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SERGIO SCHLESINGER

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FASE (Federação de Órgãos paraAssistência Social e Educacional)Rua das Palmeiras, 90 – BotafogoCEP 22270-070 – Rio de Janeiro – RJTel.: (21) 2536-7350Fax: (21) 2536-7379www.fase.org.br

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SERGIO SCHLESINGER

1ª EDIÇÃO1ª EDIÇÃO1ª EDIÇÃO1ª EDIÇÃO1ª EDIÇÃORIO DE JANEIRO, BRASIL, 2008

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Lenha nova para a velha fornalhaA febre dos agrocombustíveis

TEXTOSergio Schlesinger

PUBLICAÇÃOFASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional

APOIOFDCLTNI – Transnational InstituteFundação Heinrich Böll

PROJETO GRÁFICOMais Programação Visualwww.maisprogramacao.com.br

FOTOLITO E IMPRESSÃOWalPrint Gráfica e Editora

TIRAGEM1.500 exemplares

Esta publicação foi realizada com o apoio financeiro da ComunidadeEuropéia. As opiniões aqui expressas são do autor e não representama opinião oficial da Comunidade Européia.

A publicação foi elaborada no marco do projeto de cooperação“Handel-Entwicklung-Menschenrechte” da Fundação Heinrich Böll (fhb),do Forshungs und Dokumentationszentrum Chile Lateinamerika (FDCL)e do Transnational Institute (TNI).

Mais informações em: http://www.handel-entwicklung-menschenrechte.org

Lenha nova para velha fornalha: a febre dos agrocumbustíveis /Sergio Schlesinger – Rio de Janeiro : FASE, 2008. 108p.

ISBN 978-85-86471-37-7

1. Agrocumbustível – Brasil 2. Bioenergia – Brasil 3.Agrocombustível – agricultura familiar 4. Agronegócio5. Biodiesel 6. Etanol 7. Soja 8.Cana de açúcar 9. Celulose10. Monocultivo 11.Impactos ambientais 12. Impactos SociaisI. Sergio Schlesinger

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 5

CANA-DE-AÇÚCAR 9

SOJA E BIODIESEL 37

PAPEL, CELULOSE E CARVÃO VEGETAL 61

SÍNTESE E CONCLUSÕES 89

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INTRODUÇÃO

O esgotamento das reservas mundiais de petróleo, tantas vezes anunciado, pareceestar de fato próximo, desta vez. O ritmo do aumento do consumo é hoje muitosuperior ao da descoberta de novas reservas. E este consumo ganhou forte impulsocom o rápido crescimento econômico dos países mais populosos do mundo, a Chinae a Índia. O mundo queima hoje dez vezes mais petróleo do que há cinqüenta anos.

A escalada dos preços do petróleo decorrente deste panorama parece serirreversível. Ao mesmo tempo, o mundo se dá conta, finalmente, de que o aqueci-mento global já é uma realidade, e que a queima de combustíveis fósseis contribuidecisivamente para isto.

O conjunto destes fatores vem estimulando, a partir da entrada do século 21,a pesquisa e a produção de combustíveis alternativos aos derivados do petróleo,baseados em diversos produtos agrícolas em sua maioria utilizados tradicionalmentecomo alimentos. Buscando combater o vício do consumo do petróleo, o modeloeconômico vigente busca, assim, preservar seu vício supremo: o do crescimento eco-nômico sem limites, à custa dos recursos naturais disponíveis.

O uso de combustíveis produzidos a partir de vegetais não é, em si, uma novi-dade. Nos Estados Unidos, o modelo T, primeiro automóvel produzido pela Ford,podia utilizar, já em 1866, etanol à base do milho. O francês Rudolf Diesel demons-trou, em 1900, numa exposição em Paris, que o óleo de amendoim podia ser utilizado,alternativamente, para fazer funcionar os motores diesel. O Brasil já produz, desde1978, automóveis movidos exclusivamente a álcool. Em 1986, no auge do Proálcool,76% da frota de automóveis era equipada com motores a álcool produzido a partirda cana-de-açúcar.

As mais recentes elevações dos preços do petróleo – e a impressão de que elasvieram para ficar – estimularam programas de produção de agrocombustíveis em

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todo o mundo. Os volumes globais de combustíveis necessários ao atendimentodestes programas fazem prever transformações radicais na agricultura mundial.

A utilização do milho, da cana, da soja, do trigo, da palma e de muitos outrosvegetais como combustíveis está provocando a elevação dos preços de diversosalimentos. É discutível a longevidade do aumento de preços de produtos agrícolas,já que a queda de seus preços relativos (frente aos produtos industrializados) éuma tendência histórica. Mas é indiscutível o efeito perverso destes aumentos nestemomento: mais de dois bilhões e meio de pessoas no mundo vivem com rendainferior a dois dólares por dia.

Dentre os programas de substituição de combustíveis fósseis por biomassadestaca-se, por suas dimensões, o dos Estados Unidos, de substituição de parte dagasolina pelo etanol produzido a partir do milho. Com mais de um quarto da frotaautomobilística mundial, os EUA planejam substituir 20% da gasolina automobilís-tica consumida no país pelo etanol, até 2017. Em direção a esta meta, a produçãonorte-americana de etanol deverá aumentar 110%, somente entre meados de 2007e o final de 2009. Estima-se que o país já destina, em 2008, dez por cento de todoo milho produzido no mundo para sua produção de etanol.

Dado que o território norte-americano já não conta com áreas de expansãoagrícola em quantidade expressiva, o aumento da produção do milho naquele paísvem se dando à custa da redução da área plantada com outras culturas, como a dasoja e a do algodão. Com isto, o programa já vem afetando os preços não só dasoja, do milho e do algodão, mas também os de outros produtos. Como milho esoja são os principais componentes da ração animal, os preços das carnes, assimcomo o do leite e seus derivados, vêm também apresentando altas sucessivas.

O crescimento da economia chinesa, da mesma forma, vem incrementando aprocura por estes componentes da ração animal, à medida que influencia os hábitosde consumo alimentar tradicionais. Com sérios problemas ambientais, a China trocouhá alguns anos a condição de exportadora pela de importadora de soja. O país expor-tou em 2007, menos da metade do volume de milho exportado em 2001. Em poucosanos, deverá passar também à condição de importador do produto.

Além disso, não só a China, mas vários outros países vêm desenvolvendo pro-gramas que visam substituir os combustíveis à base do petróleo por outros, à basede vegetais, mesmo que seu próprio território não ofereça as condições necessáriaspara a produção doméstica. À semelhança do que se passa com o etanol, a adoçãodo biodiesel vem provocando a elevação dos preços internacionais de diversas olea-ginosas, como o óleo de soja, o dendê, o girassol e outras.

Os grandes mercados consumidores de hoje vêem o Brasil como o país quereúne o maior potencial para “alimentar o mundo”, da ração animal ao alimentohumano, passando agora também pelos agrocombustíveis. Os países da Europa, aChina, o Japão, já tendo consumido grande parte de suas reservas naturais, encaram

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INTRODUÇÃO

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o Brasil como o grande celeiro, onde estes recursos essenciais podem ser obtidos abaixo custo, em troca de produtos industriais de alto valor, ganhos no setor finan-ceiro, sobre a propriedade intelectual e outros.

A possibilidade de que a expansão destes cultivos venha causar problemassociais e ambientais vem sendo objeto de preocupação. O debate dos efeitos sobrea disponibilidade de alimentos e a elevação de seus preços já ocupa lugar de desta-que nos meios de comunicação. Sobre a questão ambiental, em particular, os paísespotencialmente importadores do Brasil já buscam certificar-se de que não estarãocomprando uma produção que se faça à custa da destruição de florestas. A preocu-pação, como sempre, é focalizada apenas na Floresta Amazônica.

A ameaça de destruição de vegetação nativa, no entanto, não se limita àAmazônia, nem ao Brasil. Na Malásia, por exemplo, a maior parte da florestaoriginal já foi destruída nos anos recentes, em grande parte devido ao crescimentoda demanda mundial pelo óleo de dendê, e já estão em andamento, naquele país,projetos de expansão da produção e exportação do biodiesel.

Conseqüências para o BrasilO governo brasileiro enxerga nesta onda uma grande oportunidade de aumentarexpressivamente as exportações do país, a começar pelo etanol. Enquanto busca,internamente, concentrar o controle da distribuição e das exportações nas mãos daPetrobras, inscreve a venda do etanol como item prioritário na agenda de viagensinternacionais do Presidente da República.

A produção do biodiesel, ao contrário, deverá estar por muitos anos voltadaprioritariamente para o mercado doméstico. O governo brasileiro tem por objetivosubstituir por óleos vegetais, a partir de 2008, parte do óleo diesel consumido noBrasil. Embora o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel busque privile-giar a produção da agricultura familiar, a participação da soja cultivada em grandespropriedades na produção do biodiesel vem predominando amplamente.

Os combustíveis automotivos derivados do petróleo não são, no entanto,os únicos a serem substituídos por fontes renováveis. No caso da siderurgia, ocarvão vegetal – proveniente de florestas nativas ou artificiais – também vemsendo utilizado amplamente como fonte de energia. Os planos de expansão dasusinas siderúrgicas no Brasil prevêem elevados investimentos, com expressivoacréscimo no volume de aço produzido. O carvão vegetal, que é igualmente uti-lizado em outros setores produtivos, é também, importante item da pauta deexportações brasileiras.

O território brasileiro é hoje ocupado por diversos monocultivos. Três deles,que figuram dentre os que ocupam as maiores superfícies, estão relacionados àprodução de agrocombustíveis e são aqui analisados: a soja, a cana-de-açúcar eas florestas artificiais, onde se destaca o plantio de eucaliptos. Somados, eles

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ocupam hoje no Brasil uma área equivalente à da Itália e da Holanda, juntas (cercade 33 milhões de hectares).

Por si só, a observação dos movimentos de expansão destas culturas nãopermite revelar todos os impactos daí resultantes. A produção agropecuária brasileira,em seu conjunto, cresce em ritmo acelerado. Somente entre 2002 e 2007, as vendasexternas do agronegócio brasileiro cresceram 135,5% (de US$ 24,8 bilhões paraUS$ 58,4 bilhões), segundo o Ministério da Agricultura. E a escalada de crescimentocontinua. Entre janeiro e maio de 2008, as exportações do agronegócio totalizaramUS$ 27,2 bilhões, 25,3% acima do valor exportado no mesmo período de 2007.1

A expansão da cana-de-açúcar nos últimos anos vem se dando em áreaspróximas aos grandes centros consumidores, onde, por um lado, a terra é relati-vamente mais cara, mas, por outro, a elevada margem de lucro é compensadora.No estado de São Paulo, observa-se forte redução nas áreas plantadas com milho esoja e naquelas dedicadas à pecuária bovina. No entanto, no mesmo período, aprodução brasileira de milho, soja e carne bovina, como um todo, apresentamtambém forte crescimento.

Pretendemos, com este estudo, produzir uma análise do efeito conjugado docrescimento destas culturas sobre o território nacional, dedicando especial atençãoaos deslocamentos provocados pela expansão destas culturas e aos efeitos desteprocesso sobre os agricultores familiares e o meio ambiente.

1 Exportação de agrícolas até maio cresceu 25,3%, divulga Mapa. Agência Estado, 09/06/08.

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1CANA-DE-AÇÚCAR

Tradicionalmente utilizada no mundo para a produção de açúcar, a cana-de-açúcarapresenta, historicamente, taxas de expansão mundial de produção e consumo pró-ximas à do crescimento da população mundial. O Brasil, desde a década de 1970, estáutilizando o etanol da cana-de-açúcar como combustível automotivo. Recentemente,o País voltou a ser um grande consumidor de álcool combustível, devido à adoçãoda tecnologia flex-fuel nos motores dos automóveis, que permite a mistura de gaso-lina e álcool em qualquer proporção.

O etanol obtido a partir da cana-de-açúcar é considerado atualmente o maispromissor dos substitutos da gasolina automotiva. Essa é a principal razão daselevadas taxas de expansão da produção brasileira de cana, cujas características eperspectivas analisamos aqui.

GRÁFICO 1GRÁFICO 1GRÁFICO 1GRÁFICO 1GRÁFICO 1

Evolução do preço médio do barril do petróleo2002 a 2008 – US$ nominais

Fonte: AIEA

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À semelhança do que vem ocorrendo com outros alimentos, o consumo mundialde açúcar vem se ampliando de forma mais acelerada nos últimos anos, em funçãodas elevadas taxas de crescimento econômico apresentadas por países asiáticos,particularmente China e Índia. A comercialização do açúcar proveniente da canaplantada no Brasil beneficiou-se também de decisão tomada pela Organização Mundialdo Comércio (OMC), no sentido do corte dos subsídios ao açúcar, a partir de açãopromovida pelo Brasil, Austrália e Tailândia contra a União Européia (UE).

Com a derrota na OMC, a UE será obrigada, até 2009, a reduzir fortemente opreço garantido através de subsídios aos agricultores europeus que produzem açúcara partir da beterraba. Com isto, o Brasil pretende elevar consideravelmente suas exporta-ções para a Europa e outras regiões tradicionalmente supridas pela produção européia.

No Brasil, que já é o maior exportador mundial dos derivados da cana, estesfatos têm resultado em aumento expressivo na expansão do plantio e beneficiamento.Tradicionalmente em mãos do empresariado brasileiro, estas atividades contam agoratambém com forte impulso do ingresso do capital estrangeiro.

A expansão acelerada destas atividades vem despertando, por outro lado,preocupações no Brasil e no mundo, por diversas razões. A primeira delas é o impactoque o crescimento do plantio de agrocombustíveis pode, seguramente, estar cau-sando sobre os preços dos alimentos. As possíveis conseqüências sobre a agriculturafamiliar e o meio ambiente, decorrentes da expansão territorial do cultivo, assim comoas condições de trabalho degradantes dos cortadores de cana, são também questõesque vêm mobilizando a opinião pública nacional, com reflexos no plano internacional,à medida que o álcool da cana começa a se tornar importante artigo de exportação.O governo brasileiro vem afirmando repetidamente que a expansão dos canaviaisnão afetará a Amazônia ou o Pantanal, e que a produção de alimentos também nãoserá prejudicada. Ao mesmo tempo, diversas obras de infra-estrutura, como os alcool-dutos, já contam com projetos em andamento.

É preciso, no entanto, levar em conta outros impactos indiretos decorrentesdesta nova onda da cana-de-açúcar. Nos anos recentes, em todo o País, a valorizaçãoda terra vem produzindo importantes efeitos sobre as atividades rurais. Outros cultivos,assim como a criação de gado, parecem deslocar-se justamente para aquelas regiõesque o governo afirma que não serão ocupadas pela cana-de-açúcar. Buscamos apre-sentar neste capítulo os principais efeitos sociais e ambientais do atual ciclo de expan-são da cana-de-açúcar no Brasil.

ProduçãoO Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar – cerca de 30% do totalcolhido em todo o mundo – e seus derivados, seguido por Índia, China, Tailândia eMéxico (Gráfico 2). Segundo estimativas da FAO divulgadas em maio de 2008, aprodução mundial de açúcar na safra 2007/2008 deverá atingir 168 milhões de

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toneladas, com crescimento de cerca de 1,1%, ante a produção de 166,1 milhõesde toneladas verificada em 2006/2007. O consumo global foi estimado em 158,2milhões de toneladas em 2008. (FAO, 2008)

Três quartos da produção mundial de açúcar se dão a partir da cana-de-açúcar,em zonas tropicais localizadas no hemisfério Sul. Os cinco principais países pro-dutores de açúcar, que também são os maiores consumidores do produto, foramresponsáveis por cerca de 59% da produção mundial na safra 2006/2007. Nesta,o Brasil produziu 29,7 milhões de toneladas de açúcar. Em segundo lugar vem aÍndia, com produção de 25 milhões, seguida da China, com 10 milhões, comoilustra o Gráfico 2. (Guarani, 2007)

GRÁFICO 2GRÁFICO 2GRÁFICO 2GRÁFICO 2GRÁFICO 2

Principais produtores de açúcarCana-de-açúcar (safra 2006/2007)

Fonte: F. O. Licht

Estes números sobre a produção em 2007 significaram um excesso de ofertano mercado internacional, resultante da recomposição da safra nos países tradicio-nalmente grandes produtores, como Índia e Austrália. Após duas safras prejudi-cadas por problemas climáticos, estes países recuperaram, no ano de 2007, índicesde produção e produtividade observados historicamente.

