente quanto ao grau e à qualidade da manifestação dodesvio. Segundo Freud, há homossexuais que manifestam exclusivamente esse tipo de atração e outrosque esse tipo de atração não é exclusiva. Ao longo da vida individual, há indivíduos que sãohomossexuais desde a infância, outros que se tornam depois da puberdade, outros depois damaturidade, outros em que a atração homossexual foi um episódio isolado, e outros que forampressionados a se tornar homossexuais.2 “Processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga energética, fator de motricidade) quefaz tender o organismo para um alvo. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa excitaçãocorporal (estado de tensão); o seu alvo é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é noobjeto ou graças a ele que a pulsão pode atingir seu alvo.” (LAPLANCHE E PONTALIS, 1977, p. 506).
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
SOUZA, M. C. C. C. A crítica freudiana à concepção biológica da sexualidadehumana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso deEspecialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.
zona genital, a presença de atos diferentes do contato entre genitais (o olhar e ser olhado, a
permuta de dor). Torna-se assim problemático, nos termos da Medicina clássica, traçar os
limites entre a normalidade e a patologia. Mais ainda, se nos atos sexuais considerados
“normais” há essas formas “benignas” de perversão, nenhuma delas é comum a todos os atos
sexuais. Cada uma delas, então, segundo Freud, pode ser colocada como um componente ou
uma unidade da pulsão, e a pulsão “normal” constitui um amálgama que assume, em cada
indivíduo, uma totalidade particular.
Estendendo a atividade da pulsão sexual a outras partes do corpo e percebendo sua
presença nas atividades adultas normais, Freud considerou a possibilidade de identificar cada
uma delas a remanescentes arcaicos da sexualidade infantil.
A atividade de mamar do bebê constitui o exemplo freudiano clássico a respeito da
gênese da sexualidade. O reflexo de sucção, biologicamente herdado, tem uma finalidade
intrínseca, qual seja, a satisfação da fome. Aliado ao prazer consecutivo dessa satisfação,
porém, um prazer paralelo se desenvolve: o prazer sexual. Este se junta à atividade de sucção
e a transforma, igualmente, numa atividade sexual. O prazer sexual nasce de uma excitação da
boca pelo contato com o seio materno e com o fluxo do leite. Breve, essa atividade e esse
prazer marginal serão buscados por si mesmos, por intermédio da sucção do polegar. Chupar
o dedo é, pois, algo procurado como satisfação independente e prazer específico, já apartado
da sensação de fome, por sua vez provocado por um prurido local dos lábios, então
transformados numa zona erógena, que leva a um impulso (pulsão) de estimular-se: “como se
os lábios quisessem beijar a si mesmos”.
A edição de 1915 dos “Três ensaios” exibe maior ênfase na afirmação de que a
sexualidade nasce paralelamente a uma atividade vital, como se fosse um benefício de prazer
marginal obtido graças a essa mesma satisfação. A sexualidade nasce, portanto, apoiada
numa função biológica, e a característica de apoio ou anaclítica fornece a pista para a
elucidação da noção fundamental de sexualidade para a Psicanálise.
Pois, se não admitirmos, como Freud faz supor, qualquer distinção qualitativa entre o
impulso da fome e o impulso sexual, a única especificidade da sexualidade é ser uma atividade
que se prolonga para além da necessidade vital. Compreendida dessa forma, é possível ver
que a sexualidade se manifesta num movimento de desvio, de desnaturalização do instinto,
tanto tomando a fome por referência quanto tomando a definição clássica do instinto que exige
objeto externo. A perversão infantil – a conhecida definição de Freud da criança como
“perverso polimorfo” – não é entendida por ele como fuga ou desvio de qualquer norma social
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
SOUZA, M. C. C. C. A crítica freudiana à concepção biológica da sexualidadehumana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso deEspecialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.
ou moral, ou transgressão de uma norma biológica que tem como referência a acepção
clássica do instinto. A desnaturalização constitui a própria sexualidade.
Às superfícies do corpo encarregadas de uma função vital, das quais surge a
sexualidade como produto marginal, Freud fará corresponder uma zona erógena. Se Freud
admite que existem partes do corpo privilegiadas como origem e instalação da sexualidade –
as clássicas zonas oral, anal, fálica e genital –, também admite que elas não são de nenhum
modo exclusivas.
Freud chama a atenção para certos comportamentos que, não sendo originalmente
sexuais, agregam-se à sexualidade sob forma do que ele denomina “pulsões componentes”.
Essas pulsões se disporiam aos pares, como uma tendência passiva e outra ativa: olhar e ser
olhado, tocar e ser tocado, dominar e ser dominado.
Além das funções vitais e dessas pulsões componentes, Freud preocupa-se em
enumerar outras fontes de atividades, não ligadas diretamente a funções vitais, que fazem
brotar a sexualidade. Aponta as excitações externas de qualquer parte do corpo por via
mecânica, a atividade muscular, emoções particularmente intensas e o próprio trabalho
intelectual. Quando essas atividades excedem a necessidade, ao se tornarem procuradas por
si mesmas, fazem “brotar” a sexualidade como produto marginal.
Freud leva ao limite essa ideia ao propor, finalmente, que “[…] bem pode acontecer que
nada de considerável importância ocorra no organismo sem contribuir para a excitação da
pulsão sexual.” (FREUD, 1977a, p. 211).
É, pois, nesse sentido, que se deve compreender o pansexualismo freudiano. Nos “Três
ensaios”, a sexualidade é algo que tudo invade, algo que preenche uma função quando a
função ultrapassa a simples necessidade, algo que adere a tudo que é intenso, a tudo, enfim,
que se configura como “excesso”.
Há, ainda, uma outra característica apontada por Freud na sexualidade infantil. Cada
zona erógena assim constituída, com sua pulsão correspondente, cada uma das “pulsões
componentes”, cada uma dessas atividades que, se intensas, se tornam sexualizadas,
comporta-se como independente uma da outra. O que ele chama de “pulsões parciais” atuam
na infância como “ilhas de prazer”3. Freud associa, principalmente nas primeiras edições dos
“Três ensaios”, a perversão polimorfa da criança à anarquia pulsional.
3 Ao comparar a sexualidade adulta com a infantil, Freud assinala que na infância a sexualidade não tempor objetivo uma excitação maior, em direção ao ápice do orgasmo, como nos adultos, mas é umafruição. Se usássemos a gíria popular, poderíamos dizer que é mais uma “curtição” do que uma “fissura”.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
SOUZA, M. C. C. C. A crítica freudiana à concepção biológica da sexualidadehumana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso deEspecialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.
Nesse momento Freud estava mais preocupado em mostrar como essa anarquia
pulsional ligada à infância poderia ter um desfecho que, na maioria estatística da população
adulta, é heterossexual e genital. Procura assim distinguir sobre as diversas fases do
desenvolvimento, fazendo cada uma delas corresponder a uma organização dominada por
uma zona erógena, por sua vez apoiada numa função vital, até finalizar na organização genital
adulta.
Contudo, nas últimas revisões que fez dos “Três ensaios”, vemos pouco a pouco o
“objeto”, exatamente o elemento da pulsão mais contingente, ganhar especial importância na
teoria sexual, na organização da sexualidade e, de forma mais ampla, na estruturação do
próprio psiquismo. Com isso, Freud abandona o polo da Biologia para se aproximar de uma
percepção cada vez mais psíquica da sexualidade.4
Assim, assinala num parágrafo:
Numa época em que o início da satisfação sexual está vinculado à ingestão dealimentos, a pulsão sexual tem um objeto fora do corpo, próprio da criança, soba forma do seio da mãe. Somente mais tarde a pulsão perde esse objeto, bemna época, talvez, em que a criança pode formar uma ideia da pessoa a quempertence este órgão que lhe está dando satisfação […]. Há, portanto, bonsmotivos para que uma criança que suga o seio materno tenha tornado oprotótipo de toda a relação de amor. O encontro do objeto é, na verdade, umreencontro dele. (FREUD, 1977a, p, 288-289).
Contrariando sua primeira ideia de que a sexualidade infantil era autoerótica, como
ilustra o exemplo da sucção do polegar, Freud mostra que o autoerotismo é secundário a uma
escolha de objeto, cuja relação com este terá, para a criança, um caráter prototípico e
exemplar.5
A experiência de satisfação por intermédio de outra pessoa implica, no surgimento da
próxima necessidade, uma reativação dos movimentos cinestésicos que conduziram à
satisfação (movimentos de sucção) e da imagem do objeto, até a alucinação, que levou à
satisfação (o seio materno).
Mesmo quando o Ego atua no sentido de impedir que esse traço deixado na memória
seja reativado até a alucinação, sempre persistirá, no plano do inconsciente, a associação
entre o prazer e o objeto que levou à satisfação primeira.
4 Acompanhar o deslocamento da teoria freudiana nessa direção excederia aos propósitos do presenteartigo. Limitar-nos-emos, aqui, a seguir as indicações das sucessivas edições dos “Três ensaios”.5 Freud retoma aqui uma antiga ideia sua, esboçada no “Projeto para uma Psicologia científica”, em quemostra que o longo e extremo desamparo do recém-nascido humano e sua incapacidade de obtersatisfação de suas necessidades pelos seus próprios meios levam-no a uma dependência crucial de umoutro ser humano.
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SOUZA, M. C. C. C. A crítica freudiana à concepção biológica da sexualidadehumana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso deEspecialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.
Assim, nos termos do “Projeto” de Freud,
[…] a imagem mnêmica de uma certa percepção se conserva associada aotraço deixado na memória da excitação resultante da necessidade. Logo queesta necessidade aparece de novo, produzir-se-á, graças à ligação que foiestabelecida, uma moção psíquica que procurará reinvestir a imagem mnêmicadesta percepção e mesmo invocar esta percepção, isto é, restabelecer asituação da primeira satisfação: esta moção é que chamaremos desejo.(FREUD, 1977b, p. 424).
O que Freud quis dizer com isso é que a satisfação da primeira pulsão por intermédio
de uma pessoa, a mãe, e a interdição cultural de tê-la como objeto da pulsão, significam a
transformação da necessidade em desejo sexual. Daí por diante, necessidade e desejo jamais
coincidirão. O objeto, na realidade, transforma a pulsão sexual em seu objeto, como um
fantasma que o perseguisse para sempre. Em outras palavras, conduz a pulsão não só a
procurar o prazer específico, como igualmente procurar reproduzir, debalde, a situação da
satisfação primeira.
A interdição do incesto é uma lei da cultura e não da biologia. Se a reprodução exige
uma escolha de objeto heterossexual, a cultura irá exigir a interdição do primeiro objeto da
pulsão. Esta regra cultural promove verdadeira mudança de nível da sexualidade, conjugando
indevidamente sexualidade e lei.
O fantasma dessa primeira relação e a impossibilidade do retorno, devido à interdição
edípica, percorrerão todos os avatares da sexualidade humana. Freud apoia-se nessa ideia
para dizer que o ser humano está fadado a perseguir o impossível, a restabelecer uma relação
irremediavelmente perdida, sentida como anseio de amor insaciável, que nenhuma relação
amorosa jamais poderá preencher.6
REFERÊNCIAS
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição standard das obrascompletas de Sigmund Freud, v. VII, Rio de Janeiro: Imago, 1977a.
6 A centralidade de Freud na sexualidade está apoiada no fato de que, curiosamente, aquilo que no serhumano mais parece se aproximar da animalidade é aquilo no qual a cultura parece estar maisradicalmente inscrita. Mesmo ao se submeter à cultura, que determina na maior parte dos casos odestino heterossexual e genital da sexualidade, existe uma ampla gama de variações, peculiaridadespessoais e culturais, pequenas e grandes idiossincrasias na sexualidade humana: a sexualidade escapa,extravasa, por assim dizer, da genitalidade. E o instinto humano, se pudermos chamar assim, éextremamente lábil, elástico, variado. Ao mesmo tempo, observa Freud, a sexualidade tem um carátermodelar, isto é, a relação sexual constitui a metáfora das relações que uma pessoa estabelece consigomesma, com os outros e com a vida. Como disse belamente Marx: “Aquele que duvida de seu amorprovavelmente duvida de tudo o mais em sua vida”.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
SOUZA, M. C. C. C. A crítica freudiana à concepção biológica da sexualidadehumana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso deEspecialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.Acesso em: __/__/____.
FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica. Edição standard das obras completas de
Sigmund Freud, v. I, Rio de Janeiro: Imago, 1977b.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Um panorama histórico de Wilhelm Reich. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
UM PANORAMA HISTÓRICO DE WILHELM REICH
José Henrique Volpi
O objetivo desse artigo é oferecer ao leitor, ainda leigo com relação às ideias de Reich,
um panorama geral sobre a história desse grande pensador que tinha nada mais nada menos o
desejo de juntar saberes e oferecer sua dedicação em prol da prevenção da saúde energética
e emocional do ser humano, defendendo com unhas e dentes as crianças do futuro. Reich
sempre foi um cientista inserido em sua época. Mesmo assim, buscava transpor as barreiras
da Ciência ortodoxa e mecanicista, sem que, em nenhum momento deixasse de lançar seus
olhos para a verdadeira ciência, construída em cima de saberes, pesquisas e ética.
Além de ético, Reich foi cético e marginalizado. Recebeu rótulos como o de “judeu
pornográfico”, “esquizofrênico paranoico” e “bergsoniano maluco”. Ensinou o homem a
respeitar a si mesmo e à natureza da qual faz parte e, por fim, acabou sendo vítima desse
mesmo homem, o qual chamou de Modju, acometido pela peste emocional. Mesmo assim,
Reich nunca deixou de lutar e acreditar que sempre há uma fruta (pessoa) boa no meio de
tantas podres. E é por essa fruta (pessoa) que vale a pena lutar.
Wilhelm Reich nasceu em 24 de março de 1897, em Dobrzynica, uma aldeia da Galícia,
que então fazia parte do antigo império austro-húngaro. Pouco tempo depois, a família mudou-
se para Jujintz, província de Bukovina, o lado germano-ucraniano da Áustria, região onde seu
pai, Leon Reich, adquiriu uma extensa propriedade rural de aproximadamente mil acres.
Leon Reich era originário de uma família judaica. No entanto, falava alemão com a
esposa e com os filhos e não permitia o uso de qualquer expressão judaica. A língua materna e
de instrução sempre foi o alemão. Realizava viagens periódicas porque fornecia carne bovina
ao exército de Berlim. Também não permitia o contato dos filhos com os empregados da
fazenda e camponeses vizinhos.
Cëcilie Reich, sua esposa, era tida como boa dona de casa, sem preocupações
intelectuais ou religiosas, mas submissa ao poder do marido. Sempre foi admirada pela família
e por amigos pela sua generosidade, suavidade e beleza física. O casal teve três filhos: a
primeira, uma menina, faleceu logo após o nascimento; o segundo foi Wilhelm Reich,
conhecido na família por Willy, e o terceiro, um menino que recebeu o nome de Robert Reich,
três anos mais novo.
Willy sempre recebeu aulas particulares em casa. Sua primeira instrutora não tinha
nenhuma escolaridade. Além desta, teve outros três instrutores que eram estudantes de
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Direito. Na época de seu primeiro instrutor, Willy roubou certa quantia de fumo de seu pai e
deu-o para um carroceiro em troca de um suporte de madeira para sua coleção de borboletas.
O pai, quando retornou de uma de suas viagens, deu falta do fumo e interrogou os filhos.
Enquanto Willy negava a autoria do roubo, a mãe apareceu no quarto dos filhos, trazendo nas
mãos a jaqueta de Willy onde no bolso havia a prova do crime, um aparato de enrolar cigarros.
O pai, como sempre muito agressivo, aplicou-lhe uma surra, fato esse que fez Willy se sentir
traído pela mãe.
Leon, marido muito ciumento, um dia desconfiando da esposa, questionou-a sobre um
possível relacionamento dela com o terceiro instrutor de Willy. Cëcilie negou. Ainda
desconfiado, Leon dirigiu-se ao quarto dos filhos e ameaçadoramente ordenou-lhes que
contassem tudo o que sabiam. Willy, com muito medo do pai respondeu que de nada sabia em
relação àquele instrutor, mas que havia testemunhado o relacionamento sexual de sua mãe
com o instrutor anterior. No quarto ao lado, desesperada, a mãe tentava suicídio ingerindo uma
dose de veneno.
O episódio todo e o fracasso do suicídio da mãe acarretaram numa série de
transformações na família. Willy deixou de receber aulas particulares e foi enviado para estudar
em Viena, onde passou a morar como pensionista numa casa de família, enquanto Robert
permaneceu com os pais na fazenda.
Cëcilie continuava sendo severamente punida por Leon, tanto física quanto
psicologicamente. Depois de oito meses, em consequência de uma terceira tentativa de
suicídio, acabou por falecer. Willy estava com 13 anos e muitos anos mais tarde escreve:
A situação parece-me clara agora: o que fez minha mãe estava perfeitamentecorreto. Minha traição, que lhe custou a vida, foi um ato de vingança: ela tinhame traído com meu pai quando roubei fumo para o carroceiro, e por desforra,eu a traí. Que tragédia. Oxalá minha mãe estivesse viva hoje para que eupudesse reparar o crime cometido então, 35 anos atrás. Afixarei um retratodessa nobre mulher para tê-la constantemente à vista. Que nobre criatura foiessa mulher, minha mãe. Oxalá a obra de minha vida possa reparar minha máação. Em vista da brutalidade de meu pai, ela estava perfeitamente justificadano que fez (REICH, 1988, p. 32).
Após a morte da mãe, a família entrou num período de completa ruína. Leon contraiu
tuberculose e ao mesmo tempo foi prejudicado economicamente por um parente que havia
ajudado financeiramente. O estado de saúde fez com que Willy conseguisse um empréstimo
financeiro e o internasse em um sanatório para tratamento. Retornando da viagem, Willy foi
alcançado por um telegrama informando sobre a morte do pai.
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Com apenas 16 anos, Willy se viu obrigado a abandonar os estudos em Viena e
assumir a fazenda, ao mesmo tempo que passou a cuidar do irmão Robert. Em seguida, o
arquiduque da Áustria e herdeiro do trono, Francisco Ferdinando Habsburgo, foi assassinado e
o império austro-húngaro, aliado à Prússia, declarou guerra à Sérvia. Com a rápida
internacionalização do conflito, teve início a Primeira Guerra Mundial. Tornou-se tão iminente o
perigo de invasão da região que a primeira providência tomada por Willy foi enviar seu irmão
para a casa de parentes em Viena, enquanto ele permanecia cuidando da propriedade. Pouco
tempo depois a fazenda foi invadida pela infantaria do exército russo, mas nada lhe aconteceu.
O exercito austríaco estava recrutando soldados para irem à frente de combate. Porém,
como para cargos de comando a exigência da escolaridade mínima era do nível médio
completo, permitiu-se que os estudantes do último ano participassem de um exame geral de
forma a receber o diploma antes do tempo previsto. Willy submeteu-se ao exame e concluiu o
segundo grau quando, em 1915, deu início ao treinamento militar para a formação de
comandantes.
Willy, agora conhecido apenas pelo seu sobrenome Reich, ocupou as posições de
primeiro cabo e tenente e chegou a ir para a frente de batalha, sempre em território italiano.
Com o fim da guerra, em 1918, pediu dispensa e tentou retornar para a fazenda, que a essa
altura, já havia sido invadia pelo exército. Uma ação de desapropriação ou indenização sairia
mais caro do que o valor da própria fazenda, motivo que fez com que Reich abandonasse tudo
e rumasse novamente para Viena.
Reich passou a morar num quarto de pensão, juntamente com seu irmão Robert e um
outro estudante. Entrou na faculdade de Direito, que cursou seis meses, abandonando-a e
substituindo em seguida pela faculdade de Medicina. Os primeiros meses foram muito difíceis,
mas com o tempo a situação econômica melhorou, pois Reich dava aulas particulares a outros
estudantes de Medicina, aprendendo muito mais com isso, e podendo terminar em quatro anos
o curso que sempre foi de seis.
Depois de quatro anos de reclusão no exército, Reich dizia encontrar-se
“intelectualmente faminto”, o que o levou a uma intensa atividade de leitura dos mais diversos
autores em diferentes áreas do conhecimento. Destacou seu interesse pelo filósofo francês
Henri Bergson e até mesmo foi tachado de “bergsoniano maluco”. Em 1919, já no segundo ano
da faculdade de Medicina, em uma de suas aulas de anatomia, circulava de carteira em
carteira um folheto o qual pedia aos alunos interessados que organizassem um seminário
sobre sexologia, pois acreditavam que esse importante assunto estava sendo negligenciado na
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formação médica. Reich compareceu à primeira reunião e a partir daí, participou de todos os
seminários seguintes. Tomou contato com os escritos de Freud, a quem, juntamente com
outros colegas, escreveu informando sobre os seminários e pediu ajuda. Freud, imediatamente
prontificou-se a ajudá-los e marcou um primeiro encontro com os estudantes. Reich dizia que
Freud era diferente. Enquanto os outros desempenhavam um papel qualquer, Freud não se
dava ares de importante e falava com ele como uma pessoa absolutamente comum. Perguntou
a respeito do seminário e achou sensata a iniciativa (REICH, 1977).
