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ISSN 1809-9815 ano 5 | setembro > dezembro | 2011 SESC | Serviço Social do Comércio SESC | Serviço Social do Comércio ano 5 | setembro > dezembro | 2011 17 17 www.sesc.com.br CIDADE MARAVILHOSA: ENCONTROS E DESENCONTROS NOS PROJETOS DE REMODELAÇÃO URBANA DA CAPITAL ENTRE 1902 E 1927 José Cláudio Sooma Silva A CAPTURA DO GOSTO COMO INCLUSÃO SOCIAL NEGATIVA: POR UMA ATUALIZAÇÃO CRÍTICA DA ÉTICA UTILITARISTA Marco Schneider INOVAÇÃO, TECNOLOGIAS SOCIAIS E A POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO BRASIL: DESAFIO CONTEMPORÂNEO Marcos Cavalcanti André Pereira Neto RECENTES DILEMAS DA DEMOCRACIA E DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: POR QUE PRECISAMOS DE MAIS MULHERES NA POLÍTICA? Marlise Matos TRABALHO INFANTIL NO BRASIL: RUMO À ERRADICAÇÃO Ricardo Paes de Barros Rosane Silva Pinto de Mendonça

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ISSN 1809-9815ano 5 | setembro > dezembro | 2011

SESC | Serviço Social do Comércio

SESC | Serviço Social do Comércio

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1717

www.sesc.com.br

CIDADE MARAVILHOSA: ENCONTROS E DESENCONTROS NOS PROJETOS DE REMODELAÇÃO URBANA DA CAPITAL ENTRE 1902 E 1927José Cláudio Sooma Silva

A CAPTURA DO GOSTO COMO INCLUSÃO SOCIAL NEGATIVA: POR UMA ATUALIZAÇÃO CRÍTICA DA ÉTICA UTILITARISTAMarco Schneider

INOVAÇÃO, TECNOLOGIAS SOCIAIS E A POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO BRASIL: DESAFIO CONTEMPORÂNEOMarcos CavalcantiAndré Pereira Neto

RECENTES DILEMAS DA DEMOCRACIA E DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: POR QUE PRECISAMOS DE MAIS MULHERES NA POLÍTICA?Marlise Matos

TRABALHO INFANTIL NO BRASIL: RUMO À ERRADICAÇÃORicardo Paes de BarrosRosane Silva Pinto de Mendonça

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v.5 nº17setembro > dezembro | 2011SESC | Serviço Social do ComércioAdministração Nacional

SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 1-180 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011ISSN 1809-9815

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COORDENAÇÃO EDITORIALGerência de Estudos e Pesquisas / Divisão de Planejamento e DesenvolvimentoMauro Lopez Rego

CONSELHO EDITORIALÁlvaro de Melo SalmitoMauricio BlancoNivaldo da Costa PereiraSECRETÁRIO EXECUTIVO

Mauro Lopez RegoASSESSORIA EDITORIAL

Andréa Reza

EDIÇÃOAssessoria de Divulgação e Promoção / Direção-GeralChristiane CaetanoPROJETO GRÁFICO

Vinicius BorgesSUPERVISÃO EDITORIAL

Jane Muniz PRODUÇÃO EDITORIAL

Duas Águas| Ieda MagriREVISÃO

Clarissa PennaREVISÃO DO INGLÊS

Idiomas & ciaDIAGRAMAÇÃO

Livros & Livros | Susan JohnsonPRODUÇÃO GRÁFICA

Celso Clapp

SESC | Serviço Social do Comércio | Administração Nacional

PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONALAntonio Oliveira SantosDIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO NACIONALMaron Emile Abi-Abib

Sinais Sociais / SESC, Departamento Nacional - Vol. 1, n. 1 (maio/ ago. 2006)- . – Rio de Janeiro : SESC, Departamento Nacional, 2006 - .v.; 30 cm.Quadrimestral. ISSN 1809-98151. Pensamento social. 2. Contemporaneidade. 3. Brasil. I.

Serviço Social do Comércio. Departamento Nacional, 2006 - .

As opiniões expressas nesta revista são de inteira responsabilidade dos autores.As edições podem ser acessadas eletronicamente em www.sesc.com.br.

COMITÊ CONSULTIVO 2011Alexandre Palma (UFRJ)Andre Braz Golgher (UFMG-CEDEPLAR)Antonio Alkmim (PUC-RJ)Cesar Kiraly (UFF)Danielle Carusi (UFF)Denise Bragotto (PUC-Campinas)Edith Frigotto (UFF)Eduardo Gomes (UFF)Fernando Blanco (Banco Mundial)Flavio Ferreira (FFAU)Ilana Sender (UFRJ)José Cláudio Sooma Silva (UFRJ)Luiz Guilherme Vergara (UFF)Marcelo Kischinhevsky (PUC-RJ)Márcia Stein (UERJ)Maryane Saísse (UFRJ)Mauro Roese (UFRGS)Rafael Parente (New York University)Ronaldo Rosas Reis (UFF)

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3SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 1-180 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

APRESENTAÇÃO5EDITORIAL7SOBRE OS AUTORES8CIDADE MARAVILHOSA: ENCONTROS E DESENCONTROS NOS PROJETOS DE REMODELAÇÃO URBANA DA CAPITAL ENTRE 1902 E 192710José Cláudio Sooma Silva

A CAPTURA DO GOSTO COMO INCLUSÃO SOCIAL NEGATIVA: POR UMA ATUALIZAÇÃO CRÍTICA DA ÉTICA UTILITARISTA52Marco Schneider

INOVAÇÃO, TECNOLOGIAS SOCIAIS E A POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO BRASIL: DESAFIO CONTEMPORÂNEO80Marcos CavalcantiAndré Pereira Neto

RECENTES DILEMAS DA DEMOCRACIA E DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: POR QUE PRECISAMOS DE MAIS MULHERES NA POLÍTICA?110Marlise Matos

TRABALHO INFANTIL NO BRASIL: RUMO À ERRADICAÇÃO142 Ricardo Paes de BarrosRosane Silva Pinto de Mendonça

SUMÁRIO

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5SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 1-180 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

A revista Sinais Sociais tem como finalidade precípua tornar-se um espaço de debate sobre questões da contemporaneidade brasileira.

Pluralidade e liberdade de expressão são os pilares desta publicação. Pluralidade no sentido de que a revista Sinais Sociais é aberta para a publicação de todas as tendências marcantes do pensamento social no Brasil hoje. A diversidade dos campos do conhecimento tem, em suas páginas, um locus no qual aqueles que têm a reflexão como seu ofício poder-se-ão manifestar.

Como espaço de debate, a liberdade de expressão dos articulistas da Sinais Sociais é garantida. O fundamento desse pressuposto está nas Diretrizes Gerais de Ação do SESC, como princípio essencial da enti-dade: “Valores maiores que orientam sua ação, tais como o estímulo ao exercício da cidadania, o amor à liberdade e à democracia como principais caminhos da busca do bem-estar social e coletivo.”

Igualmente, é respeitada a forma como os artigos são expostos – de acordo com os cânones das academias ou seguindo expressão mais heterodoxa, sem ajustes aos padrões estabelecidos.

Importa para a revista Sinais Sociais artigos cujas fundamentação teórica, consistência, lógica da argumentação e organização das ideias tragam contribuições além das formulações do senso comum. Análises que forneçam elementos para fortalecer as convicções dos leitores ou lhes apresentem um novo olhar sobre os objetos em estudo.

O que move o SESC é a consciência da raridade de revistas seme-lhantes, de amplo alcance, tanto para os que procuram contribuir com suas reflexões como para segmentos do grande público interessados em se informar e se qualificar para uma melhor compreensão do país.

Disseminar ideias que vicejam no Brasil, restritas normalmente ao mundo acadêmico, e, com isso, ampliar as bases sociais desse debate, é a intenção do SESC com a revista Sinais Sociais.

Antonio Oliveira SantosPresidente do Conselho Nacional do SESC

APRESENTAÇÃO

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EDITORIALComo devem ser concebidas e executadas as ações voltadas a alte-

rar aspectos da cultura e da sociedade? Esta questão pode ser tomada como decorrência de um olhar isento sobre os inúmeros impactos advindos das reformas empreendidas por prefeitos e administradores públicos sobre a estrutura urbana do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX. Sob inspiração francesa, muitas das alterações na então capital brasileira vieram confrontar ou tentar substituir a herança por-tuguesa de “semeadores de cidades” tão bem assinalada por Sergio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil.

Da cidade reformada fazemos o espaço para nos transportar à cida-dania, uma ideia-força ainda hoje em trânsito. Estará a cidadania por ser concebida, por reformar ou por semear na sociedade que recebe-mos por herança? A presente edição da Sinais Sociais fornece algumas pistas para a escolha do percurso a seguir.

O artigo de Marcos Cavalcanti e André Pereira Neto discute o papel das políticas de incentivo e reconhecimento à pesquisa em favor das tecnologias sociais, isto é, das formas pelas quais pode-se promover a transformação na sociedade. Ricardo Paes de Barros e Rosane Men-donça descrevem o caminho percorrido pelo Brasil na diminuição sig-nificativa do trabalho infantil e descrevem o cenário das perspectivas atuais para sua erradicação.

Marlise Matos postula exigência para o tão desejado desenvolvi-mento nacional inclusivo e emancipatório: a representação feminina e feminista no ambiente político. Marco Schneider recorre ao pensa-mento de Stuart Mill para discutir, de forma provocadora e atual, as trocas simbólicas que envolvem cultura e economia.

Finalmente, o artigo de José Cláudio Sooma Silva, que serve de mote a este editorial, aborda as transformações sociais simultâneas às já cita-das reformas urbanísticas e alude às tensões entre a concepção deter-minista das intervenções e os hábitos daqueles que seriam seus atores diários: os cidadãos cariocas.

Maron Emile Abi-Abib Diretor-Geral do Departamento Nacional do SESC

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SOBRE OS AUTORESAndré Pereira Neto

Doutor em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1997) e pós--doutor em Sociologia da Saúde pela Universidade da Califórnia, São Francisco (2006). É pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública, onde coordena o Laboratório Internet, Saúde e Sociedade (Laiss). É professor credenciado do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde oferecido pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) da Fundação Oswaldo Cruz. Desenvolve pesquisa sobre o impacto da internet na relação médico-paciente e sobre avaliação de qualidade de informação em sites de saúde.

José Cláudio Sooma Silva

Doutor em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tem experiência na área de História e Educação, com ênfase em História da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: culturas esco-lares e culturas urbanas; história da institucionalização escolar; história da cidade do Rio de Janeiro (finais do XIX – 1930) e história da República. É coordenador do projeto Estratégias educacionais e representações urbanas: dimensões da modernidade carioca, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos organizadores do livro His-tória da educação na América Latina: ensinar & escrever (EdUERJ, 2011).

Marcos Cavalcanti

Doutor em Informática pela Université de Paris XI e professor do Programa de Engenharia de Produção da Coppe/UFRJ. Coordena o Centro de Referência em Inteligência Empresa-rial (Crie) da Coppe/UFRJ, é membro do New Club of Paris e coordena o curso de pós--graduação em Gestão do Conhecimento e Inteligência Empresarial – Master on Business and Knowledge Management (MBKM). Foi coautor dos livros O conhecimento em rede e gestão de empresas na sociedade do conhecimento (Editora Campus), Gestão eletrônica de documentos e Que ferramenta devo usar (Editora Qualitymark).

Marco Schneider

Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Mestre em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio do Janeiro (ECO-UFRJ). Professor da Universidade Fede-ral Fluminense (UFF), da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e do Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam). Pós-doutorando em Estudos Culturais do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (Pacc) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Publicou no último triênio: “Infotelecomunicações e fetiche do valor” (Comunicação e Sociedade), “A jiboia” (Eco-Pós), “Sociogênese do capital midiático através da música” (Lu-mina), “Representação, realidade e comunicação midiatizada” (Contemporânea), “Lenin e a Microsoft” (Revista Z Cultural), “Baudrillard e o fetiche do fetiche do fetiche” (Comunicação:

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Veredas), “Hipótese para uma genealogia biopolítica do gosto” (Galáxia), “Comunicação, economia e política” (Eptic), “Diretrizes gerais para uma crítica da economia política da comunicação” (Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación).

Marlise Matos

Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1988), mestre em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993) e doutora em Sociologia pela Sociedade Brasileira de Instrução – SBI/Iuperj (1998). Possui formação complementar em Direito Internacional, pela Universidad de La Republica (Udelar, 2005), e em Direitos Humanos, pela Universidad de Buenos Aires (UBA, 2009), com apoio das Nações Unidas (Acnur e Acnudh). Atualmente, é professora adjunta do De-partamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais e coordena-dora do Centro do Interesse Feminista e de Gênero (CIFG) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem), ambos da UFMG. Como pesquisadora, tem atuado na área das relações de gênero, de avaliação de políticas públicas, de representação e participação políticas, de movimentos sociais e minorias e de comportamento político de mulheres. Tem experiência também nas áreas de sociologia e política das relações de gênero, desigualdades sociais, planejamento e desenvolvimento, avaliação e monitora-mento de políticas públicas, direitos humanos e cidadania.

Ricardo Paes de Barros

Graduou-se em Engenharia Eletrônica no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) em 1977. Concluiu mestrado em Estatística pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) em 1982 e doutorado em Economia pela Universidade de Chicago em 1987. Tem pós-doutorado pelo Centro de Pesquisa em Economia, Universidade de Chicago (1988) e pelo Centro de Crescimento Econômico, Universidade de Yale (1989). Desde 1979 trabalha como pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), conduzindo pesquisas nos campos de desigualdade social, educação, pobreza e merca-do de trabalho no Brasil e na América Latina. Entre 1990 e 1996, foi professor convida-do da Universidade de Yale. Entre 1999 e 2002 foi diretor de Estudos Sociais do Ipea. Nos anos de 1995 e 2000 obteve o prêmio Haralambos Simeonidis e em 2000, o Mario Henrique Simonsen. Em 2005 foi admitido na Ordem Nacional do Mérito Científico, na classe de comendador, e em 2009 passou a integrar o corpo de cientistas da Academia Brasileira de Ciências. Atualmente é subsecretário da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR).

Rosane Silva Pinto de Mendonça

Formou-se em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em 1989; é mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e doutora em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. De 1987 a 2001 trabalhou como pesquisadora no Instituto de Pesqui-sa Econômica Aplicada (Ipea), desenvolvendo, com Ricardo Paes de Barros, uma série de estudos na área de pobreza e desigualdade, e desde 1996 é professora adjunta do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Em 1995 ga-nhou o prêmio Haralambos Simeonidis, na categoria Melhor Artigo e em 2000 ganhou o prêmio Mário Henrique Simonsen, também na categoria Melhor Artigo. Atualmente é diretora da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR).

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CIDADE MARAVILHOSA1: ENCONTROS E DESENCONTROS NOS PROJETOS DE REMODELAÇÃO URBANA DA CAPITAL ENTRE 1902 E 1927José Cláudio Sooma Silva

1 O epíteto de Cidade Maravilhosa tem sido objeto de controvérsia entre os pesquisadores. Segundo Clarice Nunes (1996) e Renato Gomes (1994), foi a poetisa francesa Jeanne Catulle Mendès, em visita à cidade do Rio em 1912, a primeira a cunhar a expressão. Já para Oswaldo Rocha (1986) e Sidney Chalhoub (1986), coube a Coelho Neto, em 1908, o primado da adjetivação.

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O foco deste artigo se centra no redimensionamento dos espaços e na acele-ração dos tempos sociais na antiga capital do Brasil durante as três primeiras décadas do século XX, discutindo as medidas de reforma do ambiente citadino empreendidas a partir, principalmente, da administração de Francisco Pereira Passos (1902-1906) até o Plano de Remodelação e Embelezamento elabora-do para a cidade carioca pelo urbanista francês Alfred Hubert Donat Agache (1927). Baseado na análise de revistas, jornais, ofícios remetidos pela Prefeitura e projetos de remodelação da cidade do Rio de Janeiro, o artigo problematiza algumas modificações relacionadas às maneiras de se pensar as articulações da organização do traçado arquitetônico com os modos idealizados da população para ocupar e transitar pelos espaços e tempos sociais no período. Palavras-chave: história da cidade do Rio de Janeiro; Reforma Pereira Passos; Plano Agache

The article focuses attention on the reorganization of areas and the acceleration of social timesin the old capital of Brazil during the first three decades of the twentieth century; discussing the methods utilized in the reformation of the city, particularly during the time of the Francisco Pereira Passos administration (1902-1906) and up to the Renovation and Beautification Plan elaborated es-pecially for the city by the French urbanist Alfred Hubert Donat Agache (1927). Based on the analysis of periodicals, newspapers, official documents sent by the the City Hall and plans for the remodeling of the city of Rio de Janeiro, this study shows the problems created between some modifications based solely on the way of thinking of architectural layout organization and the ideas of the population to occupy and transit around the space and social centers. Keywords: history of the city of Rio de Janeiro; Pereira Passos Reforms; Agache Plan

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1 O REDIMENSIONAMENTO DOS ESPAÇOS SOCIAIS

No período entre o final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX deu-se o grande impulso para o ingresso da cidade do Rio de Janeiro no movimento do moderno. Foi, principalmente, a partir da administração do prefeito e engenheiro Francisco Pereira Passos e sucessores que os projetos de remodelação urbana passaram a se constituir como uma constante no cotidiano da cidade2.

O anseio de modernizar a então capital federal – superando-se, com isso, os resquícios do passado colonial e imperial – explicitava-se, de um lado, nas demolições e arrasamentos dos cortiços, casebres, vielas, ruelas e morros; e, de outro, na abertura e alargamento de vistosas avenidas e ruas, na construção de pomposas edificações, na eliminação dos maus cheiros e sujeiras. Procurava-se, através das po-eiras levantadas e dos barulhos característicos dos trabalhos das “pás e picaretas” (CHALHOUB, 1986), erradicar qualquer tipo de passado que pudesse contrastar com a imagem diferente pretendida para a cidade: uma capital afinada com as características de um mundo mo-derno (MENEZES, 1992, p. 26). A esse respeito, vale conferir as refle-xões de Marly Motta e Angela Santos (2003, p. 19) sobre as iniciativas reformistas:

Por “Reforma Pereira Passos” entende-se um grande número de obras públicas que redefiniram de modo radical a estrutura urbana da ci-dade do Rio de Janeiro durante o governo do prefeito Pereira Passos. (...) O plano da Prefeitura previa a abertura de alguns grandes eixos de circulação na cidade, como as avenidas Beira-Mar, Mem de Sá

2 Dentre a extensa bibliografia a respeito da remodelação carioca, remeto às seguintes pesquisas: Abreu, 1981, 2003; Araújo, 1993; Azevedo, 2003; Benchimol, 1992; Bretas, 1997; Carvalho, 1986; Caulfield, 2000; Chalhoub, 1986; Esteves, 1989; Fenerick, 1997; Freire, 2003; Gomes, 1999; Herschmann E Lerner, 1993; Hollanda, 2003; Lenzi, 2003; Lobo, 2003; Machado, 1998; Matta, 2003; Mella, 2003; Menezes, 1992, 1996; Menezes, 2003; Moraes, 1994; Motta E Santos, 2003; Pechman, 2003; Pereira, 1997; Rago, 1985; Rocha, 1986; Rodrigues, 2000; Sevcenko, 1984, 1985, 1998; Silva, 1988; Silva, 1995; Sooma Silva, 2004, 2009; Süssekind, 1986; Turazzi, 2003; Vianna, 1999.

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e Salvador de Sá. Além da canalização de todos os rios que corriam em Laranjeiras, Botafogo, Rio Comprido e Engenho Velho, substituídos por galerias subterrâneas, o projeto de melhoramentos da Prefeitura incluía o ajardinamento e a arborização de praças e ruas, a abertura de praças, a construção de três pequenos mercados, do Teatro Municipal e o Paço Municipal.

As tentativas de imprimir novos ordenamentos ao meio social pau-tadas nos projetos de remodelação e embelezamento da cidade bus-cavam seu lugar de legitimação na articulação dos discursos médico e higiênico. Para que tal articulação se torne passível de compreensão, faz-se necessário atentar à década de 1830. Segundo Magali Engel (1989, p. 53), localizam-se nesse período “as origens de uma produ-ção médica voltada, prioritariamente, para questões relacionadas ao cotidiano urbano (...), com a criação da Academia Imperial de Medici-na e da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro”. Ainda para a pes-quisadora, na fundação dos dois estabelecimentos de saúde estavam os desejos de controlar as várias “doenças endêmicas que assolavam a capital federal, como a febre amarela, a disenteria, a varíola e outras”.

Outra ação que contribuiu para fomentar as discussões atinentes às características dos espaços citadinos do período relaciona-se ao au-mento da fiscalização e repressão pela Junta Central de Higiene do Império. Coube a essa Junta, criada na década de 1880, o papel de “intimar os proprietários de estalagens e cortiços a fecharem seus esta-belecimentos por intermédio das comissões existentes em cada distri-to sanitário da cidade” (BENCHIMOL, 1992, p. 138). Dentro, ainda, das iniciativas que se propuseram a repensar os aspectos constituintes da cidade de finais do século XIX, não se pode deixar de ponderar a breve administração do prefeito Cândido Barata Ribeiro (17 de de-zembro de 1892 a 25 de maio de 1893). Médico pediatra, professor da Escola de Medicina do Rio de Janeiro, Barata Ribeiro “colocou em prática uma série de medidas que despertaram violenta reação por parte dos comerciantes e proprietários urbanos. Continham elas, em-brionariamente, vários aspectos do plano de remodelação da capital que Pereira Passos iria executar” (idem, p. 183). Talvez a mais signi-ficativa das medidas tenha sido a de 26 de janeiro de 1893, quando houve a demolição de um “número desconhecido de barracos loca-

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lizados ao longo da velha rua de Santana, desde que ela saía da praça até atingir a orla marítima e os armazéns do porto”. Esse conjunto de cortiços, estalagens e casebres que existiu durante 53 anos abrigan-do uma população estimada em quatro mil pessoas ficou conhecido como Cabeça de Porco (GRAHAM, 1992, p. 145-46).

Não faltavam motivos que justificassem a preocupação de ordem médico-higiênica em relação ao cotidiano da cidade. A organização urbana do período, marcada decisivamente pela geografia de traçado irregular, atabalhoado de ruas, becos e vielas coloniais, morros e pân-tanos, constituía-se como foco potencial para epidemias avassaladoras (febre amarela, cholera morbus, peste, varíola, difteria, tifo, febre tifoi-de, tuberculose aberta e lepra ulcerada). Somente entre 1850 e 1901, 56 mil habitantes haviam falecido em consequência da febre amarela (GRAHAM, 1992, p. 130).

Acontecimentos desse porte contribuíram para que as questões mé-dico-higiênicas da capital sofressem uma alteração em suas caracterís-ticas. Nesse sentido, grande destaque deve ser dado a uma, por assim dizer, transferência de responsabilidades. Pelos decretos nº 4.463, de 12 de julho de 1902, e nº 966, de 2 de janeiro de 1903, objetivando aumentar sua eficácia, acertou-se que o Serviço Municipal de Higie-ne Defensiva ficaria a cargo do Governo Federal. Com essa iniciativa administrativa foi instituída “a verificação dos óbitos ocorridos na ci-dade, pelos médicos da Diretoria Geral de Saúde Pública e tornado obrigatório o isolamento dos doentes infectantes e a desinfecção dos domicílios” (SINGER, CAMPOS e OLIVEIRA, 1978, p. 108-9). Ainda em meados de abril de 1903, quando houve a grande ameaça advin-da da epidemia de febre amarela, foi decretada a criação do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, “tendo o Hospital São Sebastião sido modificado para nele ser realizado o isolamento dos doentes” (idem).

Percebe-se que o interesse médico pelo corpo social (encarado como palco de manifestação e de transmissão de doenças) expressava o objetivo de controlá-lo por meio de uma política de higienização. Desse modo, pelo diagnóstico seguido do tratamento e isolamento dos citadinos contaminados, esperava-se melhorar as condições de salubridade da capital.

A esse modus operandi que caracterizava os saberes médico-higiê-nicos até finais do século XIX a administração Pereira Passos (1902-

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1906) acrescentou outra prática: a de atrelar às medidas de diagnós-tico, isolamento e tratamento a planificação urbana. Para tanto, foi imprescindível o amplo e irrestrito apoio político e econômico por parte do Governo Federal.

Foi amplo e irrestrito porque o Governo Federal concedera poderes quase ditatoriais, durante seis meses, ao recém-empossado prefeito da cidade, Francisco Pereira Passos. Afinal, a 29 de dezembro de 1902 (um dia antes da posse de Passos) o presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves “promulga o Decreto Federal nº 939, que alterava a lei orgânica do Distrito Federal (Lei nº 85, de 20 de setembro de 1892)”. Esse decreto acabou por silenciar o poder de voto do Conselho Mu-nicipal, fazendo com que Pereira Passos tivesse “plena liberdade de ação para legislar por decretos, dispor discricionariamente do apa-relho administrativo municipal e realizar operações de crédito sem a anuência do legislativo” (BENCHIMOL, 1992, p. 268-69).

Estavam criadas as condições para que os discursos médico-higiêni-cos passassem, com a virada do século, a operar também sob a influên-cia das pás e picaretas do assim chamado “Haussmann Tropical”3. De algum modo, portanto, no correr dos primeiros anos do século XX, em razão de um aprofundamento das experiências empreendidas durante o século XIX, pouco a pouco foi se delineando a concepção de que para a erradicação das epidemias já não bastava diagnosticar, isolar e tratar os doentes. Passava a ganhar proeminência a ideia de que as práticas de saneamento deviam se preocupar com um trabalho de prevenção a ser imposto à capital.

3 Faço uso do paralelo traçado por Raymundo Athayde entre o responsável pelo movimento de reestruturação urbanística de Paris (1853-1870), Barão Georges Eugène Haussmann, e o executante do plano de reformulação da cidade do Rio, Francisco Pereira Passos. Sobre esse aspecto deve-se, inclusive, sublinhar que Pereira Passos acompanhou pessoalmente (como funcionário da embaixada brasileira em Paris, de 1857 a 1860) a remodelação da capital francesa; durante esse período, pôde completar seus estudos de engenharia na École Nationale des Ponts et Chaussées. Ainda sobre suas aproximações com a atmosfera e as instituições de pesquisa parisienses, cabe frisar que, de 1880 a 1881, Pereira Passos frequentou cursos na Sorbonne e no Collège de France. A esse respeito, ver: Athayde, S.D.; Azevedo, 2003; Benchimol, 1992; Moraes, 1994; Pinheiro e Fialho Júnior, 2006; Segawa, 1999.

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Os experimentos científicos de Pasteur e Koch já apontavam, desde a década de 1870, que não era a inalação do ar contaminado, mas sim os germes infecciosos propagados pelo contato indireto estabe-lecido entre as pessoas de uma determinada localidade (por meio, por exemplo, de objetos como dinheiro, telefones públicos ou roupas experimentadas nas lojas) os responsáveis pela profusão de doenças contagiosas. Ainda assim, o projeto de remodelação da cidade caracte-rizou-se pelo emprego de estratégias de intervenção pautadas na teo ria dos miasmas. Desta feita, avenidas foram rasgadas, ruas alargadas, morros destruídos, moradias aniquiladas, objetivando a livre circulação dos fluidos, do ar e da água, de modo a assegurar a boa saúde dos cariocas (RAGO, 1985, p. 168).

Pautadas na teoria dos miasmas, tanto as providências voltadas para a remodelação dos aspectos arquitetônicos quanto as medidas relacio-nadas à modelação dos comportamentos da população expressavam, em certo sentido, o interesse médico-higiênico de controlar preventi-vamente os aspectos físicos e sociais da cidade do Rio de Janeiro. Mas, sobretudo, as práticas de execução das iniciativas da administração municipal centravam-se em uma intenção direcionada, primeiramen-te, para toda a sociedade, para atingir, a partir dela, os indivíduos. Des-sa forma, ainda que legitimadas pelos discursos médico-higiênicos, as práticas de reforma estavam carregadas de um caráter impositivo. Tal caráter contribuiu, em grande parte, para que se estabelecesse uma determinada “lógica da desconfiança que caracterizaria as relações da população, de um modo geral, com as autoridades governamentais” (SILVA, 1995, p. 162).

Não era sem razão a “lógica da desconfiança”. A um só tempo o Rio assistiu e foi submetido aos transtornos, interferências e reconfi-gurações de seu cotidiano. Com o “bota-abaixo”, os cariocas viram ser implodida “a sua autonomia pela onipotência do poder público” (ARAÚJO, 1993, p. 198). Afinal, os recursos utilizados para a higie-nização da cidade “foram os mesmos postos em prática no período para realizar as mais deslavadas usurpações (...), da mesma forma como se demoliam casarões e cortiços no centro da cidade para valorizar áreas visando à especulação imobiliária e a obter vanta-gens para o comércio de importação e para as indústrias nascentes” (CHALHOUB, 1986, p. 202).

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As discordâncias em relação às iniciativas empreendidas pela admi-nistração municipal acentuavam-se, mas faltava um acontecimento ca-talisador. Ele veio. Em 23 de março de 1903, Oswaldo Cruz assumia a direção-geral da Saúde Pública e, em conformidade com as intervenções remodeladoras da administração Pereira Passos, prometia, em um prazo limite de quatro anos, varrer a varíola, a febre amarela e a peste bubônica.

Em 31 de outubro de 1904 foi aprovada pelo Congresso a lei que tornava obrigatória a vacinação e revacinação contra a varíola de to-dos os citadinos. Movimentos de contestação ao caráter arbitrário e compulsório da medida passaram a ter lugar, culminando naquilo que ficou conhecido como a Revolta da Vacina. “A lei da obrigatoriedade da vacina contra a varíola (...) despertou a indignação. A reação popular traduziu-se em uma revolta violenta, com barricadas, quebra-quebra e tiroteios, de que participaram operários, estudantes, comerciantes, militares e pivetes” (ARAÚJO, 1993, p. 198-99).

A Revolta da Vacina constitui-se como um forte indício de quão tu-multuado estava o cotidiano em função, especialmente, do caráter im-positivo das práticas reformistas da administração Pereira Passos. Afinal, por meio de um acontecimento catalisador (a vacinação compulsória) os habitantes deram vazão aos seus descontentamentos endossando o movimento do quebra-quebra na cidade. Os alvos? Muitos dos elemen-tos ou símbolos da remodelação desenhada pela administração Pereira Passos, ou, por outros termos, quase tudo aquilo em que eles pudessem

pressentir a presença do poder que o[s] aflig[ia] nos seus menores si-nais: na luz elétrica, nos jardins elegantes, nas estátuas, nas vitrines de cristal, nos bancos decorados dos parques, nos relógios públicos, nos bondes, nos carros, nas fachadas de mármore, nas delegacias, agências de correio e postos de vacinação, nos uniformes, nos ministérios e nas placas de sinalização (SEVCENKO, 1984, p. 68)4.

Ao se estudar os projetos de reestruturação urbana não se pode des-considerar as alterações sofridas pelo meio social onde eles se desen-

4 Acerca dos pormenores que estiveram envolvidos nesse movimento revoltoso da população carioca, ver também: Benchimol, 1992; Carvalho, 1987; Esteves, 1989; Sevcenko, 1998, 2000.

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rolaram. Afinal, tanto a cidade quanto seus projetos de remodelação só adquirem sentido se pensados como acordos tácitos estabelecidos, cotidianamente, pelos habitantes em certo período histórico (PARK, 1979, p. 26).

Portanto, perscrutar os projetos de remodelação e embelezamento de uma cidade implica estar atento aos dispositivos disciplinares que pretendem constituir um conjunto de regras e normas de ocupação e circulação para os seus habitantes. É a partir da relação entre essa von-tade disciplinar e os procedimentos táticos de apropriação que uma realidade é construída (CERTEAU, 1994).

Entre os últimos anos do século XIX e finais da década de 1920, a população da cidade do Rio de Janeiro passou de 522.651 pessoas, em 1890, para 811.443 pessoas, em 1900, ultrapassou um milhão de pessoas em 1920 (1.157.873) e em finais da década de 1920 conta-vam-se aproximadamente dois milhões de habitantes (LOBO, 1978; SEVCENKO, 1985). Talvez, porém, o número total seja menos signi-ficativo que a heterogeneidade característica desse grande conjunto populacional5, que passava a conviver com modificações intensas em seu ambiente urbano. Nesse sentido, as medidas de remodelação em-preendidas pela administração Pereira Passos, pautadas nos discursos médico-higiênicos, fizeram com que todos, de algum modo, tivessem que se adaptar a novas exigências. Espaços reordenados, cotidianos al-terados, tempos modificados eram os efeitos das obras públicas, que, por vezes, pareciam mais amedrontar do que trazer benefícios aos cariocas (MORAES, 1994, p. 6-7).

No bojo desse curso de profundas mudanças, foram instituídos ou-tros referenciais de tempo e de espaço na população. Afinal, os efeitos

5 Refiro-me, aqui, às características da população carioca do período, cuja heterogeneidade manifestava-se, por exemplo, no grande número de des-cendentes de portugueses, africanos, italianos, judeus; nas formas de diversão (boemias, serenatas, batalha das flores, lança-perfume, serpentina, corso, blo-cos, cordões, cervejarias, bares de sinuca, cabarés, cafés-cantantes, cinemató-grafos, óperas, peças teatrais) em localidades como Centro, Lapa, Praça Onze e Mangue, que aglutinavam malandros, intelectuais, prostitutas, jornalistas, artistas, capoeiras; na forte presença do candomblé e outros cultos religiosos de origem africana e europeia. A esse respeito, conferir: Benchimol, 1992; Caulfield, 2000; Silva, 1995; Valença, 1996.

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dos derivados energéticos resultantes da eletricidade e do petróleo passavam a produzir alterações no cotidiano da capital (SEVCENKO, 1998; BENCHIMOL, 1992; ROCHA, 1986; MORAES, 1994).

Alguns dos aspectos do cotidiano que tiveram a sua existência re-pensada no correr das três primeiras décadas do século XX foram o aperfeiçoamento das formas de comunicação6, a aceleração dos deslo-camentos operados nas novas ruas e avenidas, as renovadas maneiras de o individual relacionar-se com o coletivo e a paulatina substituição da tração animal pelos compostos elétrico-mecânicos como forças propulsoras dos transportes coletivos (ROCHA, 1986)7.

A partir dos anos Pereira Passos, portanto, houve uma mudan-ça de vulto no que concerne às prioridades que caracterizavam os componentes do ambiente urbano. A planificação da cidade de-via, primeiro, responder às necessidades higiênicas (tornando-se, assim, livre das epidemias) e econômicas (interligação do porto com o remodelado centro comercial8 e valorização imobiliária, parti-

6 A esse respeito, deve-se destacar a paulatina expansão, na cidade do Rio – a partir do início do século XX e principalmente em finais da década de 1910 –, dos serviços de correspondência e de telefonia (ARAÚJO, 1993, p. 119 e seguintes).7 Acerca dos meios de transporte de finais do século XIX e primeiras décadas do século XX, ver Santos, 1934.8 Até a administração Pereira Passos, acompanhando as sinuosidades litorâ-neas da cidade, o cais do porto era marcado pelo desalinhamento. Tal caracte-rística obrigava as embarcações (fossem transatlânticos, navios de cabotagem, carga, vapores, cargueiros ou veleiros) a ancorar tão logo contornassem a Ilha das Cobras. Um canal estreito e de pouca profundidade, por onde só transi-tavam pequenas embarcações, separava a ilha do cais. A carga e descarga das mercadorias eram realizadas por meio de um sistema que envolvia saveiros, chatas, alvarengas e batelões, para depois ser distribuída por meio de carroças, charretes e carrinhos de mão que driblavam as esquinas, ruas, becos e ruelas do centro. Tendo em vista essa situação, objetivando otimizar o tempo e au-mentar a lucratividade, a partir da administração Pereira Passos o porto foi alvo de intensas reformas. Desse modo, embora modificado em relação ao projeto inicial, que previa uma extensão de 3.500 metros, o porto foi inaugurado, em 20 de julho de 1910, pelo presidente Afonso Pena, com 2.700 metros. A esse respeito, ver Benchimol, 1992; Rocha, 1986; Sevcenko, 1984, 1985.