A produção mundial de etanol tem crescido, nos últimos anos, mais rapida-mente do que a de açúcar. Desde 2000, cresce à taxa média de 10,5% ao ano, o queresultou em uma produção de cerca de 53 bilhões de litros em 2007. No mesmoperíodo, a produção de açúcar cresceu apenas 3% ao ano.

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Os preços internacionais do açúcar, relativamente altos em relação aos vigen-tes no período anterior, também incentivaram estes países à retomada de seus níveistradicionais de produção. Como resultado do forte aumento da oferta, os preçosinternacionais do açúcar tiveram redução de 42,1% em 2007.1 Em abril de 2008,acompanhando a alta generalizada dos preços dos alimentos em todo o mundo, opreço do açúcar no mercado mundial já havia subido 29%, em relação ao mesmomês de 2007. (FAO, 2008)

GRÁFICO 3GRÁFICO 3GRÁFICO 3GRÁFICO 3GRÁFICO 3

Preços internacionais do açúcar2005 a abr/2008

Fonte: FAO (2008)

Com relação ao álcool, diferentemente do que o mercado esperava, os preçosnos Estados Unidos não decolaram junto com os da gasolina. Ao contrário, recuaram.O que parecia ser uma grande oportunidade de exportação para as usinas brasi-leiras não aconteceu. Em maio de 2008, o preço internacional estava abaixo doscustos de produção. A explicação, certamente, se encontra no aumento da produ-ção de cana-de-açúcar nos maiores produtores, simultaneamente à do etanol domilho norte-americano.2

A produção brasileiraO setor de açúcar e álcool movimenta R$ 40 bilhões por ano no Brasil e gera ummilhão de empregos diretos, de acordo com o Ministério da Agricultura. O setor éresponsável por 2,35% do PIB total do País e por 26,5% do PIB da agricultura noBrasil. Segundo o DIEESE, é também um dos setores que mais empregam no País,com mais de 3,6 milhões de empregos diretos e indiretos (DIEESE, 2007).

1 Guarani. Comportamento do Mercado de Açúcar e Etanol no 1T08. 16/04/08.

2 Álcool não acompanha alta do petróleo e prejudica exportação. Gazeta Mercantil, 3/6/2008.

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Na safra brasileira de 2006/2007, encerrada em novembro de 2007, foramcolhidas 501,5 milhões de toneladas (CONAB, 2008). A estimativa para a safra de2007/2008 é de 558 a 580 milhões de toneladas, representando aumento de 11,3%a 15,6%. Deste total, cerca de 90% deverão ser produzidos na região Centro-Sul(regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste)e os 10% restantes nas regiões Norte e Nordeste.

A área ocupada com a cultura da cana para a safra 2007/2008 é de 7 milhõesde hectares, 23% superior à da safra anterior. A estimativa é da Conab (CompanhiaNacional de Abastecimento), em seu primeiro levantamento anual sobre a cana-de-açúcar, realizado em novembro de 2007 (CONAB, 2007). O Ministério da Agriculturaestima que a área plantada alcance 13 milhões de hectares em 2015.

GRÁFICO 4GRÁFICO 4GRÁFICO 4GRÁFICO 4GRÁFICO 4

Produção brasileira de cana-de-açúcar, açúcar e álcool

Fontes: Unica e Conab (2008).(*) Projeções da Conab.

Distribuição territorial da produçãoA produção canavieira está presente em 22 estados. A região Sudeste é aquela queconcentra a maior parte da produção nacional (58%). O estado de São Paulo, quedeverá colher cerca de 319 milhões de toneladas na safra 2007/2008, é o maiorprodutor brasileiro, respondendo por 58,5% do total da produção. O segundo maioré o Paraná, com produção prevista de 46,2 milhões de toneladas, seguido de MinasGerais (41 milhões de toneladas).

A pesquisa da Conab detectou também que os estados que mais incorporaramáreas ao cultivo de cana-de-açúcar foram: Bahia (52%), Ceará (40%), Mato Grossodo Sul (26,8%), Paraná (26,6%) e Minas Gerais (21%). Puxada pelo estado do Paraná,a região Sul é aquela que deverá apresentar maior índice de crescimento da produ-ção, com 34%, seguida da região Centro-Oeste (22,1%).

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As informações do levantamento da Conab demonstram que a produçãode álcool é a maior motivadora desta expansão. O volume previsto é o maior dahistória do país: 26 a 27 bilhões de litros, um aumento de 15 a 20% em relação aoano anterior. Já o açúcar deverá ter sua produção elevada em 8 a 12%, alcançandocerca de 34 milhões de toneladas. Do total da cana-de-açúcar processada nesteperíodo, a Conab estima que cerca de 53% serão destinados à produção de álcoole 43% à de açúcar.

TABELA 1TABELA 1TABELA 1TABELA 1TABELA 1

Brasil – principais estados produtores de cana-de-açúcarSafras 2006/2007 e 2007/2008Estado ÁREA (milhões ha) PRODUÇÃO (milhões t)

Safra 06/07 Safra07/08 Var. % Safra 06/07 Safra07/08 Var. %SP 3.288,2 3.679,5 11,90 284,8 319,0 12,00PR 436,0 552,0 26,60 34,1 46,2 35,30MG 420,0 580,2 21,00 33,5 40,9 21,80AL 402,7 412,0 2,30 25,1 27,1 7,90GO 234,9 281,8 20,00 18,7 23,1 23,60PE 369,6 371,5 0,50 18,9 21,1 11,80MT 209,7 225,5 7,50 14,0 15,6 11,30MS 160,0 202,8 26,80 12,7 16,7 32,00Demais 642,1 658,3 2,5 32,7 40,2 2,3Total 6.163,2 6.963,6 13,00 474,8 549.9 15,80

Fonte: CONAB (2007).Obs. Dados extraídos do 3º Levantamento sobre a cana, em novembro de 2007. No ano de 2008, embora tenhanoticiado que o total da área prevista é de 7,6 milhões de hectares, a Conab não informou dados por estado,em seu primeiro levantamento, de abril de 2008.

Mercado InternoAlém de maior produtor, o Brasil é também um dos maiores consumidores mun-diais de açúcar, tendo consumido em 2007 11,4 milhões de toneladas. Segundo aGuarani (2007), o consumo no Brasil cresce principalmente em virtude do aumento daprodução de alimentos industrializados com alto teor de açúcar. Os fabricantes dealimentos, sobretudo os de refrigerantes, chocolates e sorvetes, são responsáveispor aproximadamente 55% do consumo doméstico de açúcar.

Quanto ao álcool, foram consumidos em 2007, no Brasil, cerca de 9,2 bilhõesde litros, aumentando o consumo em cerca de 50% em relação ao ano de 2006.3

A legislação brasileira estabelece que o percentual de sua mistura à gasolina deve

3 Agência Brasil. Consumo de álcool combustível aumentou 49,39% em 2007. 22/02/2008.

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variar entre 20% e 25%. O governo utiliza-se desta margem de variação para esta-bilizar os preços do açúcar e do álcool no mercado doméstico. Mais recentemente,em 2003, a introdução de veículos com motores flexíveis aumentou consideravel-mente o consumo doméstico de etanol.

O etanol é usado como aditivo de combustível automotivo no Brasil desdeos anos 1930. Durante a primeira crise internacional do petróleo, em meados dadécada de 1970, o governo promoveu a produção de veículos que usavam etanolhidratado como combustível, implantando o Proálcool. Como resultado, o númerode veículos a etanol produzidos cresceu significativamente e teve seu pico em 1988,quando representava 90% das vendas internas de veículos. A demanda por veículosmovidos a etanol, entretanto, caiu bastante posteriormente, devido à significativaredução dos preços do petróleo e à redução e subseqüente eliminação dos subsídiosdo governo aos produtores de etanol.

Segundo a ANFAVEA, as vendas de veículos flexíveis cresceram de 48 mil, em2003, para mais de 2 milhões de unidades durante o ano de 2007, representandomais de 86% de todas as vendas de veículos leves naquele ano.4 Em abril de 2008,a Agência Nacional do Petróleo (ANP) informou que, pela primeira vez em mais de20 anos, o consumo de álcool combustível foi superior ao da gasolina no Brasil,fechando o primeiro bimestre de 2008 com crescimento de 56%, em relação a igualperíodo de 2007, enquanto o consumo de gasolina cresceu apenas 2,9%.5

Além disso, a maior parte da frota automotiva brasileira atual é ainda com-posta de veículos movidos exclusivamente a gasolina, sugerindo um espaço signi-ficativo para o aumento na proporção de veículos flexíveis no processo de reno-vação da frota. Espera-se, portanto, que o aumento na produção de veículosflexíveis impulsionará ainda mais, nos próximos anos, a demanda por etanolhidratado no Brasil.

A cana de açúcar na matriz energética brasileiraA cana-de-açúcar, que nos últimos anos já se destacava pelo seu crescimentoexpressivo na matriz energética brasileira, alcançou em 2007 um patamar inédito.Segundo os dados preliminares do Balanço Energético Nacional, divulgados em abrilde 2008 pela EPE, a participação dos produtos derivados da cana (entre os quaiso etanol e o bagaço) na composição das fontes primárias de energia utilizadas nopaís chegou a 16%, ocupando a segunda posição entre os energéticos mais deman-dados – atrás apenas do petróleo e derivados, com 36,7%, e superando a energiahidráulica, com 14,7%. (EPE, 2008)

4 Vanessa Stelzer. Montadoras vendem 2 milhões de veículos flex em 2007. Reuters, 07/01/08.

5 Nielmar de Oliveira. Consumo de álcool supera o de gasolina pela primeira vez em 20 anos.Agência Brasil, 10/04/08.

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GRÁFICO 5GRÁFICO 5GRÁFICO 5GRÁFICO 5GRÁFICO 5

Matriz energética do Brasil – 2007

Fonte: EPE (2008).

Comércio internacional

AçúcarO comércio internacional de açúcar movimentou, em 2007, 46,7 milhões de tone-ladas, equivalentes a cerca de 41% da produção mundial. O Brasil respondeu, nesteperíodo, por cerca de 39% do comércio mundial. União Européia (18%) e Austrália(9%) são respectivamente, segundo e terceiro maiores exportadores mundiais.

O mercado internacional do açúcar é fortemente controlado e protegido emdiversos países por meio de subsídios e barreiras às importações. Destacam-se asproteções postas em prática pelos Estados Unidos e pela União Européia. Esta últimaencontra-se sob pressão dos países exportadores no sentido de reduzir as restriçõesàs importações de açúcar.

Em 2003, a OMC estabeleceu, por solicitação da Austrália, Brasil e Tailândia,um painel de arbitragem contra a União Européia, alegando estar a UE excedendoos limites para os subsídios à exportação de açúcar, estabelecidos em acordos inter-nacionais e regras gerais de comércio. O resultado do painel foi favorável aos paísesdemandantes. Em junho de 2005, a União Européia anunciou planos para reduçãodos preços do açúcar pagos aos produtores em aproximadamente 40,6%, ao longode um período de dois anos, e da produção, em mais de um terço, até 2012.

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A medida reduziria os preços pagos aos produtores de 650 para aproxima-damente 386 euros por tonelada. Como conseqüência, as exportações européiaspoderiam cair cerca de 5 milhões de toneladas de açúcar por ano, ou algo próximo a10% de todo o açúcar comercializado globalmente (Guarani, 2007). A expectativada indústria brasileira de açúcar é de que, com o fim do subsídio europeu, o Brasilganhe 50% dos mercados que se abrirão.

EtanolO mercado internacional do etanol vem crescendo em ritmo forte nos últimosanos, devido, sobretudo, à elevação dos preços do petróleo. A produção de etanol éextremamente concentrada em um reduzido número de países. Em 2007, EstadosUnidos e Brasil responderam por 88% de todo o etanol produzido no mundo. A Chinae a União Européia têm elevado sua produção e já apresentam níveis expressivos,como mostra o Gráfico 6.

GRÁFICO 6GRÁFICO 6GRÁFICO 6GRÁFICO 6GRÁFICO 6

Etanol – principais países produtores em 2007

Fonte: RFA (2008).

As exportações brasileiras têm a seu favor o fato de que a matéria-prima é acana-de-açúcar, resultando em custo bastante inferior ao do etanol produzido pelosEstados Unidos, a partir do milho.

Da mesma forma que o açúcar, as exportações de etanol também enfrentambarreiras tarifárias e não-tarifárias, como mostra a Tabela 2. Por essa razão, o governobrasileiro vem trabalhando para tornar o comércio internacional de biocombustíveis, edo etanol em particular, mais um dos grandes temas das principais negociaçõescomerciais em que se encontra envolvido, assim como nos acordos bilaterais.

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TABELA 2TABELA 2TABELA 2TABELA 2TABELA 2

Tarifas de importação aplicadasao etanol nos principais paísesPAÍS TARIFAEUA 2,5% + US$ 0,54/ galãoBrasil 20%Argentina 20%Tailândia 30%Índia 186%Canadá US$ 0,19/galãoUnião Européia US$ 0,87/galão

Fonte: RFA (2007)

A produção mundial de cana-de-açúcar tem sido fortemente estimulada pelasperspectivas de crescente utilização do etanol em diversos países. A União Européia,por exemplo, estabeleceu que, até 2020, todos os combustíveis deverão ser com-postos por 10% de matéria-prima renovável.

GRÁFICO 7GRÁFICO 7GRÁFICO 7GRÁFICO 7GRÁFICO 7

Custos de produção do etanol

Fonte: Cambridge Energy Research Associates

No Japão, a mistura de 3% é opcional. Na China, a de 10% é obrigatória emnove províncias. Na Índia, a mistura de 5% já é obrigatória desde 2006. Em janeirode 2007, os Estados Unidos anunciaram a meta de substituir 20% da gasolinaautomotiva por etanol, até 2017. Desde 2004, as importações norte-americanas deetanol vêm aumentando consideravelmente.

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ExportaçõesAs exportações brasileiras de açúcar, segundo a Secretaria de Comércio Exterior –(SECEX) totalizaram 19,4 milhões de toneladas em 2007. Comparadas a 2006,houve alta de 2,6%, quando somaram 18,87 milhões de toneladas. Em relação aoano de 2000, as exportações de 2007 foram quase três vezes maiores. Em função daforte queda do preço internacional, o valor total destas exportações em 2007 redu-ziu-se em 17,3%, atingindo US$ 5,1 bilhões. O Brasil tornou-se também, nos últi-mos anos, um grande exportador mundial de álcool combustível. Segundo a Confe-deração da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, as vendas externas crescerammais de seis vezes entre 2005 e 2007.

Em 2007, o Brasil exportou 3,5 bilhões de litros de álcool (mais 3,3%, relati-vamente a 2006), resultando em faturamento de US$ 1,478 bilhões (menos 7,9%,em relação a 2006). Mesmo com a queda do preço, o valor das exportações doetanol praticamente dobrou em relação a 2005, quando foi de US$ 765 milhões.Os principais compradores são Estados Unidos (1,8 bilhões de litros), Japão, Holandae Suécia. As perspectivas são de que o Brasil deverá triplicar suas exportações deálcool no prazo de quatro a cinco anos.

De acordo com a Guarani (2007), apesar da sobretaxa aplicada ao álcool brasi-leiro, as exportações para os Estados Unidos cresceram 577,7% somente em 2006,em relação ao ano de 2005, saltando de 260,7 milhões para 2 bilhões de litros deetanol. Em 2008, segundo previsões da Unica, as exportações de etanol do Brasildevem chegar a 4,5 bilhões de litros.6

TABELA 3TABELA 3TABELA 3TABELA 3TABELA 3

Exportações brasileiras de etanol – 1998 a 2007ANO Milhões de Litros Preço médio

US$ FOB (bilhões) (US$/m3)1998 36 0,118 301,21

1999 66 0,407 161,70

2000 35 0,227 153,07

2001 92 0,346 266,57

2002 169 0,759 222,86

2003 158 0,757 208,56

2004 498 2,408 206,68

2005 766 2,592 295,31

2006 1.60 3,428 468,20

2007 1.47 3,541 415,14Fonte: MDIC.