Interessado na importância da energia sexual, Reich elaborou um trabalho intitulado “Os
conceitos de pulsão e libido de Forel a Jung” o qual apresentou aos participantes do seminário.
No outono, foi eleito presidente dos seminários e ficou encarregado de conseguir material de
leitura para os grupos de estudos, passando então a visitar diversos profissionais.
No dia 13 de outubro de 1920, Reich apresentou como candidato a Membro da
Sociedade Psicanalítica de Vienna a comunicação “O conflito da libido e a ilusão de Peer
Gynt”, no qual analisou as determinações inconscientes do personagem do drama Peer Gynt
do autor norueguês Henrik Ibsen. Sua comunicação foi bem recebida e no dia 20 desse mesmo
mês foi admitido como membro da Sociedade (REICH, 1986).
Seu interesse inicial dentro da Psicanálise era relacionado á técnica terapêutica, pois
poucos eram os trabalhos dedicados a essa área, e muitas eram as dificuldades encontradas.
Tendo Freud como seu mestre foi aos poucos se convencendo de que, de todos os impulsos, o
sexual era o mais forte. 1922 foi o ano em que Reich teve dois grandes acontecimentos em sua
vida: o primeiro aconteceu em 17 de março quando se casou com Annie Pink também
estudante de Medicina, sua ex-paciente e depois psicanalista. Foi muito censurado pelos seus
colegas por ter se casado com uma ex-paciente. Deste casamento nasceram Eva, em 1924, e
Lore, em 1928. O segundo acontecimento foi a sua formatura. Depois de graduado, continuou
estudando neuropsiquiatria e atendendo seus pacientes na Clinica Psicanalítica.
Em 1927, Reich publicou a primeira parte de seus escritos sobre a descoberta do
orgônio. Tal publicação recebeu o título em português de “Psicopatologia e Sociologia da Vida
Sexual”, e foi dedicada a Freud: “A meu mestre, o professor Sigmund Freud, como prova de
profundo respeito” (REICH, [19--], p. 23). Freud pareceu ter uma reação negativa ao livro. A
partir daí, Reich passou a entrar em sérios conflitos com Freud. No entanto, numa carta datada
de 27 de julho de 1927, Freud assegurou a Reich que, embora sabendo das divergências
pessoais e hostilidades na organização psicanalítica, elas não poderiam influenciar o seu
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grande apreço pela competência de Reich, o que era compartilhado por muitos outros
(HIGGINS; RAPHAEL, 1979).
Reich começou a se interessar por Marx e Engels, fundou o movimento de higiene
mental na Áustria e teve muitos encontros com Freud. Em 1928, filiou-se ao partido comunista
austríaco e intensificou seus estudos sobre o marxismo, ano em que também fundou a
Sociedade Socialista para o Conselho e Pesquisa Sexual, que manteve em funcionamento
numerosos Dispensários de Higiene Mental. Paul Federn, psicanalista de Vienna e vice-
presidente da Sociedade Psicanalítica de Vienna desde 1924, até a sua dissolução pelos
Nazistas em 1938, tentava de todas as maneiras perturbar a relação existente entre Freud e
Reich. Uma das provas de tais perturbações foi claramente revelada pelo próprio Freud numa
carta a Reich datada de 22 de novembro de 1928, na qual lhe disse que Federn lhe tinha
pedido a destituição de Reich como diretor do Seminário sobre técnicas. Mesmo assim, a teoria
do orgasmo e a técnica carateroanalítica foram ambas rejeitadas e nunca mencionadas por
Freud nos seus escritos. Reich então decidiu prosseguir por conta própria, desde 1928, sob a
designação de Economia Sexual (HIGGINS; RAPHAEL, 1979).
Quando Reich trabalhou com grupos socialistas e comunistas em Vienna, de 1927 a
1930, os analistas diziam que ele era comunista. Entre os anos de 1929 e 1930, Reich entrou
no campo comunista-socialista para fazer trabalho prático no exterior, em higiene mental.
Apresentou o conceito da neurose e da miséria genital no pensamento social. Seus primeiros
passos neste campo resultaram na conclusão de que, embora os ideais do movimento
estivessem corretos, as técnicas usadas para atingir os fins eram inadequadas, senão de todo
nocivas. Deste modo, orientou-se para o desenvolvimento do movimento de esquerda pela
liberdade introduzindo conceitos básicos psiquiátricos na Sociologia política.
Partindo do ponto de vista da posterior evolução de seu sofrimento e da de seus entes
queridos, Reich desejou nunca ter dado início ao seu programa de aperfeiçoamento dos
movimentos socialistas. Nunca encontrou inimigos mais mortais nem perigos maiores para sua
vida e liberdade ou felicidade que naquele movimento dirigido por libertadores sem
conhecimento das leis da liberdade responsável. Mas do ponto de vista de uma aprendizagem,
Reich dizia que voltaria a fazer o mesmo, apesar do desgosto.
A ligação de Reich com o movimento comunista nos finais dos anos vinte, o que tem
sido repetidamente explorado para desacreditá-lo, surgiu pelo simples fato de ser oportuna,
com o fim de continuar seu trabalho sobre higiene sexual, indo ao encontro das massas por
meio da aparente organização nos partidos socialistas e comunistas. Assim, era necessário
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prosseguir com o trabalho sobre a higiene econômico-sexual no seio dos partidos socialista e
comunista, porque era aí que as massas se encontravam nessa altura. Os seus problemas
tinham de ser abordados no seu meio ambiente, se se queria sair da linha do tratamento
individual (VOLPI, 2019).
A pressão sobre este trabalho social-higiênico era tão grande que, em 1930, resolveu
transferir-se para a Alemanha. Em setembro deste ano viu Freud pela ultima vez e em
novembro mudou-se para Berlim, na procura de um ambiente mais receptivo para suas ideias.
Tinha-se tornado independente de Freud e a ênfase que deu em seus trabalhos a respeito da
transferência negativa, seu manejo na terapia psicanalítica, na couraça muscular do caráter e
na potência orgástica, vinha significando um sério impedimento à sua amizade com Freud.
Em 1931, juntamente com o partido comunista alemão, criou a SEXPOL (Associação
para uma Política Sexual Proletária) que se expandiu rapidamente por toda a Alemanha
mobilizando cerca de 40 mil membros.
Em 1932, a tensão com os dirigentes do partido comunista aumentou, e os mesmos
tentaram neutralizá-lo oferecendo-lhe um cargo num comitê político, ao qual recusou. Com o
objetivo de se emancipar de qualquer tutela ou pressão, fundou sua própria editora (“Edições
de Política Sexual”), que logo instalou em Copenhague, sua próxima residência. Nesse mesmo
ano, o Diário das Juventudes Comunistas tomou oficialmente partido contra Reich proibindo a
difusão dos seus textos, principalmente dos opúsculos nesse ano editados: “Revelação dos
segredos adultos”, destinado às crianças, e “Quando teu filho te interroga”, destinado aos pais.
Em 1933, com a chegada dos nazistas ao poder, Reich viu-se obrigado a fugir da
Alemanha. Primeiro refugio-se em Vienna, onde seus colegas não lhe deram atenção por
considerarem que política nada tem a ver com Ciência, e onde até Freud o evitou por ser
“comunista” e porque usou a Psicanálise “com fins alheios à sua essência”. Seus alunos foram
aconselhados a não assistirem suas aulas, mas não se lhes impediu a entrada.
Em primeiro de maio de 1933, chegou à Copenhague, depois de ter decidido abandonar
Viena. Viajou a Londres, Paris, Áustria, Checoslováquia e Polônia. Quando retornou à
Copenhague, tomou conhecimento de que havia sido expulso do Partido Comunista Alemão
por causa de suas críticas à atuação desse partido diante da irrupção do nazismo. Separou-se
de sua primeira esposa, Annie Pink Reich, e passou a viver com a bailarina Elza Lindeberg,
que havia conhecido em Berlim. Em seguida mudou-se para a Dinamarca, onde permaneceu
até o final de 1933. Foi acusado de ser suposto agente provocador pelo comitê do partido e de
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indesejável revolucionário pelas forças direitistas. O regime hitleriano incluiu no seu índice de
livros proibidos, “O combate sexual da juventude”. Foi obrigado a abandonar a Dinamarca.
Em 1934, Reich seguiu para Malmö na Suécia, onde os próprios alunos dinamarqueses
podiam alcançá-lo de balsa, mas depois de seis meses também foi expulso. Convidado então
pelo professor Harald Schielderup, diretor do Instituto de Psicologia da Universidade de Oslo,
Reich seguiu para Oslo, na Noruega, onde encontrou apoio no grupo do psicanalista Ola
Raknes, que se tornou seu amigo pessoal e um de seus mais importantes colaboradores. Teve
então a oportunidade de realizar suas primeiras pesquisas biofísicas. Residiu em Oslo por
cinco anos e continuou escrevendo seus artigos. As perseguições aumentaram cada vez mais,
o que o levou a usar o pseudônimo de Peter Stein em seus escritos. A partir das expulsões,
vários analistas iniciaram contra ele uma campanha de difamação.
Em agosto de 1934, Reich compareceu ao XIII Congresso da Associação de
Psicanálise, celebrado em Lucerna, onde recebeu um comunicado de que havia sido expulso
da Associação Alemã e da Internacional. No congress, corriam boatos de que ele seduzia suas
pacientes, que era um psicopata e por fim um esquizofrênico. Segundo Reich, os boatos foram
espalhados por Otto Fenichel e Paul Federn, psicanalistas da época. Reich havia ido ao
congresso junto com Elsa. Muitos psicanalistas estavam hospedados em hotéis luxuosos e ele
queria ficar junto à natureza. Montou uma tenda próximo ao Lago de Lucerna e só tinha
consigo um punhal daqueles que se leva em acampamentos. Quinze anos depois, em Nova
Iorque, surgiu o boato de que tinha ficado completamente louco. Havia armado uma tenda no
vestíbulo do hotel e andava nu e armado. Reich dizia nunca ter descoberto a origem de tais
boatos. Os rumores a respeito dele correram por muito tempo. Mesmo em fevereiro de 1966, o
editor do New York Herald Tribune escreveu um artigo onde o declarou mentalmente doente.
Quando retornou a Oslo, deu continuidade aos seus estudos e experimentos. Voltou toda a sua
atenção para os fundamentos fisiológicos da vida psíquica. Passava horas de seu dia dentro de
sua sala de estudos. Determinou-se a descobrir a natureza física da energia “libido”, que Freud
havia inicialmente postulado. No ano de 1935, passou a usar em suas pesquisas um aparelho
que media o potencial elétrico da pele (SHARAFF, 1993).
Em 1936, pesquisas subsequentes permitiram a descoberta do que denominou “bions”
– unidades básicas de energia vital, surgindo então a configuração de um novo campo de
estudo: a biofísica e a energia orgônica. Os experimentos realizados em Oslo de 1934 a 1939
haviam medido, com o auxilio de um oscilógrafo, as variações do potencial elétrico quando esta
era tocada de modo que provocasse prazer e ansiedade. Verificou que a excitação sexual
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Um panorama histórico de Wilhelm Reich. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
proporcionava um aumento de carga elétrica na superfície do corpo, enquanto que emoções
desagradáveis correspondiam a uma retirada da energia elétrica para o interior do corpo. O
conceito de libido deixava de ser uma mera analogia.
Reich não se contentou por muito tempo com sua teoria elétrica da sexualidade.
Pesquisas posteriores revelaram que não apenas a sexualidade, mas a própria vida funcionava
de acordo com o padrão orgástico de tensão e descarga, expansão e contração. Com isso,
ampliou a técnica da Análise do Caráter, chegando à couraça muscular e argumentando que a
energia sexual estava aprisionada na própria musculatura. Mapeou então o corpo em sete
segmentos denominados por ele de segmentos de couraça, consolidando assim uma nova
forma de terapia que denominou Vegetoterapia Caracteroanalítica, visto a base estar no
sistema neurovegetativo (REICH, 1995).
A essência e o objetivo do tratamento psicanalítico consistia em tornar consciente a
matéria inconsciente. A essência e o objetivo da Vegetoterapia consistia em restabelecer o
equilíbrio biofísico libertando a potência orgástica, isto é, não só tornar consciente a matéria
inconsciente, mas também libertar as energias vegetativas. O principal método da terapia
psicanalítica era e é a “associação livre”, isto é, essencialmente falar e comunicar. O principal
método da Vegetoterapia consiste desde então na estimulação das atitudes vegetativas
involuntárias (logo inconscientes). Ao contrário, na técnica da Vegetoterapia, não falar é que se
constitui como um dos principais métodos para trazer à superfície sentimentos e afetos
vegetativos, enraizados em processos orgânicos, antes que se tornem conscientes, e então
possam ser verbalizados.
Reich afastou-se cada vez mais da Psicologia e partiu para o campo da biofísica e para
o estudo das principais leis físicas. Seus interesses estavam não mais na Psicanálise, mas em
como a energia vital estava dentro e fora do indivíduo, como funcionava dentro e através dele e
sobre o mundo. Suas pesquisas enfureceram a imprensa norueguesa.
Em 1939, separou-se de Elsa e conheceu Ilse Ollendorf, com quem viveu até 1954 e
com quem teve um filho, Peter. A convite de um colega seu, Dr. Theodore Wolfe, em 1939
emigrou para os Estados Unidos, onde passou a trabalhar como professor e aprofundar suas
pesquisas biofísicas. Descobriu por acaso numa cultura de bions (vesículas de energia, visíveis
microscopicamente) um tipo de energia diferente de todas as formas até então conhecidas, a
qual chamou de energia vital ou orgônio, configurando assim um novo campo de estudo: a
biofísica e a energia orgônica (REICH, 1981).
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Um panorama histórico de Wilhelm Reich. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
Em 1940, Reich (1985) descobriu que a energia orgone não estava presente somente
nos organismos vivos, mas também poderia ser encontrada na atmosfera, e que poderia ser
acumulada. Construiu então um aparelho muito simples composto de material orgânico e
inorganic, que chamou de acumulador de orgônio. Depois de haver descoberto o orgônio,
Reich percebeu que se tratava da bioenergia que havia procurado desde o início dos seus
estudos. A liberação da energia dos organismos era objetivo constante do seu trabalho
terapêutico, portanto nada mais natural que tivesse chamado a sua técnica terapêutica de
terapia orgônica ou Orgonoterapia, e o estudo da Orgonoterapia de Orgonomia.
Em 13 de janeiro de 1941, teve uma entrevista com Albert Einstein para falar sobre o
acumulador de orgônio. O FBI tomou a investigação orgônica por uma atividade de
espionagem alemã (ou russa) e colocou Reich sob custódia, como sendo um estrangeiro
inimigo, acusado de atividades subversivas. Em 12 de dezembro de 1941, às duas horas da
manhã, Reich foi arrancado de sua cama por agentes do FBI e levado para Ellis Island, onde
permaneceu atrás das grades durante três semanas e meia, devido a denúncias anônimas a
respeito de seu trabalho. Segundo Reich, sua primeira mulher (Annie), devia ter tido algo a ver
com o caso, porque sua filha, Lore, havia dito a ele meses antes que seria melhor ficar em
alerta, porque a mãe dela, juntamente com alguns psicanalistas, estavam arquitetando
qualquer coisa contra Reich (1953).
Em 1942, instalou seu laboratório de Investigação Orgone e Investigação do Câncer em
Forest Hills, no estado de Nova Iorque. Publicou então “A descoberta do orgone I” (“A função
do orgasm”).
No ano de 1944, Reich reforçou ainda mais seu isolamento, instalando-se em Rangeley,
uma pequena cidade do Estado do Maine, próximo à divisa com o Canadá. Adquiriu uma
pequena propriedade agrícola e com a ajuda de um arquiteto de Nova Iorque de nome James
Bell construiu a primeira casa de estilo moderno do estado do Maine, dando o nome da região
de Orgonon. Instalou seu laboratório e mergulhou mais fundo ainda nos segredos de sua
energia orgônica.
Lançou no mercado, para fins experimentais, alguns acumuladores de orgone,
destinados a abrir novos caminhos no diagnóstico e terapêutica da maioria das doenças
funcionais (biopatias), incluindo o câncer. No dia 28 de maio de 1946, Reich naturalizou-se
cidadão norteamericano. Em 1947, em parte como resultado de dois artigos publicados por um
jornalista, Reich foi repentinamente rotulado como perigoso e esquizofrênico, sendo que por
trás desses ataques, segundo ele, encontravam-se psicanalistas e psiquiatras
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desassossegados. Logo, o Food and Drug Administration (FDA) iniciou uma investigação sobre
o uso do acumulador de orgônio que Reich na época alegava ter utilidade na terapia do câncer,
mas não na sua cura. O FDA abriu um inquérito contra ele, que se prolongou por vários anos,
dando a entender que havia uma proveitosa exploração da população a respeito do mesmo.
Em 1948, em seu laboratório em Rangeley, fez sua primeira conferência sobre Orgonomia e o
funcionamento do acumulador de orgônio. Em 1949, um grupo de médicos seguidores de
Reich começaram a exprimir admiração por ele e pediram a um colega, Jo Jenks, que fizesse
um busto em sua homenagem, com o qual o presentearam. Criaram também a Fundação
Wilhelm Reich com o objetivo de preservar todos os seus escritos.
Além do trabalho, Reich encontrava tempo para pintar suas telas: “Semente”, “Os
peixes”, “Movimento Espiral”, “Autorretrato”, todas em 1951; “O Mensageiro”, em 1952, entre
outras. Nesse mesmo ano (1952), Reich tentou testar o poder da energia orgônica, cujo
objetivo era destruir ou anular os efeitos mortíferos da energia nuclear por meio da energia
orgônica. Preparou um grande experimento para uma averiguação mais acurada sobre suas
observações. Obteve alguns isótopos radioativos e os colocou dentro do acumulador orgônico.
Esperava-se que o acumulador enfraquecesse ou reduzisse a radioatividade, mas a mistura
resultante produziu algo completamente diferente: a radioatividade estimulou o orgônio para
uma atividade tão intensa que causou um desastre, e todos os que tomavam parte do
experimento adoeceram. Reich chamou o experimento de Orgone against nuclear radiation
(ORANUR). Todos os que tomavam parte do experimento adoeceram. A propriedade toda ficou
por alguns anos tão sobrecarregada de energia orgônica radioativa que se tornou impossível
viver ali.
A atmosfera em Orgonon e à sua volta tornou-se opressiva e sufocante e a cor azul que
normalmente se podia observar no céu transformou-se em um negro tenebroso. Reich chamou
a essa variante do orgônio de Deadly Orgone (DOR), orgônio letal. Procurou então descobrir
como se manifestava e como poderia ser contra-atacado e removido.
Construiu então um equipamento que consistia em duas fileiras de tubos metálicos
colocados em uma plataforma giratória. Seu funcionamento poderia ser comparado ao do para-
raios. Descobriu que com esse aparelho poderia interferir na meteorologia. Concentrando o
potencial orgônico da atmosfera e descarregando-o na direção desejada, podia provocar uma
tempestade. Chamou o aparelho de cloudbuster (sugador de nuvens). A South West Machine
Company, de Portland, no Maine, fabricou, mediante a supervisão de Reich alguns
cloudbusters. Segundo seus discípulos, Reich desviou a trajetória do furacão Edna em 1954
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com o cloudbuster. Suas experiências tiveram 50% de êxito, sendo que uma das provas feitas
no deserto foi transmitida pela televisão canadense (SHARAFF, 1983).
Reich (1954) chamou esse período de sua vida de Cosmic Orgone Engineering
(CORE), ou seja, Engenharia Orgonômica Cósmica.
Em função de tais resultados positivos obtidos na remoção do DOR da atmosfera, Reich
supôs que podia ser possível removê-lo também do organismo humano. Construiu então um
outro aparelho baseado nos princípios do cloudbster e chamou-o de DOR-buster.
No ano de 1954, o FDA declarou a inexistência da energia orgônica e instruiu-lhe,
apresentando como justificativa as leis federais sobre a venda de objetos terapêuticos, um
processo de evidente aspecto politico, e que pode considerar-se inserido na então recém
iniciada “caça às bruxas” do senador Joseph MacCarthy. Reich enfrentou o governo
americano, enviando um memorando ao juiz federal do Maine, no qual alegava que se negava
a ser acusado por questões de Ciências naturais e biológicas, e que só responderia diante de
cientistas, não diante de juizes. Dizia ainda que este não tinha qualquer direito de perseguí-lo
em nome de atividades que eram estritamente científicas.
