sessão 1 – vigotski e o seu tempo

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re* Andréa Vieira Zanella Vygotski Contexto, contribuições à psicologia e o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal Itaiaí - 2007 1 ª reimpressão VI UNIV/\LI edl!ora

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Page 1: Sessão 1 – Vigotski e o Seu Tempo

re*

Andréa Vieira Zanella

Vygotski Contexto, contribuições à psicologia

e o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal

Itaiaí - 2007 1 ª reimpressão

VI UNIV/\LI

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Vygolski ç""t •• to, "",,,Iribuiçõo. ~ p.lcologlo

e O conc.ito de _ lono d. De,envolvim"nlo Prox!",ol

psicologia, assim como toda e qualquer área do conhecimento, resulta de um processo histórico em que as condições para o seu

surgimento foram paulatinamente gestadas, No caso desta ciência, as questões apontadas corno temáticas de seu espectro de investigação já preocupavam filósofos da Grécia antiga, persistiram por toda a história da filosofia no decorrer dos séculos até o seu reconhecimento como ciência independente, n'a segunda metade do século XIX, N esse percurso, o debate ganha destaque a partir do momento em que a concepção epistemológica teocêntrica, predo­minante na Idade Média, dá lugar ao pensamento antropocêntrico, característico da MÇldemidade, Com este foi possível o desenvolvimento da primeira das duas condições apontadas por Figueiredo (1991a) para o advento da psicologia ~omo ciência e profissão:

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Vygotski COJ1t""to, cont"buiçõ~. à p,kologia

9 " conc~lt" da Zano de Oe.anvol'imanla Pro.imal .~ ~ ,

t~----l a experiência subjetiva privatlzada, Ou seja, " ... uma j" ~ afirmação da idéia de que as pessoas são indivíduos

Q 1, 't. <1."'" livres e, enquanto tais, indivisíveis, separados, {~ independentes uns dos outros e donos de seus 6 destinos" (SANTI, 1998, p,J).

~ Poréln, a esta condição acrescenta .... se uma outra .~ J- daí decor~ente, igualmente imprescindível para o 'L t.. desenvolv1mento da pS1colog1a, que vem a ser a crise

da própria noção de subjetividade independente, crise esta que deixa o homem perplexo pela descoberta de

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que não era nem tão independente nem tão livre

j quanto imaginava, muito menos controlador absoluto de seus próprios rumos. E quais são os fatores que

1. levam a essa crise? O olhar sobre as condições sociais,

I· históricas e políticas que caracterizam o início do

.f século XX, época -de consolidação da ciência r 1, 1 .- psicológica, pode nos ajudar a entender essa crise:

1 ~ ~ f marcam esse período o acirramento de contradições '{ . "~ "I - d d' d I • ( :S " SOCla1S, re açoes e ommação e a guns países sobre

~ 1 J "" ~ outros, a busca desenfreada pela expansão de ' .. 1 . t .!! '-' territórios, a necessidade de preservação de fronteiras, .~~ _) d ~ I' a luta por melhores condições de vida, o rompimento ~ 2ít com tendências hegemônicas no campo das artes ...

Um retrato ainda que breve desse cenário é o que o leitor irá encontrar neste primeiro capítulo, contexto em que foram desenvolvidas muitas vertentes psicológicas, dentre elas a Histórico­Cultural de Lev Semionovitch Vygotsb.

1. Panorama Histórico e Político

Talvez possa parecer estranho iniciar um texto do início do século XXI com destaque a um continente que antes do lançamento do "Euro" era

Vygotski Co"I","o, ~O:I~:~~~'j,p.icolo9ia l"",, de O.'&Jwolvimanto Pro<lm,,1

considerado como relativamente "secundário" no panorama econômico e político mundial. Na verdade, o que pode nos explicar essa posição é a história da civilização ocidental na emergência do século que se encerrou, retratada por Hobsbawn (1995, p.16) como " ... uma civilização capitalista na economia; liberal na estrutura legal e constitucional; burguesa na imagem de sua classe hegemônica característica; exultante com o avanço da ciência, do conhecimento e da educação e também com o progresso material e moral".

Berço das revoluções da política, da indústria, da ciência e das artes, a Europa, gigante que compre­endia um terço da raça humana, ocupava, no final do século XIX e início do século XX, lugar de destaque no cenário mundial, subj ugando com sua política econômica e a força de seus soldados a maior parte do mundo. Vejamos um pouco desse cenário.

A Europa do início do século XX caracte.rizou­se pelo ~~rtalecimento expansã~constante de alguni{ 1m érios como o a emão e o austro-húngaro. A ec~nomia capitalista, que se disseminou por todos os países europeus, começou a sofrer transformações já no final do século XIX, devido aos avanços que vinham sendo alcançados no processo de industria­lização. Esses avanços, por sua vez, impulsionaram o desenvolvimento técnico-científico, a expansão dos meios de comunicação, a invenção de meios de transporte cada vez mais avançados e a concentração da produção e do capital, que resultaram na formação dos monopólios e cartéis.

Como resultante do processo de industrialização e da formação dos monopólios, constata-se que, de um modo geral, decaiu em muito a qualidade de vida dos cidadãos da época. As condições insalubres de

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~ o conceilO de Zono de De •• n.,o/Yimenlo Pi'oximol

trabalho, as jornadas exaustivas, a remuneração inadequada e injusta levavam a inquietações populares por quase todos os países. As reivindicações de melhores condições de trabalho e os sérios problemas sociais com os quais a Europa de então se debatia despertou a atenção de políticos, intelectuais e artistas. A deplorável condição de vida da maioria da população européia afligia não somente quem as enfrentava, mas muitos representantes de classes sociais abastadas que se empenharam na luta por uma' sociedade mais justa e igNalitária.

Alheios a isso, os reais comandantes da política, a ~aber, os banqueiros e ricos industriais da época, altavam-se e somavam forças no sentido de resolver os seus problemas de ordem completamente diversa: a necessidade de encontrar novos mercados onde pudessem aplicar o capital excedente bem como vender as mercadorias que não encontravam mais vazão no mercado interno. Essa necessidade de expansão levou as grandes potências européias _ Inglaterra, França, Alemanha, Rússia, Áustria­Hungria, Bélgica e Itália - a, juntamente com os Estados Unidos da América e o Japão, lançarem-se numa corrida desenfreada e sem limites visando a conquista de novas colônias. Estas serviriam concomi­tantemente como mercado para os produtos excedêí1-tes e fornecedoras de matérias primas, o que levou os países do terceiro mundo a uma situação de completa .si!:pendência e paupenzaçao, tenomeho âõi1.i1C1õêlo' s_éculo XX com raízesem tempos remotos e que sllbsiste ainda hoje. .

Essa política anexionista levou os países europeus a promoverem uma verdadeira retaliação do continente africano. O continente àsiático também foi alvo dessa corrida imperialista européia, restando

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Vygotski Coolo.<lo, ~o~I~~~~~~~'d~ p,icoloslo

lono de D~,en~ol,imenloPr,,~ir'!1,,1

à América Latina debater-se com a fúrla imperlalisra

americana. N essa perspectiva, o imperialismo constitui-se

como a fase mais elabórada do capitalismo, cujo resultado consiste na divisão dos diferentes territórios mundiais entre as potências de vulto. É curioso constatar como as características que delimitavam o imperialismo no início do século XX ainda hoje podem explicar muitos aspectos da política internacional, como por exemplo a Guerra do Golfo, fenômeno dos anos 90.

O imperialismo caracteriza-se pela concen­tração exacerbada da produção e do capital que resulta nos grandes monopólios. Para manter o domínio econômico e a concentração de riqueza, as grandes potências partilham economicamente o mundo, colocando sob seu domínio terrltórlos considerados atrasados que, em razão dessa política, assim

permanecerão. , Constata-se, portanto, que ci início do século XX caracterizou-se, no plano das relações exteriores, por uma clara política anexionista. O capitalismo assumia uma nova faceta, a do imperialismo, e às questões sociais sobrepunha-se a necessidade de expansão desenfreada. Como resultado desta corrida expansionista foi acirrada a rivalidade entre os países, o que levou o mundo a deparar-se com os horrores da Primeira Guerra Mundial.

As razões apresentadas pelos capitalistas do poder para justificar a intervenção e dàmínio sobre outros povos variavam, indo desde razões filantrópicas e humanitárias ao apelo nacionalista. ,As razões filantrópicas e humanitárias paut~m-se em u~a C'OOCepçaõClãssicadecuÍtw:a,ônde as manifestações SImbol1cas, os ntos e costumes de povos c~sle~

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Vygotski Conte>t!o, contribuições ã psicologia

e " cone.llo de looo de Do' .. n"oIvim~nl" P,o>l",,,J

"atrasados" deveriam ser suplantados pelos dogmas ao Cristianismo e os conhecimentos ci.eruífLcruLa sereln transmitidos nas escolas. Somam~se a estas as fustiflcattvas raclalsque apregoavam a superioridade êCõnsequente dominação dos "bra~_emxelação áos ""i'1ãQ:ljrancos" - africanos, asiáticos e lâti:noatnettcanos (AQDINO et aI., 1983).

Concomitante a essas explicações, o início do século XX foi marcado pór uma e1<ploração dos sentimentos .nacionalistas, constituindo.-se estes como (arma de manutenção da unidade dos impérios bem como justificativa de intervenção armada no caso de recuperação ~de antigas colônias ou conquista de novas. Isso foi uma característica comum a todos o~ p'aíses da Europa, e exacerbou um movimento sem PEecedentes na história da humanidade: o anti­semitislUO.

'~ússia do início do século XX, por exemplo, governada por N icolau lI, os judeus sofriam toda sorte de limitações sociais. Visando fugir desse contexto de discriminação exacerbada, muitos procuravam guarida na monarquia dual Austro-Húngara, instalada em 1867. Se, por um lado, encontravam nessa nova pátria o apoio do Império Habsburgo, esse apoio começava a esvaecer, já no final do século XIX, devido a pressões de políticos austríacos anti-semitas.

O acirramento desses sentimentos nacionalistas pautou-se em razões diferenciadas. fJi!ft~ esse sentimento foi despertado pelo desejo de vingança: o povo francês não conseguia esquecer a derrota contra a Alemanha no Marrocos, bem como a perda de Alsácia e da Lorena, províncias ricas em reservas carboníferas e de ferro, anexadas à Alemanha a partir da vitória desta última na guerra Franco-Prussiana de 1870.

Vygotski Co~I.:do, wnlribuiçõoo i:J p,jcologio

e" concailo dQ Zooa de Dc.cnvol.im~nl" PrQ>t!mol

Podendo contar com as riquezas minerais dessas duas novas colônias, a Alemanha desenvolveu-se rapidamente, o que colocou em risco o equilíbrio europeu e constituiu ... se numa ameaça às potências da época. O desenvolvimento da esquadra marítima alemã ameaçava a supremacia dos mares que até então pertencia à Inglaterra. Esta, devido à rivalidade industrial anglo-germânica, aproximou-~e da França. O império alemão, por sua vez, apoiado nos senti­mentos nacionalistas, reivindicava para si, cada vez mais, uma maior parte das áreas subdesenvolvidas do planeta, alegando ter sido injustiçado quando da divisão do território mundial.

Todo esse clima de tensão fez com que os país~ europeus tentassem seagrupar visando üma cooperação mútua em caso de ata ues às suas sobe ... ranias. ssa busca de proteção levou à divisão da Eü'iõPa ;m dois grupos antagônicos, resultantes de uma o ítica e a ian as O rimeiro ru o a.Tríplice Aliança, reunia a leman a a ustria-Hungna a

áli . O segunclõFu formado em 1907, reunia a ranç, nglater a Rússia denominou-se Tríplice ntente. 1 ~.-se a es~grupo,

posteriormente'E'~a, a Sélvia e~

1.1 A Primeira Guerra Mundial -1914-1918

No dia 28 de junho de 1914 foi ~ssassinad~ em Saravejo, capital da Bósnia, o sucessor do Império Austro-Húngaro, Francisco Fernando. Seu tio, o Imperador Habsburgo Francisco José, contava à época com 85 anos de idade. O incidente serviu como pretexto para uma agitação internacional que

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Vygotski Conta,'", con~ibuiçõe, à psicologia

• <> conc.no d. Zon" d. Oe •• nv~vim.nlo_ p,,,.im,,l_

terminou por desencadear a Primeira Grande Guerra. As razões do assassinato remetiam ao fato de que o futura imperador austra-húngaro planejava, ao assumir o governo, transformar a Monarquia Dual numa Monarquia Tríplice com a anexação de uma unidade gue englobasse os eslavos (croatas, bosníacos, eslovenos, etc.), o que vinha de encontro aos inte­resses da Sérvia. Configurava-se assim uma grande conspiração ligada ao movimento secreto sérvio para assassinar o futuro imperador, conspiração essa que, segundo historiadores, era do conhecimento do próprio governo desse país.

Contando com o apoio da Alemanha, o governo de Viena enviou severa nota ao governo da Sérvia fazendo uma série de exigências, tais como a "[ ... ]renúncia da Sérvia a toda e qualquer propaganda contra o Império Austro-Húngaro, e que tal medida f~sse controlada pelos seus agentes na Sérvia. Exigia, amda, que fosse a polícia austro-húngara autorizada a perseguir e castigar os assassinos do arquiduque" (WEISS, 1969, p. 1154).

_ A Sérvia, por sua vez, respondeu às exigências da Austria-Hungria pautando-se no apoio que recebeu por parte da Rússia e da França. Começavam as movi­mentações de tropas - em 28 de julho a Áustria decla­rava guerra à Sérvia. Em socorro a esta nação a Rússia, tem~ndo o avanço do Império Austro- Húngaro, mOVlmentou suas tropas levando-as à fronteira da Áustria e da Alemanha. Consequentemente, a Alemanha entrou no conflito e, após um ultimato de desmobilização não atendido pela Rússia, declarou guerra a esta nação, no dia 01 de agosto de 1914. Dois dias depois, a Alemanha declaqva guerra à França.