6 Flávia Oliveira. Exportações podem alcançar meta este ano. O Globo, 16/05/08.

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Parte desse volume foi exportada diretamente e parte através do Caribe,pelo acordo CBI (Caribbean Basin Initiative), que permite que até 7,0% da demandanorte-americana de álcool possam entrar no país sem a sobretaxa de US$ 0,54por galão, cobrada aos países que estão fora do acordo com os Estados Unidos.Mesmo pagando uma taxa de 2,5% mais US$ 0,54 por galão (que equivale a 3,785litros), o álcool brasileiro chegou ao mercado norte-americano por US$ 1,75 o galão,mais barato do que os US$ 1,90 do etanol local, produzido a partir do milho efortemente subsidiado.

Com sede nas Bermudas, a Infinity Bio-Energy, fundada em 2006, realizou, atéabril de 2008, oito aquisições de usinas, com capacidade de moagem de 14,5 milhõesde toneladas. Quatro delas já se encontravam em operação, duas estão em constru-ção e outras duas em fase de projeto. A Infinity é uma destas empresas que buscambeneficiar-se do acordo CBI, através de parcerias com empresas sediadas no Panamáe na República Dominicana, para desidratação e elaboração final do etanol brasileiro.7

Os novos investimentos e a presençado capital estrangeiroAs notícias sobre novos investimentos na produção de cana-de-açúcar e na constru-ção de novas usinas se sucedem em ritmo acelerado, típico do mercado financeiro.Segundo o jornal Valor Econômico, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econô-mico e Social (BNDES) prevê investimentos da ordem de R$ 100 bilhões em todos oselos da cadeia ligada à produção de álcool no país, entre 2007 e 2011.8 Do totalestimado, R$ 24 bilhões referem-se exclusivamente a projetos de novas usinas decana e de geração de energia a partir do bagaço. Deste total, o BNDES podefinanciar R$ 6,4 bilhões.9

O Programa de Aceleração do Crescimento, do Governo Federal, prevê in-vestimentos de R$ 16,2 bilhões para a expansão da produção de álcool, incluída aparticipação da Petrobras. Deste valor, R$ 12,1 bilhões serão investidos em novasusinas, com elevada concentração na região Sudeste: R$ 8,5 bilhões, ou 70% dototal, e nenhum recurso para as regiões Norte e Nordeste. Os demais R$ 4,1 bilhõesserão destinados a obras de infra-estrutura de transporte do álcool. Já está previstoum alcoolduto, ligando Senador Canedo-GO a São Sebastião-SP. Um segundoalcoolduto, em fase de estudos, deverá ser construído entre Cuiabá-MT e o Portode Paranaguá-PR.

7 Infinity Bio-Energy. Visão Global. Abril de 2008. www.seminarios.redetribuna.com.br/seminarios2008.

8 BNDES prevê R$ 100 bilhões em investimentos à produção de álcool. Valor Online, 16/04/07.www.valoronline.com.br.

9 Inovar e investir para sustentar o crescimento. Palestra de Luciano Coutinho, presidente do BNDES,maio de 2008. www.desenvolvimento.gov.br. Acessado em 09/06/08.

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FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1

Novas Usinas de Etanol

Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

O Brasil possuía, em abril de 2008, 370 unidades produtoras de açúcar e álcool.As expectativas são de que, até 2014, sua produção de cana-de-açúcar irá aumentarde 475, em 2007, para 700 milhões de toneladas em 2014. Isto exigirá investimentoem 114 novas usinas – hoje, há no Brasil 43 unidades em construção.

TABELA 4TABELA 4TABELA 4TABELA 4TABELA 4

As maiores empresas do açúcar e do álcool no Brasil – 2006Ranking Empresa / Sede Valor das vendas

(em R$ milhões)9 Copersucar / São Paulo-SP 5 643,1052 Cosan / Piracicaba-SP 1 544,4076 Usina Nova América / Tarumã-SP 1 230,4081 Usina Caeté / Maceió-AL 1 150,00109 Usina Coruripe / Coruripe-AL 795,90112 Santa Elisa / Sertãozinho-SP 771,80118 Usina da Pedra / Serrana-SP 720,60126 Usina Bonfim / Guariba-SP 702,80135 USAÇÚCAR / Maringá-PR 677,20145 LDC Bioenergia / São Paulo-SP 626,50

Fonte: Exame.

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As expectativas são também provocadas pela possibilidade de expansão do consu-mo de álcool no Brasil e em diversos outros países, sobretudo nos Estados Unidos, onde,nos próximos dez anos, a demanda por etanol pode atingir 132 bilhões de litros porano. Este volume representa cerca de três vezes a atual produção mundial de etanol.

Pelos cálculos do BNDES, a produção brasileira de álcool terá de passar dosatuais 17,5 para 24 bilhões de litros em 2011, somente para atender a demandainterna. Para o mercado externo, a previsão é de que as exportações se multipliquempor três entre 2007 e 2012, quando devem atingir cerca de 9 bilhões de litros.

A Petrobras também investirá pesadamente na produção e comercialização doetanol. Pretende fechar contrato com o Japão, que em 2010 estará substituindopelo etanol 3% da gasolina consumida. A empresa participará também de projetosde construção de usinas de álcool e de alcooldutos. Além disso, terá participaçãoentre 10 e 20% no capital de cinco novas usinas, que deverão produzir um total deum bilhão de litros de etanol por ano.10

A indústria do açúcar e do álcool no Brasil encontra-se atualmente, em suaquase totalidade, em mãos de empresas de capital nacional. Segundo estimativas daconsultoria Datagro, o capital estrangeiro detinha, em agosto de 2006, apenas 5,7%do capital das indústrias do setor. No mesmo mês de 2007, este percentual mais quedobrou, atingindo 12%.11 As promessas de lucros que a produção do etanol a partirda cana-de-açúcar vêm representando atualmente têm atraído volume extraordi-nário de capital estrangeiro. Assim, entre 2000 e a metade de 2007, foram investidos2,2 bilhões de dólares na produção de álcool.

Segundo o anuário da revista Exame, há duas formas distintas de atuação docapital estrangeiro: “de um lado estão consórcios de empresários e fundos de inves-timento internacionais, interessados em aplicar recursos num negócio promissor,mas sem envolvimento direto na operação; de outro estão empresas que já atuamno setor sucroalcooleiro lá fora e tradings que participam ou querem participar maisativamente do comércio internacional de álcool”.

Do primeiro grupo, o melhor exemplo é o megainvestidor húngaro GeorgeSoros, dono de uma fortuna estimada em 8,5 bilhões de dólares. Ele se tornou umdos sócios da Adecoagro, que comprou a Usina Monte Alegre, em Minas Gerais, em2006, e está construindo uma nova usina no Mato Grosso do Sul. Com sócios comoo ex-presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, e os fundadores da SunMicrosystems, Vinod Khosla, e da America Online, Steve Case, a Brenco investiráUS$ 2,2 bilhões na construção de dez usinas.

Pelo lado das empresas, o interesse de grupos estrangeiros foi despertadoantes mesmo da explosão da demanda interna de etanol, graças ao sucesso dos

10 Petrobras: Brasil será Arábia Saudita do etanol. O Globo, 24/06/07.

11 Setor sucroalcooleiro tem o dobro de estrangeiros. Folha de São Paulo, 25/09/2007.

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carros com motores flex. Os primeiros foram os franceses Tereos e Louis Dreyfus,em 2000. Controlador das usinas Luciânia, em Minas Gerais, Cresciumal e São Carlos,em São Paulo, o grupo Louis Dreyfus fechou, em fevereiro de 2007, a compra dequatro usinas do grupo pernambucano Tavares de Melo, além de iniciar a construçãode uma quinta unidade em Mato Grosso do Sul, através da Louis Dreyfus CommoditiesBioenergia (LDC). O Tereos, por sua vez, tem 6,3% de participação na Cosan, índiceque poderá elevar-se ainda este ano, além de 47,5% na Franco-Brasileira de Açúcar(FBA) e 100% na Açúcar Guarani. A Cosan, por sua vez, adquiriu, em 2008, 100%dos ativos da Esso, por US$ 826 milhões.

Depois dos pioneiros franceses, multiplicou-se o número de grupos estran-geiros interessados em aproveitar o potencial desse mercado. Entre eles estão nomesde grandes multinacionais do setor do agronegócio, como a americana Cargill.Em junho de 2006, a companhia adquiriu por R$ 75 milhões o controle acionárioda Central Energética do Vale do Sapucaí (Cevasa), usina localizada em PatrocínioPaulista, no interior de São Paulo.

QUQUQUQUQUADRO 1ADRO 1ADRO 1ADRO 1ADRO 1

De onde vem o dinheiroQuem são os principais investidores estrangeirosGrupo Perfil Negócios com EtanolAdecoagro Atua nos setores de leite, carne, Tem uma usina em Minas Gerais

grãos, açúcar e etanol. Tem e está construindo outra em Matocomo principal sócio o investidor Grosso do Sul. Planeja Investirhúngaro George Soros 1,6 bilhão de reais até 2015

Brenco Fundo de investimentos Tem 2 bilhões de dólarescapitaneado pelo ex-presidente para investir em usinas de álcoolda Petrobras Henri Philip Reichstul na Região Centro-Oeste

Cargill De origem americana, é um Comprou 63% da Cevasa, usinados maiores produtores de grãos do empresário Maurílio Biagi Filho,e alimentos do mundo em Patrocínio Paulista (SP)

Global Foods Uniu-se ao grupo Santa Elisa Planeja investir 2 bilhões de reaispara criar a Companhia Nacional na construção de quatro usinasde Açúcar e Álcool (CNAA) Em Goiás e Minas Gerais

Grupo Tereos Sediado em Lille, na França, Detém 100% da Açúcar Guarani,é um dos maiores produtores 47,5% da Franco Brasileira dede açúcar da Europa Açúcar (FBA) e 6.3% da Cosan

Fonte: Revista Exame, junho de 2007. www.portalexame.abril.com.br.

Outros grupos interessados em entrar no mercado brasileiro são o PacificEthanol, que tem como sócio o bilionário Bill Gates, fundador da Microsoft, o alemãoNordZucker SudZucker, que atua no setor de açúcar na Europa, e a indiana BHL,dona de usinas em seu país.

Segundo a Datagro, “da lista das dez maiores empresas do setor no Brasil,quatro já possuem participação do capital estrangeiro: Cosan, Bonfim, LDC Bioenergiae Guarani. Uma quinta, a Santa Elisa, fez recentemente parceria com a americana

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Global Foods para constituir a Companhia Nacional de Açúcar e Álcool, cujo planoé investir R$ 2 bilhões na construção de quatro usinas em Goiás e Minas Gerais”.12

A consultoria KPMG informa que, das nove fusões e aquisições do setor em 2007,seis envolviam grupos estrangeiros. Em todo o ano de 2006, também foram novenegócios, dos quais seis foram realizados por empresas do exterior.

Em meio à euforia, Benedito Rosa do Espírito Santo, pesquisador do Ipea –Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, adverte que o nascente mercado externoainda é “instável” e sofrerá “mudanças espetaculares” no médio prazo com o domínioda tecnologia de fabricação de etanol a partir de celulose. “Se houver uma crise nomeio do caminho, vamos ter excedentes enormes e um modelo de alto grau devulnerabilidade”, afirma o pesquisador.13

Novas aplicações para a cana-de-açúcarVerificamos, durante a realização deste estudo, que as estimativas sobre a expansãodo cultivo de cana-de-açúcar não levam em consideração outras possíveis aplicaçõesalém do açúcar e do etanol. No entanto, o fim da era – ou simplesmente o aumentodos preços – do petróleo vai exigir a criação de alternativas a uma grande variedadede bens. Hoje, praticamente todo o polietileno produzido no mundo tem comomatéria-prima a nafta, um derivado do petróleo.14

Nesta direção, segundo o jornal O Estado de São Paulo, a Dow Chemical vaicriar uma subsidiária com a Crystalsev (trading brasileira de álcool e açúcar) para aconstrução do primeiro pólo alcoolquímico integrado do mundo. A matéria-primabásica será a cana. O projeto, localizado na região Centro-Sul, começará a ser cons-truído em 2008 e entrará em operação em 2011, com o objetivo de produzir anual-mente 350 mil toneladas de polietileno, uma das principais resinas usadas na indús-tria de transformação de plástico. Serão necessários, para isto, 8 milhões de toneladasde cana para a produção de 700 milhões de litros de álcool. Esta não é a primeirainiciativa do setor. Em junho de 2006, a Braskem, maior empresa petroquímica daAmérica Latina, anunciou projeto similar.15

A expansão territorialAs estimativas sobre a área a ser plantada com cana-de-açúcar nos próximos anossão as mais variadas. Segundo o Instituto de Economia Agrícola (IEA) – órgão vincu-lado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo –, o Brasilpoderá ter na safra de 2015/16 uma área de cana de 12,2 milhões de hectares, com

12 Altamiro Borges. O etanol e a invasão estrangeira. ADITAL, 27/06/07. Disponível em www.adital.com.br.

13 Ipea vê exagero no apetite por etanol e recomenda foco no mercado doméstico. Valor Econômico, 08/06/07.

14 Agnaldo Brito. Dow Chemical e Crystalsev farão plástico a partir de cana. O Estado de São Paulo, 20/07/07.

15 EUA e Brasil esperam produzir álcool a partir da cana-de-açúcar. Jornal Última Hora, 19/07/07.

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processamento de 902,8 milhões de toneladas de cana e uma produção de 26bilhões de litros de álcool.16 O número relativo à área plantada é próximo ao dobroda área plantada na safra 2007/2008.

Segundo o BNDES, o Brasil pode contribuir decisivamente para uma meta de10% de substituição da gasolina no cenário mundial (220 bilhões de litros). Para opaís conquistar 50% desse mercado, terá que multiplicar por sete sua produção deetanol, chegando a algo em torno de 110 bilhões de litros. Em cálculo simplificado,que considera os atuais níveis de produtividade e os de rendimentos na fabricaçãodo etanol, Horacio Carvalho estima que os canaviais teriam que ocupar 28 milhões dehectares (Carvalho, 2007). Esta área equivale, aproximadamente à soma daquelasocupadas pela soja e pela própria cana, no Brasil, em 2007.

FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2FIGURA 2

Localização das usinas de álcool e açúcar no Brasil

Fonte: Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Estratégico (Nipe)

Para Benedito Rosa do Espírito Santo, pesquisador do Ipea, a participação daárea de cana, quando comparada às 18 principais culturas plantadas no país, cresceráde 12,7%, em 2007, para 17% em 2013/14. Em seus cálculos, a participação daárea destinada à produção de etanol tende a subir de 6,6% para 10,2% do total daárea plantada, neste mesmo período.

16 Produção de cana poderá superar 900 milhões de toneladas em 2015/16. JornalCana, outubro de 2006.www.jornalcana.com.br.

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O Correio Braziliense descreve também o avanço da cana em toda a regiãoCentro-Oeste,17 onde áreas de pastagem, plantações de soja, milho e algodãocedem espaço à cana-de-açúcar. Senador Canedo (GO), a 18 km de Goiânia, éum símbolo dessa acelerada expansão. Embora não produza um litro de álcool, éimportante pólo de distribuição de combustíveis. Com o anúncio de que a Petrobrasdestinará US$ 750 milhões à construção de um alcoolduto ligando a cidade aPaulínia (SP), Canedo vive a expectativa de se transformar em um dos maioresentrepostos do mundo. Em 2012, a capacidade de transporte do alcoolduto seráde 8 bilhões de litros.

Alguns municípios e estados já se defendemda expansão da canaNa ausência de qualquer planejamento territorial ou estudo de impactos por partedo governo federal, alguns municípios situados nas áreas de expansão da cana-de-açúcar vêm produzindo legislação própria, de modo a regulamentar e restringir osimpactos negativos desta expansão.