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cularmente, no centro e região sul da capital9) e somente depois atentar para as demais questões presentes no cotidiano da maioria da população.

Essa lógica evidenciava-se na prática de se nomear engenheiros para o cargo de prefeito da capital. A contar da administração Pereira Passos, a cidade, no período de 1902 a 1926, passou pelas “mãos” de mais quatro engenheiros: Amaro Cavalcanti (1917-1918), Paulo de Frontin (1919), Carlos Sampaio (1920-1922) e Alaor Prata (1922-1926) (DELGADO DE CARVALHO, 1994). Entrementes, tão ou mais importante do que a constatação do denominador comum, no que concerne à formação profissional dos prefeitos, é a questão referente à consonância que também pode ser percebida entre grande parte das práticas administrativas implementadas por esses prefeitos e en-genheiros e os anos Pereira Passos (AZEVEDO, 2003; BENCHIMOL, 1992; DELGADO DE CARVALHO, 1994; MOTTA e SANTOS, 2003; SEGAWA, 1999; STUCKENBRUCK, 1996; TOURINHO, 1964).

Por um lado, poder-se-iam creditar às administrações municipais al-gumas iniciativas que concorreram para a higienização e o embeleza-mento da paisagem urbana (especialmente no que se refere às regiões da área central e da zona sul). Por outro, no entanto, a desestruturação ocupacional da cidade tinha justamente como uma das suas principais causas o fato de as administrações pensarem em termos técnicos e artificiais as apropriações espaciais, que, na maioria das vezes, se rea-lizavam a partir de condições ocasionais e de improvisos.

9 A valorização imobiliária constituiu-se como uma forte tendência no meio social carioca a partir dos anos Pereira Passos. Tentativas de valorização das áreas centrais, por meio da expulsão dos antigos moradores, remodelação arquitetônica e privilégios da instalação de trilhos de bondes em determinadas regiões foram algumas das medidas empreendidas. A esse respeito, pode-se citar a iniciativa de inaugurar a iluminação elétrica do bairro de Copacabana em 1901, até então completamente desabitado. E, do mesmo modo, a cam-panha publicitária que a Jardim Botânico, aliada à Empresa de Construções Civis, implementou na capital no início do século XX. Almejando construir e difundir a imagem de Copacabana como o máximo a ser alcançado em termos de um “estilo de vida moderna”, a Jardim Botânico oferecia condução gratuita até o bairro para atrair potenciais compradores de terrenos (BENCHIMOL, 1992, p. 102; CHALHOUB, 1986, p. 91).

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Os objetivos principais das práticas de remodelação implementadas por Pereira Passos e sucessores – higienização, maior dinamismo nas relações econômicas e valorização imobiliária – pautavam-se em con-dições concebidas como ideais (BENCHIMOL, 1992, p. 275). Segun-do a “lógica social” governamental, com o “bota-abaixo” dos cortiços e casebres e o arrasamento de morros, estariam os “pobres” confi-nados a habitarem regiões outras que não as localizadas nas partes centrais e ao sul (SILVA, 1988, p. 91-92).

Contudo, o que se nota é que grande parte da população, respon-dendo a uma “lógica circunstancial” de ocupação, continuava não so-mente habitando as localidades ao sul e ao centro da cidade, travando lutas por espaço com as “picaretas” da modernidade, mas também manifestando-se contrariamente às incoerências advindas das refor-mas. Afinal, por serem opressivos, injustos e desiguais os projetos de reestruturação acabavam contribuindo para gerar revoltas. Atemoriza-dos pelas confusões e ameaças que foram introduzidas em seu coti-diano pelos trabalhos de demolição, expulsão, invasão sanitária, entre outras ações, pouco a pouco os habitantes buscaram diferentes formas de organizar suas relações com as autoridades governamentais.

Nessa direção, já em 1907 era fundada a Liga dos Inquilinos, que tinha como objetivo “reduzir os aluguéis ‘sem uso de meios ilícitos ou de violência’, através de protestos pacíficos em comícios nas praças públicas”. Utilizavam-se também de queixas ou apelações “para a ca-ridade alheia, através dos jornais” (ARAÚJO, 1993, p. 238). Mais três anos e, em 1910, foram criadas associações de moradores nos bairros de Vila Isabel, Engenho de Dentro, Paróquia de Santa Rita, Copacaba-na, Rio Comprido, Catumbi e Méier (SILVA, 1988, p. 36-37).

Por todos os cantos pululavam demonstrações de que a popu-lação buscava descobrir brechas para melhorar as suas em geral péssimas condições de vida. Nesse sentido, também de forma sig-nificativa marcaram a paisagem física e social da capital as bandei-ras defendidas pelo Centro Operário Radical do Rio de Janeiro no ano de 1910. Dentre algumas das lutas promovidas pelo Centro, assinalavam-se: “modificação do regime de propriedade; extinção de privilégios e monopólios; assistência ao trabalhador doente ou acidentado; liberdade de ação; e igualdade de direitos” (FERREIRA, 1978, p. 53-54).

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Percebe-se que se encontrava em curso um conjunto de iniciativas que se propunha, de alguma maneira, a discutir os encaminhamentos que vinham sendo privilegiados pelas práticas de remodelação e mo-dernização empreendidas pelas administrações da cidade. Todavia, as medidas adotadas pela Prefeitura não eram negociáveis. Desse modo, no transcurso da década de 1910, cada vez mais a situação citadina passava a se constituir como potencialmente explosiva.

O aumento das perseguições policiais às lideranças e mesmo o cer-ceamento de qualquer voz de contestação, sob a justificativa de “de-lito de opinião” (MENEZES, 1996, p. 94), contribuíram para a eclosão do rompante operariado entre os anos de 1917 e 1920. A cidade do Rio foi tomada de assalto por um sem-número de manifestações que, ocupando e quebrando, paralisaram “sistematicamente diversos se-tores produtivos” (PAULILO, 2001, p. 77)10. Para além dos operários, que buscavam melhoras das suas condições de trabalho, engrossaram os movimentos reivindicatórios também muitas pessoas que encon-traram nas manifestações a oportunidade de bradar o seu desconten-tamento. No entanto, segundo José Fenerick (1997, p. 62), mais uma vez, a “repressão que se deu durante e após os confrontos (...), somada a outras formas de esvaziamento e controle do movimento operário, foi, sem sombra de dúvida, das maiores já registradas na história da República Velha”.

Dentro, ainda, desse quadro de descontentamento e reivindicações, um acontecimento, em julho de 1922, teve grande impacto. Trata-se do levante militar capitaneado por Euclides da Fonseca, que, na madru-gada do dia 5, juntamente com outros 17 oficiais (número estimado) fincou base no Forte de Copacabana. O movimento teve desmem-bramentos na capital: sedes militares na Vila Militar e em Realengo também foram ocupadas. Mas não parou por aí. A rebelião contou com o apoio de civis e marchou pelas ruas do bairro de Copacabana, fazendo com que, pelas palavras de Marcos L. Bretas, uma vez mais, a “cidade fosse sacudida” (1997, p. 78).

No entanto, o embate envolveu forças muito desiguais. Dos assim denominados 18 do Forte, apenas dois oficiais sobreviveram: Siqueira

10 Sobre os pormenores que estiveram envolvidos no período das assim cha-madas Grandes Greves ver, principalmente, Fausto, 1976.

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Campos e Eduardo Gomes. As repercussões desse episódio, contudo, não se esgotaram com o término do confronto. Em meio às circuns-tâncias e temores despertados pelo levante, o presidente Epitácio Pes-soa decretou aquela medida que, pelo menos desde 1920, já estava sendo cogitada11: o estado de sítio no país. Essa situação perdurou por toda a gestão de Arthur Bernardes (1922-1926) e só foi revogada em 1927, durante o mandato de Washington Luís.

Tomando-se em consideração as manifestações ocorridas, con-quanto cada qual envolta em suas especificidades, pode-se indiciar um traço comum: a urgência de se buscar alterações nas maneiras de governar a capital. O correr da década de 1920 caracterizou-se, portanto, como o momento em que “o modelo de civilização imposto pelos governos republicanos”, balizado nas práticas de remodelação e higienização urbanas, passava “a ser atacado na imprensa e nas ruas, nas artes e nas festas populares e por meio da militância política e de revoltas militares” (CAULFIELD, 2000, p. 129). Alvos privilegiados das intervenções operadas pelos “Haussmanns tropicais” foram as pró-prias localidades centrais e regiões ao sul, apropriadas de inúmeras formas pelos citadinos:

11 A esse respeito, é interessante a leitura da notícia “O Rio dominado pela maior das greves: nada de estado de sítio”, publicada em 25 de março de 1920 na Gazeta de Notícias, da qual reproduzo a parte mais significativa: “Ou-vimos ontem no palácio Rio Negro que o governo levará até quanto possível o policiamento desta capital sem suspensão das garantias constitucionais. O governo não decretará estado de sítio se não reconhecer que essa medida é de inapelável necessidade. Soubemos ainda que o Sr. Presidente da República não acredita que o movimento grevista assuma caráter violento a ponto de impor estado de sítio, a fim de que a legalidade seja mantida. Entretanto, aos abusos que porventura se praticassem, o governo responderia com a medida citada e diz que é seu maior empenho não pretender lançar mão dela. (...) O Sr. Ministro da Justiça, respondendo a uma pergunta sobre boatos da decretação do estado de sítio, declarou aos representantes da imprensa que se encontravam no seu gabinete que o governo ainda não cogitara de tal medida extrema, sendo por isso infundados os boatos que circulam nesse sentido. É que o governo dispõe de elementos suficientes para fazer abortar imediata-mente qualquer tentativa de subversão da ordem pública, sem necessidade de suspender as garantias constitucionais.”

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As invasões de terrenos públicos e privados foram constantes a partir de meados da década de 1910, a falta de alternativa consolidou a favela no cenário carioca. Nos anos 1920 ela chegaria a Botafogo (Pas-mado), a Copacabana (Tabajaras e Leme), a São Cristóvão (Mangueira) e até a Madureira. Por essa ocasião já havia também galgado as encos-tas da serra da Carioca pelo lado do Catumbi (São Carlos e Querose-ne), da Tijuca (Salgueiro), do Engenho Novo (Macaco). Havia atingido ainda a vertente sul (Rocinha e Dona Marta) (NUNES, 1996, p. 161).

Por ocupações dos espaços citadinos devem-se entender, então, as operadas pelas ligas, associações e comissões de moradores de deter-minados bairros; as desenvolvidas pelos centros de lutas operariadas, especialmente entre os anos de 1917 e 1920; as eclodidas em função do rompante dos 18 do Forte, em Copacabana; além de outras for-mas de apropriação dos espaços da capital empreendidas pelo meio social.

Tais ponderações, talvez, sirvam de indícios para melhor compreen-der alguns dos fatores que contribuíram para o desenvolvimento de novos repertórios de atuação, por parte das instâncias governamentais, objetivando instituir formas harmônicas de sociabilidade na capital. Afinal, como partes de um mesmo todo, rumavam as aludidas ma-nifestações e ocupações em direção oposta àquilo que se pretendia, em termos de utilização dos embelezados e modernizados espaços da cidade. Isso porque, ao se analisar os projetos de reestruturação do Rio, não se pode deixar de considerá-los como um conjunto de me-didas, senão diretamente dirigido, ao menos fortemente vinculado às necessidades de um capitalismo industrial que se procurava implantar em terras nacionais. De algum modo, portanto, na década de 1920, o processo de modernização idealizado deveria ser repensado.

2 “PERNAS, PARA QUE TE QUERO!”: A ACELERAÇÃO DOS TEMPOS SOCIAIS

O movimento de modernização da cidade do Rio, impulsionado pelas práticas de remodelação das administrações dos “Haussmanns tropicais”, exigiu que diferentes códigos de convivência fossem de-senvolvidos pela sociedade. Se, até o início da “era das demolições” (ROCHA, 1986), o espaço social pautava-se em um tempo cujo ritmo

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era regido pela cadência dos becos, vielas e ruelas, a partir da primeira década do século XX esse ritmo passou a ser ditado pela fluidez pro-porcionada pela inauguração da Avenida Central (1905). Nesse qua-dro de profundas modificações que contribuíram para a aceleração do cotidiano devem ser incluídos a ampliação sistemática dos serviços de eletrificação dos transportes coletivos e o aperfeiçoamento de veículos automotores.

Com efeito, segundo publicava o Jornal do Brasil, foi a partir do ano de 1903 que se iniciou o aumento significativo do número de automó-veis a transitar pelos espaços da capital12. Acrescentando elementos a esse respeito, Oswaldo Rocha (1986, p. 109) destaca que a Avenida Central “não trouxe apenas o automóvel, mas também a luz elétrica, o gás canalizado, a água em grande quantidade, o fonógrafo, o cine-matógrafo e os grandes magazines”. No que tange à eletrificação dos transportes coletivos, entre os anos de 1894 e 1902, dez das 14 linhas operadas pela Companhia Jardim Botânico já eram eletrificadas. To-davia, data de 1904, sob os auspícios da administração Pereira Passos, o marco fundamental no que concerne ao serviço público prestado pelos bondes. Foi nesse ano que um grupo de canadenses fundou a The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Co., empresa que, em 1907, “ao inaugurar o fornecimento de energia elétrica à cidade (...), unifica[va] sob o seu controle administrativo as companhias de bonde de São Cristóvão, Vila Isabel e Carris Urbanos, que tiveram suas linhas eletrificadas” (BENCHIMOL, 1992, p. 233).

A introdução dos dois meios de transporte (bondes elétricos e veícu-los automotores) no meio social adquire um significado maior e mais significativo ao se pensar que em finais da década de 1880 a maior parte do sistema de bondes da cidade, ainda que corresse sobre trilhos e fosse puxada por dois animais (fatores contribuintes para a eleva-ção da velocidade)13, por conta da extensão e outras características do percurso e do elevado número de passageiros, demorava aproxi-madamente uma hora para finalizar um trajeto de oito quilômetros (ROCHA, 1986, p. 40). Tal situação foi alterada com a eletrificação

12 “O Rio de ontem e o Rio de hoje”, Jornal do Brasil, 1º de janeiro de 1927.13 O sistema de bondes puxados por dois animais e que corriam sobre trilhos foi inaugurado em 9 de outubro de 1868 (ROCHA, 1986, p. 30).

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dos bondes. Proporcional ao ganho de velocidade e consequente re-dução do tempo despendido para finalizar os percursos foi o aumento do número de desastres, colisões e atropelamentos que tinham como protagonistas, justamente, “Os Perigos Amarelos”14.

De um modo análogo ao ocorrido com a eletrificação e o aumento da velocidade dos bondes, pode-se constatar certo desnorteamento, por parte dos habitantes, por conta da crescente circulação dos au-tomóveis pela cidade. “O rápido aumento do número de carros (...) criou novas modalidades de perigos urbanos”, de maneira tal que já “em 1909 os automóveis tinham sido responsáveis por cerca de 10% das vítimas de acidentes nas ruas. Esse número aumentaria rapida-mente para mais de 30% em 1913” (BRETAS, 1997, p. 164; 72-73).

A aceleração descompassada dos tempos sociais persistiu ditando a tônica da cidade na década de 1920. A violência com que os automó-veis, auto-ônibus e bondes eletrificados arrebatavam os espaços pú-blicos continuava produzindo as suas vítimas. Algumas das manchetes da época: “Um operário atropelado”15; “Com uma perna fraturada”16; “Não escapa um só dia”17; “Sempre os automóveis”18; “As vítimas dos autos: dois atropelamentos por hora”19.

Notícias como essas de desastres, colisões e atropelamentos multipli-cavam-se diariamente nas páginas policiais dos jornais20. A velocidade extrapolava os limites daquilo que, até há pouco tempo, era o possível em termos de deslocamento pelos espaços citadinos. Nessa direção, alguns números estatísticos problematizados pelo pesquisador Marcos Bretas (1997, p.72-73) tornam-se particularmente interessantes:

14 Em razão dos desastres e acidentes ocasionados pelos bondes amarelos da Light and Power, a população assim os batizou (BRETAS, 1997, p. 72-73).15 Jornal do Brasil, 01 de janeiro de 1927. 16 Jornal do Brasil, 02 de janeiro de 1927.17 Jornal do Brasil, 05 de janeiro de 1927.18 Jornal do Brasil, 17 de fevereiro de 1927. 19 Gazeta de Notícias, 01 de julho de 1927.20 Para este artigo, optei por fazer uma seleção de algumas notícias que mos-tram que esses problemas tornaram-se uma constante no cotidiano carioca. Em outro trabalho tive a oportunidade de realizar a composição de uma série bastante significativa de artigos de jornais dos anos 1920 que se debruçavam sobre essa temática (SOOMA SILVA, 2004).

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Em 1927, a polícia registrou 20.621 veículos, incluindo 12.755 auto-móveis; em 1928 havia 23.558 veículos, dos quais 15.502 eram au-tomóveis; e, em 1929, 25.485 veículos, sendo 17.013 motorizados, incluindo pela primeira vez a menção expressa a 328 ônibus. Esses veículos, juntamente com os 4.969 carros registrados em outras cidades que pediram licença para circular na cidade, criavam muitos problemas para o cumprimento das leis: no mesmo ano, houve 48.811 multas.

Os veículos automotores passaram rapidamente a disputar espaços com os habitantes. Afinal, se é preciso apontar para a intensificação do trânsito de automóveis, ônibus, bondes elétricos, não é menos ne-cessário atentar para o fato de que a população, fosse atraída e esti-mulada pelos projetos de reestruturação e embelezamento da cidade, fosse pelas facilidades acarretadas pelo desenvolvimento dos sistemas de transporte e comunicação, ou fosse, ainda, pelo próprio processo de (des)construção das “pás e picaretas dos Haussmanns tropicais”, passou a ocupar de forma mais incisiva os espaços da urbe. A rigor, o cotidiano da capital parecia reger-se pela cadência do ritmo da aceleração.

Essa dinâmica do meio social pode também ser explicitada pelas relações que se estabeleciam nas estações e vagões de trem nas pri-meiras décadas do século XX. Segundo Nicolau Sevcenko, “era na ‘ci-dade’, no ‘centro’, que toda essa multidão ia disputar a sobrevivência já nos primeiros albores da manhã” (SEVCENKO, 1985, p. 55). Em tais

horas as estações se enchem, e os trens descem cheios. (...) Há gente por toda parte. Muitos viajam com um pé num carro e o outro no imediato, agarrando-se com as mãos às grades das plataformas. Outros descem para a cidade sentados na escada de acesso para o interior do vagão; e alguns, mais ousados, dependurados no corrimão de ferro, com um único pé no estribo do veículo (SEVCENKO, 1985, p. 55).

Do mesmo modo, alguns outros vestígios da intensa e trepidante

aceleração podem ser percebidos nas maneiras da população se des-locar cotidianamente pela cidade. Conforme notícia “O trânsito”, vei-culada no Jornal do Brasil em 16 de abril de 1927,

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o trânsito de pedestres, nessa época de vida intensa e trepidante à cus-ta da gasolina, é o desconchavo mais atropelador que se conhece. (...) Os esbarros multiplicam-se porque não há “mão” que endireite os pés das pessoas andantes. Umas vão em zig-zag, conforme lhes dá na te-lha, outras marcham contra a onda que caminha em sentido contrário. (...) No cruzamento das ruas, não esperam sinais, fazem malabarismos, corridinhas, jogos de escapula, para atrapalhação dos caminhos.

As duas situações descritas – o cotidiano dos trens a caminho do centro e as características dos pedestres em trânsito – fornecem indí-cios para se considerar que o contato diário com um maior (e diferen-te) número de pessoas ocasionou um redimensionamento dos espaços e tempos sociais. Fenômeno característico de uma época em que o espaço imbricava-se com as concepções de fragmentação do tempo (fluxo) e interação pessoal, era a capital palco de um ininterrupto pro-cesso de transformações (VIDAL, 1994, p. 26).

Distantes encontravam-se os dias em que se podia circular pela ca-pital sem a companhia dos temores e dos receios advindos da alta velocidade. A vida urbana na década de 1920 estava muito mais con-solidada (ARAÚJO, 1993; BRETAS, 1997; HERSCHMANN & PEREIRA, 1994; MONARCHA, 1989; OLIVEIRA, 1991), bem como os perigos e eventualidades para aqueles que se dispusessem a, e/ou necessitas-sem, literalmente, arriscar suas vidas pelos espaços e tempos citadinos: “Os desastres e os atropelamentos de automóveis começam a assustar fundamente a população. (...) Neste andar, fica o público sem saber mais qual o melhor caminho a escolher quando sai de casa para evitar os botes traiçoeiros da fatalidade! (“Tópicos da cidade”, Jornal do Bra-sil, 30 de outubro de 1927).

Flagrante dessa situação foi o aparecimento de outros cognomes para a capital nos periódicos. Em contraste com Cidade Maravilhosa, frequentemente, os autores dos artigos empregavam os de “Cidade mais barulhenta do mundo”21 e “Cidade da morte”22, alusão ao ata-balhoado trânsito.

21 “Tópicos da cidade”, Jornal do Brasil, 7 de janeiro de 1927; “O mal do século”, Jornal do Brasil, 5 de outubro de 1927.22 “Cidade da morte”, Jornal do Brasil, 1 de outubro de 1927.

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Cabe reafirmar que, assim como as práticas de remodelação em-preendidas pela Prefeitura, os perigos e surpresas cotidianas, frutos da velocidade, ocasionavam interferências várias na sociedade. No caso das obras públicas empreendidas, embora os residentes das estalagens, cortiços e casebres fossem mais afetados, não se pode deixar de considerar os transtornos sofridos pelos demais cariocas. Houve modificação de itinerários, por conta de interdições de ruas; obstrução de caminhos, em razão dos serviços de alargamento e abertura de avenidas; eventuais consequências sofridas em função do compulsório deslocamento de um grande número de moradores das regiões centrais; prováveis incômodos ocasionados pelas práticas de (des)construção. No bojo das considerações, tornam-se sugesti-vas, enquanto indícios, duas mensagens-respostas assinadas pelo prefeito da cidade – Antônio Prado Júnior – entre os anos de 1927 e 1928:

Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Acusando o recebimento do ofício (...) no qual (...) solicita V. Ex. pro-vidências no sentido de não serem permitidos apitos e toques de sino das máquinas do desmonte do Morro do Castelo, nas segundas, quar-tas e sextas-feiras, das 12 às 16 horas, por perturbarem enormemente os trabalhos desse Tribunal, cabe-me, em resposta, informar a V. Ex. que, atendendo ao solicitado, determinei à Diretoria de Obras e Via-ção fosse, nos dias e horas mencionados, reduzido ao mínimo possível o ruído produzido nas obras do Morro do Castelo, uma vez que se torna impossível a paralisação completa desses serviços [mensagem de 26 de maio de 1927]; (AGCRJ); códice 35-3-10.

Exmo. Sr. Dr. Chefe de Polícia, Atendendo à solicitação (...), cabe-me comunicar a V. Ex. que já foram tomadas as necessárias providências, nela requeridas, relativas ao ala-gamento devido às obras do desmonte do Morro do Castelo [mensa-gem de 14 de dezembro de 1928]; (AGCRJ); códice 35-3-18.

Pela leitura dos dois documentos, nota-se que tanto a Presidência do Supremo Tribunal Federal quanto a Chefia da Polícia remeteram à Prefeitura ofícios externando incômodos provocados pelos trabalhos

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de finalização do desmonte do Morro do Castelo23, o que nos faz per-ceber as interferências das obras públicas no viver urbano.

No que concerne à aceleração, de uma forma mais evidente, estava a totalidade dos habitantes sujeita aos riscos advindos da velocidade. O meio social era, cotidianamente, fazendo uso de uma expressão da época, “colhido” pelas surpresas e eventualidades advindas da eleva-da velocidade. Tais surpresas e eventualidades, inclusive, serviram de mote para que, por diversas vezes, o(a) responsável por um espaço fixo no periódico semanal Fon-Fon! tecesse suas considerações acerca da aceleração da cidade. Fazendo uso de uma ironia cortante, carac-terizava-se “O Espírito Alheio” pela tentativa de imprimir determinado tom cômico aos trágicos e contumazes acontecimentos cotidianos. Ve-jamos alguns exemplos:

- Esse era o habitante mais antigo da cidade.- Que pena! Não era velho ainda.- Não. Aqui ninguém chega a velho, desde que há automóveis (“O Espírito Alheio”, Fon-Fon!, 28 de maio de 1927).

A coragem através dos tempos: - Meu bisavô tombou em Waterloo; meu avô, em uma revolução; meu tio Henrique, na guerra contra os bôeres; e eu... por que não vou de-safiar a travessia desta rua?... Por quê?... (“O Espírito Alheio”, Fon-Fon!, 28 de janeiro de 1928).

- Mamãe, vamos ver aquele homem que foi atropelado por um automóvel?- Não percamos tempo, filhinha; havemos de encontrar outro mais adiante... (“O Espírito Alheio”, Fon-Fon!, 7 de abril de 1928).

23 O desmonte do Morro do Castelo foi iniciado pela administração Carlos Sampaio (1920-1922) como parte dos comemorativos relacionados ao Cente-nário da Independência do Brasil. O término das obras se deu na administra-ção de Antônio Prado Júnior (1927-1930).

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Inquietação incessante para a administração de Prado Júnior, como o próprio registrava24, era o tumultuado trânsito, motivo para que o prefeito encaminhasse mensagens a outras instâncias administrativas da capital, solicitando, por exemplo: maior empenho na perseguição e punição de motoristas envolvidos em atropelamentos25; aumento da fiscalização de veículos nas ruas e avenidas26; aperfeiçoamento dos instrumentos de sinalização27; envio de engenheiro ao exterior, por um período de seis meses, para “estudar nos diversos países da Europa os diferentes sistemas de pavimentação e revestimento, mormente no que for aplicável às ruas e estradas de rodagem do Distrito Federal28”.

No entanto, em que pesem os esforços da administração munici-pal em testar medidas de aperfeiçoamento do trânsito, ainda assim o problema persistia. De uma maneira cada vez mais urgente, portanto, delineava-se a necessidade de desenvolver um plano diretor que, organizando o conjunto das características arquitetônicas e sociais do período, tratasse de impor ao descompassado ritmo da cidade a disci-plina, a funcionalidade e a harmonia que lhe faltavam.

3 PLANO AGACHE: FUNCIONALIDADE, HARMONIA E DISCIPLINA PARA O COTIDIANO

O Sr. Alfred Agache não veio ao Rio inventar nada. Inventar, vale dizer, pressupõe jogo de imaginação. E não é isso que uma cidade como o Rio, de características já definidas claramente, exige (“Questões de urbanismo”, Gazeta de Notícias, 20 de julho de 1927).

Em meados de julho de 1927, o prefeito Antônio Prado Júnior con-vidou o urbanista francês Alfred Hubert Donat Agache para fazer uma série de conferências que versavam sobre questões relacionadas àquilo

24 “Tem sido preocupação constante do meu governo a solução do palpitante problema do congestionamento do tráfego da zona urbana da cidade, problema que dia a dia mais atenções requer, exigindo, por parte da administração, a ado-ção de medidas que se me afiguram de maior alcance” (AGCRJ), códice 35-3-16.25 (AGCRJ), códice 35-3-9.26 (AGCRJ), códices 35-3-10; 35-3-11.27 (AGCRJ), códice 35-3-14.28 (AGCRJ), códice 35-3-18.

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que deveria ser primordial em uma remodelação urbana29. Momento de troca de ideias e esclarecimentos, essa circunstância caracterizou--se como uma oportunidade para que Agache tecesse considerações sobre suas concepções reformistas:

A acolhida que dos técnicos e do povo culto dessa capital recebeu o grande arquiteto francês, o interesse e a atenção com que foi ouvida a interessante palestra, demonstram os proventos que para o Brasil advi-rão dos ensinamentos do extraordinário urbanista e a utilidade prática de sua vinda ao nosso País, em boa hora promovida pelo Sr. Antônio Prado Júnior, Prefeito da cidade (“Conferência do Professor Agache”, Jornal do Brasil, 8 de julho de 1927).

Logo na introdução de sua primeira explanação, Agache pontuava a linha mestra de seu raciocínio:

Muito me apraz, quando me refiro ao urbanismo, comparar uma cida-de ao organismo humano. No organismo urbano, como no humano, encontramos uma anatomia e suas funções. (...) [O] urbanismo (...) exige preceitos diversos: regulamentos de construção, de circulação e de higiene (AGACHE, 1930, p. 6 e 8-9).

29 Posteriormente, Alfred Agache foi o responsável pela elaboração de um plano de remodelação e embelezamento para a capital, o chamado Plano Agache (AGACHE, 1930). O projeto não foi implementado durante a admi-nistração do prefeito Prado Júnior (1927-1930). Contudo, por suas caracterís-ticas e importância adquirida, marcou, decisivamente, tanto a capital quanto algumas outras localidades do Brasil. No que se refere à importância do Plano Agache para a cidade do Rio, “dir-se-á que o Plano foi abandonado e mo-dificado, o que, entretanto, não invalida o seu mérito. (...) Não obstante, as outras administrações que lhe sucederam procuram, já agora, olhar a cidade como um conjunto e não mais como parcelas de bairros, orientando-se em termos urbanísticos” (REIS, 1977, p. 90-91). No que toca à relevância adqui-rida, as concepções urbanísticas de Alfred Agache causaram interferências nas localidades de Campos, Cabo Frio, Araruama, Petrópolis, São João da Barra e Atafona (RJ); Curitiba (PR), Interlagos (SP) e Vitória (ES) (STUCKENBRUCK, 1996, p. 113).

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Pelas palavras de Agache pode-se notar a meticulosidade de seu olhar ao se reportar às cidades. Avenidas, ruas, calçamentos, praças, pontes, bairros e jardins deviam ser pensados em termos de preceitos que, por sua organicidade e harmonia, pudessem ser comparados ao corpo humano. E, uma vez traçado esse paralelo condizente com as cidades como um todo, qual era a impressão específica de Agache acerca da capital?

A Senhorita carioca, diante do rápido desenvolvimento da sua circu-lação, disso se ressente. A sua respiração, a sua circulação e a sua digestão, dentro em pouco, estarão ameaçadas. Que fazer? O médico precisa lhe prescrever um regime severo, uma norma de progresso e de disciplina, e dar-lhe com urgência um plano regulador (AGACHE, 1930, p. 21).

O emprego de determinadas expressões, que traziam à tona os dita-mes dos saberes médico-higiênicos, indiciam que o urbanista francês estava – e nem podia ser diferente – inserido na paisagem discursiva que caracterizava a sociedade da época. Uma nova metáfora era utilizada por Agache para demonstrar a relação entre modernidade e preceitos urbanísticos em seu plano: “O Urbanista tem o seu papel no desen-volvimento da civilização moderna, que é francamente urbana: será o regente da orquestra, ao qual cumprirá confiar a direção da sinfonia urbana, na qual ele harmonizará todos os elementos” (idem, p. 8).

A respeito do papel dos urbanistas – “regentes da orquestra” – nos trabalhos de reestruturação das cidades, as considerações acima apon-tam para dois aspectos fundamentais. O primeiro deles, talvez o mais evidente, alude à busca por uma legitimação das reformas a serem implementadas na capital. Nesse sentido, teria Agache (um urbanista) totais condições de desenvolver um plano adaptado às necessidades da urbe. O segundo aspecto, de suma importância para uma melhor compreensão do que significou o plano, condiz com o desejo de estabelecer um distanciamento em relação aos projetos de reforma urbana implementados anteriormente. Por outros termos, ainda que de forma velada, deixava transparecer que para o bom desenvolvi-mento de um projeto de remodelação de uma cidade era necessário que as linhas mestras de tal empreendimento fossem traçadas por um

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urbanista. Assim, creditava muitas das incoerências do cotidiano ao fato de que cinco administrações da capital ficaram a cargo de enge-nheiros (a contar dos anos Pereira Passos).

Insisti sobre a capital diferença que existe entre o arquiteto e o en-genheiro não com o fim de denegrir ou enaltecer, mas no intento de acentuar os característicos dessas duas profissões e mostrar-vos como elas se completam. Em urbanismo, importa sobretudo que engenhei-ros e arquitetos trabalhem de acordo. Ao arquiteto compete a compo-sição geral do plano e ao engenheiro, os estudos técnicos (AGACHE, 1930, p. 29).

E, um pouco mais adiante, criticava que a cidade tivesse sido palco de projetos de reestruturação urbanística sem que, no entanto, estu-dos e planos de atuação fossem realizados:

Insisti sobre a importância dos trabalhos preparatórios e, no que diz respeito ao Rio de Janeiro, permitam-me dizer-lhes, há cerca de trinta e cinco anos nenhum trabalho de conjunto foi feito para que se pos-suísse uma planta exata da cidade. Não é excessivo insistir nos graves inconvenientes que podem resultar do estabelecimento de um projeto de remodelação sobre planos incompletos e inexatos. (...) Não se pode cortar uma cidade a torto e a direito (idem, p. 30).

Delimitadas as funções dos arquitetos e engenheiros e criticada a falta de estudos que deveriam anteceder as práticas de remodelação das cidades, restava a Agache a delimitação do papel do urbanista: “É o urbanista, efetivamente, que deve indicar, no interesse mesmo das cidades que mandam fazer o seu plano, quais são as superfícies a se-rem levantadas e quais as escalas em que a documentação topográfica (found plans) deve ser calculada” (idem, p. 32).

Os interesses do urbanista francês em prestigiar a administração mu-nicipal eram muitos. O prefeito Prado Júnior, como se percebe pela mensagem abaixo, que foi enviada ao Conselho do Distrito Federal, não só foi responsável pelo convite a Agache, como o foi pela con-cessão das verbas necessárias à elaboração do plano de remodelação e embelezamento. Partilhava da concepção de que os princípios a

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serem adotados por um “plano metódico de remodelação racional da Cidade”, necessariamente, deveriam advir da “moderna ciência do urbanismo”:

Senhores Membros do Conselho Municipal do Distrito Federal,Na minha mensagem de 1o de junho último, tive ocasião de expor os motivos que me levaram a convidar o célebre especialista Sr. Alfred Agache para vir ao Rio fazer algumas conferências sobre urbanismo, procurando, deste modo, despertar o interesse geral pela organiza-ção de um plano metódico de remodelação racional da Cidade. Julgo escusado encarecer a necessidade urgente da organização do plano de remodelação do Rio de Janeiro, segundo os princípios desta ciên cia moderna que é o urbanismo. Justamente para subvencionar estes estudos e adquirir, depois, o resultado deles – o plano definitivo de remodelação do Rio –, é que venho solicitar-vos autorização para abrir os necessários créditos (PRADO JÚNIOR, Mensagem nº 617 de 30/8/1927 ao Conselho Municipal apud REIS, 1977, p. 90).

Objetivando explicar ou, talvez mais do que isso, justificar aos mem-bros do Conselho Municipal o porquê de se importar um especialista estrangeiro para desenvolver um projeto de reforma, as ponderações de Prado Júnior muito se aproximavam das concepções que, mais tar-de, seriam apresentadas e defendidas por Agache. Indício de que outra forma de governar a capital era testada em finais da década de 1920: o urbanismo passava a ganhar ênfase, em detrimento da engenharia.

Em uma de suas primeiras conferências Agache referia-se ao urba-nismo como uma “ciência e uma arte” e, um pouco mais adiante, con-cluía que, a rigor, o conceito remetia à ideia de uma “filosofia social”, com o intento de legitimar essa ênfase (AGACHE, 1930, p. 8). Sob esse ponto de vista, seria o urbanista, devido aos seus conhecimentos e habilidades, um profissional capaz de ampliar a maneira de pensar os projetos de remodelação das cidades. Isso em razão de ele articular tais iniciativas não apenas no que diz respeito aos componentes arquitetônicos individualizados, mas em termos de uma organicidade e funcionalidade a serem conferidas à urbe. Em outras palavras, a “filo-sofia social” do urbanismo teria como cerne de suas preocupações as razões e efeitos das práticas de remodelação. Daí o primado conferido

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pelo urbanismo aos levantamentos e mapeamentos das características das cidades onde se desenrolariam as reestruturações.