O empenho com que os alemães envolveram­se prontamente no conflito, deClarando guerra à

Vygolski Conte,to, contribuiçõe, à p.icologio

• o concoito d. Zona de Oe.emolvlmenlo Pro.lmol

Rússia e à França, valeu-lhes a acusação, feita por vários historiadores, de que foram os responsáveis pelo início da Primeira Guerra Mundial. Muito embora existam análises mais amplas que apontam as contradições imperialistas entre a Inglaterra e a Alemanha, entre a Alemanha e a Rússia, entre a França e a Alemanha e entre a Rússia e a Áustria como principais responsáveis pelo início da Primeira Guerra Mundial, todas as potênCias imperialistas tiveram parcela de 'responsabilidade com o desfecho dramático da guerra, pois'eram movidas por um único desejÕ:ÜGe repartir novamente o mundo, cada qual em seu próprio proveito. A culpa da guerra de 1914 éoube, assim, a todas as potências imperialistas e cabe, sênldúvida, aos alemães o mérito de tê-la iniciado-,-

Os quatro anos que se seguiram ao incidente de Samvejo apresentaram ao mundo um espetáculo de terror nunca visto até então. Paulatinamente o conflito foi alcançando dimensões cada vez maiores, até envolver as grandes potências de todo o mundo:

A Inglaterra declara guerra à Alemanha, por causa da violação do tratado que assegurava a neutralidade da Bélgica e, principalmente, por temer o aumento do poderio da frota naval alemã, tão próxima de suas costas. O Japão também declara guerra à Alemanha, interessado em se apoderar de concessões alemãs na China e em ilhas do Pacífico. A favor da Alemanha, alinham­se o Império Otomano e a Bulgária (temerosa do domínio dos russos nos Balcãs) (MOTA, 1986, p.285).

A Tríplice Entente, nesse ínterim, perdia os esforços de guerra da Rússia. Devido aos graves conflitos sociais estoura,. em 1917, a Revolução

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Vygotski Conte.to, c<m~ib"iÇÕ&s Q p,ôcolagia

e o conceito <la lona d .. Oe,e"_olvimenl<> ProllÍnl,,1

Socialista, o que levou a Rússia a retirar-se da Primeira Guerra Mundial a partir do acordo de Paz de Brest­Litovsky, assinado, em separado, entre a União Soviética e a Alemanha, em março de@:§)

A Tríplice Aliança, por sua vez, contava basicamente com os esforços de guerra da Alemanha. A Itália não quis participar inicialmente do conflito por alegar que o acordo estabelecido Com a Alemanha e a Áustria-Hungria previa ajuda em caso de intervenção estrangeira em um dos países da aliança, o que não foi o caso. Entretanto, no ano de 1915, a Itália entrou na guerra somando-se às forças da Tríplice Entente, devido às promessas feitas pela Inglaterra de expansão de seu domínio sobre colônias na África, pertencentes até então à Alemanha.

Até oano de 1917, apesar de algumas derrotas, a Alemanha e o Império Austro-Húngaro acumula­vam vitórias e avanços territoriais. Após 1918, a Alemanha passou a lutar sozinha, pois o Império Austro-Húngaro se decompôs, sendo que cada nação declarou sua independência. Dando prosseguimento ao conflito, a campanha marítima alemã entrou em uma nova fase, de ataques submarinos indiscrimina­dos. O ataque a navios neutros levou à pique o navio inglês Lusitânia, que vinha de Nova Iorque à Ingla­terra com 188 passageiros norte-americanos. Esse incidente mobilizou a opinião pública americana e, somado a ameaça de derrocada dos negócios ingleses que envolviam interesses do outro lado do Atlântico, levou os Estados Unidos da América a ingressar na Primeira Guerra Mundial.

A adesão dos EUA às potências da Tríplice Entente mudou os cursos do conflito. Deveu-se isto ao fato de que a Europa como um todo se encontrava esfacelada, os países envolvidos no conflito debatiam-

VY90tski Conte.to, contribuições 11 p,ôcologio

" o conc";to da lona de Oe,envolvimenl" Pro<lmol

se com questões internas sérias: a Rússia deparou-se com a queda da monarquia em março de 1917 e a ascensão dos socialistas ao poder em novembro desse mesmo ano; a França debatia-se com problemas no front, pois as derrotas levaram as tropas a se amotinarem. A Inglaterra debatia-se com problemas econômicos e sociais sérios. A Alemanha, por sua vez, via enfraquecer o seu poderio de guerra devido a problemas tais como o esgotamento e a falta de suprimentos enfrentados pelas tropas nos campos de batalha.

Com a entrada dos EUA na guerra, a situação praticamente se definiu - em novembro de 1918, a Alemanha depunha suas armas. Encerrava-se um período trágico da história da humanidade que deixou seqüelas marcantes em toda a Europa: dez milhões de mortes, problemas sociais seríssimos, econo'mia debilitada e, o pior, um tratado de paz pouco· democrático que lançou sementes de uma nova discórdia, que culminou com a Segunda Guerra Mundial, vinte anos mais tarde. Contribuíram com a deflagração desse novo conflito mundial as vivências de quem foi para o front e deste saiu ileso, pois o sentimento de superioridade os levou a formar, segundo Hobsbawn (1995, p.34), "as primeiras fileiras da ultradireita do pós-guerra".

As§'t1Sêqüencras políticas\pa Primeira Guerra Mundial r~fletiram-se na queda do regime monárquico na maioria dos países europeus. O regime republicano

) foi instalado, e impérios tais como o Austro-Húngaro, ,o Alemão o Russo e o Turco desapareceram. Houve,

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Vygotski Conl""to, contribuições ã p.fccloglo

• " conceiro de lona de Oe •• nvol"imento Pr",fmol

~Üilidade e insegurança. O terreno encontrava-se P!opício para o estabelecimento de ditaduras, o que acabou acontecendo em vários países: a EU(9Rll deparava-se com a crise do Estado Liberal.

Após a Primeira Guerra Mundial, o continente europeu nunca mais seria o mesmo. A sua hegemonia política, econômica e militar entrava em um processo de declínio, o que assinalava a emergência de uma nova potência mundial, os EUA. Os problemas sociais enfrentados pela população européia agravaram-se com o conflito. O desemprego, o desabastecimento crônico e as mudanças culturais decorrentes _ a mulher seve seu pap<i soclalffiõâ1fíCaâo, as mtIuên;;-;;'s culturais de além-mar invaÕl'fãn'ic!eflhmvamente os ambientes sociais e familiares - resultaram em uma nova ordem social, na qual a população queria, no período pós-guerra, pensar o menos pOsslvel. Os anos gue se seguiram ao con lto oram e aparente ~ para esquecer os horrores da guerra a população européia iludia-se com a aparente conqll1sta aa h~mon1a mundiãl. -

1.2 A Rússia e o Advento da Revolução Socialista

A Rússia do início do século XX caracterizou­se por um processo que pouco a diferenciava dos países vizinhos europeus: situações precárias de vida para a maioria da população, política anexionista, anti­semitismo, repressões às liberdades individuais. Sob o domínio do Czar Nicolau lI, a Rússia, essa gigante territorial cuja economia pautava-se basicamenre na agiicultura, iniciou o século XX sob a luz de protesros e atos terroristas. O processo de· industrialização,

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• o concailo d. lon" de O •• on.oll'imenlo Pro.<lmol

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proletariado urbano, cujas condições de vida sub- \~ 1~! h~manas o levavam a manifestar ... se constantemente, ~ i. ' solicitando de seu "paizinho" - o Czar - que melhor ~ t I

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- O Czar, por sua vez, "Não conseguifido dominar ~ : .. as agitações nas universidades, nem encontrar uma f solução para evitar as primeiras greves nas fábricas, . após o assassinato do ministro da educação Bogoliepov (1901) e do mipistro do interior Sipiagin (1902), decidiu encarregar seu homem forte, Pleve, da pacificação do país" (GRUNWALD, 1978, p. 97) .

A política adotada por Pleve pautava-se no processo de "russificação", o que levou muitas populações pertencentes à Rússia a se revoltarem contra o czarismo.

Para conter a onda de insatisfação popular, o governo czarista recorreu à velha fórmula do ape!9 áos sentimentos nacionalistas: mobilizou a atenção da opulação russa para 11m çQnfli~~nchútia -ronteira c inesa, reivindicada tanto pela Rússia

quanto pelo Japão. Decorrente da ambição expan­sionista, a guerra Russo-Japonesa, iniciada em 1904, teve a duração de dois anos. A Inglaterra entrou no conflito apoiando o Japão, numa tentasiva de controlar a expansão do poderio russo na Asia. A aliança obteve resultados positivos, o que levou à vitória japonesa sobre a frota russa. No tratado de paz, a Rússia foi obrig>;da a renunCiar às suas pretensões territoriais na Asia.

Com a derrota da Rússia para o Japão ficou evidente que o regime monárquico; liderado pelo autoritarismo czarista, estava alheio aos problemas sociais da população. A inco~petência e a 'corrupção

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Vygolski COnklxrO, conlribulç"", 6 p,ke>Jogi<l

o "conc~ilo de Zona do Oe •• nvohirnenk> Pro,imol

generalizadas que faziam parte do governo estavam levando o país à catástrofe. À população, por sua vez, não era pennitido qualquer manifestação de oposição ao regime, sendo 9S camponeses e operários vítimas de roda sorte de opressão.

CA guerra Russo-liíponesà}:ontribuiu, portanto, Rara o agravamento das crises jnternas e da insa .. tis facão pop.1!lJtr. As greves em Petrogrado, então capital da Riíssia, tornavam-se cada vez mais fre­qüentes e envolviam um número cada vez maior de cTclãaãos. Em janeiro de 1905J'.s:onteceu o episódio ~ol"DominSO Sangrento'] fato que marcou defini­tivamente a história do pOyó DISSO. Nesse dia milhares de· manifestantes sem armas - mulheres, homens e crianças, muitos carregando o retrato do Czar _ marcharam até o Palácio de Inverno reivindicando melhores condições de vida para a população em geral, condições que a guerra tinha alterado e deteriorado em muito. As tropas imperiais receberam os mani­festantes com fogo - as armas dispararam em direção à população, levando à morte aproximadamente um milhão de pessoas.

. Apesar de não terem participado ativamente na organização desse movimento, os partidos russos tinham seus quadros cada vez mais ampliados devido

~[JJ-: fn dà pa;ticliPaçã~ do prodletariadodurbdano. Nesse início e secu o, a Situação os parti os e esquerda russos

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. \ apresentava o seguinte quadro: o partido social ?emocrata dndiu-se e, em 1903, surgiram dois novos partidos de orientação marxista, o partido bolchevique .<" .LO partido menchevique., Os bolcheviques eram:

..• ,'" ~ liderados por Vladimir Ilitch Ulianov, mais conhecido T"~ ~ por Lênin. Lênin foi, segundo Bottomore (1988,

j'J.k">"'" p.211), "o mais influente líder e teórico político do Jlv-"'" I'"" marxismo no século XX". Em suas obras, Lênin

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apontou a necessidade de que a luta de classes fosse dirigida por;:;;n partido coeso e oranizado taré que tentou rea izar com a estruão do partido bo c evique russo. O outro partido, o menchevique, era liderado J2Q.!:--Ker-enskU.1.vov. Arribos os partidos pregãv;;;;;:;:-;;omo ideal político a implantação do socialismo em seu país, senao _que o g~s

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diferenciava eram as estratégias para se chegar a essa organização sócio-política. Os bolcheviques pregavam a necessidade de uma aliança entre operariado e campesinato que desencadeasse um processo revo­lucionário, cujo objetivo seria derrubar o Czar e também o capitalismo. Os mencheviques, por sua vez, pregavam uma transição mais gradual do capitalismo ao socialismo defendendo, portanto, uma aliança com a burguesia para que fossem alcançadas reformas progressivas. .

Voltando ao movimento insurrecional de 1905, este foi denominado pelos historiadores de "Ensaio Geral", isto é, uma amostra do que viria .\1 ser consolidado com a revolução de 1917: a queda da monarquia e a ascensão do povo ao poder. O resultado imediato do movimento consistiu na descrença da população quanto às possibilidades de modificação do "status quo" vigente a partir do governo monár­quico. Os acontecimentos do Domingo Sangrento serviram para deteriorar a imagem do czarismo perante a população russa. A lembrança dos milhares de mortos, assassinados covardemente pelas tropas do Czar, permaneceu na memória da população e foi relembrada, principalmente, quando do momento da revolução. . :

Os movimentos populares deste início de século foram comandados, após 1905,~ov§que eram conselhos de representantes das Classes sociais

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Vygotski C"nte,t", contribUiçõe, 11 p,kol<>gio

• o Concó!(lo de Zona de O •• envolvimenro fto!imal

populares - operários, soldados e camponeses. Essas manifestações demonstravam como a insatisfação popular, decorrente das más condições de vida, aumentava sensivelmente. Em resposta a esses acontecimentos, o Czar Nicolau Il resolveu adotar algumas medidas de caráter democrático: a principal delas foi a eleição da Duma, uma espécie de assembtéia legislativa nacional, cujos representantes pertenciam à burguesia liberal· russa. À Duma competia, entre outras funções, a reforma constitucional e a concre­tização de uma política. de relações exteriores. Além da criação da Duma, o Czar N icolau Il adotou outras resoluções de ressonância política e social:

Compromete-se a ampliar o sufrágio para camadas mais extensas da população e a respeitar as garantias individuais. Uma reforma agrária [ ... ] entrega terras da coroa aos camponeses e permite maior liberdade de vínculo com as comunas ... Algumas medidas relacionadas com a legislação trabalhista - 10 horas de trabalho diário, permissão de sindicatos e maior liberdade em caso de acidentes ou enfermidades [ ... ] (GONZÃLEZ, 1986, p.20) .

Toda essa aparente abertura política, na verdade, não trouxe mudanças significativas para a população russa. Isto porque o poder absoluto continuava nas mãos do despotismo czarista, o quaL após a insurreição de 1905, passou a contar com um novo mentor: o lendário Rasputim. Contratado pela czarina para tratar da hemofilia do príncipe herdeiro, este místico monge passou a fazer parte da corte e a exercer grande influência sobre a vida da família real, . decidindo, inclusive, os rumos políticàs da nação.