A euforia em Senador Canhedo contrasta, assim, com a preocupação em RioVerde, município do estado de Goiás. Segundo seu prefeito, Paulo Roberto Cunha,onde a cana está o emprego “é mais difícil e menor”. Recentemente, como informao Correio Braziliense, o governo do município regulamentou a atividade, determi-nando que somente dez por cento de sua área agricultável poderão ser ocupadospela cana-de-açúcar. A preocupação é de manter no município cultivos já existentes,como o milho, o algodão e a soja, cuja ração movimenta o complexo industrial daPerdigão, gerando mais empregos e impostos na região.

Em Sacramento, no Triângulo Mineiro, legislação aprovada em 2006 pelaCâmara de Vereadores limita a área plantada com cana a 20% da superfície totaldo município. Estabelece também distância mínima dos mananciais, normas delicenciamento, além de proibir queimadas a menos de dez quilômetros da cidade ea menos de cinco quilômetros dos povoados, dentre outros dispositivos.18 No MatoGrosso do Sul, há também restrições ao plantio de cana na bacia do rio Paraguai,impostas pelo governo do Estado.

O governo do estado de São Paulo, por sua vez, suspendeu por 120 dias orecebimento de pedidos de instalação ou ampliação de usinas de açúcar e álcool.O governo observou uma expansão exagerada de pedidos para a instalação de no-vas usinas e decidiu avaliar melhor os efeitos desse crescimento. A decisão tambémtem outro objetivo: avaliar se as licenças estão sendo usadas para serem vendidas a

17 Luciano Pires. Cana muda eixo da economia no Centro-Oeste. Correio Braziliense, 29/04/07.

18 Lei limita a 20% a área a ser plantada de cana-de-açúcar no município. O Estado do Triângulo, 09/07/06.

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grupos internacionais ou se têm mesmo o objetivo de se transformarem em investi-mento. O grande receio do governo de São Paulo é o de que a cana-de-açúcar acabese tornando uma cultura quase exclusiva em São Paulo.19

Os Estados de Goiás e do Paraná também pretendem aumentar os controlessobre a expansão da cana-de-açúcar. No caso do Paraná, o governo anunciou quecriará uma zona agrícola para a cana, para impedir a sua expansão sobre áreas deoutras culturas e de florestas.

Cana-de-açúcar na Amazônia?A acelerada expansão do plantio da cana-de-açúcar no Brasil, assim como a pers-pectiva de que o etanol venha a se tornar uma das mais importantes commoditiesdo mercado internacional, vêm gerando grandes preocupações na sociedade civil,no Brasil e em outros países, sobretudo na Europa. A Amazônia encontra-se nocentro destas preocupações.

Certamente por estas razões, o presidente Lula, em viagem a Bruxelas no mêsde julho de 2007, afirmou que “se a Amazônia fosse importante para plantar cana-de-açúcar, os portugueses que introduziram a cana-de-açúcar no Brasil, há tantosséculos, já o teriam feito na Amazônia”, em pronunciamento realizado na Confe-rência Internacional sobre Biocombustíveis. Lula declarou que o plantio da canalocaliza-se em regiões muito distantes da Amazônia, que não possuiria áreas apro-priadas para tal.

No mesmo dia, o jornalista Altino Machado demonstrou o erro do Presidenteda República: “Mal assessorado, Lula gera constrangimento com declarações desen-contradas quando repete frases de assessores da Casa Civil. Na Amazônia, já existemusinas de porte expressivo em Presidente Figueiredo (AM), Ulianópolis (PA), Arraias(TO), além de meia dúzia no Mato Grosso. De acordo com o último levantamentooficial da Conab, de maio deste ano, na safra passada houve mais de 19 milhões detoneladas de produção de cana-de-açúcar na Amazônia Legal, entre Mato Grosso,Tocantins, Maranhão, Amazonas e Pará”.20

Além disso, ainda segundo Altino Machado, três novas usinas encontravam-se,nesta mesma ocasião, em fase de implantação ou com planos para tal: a ÁlcoolVerde, no Acre, já está em operação. Há também a promessa de mais duas usinas naregião: uma na BR-364, na saída de Rio Branco para Porto Velho (RO), e outra nomunicípio de Capixaba, no Acre, na BR-317, batizada como Estrada do Pacífico.21

19 Guilherme Barros. SP suspende pedidos para a instalação de usinas de álcool. Folha de São Paulo,16/05/08.

20 Altino Machado. Lula erra em Bruxelas ao negar cana-de-açúcar na Amazônia. Amigos da TerraAmazônia, 06/07/07. www.amazônia.org.br.

21 Blog de Altino Machado, 20/07/07. www.altino.blogspot.com.

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Na véspera, o jornal Diário do Pará havia noticiado que, numa única opera-ção de repressão ao trabalho escravo no país, o Ministério do Trabalho encontrou1.108 trabalhadores em condições degradantes de trabalho em uma fazenda depropriedade da empresa Pagrisa (Pará Pastoril e Agrícola S.A.), em Ulianópolis.Os trabalhadores dormiam em alojamentos superlotados e trabalhavam na colheitade cana-de-açúcar.22

O fato é que o levantamento da safra de cana-de-açúcar brasileira para operíodo 2007/08 (Conab, 2007) mostra que a produção de cana na Amazônia Legalaumentou de 17,6 para 19,3 milhões de toneladas entre 2006 e 2007. No MatoGrosso, por exemplo, foi registrada expansão da área plantada de 10%, enquantono Tocantins esse aumento foi de 13% e no Amazonas, de 8%.

Impactos ambientaisA repercussão deste noticiário, assim como a percepção do governo e do próprioempresariado do setor de que a conquista de novos mercados para o etanol exigirácertificação ambiental, provocaram reação quase imediata do governo. No dia 17 dejulho de 2007, o Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, anunciou que o go-verno brasileiro iria proibir o plantio de cana-de-açúcar na Amazônia e no Pantanal.

O ministro informou ainda que será proibido o plantio da cana em regiõesconsideradas inadequadas pelo governo por razões ambientais ou onde isto possasignificar pressão sobre áreas dedicadas à produção de alimentos. As outras áreaspodem ser regiões específicas do Cerrado e do Pampa Gaúcho.23

Foi informado pelo ministro, na mesma ocasião, que o governo vai efetuarum zoneamento ecológico-econômico (ZEE), que estará pronto em julho de 2008 eindicará as áreas onde será permitido cultivar cana e aquelas onde haverá a conces-são de incentivos ao plantio, como um adicional de crédito rural oficial e isençõesfiscais. “O mapa vai dizer onde será permitido plantar e as áreas com incentivosonde teremos plantio, como áreas de pastagens degradadas”, disse. O ZEE levaráem conta as condições de clima e solo em cada microrregião do país.24

O ministro afirmou ainda que haverá áreas de restrição também na Mata Atlân-tica e em reservas indígenas, dentre outras. As áreas a serem incentivadas serão asde pastagens, degradadas ou não. E, para este último caso, o cultivo será permitidotambém na Amazônia e no Pantanal. As medidas deverão beneficiar, igualmente,produtores e exportadores. “Haverá uma certificação socioambiental do Inmetro

22 Recorde: fiscalização resgata 1.108 “semi-escravos” de fazenda em Ulianópolis. Diário do Pará, 03/07/07.

23 Eliane Oliveira e Luiza Damé. Governo reage a pressões e decide proibir plantio de cana na Amazôniae no Pantanal. O Globo, 18/07/07.

24 Mauro Zanatta. Governo vai proibir o plantio de cana na Amazônia e no Pantanal. Valor Econômico,18/07/07.

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para todo o processo, desde as lavouras até a qualidade do álcool”, afirmouStephanes. As medidas não incluirão as plantas já em atividade.

Com este objetivo, o governo lançou o Programa Brasileiro de Certificação deBiocombustíveis, que visa apoiar as exportações de agrocombustíveis, através de umprocesso de certificação, voluntário e internacionalmente reconhecido, que demonstreaspectos da qualidade do produto, como conteúdo energético e de impurezas, alémdos aspectos de sustentabilidade ambiental e social da produção.

Uma visita à pagina da Embrapa-Cana na internet, no entanto, causa-nos preo-cupação em relação aos parâmetros sobre os quais o governo poderia trabalharpara elaborar um zoneamento que levasse em conta os efetivos impactos ambien-tais até aqui observados no Brasil. Nela consta, sob o título “Impacto ambiental dacana-de-açúcar”, o seguinte:

“Com exceção de alguns estudos da Embrapa Monitoramento por Satélite,são poucos os trabalhos de pesquisa que tenham realizado de forma circuns-tanciada e abrangente a avaliação do impacto ambiental (AIA) da localiza-ção atual do cultivo da cana-de-açúcar. Desconhece-se a existência no Brasilde outros trabalhos de avaliação do impacto ambiental da evolução espaço-temporal do uso das terras em regiões canavieiras, cobrindo – por exemplo– a evolução dos últimos 30 anos.

No tocante à AIA das técnicas e tecnologias empregadas nos sistemas deprodução de açúcar e álcool – onde se insere, por exemplo, o caso daqueimada da palha da cana-de-açúcar, – três subsistemas foram profun-damente alterados, através da implantação do Programa PROALCOOL, emSão Paulo e devem ser simultaneamente considerados: o do cultivo da cana(subsistema agrícola), o da sua transformação em açúcar e álcool (subsistemaindustrial) e enfim o subsistema de transportes. As conseqüências dessasmudanças sobre o meio ambiente e a sócio-economia das regiões atingidasdireta ou indiretamente, apesar de sua magnitude e importância para o país,ainda são globalmente desconhecidas.

Avaliação do impacto ambiental do sistema de produção da cana-de-açúcarnão foi realizada de forma completa, ainda que em caráter piloto, em nenhumlugar de S. Paulo ou no Brasil e ao que saiba-se.”2525252525

Mas, onde quer que seja, a expansão do cultivo da cana-de-açúcar tende aconsolidar o modelo econômico dominante na agricultura brasileira. Este é fundadoem grandes áreas de monoculturas, na artificialização das atividades, através doscultivos transgênicos, fertilizantes de origem industrial, uso intensivo de agrotó-xicos e de herbicidas, da automação, da mecanização pesada e da aviação agrícola(Carvalho, 2007). A utilização deste modelo está associada a uma longa lista de

25 Disponível em www.cana.cnpm.embrapa.br. Acessado em 11/10/07.

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conseqüências danosas ao meio ambiente, dentre as quais destacamos: contami-nação das águas e do solo por agrotóxicos e herbicidas, compactação dos solos pelamotomecanização pesada, destruição de áreas com vegetação nativa, contami-nação de nascentes e rios, poluição da atmosfera pela queima de canaviais edestruição da biodiversidade.

Como descrevem Laschefski e Assis (2006), as queimadas em canaviais, quese dão em aproximadamente 80% das áreas plantadas, representam o problemaambiental mais visível do setor sucroalcooleiro nacional. Estas queimadas visam faci-litar o corte manual, reduzir custos de transporte e compensar perdas de até 20% nasafra. As emissões de gases de efeito estufa daí decorrentes (dióxido e monóxido decarbono, metano, entre outros) em associação com elementos particulados eaerossóis, exercem grande pressão sobre o clima e podem contaminar regiões dis-tantes das áreas de cultivo. Em conseqüência, as queimadas nos canaviais, além derepresentarem grave impacto ambiental, estão ocasionando problemas de saúde napopulação residente nos municípios circunvizinhos às regiões canavieiras.

Impactos sobre a agricultura familiarA valorização das terras no Brasil e, em especial, nas principais áreas de expan-são da cana-de-açúcar, já está ocasionando o deslocamento não só de atividadesagrícolas e pecuárias de grande porte, mas também daquelas desenvolvidas pelaagricultura familiar.

Conforme Benedito Rosa26, “isso pode impactar a produção de uma área de250 mil hectares no Triângulo Mineiro, sul do Maranhão, sudeste do Piauí, nortede Tocantins e nordeste do Pará”, diz. De acordo com ele, Goiás poderá passarde 300 mil para 800 mil hectares de cana. “Hoje, a área de cana já correspondea 160% da área de milho em Goiás”. Em São Paulo, a diferença chega a 300%.“No interior paulista, o hectare de terra que custava R$ 4,7 mil em 2001 passou avaler R$ 10,2 mil”, em 2007, diz.

A febre da produção de etanol da cana-de-açúcar é apontada como a principalresponsável pela expressiva valorização das terras que ocorreu, sobretudo em 2007,em diversas regiões do País. O jornal O Globo27 informa que, de julho de 2006 ajunho de 2007, a valorização média das terras do Brasil foi de 11,64%. As regiõesque tiveram maior valorização foram justamente aquelas em que a expansão dacana-de-açúcar vem ocorrendo com maior intensidade: Sudeste (17%), Centro-Oeste (12,2%) e Sul (11,64%).

Em Araraquara, interior paulista, o plantio de grãos e a criação de gadovão sendo substituídos pela cana, fazendo o preço da terra subir 70%, neste

26 Ipea vê exagero no apetite por etanol e recomenda foco no mercado doméstico. Valor Econômico, 08/06/07.

27 Aguinaldo Novo. Produção de etanol faz preço da terra ter valorização histórica no Brasil. O Globo, 07/06/07.

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mesmo período. A expansão da área plantada com cana em São Paulo, com aconseqüente valorização das terras, pressiona as demais lavouras e áreas de pas-tagens para novas fronteiras. Segundo o IEA-SP (Instituto de Economia Agrícola),este crescimento foi de 54%, somente entre 2002 e 2008.28 As regiões preferen-ciais são o Triângulo Mineiro, o sul de Goiás e o leste do Mato Grosso do Sul.Além delas, apresentam-se como áreas de grande expansão o Paraná, Tocantins,Maranhão, Pará e Bahia.

O espaço que a cana-de-açúcar ocupa na região de Araraquara dobrou entre2001 e 2007, chegando a algo em torno de 480 mil hectares, entre áreas novase em produção, segundo levantamento preliminar feito pelo Escritório de Desen-volvimento Regional (EDR) Agrícola de Araraquara, da Secretaria da Agricultura doEstado de São Paulo.

Muitas culturas típicas da região, como laranja e café, além da pecuária, cederamespaço para a cana. Alguns reflexos deste avanço rápido e contínuo já são sentidosno varejo. É o caso do preço do leite, que subiu cerca de 50% até meados de 2007,somente naquele ano. O consumidor já está pagando mais caro também por outrosalimentos básicos, como arroz, feijão e milho. “A elevação do preço do leite ocorreporque está faltando pasto no Estado. Onde tinha vaca hoje tem um mar de cana eisso acontecerá também com outras culturas”, avalia Paulo Cavasin, do EDR.29

O avanço do plantio da cana-de-açúcar em São Paulo vem provocando tambémo aumento da concentração da produção nas mãos de usinas e grandes fornece-dores, e eliminando pequenos produtores. Segundo estudo promovido por PedroRamos, professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),apenas 25% da cana moída pelas usinas é, hoje, proveniente de fornecedores inde-pendentes. Os demais 75% são produzidos pelas próprias usinas.30

No conjunto dos produtores independentes, os pequenos também perderamespaço. Na safra 1995/96, 27,6% dos fornecedores de cana às usinas produziam até4.000 toneladas. Na safra 2005/06, este percentual recuou 18%. Já os fornecedorescom volume superior a 10 mil toneladas tiveram sua participação aumentada de53,2% para 64,9%, no mesmo período. O que se pode prever também é que acrescente mecanização vai acelerar ainda mais este processo de concentração.

Com os anúncios de investimentos em novas usinas em todo o País, cerca de90 projetos, os plantadores de cana estão migrando de suas regiões de origem paraacompanhar a expansão das usinas, de acordo com Manoel Ortolan, presidente da

28 Área agrícola ocupada pela cana-de-açúcar no Estado de São Paulo cresceu 54% desde 2002 e expansãoainda continua em SP. Folha de São Paulo, 01/06/08.

29 Fernanda Manécolo. Área de plantação de cana duplicou nos últimos sete anos. Tribuna Impressade Araraquara, 16/07/07.

30 Mauro Zafalon. Pressionado a produzir mais, trabalhador atua cerca de 12 anos, como na épocada escravidão. Folha de São Paulo, 01/05/07.