Ainda em 1954, pintou a tela “Modju”. Reich procura representar através desta pintura o
que para ele era sinônimo de peste emocional ou do caráter pestilento, que utilizava a calúnia
dissimulada e a difamação na sua luta contra a vida e a verdade. Derivou esta denominação de
Moceningo, um idiota, um zé-ninguém.
Em 23 de agosto de 1956, suas obras foram queimadas no Maine e em Nova Iorque.
Muitos de seus manuscritos inéditos desapareceram. Sua filha, Eva, conseguiu salvar e
microfilmar alguns. Desde o início do ataque pelo FDA em 1947 até 1957, Reich foi forçado a
despender grande parte do seu tempo e energia com assuntos legais.
O não comparecimento de Reich aos tribunais levou-a à condenação por desacato à
autoridade e com isso foi sentenciado a dois anos de encarceramento, bem como ficou
estabelecida a proibição de divulgação de todos os seus escritos. Tal fato circulou nos
principais jornais dos Estados Unidos, o que veio a denegrir mais ainda a reputação de Reich.
Em 11 de março de 1957, foi preso na penitenciária federal de Lewisburg, na
Pensilvânia. Juntamente com ele, prenderam um de seus colaboradores, Michael Silvert, que
aparentemente se suicidou poucos meses depois de deixar a prisão.
Mesmo assim, de dentro de sua cela, continuou escrevendo, e muito. Entregou então
todos seus escritos, lacrados, à Fundação que recebeu seu nome, e pediu que os mesmos
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Um panorama histórico de Wilhelm Reich. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
fossem abertos somente 50 anos após a sua morte. Estes escritos permaneceram na
Countway Library of Medicine, em Boston, até sua abertura, no ano de 2007.
Em 03 de novembro, Reich apareceu morto em sua cela, vítima de um ataque cardíaco.
Seguindo suas instruções, seu corpo foi enterrado em Orgonon. Acima do túmulo encontra-se
o busto que ganhou em 1949 de seus seguidores (REICH, 1957).
Seus colaboradores mais próximos sofreram uma série de represálias, ainda que
indiretas. Alguns foram expulsos de seus centros de trabalho, sendo proibido qualquer tipo de
publicação a respeito de suas experiências. Dentre os diversos seguidores de Reich, podemos
citar Elsworth F. Backer, que seguiu rigorosamente os princípios postulados por Reich e foi o
responsável pela Escola Americana. Uma outra figura de grande importância para Reich foi o
norueguês Ola Raknes, instrutor de vários outros seguidores na metodologia reichiana mundo
afora. De seus inúmeros alunos, quem mais se destacou, foi o neuropsiquiatria italiano
Federico Navarro.
REFERÊNCIAS
HIGGINS, M.; RAPHAEL, C. (Org.) Reich fala de Freud. Lisboa: Moraes, 1979.
REICH, W. Passion of Youth. Wilhelm Reich: an autobiography, 1897-1922. New York: Farrar,Straus & Giroux, 1988.
REICH, W. A função do orgasmo. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
REICH, W. Análise do Caráter. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
REICH, W. Experimenti Bionici. Milano: SugarCo, 1981.
REICH, W. History of the discovery of the life energy – The Einstein affair. Rangeley:Orgone Institute, 1953.
REICH, W. La biopatía del cáncer. Buenos Aires: Nueva Visión, 1985.
REICH, W. Last will and testament of Wilhelm Reich. Rangeley: Orgone Institute, 1957.
REICH, W. Psicopatologia e sociologia da vida sexual. São Paulo: Global, [19--].
SHARAFF, M. Fury on Earth – A biography of Wilhelm Reich. New York: DaCapo, 1983.
VOLPI, J. H. Psicoterapia corporal – um trajeto histórico de Wilhelm Reich. 2ª ed. Curitiba:
Centro Reichiano, 2019.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Reich e a Economia Sexual. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
REICH E A ECONOMIA SEXUAL
José Henrique Volpi
Freud havia postulado que o sintoma neurótico é resultado da repressão de um trauma
sexual ocorrido na infância. Mas não conseguia explicar porque tal sintoma aparecia somente
anos mais tarde (15, 20 anos). “Todo e qualquer sintoma neurótico e psicótico, por mais
desprovido de sentido que pareça, tem um conjunto significante que, por meio dum
conhecimento preciso do doente, pode ser completamente integrado no conjunto da sua vida.”
(FREUD apud REICH, [19--], p. 31). E complementa: “Os sintomas neuróticos provêm dum
conflito entre as reivindicações instintuais primitivas e as exigências morais que proíbem a sua
satisfação.” (FREUD apud REICH, [19--], p. 31).
APARELHO PSÍQUICO X IMPULSOS
ID → Desejos instintivos – satisfação imediata
EGO → Moderador, caráter
SUPEREGO → Inibidor, moralista
A repressão de um impulso traz o sintoma neurótico. Exemplo: compulsão por andar
depressa – análise de um menino que roubou algo de uma loja. O impulso procura
possibilidades disfarçadas de expressão.
Em 1919, Reich organizou Seminários de sexologia. Para ele, a energia sexual opera
no corpo todo e não apenas nos genitais e após a puberdade está totalmente desenvolvida e a
castração não pode afetá-la.
Consegue-se a cura, segundo Freud, tornando o impulso reprimido consciente. Dizia-se
que uma parte da personalidade não havia conseguido o total desenvolvimento em direção à
maturidade, permanecendo assim atrasada, em um estágio anterior do desenvolvimento
sexual. Isso resultava em uma “fixação”. O que acontecia então é que essa parte isolada
entrava em conflito com o resto do Ego, pelo qual era mantida em repressão. A teoria posterior
do caráter mostrou, por outro lado, que não pode haver um sintoma neurótico sem uma
perturbação do caráter como um todo. Os sintomas são apenas picos de uma cadeia de
montanhas que o caráter neurótico representa.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Reich e a Economia Sexual. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
Em 1920, Reich tornou-se membro da Sociedade Psicanalítica de Viena. Dizia Reich: “A
Sociedade Psicanalítica era como uma comunidade de gente que tinha de erguer uma luta
única contra um mundo de inimigos. Era maravilhoso.” (REICH, 1975, p. 49).
ANÁLISE DAS RESISTÊNCIAS
Havia poucos trabalhos sobre a técnica e Reich buscava conselhos com os mais velhos,
mas não eram de grande ajuda, pois sempre respondiam: continue analisando.
A análise das resistências tinha sido estabelecida teoricamente, mas não funcionava na
prática.
O paciente que não verbalizava deixava o analista sem saber o que fazer. Também de
nada adiantava dizer ao paciente que ele estava resistindo, defendendo-se, etc.
Até que em um dos congressos, Freud modificou a afirmação de que o sintoma
neurótico tinha de desaparecer quando o seu significado inconsciente tivesse se tornado
consciente. Agora ele afirmava: “Temos que fazer uma correção. O sintoma pode, mas não é
obrigado a desaparecer quando o significado houver sido descoberto.”
Isso fez com que Reich saísse em busca do que era então necessário para o seu
desaparecimento.
Reich enfocava os aspectos sexuais da neurose alegando que se uma pessoa fosse
sexualmente satisfeita, não poderia ser neurótica. Sendo assim, sua tese era de que o
orgasmo sexual descarregava o excesso de energia, que mantinha o sintoma neurótico.
Portanto, a potência orgástica era a solução.
Muitos psicanalistas discordavam de Reich alegando que seus pacientes, mesmo
neuróticos, apresentavam a chamada potência orgástica (= saúde emocional).
A contestação de Reich era que os psicanalistas confundiam ereção e ejaculação com
orgasmo.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Reich e a Economia Sexual. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
POTÊNCIA ORGÁSTICA
Potência orgástica Impotência orgástica
Segundo Reich (1975), a saúde psíquica depende da potência orgástica, e do ponto até
o qual o indivíduo pode entregar-se, e pode experimentar o clímax de excitação no ato sexual
natural. Baseia-se na atitude não neurótica da capacidade do indivíduo para o amor. As
enfermidades psíquicas são o resultado de uma perturbação da capacidade natural de amar.
No caso da impotência orgástica, de que sofre a esmagadora maioria, ocorre um bloqueio na
energia biológica, e esse bloqueio torna-se a fonte de ações irracionais. A condição essencial
para curar tais perturbações é o restabelecimento da capacidade natural de amar.
Reich tinha traçado as consequências sociais da teoria da libido. Na ideia de Freud isto
foi a pior coisa que fez. Dizia Reich que se há uma corrente natural, deve-se deixá-la correr. Se
a bloqueamos em algum ponto, a água transborda para as margens. Quando se bloqueia a
corrente natural da bioenergia, ela transborda, resultando em irracionalidade, perversões,
neuroses, etc. O que podemos fazer para corrigir isto? Temos que reconduzir a corrente ao seu
leito normal e deixá-la fluir de novo naturalmente. Isso requer uma quantidade de alterações na
educação, na formação da criança, no ambiente familiar. E de certo modo, Freud não
conseguiu compreendê-lo neste ponto.
Reich também deixou claro que embora seu trabalho sobre a Economia Sexual se
baseasse inteiramente na teoria sexual de Freud e na sua teoria das neuroses, a concepção
exposta não significava aceitação pela Psicanálise, apesar de achar que suas ideias eram um
prolongamento direto das teorias da Psicanálise.
Reich estava buscando uma base somática para a libido e disse que Freud havia
indicado o caminho.
Freud havia afirmado que nenhuma neurose desenvolve-se sem o conflito sexual. Reich
afirmava que não há neurose sem perturbações da função genital, e defendia a liberdade
sexual e não uma promiscuidade selvagem. Mas Reich foi incrivelmente incompreendido e
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Reich e a Economia Sexual. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
difamado, e quase tudo o que ele escreveu foi mal interpretado por uma sociedade neurótica e
reprimida principalmente em sua própria sexualidade, que por isso não dá conta de lidar com a
sexualidade de forma natural.
PERTURBAÇÕES PSÍQUICAS DO ORGASMO
Uma pesquisa conduzida no Dispensário Psicanalítico de Viena de novembro de 1923 a
novembro de 1924, com 338 pacientes, sendo 166 homens e 91 mulheres, revelou (REICH,
[19--], p. 36):
Homens (166):
17 – potentes
18 – impotentes
69 – neuróticos e abstinentes
27 – neuróticos e incapazes de ereção
14 – neuróticos com ejaculação precoce
09 – perversos e incapazes de ereção
05 – idade crítica
07 – neurose atual com coito interrompido
Mulheres (91):
06 – frígidas
27 – neuróticas e abstinentes
37 – neuróticas e frígidas
12 – neuróticas e frígidas com conflito atual
09 – idade crítica
Do ponto de vista da Economia Sexual pouco importava saber se havia uma maior ou
menor sensibilidade sexual ou que o homem fosse capaz ou incapaz de uma ereção. O que
importava é que o orgasmo encontrava-se perturbado.
Potencia orgástica é a capacidade de atingir uma satisfação sem perturbações da
genitalidade, uma entrega máxima ao prazer livre de quaisquer inibições.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Reich e a Economia Sexual. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
Reich (1975) argumentava que os psicanalistas confundiam o ato sexual puramente
animal com a entrega amorosa.
A estase é a fonte da energia das neuroses. Então, a enfermidade psíquica não é só o
resultado de uma perturbação sexual no sentido freudiano lato da palavra; mas é
concretamente o resultado da perturbação da função genital, no sentido estrito da potência
orgástica. Portanto, tornar o paciente consciente dos impulsos sexuais reprimidos garante a
cura apenas quando também se elimina a fonte de energia da neurose e a estase sexual, ou
seja, quando a consciência das exigências instintivas restaura também a capacidade de obter
plena satisfação orgástica.
Segundo Reich (1975) potência orgástica significa:
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POTÊNCIA ORGÁSTICA
TM
CBDB
RLX
EJACULAÇÃO PRECOCE
TM
CBDB
RLX
NINFOMANIA
COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Reich e a Economia Sexual. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
Capacidade no ser humano, de atingir uma satisfação de acordo com a estaselibidinal do momento; mas também a capacidade de atingir freqüentementeessa satisfação, permanecendo pouco sujeito às perturbações da genitalidade,que afetam por vezes o orgasmo mesmo num indivíduo relativamente são (p.41)
Enfim, na visão de Reich, pode-se dizer que quem não é saudável não pode
experimentar um verdadeiro orgasmo.
REFERÊNCIAS
REICH, W. Psicopatologia e sociologia da vida sexual. São Paulo: Global, [19--].
REICH, W. A função do orgasmo – problemas econômico-sexuais da energia biológica. SãoPaulo: Brasiliense, 1975.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
WILHELM REICH E ANNA FREUD: SUA EXPULSÃO DA PSICANÁLISE1
Lore Reich Rubin
NOTA DO EDITOR
Fica aqui registrado pela primeira vez, para documentação histórica, um relatório
honestamente apresentado sobre a expulsão de Reich da Sociedade Internacional de
Psicanálise (IPA). Esta história apresenta informações disponíveis nunca antes trazidas a
público claramente. Nós sabíamos o quanto Reich foi odiado por certos psicanalistas e que
foram eles que começaram o boato de que ele era louco e tinha estado institucionalizado.
Elsworth Baker2, Myron Sharaf3 e outros historiadores recontaram os fatos que levaram a
expulsão de Reich da IPA, em 1934. Porém até agora não sabíamos que a construção da
insanidade de Reich originou-se de vários membros do grupo dos discípulos de Freud. Esta
reação em forma de peste emocional4 desenvolveu-se em parte porque Reich era enérgico e
dinâmico, e por isso atraia as pessoas, mas principalmente porque suas teorias davam
importância essencial ao funcionamento sexual, natural e saudável.
A crença dentro da comunidade científica vigente, de que a energia orgônica não existe,
foi sempre reforçada pela afirmação de que Reich era louco e que suas teorias eram produto
de uma mente perturbada. O fato de que os cientistas sempre se recusaram a examinar
criticamente suas descobertas energéticas é em parte o resultado da calúnia que começou em
Viena em 1920. Estas construções difamatórias a respeito de Reich tiveram consequências
que ultrapassaram fronteiras.
A invenção de que Reich havia se tornado um doente acompanhou-o até os Estados
Unidos. Este fato deu crédito ao artigo escrito por Mildred Edie Brady intitulado “O estranho
caso de Wilhelm Reich”5. Este segmento de jornalismo obscuro, feito de meias-verdades e
indubitáveis mentiras, tornou-se a base para sucessivos artigos que desqualificaram Reich e
suas descobertas. A ficção de que Reich era louco efetivamente desempenhou importante
papel no ataque do FDA que ocasionou finalmente sua prisão.
1 Artigo publicado no “Journal of Orgonomy”.2 BAKER, E. Man in the Trap. New York: Macmillan, 1967.3 SHARAF, M. Fury on Earth: a biography of Wilhelm Reich. New York: St. Martins, 1983.4 REICH, W. Charater Analysis. New York: Orgone Institute, 1949.5 SHARAF, M. Fury on Earth: a biography of Wilhelm Reich. New York: St. Martins, 1983. p. 360.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
Em 1048 o boletim da clínica Menninger reeditou o artigo de Brady na sua íntegra.
Psiquiatras, muitos dos quais dependiam das informações deste artigo, comunicaram a
terapeutas em treinamento que Reich havia se tornado psicótico. Mesmo hoje, sempre que
Reich é mencionado, este fato é afirmado ou insinuado. Este contexto que apresenta a imagem
de Reich como desequilibrado, permitiu que Dusan Makavejev apresentasse este homem
como um psiquiatra louco e pervertido no filme pornográfico: “W.R.: Mistérios do Organismo”.
Os últimos efeitos da campanha difamatória que começou há setenta anos atrás
estenderam-se até o presente. Lamentavelmente, hoje Reich é principalmente conhecido
apenas com “o psiquiatra louco que inventou a caixa orgonômica”. As revelações de Lore
Reich Rubin sobre como foi construída a insanidade de Reich começaram a expor os
psicanalistas pelo assassinato desta personagem. Suas revelações são de um valor
inestimável porque agregam uma importante página na história da Ciência da Orgonomia e
também porque fica documentado mais um exemplo da força destrutiva de uma praga
emocional.
Eu sou uma psicanalista e, portanto, interessada na história da Psicanálise,
particularmente na história que aconteceu em Viena. Como as pessoas implicadas morreram e
já não se pode mais fazer censo ou investigação, muito desta história tem aparecido
recentemente, através de cartas e biografias. Dois livros por exemplo, foram publicados sobre
Anna Freud. Um é uma biografia escrita por Elizabeth Young-Bruehl (1988) e o outro é
chamado “The last Tiffany”, de Michael Burlinghan (1989). A avó de Michael era Dorothy
Burlinghan, que se tornou companheira permanente de Anna Freud. Estas são as duas
principais fontes que utilizei sobre Anna Freud.
Alguns livros foram editados em Viena sobre Reich no último ano. Karl Fallend (1988)
escreveu “Wilhelm Reich in Wien”. Ele recentemente editou outro livro em coautoria com Bernd
Nitzchke (1997), no qual incluiu artigos de vários autores, chamado “Der Fall Wilhelm Reich”.
Os “Fascículos Rundbriefe” de Fenichel também serão publicados este ano por Stroemfeld /
Roter Stern. Isto está acontecendo graças a mim porque eu não entreguei estes relatos aos
arquivos de Freud na Biblioteca do Congresso, os quais estão fechados ao público. Em lugar
disto, entreguei-os aos editores.
Agora vou falar sobre meu pai. Ele não era um santo. Ele era um homem muito difícil,
mas eu não quero salientar isto hoje, na celebração de seu nascimento. Estou interessada,
agora, no fato de que ele era um homem entusiasta, enérgico e dedicado à Psicanálise. Ele
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
entrou para a Psicanálise quase imediatamente após terminar o serviço militar, ainda estudante
de Medicina em Viena. Isto aconteceu depois da Primeira Guerra Mundial.
Reich tornou-se finalmente o diretor da Clínica Psicanalítica de Viena. Ele lecionou no
Instituto Psicanalítico de Viena, ministrando Seminários sobre técnicas, no período de 1924 a
1930. Obviamente ele era muito bem respeitado e tinha muitos amigos na comunidade
psicanalítica (FALLEND, NITZSCHKE, 1997, SHARAF, 1983). De acordo com Sterba (1985), a
comunidade psicanalítica formava uma malha fechada e as pessoas casavam entre si. Estas
pessoas as quais estou me referindo são as mais jovens, aquelas que entraram para a
Psicanálise depois da Primeira Guerra Mundial.
Reich, entretanto encontrou problemas com seu segundo analista, Paul Federn.
Atualmente, estamos muitos interessados em transferência e contratransferência. Porém
naquela época, apenas alguma coisa era conhecida sobre transferência e praticamente nada
sobre contratransferência. Federn desenvolveu uma severa contratransferência em relação ao
meu pai, ignorando todas as modernas regras de confidencialidade, referentes a falar sobre um
paciente. Ao contrário, passou anos tentando convencer Freud a se livrar de Reich, a colocá-lo
para fora dos Seminários sobre técnicas e para fora da Clínica (FALLEND, 1988). Meu pai
reclamou a Freud sobre o que ele estava considerando uma perseguição. Federn não tinha a
menor ideia de que nesta questão a contratransferência estava envolvida. Ele considerava
Reich um louco e tentava se ver livre dele.
A resposta de meu pai a este fato muito interessante pois apresentou dois tipos de
reação. Acredito que, primeiramente, ele tenha entrado em profunda depressão, embora nada
se encontre escrito a este respeito. O que sei do ocorrido foi retirado de observações de minha
mãe, sobre a grande depressão que atingiu meu pai em 1927, levando-o a uma severa
tuberculose.
A segunda reação foi quando, após ter retornado ao Sanatório de Davos ele
desenvolveu uma nova, inteligente, e brilhante inovação. Esta inovação referia-se a dissecar a
transferência negativa no paciente. Parece-me que, o que ele decidiu fazer, não sei se
consciente ou inconscientemente, foi ensinar seu analista Federn como ele deveria ter
conduzido sua análise. Reich então escreveu o livro “Análise do Caráter”. Aproximadamente as
primeiras cem páginas, tratam sobre a transferência negativa e como ela deve ser entendida
antes de podermos analisar uma pessoa. Atualmente isto não é uma teoria inovadora. A
Psicanálise avançou tanto no manejo da transferência e da contratransferência que esta ideia
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
hoje nos parece muito natural, mas naquela época a contratransferência era algo
revolucionário e não aceito pelos psicanalistas.