Vygotski Con!",,!o, wntribuiço.," p,,'cologia

• o c,?"coito d • Zono d. Oe,,,,,,,,,I,lmenlo Pro';"","

Com a entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial, em 1914, o comando desta nação passou às mãos da Czarina Alexandra que, sob orientação de Rasputin, deu continuidade ao governo despótic? de N icolau 11. A nova administração desagradou amda mais a população russa. Devido à origem alemã da Czarina, o povo sentia~-s~-0ntinuamente ameaçado, tem:encIõpelõOestino do país; . . .. Com a participação do exérClto russo na

~.:.I·l Primeira Guerra Mundial, a situação no país agravou-.i se. A crise do abastecimento nas cidades e as baixas J ''ç- cada vez mais freqüentes no front incomodaram a .,' (;f'''~' população a tal ponto que as greves pass~ram a ser

'" \ uma constante. O povo não suportava malS ver seus I. 'I::f" \.homens sendo cÍizimados pelas tropas alemãs,assim i como não suportava maIS as enormes hlas entrentaaas

para se conseguir a cota diária de pã~ Em 1917 a situação chegou a tal ponto que o

povo saiu às ruas para protestar - protestar contra a guerra e protestar contra o regime monárquico. O levante de mais de dois milhões de habitantes de Petrogrado fez com que, no dia 15 de m'lrço de 191 7, o Czar N icolau Il abdicasse do trono imperial em favor de seu irmão Mikhail Romanov. No dia seguinte, este novo impe;ador também abdicou, pondo fim à dinastia dos Romanov e, consequentemente, ao regime monárquico russo. .

Esta revolução do início de 1917 fOI, na concepção de Marabini, resultante do levante popular frente aos desmandos do governo. Não exis1iam mentores, não existiam heróis isolados. Houve um

único responsável: ~~

As centenas de milhares de homens. e mulheres que vão se agitar na ru~, J;lOS bulevares, nas praças,

Page 11: Sessão 1 – Vigotski e o Seu Tempo

Vygotski COnlsxto, conlr;buiçô •• õ pslcologio

e o<:on""lIo do Zoao d. Do,onvclvimenlo Imdmol

nas pontes, por motivos. contraditórios, freqüente ... mente essenciais, as vezes fúteis e mesmo c6micos, abalando todas as regras de sua vida cotidiana, tornar ... se ... ão atores de uma espécie de tragédia coletiva, personagens à espera de um clarão, de um autor que, após tê ... los ofuscado, os reuna num só conjunto, o de um nova peça" (MARABINI, 1989, p. 50).

Esse movimento social sem precedentes na história da humanidade significou a esperança de ver concretizado o sonho revolucionário. Ao saber dos fatos de fevereiro de 1917, Lênin tratou urgentemente de voltar ao seu país, após um longo exílio na Suíça. Sobre os acontecimentos de 1917, este líder do partido bolchevique analisou que a Primeira Guena Mundial acabou por desencadear o processo revolucionário russo, pois a queda do Czar

[ ... ] foi acelerada por uma série de derrotas gravíssimas infligidas à Rússia e aos seus aliados, As derrotas desorganizaram todo o antigo mecanismo governamental e todo o antigo regime, provocaram o ódio de todas as classes da população contra ele, exasperaram o exército e destruíram, em grande medida, o seu velho corpo de comando de caráter aristocrático, fossilizado e burocrático, excepcionalmente corrupto [ ... ] (LÊNIN in GONZÁLEZ, 1986, p. 44).

Para assumir o comando do processo revolu­cionário e da nação instalou-se, na Rússia, um governo provisório liderado pelos mencheviques Lvov e Kerensky. Esté novo governo, devido às suas ten­dências consideradas burguesas, não conseguiu atender às reivindicações da população. Na política

Vygotski Conro..,c>, con~lbuiçõe,'" poicologio

• o conceito de Zona de D~,"nvolvim"nlc Im.imol

externa resolveu continuar os esforços de guerra, o que desagradou mais ainda a opinião pública. Foram enviados dois milhões e duzentos mil homens para o front, sendo que somente metade destes chegou ao seu destino. O número crescente de desertores acabou agravando os problemas sociais, pois estes soldados percorriam o país saqueando o comércio, interrom­pendo o tráfego ferroviário, espalhando o terror por todo o território russo.

Todos esses acontecimentos, somados às refonuas democráticas solicitadas e nunca atendidas, levaram a população russa novamente às ruas, desta vez liderada pelos bolcheviques. Sob o grito de "Todo o poder aos soviets" - aos conselhos de operários e camponeses - desencadeou-se a revolução de outubro de 1917, que culminou com a derrocada do governo provisório. A Revolução que comoveu e abalou a humanidade aconteceu, no entanto, praticamente sem mortes e sem abalar a rotina dos russos.

O novo governo russo começou, imediatamente após a revolução, a tentar concretizar o sonho de mudanças sociais e políticas reivindicadas a muito pela população. Medidas urgentes deveriam ser tomadas para que a revolução se estendesse ao campo e, para tanto, o governo bolchevique determinou o confisco dos bens rurais que estavam sob o controle dos latifundiários. Estes foram colocados à disposição dos soviets rurais para que os camponeses pudessem fazer uso novamente das terras e desfrutar dos benefícios do seu próprio trabalho. Com essas medidas, a maioria dos camponeses viu suas condições de vida melho­radas, as conquistas sociais e econômicas a tanto almejadas pareciam, enfim, acontecer. .

Outro problema urgente a ser enfrentado pelo novo governo dizia respeito à participação russa na

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Primeirà Guerra Mundial. O povo não queria mais saber de guerra, de mortes, de fome. Era preciso uma trégua, era preciso que forças fossem somada.s para que o país se reorganizasse, para que a ordem se resta­belecesse, a economia retomasse os trilhos da história, o sonho revolucionário se concretizasse. A paz tornou­se ponto pacífico e urgente. Em março de 1918 o novo governo russo, através de seu comissário de negócios externos León Trotsky, assinou com os países da Tríplice Aliança o tratado de paz, na cidade de Brest­Litovsk, fronteira entre a Polônia e a Ucrânia.

Pelo acordo de Brest-Litovsk a Rússia perdeu parte significativa de seu território para o Império Alemão. Sua importância, entretanto, era inquestio­nável naquele momento histórico. O governo revolucionário precisava reorganizar seu exército, como que antevendo possíveis objeções à nova ordem. Não tardou esta reação e, já em 1918, desencadeou­se a guerra civil, estendendo-se por dois anos. Neste ínterim, temendo um avanço das tropas alemãs sobre Petrogrado, o. novo governo resolveu transferir a capital russa para Moscou, por esta cidade encontrar­se geograficamente distante das fronteiras alemãs.

Enquanto perdurou a guerra civil, o governo bolchevique teve que lutar contra os anarquistas, os mencheviques e as potências capitalistas européias, que viam no novo sistema socialista soviético uma ameaça ao mundo capitalista. Como destaca Hobsbawn (1995, p. 72), "[ ... ] a Revolução de Outubro foi universalmente reconhecida como um acon­tecimento que abalou o mundo". Indiscutivelmente, esta consistiu em um marco na história da humani­dade, pois nunca os trabalhadores de todo o mundo tinham alcançado tantas conquistàs como as que se seguiram à revolução russa de outubrb de 1917.

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Vygotski Cool •• lo. ~o~I;~~~~t'd:P,kologio lono d. D.,ori'iolvim.nio Proidmol

1.3 Os Anos Vinte no Continente

Europeu

A Europa do pós-guerra caracterizou-se pela revivescência do otimismo, das ilusões características da "Belle Époque" e deu vazão a uma de~preocupada àlegria. O continente, devastado por quatro anos de intensas batalhas e muitos mortos, queria a paz, necessitava de razões que o fizesse esquecer daquela que se esperava fosse a primeira e única guerra mundial.

Este reviver dos áureos tempos apresentava, na verdade novos matizes. A Europa não era mais a , . mesma ... 'com seu declínio patente, os anos v1nte

~'-

caracterizavam-se pelos novos costumes, trazidos do

além-mar que cada vez mais faziam parte d~.~ ~ dia do cidadão e~~opeu:jazz,bl~es, fax tro~ Uísq:~.;t~ -='"' A nobreza europela era subStltUlda, nos saloe ",\ a sociedade, por milionários americanos e artistas representantes dos novos movimentos nas artes.

Esta alegria, no entanto, consistia numa espécie de defesa da população, uma forma pela qual ideologicamente se tentava camuflar os sérios problemas sociais que a Europa enfrentava. No período de 1920 a 1929 a agricultura entrou em cnse devido à queda dos preços. As necessidades dos pafses importadores concentrava ... se em máquinas e meios' de transporte, tecnologia desenvolvida na época do conflito por países de outros continen~es, como os Estados Unidos da América. A Europa, por sua vez, não tendo conseguido acompanhar esses avanços devido aos esforços de guerra, via sua, capacidade de exportação limitada. Os problemas sociais, .conse­quentemente, se agravaram, e este cqntlhente deparou-se com um aumentq da inflação de forma

Page 13: Sessão 1 – Vigotski e o Seu Tempo

Vygotski Cont~.t", oontribulçõe. " p.icolog1o

o o c<,"ceilo d. lono d. O.,envolvim.nto Prmnmol

generalizada. O desemprego e o declínio da situação sócio-econômica da classe média foram outras características dessa época que, aparentemente, apresentava sinais de prosperidade e segurança.

Quanto ao panorama político, os anos vinte foram marcados par uma volta ao conservadorismo e o declínio da democracia liberal. O liberalismo entra em crise devido ao advento da re~lução comunistâ., - 1S o meooda classe dominante de perder o seu !,;.oderi0.e.:.ra outra c asse s~J,!0etá!:§,,~'1' .'l.!:,e liberais e conservaâõteS somassem fortas. A ord~p .do dia consistia e~nter O Estado no campo dos interesses das classes dominantes, a tün'deütíriZá-lo;;; controlá-lo" (CRÕ1JZEr,T97r,p.8õ)~-----· _.,

-funtamente com o conse1vadorismo, a década de vinte viu crescer os apelos nacionalistas e, com estes, O racismo. O que j á em uma caracterfStica âõ início do século XX agravou-se no. pós-guerra: a hostilidade para com etnias minoritárias espalhava-se por rodo o continente europeu, sendo que a Áustria, a Alemanha e a Hungria foram os países onde mais se desenvol­veram movimentos anti~semitas. Os judeus eram acu~ sados, pelos conse1vadores desses países, de " ... encarnar o capitalismo naquilo que ele tem de mais detestável; e, ao mesmo tempo, de desempenhar um papel dirigente nos partidos revolucionários" (ibid, p. 78).

Por outro lado, com a dissolução do Império Habsburgo e a proclamação da república, a Áustria e a Hungria perderam o espaço que até então ocupavam no cenário político europeu. Na Alemanha, em contrapartida, o final da Primeira Guerra Mundial fol marcado par uma tentatlva de revolução sociallsta nos. moldes da revolução russa, liderada por Rosa Luxembrugo e KarlLlebknecht. Este movimento fol barbaramente abafado e seus líderes assasslnados.

Vygotski Conl""lo, conlribulçõ., ~ p.kolo9i~

e o conceito de Z""o d. O ••• nvollOnlenlo Proximol

A Alemanha, então Repúbllca de Welmar, lnlciou a década de vinte com um governo social­democrata. Este paulatinamente foi perdendo espaço político para os partidos de extrema dlrelta, culminando com a ascensão do artido nazista -

ardero N acionai dos Trabalhadores Alemães, que l1,a 'verdade não era socialista e nem-=ngillill'.a trabalhadores - à câmara dos deputados em ·1930." . Quanto à econorr;ia, na década de vlnte a Alemanha enfrentou uma crlse financeira sem precedentes. Em 1923,

. ( ... ] para forçar a Alemanha a pagar as dívidas de guerra, estlpuladas no Tratado de Versalhes, a França ocupou a área industrial de Ruhr. Os operários da região decretaram uma greve geral e a República os apoiou fazendo emissões em massa, fato que provocou uma gigantesca inflação, decorrente da brutal desvalorização do marco, cotado a mllhões e bilhões por dólar. A pauperl­zação e a tremenda insegurança geraram um clima de pânico no seio da pequena burguesia e isto levou aos nívels mais baixos a República de Weimar (LOPEZ, 1987, p.54).

Após dois anos de crise econômica e financelra e devido aos esforços do governo e da população alenlã, o pafs conseguiu se recuperar: iniciou~se uma nova fase de prosperldade que perdurou até o final da década de vlnte, quando uma nova crise econômlca abalou os alicerces do capltalismo alemão.

Outro país europeu que presenciou nessa década o crescimento dos partidos de extrema dlreita foi a Itália. Em 1922,_);?assou a fazer parte do gove~ rci'\fÍctmEmanuel m, o ex-jornali t - Q~

e11lto Mussolinl. omeçava a instalar-se o regime

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Vygolski Conla",o, cc",Jribul~õ •• b psioologio

• o concollo d. Zon" d. De,env<olvimento ProxJmal

~itatorial facista, de cunho nacionalis.ta--,,-auti­democrático, que se consolidou totalmenteJlpós J92~. Com o apoio da burguesia industrial e financeira, a ditadura fascista apresentava-se à população como forma de conter o avanço comunista bem como o declínio do sistema capitalista em favor das reivin­dicações sociais populares. Em contrapartida', a população présenciava a ascensão ao poder de um sistema político imperialista e anti-liberal.

Traçando um paralelo entre a Itália e a Alemanha nesse períódo, Lopez (1987) aponta a semelhança entre os regimes fascista de Mussolini e nazista de Hitler, pois ambos consistiram em alterna­tivas extremas, marcadas pelo autoritarismo e fanatismo, utilizadas pela burguesia para se manter no poder.

_ ~ A Espanha também conviveu, nos anos vinte, .\#( co~ urna ditadura de extrema direita. No ano de 1923, , \ Pnmo de Rlvera Instalou nesse país uma ditadura

ty, fascista que foi derrubada somente no final da década, em decorrência de manifestações populares. Com o final dos anos vinte findou também a monarquia espanhola - em 1931 o rei Afonso XIII abdicou do trono.