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Organização dos Produtores de Cana da Região do Centro-Sul do Brasil (Orplana)31.“Há um movimento de migração de plantadores para o oeste paulista e para o Centro-Oeste, ainda desordenado.”

A Orplana ainda não tem um mapeamento desse movimento, mas informa queboa parte dos fornecedores paulistas está comprando e arrendando terras em áreasocupadas, sobretudo por pastagens. “O contingente de plantadores de cana estácrescendo. Há muitos pequenos agricultores de grãos interessados no plantio da cana”,disse. As regiões próximas às usinas em operação ou em construção vêm apresen-tando grande valorização. Em um raio próximo a elas de 30 quilômetros, o preço daterra já é até quatro vezes superior àqueles verificados antes da chegada das usinas.

Ainda segundo a Orplana, a prática mais comum na parceria entre proprietá-rios de terras e usinas é a do arrendamento, que também contribuiu para a elevaçãodo preço dos imóveis. Arrendando sua propriedade, o dono da terra não arca comqualquer custo no plantio e é remunerado segundo o que está previsto em contrato(ou, ainda, por produção por hectare ou sobre a colheita total). Em Goiás, há casosde um hectare ser arrendado por até R$ 30 mil. Já em Mato Grosso e Mato Grossodo Sul, os preços variam de R$ 10 mil a R$ 15 mil.

O caso do NordesteSegundo O Globo, na mesma matéria acima mencionada, as terras destinadas aocultivo da cana no Nordeste, em especial na Zona da Mata alagoana, tiveram valori-zação de 84% mas, na média, a valorização das terras da região é bem menor: 8,6%entre meados de 2006 e de 2007. A produção de cana-de-açúcar na região pratica-mente não se alterou nos últimos dez anos: reduziu-se de 60,47 para 55,34 milhõesde toneladas, entre 1990 e 2007.

O Nordeste tem custo mais elevado de produção de cana, já que parte doplantio se dá em áreas íngremes, dificultando a mecanização e exigindo maioremprego de mão-de-obra. Com isso, o Nordeste, com 13% (Conab, 3º levantamento,2007) da produção nacional de cana-de-açúcar, responde por 35% dos empregadosna atividade. Muitos usineiros nordestinos passaram a produzir açúcar e álcool noTriângulo Mineiro, em São Paulo, em Goiás e no Mato Grosso.

Segundo a Folha de São Paulo, a entressafra da cana-de-açúcar no Nordeste,que vai de março a setembro, significa desemprego e ameaça de fome para cem miltrabalhadores rurais de Pernambuco e Alagoas. O prefeito de São Luiz do Quitunde,em Alagoas, Cícero Cavalcante, afirma que, durante a entressafra, o desemprego nomunicípio é de 80%.32

31 Fornecedores de cana se preparam para expansão do setor. JornalCana, outubro de 2006.www.jornalcana.com.br.

32 Elvira Lobato. Nordeste vê à distância explosão do álcool. Folha de São Paulo, 08/07/07.

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Em Pernambuco, segundo a Comissão Pastoral da Terra, foram extintos, desdeo início dos anos 1990, cerca de 200 mil postos de trabalho. Cerca de 120 milpessoas, que moravam em sítios nas terras de usinas e de fornecedores de cana,onde plantavam mandioca, milho e frutas para sobrevivência, perderam seus locaisde moradia e sua fonte de subsistência.33

Da mesma forma que em São Paulo, os fornecedores independentes de canaforam enfraquecidos pelo processo de concentração da produção pelas grandesusinas. Até o final dos anos 1990, metade da cana moída para a produção de açúcare álcool no Nordeste vinha de fornecedores independentes. Esta participação, atual-mente, é de cerca de 30%, ainda segundo a Folha de São Paulo.

Arnoldo Campos, um dos principais gestores do programa do biodiesel noMDA, informa que o ministério está se preparando para entrar no debate do etanolpara defender a entrada da agricultura familiar neste mercado. Para ele, a questãoé mais complicada do que o programa de biodiesel por conta da logística do etanol,já que a cana é extremamente perecível e não pode ser armazenada como os grãosdo biodiesel. “Mas estamos buscando soluções, como pequenos alambiques quepoderiam pré-processar a matéria prima”, afirma Campos.34

Na prática, porém, segundo Almir Xavier, dirigente do MST em Pernambuco, aviabilidade da cana na pequena propriedade é mínima. “É uma cultura de manejomuito penoso, que acaba rendendo cerca de R$ 6 mil/ano a um assentado da Zonada Mata pernambucana”, explica. Em alguns casos, acabou se tornando a únicaopção do assentado, que, por outro lado, chega a passar três meses comendoapenas mandioca. “Ele não dá conta de plantar outras coisas, a cana exige muitadedicação. Isso acaba sendo péssimo para a sua segurança alimentar e nutricional, epara a qualidade de vida em geral”, afirma Xavier.

A forte valorização das terras e a prática de arrendamento para a expansão doplantio de cana geram, deste modo, modificações profundas no modo de produçãoagrícola, na geração de empregos rurais, nos fluxos migratórios, na oferta de ali-mentos e na disponibilidade de terras para a reforma agrária.

O trabalhador da cana-de-açúcarAs condições de trabalho no setor do açúcar e do álcool no Brasil são especialmenteprecárias, mesmo que se tome em consideração apenas aquelas relativas aos traba-lhadores rurais brasileiros em sua totalidade. A precariedade dificulta inclusive a

33 Alagoas: sem trabalho durante a entressafra da cana, famílias não têm o que comer. Folha de São Paulo,08/07/07.

34 Verena Glass. FAO defende etanol mas não tem fórmula de sustentabilidade. Agência Carta Maior,09/07/07.

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obtenção de informações sobre o verdadeiro número de trabalhadores no setor.Segundo as fontes utilizadas pelo DIEESE, este número girava, em 2007, entre 780mil (estimativa da CONTAG) e um milhão de trabalhadores (estimativa da Unica), nocultivo e na colheita da cana-de-açúcar (DIEESE, 2007).

Já o IBGE, com base nas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios –PNAD – informa que o número de empregos diretos existentes na produção de cana-de-açúcar em 2005 era de 519 mil, com crescimento de 25% em relação a 2000,enquanto a produção crescia aproximadamente 40%. Em 1992, segundo a mesmafonte, este número era de 647 mil trabalhadores.

Estima-se que, atualmente, cerca de 25% das propriedades brasileiras decana mecanizaram a colheita. O corte mecânico reduz o número de empregados e,igualmente, o poder de barganha dos sindicatos que mobilizavam os trabalhadoresatravés de greves. (DIEESE, 2007)

Em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo – sede de quase 30% da produçãocanavieira do país –, há tratores monitorados por satélite, máquinas de adubagemcom controle eletrônico e colheitadeiras de precisão. Ali, a colheita é mecanizadaem 50% das propriedades. A macro-região de Ribeirão Preto foi, historicamente, ofoco mais acentuado das lutas dos assalariados rurais pela melhoria de suas condi-ções de vida e trabalho.

O estado que mais rapidamente introduziu a mecanização no corte de cana foiSão Paulo. A mecanização foi uma resposta do setor produtivo à pressão dos traba-lhadores assalariados volantes e da sociedade contra a prática da queima de canapara a realização da colheita manual. Em 2007, segundo levantamento do IEA-SP, oíndice era de 40,7% do total da área plantada (Fredo et al, 2008). Este índice é decerca de 39% em Goiás, 18% em Minas Gerais, 31% no Mato Grosso do Sul, 80%no Mato Grosso, 11% no Paraná, 3% no Rio de Janeiro e no Espírito Santo e próximoa zero nos estados do Nordeste (DIEESE, 2007).

A mecanização, embora considerada inexorável, faz-se de maneira lenta. O ritmode introdução do corte mecanizado depende de variáveis como desenvolvimento denovas variedades de cana, disponibilidade de capitais, possibilidade de irrigação eredução da disponibilidade de força de trabalho barata.

Nas regiões onde a atividade é manual, o novo ciclo da cana-de-açúcar, marca-do pela elevada produtividade, obriga os trabalhadores a colherem diariamente até15 toneladas de cana. Na média, a exigência de corte por trabalhador passou de 6toneladas diárias, na década de 1980, para 10 toneladas, atualmente.

Segundo Maria Aparecida de Moraes Silva, da UNESP (Universidade EstadualPaulista), este esforço adicional encurta o ciclo de trabalho na atividade, levando ostrabalhadores do setor a retroceder a padrões de vida útil de trabalho inferioresàqueles verificados anteriormente à abolição da escravatura. Este tempo, que era de15 anos nas décadas de 1980 e 1990, passou a ser de 12 anos a partir de 2000.

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Segundo o historiador Jacob Gorender, o ciclo de vida útil dos escravos na agricul-tura era de 10 a 12 anos até 1850, antes da proibição do tráfico de escravos.35

O descumprimento das leis trabalhistas e de acordos e convenções coletivas detrabalho marcam as relações de trabalho do setor. Estudo sobre as condições detrabalho em usinas na Paraíba, mencionado pelo DIEESE (2007), concluiu que ostrabalhadores sofrem perdas enormes, devido, entre outras práticas, ao rebaixa-mento da diária; à redução da base salarial convencionada; à elevação da tarefaconvencionada por meio da classificação irregular da cana; erros ou fraudes na me-dição e na conversão e o não pagamento de verbas salariais, como repouso semanalremunerado, férias e 13º salário.

“As perdas para os trabalhadores durante uma safra, na Paraíba, são estima-das em 1,92 milhão de salários mínimos não pagos (US$ 877,84 milhões).Para cada dia trabalhado, o trabalhador perde dois. Só em verbas salariais, aestimativa é que a perda chegue a cerca de 60% dos salários. Os erros oufraudes na medição rebaixam 21% da remuneração. O estudo aponta umasérie de ações sindicais para combater a situação: elevar o controle dos tra-balhadores sobre sua produção e simplificar os cálculos; formar delegadosde base; realizar campanha de fiscalização; fazer denúncias e pressões sobreos órgãos oficiais.” (DIEESE, 2007)

Outro estudo, recentemente realizado pela UNESP e mencionado pela Folhade São Paulo, mostra que a expansão da cana está levando para São Paulo umnúmero crescente de trabalhadores de estados da região Nordeste, como o Mara-nhão e o Piauí. Em 2000, a cana em São Paulo atraiu apenas 100 cortadores doMaranhão. Na safra 2006/07, este número, somente no município de Timbiras-MA,foi de 7.000 trabalhadores.

O estudo mostra também relações de causa e efeito entre a expansão dacana no Centro-Sul, a redução da pecuária nesta mesma região e os movimentosmigratórios dos trabalhadores rurais. Com a expansão da cana e a valorizaçãodas terras no Centro-Sul, a pecuária dessa região está indo para as regiões Nortee Nordeste, inclusive para o Maranhão. Neste estado, a formação de novos pastosocorre em áreas de babaçu, que dá sustento às famílias da região. Sem essa culturaregional, eles se vêem obrigados, para sobreviver, a se deslocar para o corte dacana em São Paulo.

No Piauí, outro estado alvo desta mesma pesquisa, os agricultores familiaressão expulsos pelo cultivo da soja, produto que também se deslocou da principalárea de expansão da cana, em busca de preços menores da terra.

Esta dinâmica do deslocamento de populações, dos cultivos e da pecuária bovinano território brasileiro é analisada mais adiante, no capítulo Síntese e conclusões.

35 Mauro Zafalon. Cortadores de cana têm vida útil de escravo em SP. Folha de São Paulo, 29/04/07.

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2SOJA E BIODIESEL

A FASE produziu em 2006 uma série de estudos sobre a soja, analisando a produçãobrasileira e global e estudando a expansão do plantio em diversas localidades doBrasil.1 Por isso, limitamo-nos aqui a apresentar os fatos mais recentes sobre o setor,tais como: uma atualização dos dados sobre a produção, consumo e comercializaçãodo complexo soja no Brasil e no mundo; informações sobre a aceleração do processode concentração de terras, no que diz respeito às áreas de produção da soja no país;e, em particular, os novos fatos decorrentes da crescente utilização de óleos vegetaiscomo combustíveis, no Brasil e em outros países.

ProduçãoO Brasil teve uma produção recorde de soja na safra 2006-07: 58,4 milhões detoneladas (Conab, 2008), 6,1% a mais do que no ano anterior. Este volumecorrespondeu a cerca de 25% da produção mundial, que foi da ordem de 236 mi-lhões de toneladas. Nesta mesma safra, a área plantada no Brasil foi de 20,7 milhõesde hectares, cerca de 9% inferior à do ano anterior. O crescimento da produção, emparalelo à redução da área plantada, se explica pelas melhores condições climáticasno último período, sobretudo na região Sul, onde a quantidade produzida teveaumento de 25,7% (Conab, 2008).

Para a safra 2007-08, as estimativas da Conab publicadas em maio de 2008eram de aumento da área plantada: 21,2 milhões de hectares, com expansão de2,6%. As previsões apontam possibilidade de aumento da área plantada em todas

1 Sergio Schlesinger: O grão que cresceu demais. Maio de 2006. Sergio Schlesinger e Silvia Noronha:O Brasil está nu! O avanço da monocultura da soja, o grão que cresceu demais. Dezembro de 2006.

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as regiões do Brasil. A maior variação positiva se dará na região Norte (20,4%).Nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, a expansão prevista é bem menor, respecti-vamente, 7,9% e 5,6%. Para as demais regiões, o cálculo é de redução da área:Sudeste (-4,7%) e Sul (-1,3%).

Em termos estaduais, Roraima (172,7%) é onde a Conab prevê o maioraumento da área plantada. Na região Norte, encontra-se também a segunda maiorexpansão do país: 21,9% no Pará. A previsão de Blairo Maggi, maior sojicultorindividual do mundo e governador do Estado, é de que a safra do Mato Grossovai crescer 26% na próxima colheita, somando 20 milhões de toneladas (contra15,3 milhões em 2007).2 Já a Conab prevê uma produção de 17,7 milhões de tone-ladas (+15,52%). De toda forma, Mato Grosso, seguirá sendo o estado que maisproduz soja no Brasil.

Quanto ao volume, é esperada uma produção de 59,5 milhões de toneladas(+1,9%). Ainda segundo a Conab, o crescimento da área plantada e do volumecolhido é conseqüência, principalmente, dos bons preços de mercado, negociadosem patamares bem mais elevados que em safras anteriores. As estimativas da Conabpara a área plantada e para a produção por região são apresentadas na Tabela 1.

TABELA 1TABELA 1TABELA 1TABELA 1TABELA 1

Soja: Área plantada e produção na safra 2007/08EstimativasRegião Área Produção

Mil Var. Milhões de Var.hectares % toneladas %

Norte 494,3 20,4 1.415,4 31,1

Nordeste 1.570,1 7,9 4.397,9 13,7

Centro-Oeste 9.615,7 5,6 29.072,5 9,7

Sudeste 1.400,4 (4,7) 3.947,3 (1,5)

Sul 8.138,7 (1,3) 20.669,6 (9,9)

Total 21.219,1 2,6 59.502,6 1,9

Fonte: Conab. Acompanhamento da safra brasileira de grãos 2007/2008 –Oitavo levantamento – Maio/2008.

De fato, em fevereiro de 2008, foi atingido o recorde de US$ 567 a tonelada(US$ 34 por saca de 60 kg) na Bolsa de Chicago. Segundo o Observatório doAgronegócio, baseado em notícia do Correio do Povo, esta é a maior cotação dahistória do pregão, fundado em 1982.3

2 Brasil conquistará a liderança da soja. SBCTA, fev. 2007. Disponível em www.sbcta.org.br.

3 Observatório do Agronegócio. Valor da soja atinge pico histórico. Disponível emwww.observatoriodoagronegocio, 21/02/08.