Reich teve uma maneira muito criativa de lidar com o que foi realmente um trauma.
Eu acredito que este padrão de se tornar abatido e então chegar a uma constatação
teórica foi o padrão de sua vida. Um outro mecanismo de defesa restaurador, foi aparecendo
ao mesmo tempo em que o anterior: se excluído de um grupo, ele formaria um novo grupo e
faria novas amizades.
Durante toda sua vida, Reich criou inúmeras teorias e formou novos grupos em
respostas a fracassos. Acredito, estar aqui, adiantando este meu relato, ao me deter na sua
necessidade de formar novos grupos.
Assim Federn não conseguiu separar Reich de Freud nem da comunidade psicanalítica,
mas Anna Freud conseguiu, conforme vou relatar a seguir.
Como Reich estava perdendo o grupo psicanalítico, ele foi se tornando mais e mais
envolvido: primeiramente, envolvido com os socialistas e depois com os comunistas
(FALLEND, 1988), formando assim, ele mesmo, uma nova comunidade e um sistema de apoio.
Deve-se mencionar que em 1934, Reich foi rechaçado pelos comunistas e, como todos nós
sabemos, tornou-se um forte anticomunista nos últimos anos.
Ele deixou Viena em 1930 e foi para Berlim, pois estava se tornando cada vez mais
radical. A razão atribuída a esta mudança para a Alemanha foi a de combater os nazistas.
Viena tornava-se cada vez mais fascista, logo ele corria perigo político ali. Este era
provavelmente um dos motivos de sua mudança. Mas também é verdade que ele estava sendo
empurrado para fora do grupo interno da Psicanálise. Então, este era o mais doloroso e
pessoal motivo de sua mudança. Durante os últimos dezenove a vinte anos, Reich, tinha sido
um comunista bastante eloquente. Nesta época muitas pessoas em Viena eram por demais
conservadoras, mas não todas. Alguns psicanalistas tinham uma tendência esquerdista radical,
mas os Freuds, por exemplo, eram muitíssimo conservadores. Naquela época, Viena estava
tornando-se fascista, de uma forma suave e sutil, ao contrário da forma alemã.
Aqueles eram tempos difíceis, e por isso mesmo o radicalismo de Reich destacou-se.
Os Freuds ficaram abalados, ambos os Freuds, Anna e Sigmund. Devo dizer a vocês que
realmente não sei se Sigmund estava fazendo alguma coisa por ele próprio. Seu câncer
começou a se manifestar em 1932, e cada vez mais Anna Freud se posicionava à frente, na
liderança da organização psicanalítica. Portanto, embora Sigmund tenha escrito a carta em
1932, não está claro quem estava por trás disto. Naquele ano, meu pai queria publicar um
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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
artigo sobre o caráter masoquista. Freud recusou-se enfaticamente a aceitar esta publicação,
dizendo que se tratava de um artigo comunista. Porém, após este fato, houve pressão sobre
Freud, e então finalmente ele disse que o artigo poderia ser publicado, mas com a condição de
que o jornal colocasse um adendo, esclarecendo que se tratava de um artigo comunista.
Somente por causa de pressão de pessoas como Ernst Kris em Viena e aparentemente
também de pessoas em Berlim, este artigo pode ser publicado no “Internazionale Zeitschrift
Psychonalyse”. Agora ele está no livro “Análise do Caráter” (REICH, 1949). Eu o li
recentemente. É um excelente artigo sobre masoquismo. Afirmo que é realmente um bom
artigo. Eu trabalhei este artigo com meus alunos em uma aula. Meus alunos gostaram muito.
Eles são psicanalistas e não orgonomistas.
O que Reich fez neste artigo foi atacar o instinto de morte, uma teoria que Freud
desenvolveu naquela época. Os comunistas naturalmente disseram que não poderia haver o
instinto de morte, já que os problemas das pessoas são todos causados pela sociedade.
Assim, o ataque de meu pai ao instinto de morte foi sentido por Freud como proveniente de sua
ideologia comunista. Obviamente, ninguém hoje acredita no instinto de morte.
Este trabalho de Reich foi um perfeito artigo psicanalítico, ficando evidente o ataque
direto e aberto à teoria de Freud. Isto não era o habitual entre os psicanalistas. Eles preferiam
reverenciar Freud, e se por acaso dele discordassem em alguma ocasião, subitamente
mudavam de ideia, e se retratavam nos próximos artigos. Não há dúvida de que meu pai, em
1932, não era mais um membro admirado pelos Freuds e ainda mais, sabendo disto, não
escondia de forma alguma sua discordância em relação a eles.
Existem cartas, hoje publicadas, onde Anna Freud, em 1933, escrevia para Jones em
Londres, dizendo que seu pai Freud não tinha mais tempo para discussões e desejava se livrar
de Wilhelm Reich imediatamente. Eu realmente não sei, como já referi anteriormente, se quem
estava falando era Anna ou Sigmund por ele mesmo. Passado um tempo, Anna escreveu a
alguém dizendo que Reich, após ter deixado a Alemanha, veio a Viena proferir uma palestra
radical, que ela julgou impensada e inconsequente (FALLEND; NITZSCHKE, 1997). Assim, em
1933, quando Hitler assumiu o poder, Sigmund escreveu a Eitington (FALLEND; NITZSCHKE,
1997), que estava na direção do Instituto de Berlim, pedindo-lhe o favor de se livrar de Wilhelm
Reich, porque ele não queria que Reich fosse preso dentro das dependências do Instituto
Psicanalítico de Berlim.
Como cortesia, Reich demitiu-se do Instituto da Alemanha. Tudo leva a crer que
solicitaram a ele que fizesse isto. Agora, na verdade, há toda uma longa história que vocês
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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
podem ler, sobre o que aconteceu aos analistas alemães dentro do regime nazista (FALLEND;
NITZSCHKE, 1997). Existem algumas controvérsias sobre se eles cooperaram com os nazistas
ou não. Nitzschke pensa que sim. Colocando todo este episódio dentro de um entendimento,
estou certa de que Ernest Jones (Presidente da Sociedade Internacional de Psicanálise), bem
como os Freuds, pensavam como Winston Churchil naquela época, de que os comunistas
eram mais perigosos do que os nazistas. De qualquer forma, meu pai honrou o pedido de
Eitington, renunciando à Organização Psicanalítica Alemã.
Assim, em 1934, ocorreu um daqueles congressos de verão em Zurich, na Suíça. Nesta
ocasião, meu pai morava na Dinamarca. Ele compareceu ao Congresso inocentemente. Anna
Freud estava na comissão executiva e Jones era o presidente da Sociedade Internacional de
Psicanálise. Então eles disseram a Reich que se ele já não era membro da Organização Alemã
e de nenhuma outra organização local, não poderia ser membro da Sociedade Internacional.
Ele definitivamente não poderia ser um membro. Assim, por um mecanismo criado por eles
pela primeira vez, expulsaram Reich. Eles disseram obviamente que se ele viesse participar de
alguma organização local ele poderia voltar. Porém, um ou dois anos depois, meu pai mudou-
se para a Noruega. Quando os noruegueses solicitaram a formação de uma organização local,
foi negada a eles sua inclusão na Sociedade Internacional de Psicanálise. Consequentemente,
Reich jamais voltou a ser membro desta Sociedade. Percebe-se que tudo isto foi premeditado.
Primeiro, eles pedem a ele que vá embora, depois dizem a ele que é porque não é filiado a
uma organização local. Ele está fora. Esta história está detalhada nos “Fascículos Rundbrief”,
de Fenichel.
É justamente sobre a sequela desta expulsão de Reich que desejo falar a vocês. Eu
estava com meu pai naquele verão. Nós fomos dirigindo nosso carro para a Suíça, através de
uma estrada indireta que não cruzasse pela Alemanha. Pegamos um barco da Dinamarca para
a Bélgica e então fomos dirigindo contornando a Alemanha. Eu passei todo este verão com
meu pai. Ele estava com um humor perfeito, e estava se divertindo muito naquele verão. Mas
depois de ser expulso, ele ficou, conforme meus amigos dizem, “balístico”. Quer dizer, ele ficou
totalmente enfurecido, brigava com minha mãe, brigava com crianças que estavam à volta, e
com certeza com todas as pessoas. Ele ficou realmente muito abalado. Mas como já
mencionei, logo se recuperou usando como sempre seus eficazes e repetitivos mecanismos.
Primeiro, ele formou um grupo para ele na Noruega. Um grupo que, apesar de ter passado
tanto tempo, ainda está vivo e lembra dele afetuosamente. Segundo, ele quebrou a barreira
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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
psicanalítica contra o toque no corpo e se desenvolveu mais em direção à Vegetoterapia, o que
mais tarde envolveu a Bioenergética.
Voltando à nossa história, o que é importante salientar é que os psicanalistas que
apoiavam Reich, Fenichel e todo o grupo de Berlim e mais um grande número de pessoas em
Viena, sentiram-se intimidados. Eles não podiam dizer nada porque ficavam com medo de
serem expulsos também e acredito que este perigo realmente existia. Por isso Otto Fenichel
começou escrever os “Fascículos Rundbriefe”. Eles não tinham xerox, então tinham que
datilografar na máquina de escrever, dez cópias cada vez em papel de seda, e enviá-las aos
seus companheiros da ala marxista da Psicanálise. Isto tudo era feito muito, muito
silenciosamente. Minha mãe foi uma das pessoas que recebeu esses “Fascículos Rundbriefe”.
Muitos anos depois, como ela estava morrendo em sua cama, alguém entrou em seu quarto e
roubou-os, para que eles jamais aparecessem. Esta maneira de como amedrontaram os
analistas da antiga ala esquerdista da Psicanálise pode ser conhecida porque constam dos
“Fascículos Rundbriefe”. O líder deste grupo confessou isto a mim e me trouxe numa sacola de
compras os “Fascículos Rundbriefe”. E foi assim que salvamos estes documentos. Certamente,
devem existir outras cópias, mas eu tenho a posse do exemplar mais completo.
Mas o que aconteceu com o resto dos analistas? Os da ala esquerdista foram
derrubados, porque ficaram realmente amedrontados de serem também expulsos, mas eles
possuíam secretamente os “Fascículos Rundbriefe”. Os outros analistas desenvolveram uma
conspiração em silêncio. Esta história de como Reich foi expulso da Sociedade Internacional,
está escrita exclusivamente nos “Fascículos Rundbriefe”. Se não contasse ali, ninguém jamais
o teria mencionado. Ninguém jamais teria falado sobre o que aconteceu com Reich. Até
mesmo minha mãe sussurrou algo para mim, de que por efeito desta política, eles estavam
muito infelizes.
Houve então uma revisão da história. Ernest Jones escreveu uma biografia de Freud na
qual relata que Reich renunciou à Sociedade Internacional (JONES, 1957). Considerando que
a expulsão foi arquitetada pelo próprio Jones, isto é uma total distorção do que aconteceu na
época. Assim os analistas começaram a reforçar o fato de que Reich era louco e que esta foi a
real razão de ter sido expulso. Devemos lembrar que rotular alguém de louco tinha sido usado
para expulsar outras pessoas da comunidade psicanalítica. Vejamos, por exemplo, “O Irmão
Animal” de Roazen (ROAZEN, 1969). Alguns analistas começaram a espalhar uma história
boca a boca. Era uma típica história vienense de humor. Eles disseram que Reich tinha vindo a
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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
Zurich, colocado uma barraca bem na frente do Congresso e ficado ali com sua amante. Eles
disseram ainda que ele tinha uma enorme faca.
A verdade é muito mais palpável do que a versão que inventaram. Reich não ficou na
frente do hotel, ele estava em um acampamento. A mulher com quem ele estava, não era sua
amante, e sim sua companheira marital. Ele não tinha dinheiro e por isso estava acampado. É
necessário ter uma faca para acampar. Estou querendo dizer que eles inventaram esta história
dentro de um contexto cômico, dizendo que Reich estava acampado na tenda e que até fez
sexo ali. Este era o tipo de clima que pairava naquele meio. Assinalaram inclusive seu
desapontamento após a expulsão, para mostrar o quanto descontrolado ele era. Ninguém
jamais mencionou tudo isto às crianças. Não tínhamos a menor ideia do porque ele estava tão
abatido naquele Congresso. Parecia que, de repente, ele estava explodindo, no seu limite.
Agora, após terem decorrido muitos anos destes acontecimentos, alguns analistas têm
me procurado, e isto é incrivelmente constrangedor. Isto não acontece a mais ninguém, eu
asseguro a vocês. Eles têm uma expressão engraçada em suas faces, um certo ar de cordeiro,
e eles dizem: “Ele era um grande homem. O que aconteceu com ele? Isto não é triste?”
Normalmente você não se dirige e subitamente diz: “Seu pai é um louco”. Você simplesmente
não faz isso. Isso não é polido. Portanto, há uma espécie de pressão por trás disto. Eles têm
que fazer isto. É compulsivo. Eu acredito que isto é culpa, porque todos estavam lá naquele
Congresso. Todos eles sabiam o que aconteceu e ninguém falou sobre o fato. Então eles
começaram a reescrever a história.
Somente mencionarei aqui mais alguns exemplos, além do que já coloquei sobre Jones.
Vou mencionar Richard Sterba que era um grande amigo de meu pai. Existem fotos de uma
viagem que os dois fizeram juntos a uma estação de esqui, acho que em 1931, onde se
percebe estarem se divertindo muito. Richard disse a Myron Sharaf (SHARAF, 1983) que ele
havia tido problemas com Wilhelm Reich desde 1927. Então, o que fazia ele esquiando com
meu pai na década de trinta? Na década de cinquenta, Richard Sterba emigrou para Detroit.
Ele foi a Nova York fazer um artigo (STERBA, 1951). Este artigo está publicado em várias
revistas. Todos vocês podem lê-lo, e constatar que ali está dito que “Análise do Caráter” é um
livro ruim. Sterba disse inclusive que ao ler este livro se pode afirmar que Reich era um
paranoide. Agora, porque Sterba teve que fazer isto? Foi para recuperar sua reputação junto à
comunidade psicanalítica. Pelo fato de ter sido amigo de Reich, era uma pessoa suspeita.
Assim, para ser incluído no grupo de analistas emigrantes da Europa, os quais eram
extremamente próximos a Anna Freud, ele fez este artigo. É realmente um artigo idiota, nada
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RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
interessante. Outra pessoa que revisou a história foi Helene Deutsch, que escreveu uma
biografia intitulada “Confrontações comigo mesma” (DEUTSCH, 1973), na qual ela diz o quanto
se relacionou bem com Anna e Sigmund Freud, e o quão terrível era Wilhelm Reich. Porém,
Sharaf afirma que embora Helene considerasse Reich um fanático, ela aproveitava muito de
seus Seminários sobre técnicas (SHARAF, 1983). Pois bem, mais tarde ela morreu, livros
apareceram sobre ela com cartas suas. Roazen escreveu um livro sobre sua biografia
(ROAZEN, 1969). Aparentemente ela estava encontrando problemas com Anna Freud e com o
próprio Freud, tendo incusive que se mudar de cidade. Está claro que Helene Deutsch deixou
Viena e foi para Boston em 1933 porque não se sentia confortável com o grupo de pessoas
que Anna tinha formado ao redor de Freud, nos seus últimos anos. Está também documentado
que Deutsch assistiu os Seminários sobre técnicas em Viena, com meu pai, tendo gostado
muito de participar.
O último incidente de que desejo falar é quando Myron Sharaf e eu fomos convidados
pela Sociedade Americana de Psicanálise, em abril de 1986, para participar de um painel sobre
a história da Psicanálise. Os filhos dos psicanalistas de Viena foram convidados a falar sobre
seus pais. Eles convidaram os filhos de Reich, Bernfeld e Ernest Khris. Na curta palestra que
fiz, mencionei como Waelder não publicou o artigo de Reich sobre masoquismo, e assim eu
continuei minha fala. Quase no fim do painel, um analista da Filadélfia chamado Gutmacher,
um aluno de Waelder recentemente falecido, levantou-se e disse: “Você não deixou algo fora
disto?” Eu respondi “O quê?” Eu não sabia sobre o que ele estava falando. Ele então disse:
“Reich era louco. Isto é o que você deixou fora”.
Novamente, julguei aquilo tão inoportuno. Mas me dei conta somente depois que ele fez
aquilo porque eu havia atacado Waelder por não publicar o artigo sobre masoquismo. Ele era
apenas um aluno de Waelder. Na ocasião eu não entendi bem o que estava acontecendo.
Porém, quando fui ouvir novamente a fita do painel, fiquei desapontada ao constatar que,
justamente no momento em que este incidente acontecia, eles trocavam a fita, de forma que
nada ficou gravado.
Agora, por que estavam todos tão preocupados com Reich? Que clima havia para
estarem todos tão silenciosos? Será que revisar a história os dissociava de Reich? Temos que
entender a tremenda agitação que se encontrava na Europa na época. Os nazistas estavam no
poder, pessoas estavam sendo presas, comunistas estavam promovendo ativamente
revoluções. Os analistas, por sua vez, estavam amedrontados. Mas alguma coisa estava
acontecendo na comunidade psicanalítica. O período de ortodoxia tinha iniciado em 1911
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(BERGMAN,, 1997), mas, ultimamente, nas épocas de vinte e trinta, os problemas de ortodoxia
tinham a ver com Anna Freud. Anna Freud estava sendo preparada para assumir a Sociedade
Psicanalítica de Viena e depois a Internacional. Ela estava sendo ajudada por Freud para
consolidar seu poder. Mas Anna tinha também sua personalidade, digamos assim, sua
desordem. Ela realmente tinha que ser a número um (YOUNG-BRUEHL, 1988). Isto é, ela
parecia ser uma pessoa muito retraída, não demonstrando jamais ser tão manipulativa e
determinada, e o quanto era importante ser a número um e adorada por todos. Portanto, se
você não aderisse a ela e não ficasse à sua volta, você estava fora. Por exemplo, Richard
Sterba estava fora, mas todas as pessoas em Viena que estavam dentro, eram seus grandes
amigos.
Quando Anna Freud chegou à Inglaterra, estes seus traços de personalidade
apareceram mais claramente. Tornou-se óbvio para todos, inclusive para Ernest Jones, que a
havia defendido anteriormente. Quando Anna chegou à Inglaterra, descobriu que Melanie
Klein, sua grande rival em análise de crianças e com quem ela havia tido diferenças teóricas e
técnicas, lá estava e era admirada por todos. Anna começou fazer a mesma coisa: ou você é
leal a ela ou você não é um analista. Isto era o que ela havia feito, de forma sutil, em Viena.
Mas agora ela o fazia abertamente. Bem, os ingleses são muito mais democráticos e não
aceitaram isto. Assim, o que aconteceu foi que um grande grupo de analistas ligados a Anna,
resolveram seguir Melanie Klein. Anna Freud isolou-se em Hempstead, pois seu verdadeiro
grupo analítico estava nos Estados Unidos. O grupo de analistas ingleses que restou, tornou-se
o que chamamos de grupo do centro. Eles não quiseram fazer parte deste partidarismo.
Agora, retornando aos acontecimentos de Viena, devo dizer que meu pai não era um
tipo de pessoa para jogar em equipe. Ele também tinha que ser o número um. Como falamos
antes, Anna parecia quieta e retraída. Fenichel escreveu nos seus “Fascículos Rundbriefe” que
no Instituto de Viena havia um corredor. No fim deste corredor, havia uma sala de aula na qual
Anna Freud lecionava o que mais tarde tornou-se “O Ego e os Mecanismos de Defesa”. Numa
outra sala, Reich lecionava o que mais tarde tornou-se “Análise do Caráter”. Ambos davam
aula na mesma hora. Você não podia assistir às duas aulas, você teria que escolher uma ou
outra. Como estes dois livros têm diferentes abordagens sobre a teoria da estrutura do caráter,
pode-se perceber olhando em retrospectiva, como havia ainda em Viena, um espírito político –
ideológico sobre a teoria. Por esta razão é que Helene Deutsch, que assistira os seminários de
meu pai, teve que voltar atrás para recuperar sua respeitabilidade perante o grupo.
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A crença de ter que seguir uma facção teórica estendeu-se por Nova York nos anos
cinquenta. Quando eu estava em treinamento no Instituto de Psicanálise em Nova York,
Melanie Klein era simplesmente um nome ruim. Ela não era lida, era olhada de baixo para
cima, enquanto Anna Freud era considerada um grande guru. Agora Melanie Klein está sendo
prestigiada e vista com a precursora da atual teoria das relações objetais, a qual está muito
próxima do que aceito hoje na Psicanálise. Anna Freud ficou ocupada com os psicólogos do
Ego e agora seu trabalho tem sido citado.