"

Nas duas outras grandes potências européias da época, França e Inglaterra, o quadro político da década de vinte caracterizou ... se por um revezamento no poder entre conservadores, de um lado, e trabalhistas de idéias socialistas por outro. Em ambos os países, entret,anto, a crise econômica e social permitiu que, no final da década, os partidos conservadores de extrema direita se consolidassem no poder.

. ]:Rr sqa vez, a çisão entre...s.ocialistªs e corou ... nistas resultou da seRara~"na.RússiacloirlliJ.o ~ século, entre bQIc~q.ues-<l--m@nGh"",i'lu@sr-e

Vygolski Conlo,to, mnlribui~Õ<I' à p.icclogio

e o ooncolte d • lono de De,envolvimento PrO><lmol

estendeu-se às organizações sindicais dos demais país~.s. Esta separação deveu-se a fotInas antagônicas d~e

. conceber as estratégias de,luta em prol da maioria da população: se os socialistas assumiam um discurso cada vez mais moderado, caracterizado tanto pela renúncia a-toda e qualquer ação revolucionária quanto pela polftica de colaboração com_partidos de direita, a '"querda comunista mantinha-se fiel."[ ... WprincíQ.io \.(r da luta de classes e à tomada do ~P1'[Qproletariado f' mediante uma revolução, mas incapaz de tentar essa tomada de poder pela fQI.ça" (CROUZET,1977 , p.93).

Essas divergências foram agravadas em conseqüência dos rumos que a Rússia assumiu na conduta da sua política interna e externa na década de vinte. Com a morte de Lênin em 1924, a Nova Política 1 Econômica implantada por este líder revolucionário foi deixada de lado. Para sua sucessão, dois nomes eram 1 cotados: Leon Trotski e josefStálin, Este último acabou assumindo o poder e o mundo assistiu, estarrecido, ao t início de uma nova faceta da administração socialista, ~ a saber, um governo centralizador, repressivo e '): autoritário. Como destaca Lopez (1987, p. 37), "[ ... ] a I3!.rtir do estalinismo, ficaram enterradas as eXQeriências democratizantes e até pequeno burg,~...sla éfervescente década de i92.Q"." ,- - --

Ao final dos anos vinte, portanto, os sonhos dourados eram implacavelmente deixados de lado: a realidade impunha-se sobre as ilusões de forma determinante, o acirramento das animosidades internacionais denunciava a fragilidadé da aparente paz. O retomo ao conservadorismo político, o acirra- \ menta dos movimentos anti-semitas, o declínio da democracia liberal apresentaram-se, enfim, c~mo fatos determinantes de um sentimento geral de Incerteza, ' de dúvida e de insegurança. '

Page 15: Sessão 1 – Vigotski e o Seu Tempo

Vygotski Contmdo, c<>nlribuiçó •• 6 p,lC<ltogia

• c>cc>no.ito de lona de D •• onvd'timoOI<> P""xim,,1

2. Panorama Artístico e Literário

As conturbações sociais do início do século XX foram retratadas, com todos os seus nuances, pelás artistas europeus. Os conflitos econômicos, a miséria social, a emergência da desilusão com o ruir dos sonhos pacifistas, levou a classe artística a consolidar uma verdadeira revolução .. pintores, escultores, músicos, poetas e homens das letras expressaram em suas obras uma prafunda revolta contra o público burguês, contra as convenções sociais, contra o otimismo e o raciona .. lismo. Ergueram, conjuntamente, a bandeira da livre expressão dos sentimentos, da possibilidade ilimitada do ato de criação. Cada artista, no seu campo de atuação, percebeu a necessidade de comunicar a sua visão de mundo criando, para isso, a forma de expres­são que melhor a caracterizava. Desse modo, a revolta contra as leis caracterizou-se, no campo das artes, pela revolta contra o objeto do senso comum, a revolta contra a uniformidade, contra a massificação das diversas formas de expressão humana.

Em cada grande centra cultural europeu esse movimento de revolução das letras e das artes consolidou-se, embora assumindo matizes diferentes. ° sonho popular da revolução política e social se universalizou através das obras de artistas hoje renomados. Assim, na Alemanha do início do século ~o~expressionlsta, contragoD:a(j:%e ao impressionismo ue objetivava, através da arte, cl>ter um retrato fiel da rea i a e. o invés das paisagens harmônicas, os expressionistas retratavam o mundo sob o prisma da subjetividade; expressavam, através das cores e linhas, a diversidade e conturbação dos sentimentos humanos. Influenciados pela arte e pelas idéias de Van Gogh e Gaugin, as obras

Vygotski C"",t."'c>, wn~ibuiçóo.1l p,",ologro

• Q coneoilc> d. Zo,,~ d. O ••• nvoll'imenlo """'Imo!

expressionistas apresentavam " ... um caráter extre .. matnente emotivo e tenso, bastante visionário e um pouco alucinado, traduzido pelas cores puras, pela acentuação excessiva das formas e dos contornos do real num sentido irrealista, e pela disposição muito dinâmica e ritmada dos diversos pormenores" (UPJOHN et aI., 1979, p.159).

A primeira exposição do pintor expressionista Oskar Kokoschka, realizada em Viena no ano de 1909, retratou singularmente o impacto desse movimentô perante a opinião pública. Indignados com a audácia das cores e o realismo das formas, os representantes da burguesia austra-húngara enfureceram-se, mostran-

(I~~ do um certo repúdio ao que de novo se apresentava.

'l:-~ Alguns anos mais tarde, um novo movimento ~<;;; artístico eclodiu. Com o advento da Primeira Gue .. rra

Mundial e opondo-se aos horrores decorrentes desta, um grupo de exilados de vários países fundou, em Zurique, no ano de 1916, o movimento Daºaísta.Em ~esse movimento concentrou-se em Paris, cid,1lde pólo das grandes manifesta ões artísticas da é oca.. revo ta inicial contra a carnificina, contra a de ra­dação umana ue levou milhares de essoas aos campos e atalha, estendeu-se a todas as manifes­taçoes artísticas e literárias que, de aI uma forma, oram coniventes com o 'esperáculo de sangue. Ai; ossibilidades ilimitadas de criação e técnicas sur ia o que o movia, sendo que ... qua uer coisa ue

pu esse causar apop ex ia entre os amantes da arte Burguesa convencional era dadaísmo acei ' 1" HO BAWN, 1995, p.179).

Apesar dos ataques passionais e extremistas à livre expressão característicos da época e a despeito de ter se desintegrado oito anos após sua emergência, os integrantes do movimento Dada deixaram uma

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Vygotski Conle.<lo, c:onlribuiçõ .. " p.icclogia

e o cone.no do lona de D ••• nvo/vimen!o Pro,imol

contribuição artística marcante. Com as obras do poeta romeno Tristan T zara e do alemão Hugo Bal!, as produções artísticas do alemão Max Ernest e do alsaciano Jean Arp, "Este moyjmento te..'iLe-<1-

vantagem de agitar pelo absurdo, pela ironia e elo ~ sarcasmo, um certo numero e hábitos e de idéias pré­Cõi1celm'las, e SUSCitou algumas modificações radiéais na arte e na estética" (ibid, p. 196).

Entretanto, o movimento artístico do início do século que mais marcou o cenário mundial das artes mod~oi, sem sobra de dúvida, o Cubismo. Iniciado em~or Pablo Picas~o e seu amigo Georges Braque, o Cubismo caracterizava-se pela apresentação dos vol~mes no espaço em uma composição plana e compreendendo duas dimensões. Este movimento foi responsável, também, pela introdução de diferentes materiais e formas nas obras artísticas, como a colagem e a utilização de números e letras. Com o passar dos anos, o movimento cubista foi sendo modificado. Sofreu, após a Primeira Guerra Mundial, a influência de um novo~imento artístico, o Surrealismo. Surgido em 1924 com a publicação do Manifesto Surrealista por reton, este movimentO" expressava o "[ ... ] anseio dos~s artistas de criarem algo mais real do que a própria realidade, quer dizer, algo de maior significado do que a mera cópia daquilo que vemos" (GOMBRICH, 1988, p. 470).

Influenciados pela mágica da psicanálise freudiana que trazia algum alento no sentido de remeter a impulsos inconscientes as barbáries humanas, os surrealistas buscavam deixar o pensamento fluir livremente, utilizando, para isso, o soI)o hipnótico como forma de fugir ao controle da razão e alcançar uma autêntica aproximação com a realidade: "O que contava era reconhecer a

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Vygotski Contoxto, <t>nt,ibulço.," p.icologio

e o eOflcoilo d. lono d. D.,onvol,imonlo Prc<Ímol

capacidade da imaginação espontânea, não mediada por sistemas de controle racional, para extrair coesão do incoerente, e uma lógica aparentemente necessária do visivelmente ilógico ou mesmo impossível" (HOBSBAWM, 1995, p.180).

Outro movimento que influenciou a arte de Picasso foi o Fauvismo. O representante mais eminente desse movimento, Henri Matisse, utilizou em suas obras as principais caracteiísticas pelo qual o Fauvismo se projetou, ou seja, a pintura não como reprodução/imitação do real mas como meio ae expressa0 em que a utilização de linhas e core.!' era livre.

Toda essa revolução artística, que expressava um profundo desejo de renovação, marcou também as produções literárias do início do século. Antes mesrrio de ec10dir a Primeira Guerra Mundial, o movimento modernista já estava presente na literatura européia. Deste modo, mais do que qualquer outra forma de expressão, a literatura caracterizou,::g; por apresentar os anseios da grande maioria da '\\)lo~ população: às denúncias das condTÇOeSae vida sub- ) ,.. humanas - características dãSõbrãSélos russos Tolstói t e DostoiéYski ,.. acrescentavam .... se os sonhos revolucio.... ~ ~ nários, a esperança da emergência de uma sociedade mais justa e igualitária.

Vários escritores manifestaram abertamente esse desejo, sendo que muitos deles chegaram a participar dos movimentos revolucionários do início do presente século. Foi o caso do' poeta russo Maiacóvski, que retratou de forma singular os acontecim~ntos de outubro de 1917: "Sem olhar as estrelas, nosso guardas cercam o Palácio de Inverno subindo pelas ruas do bairro dos quartéis; colunas de operários e marinheiros e mu'itos andrajos~s chegaram

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Vygotski ConIOld", oontribui<;ôo. <'.I p.jC<ll"glo

O" oonceilo da lono da De •• nvolvim~nlo I'ro,imol

fazendo brilhar os fuzis como se juntassem as mãos na garganta do pescoço p~rfumado do Palácio de Invemo" (MAIACÓVSKI, in GONZÁLEZ, 1986, p. 75).

Esses mesmos acontecimentos foram vistos sob outro prisma pelos escritores revolucionários alemães. Rosa Luxemburgo, presa na época pelo govemo de seu país, deixou de lado o romantismo poético para analisar os fatos sob o prisma das liberdades individuais:

A revolução foi brilhante, tempestuosa e salvou a honra dos socialistas ... Mas, se por um lado os bolcheviques se prendem no critério das 'nacionalidades descentralizadas, autodetermina­das', por outro demonstram um frio desprezo pela Assembléia Constituinte, o sufrágio universal, a liberdade de reunião e imprensa, em

o

síntese, por todo o aparato de liberdades democráticas básicas do povo, que, tomadas em conjunto, constituem o 'direito à auto .. determinação' dentro da Rússia (ROSA LUXEMBURGO in GONZÁLEZ, 1986, p. 78).

A denúncia de Rosa Luxemburgo confirmou­se nos anos seguintes, com os totalitarismos que tomaram conta da Alemanha e da URSS e produziram conseqüências nefastas tanto econômicas quanto políticas, sociais e art(sticas, como nos esclarece Hobsbawn (1995, p.1S7): "Nem a vanguarda alemã , nem a russa, portanto, sobreViveram à ascensão de Hitler e Stalin, e_os dois países, na ponta de tudo que era avançado e reconhecido nas artes da década de 20, quase desapareceram do panorama cultural".

Para os demais países do continente europeu, os horrores da Primeira Guerra fizeram com que os sonhos românticos cedessem lugar ao ceticismo e à

, ,

desilução. A guerra período de grandes morreram no front resultante das como o francês

Os escritores produzir neSSa época, a desilusão que se decorrência do a Europa

cujas obras

representante da fantasmagórico e em vida, escreveu o verdadeiras obras 110 Processo" e "A

Dos que romantismo, Hesse, que criou aos movimentos do movimento

[ ... ] o político de adolescente tábula rasa: espiritual a mocidade mais espiritual (CARPEAUX, .

Vygotski ( p'lcologio

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( literalmente, um (

para a literatura européia: ( decorrência do caos social

batalhas artistas promissores (

( apesar do caos, conseguiram

( em suas obras toda pelo mundo das artes em (

de degradação humana que ( Foi o caso do tcheco Franz

(

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XX, este (

austro .. húngara, autor (

praticamente desconhecido ( atualmente são consideradas ( da literatura mundial, como

(

manter, nessa épo.cat, o ( o poeta alemão Herman (

onde a esperança alia-se e espirituais. Fazendo parte

(

publicou, em 1919, o (

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converteu .. se em anarquismo (

humanitários, a revolta do ( em profecia apocalíptica de ( assuma o poder político e

juventude do mundo. A (

recebeu Demian com a ( , como mensagem de satlde (

is da doença da guerra 966, p.3034). {

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Page 18: Sessão 1 – Vigotski e o Seu Tempo

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Vygotski Conleido, ~""lrib"t'iõo, à psicologia

.. " concello d .. Zon~ <I. (}e,envolvimento I'ro>imol

Até O momento vimos como o conturbado início do século XX deixou suas marcas em definitivo nas artes plásticas e na literatura. E quanto à música, houve alguma mudança significativa? Houve alguma revolução nessa área de produção? Sem sombra de dúvida, o início do século XX deixou suas marcas em todas as áreas do conhecimento, e no campo da música erudita não poderia ter sido diferente. "Na música e em outros setores, o tempo avançou sobre a etelnida ... de, a dinâmica sobre a estática, a democracia sobre a hierarquia, o sentimento s.obre a razão" (SCHORSKE, 1988, p. 324).