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SOJA E BIODIESEL

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ExportaçõesO volume das exportações do complexo soja em 2007 foi de 38,5 milhões de tone-ladas, 2,9% menor que o de 2006. A elevação dos preços no mercado internacional,no entanto, fez com que o valor destas exportações aumentasse cerca de 21,6%:US$ 11,323 bilhões, contra US$ 9,308 bilhões em 2006, representando 7,1% do totaldas exportações do Brasil. A soja continua sendo o principal produto de exportaçãodo agronegócio brasileiro, com 19,5% do total exportado em 2007. Para 2008, aAbiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) previa, em fevereiro de2008, um volume de exportações da ordem de 42,4 milhões de toneladas (aumentode 10,1%), com receitas em torno de US$ 16,477 bilhões de dólares (+45,5%).4

TABELA 2TABELA 2TABELA 2TABELA 2TABELA 2

Brasil – Exportações do complexo soja em 20072007 Volume (1000 toneladas) Valor (US$/tonelada) Valor (US$ milhões)Soja em Grão 23.734 283 6.709Farelo de Soja 12.474 237 2.957Óleo de Soja 2.343 707 1.656Total 38.551 11.323

Fonte: MAPA (2008) e Abiove.

GRÁFICO 1GRÁFICO 1GRÁFICO 1GRÁFICO 1GRÁFICO 1

Participação dos principais setores nas exportaçõesdo agronegócio em 2007

Fonte: MAPA (2008)

4 Abiove. Exportações do complexo soja. Disponível em www.abiove.com.br. Acessado em 06/03/08.

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Segundo previsões feitas pelo Fapri (Food and Agricultural Policy ResearchInstitute, dos Estados Unidos) em 2007, já na safra 2008-2009 as exportações bra-sileiras de soja ficarão acima das norte-americanas, transformando o País no maiorexportador mundial. Ainda segundo esta fonte, a participação brasileira passará de40% do total exportado de soja para 59,5% em 2016-2017, enquanto os EstadosUnidos cairão dos atuais 41,3% para 29,4%.

Por outro lado, as projeções de longo prazo divulgadas em janeiro de 2008pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) indicam que em dezanos as exportações de soja do Brasil serão quase o triplo das vendas americanas.De acordo com o Relatório de Projeções Agrícolas do USDA, as vendas de soja doBrasil deverão passar de 42,4 milhões de toneladas (na atual safra 2007/08, segun-do as projeções da Abiove) para 62,9 milhões de toneladas em 2017/18. O volumeé maior que o total da atual safra 2007/08. Já as exportações norte-americanasdeverão recuar de 26,5 para 22,5 milhões de toneladas no período.

De acordo com o governo dos Estados Unidos, a produção de soja do paísdeverá se estabilizar nos próximos anos, em favor da produção de milho, que deverácrescer. Ao mesmo tempo, haverá maior demanda interna por soja por conta docrescimento da produção de biodiesel.

Na Argentina, as exportações deverão atingir 9,1 milhões de toneladas em2008/09 para depois se estabilizarem em torno de 8,5 milhões. O país é maisvoltado à exportação de farelo e óleo de soja do que de grão.

Ainda segundo o USDA, a China, maior importador mundial de soja, deveráaumentar suas compras dos atuais 33,5 para 36,2 milhões de toneladas em 2008/09,chegando a 2017/18 com aquisições de 58,3 milhões de toneladas. A União Européia,segundo maior importador, deverá manter suas compras entre 14 e 15,5 milhões detoneladas, no mesmo período.

Produção e consumo no mundoApesar dos Estados Unidos seguirem sendo o maior produtor mundial de soja, asmaiores taxas de expansão da produção continuam sendo as do Brasil e Argentina.No ano de 2007 elas foram, respectivamente, de 6,1%% e 16,5%, A produção norte-americana também teve aumento: 4,1%.

O consumo de soja na China segue sendo o maior responsável pelo aumentodo consumo mundial. Segundo o USDA, além da crescente demanda naquele país, aqueda da oferta de rações à base de algodão e peixe impulsionou o consumo de farelode soja, resultando em aumento de 18,5% do consumo e 9,7% das importaçõeschinesas de grãos de soja em 2006. Sozinha, a China respondeu por 44% das impor-tações mundiais de soja, e por praticamente todo o aumento destas importações.5

5 USDA. Oil crops yearbook, summary. Março de 2007.

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Quanto aos preços mundiais, grão, farelo e óleo de soja sofreram aumentosde 2006 para 2007. Segundo a Abiove, estas elevações foram de 25,4% para os doisprimeiros e 41% para o último. Em 2008, no entanto, os preços da soja no mercadointernacional alcançaram seu maior nível dos últimos dez anos. No caso do óleo desoja, trata-se de um recorde histórico: US$ 900 a tonelada, em fevereiro de 2008,contra US$ 720, na média de 2007.

Quanto ao grão e ao farelo, a expansão da área plantada com milho nosEstados Unidos, em função dos subsídios concedidos pelo governo americano àprodução do etanol, vem causando expressiva redução da área plantada com sojanaquele país. Esta redução é tida como o principal fator a contribuir para a elevaçãodos preços internacionais dos produtos do complexo soja.

Os preços do óleo de soja contam ainda com outro fator de peso para suaelevação. O interesse mundial pela utilização dos óleos de colza, soja, dendê eoutros, também comestíveis, para a produção de biodiesel vem crescendo, emresposta à forte elevação dos preços do petróleo. Particularmente, a União Européiaampliou sua produção e consumo de combustíveis fabricados a partir de sementesoleaginosas. Como resultado, o preço do óleo de colza vem sofrendo sucessivosaumentos desde 2005, e foi fator determinante na elevação dos preços do óleo desoja e outros de origem vegetal.

TABELA 3TABELA 3TABELA 3TABELA 3TABELA 3

Soja – Principais produtores de 2002/03 a 2007/08Milhares de toneladas 2002/03 2003/04 2004/05 2005/06 2006/07 2007/08*EUA 75.010 66.778 85.013 83.368 86.770 70.360

Brasil 52.000 51.000 53.000 55.027 58.376** 61.000

Argentina 35.500 33.000 39.000 40.500 47.200 47.000

China 16.510 15.394 17.400 16.350 15.970 14.300

Índia 4.000 6.800 5.850 6.300 7.690 9.300

Paraguai 4.500 3.911 4.050 3.640 6.200 7.000

Canadá 2.336 2.263 3.042 3.161 3.460 2.700

Outros 6.933 7.385 8.391 11.374 11.604 8.190

Total 196.789 186.531 215.746 216.559 237.270 219.850

Fonte: USDA. World Agricultural Production. Janeiro, 2008* Previsão** Fonte: Conab (2008)

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GRÁFICO 2GRÁFICO 2GRÁFICO 2GRÁFICO 2GRÁFICO 2

Distribuição da produção mundial de soja – 2007/08 e 2016/17

Fonte: MAPA/FAPRI e USDA

De acordo com estimativas da FAPRI (2007), a produção mundial de soja alcança-rá 280 milhões de toneladas na safra 2016/17 (mais 27% sobre a safra 2005/06).Esta produção deve tornar-se ainda mais concentrada: Brasil, Estados Unidos eArgentina passarão a responder por 85% da produção mundial. O Brasil responderápor 33% e os Estados Unidos por 30% (ver Gráfico 2). Ainda de acordo com a FAPRI,a área plantada com soja no mundo deve aumentar de 93,4 milhões de hectaresem 2006/07 para 106,3 milhões de hectares em 2016/17. O aumento da produção,em toneladas, será da ordem de 60 milhões, em relação a 2006/07.

Mais concentração de terras no Mato GrossoA expansão da agricultura no Mato Grosso – maior produtor nacional de soja –vem sendo marcada por um movimento que se acentuou nos últimos três anosde crise no setor: o de concentração crescente da terra nas mãos dos grandes gru-pos agropecuários, que arrendam áreas pertencentes a produtores de médio porte.A previsão da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja) é queisso deverá ocorrer em ritmo acelerado, com contratos de arrendamento de terraspor período igual ou superior a dez anos.

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Segundo Marcelo Duarte, diretor-executivo da Aprosoja, a saída de produ-tores de médio porte da atividade se deve à sua menor capacidade de suportar ascrises provocadas por baixas no preço do produto e pela desvalorização do dólar,agravadas por problemas de logística, como o do transporte. Ele acredita que,apesar do alto nível de endividamento agrícola no estado – próximo de R$ 10 bi-lhões em 2007 – a área plantada de soja não será reduzida. “Isto porque os grandesgrupos agropecuários, que têm vantagens logísticas e de aquisição de insumos, pormovimentarem grandes volumes, vão continuar arrendando áreas dos produtoresde menor porte, que estão endividados e não vislumbram recuperação diante doatual nível de rentabilidade oferecido pela cultura de grãos”, diz.

O produtor de soja e presidente do Sindicato Rural de Primavera do Leste,José Nardes, foi um dos que arrendaram por dez anos duas de suas três terras, cadauma com cerca de 2 mil hectares, para um grande produtor da região. Segundoele, isso aconteceu com seus vizinhos e com a grande maioria dos produtores demédio porte do município, considerado um dos maiores produtores de grãos doestado. “Além das dívidas contraídas, a renda do produtor caiu pela metade”,lamenta Nardes.6

O Programa Nacional do BiodieselO Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, além de buscar uma alternativaaos combustíveis fósseis, foi lançado com o objetivo de incentivar a agriculturafamiliar como fornecedora de matérias-primas. O governo lançou um selo social egarantiu desoneração tributária para as usinas que comprarem estas matérias-primas dos pequenos produtores. No aspecto da balança comercial, o programavisa reduzir o dispêndio de divisas com o óleo diesel, que respondia em 2007 por56% do consumo nacional de combustíveis líquidos. (Vieira, 2007)

O consumo interno de óleo diesel no Brasil foi, em 2007 da ordem de 42bilhões de litros por ano, sendo 80% utilizados em transportes, 16% consumi-dos pela agricultura e 4% pela indústria e outros setores. Para atendimento dademanda nacional, abastecendo uma frota de 2,3 milhões de caminhões, ônibuse picapes, o Brasil importa de 6% a 8% do diesel consumido internamente – 2,5a 3,4 bilhões de litros por ano. A mistura de biodiesel na proporção de 2% (B2),obrigatória a partir do início de 2008, requereu a oferta anual de 840 milhões delitros para abastecer o mercado interno (Rodrigues, 2007). A produção necessáriaà mistura B3 – correspondente a 3% de biodiesel, volume a ser adicionado aoóleo diesel na segunda fase do Programa, a partir de julho de 2008 – é da ordem de1,68 milhões de litros/ano.

6 Área avança, mas com concentração. Gazeta Mercantil, 15/06/07. Disponível em www.truman.com.br.

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O Ministério do Desenvolvimento Agrário instituiu e regulamentou a concessãode um certificado, o Selo Combustível Social, que confere ao produtor de biodieselo reconhecimento das condições requeridas para desfrutar dos incentivos fiscais.Para obter o certificado, o produtor deve adquirir no mínimo 50% de matérias-primas oleaginosas produzidas por agricultores familiares na Região Nordeste e noSemi-Árido, no mínimo 30%, nas Regiões Sul e Sudeste e, no mínimo, 10% nasRegiões Norte e Centro-Oeste.

Para obtenção do selo, o produtor de biodiesel deve, assim, celebrar previa-mente os contratos com os respectivos produtores de matérias-primas. Para assegurara efetiva presença da agricultura familiar, a regulamentação prevê também a partici-pação contratual de uma organização de trabalhadores rurais, como a CONTAG, aFETRAF ou a ANPA (Bermann, 2007). Com isso, o governo busca zelar pela transpa-rência das informações constantes dos contratos, ao contrário do que sucede emoutros segmentos da cadeia produtiva de alimentos, onde prevalece a produção sobo modelo de integração.

Segundo o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, o selocombustível social permitiu a organização das comunidades: “Já temos 540 milhectares plantados pela agricultura familiar, com 97 mil famílias na produção debiodiesel, das quais mais de 50% no Nordeste. Com os leilões e as metas deste ano(2008), chegaremos a 200 mil famílias. Mas é preciso produzir sementes, garantircrédito, implementos, adaptar o seguro agrícola e dar assistência técnica. O Pronaf(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) firmou mais de 70mil contratos, com mais de R$ 100 milhões em financiamentos. Essas pessoas nuncativeram uma relação formal de trabalho. Trabalhavam como bóias frias. Pela primeiravez, o Estado brasileiro oferece um programa envolvendo organizações sociais eempresas privadas. Isso prende a pessoa na terra.”7

Há isenção ou redução de impostos federais incidentes sobre os combustíveis,variável por região e por categoria de produtor, como ilustra a Tabela 4. Atualmente,o incentivo máximo – redução de 100% dos impostos federais incidentes sobrecombustíveis – é conferido à produção de biodiesel fabricado nas regiões Norte,Nordeste e no Semi-Árido, desde que as matérias-primas sejam fornecidas, em ambosos casos, por agricultores familiares. Para estas mesmas regiões, a redução máxima éde 32% dos tributos federais se os agricultores não forem familiares.

7 Época Negócios. Entrevista Guilherme Cassel: biodiesel social e econômico. 05/06/ 08.

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TABELA 4TABELA 4TABELA 4TABELA 4TABELA 4

Tributacão sobre o BiodieselTributação Federal sobre o Biodiesel (4 situações)Escalonamento das Alíquotas do PIS e COFINSBiodiesel Base Situação 1 Situação 2 Situação 3 Situação 4

Regime Regra Mamona, Agricultura Mamona,Especial Geral Palma Familiar Palma, N/NE

N/NE e PRONAF e Semi-áridoSemi-árido Agricultura

Familiar

Coeficientede Redução 0,000 0,676 0,775 0,896 1,000

R$/m3 Aliq. % R$/m3 R$/m3 R$/m3 R$/m3

PIS/PASEP 120,14 6,15 38,90 27,03 12,49 0,00

COFlNS 553,19 28,32 179,10 124,47 57,53 0,00

TOTAL(1) 673,33 34,47 218,00* 151,50 70,03 0,00

Legislação Lei 11.116/05 Decreto 5.297/05

DIESEL (CIDE+ PIS/COFINS) 218,00

(1) O Biodiesel não sofre incidência da CIDE

* Alíquota Efetiva ~ 13,6%

Fonte: disponível em http://www.bndes.gov.br/conhecimento/seminario/Biodiesel_granol.pdfElaboração: Abiove

Obs.: Em maio de 2008, os benefícios fiscais à mamona e à palma adquiridas da agricultura familiar foramestendidos às demais matérias-primas.8

Apesar disso, nas palavras de Arnoldo de Campos, coordenador do Programano âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), “o governo não sabedo que é feito o biodiesel no País”. A Casa Civil informa também que “não existe umacompanhamento sistemático sobre o volume e as matérias-primas usadas na pro-dução de biodiesel”. Segundo a assessoria do ministério, não é objetivo do governofazer esse controle sobre a produção. Da mesma forma, a assessoria do Ministériodas Minas e Energia informa que não produz levantamentos sobre as matérias-primas usadas pelas indústrias de óleo vegetal na mistura do biodiesel.9

O coordenador do Programa no MDA diz que a apuração da origem do bio-diesel se torna ainda mais complicada, porque a Agência Nacional do Petróleo, GásNatural e Biocombustíveis (ANP) não exige da empresa que vence os leilões e forneceos produtos para a distribuidora a informação detalhada da produção. A ANP ape-nas vistoria o óleo no final para saber se está dentro das especificações técnicas.

8 Leonardo Goy. Governo amplia desoneração a produtores de biodiesel. Petrobio-Biodiesel, 16/05/08.

9 Jeferson Ribeiro. Governo não sabe do que é feito biodiesel no Brasil. Invertia, 03/05/08.

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“O que acontece muitas vezes é que a indústria de óleo vegetal faz umamistura de óleo de soja com outras oleaginosas. Não há controle sobre o processoprodutivo”, explica Campos.

Para os primeiros anos do programa, foi adotado, para comercialização dobiodiesel, o sistema de leilões reversos, promovidos pela Agência Nacional doPetróleo. Até abril de 2008, foram realizados nove leilões, através dos quais aPetrobras adquiriu cerca de um bilhão de litros de biodiesel, que começaram a serentregues em 2006. Os leilões fixam um preço de referência e as empresas vencedo-ras são as que oferecem biodiesel ao menor preço. Verificando o resultado desteconjunto de leilões realizados, é possível apenas estimar, a partir do perfil e da loca-lização das empresas fornecedoras, o predomínio do óleo de soja, com uma partici-pação ao redor de 90% em relação ao total negociado.