Em alusão às remodelações urbanísticas, o discurso de Agache ao se remeter à capital era o de pensar antes de agir. Segundo suas con-siderações, embora a cidade tivesse passado por diversos projetos de reforma – o que acarretou certo grau de desenvolvimento –, a grande falha dessas iniciativas teria sido a falta, ou incompletude, de análises das razões e dos efeitos implicados na implementação dos projetos:

Não obstante ter cerca de 400 anos de existência, o Rio de Janeiro não pode guardar nenhuma lembrança verdadeiramente imponente do passado. As recentes transformações fizeram desaparecer, sob a enxada, grande número de ruas estreitas, de prédios guarnecidos de pesadas varandas, com fachadas incrustadas de azulejos, que davam ao Rio uma feição de velha cidade portuguesa. Hoje em dia, grande decepção espera o viajante que aqui aporta em busca de cores locais. Já não existem as velhas moradias evocadoras da época da conquista portuguesa, e as próprias igrejas, exceção feita à de N. S. da Candelária e da Matriz da Glória, não têm grandes aparências exteriores (AGACHE, 1930, p. 83).

Na linha argumentativa defendida por Agache, pode-se afirmar que os objetivos gerais de seu plano desenvolviam-se em dois principais raios de atuação. O primeiro era promover uma inversão na concepção vigente de reestruturação urbanística que havia norteado os projetos de reforma, principalmente a partir da virada do século. Operando com distanciamento em relação aos trabalhos empreendidos por en-genheiros, o urbanista francês pretendia articular um mapeamento detalhado das características físicas e sociais da capital. Era na defesa da necessidade de elaboração desse mapeamento que consistia a in-versão do Plano Agache: onde antes havia pás e picaretas colocava a elaboração de um minucioso conjunto de estudos e perspectivas de ação que as precedessem. “Encontramo-nos em presença de uma aglomeração que tem já quatro séculos de existência, organizada, bem ou mal, num sítio definido e cujo desenvolvimento, até a época presente, não foi guiado por um plano de conjunto (AGACHE, 1930, p. 158-59).

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Deve-se destacar que os estudos e perspectivas de ação – o “plano de conjunto” – englobavam desde pontos referentes a uma melhor distribuição do fluxo de veículos automotores, passando por preocu-pações relacionadas ao embelezamento da cidade e culminando na tentativa de se buscar uma maior organicidade na distribuição e circu-lação dos habitantes.

A cidade do Rio de Janeiro sofre atualmente de uma doença de cres-cimento. Vista de longe, com os seus morros e vegetação luxuriante, o espelho d’água da baía, aparece-nos coberta de joias e luxuosamente trajada e nos ilude; de perto, percebemos logo que, sob os seus for-mosos adornos, se esconde um corpo que teve um desenvolvimento demasiadamente rápido. (...) A necessidade de um tratamento racio-nal impõe-se (idem, p. 122, grifo do autor).

Semelhante diagnóstico acerca do mal que acometia a capital – “do-ença do crescimento” – era veiculado pelo periódico Jornal do Brasil. Indícios, mais alguns, da urgente necessidade de testar medidas que, de algum modo, se propusessem a solucionar os problemas presentes no cotidiano de fins da década de 1920.

Telegrama de Paris anuncia que o nosso embaixador ali acaba de fir-mar contrato com um urbanista francês para vir projetar o tão dese-jado plano de remodelação desta Capital. (...) Registramos o fato de, finalmente, ter sido dado o passo decisivo para aquela obra, com a assinatura do contrato com o urbanista francês Agache. O plano de re-modelação desta cidade vem, sem dúvida, muito tarde, quando o seu progresso e desenvolvimento vão tornar difícil ou impossível corrigir muitos dos seus defeitos (“A remodelação da cidade”, Jornal do Brasil, 5 de abril de 1927).

Para que fosse possível a Agache desenvolver um trabalho de mape-amento da capital, foi preciso estabelecer uma adequação do repertó-rio de saberes e práticas do urbanismo ao cotidiano da época. A busca de tal adequação caracterizou-se como o segundo raio principal de ação do Plano Agache:

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País novo, de recente e contínuo desenvolvimento e saído há pouco do período de formação, o Brasil não teve ainda tempo de dotar a sua Capital Federal de edifícios e conjuntos urbanos ou monumentais cor-respondentes à importância sempre crescente que ele está adquirindo. (...) E se à fascinação do sítio, à imensidade do oceano de verdes vagas, ao encantamento da baía resplandecente de luz (...) se acrescentar que, depois do embelezamento e do saneamento das ruas, a cidade ficou sendo, entre todas as regiões tropicais, aquela em que o ho-mem branco pode mais facilmente aclimar-se, e onde é acolhido por um povo amável e hospitaleiro entre todos, compreende-se que esse adorável jardim, que é a capital do Brasil, se torne cada vez mais um grande centro de turismo mundial (AGACHE, 1930, p. 83-84).

Percebe-se que equiparar a arquitetura com as maravilhas naturais constituía-se, também, num dos objetivos perseguidos pelo urbanista francês em seu projeto de remodelação. Todavia, Agache interessava--se, do mesmo modo, pelo desenvolvimento de uma configuração harmônica para a urbe. Para a elaboração de seu plano, então, esfor-çou-se em não só efetuar mapeamentos que dessem conta dos aspec-tos arquitetônicos, mas também em visitar determinadas localidades de “agrupamentos espontâneos da população”30, estabelecer canais de comunicação com os cariocas, bem como se apropriar de estudos estatísticos já realizados para ter um quadro das características do conjunto de habitantes. Em alusão à maneira como os urbanistas

30 “O urbanista Agache escolheu para tema de sua conferência de amanhã, no Teatro Municipal, os agrupamentos espontâneos da população, designação por ele escolhida para classificar as favelas. Para poder falar com conhecimen-to de causa, o referido urbanista francês visitou demoradamente esses bairros exóticos, onde tirou diversas fotografias e apreciou o modo de viver dos res-pectivos habitantes, que, por sua vez, o homenagearam a seu modo. No mor-ro da Providência, onde a visita foi mais demorada, foi distinguido com alguns cálices de parati, bebida que em nada lhe desagradou. Mas os moradores das ‘favelas’ quiseram levar mais longe o seu regozijo pela honra que lhes conce-deu o conhecido professor de urbanismo e assim ele foi distinguido com um convite em forma para uma ‘feijoada’ completa, que ontem foi servida numa venda no Morro da Providência.” (“O urbanista Agache na favela”, Jornal do Brasil, 19 de julho de 1927).

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deveriam ponderar as questões condizentes à população das cida-des, afirmou:

A repartição da população em diferentes grupos, segundo a idade, interessa o urbanista sob numerosos pontos de vista e, em particular, para o cálculo da superfície destinada aos campos de jogos, de pas-seios etc.; para prever o número e a importância dos grupos escolares, dos estabelecimentos de instrução superior etc. Baseados nesses cál-culos, estabelecemos os seguintes grupos: i) população de 0 até 5 anos = areias; ii) população de 5 até 15 anos = campos de jogos e escolas primárias; iii) população de 12 [sic] até 24 anos = campos de esportes, instrução superior; iv) população de 24 até 60 anos = parques (AGA-CHE, 1930, p. 112).

Baseando-se nos cálculos estatísticos realizados no ano de 1920 por Bulhões de Carvalho, então diretor do Departamento Geral de Estatís-ticas, Agache dividiu os habitantes cariocas da seguinte maneira:

Tabela 1Composição da população carioca

Idade Masculino Feminino Total Porcentagem

0 - 5 anos 77.504 75.954 153.458 12,2%

5 - 15 anos 120.088 121.394 241.482 20,9%

12[sic] - 24 anos 152.701 159.480 312.181 27%

24 - 60 anos 264.279 224.059 488.338 42,3%

Acima de 60 anos 15.644 22.637 38.281 3,3%

Fonte: AGACHE, 1930, p. 112.

Pela Tabela 1 depreende-se até que ponto o projeto de Agache cen-trava-se na preocupação com a disposição e circulação dos habitantes. Para o urbanista francês, a ocupação territorial da capital deveria se alicerçar no privilégio de uma organicidade entre a arquitetura urbana e seu uso social. Desse modo, pretendia o desenvolvimento de um complexo mecanismo disciplinar, em que cada indivíduo passaria a se constituir como “elemento integrante” da coletividade. Dessa for-

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ma, os cariocas deveriam abdicar de seus interesses individuais para que um todo, harmonioso e funcional, pudesse ser erigido. Assim, as relações cotidianas da sociedade desenvolver-se-iam em um circuito restrito e vigiado (a cidade), cuja lógica interna seria baseada em uma organização disciplinar dos espaços oferecidos à população.

Tomando-se em consideração tais pontos, pode-se aludir a outros indícios de como se articulava, em finais da década de 1920, a busca de formas de controle dos ritmos e velocidades descompassados da cidade. Deslocamentos, passeios pelos parques e praças públicas, fler-tes nos bares, cafés, teatros, cinematógrafos e livrarias, enfim, todos os âmbitos do cotidiano – ainda que atravessados pela aceleração – de-veriam ser influenciados pelo pulsar ritmado das ocupações discipli-nadas e harmônicas.

Nota-se que o discurso reformista de Agache entremeava-se e se confundia com as necessidades e possibilidades da sociedade. Dentre elas, como sublinhado, uma das mais urgentes relacionava-se ao trân-sito de veículos automotores e de pedestres pelos espaços da capital.

Naturalmente, as ruas estreitas, cujo traçado bastava às necessidades de um passado já longínquo, tornaram-se atualmente a causa de atra-vancamentos sempre mais intensos em virtude do crescente movimen-to de carros e transeuntes. Com a utilização cada vez mais completa de todos os locais (...) é difícil garantir a circulação dos carros, o que nos levou a reservar algumas dessas ruas – a do Ouvidor, por exem-plo – unicamente ao uso dos numerosos transeuntes que aí circulam (AGACHE, 1930, p. 170).

Operando no nível dos mecanismos estratégicos, Agache colocava em jogo certo repertório de iniciativas advindo do urbanismo que co-laboraria para uma harmonização das características do cotidiano da capital. Algumas representações de moderno eram construídas, sin-tonizando-se com alterações em outros campos disciplinares, como a medicina. A teoria dos miasmas, que impunha a abertura e o alar-gamento de avenidas e ruas e a demolição de cortiços e casebres em nome da limpeza (higiene) do ar, somente possível a partir de sua ampla circulação, era atualizada por uma teoria microbiana que via na higiene pessoal, no controle da corporeidade, na governabilidade do

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indivíduo, a fórmula mais adequada ao saneamento urbano (e social). Por isso mesmo, mais do que a dispersão dos ares, preocupava-se Agache com o movimento e a circulação de pessoas e automóveis nas calçadas e ruas, mas, também, com o crescimento futuro da urbe (SOOMA SILVA e VIDAL, 2004).

Dessa perspectiva, no lugar de acontecimentos urbanos a cargo de engenheiros, dever-se-iam pensar os projetos de remodelação en-quanto instâncias a serem incorporadas à paisagem urbana caracterís-tica da capital. Nesses termos, não era sem razão a presença da seção “Organização Social da Cidade” no plano do urbanista francês, que preconizava a imprescindibilidade da implementação de “medidas de ordem sanitária, econômica, mental e moral” na cidade, de forma que a “ação cultural e moral da população” pudesse, de algum modo, ser passível de vigília e controle. Invertendo o caráter impositivo que predominara nos anteriores projetos de reforma, o urbanista francês chegava mesmo a imaginar ser possível contar com a “colaboração nos negócios municipais” dos habitantes (AGACHE, 1930, p. 40-41).

Tal “colaboração” só foi esclarecida algumas páginas adiante: “o ci-dadão mostra desconhecer o seu verdadeiro interesse quando recusa sujeitar-se a certas pequenas exigências relativas à sua liberdade pes-soal, que, no entanto, têm por fim o bem-estar coletivo” (AGACHE, 1930, p. 124-25). Palavras fortes e diretas de Agache ao projetar o foco para as contribuições que os cariocas deveriam prestar à organi-zação do ambiente urbano.

As urgências da capital de fins da década de 1920 exigiam a vigília e o disciplinamento de aspectos do cotidiano que, até então, respon-diam à lógica circunstancial das ocupações e deslocamentos da popu-lação pelo ambiente urbano. A meta almejada pelo urbanista francês era constituir “um plano diretor que fixa[ria], segundo os princípios admitidos em urbanismo, a fisionomia futura do Rio de Janeiro” (p. 321). Nada, ou muito pouco, poderia escapar da lente funcionalista a partir da qual se pretendia enfocar a cidade.

Objetivando solucionar os problemas enfrentados pela expansão das favelas, Agache propôs a demarcação de localidades residenciais e de trabalho, afinal, segundo ele, “seria lamentável, tanto sob o pon-to de vista da higiene como sob o da estética, se se deixasse a cada proprietário a liberdade de levantar a sua casa onde lhe pareça” (p.

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187) e a distinção na distribuição dos bairros conforme a “categoria da população, a topografia dos lugares, o valor do solo e a menor ou maior proximidade de tal ou tal bairro de trabalho que tenda a pre-dominar” (p. 187). No tocante ao trânsito descompassado de veículos automotores e de pedestres, propôs que, para o futuro, fossem feitos estudos e mapeamentos tendo em vista a desobstrução e abertura do “sistema circulatório constituído pelas artérias e vasos que são as ave-nidas e as ruas” (p. 226); e para o arriscado presente, propôs medidas paliativas de delimitação de ruas exclusivamente para a circulação de transeuntes e destinação de áreas reservadas para o estacionamento de veículos, os parkings (p. 170).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Insalubre e embaralhado que era, em grande parte saneado, veloz e arriscado como se tornou em função das ininterruptas intervenções das picaretas dos “Haussmanns tropicais”, o final da década de 1920 caracterizou-se pela formulação de diferentes ações de governo, uma delas o Plano Agache, que ansiavam impingir normas disciplinares, funcionais e harmônicas ao traçado arquitetônico e à circulação de transeuntes e veículos automotores. Nessa linha, conquanto a admi-nistração de Antônio Prado Júnior e o urbanista francês considerassem, ainda, as medidas de reestruturação e higienização como imprescindí-veis à modernização carioca, as necessidades, possibilidades e urgên-cias do período alteraram os sentidos outrora atribuídos às práticas de remodelação da cidade. Algo que, fundamentalmente, concorreu para fortalecer os saberes e práticas da denominada “ciência da cidade”: o urbanismo.

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A CAPTURA DO GOSTO COMO INCLUSÃO SOCIAL NEGATIVA: POR UMA ATUALIZAÇÃO CRÍTICA DA ÉTICA UTILITARISTAMarco Schneider

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O objetivo geral deste artigo é atualizar a reflexão em torno da dialética eco-nomia/cultura, processo em meio ao qual as comunicações midiatizadas de-sempenham um papel central na atualidade. Pretende-se, por este caminho, contribuir para o debate contemporâneo sobre comunicação e hegemonia, propondo que o “gosto” da audiência não é um elemento que brota espon-taneamente de cada indivíduo, mas é um produto social e uma expressão sensível do maior ou menor interesse das classes e frações de classe pelos bens simbólicos em circulação, cuja influência sobre essa mesma circulação tem sido superestimada pela mistificadora ideia da soberania do consumidor. Seu objetivo específico é reincorporar ao debate a noção mais geral de “utili-dade”, a partir de uma leitura crítica do modelo ético desenvolvido por Stuart Mill em seu clássico Utilitarismo. Palavras-chave: utilidade; economia; cultura; ética; gosto

The aim of this paper is to update the reflection on the dialectical relation be-tween economy and culture, a process in which mediatized communications play a central role in the present day. It is intended, in this way, to contribute to the contemporary debate on communication and hegemony; proposing that the “taste” of the audience is not an element that springs spontaneously from each individual, but it is a social product and a sensitive expression of the greater or lesser interest of social classes and class fractions for symbolic goods in circulation, whose influence over this circulation has been overestimated by the mystifying idea of the sovereignty of the consumer. Its specific objective is to reincorporate in the debate the more general notion of “utility” from a critical reading of the ethical model developed by Stuart Mill in his classic Utilitarianism.Keywords: utility; economy; culture; ethics; taste

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INTRODUÇÃO

É preciso superar a alternativa comum entre o economicismo e o cul-turalismo para tentar elaborar uma economia das trocas simbólicas (BOURDIEU, 2008, p. 24).

Artaud escreveu que a arte não é a representação da vida, mas a vida é a representação de um princípio transcendente com o qual a arte nos põe (novamente) em contato. Se entendermos as expres-sões “representação da vida” e “princípio transcendente” não em termos conceitualmente rigorosos, mas lhes concedendo certa dose de licença poética, poderíamos reescrever a sentença no sentido de defender a seguinte ideia, de inspiração lukácsiana: a grande obra de arte é aquela que melhor reproduz, ou expressa, o essencial da realidade, que envolve as aparências mas não se limita a elas, dando conta igualmente do jogo de potências latentes, não manifesto, na imediaticidade, na cotidianidade, na forma de um realismo não na-turalista, dado que a realidade engloba aparência e essência em sua relação dialética.

A grande arte, assim, seria a depuração do inessencial, do aces-sório, de modo a concentrar nossa atenção e sensibilidade naquilo que, no próprio cerne da imediaticidade, a transcende.

Assim, poderíamos parafrasear Artaud e afirmar que a arte não é a representação da vida em sua cotidianidade, em sua imediaticidade, mas a vida cotidiana é que favorece uma representação superficial da densa, rica e complexa dinâmica da realidade, com as quais a arte nos põe novamente em contato, de forma sensório-cognoscente.

A grande mídia comercial, em geral, faz o contrário disso. E faz mais, pois, seja no terreno da arte, seja no da informação, admitindo que a aptidão avaliativa das pessoas não nasce com elas, ela não só fornece o repertório da maior parte daquilo que será avaliado, mas os próprios termos da avaliação, a partir de critérios ideológicos (e contábeis) não explicitados. Considerando, ademais, que sua ação não se dá somente no nível intelectivo, mas também, e talvez prin-cipalmente, no afetivo, ela forma os gostos, e os gostos constituem a base sensível da ideologia, sem a qual ela não “cola”. Em outras palavras, como disse Bourdieu (2000, p. 77), é mais no campo das

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simpatias e aversões do que no das opiniões declaradas que se “forja a unidade inconsciente de uma classe”.

Eagleton (2010, p. 42), em seu livro sobre a ética, diz algo pa-recido: “Somente as afirmações que envolvem nossas devoções e afeições têm a esperança de ser persuasivas”.

Por essas razões, investigaremos a validade das seguintes hipóteses, relacionadas entre si: 1) o gosto é biologicamente, economicamente e culturalmente mediado, sendo que a grande mídia comercial, hí-brido de determinações econômicas e culturais, vem ocupando, nos últimos cento e tantos anos, um papel crescentemente central em sua formação; 2) o gosto pode ser pensado como expressão e medi-da do valor de uso dos bens materiais e simbólicos – sua vantagem sobre a noção de necessidade é que o gosto a conserva, mas vai além de seu caráter aparentemente “natural”.

A categoria econômica “valor de uso” remete obviamente à no-ção de utilidade, e dedicaremos especial atenção a essa noção, com ênfase em seu desdobramento, no terreno da reflexão ética, em um projeto “utilitarista” atualizado criticamente.

1 UTILIDADE E UTILITARISMO

Uma coisa útil é considerada um bem. Os bens costumam ser dis-tinguidos em materiais e simbólicos. A antropologia, entretanto, en-sina que todos os bens são simbólicos, sejam ou não materiais, pois só assim são bens. Mas a verdade dessa afirmação traz o risco de indiferenciar uma série de características distintivas dos bens, como seu caráter vital1 ou acessório – alimentos ou artigos de luxo, para utilizar um exemplo extremo –, ou ainda suas propriedades mate-riais e os diversos modos, mais diretos ou indiretos, como essas pro-

1 Essa noção de “caráter vital”, contudo, para além das necessidades fisioló-gicas elementares do ser humano, não é essencialista, mas histórica. Como lembra Althusser (1985, p. 56-57), o “necessário para a reprodução da força de trabalho não está apenas determinado pelas necessidades [biológicas] (...) mas também por um mínimo histórico (Marx assinalava: os operários ingleses precisam de cerveja e os operários franceses de vinho) e, portanto, historica-mente variável”.

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priedades contribuem para fazer de algo um bem. Em outras pala-vras, sem desprezar a importante contribuição da antropologia para o nosso estudo, que consiste, resumidamente, em suas inúmeras e convincentes demonstrações do caráter simbólico (ou “cultural”) de qualquer prática ou produto humano2, propomos a seguinte distin-ção conceitual: bens materiais são aqueles cuja principal utilidade reside diretamente, imediatamente, primariamente em sua própria materialidade, ou melhor, na propriedade de essa materialidade em si mesma suprir algum tipo de necessidade ou desejo, mesmo que abstraídas as suas funções simbólicas – ex.: roupa/vestir; alimento/alimentar; adorno/enfeitar etc. Que essas necessidades ou desejos sejam culturalmente mediados em nada altera essa relação imediata entre a materialidade desses bens e sua utilidade.

Bens simbólicos, por sua vez, são aqueles bens cuja propriedade de suprir algum tipo de necessidade ou desejo não reside diretamen-te em sua materialidade, mas é por ela mediada: bandeira branca (tecido pintado de branco preso a uma haste de madeira)/declaração de paz; véu negro cobrindo a face de uma mulher (tecido pintado de preto)/demonstração de luto; livro (papel e tinta)/leitura.

Por economia, analisemos somente o último exemplo: a história lida não é propriedade do papel nem da tinta, embora seja mediada por essas substâncias. Aqui, abstraída a função simbólica do “bem”, a materialidade que resta nem ao menos é útil.

Há ainda casos intermediários ou híbridos. O caviar, por exem-plo, materialmente, consiste em ovas de esturjão, que servem, não necessariamente nesta ordem, como alimentação, como fruição gas-tronômica e como signo de status; ou a roupa de grife – vestimen-ta, “elegância” e signo de status. O que predomina nesses casos é provavelmente a função simbólica, sua utilidade enquanto signos de status, mas nem por isso o caviar ou a roupa de grife deixam de ter também utilidade lúdica (gastronômica, estética) e funcional mais imediatas (alimentação, abrigo)3.

2 Ver, por exemplo, Geertz (1978), Lévi-Strauss (1992 e 1996) e Sahlins (2003).3 Para um desenvolvimento dessa reflexão, ver Schneider (2010).

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Temos, assim, que o valor de uso ou a utilidade de determinado bem, material ou simbólico, não se restringe a sua propriedade de satisfazer necessidades humanas em seu nível mais elementar (ali-mentação, abrigo etc.), envolvendo igualmente aquelas da ordem do gosto (por prestígio, prazer gastronômico, estético etc.).

O gosto, porém, ao contrário das necessidades fisiológicas, é al-tamente plástico, elástico, e é graças a isso que a gigantesca quan-tidade e variedade de valores de uso em circulação na atualidade consegue realizar seu fim, que é ser trocada por mais dinheiro do que aquele investido em sua produção. Para serem trocadas, as coi-sas precisam ser (ou parecer), de alguma forma, úteis. A utilidade das coisas, porém, é em grande parte artificialmente criada em função das necessidades da troca. Como diz Rosdolsky, nas sociedades de mercado, “para poder satisfazer necessidades humanas, os valores de uso devem se impor, em primeiro lugar, como valores de troca” (2001, p. 76). Mas os valores de troca, para se realizarem de for-ma monetária na circulação, devem também se impor como valores de uso, como coisas capazes de, ainda que somente em aparência, satisfazer necessidades humanas, das mais elementares às mais me-diadas. A formação dessas necessidades para além da esfera exclusi-vamente fisiológica, bem como a aparência de utilidade com a qual os valores de troca se revestem é, em grande parte, tarefa executada pela publicidade: no solo de uma dada cultura, ela cultiva os gostos, ou seja, nossa faculdade de identificar o que é, de um modo ou de outro, útil. O gosto, portanto, pode, nesse sentido, ser considerado uma categoria econômica.

Em dado momento de seu monumental Gênese e estrutura de O Capital, Rosdolsky faz uma instrutiva colocação a respeito da signifi-cação econômica da categoria “valor de uso”:

Para julgar se o valor de uso tem significação econômica ou não, a referência é a relação que ele estabelece com as relações sociais de produção. Na medida em que influi nessas relações ou recebe sua influência, é uma categoria econômica. Mas, fora disso, em seu ca-ráter meramente “natural”, está fora da esfera de considerações da economia política (ROSDOLSKY, 2001, p. 79).

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O mesmo não poderia ser dito do gosto? Ou seja, um valor de uso tem significação econômica somente na medida em que influi nas relações sociais de produção ou é por elas influenciado, seja na esfera do consumo, seja na esfera da produção. Nem sua ma-terialidade, tampouco sua propriedade de satisfazer necessidades humanas, tomada em si mesma, basta para fazer dele uma categoria econômica.

Aparentemente, trata-se de uma obviedade ou de um contrassen-so, pois, em última instância, o valor de uso de qualquer coisa (e o gosto por qualquer coisa, que a transforma em um valor de uso de-sejável) sempre exerce alguma influência nas relações sociais de pro-dução, ou é por elas, em alguma medida, influenciado. Ocorre que essa influência pode ser tão mediada ou insignificante a ponto de se tornar desprezível. Por exemplo: o valor de uso de (ou o gosto por) uma manga que colho da única mangueira existente no sítio de um parente encontra-se em sua propriedade de satisfazer o meu desejo de comer manga. Mas isso não faz dele uma categoria econômica, pois a insignificância do episódio para as relações sociais de produ-ção é tanta – não é nula, pois, mal ou bem, a manga contribui para a minha alimentação, portanto, para a reprodução da minha força de trabalho –, assim como a influência das relações sociais de produção no ato de eu colher a manga da árvore e comê-la – minha viagem ao sítio durante as férias pressupõe a própria noção de trabalho e férias, de propriedade privada, a existência de estradas e meios de transporte etc. –, que podemos desprezá-la.

O mesmo não ocorre se me refiro a um sítio que tenha na produ-ção de mangas para o comércio uma de suas atividades, ao qual me dirijo com o intuito de comprá-las para revendê-las, ou se pensarmos no valor de uso de um alimento substancialmente necessário à saúde e disponível em quantidade significativa para influir na reprodução da força de trabalho de quem o devora, ou ainda nas práticas publi-citárias em torno de alimentos. O valor de uso dos (e o gosto pelos) alimentos, nesses casos, é uma categoria econômica, sendo que no segundo exemplo assim permanece, ainda que fora do âmbito de uma economia de mercado.

Tendo isso em conta, podemos agora refletir sobre a dialética ética/economia, aproximando-nos com esse passo da etapa final de nossa

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análise mais abrangente sobre a dialética economia/cultura. Um bom ponto de partida para dar esse passo é o modelo ético que mais se aproxima do momento no qual a sociedade de mercado iniciava seu reinado, por sua origem histórica, pela terminologia empregada, pela perspectiva iluminista liberal de seu principal proponente.

Referimo-nos à ética utilitarista de Stuart Mill, para a qual o valor de uso dos bens materiais e simbólicos (terminologia que Mill não emprega) seria mensurável por sua maior ou menor propriedade de contribuir para a felicidade, individual e coletiva, sendo que a felici-dade consiste em uma maior quantidade de prazer e em uma menor quantidade de sofrimento, físicos ou espirituais. Reivindicamos, em-bora de forma crítica, como demonstraremos a seguir, a atualidade do projeto ético utilitarista, que não é calcado em nenhuma espécie de essencialismo fisiológico rasteiro, tampouco em uma concep-ção do ser humano como um ente egoísta, calculista e obsessivo, que só pensa em otimizar recursos e desempenhos, mas em uma concepção formal de felicidade como o bem maior, retomando, de certo modo, a tradição “eudemonística (...) dominante na ética pré--kantiana” (BARATTA, 1995, p. 116), com ênfase em dois pontos: 1. Essa felicidade, entendida como presença de prazer e ausência de dor, deve ser pensada em termos sobretudo coletivos; na realidade, o próprio lema utilitarista, cunhado por Hutcheson, prega “a maior felicidade para o maior número de pessoas” (EAGLETON, 2010, p. 78). Há, portanto, de se aprimorarem as instituições sociais, em es-pecial o sistema educacional (e a mídia, poder-se-ia acrescentar nos dias de hoje), de modo que a felicidade do indivíduo e a da coletivi-dade não se coloquem como mutuamente excludentes – o contrário é que deve prevalecer. 2. A satisfação dos prazeres “carnais” não está excluída do modelo, mas estes não devem comprometer aqueles de ordem intelectual, estética, moral (relacionados à justiça) e, por assim dizer, psíquica (a paz de espírito).

Na perspectiva normativa formal dessa ética, útil, portanto, é tudo aquilo que favorece a concretização da felicidade geral, cujo conte-údo positivo é o aumento dos prazeres (e cujo conteúdo negativo é a diminuição da dor), entendidos como disposto acima.

Duas ordens de contradições concretas emergem dessa formula-ção: a) entre prazeres imediatos que geram sofrimento a médio ou

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longo prazo (a droga pode ser tomada como o exemplo paradigmá-tico dessa contradição) e b) entre a felicidade individual e a coletiva, ou entre a de poucos e a de muitos.

A solução “fácil” do Iluminismo para essas contradições estaria no “bom uso” da “razão”, socialmente universalizável mediante o aprimoramento das instituições, com ênfase no sistema de ensino e nas leis.

Estamos, aqui, no coração do otimismo iluminista. Todavia, infeliz-mente, o século XX tornou, como todos sabemos, bem difícil, para muitos impossível, ratificar tal otimismo.

Não obstante, em termos normativos e formais, a perspectiva utili-tarista permanece perfeitamente razoável, todo o problema residin-do nas estratégias performativas que possam torná-la viável, efetiva. Esse problema, contudo, é um grande problema: como “aprimorar” as instituições? Em que direção? Para contribuir, ainda que modesta-mente, com a busca pelas respostas para essas perguntas, parece-nos necessário, antes de tudo, examinar mais detidamente as contradi-ções que o projeto utilitarista teve e tem que enfrentar.

Em dado momento de seu recente Em defesa das causas perdidas, Zizek expõe uma consequência extrema e perversa da não resolução concreta da segunda das contradições apontadas por nós, com as quais tem de lidar a ética utilitarista (entre a felicidade de um/poucos e a de muitos/todos), tecendo uma dura crítica ao que ele denomina “biomoralidade”, a qual, “concentrada na felicidade e na preven-ção do sofrimento, é invocada hoje como princípio subjacente da justificativa de tortura: devemos torturar, impor dor e sofrimento, para impedir mais sofrimento” (2011, p. 65). Zizek refere-se espe-cificamente ao argumento empregado tanto por Sam Harris4 quanto por autoridades dos EUA, incluindo o então vice-presidente Dick Cheney, em defesa da tortura em sua “guerra ao terror”.

Mais adiante, tratando ainda da tortura, ele afirma estarmos “no meio de um processo de corrupção moral: os que estão no poder tentam, literalmente, quebrar uma parte de nossa coluna vertebral ética, amolecer e desfazer a realização que, com justiça, é a maior

4 Filósofo e neurocientista estadunidense, crítico das religiões, autor de A morte da fé e Carta a uma nação cristã.

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da civilização, o crescimento de nossa sensibilidade moral espontâ-nea” (2011, p. 68-9).

A problematização é necessária, mas a solução ética não kantiana, isto é, não universalizável, de Zizek para o dilema da tortura é alta-mente insatisfatória: se for necessário, posso até me ver torturando alguém, mas não devo jamais tentar justificar tal ato, de modo a conservar seu horror injustificável: mesmo torturando, a tortura não é justificável. De fato, não é uma solução universalizável. Nos termos do autor:

Contra esse tipo de honestidade [a legitimação “utilitarista” da tortu-ra], deveríamos nos apegar à aparente hipocrisia. Posso muito bem imaginar que, em uma situação muito específica [qual?], eu recor-reria à tortura; entretanto, nesse caso, é fundamental que eu não eleve essa opção desesperada a um princípio universal. Levado pela urgência violenta e inevitável do momento [qual?], eu simplesmente torturaria. Só dessa maneira, na própria impossibilidade de elevar o que tive de fazer a um princípio universal, mantenho a noção ade-quada de horror do que fiz (ZIZEK, 2011, p. 68, grifo do autor).

O que Zizek pretende demonstrar, afinal de contas, é que a tortura

não é eticamente defensável, ainda que, em uma situação extrema, talvez tenhamos que cometê-la. Na “guerra ao terror”, para Zizek, a situação extrema, aparentemente, não está presente. O mesmo não se dá, porém, no caso do terror revolucionário (embora “terror revolucionário” não seja necessariamente o mesmo que “tortura”, trata-se da violência contra um ou poucos em nome da felicidade de muitos ou de todos), em que poderiam ser enquadrados Robespier-re, Stalin ou Mao, terror que Zizek não propriamente aprova, mas, a seu modo, justifica.

É ousada a atitude de Zizek, mas ele não leva às últimas conse-quências a sua própria argumentação, cuja conclusão seria: não se pode, em termos abstratos, formais, em nenhum caso, justificar a tortura com base no princípio “universal” de que o sofrimento de poucos se justifica se o fim é evitar o sofrimento de muitos, ain-da que seja perfeitamente possível imaginar ocasiões extremas nas quais nos veríamos forçados a torturar. Que situações? Não é dito,

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mas, em outros momentos do mesmo livro, ele insinua que se pode, perfeitamente, em casos concretos de abertura revolucionária eman-cipatória, legitimar o terror nos mesmos termos universais, trocando somente a palavra “felicidade” por república, liberdade, igualdade e fraternidade, ou pela promessa do fim da exploração do homem pelo homem etc.

Nesse caso, como ficaria a “sensibilidade moral espontânea”? Trau-matizada, evidentemente, mas ainda assim...

Ocorre que não precisamos, talvez, refletir sobre a contradição entre prazeres e sofrimentos de poucos e de muitos somente em tais extremos (talvez Zizek tenha razão quando afirma que, em alguns casos, o melhor é calar). Fora de tais extremos, isto é, na maior parte do tempo, dessa “conquista civilizatória” – a “sensibilidade moral espontânea” – poderíamos inferir também que a ética não precisa ser pensada fatalmente “como um intruso traumático que, de fora, perturba o equilíbrio homeostático do sujeito, exercendo uma pres-são insuportável (...), que o força a agir ‘para além do princípio do prazer’, ignorando a busca dos prazeres” (2011, p. 64). Eis a descri-ção de dever ético, inspirada em Kant, que Zizek cita, aprovativa-mente, como ilustração para o que a psicanálise teria a dizer sobre a afirmação, atribuída ao Dalai Lama, de que o propósito da vida é ser feliz (2011, p. 63). Pensando ainda em uma chave psicanalítica, por que tal sensibilidade moral precisa, necessariamente, se opor ao princípio de prazer? Não pode, perfeitamente, ser pensada como o resultado não de um trauma, mas de um processo sublimatório, que é, aliás, o que a ideia de uma sensibilidade moral espontânea, que seria a maior realização da civilização, sugere?

Sobre outro desdobramento da contradição utilitarista entre o so-frimento de um ou poucos e a felicidade de muitos ou de todos, ou vice-versa, temos ainda a considerar o caso do sacrifício deliberado de si pela felicidade geral.

A esse propósito como lembra Eagleton, referindo-se a Hume e outros antecessores iluministas de Stuart Mill:

É verdade que a vida boa tinha tudo a ver com a graça, a facilidade e o bem-estar. (...) O que eles não puderam ver, do seu ponto de observação histórico, foi que chegar a esse estado exige, de vez em

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quando, as sombrias virtudes revolucionárias do sacrifício e da auto-disciplina. É trágico que seja assim, porém esse é um fato inelutável. (...) Só aqueles que derivam seu bem-estar dos sacrifícios impostos aos outros podem dar-se ao luxo de desconsiderar esse fato (2010, p. 89-90).

Porém, se perdermos de vista a felicidade (mais prazer e menos sofrimento para a maioria) e o caráter eventual da exigência das “vir-tudes revolucionárias do sacrifício e da autodisciplina” (e da tortu-ra?), os meios entrariam em contradição insolúvel com os fins, de modo que o sacrifício e a autodisciplina perderiam sua razão de ser, perenizando-se como pseudo-virtudes autorreferentes.