Havia também contratransferências ocultas em Anna Freud que a levaram ao seu
intento de se ver livre de Wilhelm Reich. Na verdade nos círculos de Viena ela era conhecida
como a “dama de ferro” e algumas vezes a “virgem de ferro”. Ela não tinha nenhum parceiro
sexual conhecido na época em que Reich a conheceu. Algumas pessoas pensam que mais
tarde Dorothy Burlingham tornou-se sua amante. Entretanto, outros pensam que este
relacionamento nunca foi sexual, embora elas acabassem por viver juntas. De qualquer forma,
não importa saber isso agora. O que é certo e que Anna nunca teve um amante homem. Isto
está definido. Agora, na época em que meu pai era membro da comunidade psicanalítica, tanto
Sigmund como Anna valorizavam o que é chamado de sublimação através do trabalho. Você
não precisaria ter uma manifestação sexual expressa. Você poderia sublimar isto. Por exemplo
em “The last Tiffany”, está claro que Dorothy Burlingham desejava seu marido, desejava fazer
sexo. Os Freuds trabalharam incessantemente para manter Dorothy separada de seu marido.
Eles diziam: “Não, você não precisa de sexo. Você pode trabalhar duramente e não precisa
fazer sexo.” Freud disse isso para Robert Burlingham quando ele veio para a entrevista. A
ênfase de Anna era nas defesas contra o instinto. Portanto, estou certa de que ela sentiu-se
pessoalmente atacada por Reich, que estava dizendo que se não tivesse um orgasmo
completo, você era neurotic, e mais, que um orgasmo incompleto era causa de neurose. Aqui
temos uma mulher que não tinha orgasmo. Segundo Young-Bruehl, Anna, quando jovem,
apresentava problemas de masturbação, e por isso Freud colocou-a em análise. Estou
querendo dizer que, na verdade, os dois formavam um par muito antiquado. Entretanto, Freud
modificou-se em relação a seus primeiros interesses. De acordo com as cartas completas de
Freud para Fliess (MASSON, 1985), quando ele se casou tinha muitos problemas sexuais.
Então começou a sonhar com uma sociedade onde homens e mulheres pudessem ter acesso
ao contato sexual limpo, com parceiros limpos. Lembrem que a sífilis era uma grande
preocupação na época. Assim as ideias originais de Freud sobre sexualidade eram muito mais
próximas da promulgação da liberdade sexual para os jovens, do que o que Freud acreditou
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mais tarde. Quando Freud estava na década de seus sessenta anos, ele não mais estava
interessado em sexo.
Peter Heller fala da férias de Anna Freud em Grüner See em 1930 (HELLER, 1990). Ela
estava de um lado do lago e no outro lado estavam analistas jovens fazendo sexo. Ela
desaprovou muito o fato. Ele está se referindo a Berta Borstein e Fenichel, fazendo sexo num
barco no meio do lago. Podemos concluir que estes dois são muito diferentes de Anna Freud.
Infelizmente para Reich, sua chegada à Psicanálise ocorreu no momento em que toda a teoria
sobre sexualidade estava mudando, e principalmente enfatizava-se a modificação na
exploração do Ego. Para Anna, a teoria de Reich deve ter significado que ela não era normal.
Outra causa da contratransferência de Anna em relação a Reich foi o complicado
relacionamento com seus pacientes crianças. No meu entendimento, após ter lido a biografia
de Young-Bruehl e o livro de Burlingham, concluí que Anna era uma pessoa possessiva, que
desejava manter certas pessoas só para ela, separando-as de seus outros rivais. Mas
naturalmente esta é uma apreciação extrema, sendo estas características expressadas por ela
de forma muito sutil. Anna Freud desenvolveu teorias sobre técnicas analíticas de crianças nas
quais diz que a criança não é uma pessoa adulta e por isso o analista também educa a criança,
o que de fato faz melhor que os pais.
Para ilustrar, existem algumas semelhanças entre o que aconteceu com minha família e
com a família Burlingham. Anna Freud começou a analisar todas as quatro crianças dos
Burlinghams, ao mesmo tempo em que também iniciava a mãe das crianças. Os Freuds
trabalhavam intensamente para conseguir manter as crianças afastadas de seu pai Robert
Burlingham. Porque ele era “louco”. Ele aparentemente tinha um distúrbio bipolar e por isso foi
julgado ser prejudicial para as crianças terem qualquer tipo de relação com o pai. Para mantê-
lo longe, Anna escreveu a Robert dizendo que suas visitas à América para ver seus filhos
tinham abalado muito as crianças e que ele deveria manter-se longe delas. Anna inclusive
colocou Dorothy em análise com Freud. Cerca ocasião, saíram de férias juntos, Freud, Dorothy
e Anna. Esta intimidade não tinha nada a ver com a neutralidade que a técnica psicanalítica
pregava na época. Quando Robert vinha falar com Freud, este explicava-lhe que ele (Freud)
estava ajudando Dorothy a superar sua necessidade sexual por Robert. As crianças nunca
superaram seu conflito por terem se separado de seu pai.
Infelizmente esta história é similar ao que aconteceu em minha família. Minha mãe
estava em análise com Anna Freud, eu acho que em 1927. Anna dizia a ela para abandonar
sua atividade sexual com Reich por que ele era “louco”. Anna aconselhou minha mãe a não ter
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
RUBIN, L. R. Wilhelm Reich e Anna Freud: sua expulsão da Psicanálise. In: VOLPI,J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em PsicologiaCorporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
seu segundo filho, que sou eu. Minha mãe desafiou Anna e voltou para meu pai em 1931, pois
tinham se separado. Eu acredito que minha mãe precisou lutar muito após este fato, para
manter-se dentro de um círculo interno dos analistas vienenses.
Minha irmã, felizmente não eu, foi encaminhada para analise com Berta Bornstein, a
qual eu descobri, estava em supervisão com Anna Freud. Não havia ninguém mais que
pudesse ser seu supervisor. Minha irmã contou-me que sua análise consistia em Berta dizer a
ela, o tempo todo, que meu pai era “louco”. Todo o tempo repetia isto. Assim era a análise. Eu
me lembro que quando minha irmã estava por volta de seus vinte anos, minha mãe, minha
irmã, Berta Bornstein e eu fomos escalar uma montanha. Mesmo ali Berta seguia: “Vocês
vêem, ele é louco. Vocês não vêem agora?” Minha irmã finalmente ficou muito brava, e cuspiu
nela. Continuando a analogia da situação dos Burlingham com a nossa, Berta Bornstein
escreveu ou telefonou a meu pai porque estava interferindo na análise de Eva. Como ele era
um homem que honrava compromissos, ingênuo, e não chegado a manipulações, aceitou
aquilo. Ele até mesmo falou: “Eu não quero interferir na análise.” Isto teve um efeito bastante
desastroso em mim, pois meu pai simplesmente desapareceu de minha vida por alguns anos.
Eva não tinha muitos motivos neuróticos e pessoais, o que a impediu de se livrar de Wilhelm
Reich. Ao mesmo tempo, seus traços de personalidade tornaram a situação mais difícil, porque
outros analistas mantiveram com ela a mesma posição em relação a ele.
REFERÊNCIAS
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REICH FALA SOBRE A TEORIA DA LIBIDO DE FREUD1
Wilhelm Reich
DR. REICH: Sabe quem tem mantido a teoria da libido viva e em funcionamento, atualmente?
E quem a desenvolveu? Considero-me o único que fez isso. Mais ninguém. Isto é claro? Quero
isto bem claro na gravação. Reivindico isso. Não sou psicanalista2. Não estou interessado em
Psicanálise. Não tenho qualquer animosidade contra ela. Não tenho qualquer má vontade
contra ela – de modo algum. Está tudo morto e enterrado. Mas uma coisa é certa, e isso, penso
que deveria ser focado aqui. Era também um ponto de frequente discussão com Freud. Refiro-
me à relação do quantitativo ao qualitativo. Para ele, uma das suas maiores descobertas era
que uma ideia não é ativa em si mesma, mas porque tem uma certa catexis de energia, isto é,
tem uma certa quantidade de energia que lhe está associada. Nisto, ele tinha unido o
quantitativo e o qualitativo. Fez o mesmo quando afirmou que a neurose tem um núcleo
somático. Mas o quantitativo, o ângulo da energia, era apenas um conceito. Não era realidade.
Agora, enquanto a organização psicanalítica desenvolveu o ângulo qualitativo, isto é, as ideias,
a sua interligação, etc., eu retomei o ângulo da energia. Tinha de me apoiar na teoria da libido,
compreende, não só porque era verdadeira, mas porque eu necessitava dela. Necessitava dela
como um instrumento. Conduziu à esfera fisiológica. Isso significa que o que Freud chamou
libido, não era nada de químico3, mas um movimento do protoplasma. Compreende?
ENTREVISTADOR: Sim.
DR. REICH: Se uma ameba quer alcançar alguma coisa, estende-se. Certo? Se tem medo, o
que ela faz? Encolhe-se. Contrai-se. Certo? Ora, isso era a teoria da libido conforme a
1 Trecho da entrevista extraído do livro “Reich fala de Freud”.2 Não ponho qualquer espécie de objeções a que alguém ligue os conceitos ideacionados de Freudsobre a energia psíquica com a minha descoberta. Eu próprio o fiz. Contudo, devo precaver-me contraqualquer tentativa para me referir na história como um freudiano ou como uma das muitas escolaspsicoterapêuticas originadas na supressão do nervo vital da teoria freudiana, a saber, a teoria da libido.A atual descoberta da energia cósmica, não tem absolutamente nada a ver com Freud. É exclusivamentede minha responsabilidade, e tenho que estar atento uma vez que as consequências desta descobertasão tão graves, permanecendo apenas nos meus ombros (REICH, 1956).3 Sabemos que os mecanismos das psicoses não são diferentes, em essência, dos das neuroses, masnão temos à nossa disposição a estimulação quantitativa necessária para os modificar. Aqui, aesperança para o futuro, reside na química orgânica, mas deveria estudar-se analiticamente cada casode psicose porque este conhecimento orientará um dia a terapia química (Freud numa cara a MariaBonaparte, 1930).
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REICH, W. Reich fala sobre a teoria da libido de Freud. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
desenvolvi, como uma função real, fisiológica. E daqui resultou a descoberta da energia
orgone.4 Agora, tenho que dizer algumas palavras sobre esse assunto: não me parece que haja
muitos analistas que apreciem a maior realização de Freud, a descoberta da energia psíquica.
Não me parece que haja muitos que saibam o que isso significa. E ontem eu disse porque é
que eles não sabem. Poucos deles têm experiência científica natural ou capacidade para
pensar de um modo científico natural. Não me refiro apenas a pensamento psicológico. É muito
mais. Freud era um cientista natural neste sentido. Ele pensava em termos de quantidade,
energia, catexis de libido nas ideias. Foi aqui que a organização psicanalítica se revelou
completamente limitada, completamente limitada. E foi aqui que eu me agarrei. É isso que eu
devo a Freud na descoberta da Energia Vital. O que Freud chamou a libido no interior do
organismo é também uma realidade no exterior do organismo. Pode observar-se isso nos
aparelhos. O azul da atmosfera é energia orgone.
É uma realidade. Foi descoberto com base na libido original de Freud, com base no
princípio da energia. Nas minhas discussões com Freud, o problema do conteúdo e da catexis,
a relação entre a ideia e a quantidade de energia que lhe está ligada, eram pontos cruciais. O
ângulo sexual era importante porque a excitação genital é o melhor exemplo dessa energia.
Quando da ereção do pênis, algo de físico acontece. Assim, eu não continuei na teoria da libido
por ser um partidário especial do sexo no sentido usual do termo, mas porque se tratava de um
princípio científico natural da quantidade de energia e do funcionamento objetivo. Eu já nem
sequer me considero um discípulo de Freud. Não tenho nada a ver com ele há muito tempo.
Teria mesmo muita razão para estar zangado com ele. Ele não se portou muito bem em 1933 e
1934 quando eu estive em apuros. Enquanto eu defendia o seu trabalho, ele não quis me
apoiar. Recusou-se.
Mas isso não conta, de forma alguma, do ponto de vista concreto, científico, do conjunto
da questão. É o fator quantitativo, o princípio da energia que eu devo a Freud, e é esse
princípio que me separa dos psicanalistas. A Psicanálise é uma Psicologia de ideias, enquanto
a Orgonomia é uma ciência da energia física, energia física no interior do organismo e no
exterior do organismo. Estou me expressando de modo a que mesmo quem não está por
dentro da questão consegue compreender do que se trata?
4 A questão básica de toda a Biologia é a da origem dos impulsos internos do organismo vivo. Ninguémduvida do fato de que a diferença entre o vivo e o não-vivo reside na origem interna dos impulsosmotores. Este impulso interno só pode ser devido a uma energia em funcionamento dentro doorganismo. (Reich em “A biopatia do câncer”).
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REICH, W. Reich fala sobre a teoria da libido de Freud. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
ENTREVISTADOR: Sim.
DR. REICH: A libido a que Freud se referiu de modo hipotético e que ele sugeriu pudesse ser
de natureza química, é uma energia concreta, algo de muito concreto e físico. Encontra-se na
atmosfera e pode ser concentrada num acumulador de energia orgone. Vou dar-lhe um folheto
sobre isso. Já ouviu falar disso?
ENTREVISTADOR: Sim.
DR. REICH: Portanto não se trata de Psicanálise. Não tem nada a ver com Psicanálise. Mas a
teoria psicanalítica da libido, a teoria da energia psíquica, foi um passo decisivo na descoberta
que eu fiz5. Agora, queria ter a certeza de que não dou a impressão de tentar depreciar ou
rebaixar os psicanalistas. Não é verdade. Como lhe disse, não estou absolutamente nada
interessado em Psicanálise. Aquilo em que estou interessado é como a Energia Vital, que está
dentro do indivíduo e fora do indivíduo, funciona dentro dele e através dele, sobre o mundo.
Por exemplo, como é que ela funciona através de você, como psicanalista, sobre o seu
paciente? Aquilo que automaticamente funciona em você é o que chamo de bioenergia. É algo
de concreto. A libido, contudo, era apenas um termo para designar um conceito. A energia vital
é algo que se pode ouvir no laboratório. Pode se ouvir soar em instrumentos. É este o
significado da transição da teoria da libido para a energia física concreta. Aquilo em que estou
interessado é saber como é que esta energia que existe fora de você, na natureza, e dentro de
você, e que funciona dentro de você, influencia o seu paciente. Se, como psicanalista, essa
energia dentro de você for contrariada, genitalmente frustrada, então todo o seu sistema de
pensamento será diferente do da pessoa em que ela não for contrariada. O modo como olha o
mundo e o modo como o vê, serão diferentes. Aqui, estamos de novo falando do caráter genital
e do caráter neurótico. No caráter genital, esta energia, esta energia objetiva, cósmica,
funciona livremente. Flui livremente. Há contato. Num caráter neurótico, ela está contrariada e
bloqueada. Agora, saber se o psicanalista é, ou até que ponto é, um caráter neurótico,
5 A ênfase que tenho posto na teoria da libido de Freud, como precursor hipotético da descoberta atualda energia vital cósmica, deve-se ao fato de que, como psicanalista, trabalhei prática e clinicamente comisso durante doze anos, e assim, cheguei à minha própria descoberta no decurso de acontecimentos econflitos dentro do movimento psicanalítico. Contudo, eu podia ter desenvolvido a minha descoberta daenergia vital tanto a partir da enteléquia de Driesch ou do élan vital de Bergson, como a partir dequalquer dos ramos bioquímicos da Ciência, se tivesse acontecido de eu trabalhar, na prática, emqualquer destes campos. Idênticos conflitos teriam surgido para libertar os meus pensamentos. Issosignifica que houve muitos precursores da minha descoberta (REICH, 1954).
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REICH, W. Reich fala sobre a teoria da libido de Freud. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
determina o modo como ele avalia o meu trabalho. Vai determinar se ele me calunia ou não, se
pensa que eu sou um psicopata, ou se pensa que eu sou um indivíduo bem normal e alegre, ou
um indivíduo que é aberto e natural, etc. Compreende o meu ponto de vista? Não me
interessam estes distúrbios dos psicanalistas, em si mesmos, ou por eles terem me feito isto ou
aquilo. Só me interessa de que maneira eles são reprimidos e frustrados, porque a deformação
da força vital na Psicanálise foi responsável pela degeneração do trabalho de Freud. Ficou
claro isso?
ENTREVISTADOR: Sim.
DR. REICH: É nisso que estou interessado. A mesma deformação da força vital teve lugar em
todos os movimentos – no movimento cristão, no movimento marxista, em qualquer
movimento, compreende? Contudo, o que é significativo na Psicanálise é que Freud foi o
primeiro a abordar a energia vital como hipótese. Foi o primeiro a abordar a questão, embora
apenas como um conceito. Antes dele era uma conjectura. Era apenas uma ideia, como a
enteléquia. Mas Freud, com a sua penetrante exposição do princípio de uma energia psíquica,
abordou a energia vital no organismo, como um conceito real. Ora, é aqui que eu entro. Isto
está claro? Dali em diante, avançou-se diretamente até a energia cósmica, mensurável no
contador Geiger, visível no azul da atmosfera. É por isso que é importante saber se um
psicanalista mancha o meu nome ou se ele sabe o que estou fazendo. Se mancha o meu
nome, está simplesmente doente. Há energia vital reprimida dentro dele. Tenta fazer ao meu
trabalho o que fez ao trabalho de Freud, destruindo a teoria da libido. Os psicanalistas terão
consciência de que a teoria da libido está morta na sua organização?
ENTREVISTADOR: Não, penso que não. A maioria deles, penso eu, não admitiria isso.
DR. REICH: Não admitiriam isso?
ENTREVISTADOR: Penso que não.
DR. REICH: Não há dúvidas a esse respeito. Pense num artigo como o de Sterba sobre o meu
trabalho, no qual exclui completamente a questão crucial do orgasmo. Oh, sim, sei que eles
falam de anal e oral, etc. Não é essa a questão, compreende? A questão é compreender o
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REICH, W. Reich fala sobre a teoria da libido de Freud. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
significado da teoria da libido. Com a teoria da libido, a Psicologia ligou-se à ciência natural
pela primeira vez na história da Ciência. Não sei se está realmente compreendendo.
ENTREVISTADOR: Sim.
DR. REICH: Está compreendendo? Está compreendendo que, antes de Freud a Psicologia era
algo que estava longe da Ciência natural? Ainda está para muitos, para a maioria. E o que
estou dizendo-lhe agora é fundamental. Pela primeira vez na história da humanidade, a mente
foi incorporada, pelo menos teoricamente, à natureza em geral. Faço-me entender agora?
ENTREVISTADOR: Sim.
DR. REICH: Foi aqui que eu entrei. Tornei-a real6 através da descoberta da teoria do orgone. E
é por isso que eu digo que a teoria da libido está morta. Nada lhe aconteceu. Ninguém fez
nada com ela. Falar acerca de coisas orais e anais não significa teoria da libido. Para Freud a
teoria da libido, era, como pode ver em “Para além do princípio do prazer” e em outros
trabalhos, algo de muito básico e muito profundo. E, aqui, uma parte da sua tragédia começa.
Aqui, também, estava o seu interesse pelo meu trabalho. Ele sabia que eu tinha espírito
científico, isto é, basicamente orientado para processos naturais fundamentais. O
funcionamento genital numa pessoa é uma expressão da sua energia vital. Se apresenta
distúrbios, como é o caso do psicanalista médio, ela não funciona e não pode pensar de uma
6 O que a teoria psicanalítica chama Id é na realidade a função orgone física no biossistema. O termo Idexprime, de um modo metafísico, o fato de que há no biossistema algo cujas funções são determinadasfora do indivíduo. Este algo, o Id, é uma realidade física: a energia orgone cósmica. O sistema orgonóticovivo, o bioaparelho, não representa senão um estado especial de energia orgone concentrada. Numapublicação recente, um psicanalista descreveu o orgone como idêntico ao Id de Freud. Isto é tão corretocomo a contenda que diz que a enteléquia de Aristóteles de Driesch é idêntica ao orgone. É verdade,com efeito, que os termos Id, enteléquia, élan vital e orgone descrevem a mesma coisa. Mas simplificam-se demasiado as coisas com tais analogias. O orgone é uma energia visível, mensurável e aplicável denatureza cósmica. Conceitos como Id, enteléquia ou élan vital por outro lado, são apenas a expressão deindícios da existência de tal energia. As ondas eletromagnéticas de Maxwell serão o mesmo que asondas eletromagnéticas de Hertz? Sem dúvida que são. Mas com as segundas podem transmitir-semensagens através dos oceanos, enquanto que com as primeiras não. Tão corretas equações nãomencionando as diferenças práticas servem a função de verbalizar incorretamente grandes descobertasem Ciência natural. São tão pouco científicas como o sociólogo que, numa publicação recente, se referiuao orgone como uma hipótese. Com hipóteses, com coisas como o Id ou a enteléquia não é possívelcarregar-se corpúsculos sanguíneos ou destruir tumores cancerosos; com a energia orgone é possível(“Análise do Caráter”).