Em segundo lugar vem a mamona, cuja produção encontra-se extremamenteconcentrada na Bahia, que responderá em 2008 por 78% de sua produção no Brasil.Segundo informação da Conab de fevereiro de 2008, a área plantada teria sidoampliada de 155,6 mil para 170 mil hectares (+14,4%) entre 2006 e 2007, comuma reação eufórica frente ao biodiesel.10 No entanto, face aos preços obtidos nosprimeiros leilões, o levantamento do mês seguinte (março) da mesma Conab jáprevia que a área plantada na Bahia teria aumento de apenas 1,7%, passando para158,2 mil hectares.

Segundo Arnoldo de Campos, do MDA, o perfil das indústrias produtoras debiodiesel que participam dos leilões é variado. Há empresas, geralmente de grandeporte, do setor químico e de óleos vegetais, do setor de combustíveis, termelétricase comercializadoras de gado (como a Bertin).

O mercado do biodiesel em 2008A produção de biodiesel no Brasil em 2007 somou 400 milhões de litros, de acordocom dados da Agência Nacional do Petróleo – ANP. O volume é 480% superior aoregistrado em 2006, ou o equivalente a 48% do que o Brasil deve consumir em 2008misturado ao diesel mineral.11

Por estado, o primeiro lugar ficou com Goiás, com 111 milhões de litros,seguido por Bahia (69 milhões de litros), Ceará (47 milhões de litros), Rio Grande doSul (43 milhões de litros) e São Paulo (36 milhões de litros). Outros estados comprodução significativa são: Piauí (30 milhões de litros), Maranhão (23 milhões delitros) e Tocantins (23 milhões de litros).

10 Patrícia Künzel. Biodiesel tem futuro incerto no Brasil. Gazeta do Povo-PR, 07/05/07.

11 Brasil produziu 399 milhões de litros de biodiesel em 2007. www.biocomb.com.br, 15/02/08.

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Para Aluísio Sabino, da Casa do Consultor12, “o resultado é que fazer biodieselhoje dá prejuízo. Estimuladas por amplos incentivos do governo, muitas empresasinvestiram no setor. Existem 49 usinas aprovadas pela ANP, com uma capacidadeinstalada de 2,5 bilhões de litros por ano – quase três vezes a cota necessária parasuprir o ano de 2008.

Outras 47 fábricas aguardam autorização da agência para serem implantadas.Quando todas as usinas estiverem em operação, a capacidade de produção alcançará3,8 bilhões de litros por ano. “Houve uma explosão no setor que gerou uma febrede competição e acabou jogando os preços lá embaixo”, diz Jorio Dauster, presidentedo conselho de administração da Brasil Ecodiesel, a maior empresa do setor, quepossui seis usinas.

Em leilão promovido pela ANP em novembro de 2007, a Petrobras adquiriu380 milhões de litros de biodiesel pelo preço médio de R$ 1,86 por litro – embora opreço de referência fosse R$ 2,40. Este valor não cobre sequer o custo de produção,estimado em R$ 2 o litro do combustível feito com óleo de soja, considerado comoa versão mais viável economicamente. Por que as empresas se comprometeram aentregar o produto com prejuízo?

A explicação é que, uma vez que muitas usinas já estão construídas, há umaânsia em fechar contratos com a Petrobras e garantir alguma remuneração para oinvestimento. Afinal, os leilões já realizados pela ANP garantiriam o abastecimentode biodiesel para todo o primeiro semestre de 2008 e não haveria outra grandeoportunidade de venda tão cedo. “Não podemos ficar com as fábricas paradas porseis meses”, diz Dauster.

Diante do cenário de matéria-prima nas alturas, o setor ficou dividido. “Algumasempresas acharam que era melhor apostar nesse início de programa, mesmo com opreço abaixo do custo. Outras entenderam que não dava para trabalhar no prejuízo”,diz Odacir Klein, ex-ministro dos Transportes e diretor da União Brasileira do Biodiesel(Ubrabio). O grupo Bertin foi um dos que preferiram ficar de fora inicialmente, masvem participando ativamente em 2008.

Quem vendeu o produto nos leilões, porém, lida com uma equação difícil.Por isso, existe a desconfiança de que algumas empresas não irão entregar o bio-diesel leiloado, repetindo o que ocorreu ao longo de 2007. Nesse período, quandoo mercado operou em fase de teste, apenas 400 milhões de litros, menos da metadedo volume vendido, foram entregues.

A produção de biodiesel em janeiro de 2008 foi de 51,78 milhões de litros, comdéficit de 15 milhões de litros em relação ao consumo. Para suprir essa deficiência,as empresas envolvidas no processo se valeram dos estoques acumulados em 2007.13

12 Biodiesel: bom de marketing, ruim de lucro. www.casadoconsultor.zip.net.

13 Produção de biodiesel fica abaixo do consumo. BiodieselBr.com, 17/03/08.

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De acordo com as informações divulgadas pela ANP, as empresas Binatural,Fiagril e Oleoplan, que assumiram compromissos de entrega de biodiesel a partirde janeiro de 2008, não informaram produção nos meses de dezembro e janeiro.A ADM e a Bertin também não produziram em dezembro e janeiro. A Biocapitalinformou produção nos meses de dezembro e janeiro, mas muito abaixo do volumemensal que deverá entregar. A Granol e a Brasil Ecodiesel precisariam aumentarsua produção em cerca de 30% para atender dentro dos prazos os compromissosassumidos nos leilões.

A BSBios produziu no mês de janeiro mais que todo o biodiesel vendido nosleilões, a ser entregue até 30 de junho. Considerando a recente autorização paraexportar biodiesel, é provável que a empresa, estabelecida em Passo Fundo-RS,tenha encontrado um caminho lucrativo para exportar seu biodiesel.

Para diminuir o risco de faltar o produto, a agência reguladora incluiu penali-dades para quem não fornecer o prometido, proibindo a participação em futurosleilões. “O objetivo dos primeiros leilões era estimular o mercado a produzir e, por-tanto, os contratos nem traziam cláusulas punitivas. Agora, não existe mais essapossibilidade”, diz Edson Silva, superintendente de abastecimento da ANP.

Quando o programa brasileiro de biodiesel foi concebido, em 2005, o mercadodas commodities agrícolas ia mal. Mas, desde então, suas perspectivas mudaram.O aumento de renda na China e na Índia elevou em 6,5% o consumo de óleosvegetais em 2007, e já se prevê novo crescimento da demanda, de 6%, em 2008.

Além disso, o avanço dos agrocombustíveis também mexeu com o mercado deóleos vegetais. À medida que o biodiesel ganha peso na matriz energética mundial,sua conexão com o petróleo aumenta. “Isso significa que um preço mais alto do petró-leo tem sido traduzido em maiores preços dos óleos vegetais”, diz James Fry, diretorda consultoria inglesa LMC, especializada no mercado de commodities agrícolas.

Pressionado pelas empresas, o Conselho Nacional de Política Energética decidiuque a partir de 1º de julho de 2008 o uso de 3% de biodiesel é obrigatório no Brasil.A capacidade instalada excedente, de 1,6 bilhão de litros anuais, já faz o governoestudar também a antecipação, de 2013 para 2010, da meta de 5% de biodiesel.

O governo atendeu também reivindicações das indústrias no sentido de intro-duzir uma série de mudanças nas regras dos leilões, com o objetivo de elevar ospreços até então obtidos. Estas reivindicações foram atendidas, resultando em forteaumento dos preços do biodiesel adquirido, no oitavo e nono leilões, realizados emabril de 2008. O preço médio saltou de R$ 1,86, em novembro de 2007, para R$ 2,18,com elevação de 17,2%, em um intervalo de cinco meses.

O anúncio destas novas regras contribuiu para estimular a produção de bio-diesel em 2008. Em fevereiro a produção brasileira atingiu recorde de produção,com 75,9 milhões de litros produzidos, e no mês de março a produção foi de61,8 milhões de litros.

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O destaque produtivo ficou por conta da ADM, que estabeleceu um novorecorde de produção mensal. Sua usina, localizada em Rondonópolis-MT, produziu11,7 milhões de litros, superando o recorde anterior, da Granol, de Anápolis-GO,de 10,5 milhões de litros, registrado em fevereiro deste mesmo ano (ver Gráfico 3).Os estoques formados pela ANP vêm garantindo, de qualquer forma, a mistura obri-gatória, pois a produção de biodiesel no ano é maior que o consumo.14

GRÁFICO 3GRÁFICO 3GRÁFICO 3GRÁFICO 3GRÁFICO 3

Nono leilão de biodiesel: volume arrematado por empresa(abril de 2008)

Fonte: ANP.

Os preços e as vendas em alta trazem, uma vez mais, otimismo para o setor ealgumas empresas anunciam novos investimentos, com base nesta perspectiva paraos próximos anos. No segundo semestre de 2008, o setor deve comercializar maisde 660 milhões de litros, tornando o Brasil o terceiro maior produtor de biodiesel domundo, atrás apenas de Alemanha e EUA.

O governo deve ainda estimular o chamado mercado de BX, em que empresasutilizam o biodiesel em frotas próprias, em maiores proporções. A Vale do Rio Doce,por exemplo, mistura 20% de biodiesel ao diesel de suas locomotivas. “Essa podeser uma nova fronteira para o biodiesel nacional, porque a exportação ainda vaidemorar a acontecer”, diz Silva, da ANP.

14 ANP divulga produção de biodiesel em março. BiodieselBR.com, 20/05/08.

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GRÁFICO 4GRÁFICO 4GRÁFICO 4GRÁFICO 4GRÁFICO 4

Volume total produzido pelas usinas de biodieseldo Brasil em 2008(em m3)

Fonte: www.biodiesel.com.br.

Segundo o Ministério do Planejamento, o PAC – Programa de Aceleração doCrescimento, lançado em 2007 pelo Governo Federal, prevê, até 2010, investi-mentos de R$ 1,2 bilhões em novas usinas de produção de biodiesel, com a entradaem operação de 20 delas em 2007 e 26 em 2008.15

15 Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Programa de Aceleração do Crescimento, 2007-2010.Apresentação em Power-Point disponível em www.planejamento.gov.br

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FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1

Novas usinas de biodiesel

Fonte: Ministério do Planejamento, 2007.

As pressões da indústria do biodieselNo que diz respeito aos leilões de compra realizados pela Petrobras, os produtoresreivindicam que estes não mais sejam realizados a preços fixos. Em verdade, a intençãodestes produtores é a de ter, a cada momento, a liberdade para optar pela venda doóleo de soja nos leilões ou no mercado internacional. O agronegócio da soja quer,assim, reajustes anuais, balizados pelo mercado internacional do óleo de soja. E esteé um risco que as distribuidoras de combustíveis, acostumadas com o preço razoa-velmente estável do diesel, não querem correr.

A reivindicação explica-se, também, pelo fato de que o preço do óleo de sojana bolsa de Chicago já subiu de cerca de US$ 400 por tonelada, em 2005, paraUS$ 567 em abril de 2008. E esta tendência de alta pode permanecer por maistempo. O site biodiesel.com.br publicou, em março de 2008, uma comparaçãoentre o preço do barril de petróleo e o do óleo de soja:

“Nos primeiros oito meses de 2006 o petróleo ficou na média de 65 dólarespor barril enquanto o óleo de soja correspondia a 80 dólares – 23% mais caro que obarril de petróleo. Hoje o petróleo custa U$ 100 o barril e o óleo de soja U$ 238(valores da Bolsa de Chicago). O óleo de soja vale hoje 138% mais que o petróleo.Nos últimos dezoito meses, enquanto o petróleo subiu 54%, o óleo de soja subiu198%. Esse aumento é quase três vezes o do petróleo... O que realmente elevou opreço dos óleos vegetais para estes níveis foi a demanda por biodiesel no mundointeiro, que reduziu todos os estoques disponíveis a níveis mínimos.”16

16 Petróleo X soja. www.biodiesel.com.br, 06/03/08.

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Com isto, as empresas de processamento têm suas margens de lucro reduzidasou mesmo anuladas. Segundo Tom Waslander, sócio da Brasilpar, com o preço dobiodiesel próximo aos níveis praticados nos leilões, e o custo de óleo de soja a US$500/tonelada, o retorno anual é superior a 25%, o que é muito atrativo e explica ogrande interesse do setor pelo Programa. Entretanto, mantido o preço do biodiesel,mas comprando óleo de soja a US$ 600/tonelada, a rentabilidade do projeto ficapróxima de zero.

Estas contas, certamente, contribuem para explicar o fato de que, até o mês demarço de 2007, a Soyminas, de Minas Gerais – o primeiro produtor de biodiesel auto-rizado do país –, dois anos após sua inauguração, não havia cumprido um só contratode fornecimento. Em 2008, a Soyminas interrompeu a produção de sua planta, locali-zada em Cássia (MG). A unidade operava com girassol, nabo forrageiro e soja.

A empresa anunciou também que deve voltar-se para o mercado externo. “Temosmuitos interessados em comprar biodiesel no exterior e o preço que pagam é muitomelhor”, diz Valter Egídio, presidente do conselho de administração da companhia.A demanda é grande na Europa, mas tem crescido fortemente também o interessedo Japão pelo combustível, segundo ele. “Pretendemos participar dos próximos leilões,mas o foco vai ser fechar o melhor contrato”.17

Culturas alternativasA elevação do preço do óleo de soja na Bolsa de Chicago faz com que alguns setoresdo governo acreditem que, em médio prazo, outras culturas poderão substituir,gradativamente, o óleo de soja para a produção do biodiesel. O Ministério do Desen-volvimento Agrário estima que a participação da soja no mercado, hoje de 90%, seráde 60% no final de 2008. A mamona virá em seguida, com 25%, e o restante estarádividido entre girassol, dendê e sebo bovino. “A instabilidade da soja está empur-rando os produtores para outras culturas”, segundo Arnoldo Campos, CoordenadorGeral de Agregação de Valor e Renda do MDA.18

Algumas alternativas, como a mamona e o pinhão manso, estão recebendogrande atenção do MDA. Em médio e longo prazos, estas culturas alternativas podemser até mais vantajosas que a soja, já que apresentam um maior rendimento de óleopor hectare cultivado, são mais adequadas à agricultura familiar e não competemcom aplicações para consumo humano.

De toda forma, sejam quais forem as oleaginosas eleitas, o gargalo não seacha na produção. Mesmo que o Brasil dependesse só da soja, ainda haveria certoconforto. Considerando que o país produz 56 milhões de toneladas/ano dessa

17 Patrick Cruz e Mônica Scaramuzzo. Sem estímulo, produtores de biodiesel param as máquinas.www.biodiesel.com.br, 27/02/08.

18 Biodiesel: esse negócio vai emplacar? Disponível em www.biodiesel.com.br, 02/07/07.

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oleaginosa, o potencial de óleo vegetal seria de cerca de 11 milhões de toneladas/ano. O volume é cerca de oito vezes a necessidade de biodiesel em 2008. Isso semcontar o sebo bovino produzido no País, que, pelas contas do governo, poderiacobrir sozinho essa meta.

As propostas do empresariado da sojapara o biodieselAs empresas de processamento e comercialização da soja, através da Abiove19,defendem a ampla utilização da soja na implementação do Programa Nacional doBiodiesel, argumentando que este responde por cerca de 90% da produção bra-sileira de óleos vegetais. Afirmam, ao mesmo tempo, que, gradativamente, o óleode soja poderia ser substituído pelo de outras oleaginosas com maior teor de óleo eprodutividade por hectare.

São apresentadas (Abiove, 2007) duas possibilidades de utilização do óleo desoja no programa, sem que seja necessário o aumento da área plantada. A primeiradelas é redirecionar parte das exportações de soja em grão para o processamentodoméstico, gerando volume adicional de óleo de soja para o biodiesel e exportandoo farelo de soja, ao invés da soja em grãos. Apresenta como vantagens desta opção:a redução da capacidade ociosa da indústria processadora, manutenção do ingressode divisas, maior agregação de valor e geração de empregos. A segunda possibi-lidade seria o redirecionamento de parte do volume exportado de óleo de soja paraa produção do biodiesel.