N as primeiras décadas do século XX houve uma verdadeira revolução da estética musical liderada pelo austríaco Schlienberg que, inspirado nos avanços firmados no século anterior por Richard Wagner, pregou a rejeição da tonalidade em favor da suprema­cia da dissonância. Criou o sistema <i2,decafônicq, impondo-se como músico audacioso que buscou, com originalidade, estender a renovação artística para seu campo de trabalho. Acompanhando os avanços das artes quanto à ruptura das convenções, quanto à rejei­ção da razão e de toda e qualquer teoria, Schlienberg destaca a capacidade de ouvir, de olhar profundamente para dentro de si mesmo como fonte inspiradora.

Esta emancipação da dissonância, proposta por Schlienberg, revolucionou o campo da música e sua importância é sentida ainda hoje. Suas idéias foram compiladas e apresentadas ao público em 1911, quando da publicação de sua obra "Teoria da H~rmonia", e podem ser assim resumidas:

o compositor pode criar qualquer comunidade ou gnlpos de tons que quiser, ora rellnindo~os dentro de um espaço musical. circunscrito, ora

Vygolski ConteXIO, conlriboiç6 •• " p.icol<>glo

• <> conceito d • lono da Oe.envolvim.nto Pro.imol

associando-os através de distâncias verdade,i­ramente siderais. As relações, agrupamentos e ritmos tonais, como disse Schoenberg, expandem ... se e se contraem 'como um gás'. Nada falta de divino à impressionante exigência que se põe ao poder construtivo do compositor nesse mundo de espaço ínfimo e matéria atomizada j de micro e macrocosmo" (SHORSKE, 1988,p. 330).

Entretanto, quando se fala em revolução da estética musical um outro nome é inevitavelmente lembrado: Igor Stravinsky. Empregando com ousadia a dissonârtcia, este russo do início do século inovou a; possibilldades de criação musical ao propor a ampliação do sistema harmônico usual. Com muita criatividade e liberdade de expressão, as obras de Stravinsky caractecizam-se pelo uso simultâneo de duas ou mais tonalidades, bem como por uma variação rítmica abundante.

Estabelecendo um contraponto entre as obras de Schlienberg e Stravinsky, constata-se que ambas contribuíram para a ampliação das possibilidades

harmônicas no processo de criação musical. Porém, \ enquanto Schoenberg propunha a atonalidade, Stravinsky caracterizava-se or buscar a ampliação do sistema harmônico normal, propon o o polTtõ­nalismo e a polirritm\a. Desta maneira, influenciado pelo folclore russo, Stravinsky escandalizou o público de sua época pelo dinamismo e objetividade com que concebia a arte musical. Utilizando-se de uma certa agressividade, sua obra é, hoje, considereda marco na história da produção artística musical: "[".] foi Stravinsky quem primeiro revitalizou nosso senso rítmico, dando à música européia o equivalente a uma injeção hipodérmica rítmica. Desde então ela jamais voltou a ser a mesma" (COPLAND, 196~, p. 60). •

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Pelo panorama artístico e literário da Europa no início do século XX aqui apresentado, ainda que sinteticamente, é possível compreender a conturbação das 'idéias e sentimentos qlre cara'cterizavam a com~nidade européia de então. A ilusão cedia definitivamente lugar à realidade: esta impunha-se e era recriada das mais variadas formas, fugindo-se dos convencionaltsmos, dos padrões, da monotonia. A livre expressão, pelo menos nesse campo da manifes­tação humana, estava definitivamente assegurada.

c APÍTULO I

A PSICOLOGIA NO INíCIO DO SÉCULO XX E AS CONTRIBUiÇÕES

DE VYGOTSKI: um breve retrato

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psicologia é uma área de conhecimento cujo surgimento enquanto ciência independente

. data da 2.<;i;unda metade d,! século XI<:; caracterizando-se jáem seus pnmórruos pela diversidade de orientações teórico-metodológicas. Tanto isto é verdade que vários autores afinnam não ser possível falar sobre a psicologia: o mais adequado seria falar sobre as psicologias, as diversas teorias e sistemas propostos para se tratar os fenômenos psicológlcos (FIGUEIREDO, 1991b; BOCK et aL, 1993).

As primeiras décadas do século seguinte conftguraram-se enquanto época de consolidação e divulgação dessa nova ciêncla. Não é difícil entender, pelo histórico apresentado no capítulo anterior, que este período, com todas as suas conturbações sociais! políticas e artísticas, apresentou um terreno profícuo para a disseminação de uma ciência do homem, do

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e" concoito de Zono <la D",enyoMm ... t<> Pro,imof

psíquico, dá" alma, da consciência, do comportamento, enfim, uma ciência que buscasse explicar ou descrever o homem (sujeito genérico) em seus aspectos mais particulares e característicos. Um retrato desse processo, ainda que breve, será aqui apresentado, posto que nos permite entender a contribuição de Vygotski para o desenvolvimento da ciência psicológica.

1. A EMERGÊNCIA DA PSICOLOGIA CIENTíFICA - breves apontamentos históricos

A histórica da psicologia enquanto ciência, como já foi apontado, data da segunda metade do século XIX, o que a caracteriza como uma ciência jovem, em franco processo de desenvolvimento. Mas o pensar psicológico, a reflexão sobre os fenômenos desta natureza data da civilização grega, quando esse pensamento fazia parte da filosofia. Como esclarece Figueiredo (1991a, p.12), "[ ... ] todos os grandes sistemas filosóficos desde a antigüidade incluíam noções e conceitos relacionados ao que hoje faz parte do domínio da psicologia científica, como o compor­tamento, o 'espíritO' ou a 'alma' do homem",

Devido ao faro de estar inicialmente imbricada com a filosofia, a compreensão da situação da psicologia atual necessita de referências a essa fase anterior do seu desenvolvimento. Para o presente estudo não se faz necessário retomar toda a história da psicologia, visto que isso pode ser encontrado em vasta bibliografia (ver RUBINSTEIN, 1972; JAPIASSÚ, 1977; FIGUEIREDO, 1991a e 1991b; SANTI, 1998). Interessa-nos, pois, o desenvolvimento da psicologia a partir da contribuição do filósofo racionalista

Vygotski Conte.I;', contrlbuiçõe." p.icologio '

ao conc .. ito do Zona do D.sonvolvimento Proxi"",1 '

Descartes, posto que sua obra marc·a o início da idade moderna no que tange à produção do conhecimento.

As contribuições de Descartes ao desenvolvi­mento do conhecimeplO científico são importantes na medida 'em que' favorecem a s';peração da estagnação das ciênqias imposta pela Igreja. Esta procurava vincurar 01 saber à crença e, consequen­t~ente, o conhecim9nto era tido COmd}lma questão de fé. A experimenta\,1ão clentífica acerca do próprio homem ficava impossibilitada, posto que este era feito "à imagem e semelliança de Deus" e, portanto, inacessível à explic~ç~o objetiva.

A superação de$se impasse foi possível a partir da filosofia de Descartes, pois este propunha a cisão de todos os fenômenbs em dois grandes grupos:" os fenômenos físicos, pJsíveis de explicação causal; e os fenômenos psíqui~s, inacessíveis às explicações objetivas e sujeitos, po~tanto, às descrições subjetivas. Segundo Lúria (197~, p.2), o dualismo cartesiano implica que "[ ... ] todo, os processos físicos, incluindo­se o comportamento rnimal, estão subordinados às leis da mecânica, ao pqSSO que os fenômenos psíquicos devem ser considerad~s como fonuas do espírito, cuja fonte de conhecimento pode ser encontrada apenas na razão ou na intuição".

Constituía-se a~sim um terreno propício para o desenvolvimento d~, estudos sobre o homem, posto que a partir da idade mpderna houve uma significativa mudança no que se ref .. ere ao lugar que este ocupa no mundo: "Há agora um grande valorização do homem e, ao mesmo tempo, a idéia de que ele tem que buscar uma formação, ele ~eve se constituir enquanto humano. Se o homeln não nasce com seu destino predestinado, ele deve se formar, educar. Nasce a necessidade do 'cuidado de si'" (SANTI, 1998, p.11)

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É assim atendida a primeira das duas condições ·apontadas por Figueiredo (1991a) para o surgimento da psicologia enquanto ciência e profissão, apresen­tadas no capítulo 1 - a idéia de subjetividade priva­tizada. O retrato apresentado no capítulo anterior, por sua vez, com os graves conflitos sociais e econô~ micos, acirramento de animosidades, necessidade de ampliação de territórios, defesa de fronteiras, formação de monopólios, sobreposiç·ão da realidade desigual aos sonhos utópicos, enfim, fatores que desembocaram na primeira guerra mundial, engendraram sentimentos de incerteza, dúvida, ·insegurança e desilusão. Constituiu-se assim um cenário profícuo para a crise da subjetividade - segunda condição, de acordo com Figueiredo (1991a) - que levou à emergência da ciência psicológica, os quais entendemos também como fundamentais para sua consolidação e reconhecimento. É assim estabelecido um campo de saber responsável pelo cuidado, pelo testabelecimento no homem das ilusões que o permitam planej ar seu próprio futuro - o universo Psi.

Com relação à diversidade de orientações teórico-metodológicas que caracteriza a psicologia, anteriormente referida, esta encontra ·suporte na separação proposta por Descartes entre fenômenos físicos e psíquicos, o que a influenciou profundamente. As tentativas de reconhecê-la enquanto ciência independente empurravam-na para direções diame­tralmente o),] stas: or um lado buscava-se aproximá­Ia das ~ncias natural posto que estas eram reconheCidas pela objetividade e precisão na construção de seus conhecimentos. Por outro lado, o fato de considerar-se as manifestações psíquicas enqu?nto fenômenos subjetivos, enquanto manifes­tações da alma, mantinha a psicologia próxima das

Vygolski Conlo<1o, conlribuiçõ., 11 p'lcologla

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.. trl!exões filosóficas deviª-º-à natureza yubj etiva lio seu objeto de eSJ:.lillo.

Como conseqüência, a psicologia dividiu-se em dois grandes grupos: 1) a psicologia naturalista ou fisiologista que, segundo Lúria, procurava reduzir os processos psíquicos a esquemas reflexos para poder estudá-los objetivamente e, portanto, explicá-los; e 2) a psicologia subjetiva, de cunho idealista, que propunha que "[ ... ] a vida psíquica devia ser entendida como manifestação de um mundo subjetivo especial, que podia ser revelado somente na auro-observação, sendo inacessível à análise científica objetiva ou à explicação" (LÚRIA, 1979, p. 2).

Essa cisão ficou conhecida como a "crise da psicologia", e tentativas foram feitas visando a superação desse impasse. Apesar de diversas escolas da psicologia terem surgido no final do século XIX e início· do século XX propagando uma suposta superação dessa "crise", nenhuma delas foi capaz de fugir desse esquema dicotômico: ou são psicologias que propõem uma análise mecanicista dos processos psicológicos superiores nos moldes do esquema estímulo-resposta, ou são psicologias de cunho idealista, que não conseguem dar conta de conjugar às suas descrições a base fisiológica, material do homem.

Esta cisão é admitida por vários epistemólogos, como Hilton Japiassú (1977, p. 42): "[ ... ] a psicologia ainda hoje oscila entre duas correntes: uma, mais filosófica, utilizando os modelos explicativos hennenêuticos ou interpretativos; outra, propriamen .. te científica, tomando de empréstimo às ciências naturais seus modelos explicativos".

Essa situação de diversidade da psicologia já era uma constante, portanto, no início do século xx. O próprio Wundr, criador do primeiro laboratório de

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Vygotski Contetdo, contribut,..,., à l',kolOlJia

o " <oncoito do lono do Oo,onvol';monlo Pr""imol

psicologia na Universidade de Leipzig, na Alemanha, apontou, quando da publicação do texto "Uma Introdução à Psicologia", em 1911, a existência de duas psicologias: "[ ... ] uma psicologia 'individual', a que se aplica a metodologia experimental, e uma psicologia étnica, assentada em material filológico e antropológico e, portanto, a que se aplicam os procedimentos das· ciências histórico--culturais" (FIGUEIREDO, 1987, p. 46).

Dividindo-se entre tendências opostas, a psicologia do início do século XX tinha como principais representantes da corrente idealista os teóricos da Gestalt e os fenomenologistas. A tendência materialista, por sua vez, encontrou nos psicólogos soviéticos do final do século XIX os seus mais eminentes representantes. Pertencendo a essa tendência e pautando-se nos avanços do materialismo soviético, o .aluericano Watson destacou--se pela criação do Behaviorismo Metodológico, escola que propunha, como objeto de estudo da psicologia, a análise do comportamento humano estritamente observável. Um outro sistema teórico dessa época que ainda hoje suscita interpretações diversas é a Psicanálise Freudiana, o que dificulta qualquer classificação.

Muitas razões foram apontadas como explicativas para a não superação, pela psicologia, dessa "crise" na qual ainda hoj e se depara. Os psicólogos soviéticos, que propagam o mérito de terem conseguido superar esse impasse, apontam razões diversas que explicam os malogros anteriores, como nos aponta Rubinstein (1972, p. 129):

[ ... ] a inevitabilidade do conflito que continua á existir entre a psicologia naturalista e a filosófica deve-se às posições de partida da primeira. Nem o naturalismo mecanicista de

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uma, nem o ideal!sm.o da psicologia filosófica puderam à idéia da unidade da natureza e da humana, isto é , à verdade ou realidade de o homem é, antes de tudo, um ser físico e mas que a natureza do próprio homem é produto da história.

Para Rubinstein, crise da Psicologia resulta portanto de uma co:ncl~pç:ão de natureza humana independente da h ia. Sua superação, em decorrência, é com uma fundamentaçã'p epistemológica que o homem enquanto histórico e social. Leontiév (1978, p. 151):

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A aceitação da filosofia materialista dialética enquanto suporte para 'a construção de uma nova psicologia ganhou de~taque na URSS após os acontecimentos de outubro de 1917. Com o advento

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- da revolução socialista a psicologia social progressista - entendida enquanto psicologia fundamentada nos pressupostos do materialismo histórico e dialético -encontrou um campo profícuo para desenvolver-se. Antes disso, o desenvolvimento da psicologia sovié­tica apresentava características que a aproximavam da psicologia ocidental, ou seja, a separação entre dois grupos distintos de estudos: os de caráter mecanicista e os de cunho idealista.