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REICH, W. Reich fala sobre a teoria da libido de Freud. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S.M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal.Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
forma bioenergética. Não pode pensar dessa maneira. E então ela odeia. Ora, isto é a raiz do
ódio e da difamação que me foram dirigidos.
ENTREVISTADOR: Acha que Freud abandonou a teoria da libido?
DR. REICH: NÃO, nunca, nunca! Simplesmente ELE NÃO CONSEGUIU AVANÇAR MAIS NO
SEU CAMINHO. Ficou bloqueado. Acredito que esse caminho era o meu caminho, o caminho
por onde eu enveredei com tanto sucesso. Tive que penetrar na Análise do Caráter, nas
emoções, nas ansiedades do prazer, nas direções opostas do fluxo de bioenergia no
organismo, e a partir dali no movimento plasmático – sim, na ameba -, e depois, na energia
orgone exterior. Libido enquanto realidade cósmica física – é isto o meu trabalho. Freud
forneceu o conceito. Foi aqui que ele entrou. Isto, a meu ver, foi a sua maior proeza. Ele era
um homem extraordinário, um homem extraordinário.
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VOLPI, S. M. O espectro do crescimento: contato, comunicação, independência,produtividade, autonomia, identidade. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
O ESPECTRO DO CRESCIMENTO: CONTATO, COMUNICAÇÃO, INDEPENDÊNCIA,PRODUTIVIDADE, AUTONOMIA, IDENTIDADE
Sandra Mara Volpi
Quando observamos o crescimento físico de um indivíduo, esteja ele no útero materno
ou vivendo os dias de sua infância e puberdade, constamos uma progressão em seu peso, em
sua estatura, em seu volume corpóreo. Se ampliamos nosso foco de observação e incluímos a
cognição, no sentido que lhe cabe ao promover a apreensão do mundo, estaremos frente a
frente com a aquisição, o refinamento e a manutenção de habilidades, na interação do
indivíduo com o ambiente a seu redor, estabelecendo aprendizagens. Já em termos
emocionais, o crescimento liga-se ao amadurecimento, ao desenvolvimento, focalizado de
maneira particular nos vínculos estabelecidos entre pessoas, que modulam uma forma única e
típica de se relacionar.
Assim, o crescimento de um indivíduo, da concepção às etapas finais de sua vida, é
demarcado por sucessivos momentos de mudança. Da fusão com o organismo materno, nasce
a possibilidade de estabelecimento de um indivíduo único, independente e autorregulado. Por
meio do funcionamento particular de seu organismo, o qual inclui tanto aspectos fisiológicos
quanto psicológicos, revela-se seu temperamento e, da interação com seu entorno –
adicionando-se dessa maneira, aos aspectos fisiológicos e psicológicos, também os sociais –,
delineia-se uma personalidade e um caráter específicos. O caráter, por sua vez, será
observável em seu corpo – instância última do contato e da inter-relação entre indivíduo,
mundo interno e mundo externo – na medida em que se adapta ao meio, desenvolvendo
padrões de tensão perante situações de ameaça, ou mantendo-se saudável o tônus muscular,
quando a segurança é preservada. O caráter também transparece na forma do indivíduo agir e
reagir (REICH, 1998; VOLPI, 2004) e nas particularidades que assumem os vínculos que
estabelece – consigo próprio e também com o ambiente em que se insere.
Crescimento e desenvolvimento são então sinônimos de progressão, evolução,
expansão, aperfeiçoamento. As aquisições nesse processo evolutivo são de vários níveis – do
motor ao afetivo, passando pelas conquistas intelectivas, e levando a uma mútua adaptação
entre indivíduo e sociedade.
A Psicologia Corporal é porta-voz de uma visão do crescimento que engloba corpo,
mente e energia. Crescer, nesse sentido, é um processo fisiológico, cognitivo e emocional, não
havendo hierarquia entre esses processos ou a concepção de uma maior importância de um
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VOLPI, S. M. O espectro do crescimento: contato, comunicação, independência,produtividade, autonomia, identidade. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
em detrimento dos demais. Enquanto o corpo cresce e o organismo aperfeiçoa-se, a emoção e
a razão também amadurecem, havendo entre essas instâncias uma ligação intrínseca,
representada, segundo esta abordagem, pela energia.
A compreensão do funcionamento da natureza em termos de energia é, na teoria da
Psicologia Corporal, um recurso atemporal na apreensão das nuances do desenvolvimento
humano. Como natureza, o ser humano também é energia. Esta flui concomitantemente ao
crescimento orgânico ou se depara com bloqueios, erigidos como defesas ao longo dos
períodos gestacional, da infância e da adolescência, que atingem igualmente psiquismo e
corpo.
Ao falar em energia, lança-se mão do conceito de autorregulação, que, em termos
reichianos (REICH, 1983), é compreendido como a força do organismo livre de
encouraçamentos e biopatias para reconhecer em si as necessidades naturais e operar sobre o
meio de forma a alcançar a satisfação de tais necessidades. Infelizmente não demora a ocorrer
que qualquer ser humano perca tal capacidade, dada a educação compulsiva a que é
submetido em sua infância e adolescência.
No início da vida de um bebê, a energia está inteiramente voltada para o seu
crescimento físico, crescimento este que é próximo-distal (do interno para o externo) e céfalo-
caudal (da cabeça em direção aos pés). O desenvolvimento físico, que jamais pode ser visto
em separado do desenvolvimento psíquico, do social ou do cognitivo, direciona a energia para
pontos no corpo que, sucessivamente, carregam-se, encontram-se com as respectivas funções
vitais, assumem componentes afetivos e finalmente podem se descarregar.
Desde Freud (1987) descrevem-se relações entre as funções vitais, o caminho da
erogeneidade e o desenvolvimento da sexualidade: amamentação, boca e prazer no chuchar;
controle esfincteriano, esfínceres anal e vesical e prazer na retenção e no controle da urina e
das fezes; genitalidade, órgãos sexuais, descoberta da diferença sexual anatômica, prazer na
masturbação e, mais tarde, na relação genital.
Especifiquemos estas ideias: a sexualidade humana, nos primórdios de seu
desenvolvimento, é constatada como uma função que nasce apoiada em uma das funções
somáticas vitais – fome, sede, excreção – tornando-se sua satisfação gradativamente
independente destas, segundo o avanço do desenvolvimento. Dessa maneira, a sexualidade
migra entre determinadas regiões do corpo, denominadas zonas erógenas: boca, esfíncteres
anal e vesical. Em diferentes etapas do desenvolvimento, em concordância com a função
somática central a cada momento, o potencial prazeroso se localiza em uma mucosa
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VOLPI, S. M. O espectro do crescimento: contato, comunicação, independência,produtividade, autonomia, identidade. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
específica – cavidade bucal e paredes internas dos esfíncteres – e se realiza por meio desta,
ainda de uma forma autoerótica, ou seja, a sexualidade, em cada um destes momentos “[...]
satisfaz-se no próprio corpo [...]” (FREUD, 1987, p. 169). Também os primeiros contatos com o
prazer genital, na infância, são autoeróticos, incluindo os órgãos genitais igualmente como
zonas erógenas no espectro da sexualidade. As funções, as zonas erógenas e suas mucosas
podem ainda tornar-se sensíveis em seu conjunto, reservando ao corpo como um todo o
potencial de proporcionar prazer. Num primeiro momento, exatamente aquele que coincide
com o autoerotismo, a sexualidade é considerada pré-genital; passa a ser genital a partir da
adolescência, ao se completar a maturação sexual e se concretizar a satisfação sexual na
relação com um parceiro. A sexualidade genital encontra plena expressão quanto mais o
amadurecimento psicológico e emocional acompanhar o amadurecimento fisiológico, tornando-
se, então, mais que uma nova perspectiva, uma realidade na vida do indivíduo, altamente
significativa na composição de sua identidade e na manutenção de sua saúde integral.
Retomando a sexualidade pré-genital, há que se sublinhar que o fato de o
desenvolvimento psicossexual apoiar-se primeiramente na nutrição, posteriormente no controle
dos esfíncteres e finalmente na estimulação genital encontra explicação na própria maturação
do sistema nervoso: o ser humano nasce com diversas funções ainda por se desenvolver e se
especializar, situação esta que é compatível com um cérebro cujo volume é passível de
completar a travessia pelo canal vaginal no momento do parto (PAPALIA; OLDS; FELDMAN,
2006). À medida que estas funções vão amadurecendo, refinando-se e se especializando, o
controle motor e o desenvolvimento psicológico permitem que, de ações do organismo cujo
objetivo é, antes de tudo, garantir a sobrevivência e atender a necessidades fisiológicas –
inicialmente no âmbito de uma relação de dependência com a pessoa que cumpre as tarefas
de cuidado infantil –, evolua-se para a autorrealização, integrando cada vez mais o indivíduo à
sociedade, com qualidade de vida, rumo à independência, à autonomia e a uma identidade
estabelecida.
Já o fato de que as funções de alimentação, controle de esfíncteres e estimulação
genital sejam fundamentais na eleição da boca, do ânus e do canal vesical, e dos órgãos
sexuais como zonas erógenas baseia-se na riqueza da vascularização de tais regiões e na
consequente intensidade de estimulação que estas regiões encontram em sua proximidade
com a epiderme e no contato com outros organismos, especialmente na amamentação e na
relação sexual entre parceiros (REICH, 1975; 1995). Daí Reich (1995) haver definido os órgãos
sexuais como especializados na descarga da energia do organismo. A seu tempo, estes
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VOLPI, S. M. O espectro do crescimento: contato, comunicação, independência,produtividade, autonomia, identidade. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
cumprem tal função mais que qualquer outro órgão do corpo, tendo sido precedidos, nas fases
pré-genitais do desenvolvimento psicoemocional, pela boca, pelo ânus e pelo canal vesical,
bem como pelos próprios genitais, sendo estes experimentados, na infância, por meio de uma
estimulação autoerótica.
Baker (1980) acrescentou, com base em Reich, os olhos como outra zona erógena a
ser considerada no corpo. A eles correspondem também uma função vital – o contato – e este
contato pode ser prazeroso, além de ter o sentido de, por assim dizer, humanizar o organismo.
Passando pelos olhos, boca, esfíncteres e genitais, o fluxo energético tem a função de integrar
o corpo ao mundo, tal seu movimento descendente. Como não somos somente corpo, mas
também psiquismo, nesse caminho, a energia integra as funções do contato e da comunicação,
da independência, da autonomia e produtividade, da identidade e também as direciona ao
mundo.
O contato abrange não apenas a visão, mas todos os demais sentidos com os quais
podemos interagir com o mundo. No processo de adaptação da espécie, a visão (GERRIG;
ZIMBARDO, 2005, p. 123 e 124) “[...] proporciona a consciência de mudanças em
características do ambiente físico de uma forma a adaptar o seu comportamento conforme
essas mudanças”. Os olhos compreendem o mundo ao seu redor e comunicam os
sentimentos. Como sentidos complementares entre si, visão e audição trabalham muitas vezes
em conjunto: os olhos podem voltar-se àquilo que primeiramente é ouvido. Da mesma forma,
olfato, paladar e tato têm seu valor na sobrevivência da espécie e são igualmente responsáveis
pela integração do ser humano ao mundo.
Todos os sentidos, funcionando isoladamente ou em conjunto, guardam em si o
potencial para a comunicação, na medida em que viabilizam o contato entre o que está fora e o
que está dentro do organismo. Essa comunicação é imprescindível também do ponto de vista
emocional. O isolamento sensorial pode provocar danos até mesmo irreparáveis à capacidade
de contato com o mundo. Baker ressalta (1980, p. 45): “Um contato completo é vital ao
desenvolvimento em geral, na medida em que promove a sensação de aceitação e de bem-
estar, encorajando a expansão e a busca no meio ambiente.”
Denominamos a etapa em que se evidencia o contato e a comunicação de
“Sustentação” (VOLPI; VOLPI, 2008, p. 129). Tem seu início na fecundação e estende-se ao
nascimento e às primeiras semanas de vida. Logo após a concepção, há um elevado gasto de
energia, a qual provém do espermatozoide e do óvulo, fundidos no chamado zigoto. O termo
sustentação traduz assim a nidação – fixação do zigoto nas paredes uterinas –, por volta do
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quinto ao sétimo dia de gravidez. A energia da célula em formação é inicialmente denominada
autógena. Esta célula multiplica-se, formando o embrião e estabelecendo, por meio do cordão
umbilical, a ligação entre o ser em formação e as paredes do útero da mãe. Nesse momento, a
energia passa a ser denominada trofoumbilical. O útero é o primeiro ambiente em que se
encontra o bebê durante seu desenvolvimento emocional, e nele o contato com a mãe se dá
não somente de forma fisiológica, mas também emocional e energética. Daí a importância de
que este útero seja receptivo, pulsante e acolhedor. A presença de figuras de apoio à mãe,
como, por exemplo, o pai, durante a gestação, também é fundamental, dado que o afeto
demonstrado ao bebê, por intermédio da mãe, alcança o ser em formação. O contato,
primeiramente com o útero e posteriormente com as figuras humanas de referência é
indispensável ao desenvolvimento emocionalmente saudável do ser humano, à sua
sobrevivência emocional, tanto quanto o organismo é equipado com sentidos que são também
responsáveis por sua sobrevivência biológica. Este contato primordial é fundamentalmente
energético, corporal e emocional, e origina um ser que é, antes de mais nada, “[...] um sistema
energético enormemente produtivo e adaptável que, por seus próprios recursos fará contato
com seu meio ambiente e começará a dar forma a este meio ambiente de acordo com suas
necessidades.” (REICH, 1983, p. 30).
A etapa seguinte, de “Incorporação” (VOLPI; VOLPI, 2002, p. 133), é responsável pela
possibilidade da independência. Estende-se do nascimento ao desmame, que idealmente
deverá ocorrer por volta do nono mês de vida. A vivência da plena dependência no momento
da amamentação, do vínculo com a figura que exerce a função materna, e até mesmo da
simbiose que temporariamente une bebê e mãe em uma única célula narcísica é necessária à
construção da noção primitiva de não-eu e de eu. Ao experimentar a satisfação da necessidade
vital de alimentação, de início, o bebê desconhece de onde provém tal satisfação. Apenas
registra a experiência de equilíbrio homeostático por ser suprido e, ao mesmo tempo, o prazer
em ser aconchegado no colo. A figura materna, nesse momento, promove a introjeção do
mundo externo pelo bebê, começando pelo bico do seio ereto e preferencialmente disponível –
quando o aleitamento materno é possível –, passando pelo sabor do leite, pelo cheiro da mãe,
pelos olhos maternos a contatar os olhos do bebê de forma atenta e receptiva, pelas mãos
quentes e acolhedoras e pelo contato epidérmico que envolve o bebê da mesma forma que
anteriormente o útero o fez. “A pele é a ponte sensível do contato com o mundo... É o nosso
órgão mais extenso, é o nosso código mais intenso, um lar de profundas memórias.” (LELOUP,
1983, p. 9).
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O bebê é capaz de regular suas próprias necessidades de fome, demonstrando-a por
meio do choro. Pouco a pouco, a alimentação do bebê vai ganhando um ritmo, que deve ser a
combinação das necessidades naturais da criança e a realidade externa, representada pela
figura materna. Com isso, constrói-se um outro lado da experiência, e, com ela, desenvolve-se
no bebê uma memória rudimentar, composta por dois tipos de experiência: prazer e desprazer.
Essa memória é de fundamental importância para o crescimento da consciência da separação
entre bebê e meio, não-eu e eu. Na medida em que reconhece que a satisfação ou a frustração
provém do meio, este passa a existir na consciência da criança; e se o meio existe, o si mesmo
também. Gradativamente, o bebê descobre que não faz parte da mãe, como até então tinha a
sensação, por manter com ela um contato simbiótico. Ao começar a se distanciar, explorando o
ambiente e as pessoas à sua volta, passa a reconhecer a si mesmo (bebê) e ao outro (mãe).
Naturalmente, sobrevêm os primeiros impulsos de sair do colo, engatinhar e arriscar os
primeiros passos. O desmame se dá em relação ao seio e à situação de dependência e
passividade.
Paralelamente, o amadurecimento físico, que permite que se incluam na dieta do bebê
alimentos mais pastosos, coloca em funcionamento uma capacidade mais refinada de
digestão. Em outras palavras, o papel da amamentação perde naturalmente a sua força e o
organismo humano passa a ter participação maior na digestão dos alimentos. Essa função
equivale, a nível emocional, à possibilidade da independência, de sermos separados e nos
reconhecermos como seres únicos e responsáveis por nós mesmos.
Capaz de se perceber separada da mãe, a criança entra na fase de “Produção” (VOLPI;
VOLPI, 2008, p. 137). Esta etapa tem seu início com o desmame e se estende até o terceiro
ano de vida. Ao exercer plenamente sua condição de independência também por meio de
novas aquisições físicas e cognitivas, que se traduzem na mobilidade e na memória que torna
possível a constância das figuras de referência, é hora de alcançar a autonomia. O ritmo
próprio, que num primeiro momento desta etapa diz respeito eminentemente ao controle
esfincteriano, dá o compasso desse alcance. Estabelecem-se a consciência de si mesmo, dos
limites a serem respeitados, e da dimensão dos desafios a serem aceitos na vida.
A satisfação e o orgulho de realização da criança ao poder controlar a eliminação das
fezes e da urina é de fundamental importância para a manutenção do senso de si mesma. A
energia da criança está inteiramente voltada à construção de pensamentos e ações, com base
na percepção das emoções, e tudo isso se faz notar por meio das brincadeiras, dos jogos, dos
relacionamentos, etc. Nota-se uma clara evolução do brincar simples e repetitivo para o brincar
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construtivo, que inclui jogos imaginativos. Mais tarde, tornam-se possíveis igualmente os jogos
com regras, uma vez que limites e possibilidades tenham sido elaboradas pela criança. Cresce
a autoconsciência e concretiza-se a perspectiva do autodomínio, inclusive sobre as próprias
reações e expressões emocionais. Autodomínio, aliás, é um dos critérios de saúde propostos
por Lowen (1986). Em conjunto com a autopercepção e a autoexpressão, alcança um
importante patamar de realização nessa etapa do desenvolvimento, uma vez que seja mantida
a espontaneidade e a criatividade própria do organismo humano.
A aquisição final do desenvolvimento é a identidade. As etapas correspondentes são a
de “Identificação” (VOLPI; VOLPI, 2008, p. 138) e de “Formação do caráter” (VOLPI; VOLPI,
2008, p. 140), que ocorrem entre o quarto ano de vida e a puberdade. Inicia-se com a
exploração do corpo, especificamente dos genitais, e com a descoberta das diferenças sexuais
entre meninos e meninas. Baker (1980, p. 50) assinala que esta etapa é marcada por “[...] um
orgulho transitório pela descoberta do genital, que progride até se transformar numa
apreciação completa das funções masculina ou feminina deste órgão”. Precisamente a
diferença – “meninos têm pênis, meninas não têm...” – abre as portas à noção de gênero,
sendo que a criança pode então se reconhecer como homem ou mulher, buscando
compreender o papel social associado a cada um deles. Assim, é de suma importância que das
diferenças sexuais anatômicas, meninas e meninos evoluam para a consciência de suas
particularidades físicas – “meninos têm pênis, meninas têm vulva!”. Para que isso seja
possível, particularmente nas meninas, é necessário que a energia prossiga seu caminho e
vitalize a vulva e a vagina. Ao distinguir as diferenças e compreender as particularidades,
meninos e meninas podem passar a ter uma ideia segura quanto ao sexo a que pertencem.
Como órgãos especializados à descarga energética, conforme descrito por Reich (1975), o
contato com os genitais é potencialmente prazeroso e a masturbação surge como alternativa
para a vivência da sexualidade neste momento. A masturbação, nesse momento, dá-se pela
fricção do genital, sem nenhuma intenção ou fantasia para além da estimulação autoerótica.
Mais tarde, a masturbação dará lugar ao contato sexual entre parceiros, o que irá reforçar
ainda mais a consciência de gênero e a identidade.
Assim, ao longo do desenvolvimento e com base em processos energéticos, corpo,
intelecto, emoção e psiquismo encontram os recursos necessários para promover a integração
intrapessoal no indivíduo e deste com o ambiente em que vive. Nas palavras de Baker (1980,
p. 47), “O recém-nascido é capaz de regular seu próprio organismo segundo suas
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necessidades e só deve ser ensinado a não pôr sua vida em risco, a distinguir e a respeitar os
direitos dos outros além dos seus”. Em nossa idade adulta, assim também pode ser.