Cabe aqui lembrar que o próprio Stuart Mill, defendendo a feli-cidade (individual e coletiva) como o objetivo maior da ética utili-tarista, já reconhecia que a maior virtude individual é a capacidade de sacrifício da felicidade pessoal, mas a única justificativa de tal sacrifício é poupar os outros de sofrimentos semelhantes, em nome da felicidade geral. Além disso, ainda conforme Stuart Mill (1864, p. 23), “só em um estágio muito imperfeito de organização do mundo a melhor maneira de alguém servir à felicidade dos outros é pelo absoluto sacrifício de si”.

Zizek (2011, p. 88) também propõe que em nossa “época atual de permissividade hedonista fazendo as vezes de ideologia domi-nante, chegou a hora de a esquerda (re)apropriar-se da disciplina e do espírito de sacrifício”. Certo, mas por quê, a não ser em nome da felicidade geral, que ele prefere chamar de comunismo? E o que seria o comunismo senão a maior quantidade de prazer e o mínimo de sofrimento para o maior número possível de pessoas, a univer-salização da própria permissividade hedonista, se nos inspirarmos na famosa imagem de Marx e Engels do que seria uma sociedade comunista ideal, na qual as pessoas poderiam, a seu “bel-prazer”, “caçar pela manhã, pescar de tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição?” (MARX e ENGELS, 1980, p. 41). Quanto ao espírito de sacrifício, deve ser permanente ou só ser incorporado quando isso for inevitável? E por que insistir na oposição formal entre permissividade hedonista e espírito de sacrifício? Não há hora para tudo?

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Além disso, como vimos a propósito da sensibilidade moral e do dever ético, cuja emergência não precisa necessariamente ser viven-ciada como a de um evento traumático, podendo, pelo contrário, trazer consigo o prazer característico dos processos sublimatórios, o próprio autossacrifício tampouco precisa ser necessariamente situa-do fora da órbita do princípio do prazer.

A melhor ilustração para essa ideia encontra-se na noção grams-ciana de catarse, segundo a qual se dá no indivíduo a “passagem dos interesses do plano ‘egoístico’ para o plano ‘ético-político’, uni-versal” (MORAES, 2009, p. 39). Nos termos de Agnes Heller: “O cume da elevação moral acima da cotidianidade é a catarse. Na catarse, o homem torna-se consciente do humano-genérico de sua individualidade” (2004, p. 26). Mas, para isso, é necessário, além do conhecimento, “a apaixonada assimilação das intimações humano--genéricas, a fim de que o homem seja capaz de decidir elevando-se acima da cotidianidade” (Heller, 2004, p. 24).

Essa assimilação apaixonada não pode ser imaginada como uma forma intensa de prazer, a ponto de alguém, como é muito comum ao longo da história, estar disposto a se privar de outros prazeres e mesmo a se submeter a intensos sofrimentos em nome dela? A ca-tarse, portanto, não precisa ser considerada necessariamente como antagônica ou exterior ao domínio do princípio de prazer, dado que constitui uma fonte potencial de felicidade, coletiva e individual.

Mas Zizek está certo em sua crítica ao caráter farsesco de certa ideologia dominante de “busca da felicidade”, que ele ilustra me-diante uma análise documental muito perspicaz da Declaração de Independência dos Estados Unidos:

A “busca da felicidade” é um elemento tão fundamental do “sonho (ideológico) norte-americano” que tendemos a esquecer a origem contingente dessa expressão: “Consideramos estas verdades eviden-tes por si sós, que todos os homens foram criados iguais, que são dotados pelo Criador de alguns Direitos inalienáveis, que entre eles estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade.” De onde vem essa “busca da felicidade” um tanto esquisita do famoso trecho ini-cial da Declaração de Independência dos Estados Unidos? A fonte é John Locke, que afirmava que todos os homens possuíam os direi-

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tos naturais da vida, da liberdade e da propriedade; esta última foi substituída por “busca da felicidade” durante as negociações para a redação da Declaração como forma de negar aos escravos negros o direito à propriedade (ZIZEK, 2011, p. 64, nota 43, grifo do autor).

Esse fato traz imediatamente à lembrança uma passagem do Mani-festo comunista, de Marx e Engels, no qual, em um diálogo imaginá-rio com a burguesia, os autores afirmam:

Revoltai-vos por querermos suprimir a propriedade privada. Mas, em vossa sociedade, a propriedade privada está abolida para nove décimos de seus membros. Criticai-nos por querermos suprimir uma proprieda-de que pressupõe, como condição necessária, que a imensa maioria da sociedade seja desprovida de toda propriedade (2001, p. 51).

O problema ético, então, não está na busca da felicidade, mas na busca egoísta da felicidade individual às custas da infelicidade alheia; e se felicidade é um eufemismo para propriedade, trata-se de um problema de ordem econômica.

Nesse ponto, talvez, se encontre o dilema ético central da sociedade de mercado, no qual a ética utilitarista de Stuart Mill, apesar de visar à felicidade geral, nem toca. É chegado então o momento de de-dicarmos mais atenção à crítica da economia política, para melhor pensarmos nas consequências político-ideológicas das contradições entre ética e economia, mais especificamente entre a ética utilita-rista e a economia de mercado, pois, como questiona Brown, “se o marxismo teve algum valor analítico para a teoria política, não foi por insistir que o problema da liberdade estava contido nas relações sociais implicitamente declaradas ‘apolíticas’ – isto é, naturalizadas – no discurso liberal?” (BROWN apud ZIZEK, 2011, p. 183).

Na mesma época em que Stuart Mill – que, além de autor do clássi-co Utilitarismo, foi também um respeitável proponente desse discurso liberal, tendo escrito bastante sobre o tema –, candidamente, pensava a solução para a questão da socialização das condições práticas de aplicação dos princípios da ética utilitarista em termos de um mero aprimoramento das instituições, Marx, empregando uma terminolo-gia bem diferente, foi mais fundo na investigação do problema da

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“infelicidade” da maioria, ao situar no terreno da economia tanto os obstáculos quanto a abertura para sua resolução. Ou seja, a base da “infelicidade”, do desgosto, diríamos nós, encontra-se, em última ins-tância, no controle do trabalho pelo mercado, na sujeição das pessoas à condição de objetos manipulados por forças alheias, na mercantili-zação das relações sociais, no atrelamento subordinado do valor de uso ao valor de troca, nas relações de produção não democráticas, na distribuição desigual da propriedade, com seu corolário no consu-mo. Essa base, portanto, teria que ser radicalmente reformada (e ela mesma criaria as condições para isso), para que um aprimoramento qualquer das instituições pudesse atingir as metas almejadas.

Não se trata, nesse projeto, como pensa boa parte da crítica ao marxismo, somente de “socializar” os meios de produção, embora essa seja uma tarefa fundamental, mas ao mesmo tempo de demo-cratizar e racionalizar em termos sociais o controle da produção. Isso significa 1) que a solução estatista do socialismo real poderia ser concebida, na melhor das hipóteses, como uma etapa desse processo de socialização, jamais como sua consumação; e 2) que é necessário admitir de uma vez por todas que a racionalidade empresarial com-petitiva é irracional para o conjunto da sociedade.

Em suma, aceitamos a crítica de Sahlins (2003) de que o marxismo, mesmo em suas formas mais sofisticadas, seria um tipo de utilitaris-mo, mas um tipo especial, que não é “economicista”, mas tampouco pode ser implementado sem que sejam realizadas profundas altera-ções no sistema econômico vigente.

2 ECONOMIA E CULTURA

Sobre a centralidade ontológica e metodológica da economia no pensamento de Marx, Kosik, objetando uma crítica recorrente, nos esclarece que:

A objeção apresentada pela crítica de que a teoria materialista da His-tória só seria válida para a época capitalista – porque nesta é o inte-resse material que predomina, e a economia conquista a autonomia, enquanto, ao contrário, na Idade Média predominava o catolicismo e na Antiguidade, a política – equivale a uma evidente incompreensão

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da teoria de Marx. A predominância da política na Antiguidade, do catolicismo na Idade Média e da economia e dos interesses materiais na época moderna é explicável exatamente com base na teoria ma-terialista, através da exegese da estrutura econômica de cada uma das sociedades citadas (KOSIK, 2002, p. 113-4, grifo do autor).

Lukács nos recorda uma instrutiva reflexão de Marx sobre as hor-das mongólicas, o roubo e a produção, na qual uma exegese dessa natureza é efetuada:

Quando Marx (...) atribui o papel de momento predominante ao modo de produção, isso não deve ser entendido no sentido de um praticismo ou utilitarismo econômicos. O modo de agir determinado pela produção pode ter inclusive um caráter destrutivo, como Marx indica, dando como exemplo as devastações das hordas mongólicas na Rússia. Mas até mesmo tal modo de agir resulta das relações de produção, da economia pastoril, cuja condição fundamental era cons-tituída pela existência de grandes extensões desabitadas. Logo após, Marx se refere à rapina como modo de vida de determinados povos primitivos. Todavia, não se esquece de observar: “Mas, para poder saquear, é necessário que exista algo que saquear, isto é, produção.” É evidente que a produção, enquanto momento predominante, é aqui entendida no sentido mais lato, no sentido ontológico, como produ-ção e reprodução da vida humana, que até mesmo em seus estágios extremamente primitivos (a economia pastoril dos mongóis) vai muito além da mera conservação (biológica), não podendo portanto deixar de ter um acentuado caráter econômico-social. (...) O que está em jogo aqui são os homens, cujas capacidades, hábitos etc., tornam pos-síveis determinados modos de produção; essas capacidades, porém, são por seu turno geradas sobre a base de modos de produção concre-tos. Essa constatação nos envia à teoria geral de Marx, segundo a qual o desenvolvimento essencial do homem é determinado pela maneira como ele produz. Mesmo o modo de produção mais bárbaro ou mais alienado plasma os homens de determinado modo, um modo que de-sempenha nas inter-relações entre grupos humanos – ainda que essas possam aparecer imediatamente como “extra-econômicas” – o papel decisivo em última instância (LUKÁCS, 1979, p. 72-3).

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Por outro lado, conforme chama a atenção Mészáros:

A advertência dialética sobre a natureza das determinações econômi-cas, que prevalecem “somente em última análise”, tem como objetivo enfatizar que, ao mesmo tempo em que o conceito das “condições materiais de vida” ocupa, estrutural e geneticamente, uma posição es-sencial no sistema marxiano – isto é, tanto em relação à gênese histó-rica das formas mais complexas de intercâmbio humano, como diante do fato de que as condições materiais constituem a pré-condição de vida humana estruturalmente necessária em todas as formas concebí-veis de sociedade –, tal conceito não é, de forma alguma, capaz, por si só, de explicar as complexidades do próprio desenvolvimento social (MÉSZÁROS, 1993, p. 78, grifos do autor).

Portanto, ainda que concordando, por exemplo, com a crítica de fundo de antropólogos como Lévi-Strauss, Geertz ou Sahlins ao funcionalismo ou ao marxismo vulgar – a saber, que a ordem sim-bólica não pode ser reduzida a um mero reflexo automático de im-pulsos biológicos inatos ou de um utilitarismo econômico rasteiro –, nenhum antropólogo sério há de negar que as diversas ordens simbólicas estudadas por ele mesmo ou por seus pares possuem também algum sentido prático, útil, que assegure a produção e a reprodução da vida social, ainda que isso não se dê a partir de determinações imediatamente biológicas ou dentro de parâmetros utilitários estreitos.

A esse propósito, Marshall Sahlins dedica boa parte de seu exce-lente Cultura e razão prática ao empenho de demonstrar que, nas sociedades humanas, a cultura não ocupa um papel subordinado ao que ele chama de “razão prática”. Entretanto, ele mesmo admite que “a natureza é sempre suprema”:

Mesmo em condições materiais muito semelhantes, as ordens e fi-nalidades culturais podem ser muito diferentes. Porque as condições materiais, se indispensáveis, são potencialmente “objetivas” e “ne-cessárias” de muitas maneiras diferentes, de acordo com a seleção cultural pelas quais elas se tornam “forças” efetivas. Claro que, em certo sentido, a natureza é sempre suprema. Nenhuma sociedade

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pode viver de milagres, enganando-se com ilusões. Nenhuma socie-dade pode deixar de prover meios para a continuação biológica da população ao determiná-la culturalmente – não pode negligenciar a obtenção de abrigo na construção de casas, ou de alimentação ao distinguir comestíveis de não-comestíveis (SAHLINS, 2003, p. 168).

Além disso, na primeira parte de seu raciocínio, quando Sahlins afirma que “as condições materiais, se indispensáveis, são poten-cialmente ‘objetivas’ e ‘necessárias’ de muitas maneiras diferentes, de acordo com a seleção cultural pelas quais elas se tornam ‘forças’ efetivas”, ele tem razão. É bom lembrarmos, porém, que “de muitas maneiras diferentes” não é o mesmo que de qualquer maneira, ou seja, há potencialidades e limites para a “seleção cultural” que a antecedem, determinados não só pelas “condições materiais”, mas pelo que o próprio Sahlins denomina “razão prática” – que não deve-ria ser contraposta à “cultura”, mas necessariamente pensada como a primeira mediação cultural, indispensável ao desenvolvimento de todas as demais (embora essas, em um momento posterior, possam ocupar uma posição hierarquicamente mais elevada do que a razão prática primitiva nos diversos processos de seleção cultural das con-dições materiais, ou em meio a quaisquer processos culturais, desde que uma razão prática anterior tenha propiciado as condições pré-vias de tais elevações hierárquicas, as quais, por sinal, possibilitam o surgimento de novas razões práticas, e assim por diante).

Conservando essa terminologia, pode-se dizer que o maior proble-ma da atualidade são as graves contradições entre as diversas razões práticas e mediações culturais disfuncionais particulares (unidades empresariais e estados concorrentes na economia de mercado na-cional e global) que ameaçam a própria sobrevivência da humanida-de e da própria biosfera, gerando uma irracionalidade generalizada, cuja causa última, isto é, cuja explicação, mais uma vez, deve ser buscada na esfera econômica.

Marx, nos Grundrisse, dizia: “Para compreender as formas de ma-nifestação, primeiro é necessário investigar o que se manifesta ne-las” (apud ROSDOLSKY, 2001, p. 51). Indo um pouco mais longe nessa mesma linha de investigação, Zizek (1999) afirma que, em psicanálise, o que mais importa na interpretação de um sonho não

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é nem a sua forma nem o seu conteúdo, mas a relação entre um e outro, ou seja, a principal pergunta a ser respondida não é tanto qual conteúdo latente se oculta por detrás do conteúdo manifesto de um sonho, mas por que esse conteúdo se manifesta precisa-mente dessa forma. Do mesmo modo, no estudo da sociedade, o método correto seria não se ater aos fenômenos/fatos/aparências, nem tampouco às leis/essências, mas se perguntar por que estas últimas se manifestam precisamente de uma forma e não de outra em dado momento histórico. É a forma que explica o conteúdo e vice-versa, mas só se entende isso adequadamente quando a per-gunta anterior tiver sido devidamente formulada, e isso envolve uma articulação entre dedução, indução e contextualização histó-rica do objeto analisado.

Trata-se de um tipo de análise que “avança simultaneamente sob for-ma ‘dedutiva’ e ‘indutiva’, lógica e histórica” (LÊNIN apud ROSDOLSKY, 2001, p. 111). A alternância de dedução e indução, nessa ordem, e das formas lógica e histórica, revelam o caráter ao mesmo tempo dialético e histórico do método empregado na análise. De certo modo, a solução metodológica apresentada é um refinamento da oposição clássica entre racionalismo e empirismo, suprassumida em uma síntese superior, graças à mediação do elemento histórico, que, ao mesmo tempo em que busca fazer da lógica um uso rigoroso, não se contenta com sua “pureza” dedutiva, ao mesmo tempo em que, sem nunca desconsiderar a empiria, abandona a perspectiva indu-tiva mecânica, linear e às vezes eternizante que costumeiramente a caracteriza, considerando sua complexidade e situando-a em seu devir, entendendo o ser como um permanente vir a ser, aberto, mas não em qualquer direção, a partir do que foi, permaneceu e deixou de ser, tornando-se simultaneamente o que se tornou e o que não é (ainda), mas pode ser.

Empregando esse método na análise da relação entre determi-nações materiais e formas culturais, a opção correta não seria nem estabelecer arbitrariamente a primazia da cultura sobre as condições materiais, nem limitar-se à ênfase correta na determinação em última instância da cultura pela economia, mas identificar o porquê de, em determinada situação histórica, ocorrer precisamente esta ou aquela composição específica.

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Isso, porém, não significa que não haja uma relação de antecedên-cia necessária entre as determinações materiais e as formas culturais. Ou seja, a dimensão prática, utilitária, da cultura, ainda que não necessariamente “racional”, no sentido de plenamente consciente e reflexiva, antecede necessariamente sua dimensão normativa, lúdi-ca, simbolicamente estruturante (no jargão marxista, a superestrutu-ra). Em outras palavras, é da base econômica de um dado modo de produção, de sua infraestrutura (a qual não se limita a “condições materiais”, que são apenas uma parte sua, mas envolve as relações de produção, as formas alternativas possíveis de organização e atua-ção racional sobre essas condições de modo a assegurar a produção e reprodução de sua existência), que derivam, de formas altamente criativas e variadas, as diversas superestruturas, que a partir de então sobre ela atuam, contribuindo para a sua manutenção, transforma-ção ou destruição – consequentemente, para sua própria manu-tenção ou transformação, e assim por diante, exceto no caso das formações cujos conflitos conduzem à autodestruição ou à extrema fragilidade de suas possibilidades de autorreprodução.

Assim, a noção de determinação em última instância da infraestru-tura econômica sobre a superestrutura é uma forma muito sensata de designar o fato de o inevitável metabolismo do homem com a natureza ser a condição necessária para tudo o que se pensa, crê, concebe etc., enquanto a recíproca não é verdadeira, ou seja, em-bora, para que esse metabolismo (que é uma categoria universal) se dê, seja necessário algum tipo de pensamento, crença, concepção, nenhum pensamento, crença ou concepção singular tem o direito de reivindicar o estatuto de única condição necessária para que o metabolismo se dê. Este, enquanto universal, é necessário; aqueles, enquanto singulares, são contingentes.

Por outro lado, para cada modo de produção particular há par-ticularidades infraestruturais contingentes igualmente determinadas pelo princípio universal de que pensamentos, crenças, concepções, ou seja, elementos superestruturais são condições necessárias para que o metabolismo se dê de alguma forma particular. Ainda assim, porém, a universalidade do conceito e da facticidade do metabo-lismo do homem com a natureza como condição absolutamente necessária da vida faz de ambos universais concretos (em nível epis-

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temológico, quanto ao conceito, e ontológico, quanto à facticida-de), em última instância determinantes de quaisquer outros, como pensamentos, crenças, concepções etc., que só podem então existir no plural, na forma de mediações contingentes, enquanto singulares (únicas no tempo e no espaço) ou particulares (mediações do sin-gular com o universal enquanto parte sua), mas jamais como uma singularidade ou particularidade universal (de um universal maior) na forma de o pensamento, a crença, a concepção etc., a não ser no terreno nebuloso da teologia, enquanto podemos, sem medo de incorrer em desvios metafísicos, falar no metabolismo do homem com a natureza, que é um modo poético de se dizer História, com inicial maiúscula, o que envolve a primeira natureza – biológica – e a segunda natureza – social. É uma categoria biopolítica ou biosso-cial, cuja universalidade não se deixa englobar por nenhuma outra categoria social. É, portanto, o mais alto nível de totalização social a que se pode chegar, em meio ao qual podem ocorrer as mediações que forem, mas sempre subordinadas a essa totalidade. Nos termos de Lukács:

Quando atribuímos uma prioridade ontológica a determinada cate-goria com relação a outra, entendemos simplesmente o seguinte: a primeira pode existir sem a segunda, enquanto o inverso é ontologi-camente impossível. É algo semelhante à tese central de todo mate-rialismo, segundo a qual o ser tem prioridade ontológica em relação à consciência. Do ponto de vista ontológico, isso significa simples-mente que pode existir o ser sem a consciência, enquanto toda cons-ciência deve ter como pressuposto, como fundamento, algo que é. Mas disso não deriva nenhuma hierarquia de valor entre ser e cons-ciência. (...) O mesmo vale, no plano ontológico, para a prioridade da produção e da reprodução do ser humano em relação a outras funções. Quando Engels, no discurso pronunciado junto à tumba de Marx, fala do “fato elementar (...) de que os homens devem primeiro de tudo comer, beber, ter um teto e vestir-se, antes de ocupar-se de política, de ciência, de arte, de religião etc.”, está falando precisa-mente de uma relação de prioridade ontológica. E o próprio Marx o afirma claramente, no prefácio à Contribuição à crítica da economia política. Onde é sobretudo importante o fato de que ele considere

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“o conjunto das relações de produção” como a “base real” a partir da qual se explicita o conjunto das formas de consciência; e como essas, por seu turno, são condicionadas pelo processo social, político e espiritual da vida (LUKÁCS, 1979, p. 40-1)5.

Ou, em outra formulação bastante similar:

Para o materialismo, a prioridade do ser é, antes de mais nada, a constatação de um fato: há um ser sem consciência, mas não há consciência sem ser. Disto, porém, não se segue uma subordinação hierárquica da consciência ao ser. Pelo contrário, somente esta prio-ridade e o seu reconhecimento concreto, teórico e prático, por parte da consciência, cria a possibilidade de dominar realmente o ser com a consciência. O simples fato do trabalho ilustra esta situação com meridiana evidência (LUKÁCS apud OLDRINI, 2002, p. 71).

Desse modo, pense-se (ou creia-se, ou conceba-se) o que se pen-sar, se nada for feito, ou melhor, se certas atividades práticas absolu-tamente necessárias e universais – alimentação, proteção contra as intempéries, cuidados com a saúde etc. – não forem realizadas de alguma forma eficaz, em pouco tempo não haverá mais pensamen-tos, mitos, crenças, concepções, reality shows. Por outro lado, não é verdadeira a recíproca “faça-se o que se fizer, se certos pensamentos (ou crenças etc.) absolutamente necessários não forem pensados, em pouco tempo não haverá mais atividades práticas”, a não ser na me-dida em que esses pensamentos sejam necessários à eficácia dessas práticas, ou seja, pensamentos só adquirem o estatuto de necessários

5 Pouco antes, na mesma obra (p. 14-5), Lukács dizia, sobre os Manuscritos econômico-filosóficos, de Marx, que “sua originalidade inovadora reside, não em último lugar, no fato de que, pela primeira vez na história da filosofia, as categorias econômicas aparecem como as categorias da produção e da reprodução da vida humana, tornando assim possível uma descrição ontológica do ser social sobre bases materialistas. Mas o fato de que a economia seja o centro da ontologia marxiana não significa, absolutamente, que sua imagem do mundo seja fundada sobre o ‘economicismo’. (Isso surge apenas em seus epígonos, que perderam toda noção do método filosófico de Marx; um fato que contribuiu bastante para desorientar e comprometer o marxismo no plano filosófico)”.

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e não contingentes quando necessários a certas práticas necessárias, isto é, enquanto contingentes a práticas necessárias: quando são de algum modo úteis. Portanto, mesmo pensamentos necessários são contingentes, ou seja, determinados por uma necessidade prática que os transcende6.

Toda e qualquer ordem simbólica é, de um modo ou de outro, mais ou menos útil, na medida em que organiza as referências das ações necessárias – sem as quais as ações não necessárias mas de algum modo desejadas, também mediadas pela ordem simbólica, não seriam realizáveis –, e toda determinação emanada dessa or-dem também o é, ainda que de forma não aparente, imediata ou consciente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos que a utilidade de uma dada ordem simbólica não se limi-ta à razão prática mais elementar, cuja função econômica direta é contribuir para a produção e reprodução biológicas do ser humano (embora não possa se dar ao luxo de prescindir dessas funções), mas também ao seu papel na satisfação dos gostos e paixões, os quais não precisam ser necessariamente de natureza egoísta. Combater o utilitarismo mais rasteiro não deve, portanto, conduzir à defesa de alguma espécie de “inutilitarismo”. Tratou-se aqui, então, de redi-mensionar a própria noção de utilidade, que não pode se restringir à biologia, ao cálculo econômico de mercado ou mesmo a um prag-matismo rasteiro. Por exemplo: a prece é útil para o crente na medi-da em que alivia tensões ou o que for, ainda que o santo solicitado seja surdo; e a poesia é útil por causa das satisfações intelectuais e afetivas que provoca.

6 É claro que tudo isso só faz algum sentido partindo do pressuposto de que a reprodução da vida, e da vida humana em particular, em sua universalidade, é necessária. Diante do pensamento de que não o é, ou seja, diante do nii-lismo, o que foi exposto acima perderia o sentido, não fosse pelo fato de que o niilismo é uma posição teoricamente indefensável, na medida em que só se legitima na prática, particularmente, em duas ações específicas: o suicídio ou o homicídio. Uma sociedade orientada pelo niilismo, caso leve às últimas consequências suas próprias premissas, não teria muito futuro.

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Neste ponto, devemos refletir sobre um importante alerta metodo-lógico de Kosik, que nos lembra a centralidade das categorias práxis e trabalho para que o primado da economia na dialética materialista não seja confundido com um economicismo qualquer. Kosik ilustra sua argumentação relacionando precisamente poesia e economia. Ele nos lembra, em primeiro lugar, que “a poesia não é uma realida-de de ordem inferior à economia: também ela é do mesmo modo realidade humana, embora de gênero e de formas diversos, com tarefa e significados diferentes” (KOSIK, 2002, p. 121). Na sequência desse raciocínio, acrescenta:

A economia não gera a poesia, nem direta nem indiretamente, nem imediata nem mediatamente: é o homem que cria a economia e a poesia como produtos da práxis humana. (...) Somente sobre a base desta determinação materialista do homem como sujeito objetivo – ou seja, como ser que, dos materiais da natureza e em harmonia com as leis da natureza como pressuposto imprescindível, cria uma nova realidade, uma realidade social humana – podemos explicar a economia como a estrutura fundamental da objetivação7 humana, como a ossatura das relações humanas, como a característica ele-mentar da objetivação humana, como o fundamento econômico que determina a superestrutura. O primado da economia não decorre de um superior grau de realidade de alguns produtos humanos, mas do significado central da práxis e do trabalho na criação da realidade humana (KOSIK, 2002, p. 121-2, grifos do autor).

Por fim, esperamos ter demonstrado que atrelar o problema do gosto ao valor de uso retém o que há de teoricamente fértil nas no-ções econômicas de utilidade e necessidade, mas se livra dos a prio-ri biologistas ou utilitaristas mais rasteiros, dado que as utilidades ou

7 Não confundir objetivação com objetificação. O primeiro conceito diz res-peito ao ato de o homem realizar sua humanidade materializando seus de-sejos e pensamentos subjetivos em atos, situações e coisas objetivos, a partir da transformação de situações e coisas objetivas preexistentes, mediante a práxis e o trabalho. Já objetificação diz respeito ao processo mediante o qual o homem se converte de sujeito em objeto da práxis de outrem.

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necessidades podem ser as mais diversas e altamente mediadas. Por outro lado, se os gostos são sempre culturalmente mediados, também o são biologicamente, em muitos aspectos de modo inconsciente, às vezes de modo consciente e racional. Além disso, é importante não se perder de vista que cultura e razão não são entidades abstratas, mas conceitos que pretendem expressar aspectos concretos da práxis humana, cuja história não se desenrola somente no campo simbólico, mas também no mundo exterior às práticas semióticas.

Por isso, pode ser produtivo pensar o gosto também como cate-goria econômica, enquanto expressão do valor de uso dos bens ma-teriais ou simbólicos, relacionando o valor de uso de um bem à sua propriedade de satisfazer o gosto, ao invés de meramente atender a exigências biológicas ou a presumidos cálculos utilitaristas. Afinal, ao falarmos em gosto, falamos na bússola que nos orienta na seleção de objetos de satisfação sensível e intelectual em um sentido mais am-plo, sem desconsiderar o caráter estruturante do universo simbólico ou cultural onde o processo ocorre, mas ao mesmo tempo não redu-zindo o processo a uma mera atualização desse caráter estruturante. Quando isso é tudo o que ocorre, quando a satisfação do gosto não traz também consigo uma abertura sensível e cognitiva em relação a essa estruturação, estamos no terreno do gosto enquanto substrato sensível da ideologia, em sua acepção negativa, no sentido de falsa consciência, de ilusão funcional do sistema, processo que Mészáros diagnosticou nos seguintes termos:

O trabalhador internaliza as necessidades e os imperativos do capital como seus próprios, como inseparáveis da relação de troca, e por isso aceita a imposição dos valores de uso capitalisticamente viáveis como se emanassem de suas próprias necessidades8. E, pior do que isso, simultaneamente o trabalhador também se acorrenta à sorte do sistema produtivo dominante pela internalização do que ele aceita serem suas próprias necessidades “legítimas” (2002, p. 628, grifos do autor).

8 Neste ponto, Mészáros propõe, em uma nota que convém reproduzir: “Comparar o mito apologético da ‘soberania do consumidor’ com a realidade de tais transformações.”

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Com este artigo, pretendemos contribuir para o debate buscando demonstrar que, em termos formais, uma ética utilitarista permanece perfeitamente razoável e atual, desde que se tenha em conta que a concretização de seus objetivos só é concebível à luz de uma crítica rigorosa dos mecanismos de captura do gosto como integração social negativa, que operam com grande eficácia sobretudo neste híbrido de determinações econômicas e culturais que é a grande mídia comer-cial. Pois se o gosto é a bússola que nos orienta para o que é ou não útil, e se essa mídia é responsável pela fabricação de boa parte das peças que compõem essa bússola, a felicidade farsesca e o horizonte ideológico politicamente conservador com os quais ela em geral nos alimenta, por razões, ao fim e ao cabo, rasteiramente econômicas, representam um péssimo uso desse fantástico aparato tecno-cultural, nos termos da ética utilitarista revista que aqui reivindicamos.

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INOVAÇÃO, TECNOLOGIAS SOCIAIS E A POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO BRASIL: DESAFIO CONTEMPORÂNEOMarcos Cavalcanti André Pereira Neto

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Tecnologia Social é um conceito que compreende produtos, técnicas ou me-todologias replicáveis, desenvolvidas na interação entre o meio técnico e cien-tífico e a comunidade e que representam efetivas soluções de transformação social. Este artigo analisa algumas razões que justificam a residual participação do meio científico nacional no processo de inovação e na elaboração e desen-volvimento de tecnologias sociais. Ele mostra que essa situação se justifica, em parte, pela atual política de avaliação da produção científica e tecnológica, que valoriza exclusivamente a produção bibliográfica em veículos acadêmicos. Por outro lado, as agências de fomento não incluem a resolução de problemas sociais como um dos indicadores de avaliação dos projetos de pesquisa apre-sentados nos editais oferecidos.Palavras-chave: inovação; tecnologia social; política brasileira de ciência e tec-nologia; sociedade do conhecimento

Social Technology is a concept that includes products, replicating techniques or methodologies, developed in the interaction between the technical and scientific environment and the community, and that presents effective solutions for social transformation. This article examines some reasons for residual participation from the national science environment in the innovation and the design and development of social technologies. It shows that this is justified in part by the current policy of evaluation of scientific and technological production valued exclusively in academic circles. On the other hand the development agencies do not include the resolution of social problems as an indicator for evaluation of research projects submitted in the bids offered constantly.Keywords: innovation; social technology; Brazilian science and technology policy; knowledge society

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INTRODUÇÃO

O termo Tecnologia Social foi utilizado pela primeira vez em 1966 no livro Social Technology, de Helmer et al. (1966). Essa expressão adquiriu diferentes sentidos e significados ao longo dos últimos anos. Inicialmente a expressão incluía softwares e hardwares de uso social, como o Facebook, e ações voltadas para os direitos humanos. Uma outra vertente interpretativa passou a buscar, com o fim da Segunda Guerra Mundial, um adjetivo que qualificasse o termo tecnologia, um adjetivo que traduzisse o ceticismo que alguns autores tinham em relação à aplicação das tecnologias que aumentavam as iniquidades entre países e populações. Como alternativa, iniciativas que reabili-tassem tecnologias tradicionalmente utilizadas em aldeias na Índia e na China passaram a ser valorizadas e a publicação do livro Small is Beautiful, de Schumacher, em 1973, foi considerada um marco. Nele, o autor condenava a busca desenfreada pelo consumo que orientava a vida de muitos cidadãos e a atividade econômica em geral. No seu entender, o bem-estar geral deveria guiar o pensamento e a ação de homens e governantes. As máquinas, cada vez maiores e mais caras, destruíam o meio ambiente e promoviam a desigualdade social e não o progresso.

Schumacher cunhou a expressão Tecnologia Intermediária para se referir às tecnologias que combinam elementos das tecnologias tradi-cionais com aspectos das inovações contemporâneas. No ano seguinte, na mesma ordem de críticas e reflexões, foi a vez de Dickson (1974) cunhar a expressão Tecnologia Alternativa. Em seguida, Clarke (1976) apresentou o termo Tecnologia Suave. Já Willoughby (1990) mostrou que o movimento de crítica ao padrão de desenvolvimento tecnológi-co estava desvinculado da ideia da promoção social e da preservação do meio ambiente e cunhou um novo termo, que assumiu diferentes versões, como Tecnologia Saudável, Comunitária e Apropriada.

A expressão Tecnologia Apropriada (Appropriate Technology – AT) passou a ser utilizada de forma indiscriminada. Ela englobou diferentes tecnologias, preocupadas com aspectos ambientais, éticos, culturais, sociais, políticos e econômicos da comunidade para a qual se destina. Ela também incluiu as tecnologias não poluentes e as que promovem o desenvolvimento e a inclusão social das populações de baixa renda.

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Para Darrow e Pam (1978), a Tecnologia Apropriada normalmente se refere às tecnologias consideradas adequadas para uso em países em desenvolvimento ou em áreas rurais de países industrializados. Dessa forma, as soluções de trabalho intensivo passaram a ter preferência sobre as de capital intensivo, embora os dispositivos de economia de trabalho também sejam utilizados quando o capital ou o custo de ma-nutenção forem baixos. Na prática, a Tecnologia Apropriada é uma iniciativa de utilização simples que atende efetivamente à finalidade prevista em um determinado tempo e local. Ela tem baixo investimen-to, gera empregos, organiza-se de forma simples, produz em pequena escala, adapta-se ao meio ambiente natural, social e cultural e utiliza, em geral, recursos renováveis. Os atributos ambientais foram sendo cada vez mais incorporados à noção de Tecnologia Apropriada. Nesse contexto foi construída a noção de cleaner production – produção limpa (LINDHQVIST, 2000).

Com a globalização foi imposta uma nova competitividade entre na-ções e empresas, baseada em inovações organizacionais, alianças estra-tégicas e incorporação sistemática de novas tecnologias intensivas em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Com isso, a proposta da Tecnologia Apropriada perdeu muito de seu vigor no início dos anos 1980. A Tecno-logia Apropriada refluiu, mas não desapareceu, pois os problemas que levaram à sua organização continuam presentes na vida dos cidadãos.

Um dos sinais da atualidade dos problemas apontados pelos pioneiros da Tecnologia Apropriada do pós-guerra é o aparecimento do concei-to de Tecnologia Social. Uma importante distinção entre esses con-ceitos é apontada por Dagnino (2004). Para ele, a Tecnologia Social muda a ênfase de lugar: em vez de privilegiar o produto, valoriza-se o processo. Não se tratava mais de reabilitar as tecnologias tradicio-nais nem de aplicar soluções construídas em laboratórios estrangeiros. Agora o importante é construir e aplicar soluções que envolvam usuá-rios e técnicos visando a soluções que promovam a inclusão social e a melhoria das condições de vida.