A psicologia de cunho mecanicista tinha um espaço muito grande nO)'el1 - . o científico soviético devido aos avanços da(fi~iolo ia ue, j á no século XIX, pesquisava a base material da atividade nervosa superior. Os fisiológicos soviéticos mundialmente conhecidos, como Setchenóv e Pavlóv, desenvol­veram seus trabalhos seguindo as idéias filosóficas de Chernishevski, considerado por Rubinstein como um materialista "pré .. marxista":

[ ... ] o significado das suas idéias consiste em que ele, que se aproximou da psicologia a partir de posições materialistas, não tentou, como sucede com freqüência nos repres~ntantes do materia .. lismo vulgar e mecanicista, reduzir a psicologia à filosofia. Pelo contrário, defendeu abertamente a criação de uma psicologia verdadeiramente científica (RUBINSTEIN, 1972, p. 146).

Outro filósofo que influenciou o trabalho de Setchenóv e Pavlóv foi o revolucionário democrata Dcibliúbov, que buscou combater o dualismo psicoÚsico orientando o pensamento social niSSO para uma.concepção de homem indivitível e unitária.

Setchenóv tomou-se conhecido internacio­nalmente com sua obra "Os Reflexos do Cérebro",

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publicada em 1866, onde buscou vincular o psíquico à natureza, numa tentativa de superar a influência idealista que considerava o psíquico como entidade abstrata, inacessível à análise obj eriva. Cole e Scribner, na introdução que fizeram à edição do livro de Vygotski "A Formação social da Mente", esclareceram a importância do trabalho de Sétchenóv:

Setchenóv, que havia estudado com alguns dos mais eminentes fisiologistas europeus, contribuiu para a compreensão dos reflexos sensorimotores simples usando a técnica da preparação neuro­muscular isolada. Setchenóv estava convencido que os processos por ele observados em tecidos isolados de rã eram, em princípio, os mesmos que ocorrem no sistema nervoso central dos organis ... mos intactos, inclusive nos seres humanos ... Mesmo na ausência de evidências diretas para essas especulações, as idéias de Setchenóv sugeriram as bases fisiológicas para a ligação entre o estudo científico natural de animais e os estudos filosóficos humanos anteriores" (COLE; SCRIBNER in VYGOTSKI, 1984, p.3);

As linhas de investigação apontadas por Setchenóv exerceram influência direta sobre as investigações experimentais da psicologia russa,_ principalmente após os trabalhos de seu discípulo Pavlóv. Conhecido no ocidente pela sua teoria de estímulos condicionados que influenciou fortemente o desenvolvimento da psicologia, Pavlóv manteve­se, apesar disso, fiel ao seu projeto de fisiólogo. Babkin, aluno de Pavlóv, escreve que

Pavlóv nunca negou que a psicologia fosse uma aproximação legítima à compreensão do mundo

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Vygotski Conte.l<>, <onlribuiçôe' 11 p.lçologio

e oconceltod. Zona d. Desenvolvimento Pr",lmQI

interno do homem, mas defendeu veemen~ temente o direito da fisiologia, com seus métodos objetivos, estudar nos animais as manifestações do que comumente se chamava vida 'psíquica', ou, para usar um termo mais moderno, sua conduta" (PAVLÓV in SIGUÁN, 1987, p.26).

As contribuições de Pavlóv tiveram tratamento diferenciado na psicologia ocidental e na psicologia soviéti~a. No ocidente, a sua visão de conduta foi absorvida enquanto resultado do pareamento de estímulos incondicionados com outros - aleatórios -que produziam, desse modo, respostas condicionadas. Entre os soviéticos, no entanto, a teoria de Pavlóv foi difundida de outra forma: enquanto duplo sistema de simlÍs. Ou seja, o estímulo condicionado é; na verdade, a representação de um evento e envolve, enquanto representação, as funções psicológicas superiores. Ressaltar essas diferenças na interpretação das contribuições de Pavlóv é importante na medida em que possibilita a compreensão dos avanços posteriores da psicologia soviética, principalmente a introdução da idéia da mediação na conduta humana.

Opondo-se a essa corrente materialista desenvolveu-se, com grandes repercussões por toda a URSS, a corrente idealista em psicologia. No ano de 1885 foi fundada a Sociedade de Psicologia de Moscou, cujos principais representantes eram Lopatine e Trubzkoi, entre outros. Essa tendência idealista na psicologia russa acentuou-se após os acontecimentos do "Domingo Sangrento", em 1905, quando a população desiludiu-se com as possibilidades de mudanças na sociedade russa e com a forma através da qual os dirigentes políticos encaminhavam as reivindicações sociais.

1 Vygolski ContlOOo, conlribui~o.., 11 p.kologia

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Ressalta~se, ent etanto, que ° representante mais eminente da corrent idealista na psicologiê russa foi Chelpanov, catedráti, o da Universidade de Moscou. Chelpanov fundou, e· 1912, o Instituto de Psicologia de Moscou, entidade tie viria a desempenhar um papel decisivo no desenve>l imento da psicol8gia soviética. N a melhor tradição id alista, Chelpanovpropunha que "[ ... 1 a 'psicologia pro ria-mente dita' devia estudar as leis da alma, que se se'I' em do funcionam~nto cereb~l, mas não se confunderlt com ele e tem entidade própna [ ... 1 Para ChelpanJ[" o método fundamental da psicolàgia devia ser instrospecção 'experimental'" (RIVIÉRE, 1985, p. 3).

Chelpanovem regava, em seus experimentos, os pressupostos da te ria psicológica alemã do século passado, cujomaiorrpresentantefoi W. Wundt. Para Chelpanov, o enfo : e materialista da menfe era inútil, o que refletia c ramente o dualismo psicofísico na medida em que ,erpetuava a separação "entre cérebro e mente. '

Tal posiciona nto suscitou críticas por' parte dos psicólogos materi ,listas. A crítica mais acirrada à corrente idealista : m psicologia e, portanto, à Chelpanov, foi feita p. r Bekhterev, acentuando ainda mais a polêmica entr as duas correntes.'Bekhterev já vinha se preocupa, do em superar a "crise da psicologiaJt

, prop::mdo: para isso, uma nova ciência .. a reflexologia - pautad~: segundo ele, nos pressupostos da teoria marxista. {\ reflexologia propunha-se a

estudar os fundame~os da conduta, porém suas explicações sobre as fo as mais complexas de compor­tamento era esquemát: ca e retórica na medida em que os reduzia à mera somtde reflexos (K OZULIN, 1994).

Várias restriçõ s foram feitas à reflexologia, na medida em que' sta era encarada como um

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• o conceito d. Iono do De,en",Mmenlo Pro,imol

. materialismo mecanicista e vulgar por apresentar uma visão extremamente causal e linear das funções psicológicas superiores do homem. Apesar de ter propagado a importância do marxismo enquanto filosofia orientadora da construção de uma nova psicologia, as idéias de Bekhterev, na verdade, não davam conta de explicar a complexidade e desenvol­vimenro das funções psicológicas superiores em uma perspectiva dialética. Isto porque a visão de homem que o materialismo mecanicista comporta é a de ser reativo, isto é, o homem é encarado como.QIganísmo . a. _________ - ~-------

que mer"mente reage 2?s estímulos d.º--IU.eio. Esta concepção contrapõe-se, portanto, à visão de homem enquanto sujeito histórico, ativo - modificador do contexto que o abriga ao mesmo tempo em que é por este modificado -, defendida pela filosofia materialista dialética.

Após a Revolução Socialista de 1917, o debate entre as diferentes tendências da psicologia ficou, de . uma certa forma, latente, sem se manifestar. A revista da Sociedade de Psicologia de Moscou teve sua publicação suspensa e Chelpanov deixou a direção do instituto até 1921, ano em que foi restituído ao cargo.

Como conseqüência dos ideais da Revolução de 1917, os psicólogos soviéticos passaram a reavaliar seus pontos de vista, principalmente nos aspectos referentes à aplicabilidade dos conhecimentos que dispunham. Assim, criticavam tanto o idealismo de Chelpanov quanto o reducionismo de Bekhterev, alegando que suas respectivas abordagens não indicavam como lidar com os complexos problemas sociais enfrentados pela comunidade soviética.

'Em decorrência de todo esse contexto, até o ano de 1923 nenhum congresso de psicologia foi

Vygotski tonho,lo, conl,lboi,õ., 11 p.icalogio

• o coo«ilo d • Zonode D."nvdvimonlo Prm:;rr.ol

realizado na URSS. Entretanto, a partir dessa data, os rumos do desenvolvimento da psicologia soviética foram definitivamente alterados. Com a revolução socialista consolidada, ocorreu em Moscou, em 1923, o I" Congresso Pan-Russo de Psiconeurologia. Esse evento foi de grande importância porque consistiu em espaço onde a manifestação dos conflitos existentes entre as principais correntes da psicologia pode acontecer. A palestra mais significativa foi proferida por Komilov, discípulo de Chelpanov. Em seu pronunciamento, intitulado "Psicologia Contem­porânea e Marxismo", Komilov opôs-se à psicologia idealista por seu caráter individualista e por não consi­derar a contribuição da filosofia marxista para a construção de uma nova psicologia. Opôs-se; conco­mitantemente, à reflexologia de Bekhterev, pela forma mecanicista com que tratava as questões psicológicas, reduzindo os processos psíquicos aos fisiológicos.

A "Psicologia Marxista" proposta por Komilov, denominada reactologia', reconhecia o papel dos processos sociais no comportamento individual, propunha que a dialética fosse levada ao campo da psicologia e "[ ... ] sugeria que a reação, definida como a resposta do organismo a estímulos tanto físicos como sociais, deveria ser considerada como unidade metodológica da investigação psicológica" (KOZULIN, 1994, p.84).

[ Komilov enunciou quaiS seriam, em seu entender, os prindpios de uma psicologia marxista: "Manter o monismo materialista, ou seja, reconhecer a natureza exclusivamente material do homem, mas ao mesmo tempo afirmar a especificidade dos processos psíquicos e sua irredutibilidade aos proéessos fisiológicos, Paralelamente, abandonar o 'individualismo' t(pico da psicologia clássica e reconhecer o papel dos processos sociais no comportatnentoindividual" (SIQUÁN, 1987, p.IO) .

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A despeito das críticas feitas à reactologia de que sua proposta, ao considerar as reações como sínteses do subjetivo (tese) com os reflexos (antítese), era uma aplicação formal e artificial da dialética à psicologia (PETROVSKI, 1990), o destaque que esta proposta dava à teoria marxista valeu ao seu mentor - Kornilov - o cargo de Diretor do Instituto de Psicologia de Moscou, em substituição a Chelpanov, COm sua chegada, a diretriz de trabalho desse Instituto consistiu na construção de uma nova psicologia, fundamentada epistemolo-gicamente nos preôSupostos do materialismo histórico e dialético, o qual vinha ao encontro da nova ordem social vigente no país.

Com a saída de Chelpanov, vários de 'seus colaboradores, que pertenciam ao grupo de pesquisadores do Instituto de Psicologia de Moscou, demitiram-se em protesto à mudança de direção do Instituto. Devido a esse fato, Kornilov precisou buscar a ajuda de novos colaboradores. Estes, por sua vez, estavam dispostos a concretizar o sonho revolucio­nário no campo da psicologia, atribuindo a esta ciência um caráter social que viria a contribuir com a busca de soluções para os problemas diversos, com os quais a maioria da população soviética se debatia.

Em janeiro de 1924 realizou-se, em Leningrado, o 1Iº Congresso Pan-Russo de Psiconeurologia. Reunidas as mais altas expressões da psicologia soviética, todos debatendo-se com as dificuldades para criar uma "psicologia marxista") causa furor o pronunciamento de um jovem vindo de uma distante província da Bielorússia. Esse jovem, Lev Semionovitch Vygotski, escolhe como tema para sua comunicação "O Método de Investigação Reflexológica e Psicológica". Vygotski estava confrontando-se, portanto, com a nova direção da

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maior entidade cie:~;:,'~:~';~'::IOgia da época - o Instituto de Psicologia Moscou - representado pelo fundador da reactolo{l ,Komilov.

Vygotski opun a-se à reflexologia e à reactologia enquanto tentativas de aplicação do marxismo à psi'cologia or entender que

[, .. ] os reflexos .. são como ladrilhos: os elementos 'com os quais se constrói o comportamento. :Mas as características mais típicas do co. portamento humano, o conhecimento abs- to e consciente, não podem ser explicados poruma redução mecanicista que os reduza a uma s 'ma de reflexos. A explicação psicológica tem e respeitar a complexidade qualitativa dos p- ,ocessos superiores, e isto só pode ser feit por uma explicação autenticamente .&alética que mostre a gênese

do homem e da C~.psciência a partir da intera ... ção social (SIGUÁN

I1987, p. 11).

Após o impacto I'casionado pela via abert .. à psicologia nesta Rrimclir comunicaçãeu:iffiJ1!l':.a pública, Vygotski foi co vidado a fazer parte da equipe de investigadores do ;Instituto de Psicologia de Moscou, onde empenh~u-se na construção de uma nova ciência pSico[ógi1a, segundo os princípios da filosofia marxista. A psicologia de Vygotski foi construída a partir da ",ipálise detalhada que este fez da "crise da psicologia", ia que o possibilitou entender os impasses com que atf então essa ciência vinha se debatendo e visualizar ~ma possível solução.

A filosofia martista, a despeito da forma totalitária como foi ass'llmida pelos novos dirigentes soviéticos, principalme4te após a morte de Lênin, em 1924, continha emseu ~ojO elementos suficientes que

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indicavam o caminho para a construção de uma nova psicologia, "[ ... ] fundada sobre uma concepção verdadeiramente histórica do psiquismo humano, da mesma forma como Marx desenvolveu uma análise' da sociedade capitalista como produto de um processo histórico" (DUARTE, 2000, p.15).

Essa perspectiva histórica está no cerne da psicologia de Vygotsh Para este autor, o homem é um ser eminentemente social, pois é a partir das relações estabelecidas com outros que paulatinamente constrói suas característic;1s singulares e constitui ... se enquanto sujeito, ou seja, enquanto alguém que, ao mesmo tempo em que é marcado pelo contexto social e histórico em que se insere, é capaz de regular sua própria conduta e vontade, de reconhecer-se enquanto ser resultante da história e, ao mesmo tempo, seu produtor.