REFERENCIAS
BAKER, E. O Labirinto Humano. Causas do bloqueio da energia sexual. São Paulo: Summus,1980.
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: ______. Edição standardbrasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. VII, 2ª ed. Rio deJaneiro: Imago, 1987. p. 117-230.
GERRIG, R.; ZIMBARDO, P. A Psicologia e a vida. Porto Alegre: Artmed, 2005.
LOWEN, A. Medo da vida: caminhos da realização pessoal pela vitória sobre o medo.Summus,1986.
PAPALIA, Diane E.; OLDS, Sally W.; FELDMAN, Ruth D. Desenvolvimento Humano. 8ª ed.Porto Alegre: Artmed, 2006.
REICH, W. Cosmic superimposition. New York: Farrar, Strauss and Giroux, 1975.
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VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Crescer é uma aventura! Desenvolvimento emocional segundo apsicologia corporal. 2ª ed. Curitiba: Centro Reichiano, 2008.
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VOLPI, J. H. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter,segundo a psicologia corporal. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila docurso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.
PARTICULARIDADES SOBRE O TEMPERAMENTO, A PERSONALIDADEE O CARÁTER, SEGUNDO A PSICOLOGIA CORPORAL
José Henrique Volpi
É notório o fato de que os estudos sobre as questões que norteiam o comportamento
humano despertem interesse nos estudiosos a milênios. Da mesma forma, temperamento,
personalidade e caráter, são palavras utilizadas com frequência desde a antiguidade. Porém,
seus significados quase sempre são confusos e/ou utilizados de forma errônea. A proposta
desse artigo é traçar um apanhando geral sobre os conceitos postulados por diversos autores,
no intuito de oferecer aos estudantes e profissionais da Psicologia e áreas afins, uma maior
clareza.
TEMPERAMENTO
Há cerca de 2500 anos, Hipócrates, considerado o pai da Medicina, classificou o
temperamento da espécie humana em quatro tipos básicos:
Sangüíneo, típico de pessoas de humor variado; Melancólico, característico de
pessoas tristes e sonhadoras; Colérico, peculiar de pessoas cujo humor se caracteriza por um
desejo forte e sentimentos impulsivos, com predominância da bile; Fleumático, encontrado em
pessoas lentas e apáticas, de sangue frio.
Tendo feito uso da teoria postulada por Hipócrates, o psicólogo Ivan Pavlov verificou
experimentalmente em animais os mesmos tipos de temperamentos humanos, demonstrando
ao mesmo tempo a relação com o Sistema Nervoso e os fatores bioquímicos. A partir disso,
várias pesquisas foram desenvolvidas com base nos neurotransmissores, nos processos
genéticos, bioquímicos e nervosos, acreditando estar aí a explicação para as diferenças de
temperamento (ZUCKERMAN, 1987).
São vários os sistemas básicos que tentam explicar a essência do temperamento,
porém, dois deles se destacam mais. O primeiro, chamado de sistema humoral, tem um
interesse histórico e liga o estado do organismo com a proporção dos líquidos e humores que
circulam pelo organismo. Daí surgiu a classificação dos temperamentos sanguíneo, colérico,
fleumático e melancólico. O segundo sistema, denominado constitucional, sustenta-se nas
diferentes compleições do organismo e em sua estrutura física.
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VOLPI, J. H. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter,segundo a psicologia corporal. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila docurso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.
Essa tipologia representa um estudo da relação entre as características físicas e as
psicológicas.
A palavra temperamento tem sua origem do latim (temperamentum = medida).
Representa a peculiaridade e intensidade individual dos afetos psíquicos e da estrutura
dominante de humor e motivação. Breuer, citado por Freud (1987), aponta algumas diferenças
de temperamento dizendo que algumas pessoas são mais vivazes ao passo que outras são
mais inertes e letárgicas. Há ainda aquelas que não conseguem ficar paradas, as que têm o
dom inato de se espreguiçarem nos sofás, as que são mais ágeis, etc. Diz ainda que “Essas
diferenças, que constituem o ‘temperamento natural’ de um homem, por certo se baseiam em
profundas diferenças em seu sistema nervoso – no grau em que os elementos cerebrais
funcionalmente quiescentes liberam energia” (Breuer, 1987, p. 205).
Novais (1977), diz que o temperamento está ligado a um clima químico na qual se
desenvolve a personalidade. Já Petroviski (1985) define o temperamento como sendo a
combinação determinada e constante das peculiaridades psicodinâmicas do indivíduo, que se
revelam por meio de suas atividades e comportamento, compondo dessa forma a sua base
orgânica. Ainda seguindo o curso desse pensamento, Allport (1966) caracteriza o
temperamento como sendo um fenômeno específico da natureza emocional do indivíduo, que
inclui a sua sensibilidade aos estímulos, intensidade e rapidez de respostas e várias outras
particularidades, todas ligadas à hereditariedade.
Atualmente, o que mais se aceita a respeito do temperamento é que certas
características são decorrentes de processos fisiológicos do sistema linfático, bem como a
ação endócrina de certos hormônios. Assim, pode-se explicar a genética e a interferência do
meio sobre o temperamento de cada pessoa. Então, poderíamos definir temperamento como
sendo uma disposição inata e particular de cada pessoa, pronta a reagir aos estímulos
ambientais; é a maneira interna de ser e agir de uma pessoa, geneticamente determinado; é o
aspecto somático da personalidade.
O temperamento pode ser transmitido de pais para filhos, porém, não é aprendido, nem
pode ser educado; apenas pode ser abrandado em sua maneira de ser, o que é feito pelo
caráter. Em termos biológicos, o temperamento também está diretamente relacionado ao
terreno biológico, ou seja, o pH dos líquidos do corpo irão determinar um tipo de terreno
biológico que poderá ser alcalino ou ácido e ambos podem ter um potencial oxidável ou
reduzido.
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VOLPI, J. H. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter,segundo a psicologia corporal. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila docurso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.
O hidrologista francês Jean Claude Vincent desenvolveu, em 1946, um teste para medir
o pH do sangue, urina e saliva e com isso, determinar alguns tipos de doenças que são mais
comuns aparecer quando a pessoa apresenta um tipo de terreno.
Segundo Navarro (1996, p. 12), os terrenos biológicos:
São indicadores preciosos da estrutura biológica individual e enfatizamos que éna estrutura que se implanta a caracterialidade do indivíduo. Caracterialidadenão significa caráter – este é único e só se verifica quando maduro (Freud) egenital (Reich).
a) Terreno alcalino oxidado = psicose, câncer, AIDS, doenças degenerativas do sistema
nervoso, etc. É o terreno dos indivíduos chamados por Navarro de Núcleo Psicótico.
b) Terreno ácido oxidado = HIV, diabetes, obesidade secundária, alergia, hipertensão,
asma, etc. É o terreno do borderline.
c) Terreno ácido reduzido = gastrite, úlcera, angina, colite, cistite, miomas, etc. É o
terreno do psiconeurótico.
d) Terreno alcalino reduzido = doenças somatopsíquicas. É o terreno dos indivíduos
que possuem uma caracterialidade chamada por Navarro de neurótico.
O pH do sangue humano deve ser ligeiramente alcalino (7.35-7.45); abaixo ou acima
dessa faixa surge sintomas e ate mesmo doenças. Um pH de 7,0 é considerado neutro. Abaixo
de 7,0 é ácido e acima de 7,0, alcalino.
Podemos verificar os níveis do pH no sangue, urina e saliva utilizando um papel
indicador de pH universal que pode ser adquirido em lojas de produtos químicos. E podemos
corrigir o pH por meio de dieta equilibrada.
Os principais alimentos formadores de alcalinidade são: frutas, verduras, ervilhas,
feijões, lentilhas, especiarias, ervas e temperos, sementes e nozes. O limão e a melancia são
considerados extremos formadores de alcalinidade.
Por outro lado, os alimentos formadores de ácidos são principalmente: carnes, peixes,
aves, ovos, cereais e leguminosas. Os adoçantes artificiais são considerados extremamente
ácidos.
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VOLPI, J. H. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter,segundo a psicologia corporal. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila docurso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.
PERSONALIDADE
A personalidade é formada durante as etapas do desenvolvimento psicoafetivo pelas
quais passa a criança desde a gestação. Sua formação inclui tanto os elementos
geneticamente herdados (temperamento) como também os adquiridos do meio ambiente no
qual a criança está inserida.
São várias as teorias que versam sobre personalidade tanto quanto as controvérsias,
temas de discussões presentes em toda história da Filosofia, Psicologia, Sociologia,
Antropologia e Medicina geral.
Uma das escolas de grande destaque no estudo da personalidade foi a Psicanálise de
Freud, que sustenta que os processos do inconsciente dirigem grande parte do comportamento
das pessoas. Outra escola importante foi a do americano Skinner, que sustenta a tese de que a
aprendizagem se dá pelo condicionamento.
Desde a gestação, as crianças já se encontram em condições ambientais distintas,
sofrendo com a ação dos estresses e apresentando comportamentos particulares. A
antropóloga Margaret Mead (2001) estudou o comportamento de duas tribos indígenas da
Guiné e percebeu que apesar de ambas terem as mesmas características étnicas e viver no
mesmo lugar, apresentavam comportamentos diferentes. Uma era mais hostil e competitiva ao
passo que a outro era mais amistosa, pacífica e cooperativa, demonstrando assim um
comportamento particular.
Ballone (2003) define personalidade como sendo:
A organização dinâmica dos traços no interior do eu, formados a partir dosgenes particulares que herdamos, das existências singulares que suportamos edas percepções individuais que temos do mundo, capazes de tornar cadaindivíduo único em sua maneira de ser e de desempenhar o seu papel social.(BALLONE, 2003).
Compreender os aspectos e a dinâmica da personalidade humana não é tarefa simples,
dada a complexidade e a variedade de elementos que a circunda, gerados por diversos fatores
biológicos, psicológicos e sociais. Com relação aos aspectos sociais, quanto mais complexa e
diferenciada for a cultura e a organização social em que a pessoa estiver inserida, mais
complexa e diferenciada será a personalidade. Do ponto de vista biológico, a pessoa já traz
consigo, em seus genes, diferentes tendências, interesses e aptidões que também são
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VOLPI, J. H. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter,segundo a psicologia corporal. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila docurso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.
formados pela combinação dinâmica entre diversos fatores hereditários e uma infinidade de
influências sócio-psicológicas que ela recebe do meio ambiente. (FERNANDES FILHO, 1992).
Então, podemos dizer que a personalidade é formada por dois fatores básicos:
Hereditários: são os fatores que estão determinados desde a concepção do bebê. É a
estatura, cor dos olhos, da pele, temperamento, reflexos musculares e vários outros. É aquilo
que o bebê recebe de herança genética de seus pais.
Ambientais: São aqueles que também exercem uma grande influência porque dizem
respeito à cultura, hábitos familiares, grupos sociais, escola, responsabilidade, moral e ética,
etc. São experiências vividas pela criança que irão lhe dar suporte e contribuir para a formação
de sua personalidade.
Mesmo que alguns traços possam ser parecidos com os de outra pessoa, a
personalidade é única. Ela se apóia em uma estrutura biopsicosocial, é dinâmica, adaptável e
mutável.
Strelau e Angleitner (1987) discutem cinco características que diferenciam o
temperamento da personalidade:
1. O temperamento é biologicamente determinado e a personalidade é um produto do
ambiente social.
2. Características temperamentais podem ser identificadas já cedo, na infância, ao
passo que a personalidade é moldada durante os períodos do desenvolvimento
infantil.
3. Diferenças individuais com características temperamentais como ansiedade,
extroversão-introversão, também são observados em animais, ao passo que
personalidade é a prerrogativa de seres humanos.
4. O temperamento apresenta aspectos estilísticos. A personalidade contém aspectos
do comportamento.
5. Ao contrário do temperamento, a personalidade refere-se à função integrativa do
comportamento humano.
Phillips (1983, p. 4) define personalidade como “[...] a organização integrada de todas
as características cognitivas, afetivas, e físicas de um indivíduo, como se manifesta em
distintas situações e atribui significado especial para outras.”
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Assim, em linhas gerais podemos definir personalidade como sendo o conjunto de
elementos temperamentais que foram herdados durante a gestação e de elementos adquiridos
do meio durante as etapas do desenvolvimento, que formam o mundo interno psíquico de uma
pessoa.
CARÁTER
O conceito de caráter emergiu do campo da Filosofia e se tornou objeto de investigação
científica. O termo caráter é originário do grego charakter e se refere a sinal, marca, ao
instrumento que grava. Aplicado esse termo à personalidade, denota aqueles aspectos que
foram gravados, inscritos no psiquismo e no corpo de cada indivíduo durante o seu
desenvolvimento.
Freud (1987) e Abraham (1970) apesar de não terem sido os primeiros, também se
dedicaram com afinco ao estudo do caráter e deixaram grandes contribuições, tendo sido
seguidos por vários outros cientistas nessa direção. Mas dentre todos, quem mais se destacou
e conseguiu formar uma teoria condizente do caráter foi Wilhelm Reich.
De acordo com Reich (1995), o caráter é o conjunto de reações e hábitos de
comportamento que vão sendo adquiridos ao longo da vida e que especificam o modo
individual de cada pessoa. Portanto, o caráter é composto das atitudes habituais de uma
pessoa e de seu padrão consistente de respostas para várias situações. Incluem-se aqui as
atitudes e valores conscientes, o estilo de comportamento (timidez, agressividade e assim por
diante) e as atitudes físicas (postura, hábitos de manutenção e movimentação do corpo). Em
outras palavras, o caráter é a forma com que a pessoa se mostra ao mundo, com seu
temperamento e sua personalidade; é a expressão do temperamento e da personalidade por
meio das atitudes de uma pessoa.
A gênese e estrutura do caráter tem sido objeto de estudo de diversas escolas no
âmbito da Psicologia sendo que a maioria comunga da mesma ideia de que o caráter não se
manifesta de forma total e definitiva na infância, mas vai sendo formado enquanto atravessa as
distintas fases do desenvolvimento psicossexual, até alcançar sua completa expressão ao final
da adolescência.
É por meio do caráter que a personalidade e o temperamento do indivíduo se
manifestam. Portanto, conhecer o caráter de uma pessoa significa conhecer os traços
essenciais que determinam o conjunto de seus atos.
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Desde o momento da fecundação, todas as informações genéticas do pai e da mãe
passam ao novo bebê, constituindo o seu temperamento. Ainda na gestação, o bebê apreende
todos os estímulos provindos do meio. Sente e sofre com qualquer alteração sofrida pela mãe
durante a gestação e gradativamente, vai incorporando esses estímulos e organizando-os em
seu mundo interno, contribuindo para a formação de sua personalidade. Os possíveis
comprometimentos que porventura irá ter ao longo das etapas de desenvolvimento, irão
determinar a sua forma de agir e reagir perante a vida, constituindo assim o seu caráter, sendo
esse nada mais do que a expressão de seu mundo interno.
Então, cada pessoa assumirá uma forma definida de funcionamento, um padrão típico
de agir frente às mais inusitadas situações. Como exemplo, podemos pensar numa sala de
aula cheia de alunos, onde, sem ninguém esperar, entra um bandido armado. É provável que
todos se assustem, porém, cada qual irá reagir com base em sua estrutura de caráter. Alguns
desmaiam de medo, outros têm diarréia, sono, taquicardia, sudorese. Encontramos também
aqueles que querem persuadir o bandido, os que tentam seduzí-lo, os que procuram enfrentá-
lo, mesmo ele estando armado. E assim, uma sucessão de comportamentos irão aparecer
perante a mesma situação.
A formação e o tipo de caráter de uma pessoa serão determinados por vários fatores
(REICH, 1995). O primeiro desses fatores diz respeito ao momento em que ocorre a frustração,
ou seja, a etapa em que a criança estiver atravessando em seu desenvolvimento. Se a
frustração se der na etapa de sustentação (VOLPI; VOLPI, 2002), a criança terá um tipo de
caráter esquizoide (REICH, 1995) ou núcleo psicótico (NAVARRO, 1995). Se a frustração se
der na etapa de incorporação (VOLPI; VOLPI, 2002), a criança terá um tipo de caráter oral
(REICH, 1995) ou borderline (NAVARRO, 1995). Se a frustração se der na etapa de produção
(VOLPI; VOLPI, 2002), a criança terá um tipo de caráter masoquista ou obsessivo-compulsivo
(REICH, 1995) ou psiconeurótico (NAVARRO, 1995). Se a frustração se der na etapa de
identificação (VOLPI; VOLPI, 2002), a criança terá um tipo de caráter fálico-narcisista ou
histérico (REICH, 1995) ou neurótico (NAVARRO, 1995). A ausência de frustração pode
permitir que a criança desenvolva um tipo de caráter chamado de genital, um ideal de Reich
(1995) para as crianças do futuro.
Assim sendo, cada tipo de caráter tem uma dinâmica particular. O esquizoide tem como
comportamento básico a esquiva; o oral a dependência; o masoquista a lamentação e
sofrimento; o obsessivo-compulsivo a ordem e limpeza; o fálico-narcisista o poder e o histérico
a sedução.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter,segundo a psicologia corporal. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila docurso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.
Um outro fator, de suma importância para a formação e o tipo de caráter que a criança
irá desenvolver, está relacionado à frequência e a intensidade da frustração. Isso significa que
para que ocorra um bloqueio na etapa do desenvolvimento e, por consequência, a formação de
um traço de caráter, é preciso que a frustração ou o estresse seja aplicado com certa
frequência e/ou que sua intensidade seja suficiente para atingir o limiar da criança. Cabe
lembrar que cada criança, cada pessoa possui um limiar próprio.
Outras situações como a natureza dos impulsos contra os quais a frustração é
principalmente dirigida, as concessões feitas de início à criança, seguidas de frustrações
intensas, sem motivos, o sexo da principal pessoa que frustra a criança e as contradições
existentes nas próprias frustrações, irão formando registros significativos e comprometendo a
criança em seu desenvolvimento psicoafetivo, deixando, dessa forma, traços significativos que
irão compor a sua estrutura de caráter.
Diz Reich (1995, p. 212): “O caráter não é determinado por aquilo que evita, mas pela
maneira como o faz e pelas forças pulsionais que o Ego utiliza para esse fim.”
REFERÊNCIAS
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HIRSCH, M. Psicanálise reichiana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostilado curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.
PSICANÁLISE REICHIANA1
Margarita Hirsch
A Psicanálise reichiana é um enfoque terapêutico que integra alguns dos conceitos
teóricos e técnicos da Psicanálise com as teorias de Donald Winnicott e Wilhelm Reich. Ao
incorporar à técnica psicanalítica uma abordagem simultânea ao “corpo”, favorece-se o
desenvolvimento dos processos regressivos às primeiras etapas evolutivas (pré-verbais), que
permitem reconhecer e reviver as causas que deram lugar às dificuldades do verdadeiro self
manifestar-se no mundo, dando ao paciente condições mais favoráveis para sua expressão. A
inclusão do corpo possibilita a intervenção sobre as defesas corporais que se manifestam
como couraças caractereológicas e musculares. O corpo é a base sobre a qual se constitui o
verdadeiro self, seu núcleo “[…] emana da vida que possuem os tecidos do corpo e da ação
das funções corporais, que incluem as do coração e as da respiração”.
A partir de Reich, temos a possibilidade de compreender a linguagem corporal integrada
aos fatores psicológicos e incorporar ao trabalho terapêutico uma técnica de desbloqueio das
couraças, caractereológica e muscular. Um dos objetivos principais deste trabalho é a
recuperação dos movimentos e expressões mais naturais e espontâneos do ser humano. Os
conceitos de Francoise Dolto sobre esquema corporal e imagem do corpo “[…] aportam uma
linguagem clara e precisa para a compreensão da dinâmica corporal. O esquema corporal é
um representante da espécie e será o intérprete ativo ou passivo da imagem do corpo, no
sentido de que permite a objetivação da intersubjetividade de uma relação libidinal
fundamentada na linguagem.”
Se, em princípio, o esquema corporal é o mesmo para todos os indivíduos (de uma
mesma idade e vivendo o mesmo clima), a imagem do corpo é, ao contrário, própria de cada
um. Está ligada ao sujeito e à história. A imagem do corpo é a síntese viva de nossas
experiências emocionais vividas repetitivamente através das sensações erógenas eletivas,
arcaicas e atuais.