A Tecnologia Social é desenvolvida e praticada na interação com a população, e apropriada por esta, e obedece a determinados princí-pios e parâmetros. Um dos mais importantes está relacionado à ideia da tecnologia ser construída para atender as demandas concretas da população em um processo que envolva os interessados. Assim, a ex-

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pectativa é que novos conhecimentos sejam construídos pelo conjunto de atores envolvidos em um processo democrático e participativo, pla-nejado e sistematizado, visando à sustentabilidade econômica, social e ambiental e à sua reprodução em outras situações semelhantes. Assim, o conhecimento passa a ter uma intencionalidade e uma finalidade.

No Brasil, a Fundação Banco do Brasil foi uma das instituições pio-neiras no desenvolvimento das Tecnologias Sociais. Criou, em 2001, o Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, um instrumen-to de identificação, seleção, certificação, promoção e fomento de tec-nologias que apresentem respostas efetivas para diferentes demandas sociais e possam integrar o Banco de Tecnologias Sociais. O prêmio é realizado de dois em dois anos para permitir a alternância entre os períodos de captação e disseminação de soluções.

Para a Fundação Banco do Brasil, “a Tecnologia Social compreen-de produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social” (BRASIL, 2010). Está baseada na disseminação de soluções para problemas referentes a demandas de alimentação, edu-cação, energia, habitação, renda, recursos hídricos, saúde, meio am-biente, entre outros. As Tecnologias Sociais podem aliar saber popular, organização social e conhecimento técnico-científico e devem ser efe-tivadas e reaplicadas, estimulando o desenvolvimento social em escala.

Assim, o conceito de Tecnologia Social em voga compreende produ-tos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação entre o meio técnico e científico e a comunidade, representando, ne-cessariamente, efetivas soluções de transformação social.

Apesar dessa iniciativa pioneira da Fundação Banco do Brasil, o Brasil está muito longe da usar sua inteligência a serviço do desenvolvimento econômico e social. Muitas pessoas se surpreenderam com o resultado da edição de 2009/2010 do estudo Global Information Technology, do Fórum Econômico Mundial. A entidade internacional apresenta, desde 2002, um relatório contendo o ranking dos países que usam tecnologia a serviço do crescimento e do desenvolvimento (DUTTA e MIA, 2010).

Esse relatório é o mais completo, contínuo e confiável documento de avaliação do impacto das tecnologias no processo de desenvol-vimento e competitividade de 138 nações. O Networked Readiness Index (NRI) que aparece no relatório examina como os países estão

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preparados para utilizar as tecnologias de forma eficaz em três dimen-sões: no ambiente de negócios em geral, especialmente na regulação e na infraestrutura; no envolvimento dos três principais atores sociais – indivíduos, empresas e governos –; e no benefício que esses atores podem ter com sua utilização.

Na última edição, o Brasil se manteve na mesma posição do ranking anterior, mantendo o 59º lugar. À sua frente estão países em desen-volvimento como África do Sul, Chile, Costa Rica, Jamaica, Jordânia, Kuwait e Malásia. A China, que ocupava a 17ª posição no ranking anterior, hoje ocupa a 13ª. A Tabela 11 ilustra essa evolução.

Tabela 1Posição no ranking de utilização de tecnologia a serviço da sociedade

País 2008/2009 2007/2008

China 13ª 17ª

Malásia 28ª 26ª

Chile 39ª 34ª

Jordânia 44ª 47ª

África do Sul 52ª 51ª

Jamaica 53ª 46ª

Índia 54ª 50ª

Kuwait 57ª 52ª

Brasil 59ª 59ª

Fonte: The Global Information Technology Report 2008-2009 © 2009 World Economic Forum

Este artigo analisa algumas razões que justificam a residual parti-cipação do meio científico e tecnológico nacional no processo de inovação e, em particular, na elaboração e no desenvolvimento de Tecnologias Sociais.

A seguir, serão analisadas criticamente duas razões comumente apresentadas para justificar esse quadro: a falta de financiamento pú-blico em ciência e tecnologia e o pequeno número de pesquisadores com doutorado no país. Abordaremos também algumas consequên-cias da nossa política de ciência e tecnologia.

1 Incluímos na tabela somente os países em desenvolvimento, como o Brasil. A lista completa está disponível no Anexo II.

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1 FALTA INVESTIMENTO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL?

Os dados disponíveis no site do Ministério de Ciência e Tecnologia, consultado durante a elaboração deste artigo, indicam que na última década o Brasil manteve uma média de investimento em ciência e tec-nologia entre 1,3% e 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme a Tabela 2.

Tabela 2Dispêndio nacional em ciência e tecnologia (C&T) –

% em relação ao PIB / bilhões de reais

Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

% 1,30 1,33 1,30 1,26 1,24 1,27 1,28 1,38 1,47 1,63

Bilhões 15.2 17.2 19.2 21.3 24.0 27.2 30.3 36.6 44.2 51.1

Fonte: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/29140.html

O percentual de investimento do Brasil pode ser considerado baixo se for comparado aos da Coreia do Sul (3%), Austrália (1,5%), Cingapu-ra (2,2%) e Israel (3,5%). Entretanto, se for contabilizado o dispêndio por pesquisador em tempo integral, o quadro se modifica radicalmen-te. Para se ter uma ideia da magnitude do orçamento basta mencionar que o Brasil investiu US$ 193 mil por pesquisador em tempo integral em 2000 (BRANDÃO, 2006). Esse valor é equivalente ao adotado nos EUA e superior ao de diversos países desenvolvidos, como o Canadá (US$ 162 mil), o Japão (US$ 153 mil), o Reino Unido (US$ 152 mil) e a Austrália (US$ 118 mil). Esse valor cresceu ainda mais durante a última década, sobretudo pelo fato de muitos governos estaduais estarem destinando parte significativa de sua receita a suas respectivas fundações de amparo à pesquisa. Cruz e Chaimovich (2010, p. 38), em artigo publicado no Relatório da Unesco, afirmam:

Uma fatia significativa do financiamento governamental em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) sai dos governos estaduais, que por meio das fundações custeiam institutos com missões específicas, institutos esta-duais e instituições estaduais de educação superior. Em 2008, cerca de 32% do gasto público em P&D se originou dos fundos estaduais.

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O investimento público em Ciência e Tecnologia não é, portanto, desprezível.

E por que razão esse investimento não se transforma em inovação ou Tecnologias Sociais? A política científica e tecnológica nacional pa-rece inibir tal iniciativa. O critério de avaliação de produtividade que essa política utiliza valoriza exclusivamente a produção bibliográfica em veículos acadêmicos reconhecidos pela comunidade científica e não reconhece qualquer outro tipo de produção ou atividade, in-clusive as Tecnologias Sociais. A criação de um produto ou processo inovador que se transforme em uma patente ou em uma Tecnologia Social não é utilizada como indicador na atual política de avaliação da produção científica e tecnológica adotada pelas agências de fomento da atividade científica em nosso país.

A grande maioria dos pesquisadores em tempo integral no Brasil trabalha em instituições públicas de ensino superior. Alguns, em la-boratórios e centros de pesquisa vinculados a ministérios ou órgãos públicos. Todos são avaliados com o mesmo e único indicador de pro-dutividade: a publicação de artigos científicos em revistas acadêmicas de circulação internacional.

Essa política explica por que razão o número de patentes estag-nou enquanto o número de artigos não para de crescer. Em 1981 o Brasil havia produzido 0,8% da produção bibliográfica acadêmica internacional. Em 2008 esse índice atingiu a casa dos 1,92%, ou seja, duplicou (MEIRELLES, 2008). Segundo Cruz e Chaimovich (2010, p. 33), “os cientistas brasileiros publicaram 26.482 artigos científicos em periódicos indexados pelo Thomson Reuter’s Science Citation Index em 2008, fazendo do país o 13º maior produtor de ciência do mundo. Mais de 90% desses artigos foram gerados em universidades públicas”.

Se a cifra representa o esforço de muitos cientistas em divulgar sua produção em periódicos internacionais, ela também é uma respos-ta aos critérios de produtividade estabelecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Esse mecanismo de avaliação dos periódicos exerce, portanto, um papel indutor da produção científica e inibe as iniciativas preocupa-das com as Tecnologias Sociais. Não leva em consideração qualquer

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outro tipo de produção intelectual, científica ou tecnológica, como patentes, produtos e serviços de utilidade pública, ou mesmo livros de grande tiragem.

O que interessa reiterar é que investir cerca de 1% do PIB não é tão pouco dinheiro assim. O principal problema não é o valor absoluto ou relativo do investimento e sim seu objetivo e finalidade. Atualmente, todo pesquisador brasileiro tem sua produtividade medida exclusiva-mente pela quantidade de artigos publicados em revistas indexadas e avaliadas pelo sistema Qualis da Capes. A apresentação, sob forma de uma Tecnologia Social, de um resultado concreto para o desenvolvi-mento do país ou para a resolução dos graves problemas que afetam a grande maioria dos brasileiros simplesmente não tem valor nenhum – é ignorada pelas instituições que concedem financiamento à pesquisa. Por essa razão, os impactos econômicos e sociais desse investimento não são perceptíveis pela sociedade e a produção de patentes estag-nou enquanto a de artigos continua crescendo.

O problema central não está, portanto, na falta de investimento. É claro que o país deveria investir mais em Ciência e Tecnologia. Entre-tanto, o principal problema não está no montante investido, mas sim na sua finalidade.

2 FALTAM PESQUISADORES COM DOUTORADO?

A segunda razão que impediria o envolvimento de pesquisadores em projetos de Tecnologia Social, normalmente aventada por nossas entidades científicas, está associada à ideia de que existiriam poucos profissionais com doutorado no Brasil. Alguns especialistas justificam que o Brasil não ocupa um lugar de crescente destaque no ranking dos países que usam tecnologia a serviço do desenvolvimento justamente por essa carência.

Segundo o relatório da Capes (2010) o número de pessoas que con-cluiu o doutorado no Brasil passou de 2.830 em 1996 para 10.711 em 2008. Esses indicadores equivalem a um aumento de 278% em 12 anos. Existiam, segundo essa mesma fonte, 87.063 pessoas tituladas com doutorado em 2008. Para Cruz e Chaimovich (2010, p. 40), “o número de pessoas que terminam um doutorado pode parecer alto, mas ele se traduz em apenas 4,6 doutores para cada 100 mil habitan-

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tes, uma relação 15% menor do que a da Alemanha e praticamente um terço da relação verificada na República da Coreia”.

No entanto, cabe uma questão: aonde irão trabalhar os 10 mil dou-tores que se formam, em média, por ano, no Brasil? A resposta imedia-ta é: eles irão trabalhar no magistério de nível superior.

Dados recentes da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) sobre a distribuição percentual dos doutores titulados no Brasil no período 1996-2006 empregados durante o ano de 2008, indicam que 76,7% dos portadores de diploma de doutorado atuam na educa-ção enquanto 1,3% atua na transferência de tecnologia (IBGE, 2007a).

Por que razão esses doutores não desenvolvem suas atividades no meio empresarial? Por um lado, porque temos uma cultura empresa-rial refratária à inovação tecnológica e, por outro, porque nossa atual política de avaliação de produtividade em ciência e tecnologia não estimula as atividades de natureza pragmática.

Segundo estimativas da Pesquisa de Inovação Tecnológica realizada em 2005, em um universo de mais de 95 mil empresas industriais, menos de 7 mil contavam com atividades internas de pesquisa e desenvolvimen to (IBGE, 2007b). Segundo estudo da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (ANPEI, 2004), apenas 0,8% das pessoas empregadas em empresas dedicam-se a Pesquisa e Desenvolvimento. Esse percentual representa cerca de 41 mil pessoas. Destas, apenas 750 têm douto-rado. A Coreia do Sul, com uma população quatro vezes menor que a do Brasil, emprega mais de seis mil doutores em empresas. O fato de a Coreia do Sul empregar esse volume de doutores em empresas gera uma consequência perceptível. Em 2009, os sul-coreanos depo-sitaram mais de 9.566 pedidos de patentes nos Estados Unidos, contra pouco mais de uma centena do Brasil. Os dois países têm uma comu-nidade de cientistas de tamanho equivalente, mas na Coreia cerca de 80% dos cientistas dedicam-se à pesquisa na indústria, enquanto no Brasil o mesmo setor absorve menos de 10% dessa força de trabalho qualificada.

Parece predominar na cultura empresarial nacional a ideia de que a pesquisa básica se faz na universidade enquanto que o desenvol-vimento tecnológico e a inovação acontecem nas empresas, sem a necessária participação dos doutores.

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Os doutores também não são absorvidos pelo meio empresarial porque sua formação procurou obedecer a política de avaliação da produção científica e tecnológica, que valoriza exclusivamente a ati-vidade acadêmica e que se transforma em artigos publicados em re-vistas bem qualificadas pela Capes e não em produtos ou processos inovadores.

Os cursos de pós-graduação cobrem hoje praticamente todo o terri-tório nacional em todas as áreas do conhecimento. Todos são organi-zados para formar pesquisadores que atuarão, sobretudo, na própria universidade na qual se formaram ou em outras instituições de ensino superior, na qualidade de professores e pesquisadores. E como os dou-tores que formam os futuros doutores são avaliados? O professor e o aluno são estimulados, desde o primeiro dia, a publicar artigos em re-vistas indexadas e de qualidade reconhecida internacionalmente pela Capes. Na verdade, o estudante é induzido, desde a bolsa de iniciação científica, a escrever e publicar artigos. Ele não é estimulado a inovar ou a encontrar soluções tecnológicas que contribuam para o desenvol-vimento do país. Não há, da parte das agências de fomento, qualquer incentivo explícito a iniciativas voltadas para o desenvolvimento de Tecnologias Sociais e da Inovação.

Mantendo o ritmo atual de dez mil doutores formados por ano, o Brasil terá no final desta década cerca de cem mil novos doutores. Se for mantida a atual política de avaliação da produção científica e tecnológica, onde esses doutores exercerão sua atividade profissional? Se a cultura empresarial continuar refratária à presença de doutores na empresa, onde esses doutores exercerão sua atividade profissional? Como não haverá lugar para todos no magistério de nível superior, alguns poderão desenvolver atividades nas quais essa titulação e qua-lificação não sejam exigidas ou necessárias. Com alguma sorte, alguns se tornarão empresários de uma empresa de base tecnológica ou in-tensiva em conhecimento. Nesse caso, o esforço do país em investir na formação desses profissionais terá valido a pena. Mas essa possibi-lidade não invalida a constatação do descompasso existente entre o número de doutores que se formam todos os anos em nosso país e o ambiente econômico e social hostil que está sendo desenvolvido para absorvê-los, ou a lógica que orienta a política pública de avaliação em ciência e tecnologia e que interfere na formação dos doutores.

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Se a maioria de nossos doutores continuar orientando sua prática profissional exclusivamente para a produção de artigos, as empresas e os empresários continuarão a vê-los como profissionais que não de-têm qualquer potencial para contribuir com o desenvolvimento de seu produto ou processo. Como afirmou Dudziak (2007), não há real impacto da política de inovação na práxis acadêmica, sobretudo no que diz respeito à flexibilização da atividade dos pesquisadores.

Meirelles (2008) revelou que o número de doutores no país corres-ponde a um pesquisador para cada mil pessoas. Na China, em 2004, existiam cerca de 1,2 cientistas para cada mil habitantes. Ou seja, o número relativo de doutores no Brasil é semelhante ao encon-trado na China. Como observamos acima, o resultado do trabalho em matéria de inovação tecnológica e apresentação de patentes é extremamente díspar.

O problema não está na falta, mas sim no destino que está sendo construído para os doutores. Como irão devolver à sociedade o inves-timento feito em sua formação? Quantos irão trabalhar em empresas inovadoras? Quantos irão se dedicar ao desenvolvimento de Tecnolo-gias Sociais?

3 CONSEQUÊNCIAS

A péssima posição do Brasil no ranking dos países que inovam e usam tecnologia a serviço do crescimento e desenvolvimento e o cres-cimento da produção bibliográfica internacional são duas consequên-cias da atual política de avaliação da produção científica e tecnológica que valoriza exclusivamente a produção de artigos em revistas indexa-das e bem avaliadas pela Capes.

Cruz e Chaimovich (2010, p. 40) chegaram a conclusões semelhantes:

O pequeno número de cientistas no setor privado não deixa de ter suas consequências, tal como é testemunhado pela deficiência de patentes geradas pela indústria brasileira. Ele é também um dos principais obs-táculos ao desenvolvimento de laços mais fortes entre as universidades e as indústrias. Ademais, apenas 15% dos pesquisadores brasileiros no setor empresarial possuem mestrado ou doutorado.

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Existe uma outra consequência dessa política de avaliação da produ-ção científica e tecnológica: a morte de vítimas indefesas.

O caso da dengue parece ser exemplar: é um problema mundial de saúde pública. Estima-se que ocorram cerca de cem milhões de infecções por ano, ocasionando milhões de casos de doença febril e aproximadamente 250 mil casos de dengue hemorrágica. No Brasil, essa epidemia teve início em 1986 e hoje ocorre em todas as regiões do país, com dezenas de milhares de casos notificados anualmente, alguns com manifestações hemorrágicas e fatais. O controle da den-gue, nos dias atuais, segue as mesmas normas gerais de combate aos mosquitos vetores, preconizadas pelos médicos sanitaristas no início do século XX. O controle e a erradicação do mosquito vetor da doen-ça é, sem dúvida, um procedimento bastante complexo e difícil. Re-conhece-se que a alternativa ideal para o controle da epidemia seria a criação e produção de uma vacina, como existe para a febre amarela, com excelente capacidade imunizante.

Quando o verão se aproxima, o surto de dengue se transforma em uma ameaça. Nessas ocasiões os jornais responsabilizam sistematica-mente os governos federal, estadual e municipal pelo quadro epidêmico em que as cidades se encontram. A imprensa também responsabiliza o cidadão por não tomar as medidas preventivas preconizadas. No nosso entender, a política de ciência e tecnologia não pode ficar de fora da análise das causas que levam o país a viver anualmente essa dramática situação.

O problema, mais uma vez, não é falta de dinheiro. As agências de fomento têm financiado pesquisas sobre a dengue. O problema tam-bém não é falta de doutores. Existem inúmeros pesquisadores dou-tores dedicados ao tema no país. O problema é que esses doutores recebem um financiamento que os obriga a transformar esse conheci-mento em artigos a serem publicados. Esses critérios de avaliação da produção científica brasileira inibem o pesquisador, de forma que ele é impelido a se concentrar em estudos que duram anos e não obtêm um resultado concreto, e não a se dedicar a estudos de natureza mais pragmática. Nesse caso, o pesquisador envolvido com a elaboração de produtos ou processos inovadores deveria continuar recebendo financiamento e orientando seus alunos de mestrado e doutorado, apesar de não publicar nenhuma linha sobre suas descobertas. O pes-

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quisador preocupado com a apresentação de uma patente não pode publicar. Se divulgar seus achados, perde o direito de patentear suas descobertas.

Assim, o desenvolvimento de Tecnologias Sociais e de Patentes co-lide frontalmente com a atual política de avaliação da produção cien-tífica e tecnológica.

O pedido, e a consequente concessão, de uma patente de produto ou processo é considerado uma das expressões da transformação do conhecimento em valor econômico e social (GALINA, 2005). A paten-te, em sua formulação clássica, é uma concessão pública, conferida pelo Estado aos autores – pessoa física ou jurídica –, detentores dos direitos de criação e exploração de uma invenção ou modelo de utili-dade (PAVITT, 1988). O ineditismo ou novidade é uma das exigências para que um pedido de patente seja apresentado nacional ou interna-cionalmente, dependendo de onde as empresas pretendem fabricar e comercializar seus produtos (MEIRELLES, 2008).

Segundo informações obtidas no site do United States Patent and Trademark Office, disponíveis no Anexo I, em 1998, o Brasil registrou 88 patentes. Em 2008, 133. Ou seja, em dez anos, em termos absolu-tos, a produção de patentes brasileiras aumentou. Em termos relativos, esses dados se tornam inquietantes. A comparação com a tendência observada na China e na Índia, países emergentes que compõem o Brics2, pode ser reveladora. Em 1998 o Brasil havia apresentado o mesmo número de patentes registradas pelos chineses. Em 2004 a dis-tância aumentou: O Brasil apresentou um quarto do total das patentes chinesas. Em 2009 o Brasil conseguiu registrar 16 vezes menos paten-tes que os chineses! Em relação aos indianos, o distanciamento, apesar de ser menor, pode ser facilmente percebido. Em 1996 a produção brasileira de patentes superava a indiana. Em 2006 eles apresentaram três vezes mais patentes que o Brasil. Em 2009 a distância aumentou ainda mais. A Tabela 3, criada a partir dos dados apresentados no Anexo I, ilustra essa evolução.

2 Letras iniciais dos países que compõem o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

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Tabela 3Número de patentes atribuídas por ano e por país

País 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2009

Índia 37 94 131 267 376 506 672 720

China 48 88 161 390 597 970 1.874 2.270

Brasil 69 88 113 112 161 148 133 148

Fonte: http://www.uspto.gov/web/offices/ac/ido/oeip/taf/cst_all.htm

A novidade constitui elemento decisivo na apresentação de uma pa-tente. O oitavo artigo da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, declara: “É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, ati-vidade inventiva e aplicação industrial.” A aferição da novidade se faz pela investigação de sua anterior publicação. Ou seja: se o pesquisador publicar uma parte de sua pesquisa, perderá o direito de patenteá-la. Portanto, se o pesquisador da vacina da dengue seguir a atual política de avaliação da produção científica e tecnológica e publicar parte de suas descobertas perderá o direito de patenteá-la. Essa pode ser uma razão para explicar por que a inovação tecnológica não se desenvolveu como deveria nesse setor. E gostemos ou não da conclusão, o fato é que agindo dessa forma estamos, objetivamente, contribuindo para a morte de crianças e cidadãos indefesos, estamos cumprindo o oposto de nosso papel, que é colocar a ciência e a tecnologia a serviço da ci-dadania e da melhoria das condições de vida em nosso país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo não condena a avaliação como um “processo sistemá-tico para determinar até que ponto um programa ou intervenção atingiu os objetivos pretendidos” (SESSIONS, 2001). Sendo assim, concordamos com Kerr-Pontes et al. (2005) quando ressaltam a im-portância da Capes na introdução, manutenção e incremento de um sistema de avaliação e suas consequências na elevação e pre-servação da qualidade da pós-graduação em nosso país. Este artigo não pretendeu questionar as instâncias e atores responsáveis pela elaboração desses critérios. São profissionais sérios, qualificados e responsáveis.

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Algumas iniciativas do Ministério da Ciência e Tecnologia foram to-madas na boa direção. Uma delas é a Lei de Inovação, que facilita a interação das empresas com os pesquisadores e centros de pesquisa. Depois de mais de dois anos tramitando no Congresso, foi finalmente aprovada, mas sua utilização ainda precisa ser devidamente estimu-lada. O Programa de Apoio ao Pesquisador na Empresa (Pappe), da Finep, tem sido apontado como um projeto de estímulo à inovação em todo o país.

Mas esses programas estão longe de representar o foco da nossa po-lítica de ciência e tecnologia. O discurso é o de que a inovação é uma “prioridade”, mas, na prática, a execução financeira do ministério con-tinua, fundamentalmente, a obedecer a lógica de conceder recursos baseados no critério único de publicação de artigo em revista indexada e bem avaliada pela Capes. Trata-se de uma política que poderíamos qualificar como ditadura do artigo. Ou o pesquisador publica ou morre.

Os rumos que a avaliação da produção científica e tecnológica vêm tomando nos obrigam, portanto, a fazer uma reflexão sobre esse único indicador utilizado, especialmente sobre seus impactos no processo de inovação científica e tecnológica de que o país prescinde.

Essa política que universaliza um critério único de avaliação de to-das as áreas do conhecimento pode ser considerada uma das respon-sáveis pela redução do número de patentes registradas pelo Brasil, que é muito pequeno, sobretudo quando se leva em consideração o tamanho da economia brasileira e da sua infraestrutura científica.

A mesma política não impediu, no entanto, que 53 projetos agracia-dos com o incentivo às Tecnologias Sociais da Fundação Banco do Bra-sil fossem oriundos do meio universitário. Esse foi o caso do professor livre-docente Francisco José de Abreu Matos, da Universidade Federal do Ceará, que coordenou um projeto que organizou “farmácias-vi-vas”, utilizando o alecrim-pimenta como antisséptico geral e algumas plantas antigripais, como o eucalipto, o chambá e o cumaru-do-nor-deste. O projeto atende a cerca de 80.000 famílias, com distribuição gratuita de medicamentos fitoterápicos prescritos pelo seu pessoal es-pecializado. Assim, foram controladas cerca de 80% das doenças mais frequentes nas comunidades.

Esse foi também o caso do professor Joaquim Sousa Neto, da Uni-versidade Federal do Maranhão, que apresentou um projeto de vela

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clorada para ser inserida dentro dos filtros de água de uso doméstico nas residências de populações de baixa renda. Ela contém em seu interior uma cápsula com uma mistura de hipoclorito de cálcio e areia lavada e esterilizada. Com essa cloração a água fica totalmente esteri-lizada. O equipamento é composto de duas velas cerâmicas montadas em um filtro de barro, uma tem a função de clorar a água e a outra de diluir, mantendo os níveis de cloro livre nos limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

É o caso ainda do professor Silvio Ricardo Maurano Peixoto, doutor em Oceanografia Biológica pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (2004), com doutorado-sanduíche pelo Commonweal-th Scientific and Industrial Research Organization (CSIRO), Austrália (2003-2004). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal Rural de Pernambuco, atuando na área de maricultura, com ênfase em aspectos relacionados a reprodução e cultivo de camarões marinhos. O projeto aprovado visava servir como base para a implementação de um plano sustentável de produção de alimentos, geração de emprego e renda para uma região que enfrenta sérios problemas econômicos e sociais, causados pelo colapso da atividade extrativista no estuário da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul.

Essas iniciativas representam uma gota no oceano. E não foi uma iniciativa de um órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Os centros de pesquisa e as universidades, onde trabalham os pesqui-sadores doutores do Brasil, poderiam gerar uma quantidade infinita-mente maior de benefícios para a sociedade. Incontáveis tecnologias sociais poderiam estar resolvendo problemas de água, alimentação, educação, energia, habitação, meio ambiente, renda e saúde.

Na verdade, não nos faltam ideias e criatividade. Os brasileiros são, em geral, portadores desses fatores críticos para o sucesso de um país na sociedade do conhecimento. O que falta é capacidade de inovar e empreender. Essa capacidade não se obtém por decreto ou por algum dom divino, ela deve ser construída por uma sociedade que perceba sua necessidade estratégica e crie um ambiente adequado ao seu de-senvolvimento.

Para tanto, a nossa política de ciência e tecnologia não pode conti-nuar de costas para a sociedade, pesquisando apenas o que interessa aos pesquisadores. Essa política construiu o forte conjunto de progra-

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mas de pós-graduação e de pesquisadores altamente titulados e qua-lificados de que o país hoje dispõe. Mas ela já se esgotou. Precisamos redirecionar nossa política, de forma a estimular o desenvolvimento de pesquisas voltadas às reais necessidades da sociedade brasileira. O crescimento do agronegócio, a busca de petróleo em águas profundas, o biodiesel, a terapia celular, a biotecnologia e as extraordinárias pos-sibilidades de inclusão social pelas tecnologias de informação e comu-nicação são alguns exemplos do enorme retorno que um investimento com foco nas necessidades sociais e econômicas pode ter.

Atender a vontade dos pesquisadores e da sociedade não são coisas necessariamente antagônicas ou excludentes. Uma parte dos recursos deve ir para a pesquisa sem nenhum compromisso com o resultado imediato. Ninguém sabe tudo. E uma dessas investigações pode re-dundar em uma grande e importante inovação. No entanto, gover-nar é ter coragem de fazer escolhas. Os líderes políticos, científicos e empresariais precisam ter a coragem de fazer com que a ciência e a tecnologia estejam a serviço da sociedade e não se limitar a colocar os recursos públicos a serviço dos interesses dos pesquisadores.

Precisamos de uma política de ciência e tecnologia que valorize a inovação, não com palavras, mas com ações. Uma política que colo-que o conhecimento gerado em nossos centros de pesquisa a serviço da sociedade. Só assim poderemos reverter a tendência, lamentável, identificada no Fórum Econômico Mundial e fazer com que a ciência e a tecnologia promovam a inovação e o desenvolvimento de tecno-logias sociais.

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(Con

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Anex

o 1)

Sinais_Sociais_17_new_order.indd 104 30/11/11 17:48

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105SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 80-109 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

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Anex

o 1)

Sinais_Sociais_17_new_order.indd 105 30/11/11 17:48

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106 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 80-109 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

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Anex

o 1)

Sinais_Sociais_17_new_order.indd 106 30/11/11 17:48

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107SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 80-109 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

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Anex

o 1)

Sinais_Sociais_17_new_order.indd 107 30/11/11 17:48

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108 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 80-109 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

ANEXO IIPosição no ranking de utilização de tecnologia a serviço da sociedade, 2007-2008

Posição em 2007-2008

País/ Economia

Pontuação

1 Dinamarca 5.782 Suécia 5.723 Suíça 5.534 Estados Unidos 5.495 Singapura 5.496 Finlândia 5.477 Holanda 5.448 Islândia 5.449 Coreia, Rep. 5.43

10 Noruega 5.3811 Hong Kong SAR 5.3112 Reino Unido 5.3013 Canadá 5.3014 Austrália 5.2815 Áustria 5.2216 Alemanha 5.1917 Taiwan, China 5.1818 Israel 5.1819 Japão 5.1420 Estônia 5.1221 França 5.1122 Nova Zelândia 5.0223 Irlanda 5.0224 Luxemburgo 4.9425 Bélgica 4.9226 Malásia 4.8227 Malta 4.6128 Portugal 4.6029 Emirados

Árabes Unidos4.55

30 Eslovênia 4.4731 Espanha 4.47

Posição em 2007-2008

País/ Economia

Pontuação

32 Qatar 4.4233 Lituânia 4.4134 Chile 4.3535 Tunísia 4.3336 República Checa 4.3337 Hungria 4.2838 Barbados 4.2639 Porto Rico 4.2540 Tailândia 4.2541 Chipre 4.2342 Itália 4.2143 Eslováquia 4.1744 Letônia 4.1445 Bahrain 4.1346 Jamaica 4.0947 Jordânia 4.0848 Arábia Saudita 4.0749 Croácia 4.0650 Índia 4.0651 África do Sul 4.0552 Kuwait 4.0153 Omã 3.9754 Maurício 3.9655 Turquia 3.9656 Grécia 3.9457 China 3.9058 México 3.9059 Brasil 3.8760 Costa Rica 3.8761 Romênia 3.8662 Polônia 3.8163 Egito 3.74

Sinais_Sociais_17_new_order.indd 108 30/11/11 17:48

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109SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 80-109 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

Posição em 2007-2008

País/ Economia

Pontuação

64 Panamá 3.7465 Uruguai 3.7266 El Salvador 3.7267 Azerbaijão 3.7268 Bulgária 3.7169 Colômbia 3.7170 Ucrânia 3.6971 Cazaquistão 3.6872 Federação

Russa3.68

73 Vietnã 3.6774 Marrocos 3.6775 República

Dominicana3.66

76 Indonésia 3.6077 Argentina 3.5978 Botswana 3.5979 Sri Lanka 3.5880 Guatemala 3.5881 Filipinas 3.5682 Trinidad e

Tobago 3.55

83 Macedônia, FYR 3.4984 Peru 3.4685 Senegal 3.4686 Venezuela 3.4487 Mongólia 3.4388 Argélia 3.3889 Paquistão 3.3790 Honduras 3.3591 Georgia 3.3492 Quênia 3.3493 Namíbia 3.3394 Nigéria 3.3295 Bósnia e

Herzegovina 3.22

Posição em 2007-2008

País/ Economia

Pontuação

96 Moldova 3.2197 Mauritânia 3.2198 Tajiquistão 3.1899 Mali 3.17

100 Tanzânia 3.17101 Gâmbia 3.17102 Guiana 3.16103 Burkina Faso 3.12104 Madagascar 3.12105 Líbia 3.10106 Armênia 3.10107 Equador 3.09108 Albânia 3.06109 Uganda 3.06110 Síria 3.06111 Bolívia 3.05112 Zâmbia 3.02113 Benim 3.01114 República do

Quirguistão2.99

115 Camboja 2.96116 Nicarágua 2.95117 Suriname 2.91118 Camarões 2.89119 Nepal 2.88120 Paraguai 2.87121 Moçambique 2.82122 Lesoto 2.79123 Etiópia 2.77124 Bangladesh 2.65125 Zimbábue 2.50126 Burundi 2.46127 Chade 2.40

The Global Information Technology Report 2007-2008 © 2008 World Economic Forum

(Continuação do Anexo 2)

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RECENTES DILEMAS DA DEMOCRACIA E DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: POR QUE PRECISAMOS DE MAIS MULHERES NA POLÍTICA?Marlise Matos

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111SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 110-141 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

Defendo neste trabalho que um projeto de desenvolvimento efetivamente in-clusivo, emancipatório, justo e democrático necessita ser feito com a partici-pação e representação efetivas das mulheres, e não apesar delas. Neste ensaio são problematizados os processos de democratização e de construção de uma nova agenda de desenvolvimento para o Brasil na perspectiva de gênero e fe-minista. O objetivo é o de dar a devida saliência ao fato de que o enraizamento e consolidação democráticos e a efetivação de um desenvolvimento realmente sustentável e justo em nossa região latino-americana não se darão sem a par-ticipação politicamente ativa das mulheres: mais de 51% desse contingente populacional, entendendo que elas muito têm a colaborar para restaurar pa-drões de bem-estar e desenvolvimento humano ainda distantes daqueles que as nossas massas populacionais vêm experimentando.Palavras-chave: estudo de gênero; democracia; participação política da mulher

My argument in this paper is that an effectively inclusive, emancipatory, fair and democratic project of development needs to evolve from the participation and representation of women and not with their exclusion. This paper also problematizes the processes of democratization and the construction of a new agenda of development for Brazil based on a gender and feminist perspective. The objective is to emphasize that our democratic consolidation and the esta-blishment of a truly sustainable and fair development in Latin America will not be possible without the active political participation of women, who make up more than 51% of our population and with the realization that women have many important contributions to offer to the process of restoring standards of welfare and human development, still very far removed from that which the majority of our population is currently experiencing. Keywords: gender study; democracy; political participation of women

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INTRODUÇÃO

A democracia no Brasil (e também em boa parte dos países latino--americanos) é um processo em construção e há ainda muito o que se conquistar. Em toda a América Latina, a partir de 1978, experi-mentamos uma terceira onda democratizadora e desde então viemos construindo em nossa região, não sem muitos esforços, alternativas e avanços com vistas à consolidação e ao fortalecimento da democra-cia. Cabe lembrar, portanto, que em nossos países latino-americanos, ao longo dos anos 1960 e 1970, experimentávamos e sofríamos com regimes políticos fortemente autoritários, militarizados e devastadores para a cidadania democrática1. Paradoxalmente, foi nesse contexto de exceção política que se consolidou aquilo que podemos chamar de “segunda onda” dos movimentos feministas na região, reconstruindo--se as bases de uma ativa participação das mulheres, dessa vez espe-cialmente organizadas em movimentos sociais para fazer o legítimo enfrentamento às ditaduras e, depois, com sua queda, participar efeti-vamente da sua superação e da reconstrução da nação.

Sabemos também que o nível de desenvolvimento socioeconômico de um país interfere igualmente na sustentabilidade do seu regime democrático (PRZEWORSKI et al., 1997). Em certo sentido, especial-mente para o Brasil, os primeiros anos do século XXI vêm trazendo à tona a feliz oportunidade de se promover desenvolvimento – econô-mico e, sobretudo, humano – com democracia estabelecida e conti-nuada (experimentamos o período democrático mais longo de nossa história recente). Esse movimento que ora experimentamos, de maior continuidade de democracia no país, certamente, nos oferece pro-missoras oportunidades para pensar e produzir quais serão as bases de uma renovada onda, agora de desenvolvimento, que tenha como foco o ser humano e não apenas as dimensões econômicas, materiais e distributivas. De modo recorrente, a experiência histórica dos países

1 A América Latina esteve sob administração de governos e golpes militares. Em 1954, dos 20 países da região, 13 eram administrados por suas Forças Ar-madas. Apenas entre 1962 e 1966, foram nove tomadas de poder conduzidas por elas. Em 1980, dois terços da população latino-americana viviam sob o domínio ou sob uma administração militar de fato (ROUQUIÈ, 1984).