3. A PSICOLOGIA DE VYGOTSKI

Em outubro de 1924, após o 1Iº Congresso Pan­Russo de Psiconeurologia, Vygotski apresentou, no Instituto de Psicologia de Moscou, uma conferência intitulada "A Consciência como Problema da Psicologia da Conduta". Esta conferência teve um importante papel na história da psicologia soviética porque apresentava "[ ... ] uma atitude bem mais crítica e irônica quanto às pretensões reducionistas dos ref1exólogos e, ao mesmo tempo, aproximava-se claramente de uma idéia que terminaria por se converter no núcleo principal da psicologia vigotskiana, o princípio da gênese social da consciência" (RIVIÉRE, 1985, p. 29).

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e o concoilede Zona d. D.'envdvimenlo Proximol

Juntamente com Lúria e Leontiév, jovehs pesquisadores do Instituto de Psicologia de Moscou, Vygotski incumbiu-se da tarefa de elaborar uma nova

. psicologia, fundamentada epistemologicamente nos princípios do materialismo histórico e dialético. Essa tarefa transformou-se em seu projeto de vida:

Pessoas como Vygotski e seus colegas dedicavam cada hora de suas vidas a tomar real o novo estado socialista, que o primeiro grande experimento baseado nos princípios marxista ... leninistas, triun ... fasse ... Ainda que a psicologia soviética padecesse mais tarde a imersão em um clima político dogmá ... tíco ... Vygotski morreu antes que essa situação se convertesse em um fato que impregnasse sua vida. Sua crença nos princípios marxistas era honesta e profunda (WERTSCH, 1988, p. 28).

A partir de sua chegada no Instituto de Psico­logia de Moscou, Vygotski assumiu uma posição de liderança perante seus integrantes. Tal fato temete à situação de crise que a psicologia enfrentava na época e à necessidade de criar um novo pensamento psicológico: devido à sua formação divetsificada e o conhecimento profundo da filosofia marxista, Vygotski foi reconhecido como o investigador capaz de apontar as diretrizes que levariam à construção de uma terceira via em psicologia.

A forma como tentou trazer para o seio da psicologia os pressupostos do materialismo histórico e dialético diferiu sobremaneira de como até então isso vinha sendo feito. Todo o seu trabalho pautou-se numa análise crítica e profunda do método marxista para que fosse possível superar os modelos mecanicista e idealista, vigentes na época. Vygotski relata assim o seu propósito: .

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G o <<>ocoilo de lono d. [)g'.Mol~imonto /'ro,imol

o que sim pode ser buscado previamente nos mestres elo marxismo não é a solução da questão, e nem mesmo uma hipótese de trabalho (porque estas são obtidas sobre a base da própria ciência), mas o método de construção. Não quero receber de lambuja, pescando aqui e ali algumas citações, o que é a psique, o que desejo é apreender na global idade do método de Marx como se constrói a ciência, como enfocar a análise da psique (VYGOTSKI, 1996, p.395).

Para Vygotski a psicologia deveria consistir na ciência capaz de explicar como as características singulares humanas, os processos psicológicos, são produzidos a partir das relações sociais, isto é, do convívio com outros indivíduos da espécie humana, capazes de elaborar cultura e fazer história. A análise da psicologia do seu tempo, no entanto, não o satisfez, posto a forma dicotômica com que estas trabalhavam a relação sujeito/sociedade, priorizando ora um ou ora outro pólo que, para o auror, estão inexoravelmente relacionados.

Em uma perspectiva dialética, a cultura resulta da atividade humana conjunta; por sua vez, as características singulares de cada indivíduo em particular também resultam da atividade social, posto que por seu intermédio o homem se objetiva e concomitantemente se subjetiva, ou seja, constitui ... se enquanto sujeito.

O conceito de atividade/ação utilizado por Vygotski está diretamente relacionado ao conceito de trabalho humano tal como proposto na teoria marxista:

[ ... ] o' trabalho é, para Marx, uma atividade que distingue O ser social do ser natural, isto é, define

Vygotski Conte.,o, C<ln~ibvi'iÕ<"" p.kologio

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a especificidade do ser humano como um ser histórico, social e cultural, por possuir essas três c~racterístJcas: a de ser uma atividade conscien ... temente dirigida por uma finalidade previamente estabelecida ná consciência, a de ser uma atividade mediatizilda pelos instrumentos e a de ser uma atividade que se materializa em um produto social, Ull) produto que não._ é mai.~ um objeto inteiramente natural, um produto q~le é uma objetivação da atividade e do pensamento do ser humano (DUARTE, 2000, p.20S).

Seguindo o referencial marxista apresentam-se, portanto, três aspectos fundamentais da atividade humana: a) o fato de ser orientada por um objetivo, b) de fazer uso dos instrumentos de mediação e c) de produzir algo que se constitui como elemento:'da cultura, seja caracterizado por uma existência física ou simbólica, e que consiste na objetivação do ser humano'.

Uma das caract~rísticas que demarcam a especificidade da atividade humana - o seu caráter mediado - é aspecto de c'rucial importância em toda a obra de Vygotski que merece ser aqui desenvolvido. Isso porque via atividade instrumental o homem, ao transformar o meio físico e social em que se encontra, também se transforma. A atividade instrumental é entendida, portanto, como unidade que preserva as propriedades do todo numa perspectiva dialética, isto é, compreende tanto O indivíduo quanto o meio físico­social, em interação recíproca.

Uma discussão mais aprofundada desta questão pode ser encontrada em Zanella {s/d}.

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Os instrumentos mediadores a que se refere Vygotski são por sua vez produtos da atividade social humana, historicamente construídos. Com essa condição entende-se que os mesmos não são herdados, mas ativamente tornados próprios por cada novo integrante da cultura através das relações que estabelece com os muitos outros com os quais convive ..

Estes instrumentos podem ser de duas naturezas: a) física, como no caso de ferramentas, que modificam o meio físico e o sujeito da ação; e b) representacional, que seriam os signos, os quàis incidem e modificam a relação do homem consigo mesmo e com os outros homens.

Com relação aos signos, Vygotski destaca que é objetivo destes:

[ ... ] governar os processos de atuação, alheia ou própria, do mesmo modo que está dirigida a técnica a governar os processos da natureza. Como exemplos de ferramentas psicológicas e de seus sistemas complexos podem servir: o idioma, as clistintas formas de numeração e cálculo; os recursos mnemotécnicosj a simbologia algébrica; as obras de arte; a escritaj os esquemas; os diagra ... mas, os mapas, os desenhos; todas as formas possíveis de signos convencionais (VYGOTSKI, 1987a, p.182)

O destaque dado por Vygotski aos signos enquanto mediadores da atividade e constitutivos das caractedsticas especificamente humanas é reco~ nhecido como contribuição ímpar para a psicologia. Estes caracterizam-se pelo fato de representarem alguma coisa, em uma relação· convencional, socialmente estabelecida, o que possibilita ao homem "[ ... ] conferir ao real outra forma de existência: a

Vygolski «mlo,lo, m"lribuj~Ô<I' /, p.icologla

• '" conc.llo d • Zono d. Do •• nvolvimonlo Pro,imol

, existência simbólica" (PINO, 1995, p.33). Como destaca Pino ([991, p.34), "[ ... ] os signos são sinais que remetem ao objeto sinalizado em virtude, unicamente, da relação artificial e variável que o homem estabelece entre eles". Os signos, portanto, são produções sociais que se caracterizam pela generalização: no caso da linguagem oral, . por exemplo, esta só se constitui enquanto signo se fizer sentido para o outro, se for partilhada. Essas características diferenciam o signo do sinal: este mantém uma relação invariante entre o objeto sinalizado e o que o homem interpreta, o que pode ser exemplificado com O ditado "onde há fumaça (sinal), há fogo".

A atividade caracteristicamente humana, pois, é sempre e necessariamente mediada, o que demarca a relação indireta que estabelecemos com a realidade: de acordo com a perspectiva vygotskiana, o nosso contato com o mundo físico e social não é dlreto, é na verdade marcado por aquilo que slgnlflcamos desse próprlo mundo, slgnificação essa igualmente marcada pelas nossas experlências, posslbilidades, enfim, pela nossa história de vlda.

A significação, entendida enquanto proprie­dade do signo - aquilo que o signo significa para os sujeitos em relação - remete aos sentidos e slgnificados por este veiculado. A diferença entre estes é explicada

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por Vygotskl ([99Ib, p.333) da seguinte forma: "[ ... ] o sentido da palavra é a soma de todos os eventos

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psicológlcos evocados em nossa consciência graças à palavra. O slgnificado é só uma dessas zonas do sentido, a mais estável, coerente e precisa".

Sendo o significado a zona mais estável dos sentidos, depreende-se o seu caráter compartilhado, o que possibilita a comunicação humana. A dimensão

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Vygotski Conl.<lo, con~ih"içiiQ' o p,kol"llio

o o <oocello d. lono ele O •• an.ol.im.nlo f'ro>lmol

dos sentidos, porém, é livre, plural, liberta de qualquer amarra ainda que socialmente produzida, posto que os homens trazem inexoravelmente a marca do contexto sócio-histórico, econômico e político no qual se inserem e participam ativamente. José Saramago nos apresenta um retrato poético das diferenças entre sentido e significado, que vale a pena aqui apresentar:

[ ... ] sentido e significado nunca foram a mesma coisa; o significado fica ... se logo por aí, é direto, literal, explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por assim dizer, ao passo que o sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos segun­dos, terceiros e quartos, de direções irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos,' até se perderem de vista, o sentido de cada palavra parece-me com uma estrela quando se põe a projectar marés vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições (SARAMAGO, 1997).

É, pois, a atividade instrumental, ou seja, ativi~ dade mediada pelo uso de ferramentas, sejam estas de natureza material ou representacional, que se cons .. titul, para Vygotskl, como a categorla de mediação queposslblllta ao homem, partindo de sua base material, fllogenétlca, constituir o seu psiqulsmo, as suas funções pslcológlcas superiores.

Vygotski utlllza a expressão "funções psicoló­gicas supertores" para designar as funções caracteristicamente humanas, como o pensamento deliberado, a atenção voluntária, a linguagem, as quals se dlferenciam das "funções pslcológlcas elementares", presentes predominantemente nos momentos iniciais do desenvolvimento humano. Para este autor, o concelto Função Pslcológlca Superior está relacionado

Vygotski Conle.,,,_ ~on~lbojç"".lI p.kolo9jO

• o coneeilo d. lona d. D~'~o'iOlvlmelllo f'fo"rn~1

"[ ... ] ao desenvolvimento cultural, o que conhecemos como o domínio de melos externos da conduta cultural e do pensamento, ou o desenvolvimento da linguagem, do cálculo, da escrlta, da pintura, etc." (VYGOTSKI, 1991c, p.34). Através da apropriação da cultura são

. modificadas as funções psicológicas e suas interrelações, o que permite ao homem modificar significativamente as relações que estabelece com a realidade física e social, bem como consigo mesmo.

Os processos mentais superiores, portanto, resultam de atividades humanas significativas (KOZULIN, 1994, p.114), e a diferença destes em relação às funções psicológicas elementares reside no fato de serem inexoravelmente mediados semioticamente.

Somam-se ao uso de signos mediadores outras características das funções psicológicas superiores: estas obedecem à auto-regulação (diferenciam-se, pois, das funções elementares, sujeitas ao controle do meio), são conscientemente ativadas e tem uma natureza eminentemente social, posto que pressupõetn a existência de ferramentas psicológicas, utilizadas para o controle da atividade tanto do sujeito empreendedor da ação quando dos demais sujeitos envolvidos.

O processo de formação das funções psicológicas superiores e da consciência, que resulta do movimento entre as esferas interpsicOlógica e intrapsicológica, esclarece o vetor do desenvolvimento humano na concepção de Vygotski: o indivíduo já nasce um ser social e, paulatinamente~ a partir da apropriaÇãodãS

'SIgníflcaçoes produzidas nas refaçõ~~, constitui-se enquanto. sujeito, ou seja, aI uém c!j]Jaz de regular, vo untariamente, sua conduta: "[ ... ] o vefõr fundamental do desenvolvimento é o deficldo pela

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conversão dos<~~emas de re[!!]!S'.ão e~ (instnlIne=,..oignosrenu;;;eios de regulaçãointema, ~rueg~(RIVlÉRE,"12B2,_p._42).

A interiorização consiste, assim, na apropriação pelo sujeito das conquistas e conhecimentos historicamente produzidos, apropriação esta que se dá nas e pelas relações sociais, o que possibilita ao sujeito constituit .... se como ser consciente. Necessário se faz esclarecer que Vygotski utiliza em seus textos o conceito de internalização para referir-se ao movimento de "reconstrução interna de uma operação externa", movimento pelo qual as funções psicológicas superiores, originariamente partilhadas, singularizam­se pelo sujeito, à medida em que este passa a utilizar os signos como elementos reguladores de suas ações' .

Esse conceito, porém, vem sendo questionado no que se refere à sua terminologia, pelo fato de veicular uma dicotomia (entre interno e externo) que, no meu entender, é superada pelo próprio Vygotski em razão da concepção de homem e mundo em que se sustenta. Em decorrência, outros conceitos vêm sendo utilizados, como apropriação, conversão [ ... ] [a esse respeito vide Pino (1992), Molon (1999) e Smolka (2000)].