Isto significa que vamos nos servir do esquema corporal (em parte consciente em parte
inconsciente) para a realização dos movimentos expressivos (que constituem um dos
instrumentos básicos da Psicanálise reichiana) com a finalidade de entrar em contato com a
1 Este artigo, publicado originalmente na Revista Insight, n. 17, em 1992, traz um panorama sucinto, masmuito rico, sobre a Psicanálise reichiana como facilitadora da expressão do self A autora é médica,graduada na Unitersidade Buenos Aires, psicoterapeuta e vegetoterapeuta formada na Itália.
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HIRSCH, M. Psicanálise reichiana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostilado curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.
imagem do corpo, que é eminentemente inconsciente. Graças à nossa imagem do corpo,
entrecruzada com o esquema corporal, podemos entrar em comunicação com o outro.
DESBLOQUEIO DE COURAÇAS
Durante o desenvolvimento do processo terapêutico, realiza-se um diagnóstico do
paciente e de suas condições ambientais e se analisam as problemáticas transferenciais. Ao
conseguir uma aliança terapêutica, projeta-se junto com o paciente (nos casos em que se faz
indicado e em momento preciso) um aprofundamento do tratamento através de um caminho
regressivo. Este é um processo longo e difícil, no qual o paciente apresenta uma série de
mecanismos defensivos e couraças caractereológicas e musculares correspondendo a
diferentes etapas de sua vida.
Para melhor compreensão das couraças musculares, Reich segmentou o corpo humano
em sete anéis que apresentam uma disposição circular e perpendicular ao eixo do corpo,
começando a partir da cabeça até os pés: o primeiro anel é o ocular; o segundo, o oral; o
terceiro, o cervical; o quarto, o torácico; o quinto, o diafragmático; o sexto, o abdominal; o
sétimo, o pélvico.
O PROCESSO TERAPÊUTICO
No momento em que se incorpora o corpo ao trabalho terapêutico, a tarefa centra-se no
desbloqueio das couraças e na conscientização, por parte do paciente, dos transtornos
perceptivos, motores e afetivos do primeiro e segundo nível (ocular e oral), continuando-se logo
com os cinco anéis restantes. Nestes dois anéis encontram-se alojados, desde os primeiros
momentos da vida, os principais órgãos de contato com a mãe (olhos, nariz, ouvidos e boca).
No que diz respeito à importância da primeira percepção visual na evolução do bebê, Winnicott
colocou que o encontro de seu olhar com o de sua mãe constitui – nesta primeira experiência –
a matriz do intercâmbio significativo com o mundo.
A forma de trabalho é a seguinte: o paciente realiza por si mesmo, deitado no divã e em
total silêncio, um movimento muscular expressivo dos olhos a partir da consigna do terapeuta.
O processo terapêutico completa-se com a comunicação verbal do vivido e pensado pelo
paciente durante a realização do movimento e com o trabalho associativo e interpretativo sobre
o material abordado. Ao colocar em movimento um músculo em forma voluntária (movimento
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expressivo) entra em ação tanto a função motora como a perceptiva, que despertam
recordações, afetos e ideias que permaneciam ocultos. Ao mobilizar os músculos intrínsecos
dos olhos ativa-se ao mesmo tempo o Sistema Nervoso Central, o Sistema Vegetativo da visão
e toda a gama de percepções do órgão visual. Para poder entrar em contato com a imagem do
corpo é necessário que toda a musculatura de ação esteja inibida para limitar o campo dos
movimentos que estão compreendidos na consigna.
Este enfoque terapêutico permite, por um lado, neutralizar o esquema do corpo pela
posição do paciente deitado no divã e, por outro, ser um veículo ativo para a realização da
ação proposta. Isto permite o desenvolvimento da imagem do corpo em cada estágio, em seus
três aspectos inconscientes: linguagem mímica, visceral e gestual. É através da imagem do
corpo que se inscrevem as experiências de relação da necessidade e do desejo. A imagem do
corpo é, em cada momento, memória inconsciente de toda a vivência relacional passada e, ao
mesmo tempo, atual. É através de suas manifestações atuais (a repetição dos movimentos
expressivos) que se pode despertar uma imagem relacional arcaica, que havia ficado reprimida
e que, a partir de agora, pode retornar.
No trabalho terapêutico, ao aparecerem as dificuldades, defesas e resistências na
realização de movimentos e percepções bloqueadas, torna-se possível a reconstrução das
causas que motivaram sua perturbação. Os casos mais severos requerem um trabalho
terapêutico diferente que tem por finalidade reconstruir as funções corporais e psíquicas
danificadas e distorcidas por falhas no processo de constituição narcísica.
Em condições normais teria-se que poder ver com clareza e perceber sem esforço o
que se está vendo, diferenciar o que se olha a partir de si mesmo, perceber que está a se
perceber e que é o olho que percebe, poder manter a atenção na percepção durante o tempo
em que as circunstâncias o requeiram, poder integrar as percepções entre si e integrá-las aos
movimentos, afetos e pensamentos.
FALSO SELF E VERDADEIRO SELF
Em condições anormais encontramos uma ampla gama de manifestações patológicas
nas quais a percepção visual teve uma importância vital para a sua constituição e ainda tem
para a sua manutenção. Estas manifestações podem ser confusão ou indiscriminação entre si
mesmo e os demais, transtornos nos esquemas de tempo e do espaço e cisões: entre
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HIRSCH, M. Psicanálise reichiana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostilado curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano,2020. Acesso em: __/__/____.
movimento e percepção; as percepções entre si; percepções movimentos e afetos;
movimentos, percepções, afetos e ideias.
Ademais, podem observar-se distintos tipos de expressão no olhar, correspondentes a
diferentes quadros psicopatológicos, como olhar desconectado, olhar vazio, olhar fixo, olhar
rígido, olhar fugidio, olhar desorbitado pelo medo, etc. Também é possível comprovar a inibição
da execução de determinados movimentos expressivos dos olhos, já que no momento em que
são mobilizados, podem ser despertados agudos sentimentos e/ou intensas recordações que
perturbam o equilíbrio.
Winnicott desenvolveu a teoria sobre a divisão da personalidade em um verdadeiro e
falso self e sua relação com os mecanismos de cisão nos fenômenos psíquicos e somáticos.
Destacou também a importância do meio (especialmente da mãe) no processo de integração
do indivíduo.
O verdadeiro self, para poder preservar-se da comunicação com o mundo, desencarna-
se cindindo as funções corporais do contato, o qual dá lugar a que o sujeito não se sinta mais
habitando em seu próprio corpo. No falso self, o corpo se reduz a um simples instrumento
mimético que o permite ser como os demais.
Para que o verdadeiro self possa começar a manifestar-se sem estar dissociado do
corpo e a se expressar livremente com um novo sentimento de seu self, é necessário que o
paciente passe por um processo regressivo muito profundo dentro de um âmbito terapêutico
tranquilo, seguro, confiando que o terapeuta saberá compreender e respeitar seus ritmos, seus
tempos e sua individualidade.
Por trás deste processo regressivo poderá iniciar o caminho progressivo em direção a
um estado de independência e de maior espontaneidade e, então, como afirma Winnicott, a
pessoa vivenciará a si mesma como encarnada e contando com um ponto sólido na sensação
de integração. Suas necessidades e desejos instintivos poderão realizar-se, então, com
atividade, vitalidade e vigor genuínos.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Wilhelm Reich e as escolas reichianas, pós e neorreichianas. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
WILHELM REICH E AS ESCOLAS REICHIANAS, PÓS E NEORREICHIANAS
José Henrique Volpi
REICH E A PSICANÁLISE
Em 1919 conhece Freud e logo se torna o mais novo psicanalista de Viena;
Oferece sua contribuição, estudando com detalhes o problema das resistências,
transferência e contratransferência;
Entende a potência orgástica como descarga máxima ao prazer, diferenciando-a de
ereção.
Denomina seus postulados de Economia Sexual.
REICH E A ANÁLISE DO CARÁTER
Tira o paciente do divã;
Identifica a couraça psíquica;
Ataca diretamente as resistências, apontando-as ao paciente porque, como e contra
o que resiste;
Sistematiza os diversos tipos de caráter segundo os bloqueios ocorridos nas etapas
do desenvolvimento (oral, masoquista, obsessivo-compulsivo, fálico-narcisista, etc.) e
cria a técnica da Análise do Caráter.
REICH E A VEGETOTERAPIA CARACTEROANALÍTICA
Identifica a couraça muscular, como equivalente somático da couraça psíquica. Tudo
o que acontece na mente, reflete-se no corpo e vice-versa;
Trabalha sobre o corpo do paciente, atacando diretamente a couraça muscular;
Mapeia o corpo em sete segmentos de couraça (ocular, oral, cervical, torácico,
diafragmático, abdominal e pélvico), sendo que cada um deles corresponde a uma
emoção específica;
Denomina a técnica do desbloqueio da couraça muscular de Vegetoterapia
Caracteroanalítica, por estar diretamente ligada ao Sistema Neuvovegetativo.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. Wilhelm Reich e as escolas reichianas, pós e neorreichianas. In:VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização emPsicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
REICH E A ORGONOTERAPIA
Busca o reflexo orgástico nos seres inferiores (amebas);
Pesquisas laboratoriais levam-no à descoberta dos chamados bíons (vesículas
energéticas);
Identifica um novo tipo de energia que chama de orgônio;
Cria o chamado acumulador de energia orgônio (caixa de orgônio)m cujo objetivo é
concentrar a energia orgônio e utilizá-la em diversas patologias, principalmente o
câncer;
Denomina essa nova ciência de Orgonomia – ciência que estuda e trabalha com a
energia orgônio. Fazem parte da Orgonomia as técnicas da Análise do Caráter, da
Vegetoterapia Caracteroanalítica e da Orgonoterapia.
PSICOLOGIA CORPORAL: ONTEM E HOJE
WILHELM REICHREICHIANOS PÓS-REICHIANOS NEORREICHIANOS
ELSWORTH BAKER FEDERICO NAVARRO(SOMATOPSICODINÂMICA)
EOLA(Escola de Orgonomia F.
Navarro)↓
IOFEN – RJSOVESP – SPEOFEN – RN
CENTRO REICHIANO – PR
ALEXANDER LOWENJOHN PIERRAKOS
(ANÁLISEBIOENERGÉTICA)
OLA RAKNES
WALTER HOPPEGERDA BOYESEN
(PSICOLOGIABIODINÂMICA)
EVA REICHDAVID BOADELLA
(BIOSSÍNTESE)
MYRON SHARAFFJOHN PIERRAKOS
(CORE ENERGETICS)
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. A B C reichiano e pós-reichiano. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
A B C REICHIANO E PÓS-REICHIANO
José Henrique Volpi
ACTIGN: Movimento específico proposto ao paciente durante o processo terapêutico, com o
objetivo de circular a energia da couraça e trazer à tona lembranças e/ou sensações vividas
pelo paciente ao longo de sua história. Faz parte da metodologia da Vegetoterapia
desenvolvida por Federico Navarro.
ACUMULADOR DE ORGONE: Caixa feita por Reich de matéria orgânica (madeira, algodão,
etc) e inorgânica (metal). Partindo do princípio que a matéria orgânica capta a energia e a
inorgânica capta e expele, a caixa absorve a energia orgone da atmosfera e a acumula em seu
interior, podendo ser utilizada no combate de inúmeras doenças, inclusive o câncer.
ANÁLISE DO CARÁTER: Técnica desenvolvida por Reich que tem por objetivo identificar as
atitudes de caráter do paciente, ou seja, sua forma de agir, falar, vestir-se, gesticular, etc.
ANORGONIA: Ausência de energia orgone. Esse termo era utilizado por Reich em seus
escritos para representar a diminuição da energia orgone no organismo, mas foi substituído
pelo termo hipoorgonia.
ANSIEDADE DE ORGASMO: Ansiedade sexual, causada por uma frustração externa da
satisfação do instinto, e fixada internamente pelo medo da excitação sexual represada.
Constitui a base da ansiedade geral diante do prazer, que é parte integrante da estrutura
humana predominante.
AUTORREGULAÇÃO: É um conceito que se aplica a todas as dimensões da vida; no social,
econômico, biológico, psicológico, etc. No ser humano é uma capacidade maior para a
autonomia, para realizar equilíbrios dinâmicos e flexíveis na sua existência, ou seja, no
trabalho, no amor, nas relações com os outros. É uma espécie de competência espontânea,
uma aptidão para autodeterminar-se que tem como obstáculo para sua existência a influência
das instituições sociais e os modelos culturais. A autorregulação é liberada com o
afrouxamento da couraça de caráter. Ela é o objeto maior da clínica reichiana.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. A B C reichiano e pós-reichiano. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
BACILOS T: São corpos observáveis microscopicamente que se desenvolvem a partir da
degeneração e da desintegração de proteínas vivas e sem vida.
BIONS: Vesículas que representam as fases de transição entre substância não-viva e
substância viva. Desenvolvem-se constantemente na natureza, por um processo de
desintegração de matéria orgânica e inorgânica, que pode ser reproduzido experimentalmente.
Os bions estão carregados de energia orgônica e transformam-se em protozoários e bactérias.
BIOPATIA: Distúrbio resultante da perturbação da pulsação biológica em todo o organismo.
Abrange todos os processos de doença que perturbam o aparelho autônomo da vida. O
mecanismo central é um distúrbio na excitação biosexual.
CAMPOS ENERGÉTICOS:. São momentos de vida pelas quais todos os seres humanos
passam, iniciando na gestação (campo fusional), passando pelo nascimento e amamentação
(simbiótico), pela família (familiar), sociedade (social) e finalmente, com a maturidade, o campo
cósmico (relação do ser humano com Deus e com a natureza).
CARÁTER GENITAL: Estrutura de caráter mais saudável de todas, capaz de uma
autorregulação natural, flexibilização de couraças e potência orgástica. É o indivíduo
autorregulado.
CARÁTER NEURÓTICO: Oposto do caráter genital. Pessoa com estrutura moralista que
desenvolve uma couraça que restringe e controla todas as ações e funções... a felicidade do
outro desperta seu mau humor. Encara o trabalho como um dever cansativo ou como sendo
apenas uma necessidade material.
COBERTURA CARACTEREOLÓGICA: São traços do caráter que encobrem um outro, com
objetivo de reforçar a defesa.
CONTATO: Capacidade plena de perceber simultaneamente, a nível interno e externo, a
realidade. Podemos entender que os indivíduos são mais ou menos conectados e/ou vivem
momentos na vida de maior ou menor contato.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. A B C reichiano e pós-reichiano. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
COURAÇA: Armadura. A representação reichiana para esse conceito pode estar ligada a uma
armadura psíquica (couraça psíquica) ou uma armadura muscular (couraça muscular).
COURAÇA DO CARÁTER: Também chamada de couraça psíquica, caractereológica ou
caracterial. É a armadura que protege o Ego do indivíduo daquilo que não lhe agrada,
bloqueando suas emoções e, por consequência, suas reações. Também está ligada à couraça
muscular.
COURAÇA MUSCULAR: Por meio de contrações musculares crônicas, forma uma armadura
que protege o corpo do indivíduo daquilo que não lhe agrada, bloqueando suas emoções e por
consequência, suas reações e sua energia. Também está ligada à couraça do caráter.
DEMOCRACIA DO TRABALHO: Forma de organização social embasada nas seguintes
funções naturais da vida: amor, trabalho e conhecimento. Está estrutura social só pode existir
em uma comunidade composta por cidadãos autorregulados.
DOR: Quando a energia orgônica encontra-se num estado de hiperexcitação e ao mesmo
tempo aprisionada, suas propriedades vitais transformam-se manifestando-se de maneira
prejudicial e letal. Reich denominou este estado de energia DOR (deadly orgone ou orgone
mortífero).
DESORGONIA: Má distribuição da energia orgone no organismo.
ECONOMIA SEXUAL: Modo como o indivíduo regula sua energia biológica, isto é, que
quantidade reserva e que quantidade descarrega orgasticamente. Os fatores que influenciam
este modo de regulação são de natureza sociológica, psicológica e biológica.
ENERGIA ORGÔNICA (orgone): Energia cósmica primordial; está presente em tudo e pode ser
observada visualmente, termicamente, eletroscopicamente e por meio de contadores Geiger-
Mueller. No organismo vivo: bioenergia, energia vital. Descoberta por Reich entre 1936 e 1940.
ESTASE ENERGÉTICA: Estagnação da energia ou represamento da energia, geralmente
ligada ao desejo sexual. É a responsável pela formação das doenças físicas e/ou emocionais.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. A B C reichiano e pós-reichiano. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
ESTRUTURA DO CARÁTER: Estrutura típica de um indivíduo, sua maneira estereotipada de
agir e reagir. O conceito orgonômico de caráter é funcional e biológico, e não um conceito
estático, psicológico ou moralista.
FÓRMULA DO ORGASMO: É a formula que representa todas as manifestações da vida:
tensão – carga – descarga – relaxamento. A doença é o resultado do bloqueio em uma das
etapas deste processo.
FUNCIONALISMO ORGONÔMICO (Energético): Método de pensamento que enfoca a
totalidade de um processo natural, ao mesmo tempo em que os detalhes. Seu principio básico
é: “Não acredite em nada, só se convença daquilo que seus olhos virem e nunca perca de vista
o fato que foi observado, até ele ser totalmente descoberto.” (Reich).
HIPOORGONIA: Baixa condição da energia orgone no organismo.
HIPERORGONIA: Excesso de energia orgone no organismo.
IMPOTÊNCIA ORGÁSTICA: É a falta de potência orgástica, isto é, a incapacidade de entrega
total à convulsão voluntária do organismo (reflexo do orgasmo) e descarga completa da
excitação no auge do abraço genital.
NÚCLEO PSICÓTICO: Traço de caráter definido por Navarro, para representar aquele
indivíduo que sofreu estresse durante a etapa de gestação ou primeiros anos de vida.
ORGONOMIA: Ciência desenvolvida por Reich que estuda e trabalha com a energia orgônio.
ORGONOTERAPIA: Forma prática desenvolvida por Reich para se trabalhar com as pessoas,
analisando, mobilizando e aplicando a energia orgone.
ORGONOTERAPIA FÍSICA: Aplicação da energia orgone em estado natural, concentrada em
um acumulador de energia orgone, para aumentar a resistência bioenergética natural do
organismo contra a doença.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. A B C reichiano e pós-reichiano. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
ORGONOTERAPIA PSIQUIÁTRICA. Mobilização da energia orgone no organismo, isto é, a
liberação de emoções biofísicas dos encouraçamentos muscular e caracterial, com o objetivo
de estabelecer, se possível, a potência orgástica.
PESTE EMOCIONAL: É a representação da irracionalidade em grupo. É um comportamento
humano que com base numa estrutura de caráter neurótica, age de maneira organizada e
típica em relações interpessoais e instituições correspondentes. Uma característica básica da
peste emocional é que a ação e o motivo da ação nunca coincidem, o motivo real está
escondido e o motivo falso é apresentado como razão da ação. Pessoa de caráter neurótico,
que atua destrutivamente contra tudo e contra todos.
POLÍTICA SEXUAL: O termo “política sexual” refere-se à aplicação prática dos conceitos de
economia sexual às massas, no cenário social. Este trabalho foi realizado entre 1927 e 1933,
na Áustria e na Alemanha, no seio dos movimentos revolucionários pela liberdade e de higiene
mental.
POTÊNCIA ORGÁSTICA: Capacidade do indivíduo administrar sua carga e descarga de
energia.
SEGMENTO DE COURAÇA (ANEL): “[…] ao examinar vários casos típicos de diferentes
doenças à procura da lei que governa esses bloqueios, descobri que a couraça está ordenada
em segmentos que funcionam circularmente no corpo, à frente, nos lados e atrás”. Assim Reich
descreveu que a couraça se dispõe no corpo em sete segmentos ou anéis: 1º segmento –
ocular; 2º segmento – oral; 3º segmento – cervical; 4º segmento – toráxico; 5º segmento –
diafragmático; 6º segmento – abdominal e 7º segmento – pélvico.
SEXPOL: Nome da organização alemã que se ocupava das atividades de política sexual das
massas.
TERRENOS ENERGÉTICOS: Condição biológica do indivíduo que se forma desde a sua
concepção. Pode ser ácido-oxidado ou reduzido e alcalino-oxidado ou reduzido. O terreno
responde pela predisposição a determinadas doenças e por consequência aos traços de
caráter.
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, J. H. A B C reichiano e pós-reichiano. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.)Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: CentroReichiano, 2020. Acesso em: __/__/____.
VEGETOTERAPIA: A partir da descoberta da couraça muscular (distúrbio nas funções do
Sistema Nervoso Vegetativo), a prática clínica de Reich passou a ser a combinação entre a
Análise do Caráter com as técnicas de desencouraçamento. Esta etapa do seu trabalho
recebeu o nome de Vegetoterapia Caracteroanalítica. Posteriormente, com a descoberta da
energia orgônica, sua prática clínica denominou-se Orgonoterapia.
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