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periféricos ou de capitalismo tardio, como é o caso de boa parte de nossos países latino-americanos, sempre colocou democracia e de-senvolvimento em polos opostos, e insistia-se em afirmar que seria necessário abrir mão da democracia, já que, em condições de massa e de evidente e premente necessidade de inclusão de amplos contin-gentes da população na vida social e política, nossos sistemas políticos efetivamente se tornariam “ingovernáveis”. Tal diagnóstico orientou e legitimou as ditaduras que aqui experimentamos: a cidadania, as-sim como sua emergência e possível organização, passou a ser tratada como uma ameaça. Tal justificativa equivocada perdurou mesmo após processos redemocratizadores. Insistia-se que, em parte, possibilitar a emergência dos inúmeros públicos subalternizados latino-americanos – indígenas, negros, trabalhadores e mulheres, entre muitos outros – traria aos governos da região a necessidade de se lidar com as múl-tiplas e quase sempre conflituosas expectativas, demandas e direitos destes em relação aos negócios públicos, inviabilizando assim nossa governabilidade recém-democratizada.

Foi apenas ao longo da década de 1990, como afirma Cardoso (2010, p. 29), que surgiu o discurso em favor de uma maior aproximação en-tre democracia e desenvolvimento em nossa região – algo que Santos (2007) observou intrigado, indagando-se como seria possível que a de-mocracia, antes considerada um “artigo de luxo” e acessível apenas a um conjunto restrito de experiências nacionais do norte globalizado, houvesse se transformado em um pré-requisito para a sobrevivência e o desenvolvimento de todos os países do globo. Essa é a moldura geral na qual incidem as discussões críticas que pretendo discutir neste ensaio.

Em sua primeira parte, descrevo brevemente o quadro geral da si-tuação de (sub)representação política das mulheres no mundo, e em especial no Brasil, dando, de modo intencional, destaque ao último processo eleitoral, que culminou com a eleição da primeira mulher para presidente da República no país – Dilma Rousseff. Na sequência, identifico na literatura pertinente e em pesquisas já realizadas quais seriam aqueles argumentos centrais enunciados sobre a(s) diferença(s) que pode(m) vir a dar maior contribuição feminina e feminista às nos-sas democracias representativas e a nosso renovado projeto de desen-volvimento. À guisa de finalização, procuro indicar uma nova agenda de desafios para se efetivarem de fato a justiça social e de gênero em

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nossa região, entendendo-as como pré-requisitos estruturantes tanto da consolidação democrática quanto do novo programa de desenvol-vimento que se deseja e necessita construir para o futuro.

1 A SUB-REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES: UMA REALIDADE MUNDIAL

Parece-nos urgente estabelecermos a compreensão mais ampliada de que representação política é nas democracias liberais contemporâ-neas um direito, mas ainda não é de fato um instrumento efetivo de inclusão política e de promoção da justiça social. Ao menos não o é ainda para grupos historicamente subalternizados e que se encontram totalmente distantes de nossas instituições representativas. Entendida como um aspecto fundamental para a erradicação das injustiças que afetam as sociedades ao redor do mundo, os novos conceitos e prá-ticas da representação, atualmente, vêm facilitando em muitas partes do planeta a ampliação da participação dessas minorias nos governos, não só por si mesmas, mas aliadas à presença estratégica da sociedade civil no âmbito de outros espaços democráticos (conselhos, fóruns, conferências etc.), assegurando-se, assim, de um modo mais eficiente, a possibilidade da inclusão de demandas históricas de distintos grupos subalternos na agenda púbica de debates. O diagnóstico é feito por Gurza Lavalle; Houtzager e Castello:

A representação política nas democracias contemporâ neas sofreu trans-formações profundas no último quartel do século XX: partidos políticos de massa perderam sua centralidade como ordenadores estáveis das identidades e preferências do eleitorado; a personalização midiática da política sob a figura de lideranças plebiscitárias tornou-se um fe-nômeno comum; mudanças no mercado de trabalho tornaram ins-táveis e fluidas as grandes categorias popula cionais outrora passíveis de representação por sua posição na estrutura ocupacional; e, se isso não bastasse, uma vaga de inovações institucionais tem levado a repre-sentação polí tica, no Brasil e pelo mundo afora, a transbordar as elei-ções e o legislativo como lócus da representação, envere dando para o controle social e para a representação grupal nas funções executivas do governo (2006, p. 49, grifos meus).

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É necessário ressaltar, contudo, que esse é ainda um processo em curso em todo o mundo e muito especialmente no Brasil. Os dados a seguir pretendem nos oferecer uma moldura contextual geral sobre a qual as re-flexões a respeito da relevância de termos mais mulheres nos espaços de poder, com vistas à construção de um novo projeto de desenvolvimen-to, irão se alinhar. Como veremos, a situação de representação política das mulheres ainda é muito baixa, mas importa considerar que esse tipo específico de participação vem aumentando ao longo dos anos. Essas mudanças têm se dado em função, especialmente, da capacidade de or-ganização, mobilização e mudança de tais grupos subalternos na socieda-de e, dentre eles, certamente, as mulheres (que quantitativamente nunca são efetivamente uma minoria) têm tido um protagonismo indiscutível.

O debate teórico sobre a representação de grupos (e não apenas de indivíduos que se organizam em torno de uma agenda alinhada ex-clusivamente com o liberalismo) está estreitamente vinculado, por sua vez, à emergência de novas demandas político-identitárias na cena pública, o que vem se refletindo recentemente nas práticas políticas concretas brasileiras. Seria necessário também verificar como esses grupos se articulam com algumas formas recentes de organização – as frentes e bancadas parlamentares organizadas nos parlamentos, por exemplo – de modo a proporcionar um incremento na representa-ção dos grupos excluídos dos processos políticos, promovendo tanto o avanço do debate teórico sobre o tema, quanto um avanço de nossas próprias instituições e cultura democráticas (PINHEIRO, 2010). Esse, porém, não será o foco de nossa análise.

Importa destacar, entretanto, que foi pela constatação da existência de muitas posições inferiorizadas/subalternizadas (mulheres, negros, homos-sexuais, jovens, idosos etc.) no âmbito societário e político que a luta de tais grupos passou a constituir um dos motores renovados das novas lutas políticas que têm como meta a emancipação social e política, buscando, pela afirmação das identidades subalternizadas e em nome delas, a su-pressão das desigualdades que as oprimem. Além disso, a percepção do compartilhamento dessa situação de opressão, muitas vezes, deu origem a novas concepções acerca das identidades que, assim, propiciaram reno-vado sentido às reivindicações e à luta política em grupo (YOUNG, 1990).

Vamos nos ater neste trabalho exclusivamente a um desses grupos: as mulheres. Utilizaremos como parâmetro de comparação o indicador do

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percentual de mulheres eleitas para as Câmaras Baixas (no Brasil, a Câma-ra de Deputados), pois esse é o indicador comparativo internacional que mais aproxima sistemas políticos muito heterogêneos e diferenciados.

Parto do pressuposto de que a grave ausência das mulheres nos espa-ços decisórios da política institucionalizada e parlamentar, assim como aquilo que poderíamos designar por atributos da representação política mediada por uma perspectiva crítica de gênero, é um fator determinan-te da qualidade de nosso processo democrático e também do modelo de desenvolvimento possível que vamos construir. Gostaria, assim, de destacar que o processo de inserção política de mulheres e de uma representação política mais justa para elas precisa ser questionado pelo viés de gênero e feminista. Ou seja, entendo que o jogo político-repre-sentativo que se faz hoje na quase ausência delas pode ser pensado como um elemento comprometedor de nosso atual estágio de conso-lidação do processo democrático e de desenvolvimento humano. En-tende-se, assim, que esse não é apenas um “problema” das mulheres brasileiras, mas de todos os brasileiros e, sobretudo, das atuais condições de consolidação da democracia no Brasil. Alguns dados podem nos dar um retrato fiel e o diagnóstico inicial do tamanho do nosso “problema”.

A Tabela 1 e o Gráfico 1 nos revelam que isso não se constitui, infe-lizmente, em um problema exclusivamente da democracia represen-tativa brasileira.

Tabela 1Comparativo da distribuição mundial dos percentuais

de representação política de mulheres – Grandes regiões, IPU/ONU, janeiro de 1997 e dezembro de 2010

Grandes regiões do mundo 1/1/1997 31/12/2010

Américas 12,9 22,5

Europa 13,8 22

Ásia 13,4 18,7

África Sub-Sahariana 10,1 19

Pacífico 9,8 13,2

Estados Árabes 3,3 11,1

Mundo 12,0 19,3

Fonte: União interparlamentar (IPU/ ONU). Apud ALVES, CAVENAGHI e MARTINE, 2011.

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Gráfico 1Comparativo da distribuição mundial dos percentuais

de representação política de mulheres –Grandes regiões, IPU/ONU, janeiro de 1997 e dezembro de 2010

Fonte: IPU/ONU. Apud ALVES, CAVENAGHI e MARTINE, 2011.

Segundo a União Interparlamentar da Organização das Nações Uni-das (ONU) (IPU/ONU, 2011), a situação mundial de representação de mulheres é uma questão séria em todo o mundo: a média de mu-lheres nos parlamentos é de apenas 19,3%, combinando-se as duas câmaras – a alta (ou Senado, com 19,5%) e a baixa (ou Câmara de De-putados, com 18,3%). Para alguns países mais desenvolvidos – levan-do-se em conta as duas câmaras – essas médias se elevam: os países nórdicos contam com 42,1% de mulheres parlamentares; nos países americanos as cifras chegam a 22,5% e nos europeus (excetuando-se os nórdicos) a representação feminina está em 20,3%. O Brasil, que tem 8,6 % de mulheres parlamentares na Câmara de Deputados, em uma perspectiva comparada internacional, está em situação dramáti-ca, já que, por exemplo, perdemos até para os países árabes (11,4%).

Como veremos a seguir, nosso país ocupa posição lamentável no ranking mundial: o 110º lugar em um conjunto de 135 países. Não nos encontramos sequer em posição de liderança nas próprias Amé-ricas; pelo contrário, figuramos em último lugar nesse outro ranking, perdendo apenas para o Panamá, com o qual na verdade estamos

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15 20 25

Europa

Ásia

África Sub-Sahariana

Pacífico

1º de janeirode 1997

31 de dezembrode 2010

Estados Árabes

Américas

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tecnicamente empatados, já que estamos com 8,6% e eles com 8,5%. No continente latino-americano somos, e em muito, superados pela Costa Rica (38,6%), pela Argentina (38,5%) e pelo Equador (32,3%), por exemplo. Certamente esses não são números dos quais devamos nos orgulhar.

Tabela 2Distribuição dos percentuais de representação política de mulheres –

Américas (135 países), ranking IPU/ONU, junho de 2011

Posição no ranking mundial (IPU/ONU) País %

5 Cuba 43,2

11 Costa Rica 38,6

12 Argentina 38,5

20 Equador 32,3

24 Guiana 30

27 Trinidad e Tobago 28,6

32 México 27,5

35 Bolívia 26,2

38 Canadá 24,7

50 Peru 21,5

53 República Dominicana 20,8

54 Nicarágua 20,7

59 El Salvador 19

64 Honduras 18

66 São Vicente/Granadinas 17,4

68 Venezuela 17

70 Estados Unidos 16,7

75 Uruguai 14,3

80 Chile 14,2

85 Grenada 13,3

85 Jamaica 13,3

90 Colômbia 12,7

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Posição no ranking mundial (IPU/ONU) País %

91 Paraguai 12,5

93 Bahamas 12,2

94 Guatemala 12

97 Haiti 11,1

97 Santa Lúcia 11,1

103 Barbados 10

105 Suriname 9,8

110 Brasil 8,6

111 Panamá 8,5

Fonte: IPU/ONU.

Gráfico 2 Distribuição dos percentuais de representação política de mulheres –

Américas (135 países), ranking IPU/ONU, junho de 2011.

Fonte: IPU/ONU.

A campanha eleitoral brasileira de 2010, apesar de ter elegido a primeira mulher na nossa história para a presidência da República, foi uma campanha eivada de denúncias, provas documentais, debates

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(Continuação da Tabela 2)

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inflamados (nos meios de comunicação e nas redes sociais, sobretudo) e acusações recíprocas de candidatos que, em temas polêmicos como aborto, união estável entre homossexuais, direitos humanos etc., tiveram parte substantiva de responsabilidade por uma abordagem extrema-mente conservadora de parte, através do voto, do eleitorado brasi-leiro. Até mesmo o efeito de um uso eleitoreiro da religião tornou-se evidente nesse último pleito (PIERUCCI, 2011). Para aquilo que nos interessa neste trabalho, cabe destacar que tal conservadorismo reavi-vado do eleitorado brasileiro significou “a gota que faltava a derramar do copo” para que o efeito desejável e ansiosamente esperado de termos duas mulheres candidatas ao cargo máximo do país (e o fato de termos eleito uma delas à presidência) não tivesse quase nenhum impacto nos demais espaços das candidaturas no âmbito da eleição. Apesar de o tema das mulheres na política ter estado nas frentes de disputa de inúmeros espaços discursivo-eleitorais, o resultado final das urnas ratificou a onipresente posição de subordinação das mulheres até aqui descrita pelos dados internacionais.

Segundo Miguel (2011) é necessário que tenhamos em mente três peculiaridades da legislação eleitoral brasileira no que tange às mulhe-res: 1) as nossas cotas são para candidaturas e não para reservas de cadeiras no parlamento; 2) a mesma legislação que instituiu as cotas para mulheres nas listas de candidaturas em 1995 ampliou na mesma proporção o número de candidaturas que cada partido ou coligação no país poderia apresentar; 3) os partidos políticos e as coligações não são obrigados a cumprir essas cotas, preenchendo os 30% de vagas nas listas com mulheres, e quase nada, como veremos, tem conseguido alterar esse quadro geral.

Como podemos facilmente vislumbrar na Tabela 3, confirmando uma condição recorrente nas disputas eleitorais brasileiras anteriores, nossos partidos políticos, em sua quase integralidade, nem sequer cumpriram o que está consagrado na Legislação Eleitoral Brasileira, que é a previsão legal de “preencher” 30% das listas de candidatu-ras com mulheres (ou com um dos sexos que esteja em desvanta-gem política: sempre as mulheres). Para a Câmara de Deputados, em 2010, apenas o PCO (lançando o expressivo número de duas candi-datas) cumpriu com a legislação das cotas, perfazendo pífios 33,3% de candidatas. Nenhum outro partido cumpriu com essa legislação,

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nem mesmo os partidos mais importantes na disputa, o PT (21,33%), o PSDB (20,65%) e o PMDB (16,06%).

As três peculiaridades relativas à legislação citadas juntamente com um sistema eleitoral de representação proporcional em distritos plu-rinominais com listas abertas (que incentivam a competição interna entre os candidatos de um mesmo partido ou coligação), têm clara e abertamente beneficiado as candidaturas masculinas, revelando e mantendo um padrão já arraigado de que os homens largam em gran-de vantagem em relação às mulheres.

O que observamos no pleito de 2010, então e mais uma vez, foi o espaço ocupado na sua integralidade pelas candidaturas masculinas, sendo que, novamente, as mulheres, nem de longe, tiveram propor-cionalidade com os homens nessa disputa. Cabe lembrar, todavia, que é expressiva a participação feminina como eleitora. Nós constituímos 51,8% de todo o eleitorado no país e, considerando-se todas as candi-daturas de 2010, em todos os cargos que estiveram em disputa nessa data, fomos apenas, na média final, 20,34% das candidaturas. Esse é um primeiro aspecto importante para balizar as críticas que se podem fazer ao nosso sistema político em uma perspectiva crítica da parti-cipação e representação das mulheres. Por que, apesar de termos, desde o ano de 1995, criado uma legislação específica para as can-didaturas femininas, os nossos partidos continuam sem cumpri-la e os nossos tribunais eleitorais continuam por sacramentar listas ilegais? Esse é apenas o começo dos problemas.

Em pesquisa realizada com lideranças partidárias dos mais diversos matizes político-ideológicos (MATOS, 2009) já identifiquei um dos ar-gumentos mais utilizados para justificar tais atitudes: “São as mulheres que não querem concorrer” e “elas não têm ambição pela política.” Nossos dados não corroboram essas afirmações, ao menos não em sua inteireza. Se é verdade que existe uma parcela significativa de mulheres nos partidos políticos que não está efetivamente disposta a colocar seu nome na disputa, o que ainda é preciso compreender e explicar com urgência são os motivos que levam tais mulheres a essa relativa desistência. Também entrevistamos as mulheres candidatas e a realidade por elas revelada é muito diversa do argumento hege-mônico de suas lideranças (masculinas) partidárias, o da ausência de ambição política. Com certeza há inúmeros desestímulos – imediatos

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e diretos, e outros subentendidos, subterrâneos – que convergem per-versamente para essa situação. Para simplificar os argumentos, nossas candidatas em Minas Gerais afirmaram experiências de absoluto de-sinteresse e descaso dos partidos em relação a suas candidaturas. Além disso, todas as mulheres (inclusive as potenciais candidatas que estão filiadas aos partidos políticos) continuam acumulando as atribuições domésticas de cuidados com a família – filhos e marido – e o domicí-lio, com as jornadas no mercado de trabalho (para algumas, devemos também incluir a jornada da escolarização nessa contabilidade, pois, como sabemos, hoje, em todos os níveis de ensino, as mulheres são efetivamente a maioria). Assim, acumulando no mínimo duas, e com frequência três ou quatro jornadas de trabalho, as mulheres têm, real-mente, motivos suficientes para não se proporem à aventura eleitoral. Mas, apesar disso, cabe esclarecer que inúmeras delas, apesar das condições rigorosamente desiguais em que entram na disputa, se aventuram em uma carreira política.

Tabela 3Candidaturas para a Câmara dos Deputados no Brasil –

Partido/sexo/cotas

Partidos Mulheres Homens Total Candidatos homens que

excedem 70%

Nº % Nº %

DEM 21 10,82% 173 89,18% 194 124

PC do B 33 26,19% 93 73,81% 126 16

PCB 1 4,55% 21 95,45% 22 19

PCO 2 33,33% 4 66,67% 6 0

PDT 44 16,30% 226 83,7 % 270 123

PHS 26 14,69% 151 85,31% 177 90

PMDB 57 16,06% 298 83,94% 355 165

PMN 55 25,00% 165 75,00% 220 37

PP 36 17,31% 172 82,69% 208 88

PPS 29 19,59% 119 80,41% 148 51

PR 35 20,35% 137 79,65% 172 55

PRB 29 20,42% 113 79,58% 142 45

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Partidos Mulheres Homens Total Candidatos homens que

excedem 70%

Nº % Nº %

PRP 20 17,86% 92 82,14% 112 45

PRTB 16 11,85% 119 88,15% 135 82

PSB 65 21,45% 238 78,55% 303 86

PSC 37 17,87% 170 82,13% 207 84

PSDB 57 20,65% 219 79,35% 276 86

PSDC 11 16,42% 56 83,58% 67 30

PSL 35 22,29% 122 77,71% 157 40

PSOL 60 20,69% 230 79,31% 290 90

PSTU 8 23,53% 26 76,47% 34 7

PT 74 21,33% 273 78,67% 347 100

PT do B 31 20,81% 118 79,19% 149 46

PTB 71 23,43% 232 76,57% 303 66

PTC 46 17,97% 210 82,03% 256 103

PTN 25 20,83% 95 79,17% 120 37

PV 83 21,28% 307 78,72% 390 113

TOTAL 1.007 19,42% 4.179 80,58% 5.186 1.830

Fonte: Dados Cfêmea – Eleições 2010 (TSE – Dados preliminares de 1° de outubro de 2010).

As estatísticas gerais, sem termos ainda procedido a uma análise a respeito do cumprimento da nova lei eleitoral pelos partidos em cada estado2, mostram que os dados nacionais, nas eleições para depu-tado federal, foram: 4.137 candidatos homens (79,62%) contra 994

2 Um dos eventos recentes mais importantes foi a aprovação, em final de 2009, do Projeto de Lei nº 5.498/2009, referente à “mini-reforma eleitoral”. As prin-cipais demandas presentes no Projeto foram: i) a reserva de 5% do Fundo Parti-dário para ser aplicada na formação política das mulheres; ii) o estabelecimento do percentual de 10% do tempo de propaganda partidária para utilização pe-las mulheres candidatas; iii) a obrigatoriedade, em vez da simples reserva, do preenchimento pelos partidos do mínimo de 30% e do máximo de 70% para candidaturas de cada sexo; e iv) a sanção de 2,5% a mais do Fundo Partidário destinados à formação das mulheres, caso o partido não cumpra o preenchi-mento das cotas. As medidas visam ao estímulo da participação das mulheres na vida política e ao aumento progressivo das candidaturas femininas.

(Continuação da Tabela 3)

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candidatas mulheres (19,38%). Para o cargo de deputado estadual, os números não foram mais animadores: 9.808 candidatos homens (79,28%) e 2.563 candidatas mulheres (20,72%). Situação um pou-co menos desigual foi encontrada no Distrito Federal, em que foram apresentados para o cargo de deputado distrital 612 candidatos ho-mens (74,28%) e 208 mulheres (25,72%).

Mesmo sendo descumprida a lei, nas eleições de 2010 houve au-mento expressivo de candidatas. Em 2006, elas eram 12,71% do total e em 2010 passaram a ser 19,38% do total, o que rendeu o maior nú-mero de mulheres candidatas da história democrática brasileira. Entre-tanto, tal crescimento não foi suficiente para produzir um incremento da efetiva representação feminina, pois a proporção de candidatas eleitas não aumentou nessa mesma intensidade. Inclusive, feita uma comparação entre as candidaturas femininas e masculinas do último período, é possível perceber que a proporção maior de candidaturas femininas foi considerada como não apta ou impugnada pelo Tribu-nal Superior Eleitoral (TSE): entre as candidaturas de mulheres, 24,8% foram impugnadas, enquanto entre as candidaturas dos homens, esse índice não chegou a 11%. Como não acreditamos que as candida-turas femininas são “piores” que as masculinas, esse fenômeno pode nos fazer ver ou pode mesmo nos indicar mais um descompromisso dos partidos para com as candidaturas femininas, revelando que a do-cumentação dessas candidaturas pode ter sido protocolada de forma bem mais precária pelos partidos do que a documentação das can-didaturas masculinas. Esse é mais um elemento palpável a confirmar aquilo que as candidatas entrevistadas também já haviam destacado. Um formato descuidado em relação às inscrições femininas sugere, mais uma vez, a tentativa de cumprimento meramente formal da nova lei de cotas. Muitas entrevistadas relataram o desinteresse dos partidos por elas e por seus potenciais eletivos insistindo em afirmar que não há ainda no país uma real disposição dos partidos em apresentar e apostar na viabilidade de tais candidaturas.

Nossa pesquisa foi realizada com candidatas do estado de Minas Gerais. A Tabela 4 revela o padrão regional e estadual brasileiro em relação às candidaturas femininas. O que se ressalta mais uma vez é o volume pouco expressivo de candidaturas femininas, que se distri-bui mais ou menos de forma homogênea por todo o país. Apenas no

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estado do Mato Grosso do Sul as candidaturas femininas alcançaram o patamar acima dos 30% legalmente previstos – 32,86%. Estados ab-solutamente cosmopolitas, modernizados e desenvolvidos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, apresentaram índices baixos de candidaturas femininas: 19,53%, 25% e 12,99% respectivamente. Os estados de Pernambuco (7,87%), Goiás (9,02%) e da Bahia (11,46%) foram aqueles em que esses valores foram os mais irrisórios do país.

Tabela 4 Candidaturas para a Câmara dos Deputados no Brasil –

Estado, número de cadeiras, sexo e cotas

Estado Candidaturas Masculina Cotas % Feminina Cotas % Cadeiras

AC 37 29 78,3% 8 21,62% 8

AL 65 53 81,54% 12 18,46% 9

AM 55 42 76,36% 13 23,64% 8

AP 76 55 72,37% 21 27,63% 8

BA 253 224 88,54% 29 11,46% 39

CE 121 96 79,34% 25 20,66% 22

DF 100 78 78,00% 22 22,00% 8

ES 72 60 83,33% 12 16,67% 10

GO 122 111 90,98% 11 9,02% 17

MA 152 133 87,50% 19 12,50% 18

MG 531 462 87,01% 69 12,99% 53

MS 70 47 67,14% 23 32,86% 8

MT 77 57 74,03% 20 25,97% 8

PA 125 103 82,40% 22 17,60% 17

PB 79 66 83,54% 13 16,46% 12

PE 178 164 92,13% 14 7,87% 25

PI 93 70 75,27% 23 24,73% 10

PR 289 228 78,89% 61 21,11% 30

RJ 800 600 75,00% 200 25,00% 46

RN 73 62 84,93% 11 15,07% 8

RO 73 55 75,34% 18 24,66% 8

RR 66 50 75,76% 16 24,24% 8

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Estado Candidaturas Masculina Cotas % Feminina Cotas % Cadeiras

RS 275 211 76,73% 64 23,27% 31

SC 148 112 75,17% 37 24,83% 16

SE 58 50 86,21% 8 13,79% 8

SP 1157 931 80,47% 226 19,53% 70

TO 40 30 75,00% 10 25,00% 8

TOTAL 5.186 4.179 80,58% 1,007 19,42%Fonte: Dados Cfêmea – Eleições 2010 (TSE – Dados preliminares de 1° de outubro de 2010).

Todavia, apesar dos desincentivos e da frequente invisibilidade den-tro das estruturas partidárias e nas candidaturas, há um número ex-pressivo de mulheres que entram na disputa eleitoral. E, mais uma vez enfrentando adversidades, as mulheres candidatas têm, no âmbito do eleitorado brasileiro, outro conjunto intocado e nada debatido de obs-táculos. Para nosso esclarecimento, o eleitorado brasileiro está assim distribuído, sendo as mulheres sua efetiva maioria:

Tabela 5O eleitorado por sexo no Brasil (2010)

Brasil Mulheres Homens % de Mulheres % de Homens

135.804.433 70.373.971 65.282.009 51,82% 48,07%Fonte: Tribunal Superior Eleitoral – julho de 2010. Os percentuais não incluem os eleitores que não in-formaram o sexo.

Se a proporção de candidaturas femininas é historicamente pequena no país, a proporção de presença feminina se agrava se considerarmos as que realmente conseguem se eleger. Nos 1.682 cargos em disputa no ano de 2010, apenas 195 (11,6%) mulheres se elegeram ou foram para a disputa do segundo turno. As tabelas 6 e 7 mostram a situação das mulheres eleitas a partir de um recorte partidário, e depois terri-torial, brasileiro. Como veremos, nas eleições de 2010, apenas dois partidos elegeram mais que 30% de mulheres. São eles o PCdoB, com 40% (seis mulheres em um total de 15 eleitos), e o PTB, com 33,33% (uma mulher em um total de apenas três eleitos). Mais uma vez, os partidos expressivos das disputas nacionais não tiveram um desem-

(Continuação da Tabela 4)

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penho sequer razoável: o PT elegeu apenas 10,23% de mulheres, o PSDB apenas 5,56% e o PMDB 8,97%.

Tabela 6 Eleitos para a Câmara dos Deputados no Brasil – partido/sexo

Partidos Mulheres Homens Total

Nº % Nº %

DEM 2 4,65% 41 95,35% 43

PC do B 6 40,00% 9 60,00% 15PCB 0 0,00% 0 0,00% 0

PCO 0 0,00% 0 0,00% 0

PDT 2 7,14% 26 92,86% 28

PHS 0 0,00% 2 100,00% 2

PMDB 7 8,97% 71 91,03% 78

PMN 1 25,00% 3 75,00% 4

PP 4 9,76% 37 90,24% 41

PPS 0 0,00% 12 100,00% 12

PR 2 4,76% 40 95,24% 42

PRB 0 0,00% 7 100,00% 7

PRP 0 0,00% 2 100,00% 2

PRTB 0 0,00% 2 100,00% 2

PSB 4 11,76% 30 88,24% 34

PSC 2 11,76% 15 88,24% 17

PSDB 3 5,56% 51 94,44% 54

PSDC 0 0,00% 0 0,00% 0

PSL 0 0,00% 1 100,00% 1

PSOL 0 0,00% 3 100,00% 3

PSTU 0 0,00% 0 0,00% 0

PT 9 10,23% 79 89,77% 88

PT do B 1 33,33% 2 66,67% 3PTB 1 4,76% 20 95,24% 21

PTC 0 0,00% 1 100,00% 1

PTN 0 0,00% 0 0,00% 0

PV 1 6,67% 14 93,33% 15

TOTAL 45 8,77% 468 91,23% 513Fonte: Dados Cfêmea – Eleições 2010 (TSE – Dados de 1° de dezembro de 2010).

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Quando observamos esse mesmo desempenho nos estados da fe-deração, vemos que foi apenas o Amapá (37,5%, perfazendo três mulheres eleitas entre oito) e o Espírito Santo (40%, perfazendo qua-tro mulheres eleitas entre dez) que elegeu mais de 30% de mulheres para a Câmara dos Deputados. Os estados de São Paulo, Rio de Janei-ro e Minas Gerais tiveram um desempenho inacreditável: elegeram apenas 8,57% (seis mulheres entre setenta eleitos); 8,70% (quatro mulheres entre 46 eleitos) e 1,89% (uma mulher entre 53 eleitos), respectivamente.

Tabela 7 Eleitos para a Câmara dos Deputados no Brasil – estado/sexo

UF Mulheres Homens Total

Nº % Nº %

AC 2 25,005 6 75,00% 8

AL 2 22,22% 7 77,78% 9

AM 1 12,50% 7 87,50% 8

AP 3 37,50% 5 62,50% 8

BA 1 2,56% 38 97,44% 39

CE 1 4,55% 21 95,45% 22

DF 2 25,00% 6 75,00% 8

ES 4 40,00% 6 60,00% 10

GO 2 11,76% 15 88,24% 17

MA 1 5,56% 17 94,44% 18

MG 1 1,89% 52 98,11% 53

MS 0 0,00% 8 100,00% 8

MT 0 0,00% 8 100,00% 8

PA 1 5,88% 16 94,12% 17

PB 1 8,33% 11 91,67% 12

PE 2 8,00% 23 92,00% 25

PI 1 10,00% 9 90,00% 10

PR 2 6,67% 28 93,33% 30

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UF Mulheres Homens Total

Nº % Nº %

RJ 4 8,70% 42 91,30% 46

RN 2 25,00% 6 75,00% 8

RO 1 12,50% 7 87,50% 8

RR 1 12,50% 7 87,50% 8

RS 2 6,45% 29 93,55% 31

SC 1 6,25% 15 93,75% 16

SE 0 0,00% 8 100,00% 8

SP 6 8,57% 64 91,43% 70

TO 1 12,50% 7 87,50% 8

TOTAL 45 8,77% 468 91,23% 513

Fonte: Dados Cfêmea – Eleições 2010 (TSE – Dados de 1° de dezembro de 2010).

Como vemos, a situação de sub-representação feminina em nosso país é uma questão grave e significativa no que tange ao jogo demo-crático. Com um número tão reduzido de candidatas e outro ainda mais baixo de mulheres eleitas, o campo político segue sendo um reduto masculino.

Todavia, sabemos também que a inclusão das mulheres na esfera pública, contrariando os estereótipos e preconceitos que relegavam historicamente as mulheres aos domínios do privado doméstico e da intimidade e os homens ao mundo “de fora de casa”, do públi-co, foi um dos maiores avanços democráticos vivenciados no século que passou. O acesso maciço das mulheres aos bancos escolares e ao mercado de trabalho, sobretudo em termos quantitativos, no entanto, deve ser ponderado com desníveis em dimensões quali-tativas, já que, como sabemos, ainda perseveram muitas estratégias de opressão, discriminação e preconceito. A situação das mulheres candidatas é emblemática do processo inconcluso de ocupação fe-minina de nossa esfera pública. E especial destaque deve ser dado ao fato de que uma entrada e participação efetivas dos homens na esfera doméstica e privada é ainda algo muito distante da nossa rea-lidade brasileira. Destaco, assim, que o jogo político-representativo que se faz hoje na quase ausência das mulheres de seu cenário é um

(Continuação da Tabela 7)

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elemento comprometedor de nosso atual estágio de consolidação do processo democrático e também de nosso projeto de desenvolvi-mento. Mas por quê?

Defendo o argumento de que um maior e mais significativo núme-ro de mulheres eleitas para a elite política brasileira importa, mas não é suficiente, enquanto mera quantidade, para transformar de fato os padrões profundamente arraigados de desigualdades de gênero no âmbito do trabalho político. Torna-se igualmente necessário e urgente que ocorra um processo simultâneo de abertura desse cam-po aos interesses e demandas das mulheres organizadas. Entendo e reafirmo que tal dinâmica de exclusão política feminina não é um fenômeno isolado e/ou à parte das demais desigualdades que cer-cam as temáticas de gênero e as mulheres em nosso país. Pelo con-trário, essas desigualdades se interconectam de modo que a quase exclusão política das mulheres das elites políticas brasileiras alimenta e é alimentada pela permanência de outras esferas de dominação masculina que são simultaneamente experimentadas.

A seguir, apresento alguns dos argumentos centrais que têm sido utilizados na literatura pertinente para destacar a relevância e im-portância que pode ter uma maior ocupação dos espaços políticos pelas mulheres. A contribuição das mulheres, em todo o mundo, tem sido destacada como fundamental aos processos renovados de desenvolvimento, especialmente em países ainda não plenamente desenvolvidos.

2 POR QUE FARIA DIFERENÇA TERMOS MAIS MULHERES NOS ESPAÇOS DE PODER?

Adoto aqui uma postura que claramente pode (e deve) ser alinha-da às abordagens recentes das teorias feministas. Nesse sentido, é preciso afirmar que o campo feminista de gênero (MATOS, 2008) é um espaço de lutas em distintas fronteiras que são constantemente disputadas. Os movimentos feministas e de mulheres, em todo o mundo e também aqui no Brasil, têm formulado palavras de ordem ou bandeiras – frases que em poucas palavras expressam grandes conteúdos, projetos e propostas do movimento. Essas bandeiras são criadas para servirem de referência às mulheres em todo o mun-

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do e algumas atingiram grande popularidade. Entre elas, merecem destaque: “O pessoal é político”; “Democracia em casa e na rua”; “Diferença sim, desigualdade não”.

Essas bandeiras resgatam ideias-chave para os movimentos feminis-tas e de mulheres: a importância da esfera privada enquanto espaço privilegiado (mas certamente não único) de incidência de domina-ção e opressão; da construção da democracia em todas as relações sociais e em especial nas relações interpessoais; e o reconhecimento das diferenças sem a experimentação das desigualdades e das assi-metrias de poder, valorizando-se a diversidade e a pluralidade sem hierarquias. A opressão das mulheres se expressou, historicamente, a partir do mundo privado em direção à ocupação dos espaços pú-blicos pelas mulheres (WALBY, 1990).

Em uma comparação com os homens, é sabido que os padrões de socialização aos quais as mulheres estão expostas são claramente diferentes (quando não assimétricos e hierarquizados), assim como são igualmente diferenciadas as suas experiências de vida. Podemos afirmar também que as mulheres tenderiam mais a trazer tais expe-riências, suas perspectivas e conhecimentos, para apoiar as decisões políticas. Embora mudanças importantes tenham ocorrido ao longo das últimas décadas, na maioria dos países as mulheres ainda arcam com as principais responsabilidades em relação aos cuidados com a família e com o domicílio, incluindo marido, crianças e idosos, sendo essa, de modo quase onipresente, uma das principais “expe-riências” do feminino que as sociedades reconhecem e legitimam.