A esse respeito Vygotski (1996, p. 112) esclarece: ''Toda fonna superior de comportamento aparece em cena duas vezes durante seu desenvolvimento: primeiro, como fonna coletiva do mesmo, como forma interpsicol6gica, um procedimento externo do comport.amento. Não nos damos conta desse fato porque sua coddianeidade nos cega. O exemplo mais claro disto é a linguágem. Nó princípio, é um meio de vínculo das crianças e aqueles que a rodeiam mas, no momento em que a criança começa a falar para si, pode se considerar càmo a transposição da forma coletiva de comportamento, para a prática' do comportamento individual"

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Vygotski Conle1<l0, <en~ib"içõe." p.imloglo

e O coneeile do _ Zon~ d._Oe.en'l<llvimenlo Pro,imol

Com relação à consciência, esta é entendid~ por Vygotski enquanto "contato social consigo mesmo", resultante da apropriação das ferramentas psicológicas utilizadas na atividade humana, ferramentas estas que vão permitir ao sujeito o controle sobre a própria conduta' . A dimensão social da consciência é explicada por Vygotski da seguinte forma: "O mecanismo da consciência de si mesmo (autoconhecimento) e do reconhecimento dos demais é idêntico: temos consciência de nós mesmos porque a temos dos demais e pelo mesmo mecanismo, porque somos em relação a nós mesmos o mesmo que os demais em relação a nós" (VYGOTSKI, 1996, p.18)

Considerando que "as ferramentas semióticas mais poderosas no contato social e na regulação inter­humana da conduta são as palavras" (RIVIÉRE, 1985, p. 82), a consciência tem, para Vygotski, uma estrutura semiótica. Nesse sentido, a unidade de análise que .permite exphcar o âêSeI1Volviment~a_co~~ã'" humana resiae, parâl:raurõf,UoSiQil1Ficado da palavr'l; ~ea:-êrrfa; ala enquanto mediação e no

significado da palavra enquanto unidade de análise, tem gerado polêmica entre pesquisadores atuais (WERTSCH, 1988; PINO, 1991; SMOLKA, 1995). Na realidade, tem-se observado que a mediação semiótica não se reduz ao significado da palavra. Ao contrário, este é apenas um aspecto, convencionalmente

Importante ressaltar que, para Vygotski, a psique é "[ ... ]parte -integrante de um processo complexo que não se limita· em absoluto a sua vertente consciente; por 1SS0, eonsideramos que em psicologia é completamente lícito falar do psicologicamente consciente e inconsciente; o inconsciente é potepcialmente comciente" (VYOOTSKI, 1996, p.156)

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Vygolski Conwxtc>, "onlrlbviçô .. " p.icologla

• o 0>0«110 do Zona de O.,,,,,voIvimenlo /'truimal

estabelecido, de tal mediação. A palavra, na verdade, a despeito de conter um significado mais estável, compreende vários sentidos, conforme anterionnente referido, por vezes ligados às d'iversidades lingüísticas e sociais.

Quanto à essa polêmica, cabe ressaltar que, para Vygotski, os signos constituem-se como categoria de mediação na transformação das funções psicológicas elementares em funções psicológicas superiores, na medida em que estão incorporados à atividade prática. Mesmo antes de se apropriar da linguagem, esta constitui-se como categoria de mediação na medida em que a criança, desde que nasce, está inserida em um contexto simbólico, pois constitui-se como " .. .'objeto do discurso do outro'. Desde o início, ela é 'sujeito' de ações significantes para o outro, o que a insere irremediavelmente no circuito do simbólico". (PINO, 1992, p. 36).

Portanto, na perspectiva de Vygotski, a consciência é semioticmnente estruturada, pois resulta da apropriação das significações produzidas em contextos interpsicológicos, a partir da atividade instrumental dos sujeitos em relação. As significações, por sua vez, referem~se a " ... 0 que as coisas querem dizer, aquilo que alguma coisa significa. Como as coisas não significam por si só, e nem tão pouco significam a mesma coisa para indivíduos diferentes, depreende­se que a significação é fenômeno das interações, sendo, pois, social e historicamente produzida" (ZANELLA, 1997, p.67).

Propagando que os principais signos utilizados pelos homens em suas diferentes atividades são os linguísticos, Vygotski estabelece uma ponte entre a linguagem e a consciência, que encontra claras referências na filosofia marxista:

A linguagem é t· o antiga quanto a consciência ... a linguagem é consciência real, prática, que existe para os Ql tros homens e, portanto, existe também para mi mesmo; e a linguagem nasce, como a consciê da, da carência, d~~d,f de intercâmbio c. m outros homens ... A consciên ... cia, portanto é ~s e.o início um rod~tã:'l, econtinuará se -do enquanto existirem home-ns (tvrA'"RX;E LS, 1989, p. 43).

Assim, ao postular a gênese social da consciência, Vygotsk~. fundamenta-se na concepção de homem do materi lismo histórico e dialético: o homem entendido ô quanto sujeito da história, determinante e deter,minado pelo contexto que o cerca. Na concepção dialética marxista "[H'] os indivíduos fazem-se uns aos outros, tanto física quanto espiritualmente, mas não se fazem a si mesmos l!,,] as circunstâncias fazem os homens assim como os homens fazem as circunstâncias" (ibid, p. 55)

Com essa perspectiva, Vygotski proqirava claramente superar tentativas de redução da consciência a simples copexões de reflexos que, uma vez instalados, assim permaneciam. Por outro lado, contrapunha-se às perspetivas idealistas que cindiam a consciência de sua base material, pois no seu entender a psique "[ ... ] não deve ser considerada como uma série de processos especiais que existem em algum lugar na qualidade de complementos acima e aparte dos cerebrais, mas como expressão subjetiva desses mesmos processos, como uma faceta especial, uma característica qualitativa especial das funções superiores do cérebro" (VYGOTSKI, 1991a, p.100)

O estudo da consciência - assim concebido -deveria superar a análise de funções psicológicas isoladas, visto pressupor a presença de interrelação

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dinâmica e dialética entre estas, assim como a base afetivo-volitiva que as origina e transforma. A análise por elementos, isto é, de funções isoladas, não permitiria ao pesquisador compreender o caráter dinâmico do funcionamento psicológico humano. Para tomper com essas fragmentações, Vygotski propunha que os fenômenos fossem estudados conjuntamente, para que fosse possível observar sua interação no processo de desenvolvimento humano. Desse modo, Vygotski visava superar a forma tradi­cional de análise dos fenômenos, ou seja, aquela que os via como partes estanques de uma estrutura organizadora estática.

Todas essas contribuições de Vygotski para o campo da psicologia, inegavelmente originais no contexto científico da sua época, o levaram a criar um novo método de investigação devido à sua concepção acerca do processo de constituição do sujeito:

[ ... ] o estudo histórico significa simplesmente a utilização da categoria de desenvolvimento na investigação dos fenômenos. Estudar algo historicamente quer dizer estudá .. lo e~ movi ... mento. Esta é a exigência fundamental do método dialético. Abarcar na investigação o processo de desenvolvimento de alguma coisa em todas as suas fases e mudanças - desde que surge até que desapareça .. é o que significa, em essência, descobrir sua natureza, descobrir sua essência, já que. 'só em movimento, o corpo mostra o que é'" (VYGOTSKI, 1987b, p.74)

P~ra estudar, portanto, a gênese social da . consciência e das funções psicológicas superiores, Vygotski criou o "método genético-experimental" ou

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método da "dupla estimulação". O objetivo des~e ~étodo consIs.tia~em~recon&trJ,)ir ex~almeme o~essos ckg~ne~e.Lf0.J:.maç_ã~e transform..,gç-ªº.4.a.s f~ psicológicas_,,- da'<';'CCflsciência, para então poder explicar cientificamente a mig=-so.ciaLe ~dohQmeme

Nesse sentido, Vygotski tentava-elaramente trazer, para o campo da psicologia, a perspectiva dialética, pois " ... a abordagem dialética, admitindo a influência da natureza sobre o homem, afirma que o homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria, através das mudanças provocadas por ele na natureza, novas condições naturais para sua existência" (ENGELS in VYGOTSKI, 1984, p. 70).

As funções psicológicas superiores só poderiam ser explicadas, portanto, através da análise do curso do des~nvolvimento destas. Para estudá-lo, fazia-se necessário criar situações experimentais onde o sujeito se defrontasse com problemas de difícil resolução que o obrigassem a fazer uso de elementos neutros enquanto signos mediadores da sua atividade, Nesse sentido, para se estudar o curso do desenvolvimento de uma função psicológica superior, qualquer que fosse ela, a situação investigada deveria oferecer ao sujeito o máximo de oportunidades para que este Se envol­vesse em atividades as mais variadas possíveis, posto que o foco de análise centra-se na atividade do sujeito e em seus signos mediadores.

O método genético-experimental pode ser melhor compreendido a partir dos seus três princípios básicos, a saber:

I) Analisar processos e não objetos- ênfase em que as funções psicológicas superiores sejam analisadas no processo do seu desenvolvimento, pois são resul­tantes deste, e não apenas em termos de r,esultados, de possibilidades de atuação in,dependente do sujeito,

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11) Explicação x descrição - buscar a explicação das formas superiores do comportamento humano deixando de lado práticas meramente descritivas, pois segundo Vygotski estas não revelam as relações dinâmicas subjacentes ao fenômeno que está sendo investigado: "[ ... ] explicar significa estabelecer uma conexão entre vários fatos ou vários grupos de fatos, explicar é referir uma série de fenômenos a outra" (VYGOTSKI, 1996, p.216)

IlI) O problema do comportamento fossilizado - a pesquisa psicológica constantemente se defronta com o problema da análise de comportamentos fossilizados, isto é, comportamentos que "perderam sua aparência original, e sua aparência externa nada nos diz sobre a sua natureza interna" (VYGOTSKI, 1984, p.73).

A análise das funções psicológicas superiores requer, portanto, que o pesquisador transforme "".a coisa em movimento, a fossilização eln proces ... so"(VYGOTSKI, 1987b, p.1l3) para que estas possam ser explicadas.

Posto que o método genético-experimental procura traçar a origem e o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, faz-se necessário considerar que o desenvolvimento do indivíduo, na perspectiva de Vygotski, é caracterizado pelo uso de signos, instrumentos estes que o permitem regular a sua própria conduta e a dos outros. Através do método genético-experimental o investigador procurará, portanto, estudar quais são e como o sujeito faz uso de variados signos na execução de tarefas diversificadas.

Os signos estão presentes no contexto social, a posição ativa do sujeito perante situações variadas faz

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com que estes, em sua (unçãO de significação, sejam apropriados. N o enta~to, mais do que se apropriar das mediações social ente produzidas, o homem é produtor ativo de nov s mediações,o que remete ao papel ativo do sujeito.

Por sua vez, con ber a origem social dos signos remete à concepção d. ciência de Vygotski, onde é

rejeitada a POSSibilida1. de neutralidade. por parte do experimentador be como do ambiente de investigação. As possí eis contribuições do experi­mentador bem como s estímulos do ambiente de investigação podem se utilizados pelo suj eito como instrumentos que permItem a este exercitar o domínio sobre si mesmo e, conAequentemente, desen~olver­se em direção a forma~ mais complexas de atuação e interação com o meio.;

Em suma: VygJtski trouxe para o cern~ da psicologia a noção 4e homem histórico, que se constitui enquanto suJeito a partir das relações que estabelece com outrosihomens. Pautado na filósofia marxista, o autor tentou explicar como as funções psíquicas superiores dq homem se originam e desen­volvem em contextosisociais específicos, P sendo a característica definidora destas a mediação semiótica.

Muitas das conÇribuições de Vygotski para a psicologia não se apr~sentam de forma acabada e, necessário destacar, a leitura de seu legado requer o conhecimento do em que sua obra foi cunhada, seus interlocutores e o léxico que a caracteriza. são poucas as leituras de Vygotski que, ao esses aspectos, caem em um discurso por expressões próprias da reflexologia e por uma compreensão mecanicista de seus I . Seguindo outra

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vertente, há também leituras da perspectiva vygotskiana que a aproximam de teorias liberais e pós­modernas, como analisa Duarte (2000).

Com leituras mecanicistas ou idealistas de Vygotski perde-se o que muitos estudiosos de sua obra reconhecem como relevante contribuição para o desenvolvimento da psicologia, a saber, a dimensão histórica que explica a constituição do psiquismo humano e suas transformações em decorrência das mudanças nos.contextossoclaís: .".

J .. ] o mais importante é que introduziu, na / investigação psicológicos concreta, a idéia da í historicidade da natureza do psiquismo humano

I e da reorganização 'dos mecanismos naturais dos

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' processos psíquicos no decurso da evolução sócio~ histórica e ontogênica. Vygotski interpretava essa reorganização como o resultado necessário da apropriação pelo homem dos produtos da cultura ,humana no decurso dos seus contatos com os seus ie~lhantes (LEONTIÉV, 1978, p. 153).

"----Sob a ba~e-'dess"''Pe'rspectiva encontra-se a

concepção de homerp como social e histórico, o que significa um importante pressuposto para investi­gações e intervenções que partam do princípio de que a realidade resulta da ação de sujeitos concretos que coletivamente organizam o seu viver. Desse modo, ° que hoje se apresenta é resultado da história dos próprios homens, sendo que estes tem, por sua vez, a responsabilidade de manter ou transformar o contexto no qual se inserem. A esse respeito Pino (2000) esclarece:

Eqüidistante tanto de uma visão idealista antropocêntrica quanto de uma visão materialista

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mecanicista, o ;homem que Vigotski nos apresenta é um ser concreto que, cdando suas próprias condiç5~,s de existência, faz~se na história ao mesmo tempo que faz essa história. Um homem qu'e, armado do domínio da tecnologia e do poder da palavra, assume, para o bem ou para o mal, o controle da sua própria evolução. Por isso mesmo, essa visão do homem veicula também uma concepção ética, uma vez que implica a responsabilidade de construir uma ordem social capaz de assegurar a todos os homens um presente e um futuro dignos desse mesmo homem (PINO, 2000, p.8).

Por fim, cabe destacar que os trabalhos de Vygotski, ao abrirem caminho para uma série de pesquisas na área da psicologia, fazem com que este autor seja reconhecido como fundador de uma nova psicologia, denominada histórico-cultural. A despeito do debate atual acerca' da concretização ou não de uma terceira via em psicologia pelos russos, via esta que supera O dualismo psicofísico, vários estudiosos reconhecem que a contribuição de Vygotski no campo da psicologia é de fundamental importância. Na verdade, ela constitui uma das mais relevantes aplicações da teoria marxista ao estudo da gênese e desenvolvimento das funções psicológicas caracteristicamente humanas, que possibilita a compreensão das relações sujeito e sociedade como mutuamente constitutivas.

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Page 37: Sessão 1 – Vigotski e o Seu Tempo

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