Há pesquisas (infelizmente pouquíssimas no Brasil) que confirmam que a participação de mulheres na política (especialmente no âmbi-to local/municipal) pode ter maior impacto sobre os resultados das políticas que visam atender às mulheres e crianças do que têm tido a legislação e as políticas nacionais de cunho mais universalista. Em-bora haja poucas evidências, especialmente em nosso país, sobre o comportamento e a atuação política de mulheres governantes, uma série de estudos em países industrializados e em desenvolvimento indica que elas tendem a dar prioridade a questões sociais, especial-mente nos governos locais (UNICEF, 2007). Na Noruega, por exem-plo, uma das razões mais citadas para o envolvimento de mulheres na política local refere-se às questões da infância, especialmente à

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carência de espaços para o atendimento à criança pequena. Um estudo norueguês recente, que examinou dados desde 1975, mostra que o número de crianças que recebiam benefícios aumentou du-rante o primeiro ano em que mulheres constituíram cerca de 30% dos membros de conselhos locais. A constatação mais significativa desse estudo é que a atuação das mulheres em governos locais tem impacto político mais significativo no início de suas carreiras, porque trazem para a agenda política dos parlamentos um conjunto de no-vas preocupações, tradicionalmente pouco ou nada tratadas.

Nos países em desenvolvimento como o Brasil, a pesquisa sobre o impacto de mulheres em governos ainda é uma área de investigação completamente nova. As constatações mais abrangentes já disponí-veis provêm da Índia, onde um terço das posições de liderança em conselhos locais foi reservado às mulheres desde 1998. Um amplo projeto de pesquisa que examinou o impacto da política de reser-va de assentos investigou inicialmente 165 conselhos no estado de Bengala Ocidental. O estudo analisou o nível de provimento de bens públicos em conselhos que tinham política de reserva de posições para mulheres em comparação com aqueles que não adotavam essas cotas. A análise constatou que em vilarejos com política de reserva de posições femininas, o investimento em instalações de água limpa foi duas vezes maior do que nos vilarejos sem cotas, e que, como tendência, as condições das estradas eram duas vezes melhores. Além disso, a probabilidade de trabalhos recentes de manutenção nas rodovias principais era 20% maior; novos projetos de biogás – um substituto para a eletricidade e o combustível de cozinha – foram introduzidos em 26% dos vilarejos onde havia política de reserva, contra 6% nos vilarejos sem cotas. E graças a um acompanhamento ativo, o número de visitas de profissionais da saúde foi significativa-mente maior nos seis meses abrangidos pelo estudo. Essas melhorias beneficiaram significativamente as mulheres e as meninas, que são, por sua vez, as principais responsáveis pela coleta de material com-bustível e também de água, assim como pela atenção às necessida-des de saúde da família, especialmente das crianças.

Por outro lado, no entanto, sabemos que o simples fato de haver um número maior de mulheres em governos não vai garantir sua eficácia como defensoras dos interesses e direitos das mulheres (enquanto

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permanecer a ausência masculina dos espaços privados das crianças e da família). Além do mais, parece-me claro que as mulheres políti-cas precisam também ir além e trabalhar os demais temas da agenda política, não ficando circunscritas aos nichos temáticos tradicional-mente ocupados pelas mulheres. Focar atenções exclusivamente em uma agenda que atenda às mulheres pode ser comprometedor de qualquer mandato. Uma análise realizada na África do Sul sobre pro-blemas e oportunidades envolvendo mulheres em governos locais revelou que, tal como ocorria com suas colegas no Parlamento, sua eficácia era determinada, em grande parte, por outros fatores além de sua presença numérica. Esses fatores incluíam normas e expecta-tivas culturais/simbólicas sobre os papéis femininos, as distintas hie-rarquias estabelecidas, as capacidades e os atributos individuais de conselheiros e, sobretudo, o grau de comprometimento dos partidos políticos com a questão da mulher. Ou seja, as mulheres políticas também têm que enfrentar o gigantesco desafio de desconstruir os lugares socialmente legitimados para seu trabalho como mulheres políticas, se deslocando de uma atuação pautada exclusivamente em questões específicas dos grupos vulneráveis. Elas também necessitam demonstrar capacidade de agir politicamente em âmbitos diversos, rompendo com os papéis de gênero tradicionalmente rígidos que se reatualizam nos espaços do trabalho político.

Se é verdade que as mulheres políticas podem trazer consigo algo como a sensibilidade e a urgência do enfrentamento das profun-das desigualdades sociais que assolam nosso país, enfatizando com isso a argumentação de um diferencial positivo a favor das mulheres porque elas teriam, na singularidade de suas formas de julgamento moral, uma sensibilidade distinta da dos homens, o fato é que isso não deve ser compreendido como uma decorrência “natural” ou “essencial” das mulheres. Não acredito em uma “essência moral” na-tural ou tipicamente feminina. É muito importante ir além desse sen-tido de interpretação superficial e tentar nos ater ao que realmente conta: o processo quase permanente e continuado de desequilíbrio de forças e de produção de desigualdades a que estão submetidas todas as mulheres no Brasil e no mundo. É necessário, portanto, um contra-argumento que venha a desessencializar esse sentido inter-pretativo oriundo de uma “política do desvelo” (care politics) ou de

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um tipo naturalizado de “pensamento maternal” (GILLIGAN, 1982; DIETZ, 1985; RUDDICK, 1989) e, ao mesmo tempo, buscar estraté-gias e alianças múltiplas que possam ter repercussão justamente na transformação dessa dinâmica nos nossos espaços políticos.

Outra observação realmente necessária e significativa a ser feita é a de que uma alteração nos padrões de comportamento na política não pode, mais uma vez, ser uma atribuição exclusiva das mulheres e mesmo das mulheres políticas. Essa é uma discussão e um tipo esperado de mudança a serem operados pelos atores políticos em geral, independentemente de seus sexos ou gêneros, e na medida em que as mulheres estiverem presentes, de fato, em todos os foros decisórios da política, as áreas monopolizadas pelos homens pode-rão ter, certamente, outro destino, um destino diferente. Mas isso não irá ocorrer por conta de uma moralidade diferenciada das mu-lheres, e sim pelo fato de as mulheres terem perspectivas e visões de mundo que foram construídas, social, histórica e politicamente de modo, em alguns casos, quase antagônico às do mundo masculino.

Além do mais, outros trabalhos que se debruçaram sobre as espe-cificidades do trabalho político das mulheres têm revelado outros elementos que devem ser levados igualmente em consideração. Se-gundo uma análise comparativa de mulheres em governos locais em 13 países no Leste da Ásia, há pelo menos duas outras maneiras por meio das quais os grupos de mulheres podem tornar-se uma força importante para mudanças políticas em contextos democráticos. Em primeiro lugar, esses grupos frequentemente fornecem maior apoio a mulheres que foram eleitas para os cargos políticos. Em segundo lugar, administram seus próprios esforços de defesa em favor da mu-lher, da criança e da família (mais uma vez), com vistas a legitimar um foro de atuação política feminina. No mundo todo esses grupos e redes de mulheres dão exemplos de como a mobilização comu-nitária/municipal pode promover os direitos humanos (de homens e de mulheres) e, portanto, também aqueles relacionados aos mais vulneráveis (que, em geral, em todo o mundo, tendem a ser as mu-lheres, os idosos e as crianças). Isso não confirma, simplesmente, o argumento da moralidade diferenciada ou da “política do desvelo”, mas destaca aquilo que socialmente tem sido legitimado como “a” atuação feminina na política.

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O argumento maior a ser destacado é, justamente, aquele que insiste na possível mudança que pode ser operada no campo po-lítico com maior presença e contribuição mais efetiva das mulhe-res. Recusando a argumentação a favor de um tipo de moralidade distinta entre homens e mulheres, há feministas que insistem que as mulheres, numa sociedade patriarcal e marcada pela dominação masculina, possuem, a partir de sua perspectiva3 (YOUNG, 2000) e visão de mundo, interesses e propostas diferentes dos homens e que necessitam ser verbalizados e defendidos em um regime efetivamen-te democrático. Democracia implica pluralidade. Assim, pluralizar o sexo e o gênero do trabalho político é necessário para que outras visões de mundo, outros interesses e outras perspectivas venham a ser, democraticamente, escutadas e, finalmente, atendidas. Todavia, cabe insistir ainda que, embora a presença das mulheres nos espa-ços de poder seja muito importante, essa presença não repercute de modo automático na agenda do trabalho político. Esse é outro longo caminho a ser percorrido.

A quase completa ausência das mulheres dos espaços decisórios da política institucionalizada no Brasil, porém, tem sido um fator deter-minante da pior qualidade do nosso processo democrático, da qua-lidade de atenção que é dada às políticas públicas, da qualidade da superação das persistentes desigualdades sociais que assolam o país: todos esses aspectos têm, claramente, um impacto das dimensões de gênero, etárias, de raça/etnia etc., que temos muita dificuldade de enxergar. O processo da inserção política de mulheres, e mesmo da representação política, precisa, sim, vir a ser questionado pelo viés de gênero: um jogo político-representativo como o de hoje, que se faz na quase ausência das mulheres de seu cenário, é um elemento comprome-tedor para nosso atual estágio de consolidação democrática e também para todo o processo de desenvolvimento do país. Esse é um espaço que precisa das contribuições fundamentais das mulheres organizadas.

Assim, temos o argumento para a defesa da existência de mais mulheres no trabalho político, amplamente utilizado na literatura es-

3 Iris Young (2000, p. 137) define o conceito de perspectiva da seguinte for-ma: “O ponto de vista que membros de um grupo têm sobre processos sociais por causa de sua posição neles.”

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pecializada, que é o da utilidade da presença feminina na política para “melhorar os padrões e o comportamento político e parlamen-tar” e até mesmo criar estruturas parlamentares/políticas que sejam mais atentas às questões de gênero (SAWER, 2002). Outro argumen-to, para nós mais significativo e importante, tem a ver com a questão das mudanças simbólicas e culturais e se apoia no fato de que: 1) com maiores porcentagens de representação feminina o respeito e reconhecimento pelas mulheres também aumentaria; 2) a instituição política teria mais e maior legitimidade perante os representantes das comunidades (ou seja, essa seria também uma forma de prevenir dinâmicas frequentes de exclusão de grupos minoritários); e, final-mente, 3) a identidade feminina não precisaria estar somente ligada à esfera privada/doméstica como espaço de atuação legítima, mas poderia se articular no espaço público e político de forma substan-tiva e não periférica (SAWER, 2002, p. 6-7). Há, então, este argu-mento, considerado fundamental: a presença feminina é uma forma de pressionar as agendas públicas e modificar os enquadramentos mais tradicionais da política. Ainda há pesquisas que tendem a res-saltar uma habilidade mais forte das mulheres políticas de lidar com questões orçamentárias e lançar mão de recursos públicos com mais parcimônia, eficácia e responsabilidade. Mas os estudos nessa dire-ção ainda são muito frágeis.

Resumidamente, poderíamos elencar os seguintes principais ar-gumentos utilizados na literatura consultada para a defesa da exis-tência – presença e permanência – de mais mulheres no trabalho político: 1) as mulheres tendem a enfatizar e a lutar mais por uma agenda de reivindicações que incorpore os temas da justiça social, em uma luta mais efetiva contra as desigualdades; 2) mais mulheres no poder certamente redunda em uma maior legitimidade demo-crática, pública e política dos governos em países, estados e muni-cípios; 3) existem, efetivamente, contribuições particulares – inte-resses, perspectivas e visões de mundo – que as mulheres podem trazer para a política; 4) as mulheres tendem a fazer um uso ótimo e mais eficiente dos recursos disponíveis; 5) as mulheres tendem a exercer o poder de modo mais compartilhado, delegado e descen-tralizado, podendo compatibilizar agendas exercidas por meio de uma forma de governança multinível e democratizadora, em que a

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complexidade de elementos que envolvem os desafios contempo-râneos possa ser contemplada.

Há, portanto, muitos esforços teóricos em demarcar a urgência de se expandir a cidadania política e se reforçar a contribuição real das mulheres ao processo de aprofundamento de governos democráticos e de novos projetos de desenvolvimento em um regime contemporâ-neo de riscos aumentados e de forte complexidade. A complexidade das demandas e dos problemas que estão associados a um projeto de desenvolvimento contemporâneo em países recém-democratiza-dos e em desenvolvimento como o nosso, assim como os riscos de crises e erupções intempestivas de problemas, precisam se deparar com exercícios de governança mais democráticos e mais comparti-lhados. Parece que as mulheres podem exercer o poder e a política nessas condições e nesse contexto melhor do que os homens. Cabe-ria ainda uma ressalva aos fortes questionamentos e às onipresentes indagações sobre um governo (ou mesmo uma presidência) no femi-nino: é sempre conveniente destacar que, para assegurar a questão da igualdade política, não podemos contar e responsabilizar apenas aquelas poucas mulheres que se encontram na arena política. Seria necessário que todos os espaços representativos e parte significativa de seus representantes, e mesmo de toda a sociedade, elegessem como realmente prioritárias e importantes as questões de gênero e, sobretudo, uma agenda realmente feminista.

Tal agenda feminista pode ser caracterizada por uma sensibilida-de crítica a respeito da organização ainda profundamente patriarcal, patrimonial, racista e homofóbica enraizada em nossas sociedades e instituições que ajudamos, de forma impensada ainda, a construir e a manter. Tal sensibilidade não está constituída ou estabilizada em nosso país, mas faz parte de um processo necessariamente mais ampliado de refundação da democracia e da república brasileiras em padrões mais simétricos de igualdade e representação políticas e de obtenção, de fato, do seu consequente impacto nas políticas públicas do país.

Mais mulheres no poder e, especialmente, mais mulheres e ho-mens com uma agenda de transformações e de enfrentamento dos problemas que seja efetivamente feminista, podem ser os ingredien-tes que ainda faltam para o país enfrentar os desafios do século XXI com maior efetividade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme já discuti em outro lugar (Carta Capital, 31 de outubro de 2010), estamos vivendo um “momento épico” para as mulheres brasileiras, em função da real expansão da identidade e da cida-dania femininas em múltiplas arenas. O lugar menor ocupado pela figura da mulher na cena política brasileira tem, em muitos anos, sua primeira chance de ser de fato revertido. Temos também a opor-tunidade histórica de comprovar empiricamente se os argumentos aqui descritos também fazem algum sentido para a democracia e o desenvolvimento brasileiros. A eleição de Dilma Rousseff certamente descortina uma nova história da relação das mulheres com a política institucional no Brasil. Uma memorável história que teve início há tempos com os movimentos sufragistas liderados no início do século XX por Bertha Lutz. Entendo que estamos dando, portanto, os nossos primeiros passos na direção daquele que precisa se constituir em um amplo e muito mais radical movimento político e social pela parida-de e pela justiça de gênero na representação – um direito devido às mulheres brasileiras –, que certamente ganhará maior profundidade nos próximos anos. E, sem partilhar de nenhuma presunção sobre a “natureza” das mulheres, creio ser possível, sim, dizer que outra será a agenda, outra deverá ser a relação dos temas públicos e privados, outra poderá ser a linguagem da democracia brasileira em formação.

E isso não porque “naturalmente” as mulheres se ocupam de uma “outra” agenda: os relatos de pesquisas aqui muito brevemente resu-midos fazem crer que, do coração da militância contra a ditadura, do âmago da gestão no âmbito de diferentes esferas do Poder Executivo até a presidência da Casa Civil, forjou-se a sensibilidade e a habili-dade de Dilma Rousseff. O caso da primeira mulher na presidência do Brasil pode ser paradigmático. Seu real compromisso foi aberta-mente declarado já em seu discurso inaugural e “honrar as mulheres brasileiras” significa, sem sombra de dúvidas, trilhar os caminhos de uma agenda comprometida com o interesse público em superar as dívidas históricas para com parcelas continuadamente excluídas da população, entre elas, claro, as mulheres. Mas não há dúvidas de que as mulheres (especialmente aquelas que participaram ativamen-te da construção coletiva do II Plano Nacional de Política para as

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Mulheres, o II PNPM) podem exigir e esperar que cada um dos onze capítulos do PNPM, suas ações e deliberações, venham a se tornar uma realidade. Pois é, finalmente, a figura plena da mulher como cidadã política que está tardiamente se formando entre nós.

Trata-se, sobretudo, de uma nova agenda de desafios que estão co-locados para se efetivar de fato a justiça social e a justiça de gênero (pois uma não pode caminhar sem a outra), entendendo-se ambas como um pré-requisito estruturante tanto da consolidação democrá-tica quanto do novo programa de desenvolvimento que se deseja e necessita construir, de fato (e não apenas de direito), em nosso país.

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TRABALHO INFANTIL NO BRASIL: RUMO À ERRADICAÇÃORicardo Paes de BarrosRosane Silva Pinto de Mendonça

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Neste trabalho documentamos o progresso ocorrido no país quanto à redução do trabalho infantil entre 1992 e 2009 e os desafios que ainda precisam ser enfrentados para a sua completa erradicação. O Brasil tem sido bem-sucedido nas políticas adotadas para a erradicação do trabalho infantil, que tem decli-nado de forma acentuada desde início dos anos 1990. Apesar da melhoria nas condições socioeconômicas das famílias, as políticas específicas voltadas para a erradicação do trabalho infantil têm sido o fator mais relevante para a redu-ção da incidência de crianças no mercado de trabalho, respondendo por mais de 80% da queda do trabalho infantil em 15 anos. Mas, a despeito de todo o progresso alcançado, o contingente de crianças trabalhando ainda é elevado e a incidência é muito maior nos grupos socioeconômicos mais vulneráveis, onde a ocorrência do trabalho infantil é quatro vezes a média nacional. Palavras-chave: trabalho infantil; políticas públicas; mercado de trabalho

In this study, we documented the progress that has been made by the country in the reduction of child labor between 1992 and 2008, and the challenges that still need to be met for its complete eradication. Brazil has been very successful in the policies it has adopted for the elimination of child labor which has decli-ned sharply since the early 1990s. Beyond the improvement in socioeconomic conditions of households, the specific policies aimed at eradicating child labor have been the most relevant factor in reducing the prevalence of children in the labor market, accounting for more than 80% of the decline in child labor in 15 years. But despite all the progress, the number of working children is still high and the incidence is much greater in lower socioeconomic groups, where the ratio of child labor is four times higher than that of the national average.Keywords: child labor; public policies; labor market

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INTRODUÇÃO*

A incidência do trabalho infantil no Brasil, como na maioria dos países em desenvolvimento, tem sido historicamente muito elevada. Constitui-se em grave problema, tanto por expor crianças e jovens a um tipo de atividade que muitas vezes não está ao alcance de suas possibilidades físicas e mentais, quanto por dificultar a aquisição de capital humano via escolarização. No início da década de 1990, 14% das crianças brasileiras de 5 a 14 anos (quase cinco milhões de crianças) ainda se encontravam engajadas em atividades econô-micas. Desde então, intensificou-se no país o combate ao trabalho infantil em função da necessidade de se adotarem novos instrumen-tos para a sua proibição e para a eliminação das suas piores formas.

Em 1998, a Emenda Constitucional nº 20 alterou para 16 anos a idade mínima com a qual um adolescente pode ingressar no mer-cado de trabalho, salvo no caso de atividades exercidas na condi-ção de aprendiz, as quais podem ser praticadas a partir de 14 anos. Assim, desde 1998 o trabalho de crianças com idade inferior a 14 anos não é mais admitido nem na condição de aprendiz, embora a realidade social continue, por vezes, ignorando a lei. Em 2000, foi criado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), cujo principal objetivo é contribuir para a erradicação de todas as formas de trabalho infantil no país1. Também nesse período o Brasil ratificou duas importantes convenções internacionais da Organização Inter-nacional do Trabalho (OIT): a Convenção 182, que trata da proibi-ção das piores formas de trabalho infantil e das ações imediatas para

* Os autores agradecem a inestimável contribuição de Mariana Fandinho, Andrezza Rosalém e Samuel Franco na elaboração deste trabalho.1 O Peti é um programa de transferência de renda que faz parte da Política Nacional da Assistência Social (Pnas) do governo federal e que prioriza a retirada de crianças e adolescentes inseridos no trabalho. Para informações adicionais sobre o programa, acessar: http://www.mds.gov.br. Para uma avaliação dos efeitos do Peti nas áreas rurais da região Nordeste, ver Yap, Sedlacek e Orazem (2009).

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sua eliminação2, e a Convenção 138, que não somente se ocupa da idade mínima para ingresso no mercado de trabalho, já presente na Emenda Constitucional nº 20/1998, mas também estabelece algu-mas outras normas para coibir o trabalho infantil3. O Brasil também participa, desde 1992, do Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil (Ipec), um dos mais importantes instrumentos de cooperação da OIT para a articulação, mobilização e legitimação das iniciativas nacionais de combate ao trabalho infantil.

Importantes progressos no âmbito da mensuração e análise do tra-balho infantil também têm sido observados no país ao longo dos úl-timos anos. Em 1992 a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), passou a investigar a participação de crianças de 5 a 9 anos no mercado de trabalho. Em 2001 foi incluído na Pnad um suplemento especial para avaliar, entre outras questões, a incidência do trabalho penoso. Em 2006 a Pnad ganhou um suplemento voltado à avaliação do impac-to do trabalho infantil sobre a saúde. Hoje, o Brasil é reconhecido internacionalmente por sua excelência na coleta e disponibilização de informações sobre o trabalho infantil. Deve-se também ressaltar a vasta pesquisa acadêmica produzida sobre o tema, que não somente documenta a intensidade do trabalho infantil, mas investiga seus de-terminantes e consequências4.

2 Em junho de 1999 a Conferência Geral da OIT foi convocada em Gene-bra pelo Conselho de Administração da Secretaria Internacional do Trabalho, instituindo a Convenção 182, que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e das ações imediatas para sua eliminação. Apesar de ter sido incorporada à legislação brasileira em setembro de 2000 pelo Decreto nº 3.597, essa convenção só foi regulamentada recentemente, em junho de 2008, com a promulgação do Decreto nº 6.481, quando foram enumeradas 109 atividades econômicas que passaram a ser enquadradas na lista de piores formas de trabalho infantil – entre elas encontram-se a exploração sexual, o tráfico de drogas e o trabalho doméstico.3 A Convenção 138 foi instituída pela OIT em junho de 1973, mas promul-gada no Brasil somente em fevereiro de 2002 por meio do Decreto nº 4.134.4 No decorrer do texto, parte dessa literatura será mencionada. Mas, para uma breve resenha da literatura econômica sobre trabalho infantil, ver Kassouf (2007) e Orazem, Sedlacek e Tzanatos (2009).

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Neste trabalho documenta-se, com base na Pnad, o progresso al-cançado pelo país na redução do trabalho infantil entre 1992 e 2009, além dos desafios que ainda precisam ser enfrentados para que a sua completa erradicação seja efetivamente alcançada. Ressaltam-se, ain-da, os impactos negativos que o trabalho tem sobre o desenvolvimen-to infantil, em particular sobre a escolaridade e a saúde.

O trabalho foi organizado em sete seções, além desta introdução. Na próxima seção apresenta-se a redução na incidência do trabalho infantil entre 1992 e 2009. Mostra-se que, apesar da melhoria nas condições socioeconômicas das famílias, as políticas específicas, como o Peti, foram as grandes responsáveis pela queda na incidência do trabalho infantil.

Na segunda seção apresentam-se estimativas acerca da incidência atual do trabalho infantil no Brasil e no mundo. Essas estimativas indi-cam que o Brasil parece ser mais eficiente que países com a mesma renda per capita no combate ao trabalho infantil.

Na terceira seção mostra-se que, a despeito de todo o progresso alcança-do, o contingente de crianças trabalhando ainda é elevado e a incidência nos grupos socioeconômicos mais vulneráveis é quatro vezes a média nacional.

Na quarta seção analisam-se as disparidades entre grupos socioe-conômicos, com evidências de um progresso mais acentuado para os grupos mais vulneráveis.

Na quinta seção abordam-se as consequências negativas do trabalho infantil, em particular sobre a educação e a saúde.

Por fim, analisa-se em que medida, do ponto de vista da criança, sua participação no mercado de trabalho poderia trazer vantagens ime-diatas. As evidências disponíveis indicam que essas vantagens pare-cem não existir e, portanto, não poderiam motivar o trabalho infantil. Ademais, mesmo que existissem, tais vantagens não compensariam os riscos que o trabalho impõe ao desenvolvimento de uma criança.

A última seção apresenta as considerações finais do trabalho.

1 REDUÇÃO NA INCIDÊNCIA DO TRABALHO INFANTIL

Desde o início dos anos 1990 houve uma acentuada redução na incidência do trabalho infantil em todas as faixas etárias, notadamente entre 5 e 14 anos, reduzida a quase um terço, e ainda mais intensa na faixa dos 5 aos 9 anos, que chegou a menos de um quarto, analisando--se o período 1992-2009, conforme Tabela 1 e Gráfico 1.

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Tabela 1Crianças que trabalharam no último ano1 por faixa etária –

Brasil, 1992 e 2009

Faixa etária

1992 2009Incidência

atual (2009) como

porcentagem da prevalência incial (1992)

Incidência prevista em 25 anos, a partir de

2009, como porcentagem

da atual2

Porcentagem(%)

Número (em

milhares)

Porcentagem (%)

Número (em

milhares)

5 a 9 anos 4 690 1 129 20 105 a 14 anos 14 4,665 5 1540 34 215 a 15 anos 17 6,144 7 2335 39 2510 a 13 anos 20 2,792 6 859 31 1810 a 14 anos 23 3,975 8 1412 35 2210 a 15 anos 27 5,455 11 2207 40 2614 a 15 anos 42 2,663 19 1347 46 32

Fonte: Estimativas produzidas com base nas Pnads de 1992 a 2009.Notas: 1. Foram consideradas as crianças e adolescentes que estavam trabalhando nos 12 meses anteriores à data de referência da pesquisa. 2. Significa que em 2034 a porcentagem de crianças de 5 a 14 anos que trabalharam no último ano, por exemplo, será 21% da porcentagem observada em 2009.

Gráfico 1Evolução do trabalho infantil – Brasil 1992 e 2009

Fonte: Estimativas produzidas com base na s Pnads de 1992 a 2009.

Nota: Foram consideradas as crianças e adolescentes que estavam trabalhando nos 12 meses anteriores à data de referência da pesquisa.

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Uma vez mantida a velocidade alcançada ao longo desse período, em 25 anos o país será capaz de reduzir a ocorrência do trabalho de crianças entre 5 e 14 anos a menos de um quarto da atual. Velocidade bem superior àquela preconizada para todos os Objetivos de Desen-volvimento do Milênio (ODM)5, que previam reduções à metade ou a um terço em 25 anos.

A velocidade com que o país vem reduzindo o trabalho infantil não é apenas superior à proposta pelos ODM, é também muito mais ace-lerada que a média mundial. A Tabela 2 mostra que a incidência do trabalho de crianças entre 5 e 14 anos prevista no mundo em 25 anos será cerca de 50% do que era em 2004. Assim, à velocidade mundial, a incidência do trabalho infantil se reduziria à metade em 25 anos, o que significa que o Brasil vem erradicando o trabalho infantil a um ritmo ao menos duas vezes mais rápido que a média mundial.

Tabela 2Redução na incidência do trabalho infantil

Países/região Faixa etária

Ano Incidência (%) Incidência prevista em 25 anos, a partir de

2009, como porcentagem

da atual5

Inicial Final Inicial Final

Mundo1 5 a 14 anos 2000 2004 15,5 13,7 46,2

Brasil2 5 a 14 anos 1992 2009 13,8 4,8 20,9

Colômbia3 12 a 14 anos 2002 2006 8,9 6,3 11,5

Costa Rica 4 12 a 14 anos 2001 2007 7,4 4,1 8,5

Notas/fontes: 1. OIT (2006; Table 1); 2. Pnads de 1992 e 2009; 3. e 4. OIT (2009; Quadro A.7) 5. Significa que, no caso do Brasil, por exemplo, a incidência do trabalho infantil (5 a 14 anos) em 2034 será 21% da por-centagem observada em 2009; no caso da Colômbia, em 2034 a incidência será 11,5% da observada em 2006.

Esse progresso acelerado se deveu essencialmente a políticas espe-cíficas, como o Peti, e, em alguma medida, também a melhorias nas condições socioeconômicas das famílias. A extrema pobreza vem de-clinando de forma acentuada desde 20016, apresentando, em 2009, o nível mais baixo já observado nos últimos trinta anos.

5 Informações sobre os ODM, as metas estabelecidas e a evolução dos indica-dores podem ser encontradas em: http://www.pnud.org.6 Para uma análise detalhada da queda recente da pobreza e da extrema pobreza no Brasil, ver Barros et al. (2006; 2010).

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De fato, a análise da evidência apresentada na Tabela 3 revela que menos de 20% da queda na incidência do trabalho infantil pode ser atri-buída a melhorias nas condições socioeconômicas das famílias. Ou seja, ainda que as condições socioeconômicas das famílias não houvessem sido alteradas, estima-se que cerca de 80% do acentuado progresso al-cançado ao longo da última década teria ocorrido. Esse fato nos remete à importância das políticas específicas para a redução do trabalho infantil.

Tabela 3Contribuição do progresso socioeconômico e das políticas públicas setoriais para a redução do trabalho infantil1 – Brasil, 1992 e 2009

Faixa etária Ano inicial

(1992) Ano final (2009)

Ano final apenas com o efeito das políticas específicas (sem o

progresso nas condições socioeconômicas)

Contribuição das políticas específicas

(%)

5 a 9 anos 3 1 11 -288

5 a 14 anos 12 4 8 51

5 a 15 anos 14 5 6 96

10 a 13 anos 17 5 11 52

10 a 14 anos 20 7 11 65

10 a 15 anos 23 9 8 104

14 a 15 anos 35 16 9 137

Fonte: Estimativas produzidas com base nas Pnads de 1992 e 2009. Nota: 1. Foram consideradas as crianças e adolescentes que estavam trabalhando nos 12 meses anteriores à data de referência da pesquisa. O progresso que ocorreria apenas com o avanço das políticas públicas (contrafactual) foi calculado considerando crianças e adolescentes em 1992 caso vivessem em um ambien-te social com características de 2009.

O Peti é o único programa nacional específico para atender crianças e adolescentes em situação de trabalho. Ele articula ações que têm como objetivo retirar crianças e adolescentes de até 16 anos das práticas de trabalho infantil, exceto na condição de aprendizes, a partir de 14 anos. Baseia-se em três linhas de ação: i) inserção e permanência na escola, ii) atendimento da criança/adolescente em serviços socioeducativos, no contraturno do horário escolar e iii) oferta de capacitação para as famí-lias (qualificação profissional e geração de trabalho e renda), com prio-ridade às famílias cuja renda per capita é de até meio salário mínimo.

Existem várias avaliações sobre o Peti. Zadra, por exemplo, buscou comparar e analisar as avaliações realizadas pelo Ministério do De-

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senvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), pela OIT e pelo Tri-bunal de Contas da União (TCU) sobre o programa. Em seu trabalho, conclui que “é incipiente o planejamento em relação à implantação do programa, os diagnósticos são precários e equivocados. Entretanto, essas poucas avaliações disponíveis permitem afirmar que o programa proporciona a melhoria do acesso da população aos serviços públicos básicos e há incremento do ingresso familiar à transferência de renda” (2008, p. 6).

Já Yap, Sedlacek e Orazem (2009) mostram que o programa teve um impacto positivo sobre as crianças que dele participaram. Elas passavam mais tempo na escola, menos tempo no trabalho, menos tempo nos trabalhos arriscados e progrediam muito mais rápido na escola.

Entretanto, conforme ressalta Rocha (2003), o impacto do programa nas áreas rurais, por exemplo, é apenas marginal: “Embora bem dese-nhado e bem focalizado para atender a uma clientela específica, isto é, crianças envolvidas com trabalho penoso, o Peti é relevante apenas no âmbito dessa clientela” (p. 77). O efeito dos benefícios de um programa que focaliza todas as famílias – reconhecidamente pobres – de crianças envolvidas em atividades penosas em área rural – cerca de 93 mil em 1999 – seria apenas marginal sobre a incidência de pobreza no Brasil.

Não são apenas as políticas específicas para a redução do trabalho infantil que têm impacto em sua redução. Embora reduzir o trabalho infantil não seja uma meta explícita de programas como o Bolsa Escola e o Bolsa Família, as reduções na incidência do trabalho infantil aca-bam sendo consequências desses programas, uma vez que, ao tornar obrigatória a frequência à escola, acabam por reduzir o tempo dis-ponível para o engajamento em outras atividades, em particular, em atividades econômicas.

Vários estudos têm sido realizados com o objetivo de verificar e do-cumentar o impacto dos programas de transferência de renda con-dicionada sobre o trabalho infantil. Não há consenso na literatura. Vários estudos mostram que esses programas, como o Bolsa Escola e o Bolsa Família, têm ajudado a reduzir o trabalho infantil. A magnitude do efeito, no entanto, depende da incidência do trabalho infantil an-tes da transferência, das condições estabelecidas para a transferência e, naturalmente, do montante transferido. Entre os estudos que tratam

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dessa questão, destacam-se os de Ferro e Kassouf (2004)7, Cardoso e Souza (2009), Yap, Sedlacek e Orazem (2009), Skoufias e Parker (2009) e Maluccio (2009). O relatório da OIT, Acelerar a ação contra o trabalho infantil (2010), divulgado recentemente, afirma que progra-mas de transferência de renda condicionada constituem importante ferramenta na luta contra o trabalho infantil.

Por outro lado, existem também estudos que mostram que os pro-gramas de transferência de renda condicionada são ineficientes para reduzir o trabalho infantil. Araújo, Ribeiro e Neder (2010) investiga-ram os impactos do programa Bolsa Família sobre o trabalho infantil. O estudo concentrou-se em famílias beneficiárias do programa resi-dentes na área urbana e utilizou as informações da Pnad de 2006. Os autores demonstram que o programa eleva a frequência escolar, mas não contribui para o combate ao trabalho infanto-juvenil, e que esses impactos são bastante modestos. O estudo recente de Cacciamali, Tatei e Batista (2010) também mostra que o Bolsa Família apresenta-se incapaz de reduzir o trabalho infantil, apesar de ser bem-sucedido no que diz respeito ao aumento da frequência escolar.

2 INCIDÊNCIA ATUAL DO TRABALHO INFANTIL

A despeito do acentuado progresso na redução do trabalho infantil, em 2009 cerca de 1,5 milhão de crianças ainda se dedicava a ativi-dades produtivas (5% de 5 a 14 anos e 8% de 10 a 14 anos). Embora reconhecidamente elevadas, essas cifras já colocam o Brasil entre os países em desenvolvimento e, ainda, entre os latino-americanos com as mais baixas taxas de trabalho infantil.

Conforme mostra o Gráfico 2, menos de um quarto dos países em desenvolvimento, para aqueles entre os quais essa informação encon-tra-se disponível, têm uma porcentagem de crianças entre 5 e 14 anos que trabalham inferior à brasileira.

7 Utilizando as informações da Pnad de 2001, as autoras concluem que pro-gramas como o Bolsa Escola contribuem para reduzir (em duas horas na área urbana e três horas na área rural) a jornada de trabalho das crianças com idade entre 6 e 15 anos em famílias que têm renda per capita inferior a meio salário mínimo. Entretanto, com relação ao impacto desse tipo de política sobre a decisão de trabalhar ou não, os resultados não são conclusivos.

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Gráfico 2Distribuição dos países segundo a incidência do trabalho infantil (5 a 14 anos)

Fonte: Unicef (2008; Table 9).

No contexto latino-americano, o Brasil também se situa no grupo de um quarto dos países com menor ocorrência de trabalho infantil (5 a 14 anos). Entre os 17 países para os quais se tem informação, apenas três apresentam incidência de trabalho infantil inferior à brasileira – Venezuela, Chile e Panamá (Tabela 4).

Tabela 4Taxa de participação das crianças e jovens no mercado

de trabalho nos países da América Latina

Países Ano 5 a 14 anos (%)

Venezuela1 2000 2,9

Chile 2003 3,3

Panamá 2000 3,3

Brasil 2003 5,8

Costa Rica 2002 5,9

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Países Ano 5 a 14 anos (%)

Colômbia 2003 6,6

El Salvador 2001 7,1

Argentina2 2004 8,5

Honduras 2002 9,2

México3 1999 9,5

Nicarágua 2000 9,9

Paraguai 2004 10,9

República Dominicana4 2000 14,4

Equador 2001 15,4

Guatemala 2000 16,1

Bolívia5 2002 19,9

Peru5 2001 22,9

Fonte: OIT (2009).

Notas: 1. A estimativa original incluía somente as taxas por sexo, de modo que a estimativa para ambos os sexos é própria, com estimativas da população para o ano de 2000 do Centro Latino-Americano e Caribenho de Demografia (Celade). 2. Para a Argentina, tanto a estimativa de trabalho infantil como a de pobreza se referem às áreas urbanas. 3. Para o México a informação se refere a crianças entre 6 e 17 anos. 4. As estima tivas para a República Dominicana mostram uma diferença com respeito às publicadas no Relatório da OIT (2004), principalmente devido a um ajuste nos fatores de expansão da pesquisa posterior à publi-cação. 5. A pesquisa da Bolívia captou o trabalho infantil para a população de 7 anos e mais e a pesquisa do Peru para a população de 6 anos e mais. Inclui-se aqui uma estimativa própria, que considera desde os 5 anos, realizada a partir das taxas de trabalho observadas por idade simples e sexo, e tomando em conta a tendência da relação direta entre as idades simples e as taxas de trabalho infantil (as quais se reduzem conforme se reduz a idade).

Sem dúvida, a menor incidência do trabalho infantil no país deve--se, em parte, ao seu maior grau de desenvolvimento, seja medido pelo nível da renda per capita, seja pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Entretanto, mesmo em relação aos países com ren-da per capita similar à brasileira, a existência do trabalho infantil hoje no Brasil é menor. Conforme indica o Gráfico 3, em compara-ção com os níveis internacionais, dada a renda per capita brasileira, seria de se esperar que a incidência do trabalho infantil na faixa etá-ria dos 5 aos 14 anos fosse próxima a 7%; no entanto, a incidência real é de 5%, e mais de 25% inferior ao previsto segundo os padrões internacionais.

(Continuação da Tabela 4)

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Gráfico 3Relação entre a incidência do trabalho infantil

(5 a 14 anos) e a renda per capita

Fonte: Unicef (2008) e UNDP (2009).

3 DISPARIDADES NA INCIDÊNCIA DO TRABALHO INFANTIL

Embora o contingente total de crianças trabalhando (1,5 milhão) ainda seja elevado, merecendo, portanto, considerável atenção das políticas públicas, a redução acentuada da ocorrência de trabalho infantil alcançada no período 1992-2009 certamente mudou o foco da preocupação, que passou da quantidade de crianças trabalhando para a concentração das que trabalham em alguns poucos grupos sociais.

O Gráfico 4 apresenta a distribuição das crianças entre 5 e 14 anos segundo a probabilidade de terem trabalhado ao menos uma vez no ano para os centésimos da distribuição de renda brasileira. De fato, a evidência apresentada no gráfico revela que o declínio acentuado do trabalho infantil levou a que a porcentagem de crianças brasileiras per-tencentes a grupos socioeconômicos em que a incidência do trabalho infantil é inferior a 5% passasse de 46% em 1992 para 70% em 2009.

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Em outras palavras, hoje, a porcentagem de crianças em famílias nas quais a probabilidade de trabalho infantil é menor que 5% aumentou substancialmente. Se, em 1992, cinco em cada dez crianças encontra-vam-se em famílias cuja probabilidade de terem trabalhado ao menos uma vez no ano era menor que 5%, quase duas décadas depois esse número passou para sete crianças em cada dez.

Gráfico 4Distribuição das crianças entre 5 e 14 anos segundo a probabilidade de

terem trabalhado ao menos uma vez no ano – Brasil, 1992 e 2009

Fonte: Estimativas produzidas com base nas Pnads de 1992 e 2009.

A despeito de todo esse progresso, a incidência do trabalho infan-til ainda é muito mais elevada nas áreas rurais, na região Nordeste, em famílias pobres e na população negra, segundo informações da Pnad de 2009. Nos grupos socioeconômicos mais vulneráveis (os 10% mais vulneráveis), a ocorrência do trabalho infantil é de 20%, cerca de quatro vezes a média nacional. Nesse grupo de alta vulnerabilidade, 70% das crianças são negras, contra 59% na população total; 67% vivem em áreas rurais, contra 17% na população total; 66% vivem na região Nordeste, contra 33% na população total. Além disso, a renda per capita no grupo de alta incidência de trabalho infantil é apenas

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44% da média para todas as famílias com crianças (R$ 185,00 contra R$ 404,00), e o grau de pobreza, quase duas vezes o verificado para o conjunto das crianças (64 contra 39).

Essa concentração do trabalho infantil em alguns grupos sociais gera uma situação na qual, apesar de a incidência média no país ser de apenas 5%, cerca de 14% das crianças brasileiras encontram-se em grupos socioeconômicos em que a ocorrência do trabalho infantil su-pera 10%, e 8% encontram-se em grupos nos quais essa incidência supera 15% (Gráfico 4). Por conseguinte, tem-se que, apesar de a in-cidência de trabalho infantil no Brasil ser menos da metade da ob-servada na América Latina e um terço da média verificada nos países em desenvolvimento, 13% das crianças brasileiras encontram-se em grupos socioeconômicos com ocorrência de trabalho infantil acima da média latino-americana (11%) e 7%, acima da média dos países em desenvolvimento (16%).

4 REDUÇÃO DAS DISPARIDADES NA INCIDÊNCIA DO TRABALHO INFANTIL

O acentuado progresso na redução do trabalho infantil alcançado ao longo dos últimos anos foi também acompanhado por uma ligei-ra redução das disparidades entre grupos socioeconômicos. Saber se houve redução das disparidades ou se permaneceram estáveis depen-de da medida de desigualdade utilizada. Pode-se argumentar que elas declinaram, na medida em que a redução percentual da incidência de trabalho infantil nos grupos mais vulneráveis (aqueles que têm in-cidência de trabalho infantil acima da média) foi mais acentuada do que nos menos vulneráveis (aqueles que têm incidência de trabalho infantil abaixo da média).

A Tabela 5 busca isolar as contribuições do progresso socioeconô-mico e das políticas públicas para a redução do trabalho infantil para dois grupos: vulneráveis e não vulneráveis. O limite utilizado para de-finir vulnerável e não vulnerável foi a média do ano de 1999. Foram consideradas como não vulneráveis as crianças com probabilidade inferior ou igual à média de 1999, e como vulneráveis as crianças com probabilidade superior à média de 1999. O primeiro indicador refere-se a uma simulação contrafactual: saber qual seria a contribui-

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ção das políticas específicas de combate ao trabalho infantil caso não tivesse ocorrido progresso socioeconômico, mais especificamente no ambiente familiar onde a criança vive.

Essa contribuição foi calculada considerando-se crianças e adoles-centes em 2009, mas com um ambiente socioeconômico com ca-racterísticas de 1992. Assim, considerando-se a faixa etária de 5 a 14 anos, os resultados da Tabela 5 mostram que se fosse possível congelar o progresso socioeconômico do grupo não vulnerável, ainda assim a incidência do trabalho nessa faixa declinaria de 4 para 2%. O segundo indicador dessa tabela mostra que, apenas como efeito das políticas específicas, o trabalho nessa faixa etária em 2009 seria 68% daquele observado em 1992. Mais que isso, essa tabela mostra que a incidên-cia do trabalho de crianças entre 5 e 14 anos no grupo vulnerável em 2009 é 66% do valor observado em 1992, ao passo que no grupo não vulnerável essa incidência é de 68%. Nas faixas de 10 a 13 e 10 a 14 anos também é possível observar uma redução ligeiramente maior para os grupos vulneráveis. Nas demais faixas etárias, no entanto, a redução foi maior para os grupos não vulneráveis.

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159SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 142-173 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

Ao medir-se o progresso pelo crescimento na porcentagem de crianças não envolvidas em atividades econômicas, encontra-se evi-dência de uma acentuada redução no grau de desigualdade. Repare--se que, para todas as faixas etárias, o crescimento na porcentagem de crianças que não trabalham foi substancialmente maior no grupo vulnerável, verificando-se crescimento bem maior para a faixa de 14 a 15 anos – 86%.

Nesse caso, o progresso observado nos grupos vulneráveis foi bem mais acelerado que o observado nos grupos não vulneráveis. Confor-me mostra a Tabela 5, entre 1992 e 2009, o declínio da porcentagem de crianças entre 5 e 14 anos que não trabalham nos grupos não vul-neráveis foi de apenas 1%, ao passo que nos grupos vulneráveis foi de 14% – uma diferença de 13 pontos percentuais.

5 CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL PARA O DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O trabalho infantil tem reconhecidamente diversos efeitos perver-sos sobre o desenvolvimento futuro das crianças. Contudo, apesar da vasta literatura sobre os fatores que determinam o trabalho infantil, os estudos sobre as suas consequências são bem mais escassos. Entre os danos causados que suscitam maior preocupação encontram-se, de um lado, aqueles sobre a educação (entrada tardia na escola, eva-são escolar e escolaridade finalmente atingida), com consequências sobre o salário futuro e, de outro, aqueles sobre a saúde dos indiví-duos (enfermidades contraídas em função do trabalho realizado que pioram o estado de saúde do indivíduo quando criança e também na fase adulta).

Emerson e Souza (2003) analisam a persistência do trabalho infantil entre gerações no Brasil. Aproveitando o fato de que na Pnad de 1996 existem informações sobre o trabalho infantil exercido por ambos os pais e filhos em uma casa, bem como informações sobre a escolarida-de dos avós, os autores mostram que as crianças entre 10 e 14 anos são mais propensas a trabalhar quando se encontram em famílias onde os pais foram trabalhadores infantis (quanto menor a idade com que os pais ingressaram na força de trabalho maior a chance de a criança trabalhar) e em famílias cujos pais têm baixo nível educacional. Os

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autores mostram que o trabalho infantil tem efeitos adversos sobre a escolaridade das crianças e sobre seus rendimentos futuros.

Em outro estudo, Emerson e Souza (2007) investigam em que me-dida trabalhar quando criança prejudica a renda futura. Utilizando as Pnads de 1988 e 1996, que incluem informações retrospectivas sobre o trabalho infantil e a escolarização de adultos em idade de trabalhar, os autores concluem que o trabalho infantil tem um impacto negativo elevado sobre a renda futura, mesmo controlando-se a escolaridade. Esse impacto negativo de começar a trabalhar quando criança se in-verte por volta dos 13 anos. Por fim, os autores examinam diferentes atividades de trabalho infantil para determinar se algumas são bené-ficas enquanto outras não. Os resultados indicam que o trabalho na agricultura quando criança parece ter um impacto negativo sobre a educação para todas as idades de entrada nesse tipo de atividade, mas, quando o trabalho ocorre em setores da manufatura ou dos ser-viços, estes podem ter características específicas que aumentam os ganhos esperados quando adulto.

Forastieri (1997 apud Kassouf, 2007) ressalta que, nos locais de tra-balho, os equipamentos, móveis e utensílios não foram projetados para serem utilizados por crianças, levando ao surgimento frequente de problemas ergonômicos, fadiga e maior risco de acidentes. Ade-mais, em caso de acidentes, as crianças muito provavelmente não sa-beriam como reagir.

Ainda a respeito dos impactos do trabalho infantil sobre a saúde, Kassouf et al. (2001), utilizando informações para o Brasil, mostram que quanto mais cedo o indivíduo começa a trabalhar pior é o seu estado de saúde em uma fase adulta da vida, mesmo controlando a renda, a escolaridade e outros fatores. Também O’Donnell et al. (2003 apud Kassouf, 2007) apresentam resultados que mostram que o trabalho rural de crianças vietnamitas aumenta o risco de doenças no futuro.

Embora não se possa generalizar a respeito de outras dimensões, ao menos com relação a essas duas variáveis (educação e saúde) a evidência disponível indica que o impacto do trabalho infantil perma-nece significativo.

No que diz respeito à educação, a Tabela 6 apresenta a evolução da porcentagem de crianças entre 5 e 14 anos que não frequentam a

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161SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 142-173 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

escola por situação ocupacional. Enquanto quase 20% encontravam--se fora da escola em 1992, entre aquelas que trabalhavam essa por-centagem era cerca de 10 pontos percentuais mais elevada – 30,1%. A redução na porcentagem de crianças nessa faixa etária que não es-tudam caiu substancialmente de 1992 para 2009, conforme mostra a tabela, mas, enquanto 3,4% das crianças entre 5 e 14 anos encontra-vam-se fora da escola em 2009, entre aquelas que trabalhavam essa porcentagem era 5,2%. O diferencial com respeito à porcentagem das crianças que não estudavam entre as que trabalhavam e as que não trabalhavam em 2009 era 56%, 10 pontos percentuais a menos do que em 1992.

Tabela 6Evolução da porcentagem de crianças e adolescentes entre 5 e 14 anos

que não estudam por situação ocupacional1 – Brasil, 1992 a 2009

Indicadores 1992 2009

Situação ao final

(2009) como porcentagem da situação

inicial (1992)

Total 19,7 3,4 17

Entre as que trabalham 30,1 5,2 17

Entre as que não trabalham 18,1 3,4 19

Diferencial entre as que trabalham e as que não trabalham

66 56 --------

Fonte: Estimativas produzidas com base nas Pnads de 1992 a 2009.

Nota: 1. Foram consideradas as crianças e adolescentes que estavam trabalhando na semana de referência da pesquisa.

Com respeito à saúde, a Tabela 7 mostra a porcentagem de crian-ças que trabalhavam e que ficaram doentes no ano da pesquisa (2006). Em todas as faixas etárias investigadas, cerca de 5% das crianças que trabalhavam (cerca de 100 mil) declararam ter ficado doentes em decorrência do trabalho realizado ao menos uma vez durante o ano.

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162 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 142-173 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

Tabela 7Porcentagem de crianças que ficaram doentes no último ano em

função do trabalho, dentre as que trabalham – Brasil, 2006

Faixa etária Porcentagem (%)

5 a 9 anos 4,9

5 a 14 anos 5,2

5 a 15 anos 5,0

10 a 13 anos 5,0

10 a 14 anos 5,3

10 a 15 anos 5,1

14 a 15 anos 5,1

Fonte: Estimativas produzidas com base na Pnad de 2006.

Nota: Foram consideradas crianças e adolescentes que estavam trabalhando na semana de referência da pesquisa.

Vale ressaltar, entretanto, que não existe evidência de que a mag-nitude desses efeitos possa ter declinado ao longo dos últimos anos, revelando uma redução das formas mais penosas do trabalho infantil. Há uma década e meia quase 20% das crianças não estudavam. Con-tudo, entre as que trabalhavam, a incidência de crianças fora da escola era 50% mais elevada (30%). Em 2009, conforme mostrado na Tabela 6, 3,4% das crianças encontravam-se fora da escola. No grupo das que trabalhavam essa porcentagem era também 50% mais elevada (5,2%).

Mas, por outro lado, existem também diversas evidências adicionais que revelam que o impacto negativo do trabalho infantil sobre a fre-quência à escola já é reduzido8. No universo de todas as crianças e adolescentes entre 5 e 14 anos que não frequentavam a escola, ape-nas 7% trabalhavam e, destas, 23% declararam não estudar porque trabalhavam ou estavam buscando trabalho (Tabela 8). Contudo, essas porcentagens sobem para 19% e 27% respectivamente quando se res-tringe a faixa etária a crianças entre 10 e 14 anos; 27% e 25%, respec-

8 Sedlacek, Duryea e Sasaki (2009) mostram evidências de que o trabalho infantil nos países da América Latina tem um impacto negativo e significativo, reduzindo a matrícula escolar e o nível educacional finalmente atingido.

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163SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 142-173 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

tivamente, quando a faixa etária é a de 10 a 15 anos e, por fim, no universo daquelas entre 14 e 15 anos, 33% não frequentavam a escola e, dentre estas, 28% declararam não estudar porque trabalhavam ou estavam buscando trabalho.

Tabela 8Indicadores do conflito entre trabalho e escola – Brasil, 2006

Faixa etária

Porcentagem que trabalha,

entre as crianças que não

frequentam a escola

Porcentagem da não

frequência que se deve ao trabalho,

entre as crianças que trabalham

e não frequentam

a escola

Porcentagem das que

trabalham, entre as

crianças que faltaram a

alguma aula nos últimos dois meses

Porcentagem em que a

falta ocorreu devido ao trabalho, entre as

crianças que trabalham e faltaram a escola

Porcentagem que faltou a alguma aula nos últimos dois meses

Entre as que

trabalham

Entre as que não

trabalham

5 a 9 anos 1 1 1 6 52 47

5 a 14 anos 7 23 5 8 48 44

5 a 15 anos 13 24 7 9 48 44

10 a 13 anos 16 14 8 7 46 42

10 a 14 anos 19 27 10 8 47 42

10 a 15 anos 27 25 12 9 47 42

14 a 15 anos 33 28 22 11 48 43

Fonte: Estimativas produzidas com base na Pnad de 2006.

Nota: Foram consideradas crianças e adolescentes que estavam trabalhando na semana de referência da pesquisa.

Entre as crianças que trabalhavam, a porcentagem das que deixaram de comparecer a alguma aula nos dois meses anteriores à data de re-ferência da Pnad é apenas ligeiramente mais elevada que a observada entre as que não trabalhavam – 48% e 44% para a faixa de 5 a 14 anos, e 47% e 42% para a faixa de 10 a 14 anos.

Por fim, no grupo das que faltaram a algum dia de aula, apenas 5% trabalhavam e, entre estas, 8% declararam ter faltado porque tiveram

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que trabalhar ou procurar trabalho. Quando a faixa etária considera-da é a de 10 a 14 anos, essa porcentagem dobra – 10% trabalhavam entre aquelas que faltaram a alguma aula nos dois meses da data de referência – e, destas, 8% declararam ter faltado porque tiveram que trabalhar ou procurar trabalho. A porcentagem das crianças que trabalhavam entre aquelas que faltaram alguma aula nos últimos dois meses aumenta consideravelmente quando a faixa etária é a de 14 a 15 anos.

6 POR QUE AS CRIANÇAS TRABALHAM?

Do ponto de vista da criança, o engajamento em alguma atividade econômica poderia ter algumas vantagens imediatas, como ser pou-pada dos afazeres domésticos e até mesmo ter garantida alguma ren-da para uso próprio. Entretanto, além de essas vantagens imediatas seguramente não compensarem os riscos que o trabalho impõe ao desenvolvimento de uma criança, a evidência disponível indica que elas sequer encontram-se presentes e, portanto, tampouco poderiam motivar o trabalho infantil.

A literatura que investiga os determinantes do trabalho infantil é vasta e extremamente rica. Porém, nesta seção, busca-se investigar apenas estes dois fatores que possivelmente poderiam motivar o en-gajamento de uma criança no mercado de trabalho: ser poupada dos afazeres domésticos e garantir alguma renda para uso próprio.

Um quarto das crianças entre 5 e 9 anos ajuda nos afazeres domés-ticos; entretanto, entre aquelas que trabalham, mais da metade realiza também essa tarefa (Tabela 9). Em outras palavras, as crianças que trabalham não são poupadas do trabalho doméstico; ao contrário, elas apresentam uma propensão mais de duas vezes maior de realizá-lo. Assim, para as crianças que trabalham, em grande medida, o trabalho se soma à ajuda nos afazeres domésticos, não ocorrendo qualquer substituição.

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165SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 142-173 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

Tabela 9Porcentagem de crianças e adolescentes entre 5 e 9 anos que realizam

algum tipo de trabalho ou afazer doméstico – Brasil, 2006

Indicadores Porcentagem (%)

Porcentagem de crianças e adolescentes que ajudam nos afazeres domésticos

25

Porcentagem de crianças e adolescentes que ajudam nos afazeres domésticos, entre as que trabalham

62

Fonte: Estimativas produzidas com base na Pnad de 2006.

Nota: Foram consideradas crianças e adolescentes que estavam trabalhando na semana de referência da pesquisa.

Barros et al. (2001) investigaram o trabalho doméstico infanto-juve-nil com base em duas pesquisas realizadas pelo IBGE: a Pnad de 1998 e a Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV) de 1996-97. Os autores argumentam que, além de estar sujeito às críticas usuais aplicáveis a todo tipo de trabalho infantil, o trabalho doméstico infantil gera tam-bém preocupações específicas devido a, pelo menos, duas peculiari-dades. Em primeiro lugar, há evidências de que esse tipo de trabalho, pelo fato de ocorrer em certa medida fora do sistema econômico, tem um impacto diferente sobre a socialização para o trabalho em relação àquele exercido em estabelecimentos empresariais. Nesse sentido, o emprego doméstico de crianças e adolescentes contribui menos para a experiência do futuro trabalhador do que outras formas de inserção no mercado de trabalho. A segunda peculiaridade está relacionada ao fato de esse tipo de trabalho, por ser realizado numa residência e, em geral, para um único cliente, permite que, sob certas circunstâncias, uma série de abusos possam ser cometidos, desde a baixa remune-ração e longas jornadas de trabalho sem direito a descanso semanal remunerado, até formas mais críticas de exploração, como atos de violência. De fato, o trabalho de crianças e adolescentes em empresas com diversos trabalhadores ou em atividades realizadas em ambientes públicos impedem, ou pelo menos dificultam, que muitos desses abu-sos sejam praticados.

A participação de crianças e adolescentes em atividades produtivas também não parece motivada pelo interesse em obter alguma renda.

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166 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 142-173 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

Conforme mostra a Tabela 10, no universo das crianças entre 5 e 14 anos que trabalham, cerca de 70% não têm qualquer renda monetá-ria9 e, entre aquelas que possuem algum rendimento, 40% entregam tudo ou uma parte do que recebem aos seus pais. Ao final, menos de 20% das crianças que trabalham têm renda e não entregam ao menos parte do que recebem aos seus pais. Essa porcentagem aumenta subs-tancialmente quando a faixa etária é restrita a 10 a 15 ou 14 a 15 anos (24% e 32%, respectivamente).

Tabela 10 Porcentagem de crianças e adolescentes entre 5 e 15 anos que recebem ou

não remuneração por faixa etária, entre as que trabalham – Brasil, 2006

Entre os que trabalham e possuem rendimento

Faixa etária Não recebem remuneração

Têm renda nula de todos os trabalhos

Toda a renda é entregue

aos pais pelo empregador

ou pela criança

A renda é entregue total ou

parcialmente aos pais pelo empregador

ou pela criança

Não entregam nenhuma parte da renda aos

pais

5 a 9 anos 90 100 28 43 5

5 a 14 anos 71 72 13 39 17

5 a 15 anos 63 65 10 37 22

10 a 13 anos 74 74 13 40 15

10 a 14 anos 68 69 12 39 19

10 a 15 anos 61 61 10 37 24

14 a 15 anos 49 50 9 36 32

Fonte: Estimativas produzidas com base na Pnad de 2006.

Nota: Foram consideradas crianças e adolescentes que estavam trabalhando na semana de referência da pesquisa.

9 Segundo a OIT (2010), a maior parte das crianças que trabalham continua a trabalhar na agricultura e apenas uma em cada cinco crianças trabalhadoras é paga pelo seu trabalho.

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Portanto, como o trabalho infantil nem traz renda para as crianças e nem reduz a sua participação nos afazeres domésticos, parece haver evidência de que a decisão de trabalhar parte muito mais da família que da criança10. Embora os efeitos deletérios do trabalho de crianças e adolescentes não dependam de quem é o responsável pela decisão, para um desenho adequado dos programas de combate ao trabalho infantil é fundamental identificar de quem partiu a decisão.

A Tabela 11 apresenta a porcentagem de crianças e adolescentes en-tre 5 e 15 anos que trabalham porque os pais querem, considerando--se todos que responderam a questão e também quando somente as crianças foram as informantes. Quando as crianças são as informantes, exceto as de 5 a 9 anos, no máximo um terço delas declara que a de-cisão de trabalhar foi dos pais. Quase 80% declaram trabalhar porque querem, sendo essa porcentagem ligeiramente maior para as faixas etá-rias de 10 a 15 e 14 a 15 anos.

Tabela 11Porcentagem de crianças e adolescentes entre 5 e 15 anos que trabalham

porque os pais querem por faixa etária, entre as que trabalham – Brasil, 2006

Faixa etáriaTodos os que responderam

Crianças como informantes

5 a 9 anos 65 48

5 a 14 anos 33 24

5 a 15 anos 29 21

10 a 13 anos 34 23

10 a 14 anos 32 23

10 a 15 anos 28 19

14 a 15 anos 23 17

Fonte: Estimativas produzidas com base na Pnad de 2006.

Nota: Foram consideradas crianças e adolescentes que estavam trabalhando na semana de referência da pesquisa.

10 Existe uma vasta literatura que busca entender as causas do trabalho infantil e as variáveis relacionadas aos pais, como, por exemplo, a escolaridade, que se destaca entre as principais causas. Ver, por exemplo, Ferro e Kassouf (2004) e Nielsen e Dubey (2001).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho relatou-se o progresso ocorrido no país entre 1992 e 2009 na redução do trabalho infantil, bem como os desafios que ainda precisam ser enfrentados para que sua erradicação seja alcança-da. Além disso, ressaltaram-se as consequências negativas do trabalho infantil sobre a escolaridade e a saúde.

De fato, o Brasil tem sido bem-sucedido nas políticas adotadas para a eliminação do trabalho infantil, que vem declinando de forma acen-tuada desde o início dos anos 1990. Em 1992, 14% das crianças entre 5 e 14 anos estavam trabalhando. Em 2009, esse percentual caiu para 5%. Mantida essa velocidade na redução do trabalho infantil, em 25 anos serão cerca de 340 mil crianças trabalhando no Brasil, frente ao 1,7 milhão de hoje. Em nível mundial, também observa-se acentua-da redução do trabalho infantil, embora a um ritmo inferior ao do passado. Mas ainda existem hoje aproximadamente 215 milhões de crianças engajadas em atividades econômicas (OIT, 2010).

O ritmo da queda do trabalho infantil no Brasil é superior ao ritmo mundial em duas vezes. Se fosse seguido o padrão de países com a mesma renda per capita, o trabalho infantil no Brasil atingiria 7% das crianças entre 5 e 14 anos e não os 5% atuais. Isso significa que o Brasil está sendo mais eficiente que países com a mesma renda per capita no combate ao trabalho infantil.

Apesar de a melhoria das condições socioeconômicas das famílias ter contribuído para o progresso verificado, constata-se que o Progra-ma de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e as condições impostas pelos programas de transferência de renda, como, por exemplo, o Bolsa Família, que exige a frequência à escola, foram mais eficazes para tirar as crianças do mercado de trabalho. A redução da pobreza respondeu por apenas 20% da queda do trabalho infantil em 15 anos.

Mas, não obstante todo o progresso alcançado, o contingente de crianças que trabalham ainda é elevado (1,5 milhão), com incidência bem maior nos grupos socioeconômicos mais vulneráveis. Nesses gru-pos, a ocorrência do trabalho infantil é de 20%, cerca de quatro vezes a média nacional; as chances de a criança trabalhar são maiores; 71% das crianças são negras, contra 58% na população total; 69% vivem em áreas rurais, contra 18% na população total; 68% vivem na região

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Nordeste, contra 33% na população total. Além disso, nesses grupos de alta incidência do trabalho infantil, a renda per capita é apenas 44% da média para todas as famílias com crianças. Entretanto, vale ressaltar que há evidências claras de um progresso mais acentuado para os grupos mais vulneráveis e, portanto, de redução das desigual-dades entre grupos socioeconômicos.

Conforme ressaltado, há expressivo contingente de crianças ocupa-das em atividades laborais, e há maior incidência nos grupos socioeco-nômicos mais vulneráveis. Acrescente-se a isso o fato de que os efeitos perversos sobre o desenvolvimento futuro dessas crianças, em particu-lar no que concerne à educação e à saúde, permanecem significativos.

Por fim, do ponto de vista da criança, seu engajamento no mercado de trabalho poderia até trazer alguma vantagem imediata, como, por exemplo, ser poupada dos afazeres domésticos ou garantir renda para si. Entretanto, a evidência disponível indica que essas vantagens não parecem existir e, portanto, não poderiam motivar o trabalho infantil. Ademais, mesmo que tais vantagens imediatas existissem, não com-pensariam os riscos que o trabalho impõe ao desenvolvimento de uma criança.

Em suma, o desafio permanece. O sucesso relativo do Brasil no combate ao trabalho infantil demonstra que é possível libertar todas as crianças da necessidade de trabalhar e assegurar o acesso a um ensino de qualidade.

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NÚMEROS ANTERIORESEDIÇÃO 12

HOMICÍDIO JUVENIL E SEUS DETERMINANTES SOCIOECONÔMICOS Uma interpretação econométrica para o Brasil Lisa Biron

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA E O CONCEITO DE SOCIEDADE CIVIL EM GRAMSCI Estratégias para o enfrentamento da crise socioambiental Maria Jaqueline Girão Soares de Lima UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO RECENTE DA TAXA DE DESEMPREGO SEGUNDO DIFERENTES CLASSIFICAÇÕES Marina Ferreira Fortes Águas

ÁREAS PROTEGIDAS E INCLUSÃO SOCIAL Uma equação possível em políticas públicas de proteção da natureza no Brasil Marta de Azevedo Irving

DESENVOLVIMENTO INFANTIL Uma análise de eficiência Vívian Vicente de Almeida

EDIÇÃO 13

BIBLIOTECA E CIDADANIA Ana Ligia Silva Medeiros

ESCOLA E SAMBA: SILÊNCIO DA BATUCADA? Augusto César Gonçalves e Lima

O BRASIL, A POBREZA E O SÉCULO XXI Celia Lessa Kerstenetzky

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175SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.5 nº17 | p. 1-180 | SETEMBRO > DEZEMBRO 2011

O MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO BRASILEIRO EM 2009 Lauro Ramos

LINGUAGEM, PENSAMENTO E MUNDO Ludovic Soutif

EDIÇÃO 14

EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO LICENCIAMENTO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DE SUAS CONTRADIÇÕES E POTENCIALIDADES Carlos Frederico B. Loureiro

A RESPONSABILIDADE SOCIAL E AS ENTIDADES CORPORATIVAS Eduardo R. Gomes, Leticia Veloso e Bárbara de S. Valle A MODERNIZAÇÃO DE SÃO PAULO EM DOIS TEXTOS DE JOÃO ANTÔNIO (1937 – 1996) Ieda Magri

DISCURSOS SOBRE O HAITI: O QUE ‘O GLOBO’ E SEUS LEITORES TIVERAM A DIZER SOBRE O TERREMOTO DE 2010 Larissa Morais

OBSERVAÇÕES SOBRE A CHAMADA ‘MORTE DO AUTOR’ Paulo Cesar Duque-Estrada

EDIÇÃO 15

A DESORDEM DO MUNDO André Bueno ESCUTA, ARTE E SOCIEDADE A PARTIR DO MÚSICO ENFURECIDO Daniel Belquer

EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: O RETORNO PRIVADO E AS RESTRIÇÕES AO INGRESSO Márcia Marques de Carvalho

APRENDIZAGEM POR PROBLEMATIZAÇÃO Pedro Demo

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A CIDADANIA ATRAVÉS DO ESPELHO: DO ESTADO DO BEM-ESTAR ÀS POLÍTICAS DE EXCEÇÃO Sylvia Moretzsohn

EDIÇÃO 16

REPERCUSSÕES DO ICMS ECOLÓGICO NA GESTÃO AMBIENTAL EM MATO GROSSO, BRASIL

Cristina Cuiabália Rodrigues Pimentel Sueli Ângelo Furlan A HORA DE IR PARA A ESCOLA Daniel Santos

CRIATIVIDADE Marsyl Bulkool Mettrau

ENTRE O DRAMA E A TRAGÉDIA: PENSANDO OS PROJETOS SOCIAS DE DANÇA DO RIO DE JANEIRO

Monique Assis Nilda Teves

GINÁSTICA ESCOLAR COMO DISPOSITIVO BIOPOLÍTICO-PEDAGÓGICO: UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO, SAÚDE E MORALIDADE EM FERNANDO DE AZEVEDO

Murilo Mariano Vilaça

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

1 - A revista Sinais Sociais é editada pelo Departamento Nacional do Serviço Social do Comércio – SESC e tem por objetivo contribuir para a difusão da produção acadêmica, proporcionando diálogo amplo so-bre a agenda pública brasileira. A publicação oferece a pesquisadores, universidades, instituições de ensino e pesquisa e organizações sociais um canal plural para a disseminação do conhecimento e o debate sobre grandes questões da realidade social. Tem periodicidade qua-drimestral e distribuição de 5.000 exemplares entre universidades, institutos de pesquisa, órgãos governamentais de interesse, principais bibliotecas no Brasil e em todas as bibliotecas do SESC e SENAC.

2 - A publicação dos artigos e ensaios está condicionada à emissão de parecer de especialistas e dos membros do conselho editorial, garanti-do o anonimato dos pareceristas no processo de avaliação. Eventuais sugestões de modificação na estrutura ou conteúdo, por parte da Edi-toria são previamente acordadas com os autores. São vedados acrésci-mos ou modificações após a entrega dos trabalhos para composição.

3 - Os textos devem ser encaminhados para publicação ao e-mail [email protected], ou em CD (ao endereço a seguir), digitado em editor de texto Word for Windows, margens 2,5cm, fonte Times New Roman, tamanho 12, espaçamento entre linhas 1,5. As páginas devem ser numeradas no canto direito superior da folha.

Departamento Nacional do SESCDivisão de Planejamento e Desenvolvimento / Gerência de Estudos e PesquisasAv. Ayrton Senna 5555, CEP 27775-004, Rio de Janeiro/RJ

4 - O trabalho deve ser apresentado por carta ou e-mail do(s) autor(es), responsabilizando-se pelo seu conteúdo e ineditismo. A carta deve re-lacionar qual ou quais áreas editoriais estão relacionadas ao trabalho, para que possa ser encaminhado para análise editorial específica.

A mensagem deve incluir ainda endereço, telefone e, em caso de mais de um autor, informar o responsável pelos contatos.

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5 - O corpo do texto deverá ter no mínimo 35.000 e no máximo 60.000 caracteres (sem contar o resumo e as referências bibliográficas). O resumo em português e inglês (Abstract) que acompanham o texto deve ter entre 10 a 15 linhas, fonte Times New Roman, tamanho 10.

6 - O texto deverá conter: a) título do trabalho em português (no máximo uma linha);b) título abreviado;c) nome do(s) autor(es);d) resumo em português e em inglês;e) palavras-chave – máximo seis;f) referências bibliográficas apresentadas conforme as normas da

ABNT, NBR 6023/2002 e NBR 14724/2002;g) citações no artigo conforme NBR 10520/2001.

7 - Anexos, tabelas, gráficos, fotos, desenhos com suas respectivas le-gendas, etc., devem indicar as unidades em que se expressam seus valores, assim como suas fontes. Gráficos e tabelas devem vir acom-panhados das planilhas de origem. Todos estes elementos devem ser apresentados no interior do texto, no local adequado ou em anexos separados do texto com indicação dos locais nos quais devem ser in-seridas. Sempre que possível, deverão ser confeccionados para sua reprodução direta. As imagens devem ser enviadas em alta definição (300 dpi, formato TIF).

8 - Um Currículo (incluindo dados pessoais: nome completo, endere-ço, telefone para contato e documentação própria) e um Mini Currí-culo deverá ser entregue juntamente com o artigo. O Mini Currículo deverá conter os principais dados sobre o autor: titulação acadêmica, cargo ocupado, áreas de interesse, últimas publicações, e-mail (se as-sim o desejar), etc. As siglas de instituições ou projetos devem vir por extenso. Ex.: Pontifícia Universidade Católica (PUC). O Mini currículo deverá ter entre 5 a 10 linhas, fonte Times New Roman, tamanho 10.

9 - As Referências Bibliográficas devem ser dispostas no final do artigo, em ordem alfabética e cronológica, de acordo com o sobrenome do(s) autor(es) que, em caso de repetição, deve(m) ser sempre citado(s).

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Esta revista foi composta nas tipologias Zapf Humanist 601 BT, em corpo 10/9/8,5, e ITC Officina Sans, em corpo 26/16/9/8, e impressa

em papel off-set 90g/m2, na 52 Gráfica e Editora Ltda.

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