As indústrias de esmagamento de óleos vegetais, como se pode ver, têm grandeinteresse no Programa Nacional do Biodiesel. Em outra publicação da entidade,pode-se constatar que sua capacidade ociosa em 2005 era de cerca de 10 milhõesde toneladas, o equivalente a cerca de um quarto de sua capacidade total (Abiove,2006). Por conta deste interesse, as empresas filiadas à Abiove vêm pressionando ogoverno a adotar um pacote de medidas fiscais que viabilizem suas aspirações.

O lobby da indústria da sojaEm maio de 2007, o Jornal do Comércio20 informava que a indústria de processa-mento de soja estava negociando com o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, umpacote tributário destinado a modificar a taxação sobre as exportações do produto,bem como a sistemática de compensação de impostos, além de reduzir a alíquotado imposto incidente sobre o biodiesel da soja.

19 A Abiove – Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais – reúne onze grandes empresasdo segmento, responsáveis, em 2006, por mais de 70% do volume de processamento da soja no Brasil.Dentre as maiores empresas do setor, somente a Caramuru Alimentos não é associada à ABIOVE.

20 Indústria da soja negocia pacote tributário. Jornal do Comércio, 03/05/07.

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Em maio de 2008, exatamente um ano depois, o Ministério das Minas eEnergia, através de decreto, determinou a extensão da isenção dos benefícios fiscaisaos fabricantes de biodiesel que comprarem qualquer tipo de matéria-prima produ-zida pela agricultura familiar das regiões Norte e Nordeste e do Semi-Árido. A regraque vigorava anteriormente previa que a isenção só poderia ser aplicada para quemadquirisse mamona ou palma dos agricultores familiares.

Segundo Carlo Lovatelli, presidente da Abiove, as medidas fiscais têm porobjetivo estimular o processamento da soja no país, reduzindo a proporção de grãosexportados e aumentando a de farelo e óleo:

“É uma aberração, mas estamos fazendo um trabalho muito forte em cimadisso para ver se a gente muda essa relação; temos de rever com o governo a políticatributária, de incentivo às exportações, já que se tributa valor agregado (óleo e farelo)e não se tributa matéria-prima, exatamente o contrário do que os outros fazem”.

Outra medida visa agilizar o recebimento, por parte da indústria, dos créditostributários relativos ao ICMS recolhido sobre o farelo e o óleo de soja. Em relação aobiodiesel, a reivindicação da indústria brasileira é de que o governo conceda isonomiatributária ao combustível feito a partir da soja, já que o produto elaborado com outrasmatérias-primas, como mamona e palma, tem isenção de impostos. Esta isonomiacorresponderia à concessão à indústria da soja dos mesmos benefícios fiscais conce-didos à agricultura familiar pelo Programa Nacional do Biodiesel.

Para Nivaldo Rubens Trama, presidente da Associação Brasileira das Indústriasde Biodiesel (ABIOdiesel), o biodiesel surge como opção para suprir uma baixa nademanda por óleo de soja. “Acredito que nos próximos dois anos as grandes esma-gadoras migrarão parte de suas atividades para a produção de biodiesel a fim deaumentar o mix de opções na hora de comercializar seus produtos. Além disso, asmatérias-primas que possuem grandes escalas, como a soja, serão o principal focodessas empresas”.21

Outras propostas da AbioveA proposta da Abiove no sentido de aumentar a renda do produtor rural é o “desen-volvimento de mecanismos que levem à diversificação e agregação de valor à produ-ção de grãos. Isto pode ser feito transformando o produtor de grãos (soja e milho),principalmente no Cerrado, em produtor de carnes (aves e suínos) para exportação.Enquanto, historicamente, uma tonelada de soja vale cerca de US$ 230 (e a tonela-da de milho US$ 100), uma tonelada de carne de porco vale mais de US$ 1.500.Portanto, a possibilidade de agregar valor à produção de grãos através da produçãode carnes para exportação levaria à geração dos recursos necessários para preservar

21 Biodiesel aguça o apetite de três multinacionais européias. Jornal DCI, 08/07/05.

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o meio ambiente, fazendo a conservação através do uso sustentável”. Tais propo-sições são apresentadas em sua publicação Produção responsável no agronegócioda soja (Abiove, 2007).

Ainda segundo a Abiove, esta seria a melhor maneira de reduzir a pressãosobre novas áreas para a agricultura. Ao mesmo tempo, a produção de carnes noCerrado viabilizaria as atividades de pequenos e médios produtores em regime deintegração com as grandes empresas de processamento de aves e suínos, “com fortesimpactos na geração de empregos na região. Assim, seria possível reproduzir noCentro-Oeste o modelo de produção agrícola presente na região Sul do país”.

A Abiove argumenta, no mesmo documento, que esta produção de carnestambém significaria a redução do ciclo da monocultura da soja naquela região.Isso ocorreria em função do aumento da produção do milho (hoje inviável, segundoa Abiove, em função dos preços do frete para escoar a produção para o sul) paraprodução de ração animal, especialmente no estado do Mato Grosso. Este rodíziode culturas entre soja e milho, ao reduzir a propagação de pragas como a ferrugemasiática, reduziria igualmente a utilização de agroquímicos.

A Abiove defende também o sistema de integração lavoura-pecuária, ondea produção de grãos se daria em áreas degradadas de pastagens, com o objetivode recuperar a fertilidade do solo e aumentar a produtividade do pasto, numesquema semelhante ao da rotação de culturas: no verão, seriam plantados mi-lho e soja. No inverno, com o pasto recuperado, bois alimentar-se-iam deforrageiras e pastagens.

O Ministério da Agricultura também defende esta proposta. Afirma que, nospróximos anos, cerca de 30 milhões de hectares de pastagens com baixa produti-vidade deverão ser liberados para a agricultura através do sistema de integraçãolavoura-pecuária. Na verdade, o que se propõe é o mesmo modelo de produçãointegrada já vigente para a produção de frangos, porcos, fumo, soja e outros produ-tos agropecuários, através do qual o mencionado valor agregado é apropriado pelasgrandes empresas do setor agroindustrial, em prejuízo da agricultura familiar.

Para viabilizar tais propostas, a Abiove defende as posições brasileiras nasprincipais negociações comerciais em que o Brasil está envolvido: a retirada, porparte dos países desenvolvidos, das barreiras tarifárias, dos subsídios e das salva-guardas especiais à produção doméstica de carnes. Argumenta, neste sentido, que “háuma responsabilidade destes países com relação à monocultura da soja no Brasil”.

O biodiesel e os movimentos sociais do campoEm abril de 2005, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e o Movimentodos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lançaram a Cooperbio, primeira coope-rativa de biodiesel do País, no Rio Grande do Sul. Em agosto de 2006, a Cooperbiojá contava com 1.500 associados, mas o plano é chegar a 20 mil. Localizada em

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Palmeira das Missões, a cooperativa envolve cerca de 25 mil famílias de 62 muni-cípios da região noroeste do estado. Sua capacidade de produção deve alcançar400 mil litros de combustível por dia.22

Para Romário Rossetto, presidente da cooperativa, a saída para o biodiesel sãoos multióleos, e não a soja. A Cooperbio prioriza o uso de matérias-primas como amamona, o pinhão-manso e o girassol. Além de serem naturais e seus plantios nãodegradarem o meio ambiente, pois não são monoculturas e estão livres de agrotóxicos,elas fornecem mais óleo do que a soja. Do esmagamento da soja se obtém apenas18% de óleo, enquanto que da mamona, por exemplo, se obtém mais de 50%.23

Outro diferencial da Cooperbio apontado por Rossetto é que o projeto consis-te em produzir energia e alimento, fazendo com que o agricultor participe de toda acadeia produtiva e da venda. “Nós estamos trabalhando aqui a idéia de energia ealimentos, no caso do álcool e do biodiesel. Trabalhar, inclusive, o álcool com aprodução de leite. Por exemplo, você pode tratar o bagaço da cana, aumentandoa produtividade do leite. Então perfeitamente dá para trabalhar a produção deenergia com alimento”, afirma.

Para Rossetto, muitas empresas de agrocombustíveis estão sendo criadasapenas para estimular a monocultura de soja do agronegócio. “O capital imobili-zado do agronegócio está todo voltado pra soja. Então eles estão tentando salvarseus investimentos”, argumenta.24

Como mencionam Abramovay e Magalhãess (2007), a possibilidade de ofere-cer aos agricultores familiares novas oportunidades de acesso a mercados, bem comoas inéditas possibilidades de fortalecimento político do sindicalismo rural, são asduas hipóteses que explicam o engajamento de sindicatos, principalmente aquelesfiliados à CONTAG, no programa.

Nos movimentos sociais rurais existem, porém, fortes oposições. Para estes,é inaceitável o atual modelo de relacionamento com as empresas processadoras.Reivindicam, além de mudanças nesta sistemática, que o governo garanta as condi-ções para que os agricultores familiares desenvolvam produção e industrializaçãopróprias. Estes segmentos dos movimentos sociais, da mesma forma, vêm exercen-do forte contestação ao selo combustível social. A Fetraf, o MST e o MPA rejeitam omodelo que estimula a integração entre agricultores familiares e grandes empresasprivadas. Em 2007, em Curitiba, A Fetraf e o Sindipetro (Sindicato dos Trabalhadoresda Petrobrás) lançaram um manifesto contra o selo. (Abramovay e Magalhães, 2007)

22 Suzane Durães. MPA lança primeira cooperativa de biodiesel no País. Abril de 2005.www.mpabrasil.org.br.

23 É importante assinalar que, ao contrário do bagaço da mamona, o da soja tem elevado valor comercial,por ser utilizado como ração animal.

24 Raquel Casiraghi. Biodiesel não depende da soja, diz agricultor. Agência Chasque, agosto de 2006.www.mpabrasil.org.br.

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Frei Sérgio Antônio Görgen, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)propõe que as cooperativas fiquem responsáveis por outros estágios da cadeiaprodutiva e desenvolvam parcerias com empresas públicas. Apesar das críticas, eleconsidera que “está melhorando” o cenário para a agricultura familiar, com assis-tência técnica e linhas de crédito específicas – hoje existe o Pronaf Oleaginosas, oPronaf Biodiesel e o Agroindústria.25

Para Georges Flexor, do Instituto Multidisciplinar da Universidade FederalRural do Rio de Janeiro (IM/UFRRJ), uma das coisas mais positivas da implemen-tação do Programa é a perspectiva de novos cultivos e novas rotas tecnológicas:“O conjunto expressivo de participação de agricultores de forma distribuída peloterritório e a redescoberta de matérias-primas como o pinhão manso e o dendêpodem ser as grandes contribuições desse modelo”, defende. Ele sublinha que tecni-camente não há impedimentos para que as cooperativas abriguem cada vez maisetapas da cadeia produtiva do setor. “O problema é criar capacidade produtiva eorganizativa, para produzir em larga escala e cumprir regras”, observa.

A Via Campesina alerta sobre o aumento dramático dos preços dos alimentos.“Há mais de um ano, o trigo dobrou de preço e o milho está quase 50% mais carodo que no ano anterior. Os mecanismos de controle de preços estão sendo desman-telados em todo o mundo, expondo agricultores e consumidores à extremavolatilidade de preços”.26

O diesel H-BioEm maio de 2006, a Petrobras anunciou a substituição, a partir de 2007, de pelomenos 10% do diesel importado pelo H-Bio, produzido a partir do óleo de soja.O novo diesel seria produzido inicialmente apenas nas refinarias da Petrobras deMinas Gerais e Paraná (Regap e Repar), mas deveria também ser processado emoutras três refinarias a partir de 2009. A idéia era utilizar nesta primeira fase doprojeto 9,6% do óleo de soja refinado exportado pelo País, percentual que deveriaaumentar gradativamente, atingindo 15,5% em 2008-2009.

Em agosto de 2007, porém, a Petrobras decidiu suspender a produção deH-Bio por causa da alta do preço do óleo de soja. A empresa explicou na ocasiãoque, com os preços do óleo de soja então vigentes, não valeria a pena usá-lo noprocesso de produção do diesel.

A principal diferença entre o H-Bio e o biodiesel é que, no caso do biodiesel,o óleo, originado dos grãos de plantas como mamona, girassol, soja ou dendê éadicionado ao diesel nas distribuidoras, após passar por um processo químico em

25 Suspensão de selo, otimismo e críticas caracterizam programa. Jornal Alto Madeira – O Guaporé,06/02/2008.

26 Crise de Preços e Agricultura Familiar. Via Campesina Internacional. 27/02/2008.

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uma planta de transesterificação. Já no caso do H-Bio, o óleo vegetal entra no pro-cesso de refino do petróleo, juntamente com hidrogênio. O resultado desta misturaé um diesel equivalente ao comum, mas com quantidade reduzida de enxofre e, porisso, menos poluente.27

Em fevereiro de 2008, a Ministra-Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, decla-rou que a introdução do biodiesel no Brasil deverá ser mais lenta que o esperadoinicialmente. Sobre o H-Bio, afirmou que sua produção vai se dar em função dopreço internacional da soja. Ela disse que o H-Bio vai funcionar como se fosse “umflex-fuel”. Quando houver excesso de oferta a Petrobras poderá comprar todaessa soja para fazer H-Bio e equilibrar oferta e demanda. A ministra afirmouainda que a Petrobras está fazendo estudos para produzir H-Bio de girassol,mamona e pinhão manso.28

ConclusõesA crescente utilização de agrocombustíveis no Brasil e em outros países influenciaráde diversas maneiras a produção de soja no país. Ainda que não seja necessárioampliar o plantio para a produção de biodiesel a partir do óleo de soja, outrosfatores deverão determinar esta expansão.

Atualmente, o fator determinante das expectativas de crescimento aceleradoda produção de soja no Brasil e nos demais países da região é a redução da áreaplantada com esta oleaginosa nos Estados Unidos, maior produtor mundial, justa-mente em função dos elevados subsídios concedidos pelo governo daquele país àprodução do etanol a partir do milho.

Deve-se considerar também a existência, no horizonte, da possibilidade deque o biodiesel produzido no Brasil possa, assim como o etanol obtido a partir dacana-de-açúcar, vir a constituir-se em produto de exportação em escala expressiva.Algumas empresas já anunciaram que estão desenvolvendo negociações nestesentido com países da Europa.

Quanto ao mercado interno do biodiesel, a continuidade da participação expres-siva da soja em prazo mais longo dependerá ainda de diversos fatores. De um lado,o Ministério do Desenvolvimento Agrário trabalha pela diversificação das fontes desuprimento, privilegiando a participação da agricultura familiar no Programa Nacionaldo Bioiesel. De acordo com o MDA, em fevereiro de 2008, 28 indústrias já possuíamo Selo Combustível Social.29

Essas empresas podem vir a beneficiar, segundo o MDA, mais de 100 mil agri-cultores familiares. O Ministério avalia que, quando essas indústrias estiverem em

27 Kelly Lima. H-Bio substituirá diesel já em 2007. O Estado de São Paulo, 20/05/06.

28 Eduardo Magossi. Dilma: alta da soja limitará uso de biodiesel. Agência Estado, 16/02/08.

29 Biocamp é a nova empresa com Selo Combustível Social. MDA, 26/02/08, www.mda.gov.br/saf.

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pleno funcionamento, poderão incluir na cadeia de produção mais de 200 mil famí-lias de pequenos agricultores. Atualmente, há cerca de 100 mil famílias envolvidasna produção de oleaginosas em todo o País, sendo a metade no Nordeste.30

Mas por outro lado, como vimos, o empresariado da soja apresenta ao governobrasileiro uma longa pauta de reivindicações, com o objetivo de aumentar as margensde lucro das empresas processadoras de óleo de soja. Caso este conjunto de medidasseja de fato implementado, é certo que o óleo de soja prevalecerá como matéria-prima para a fabricação do biodiesel por longo tempo. Neste caso, podem-se preveros seguintes problemas:

• Continuidade do aumento dos preços do óleo de soja, item importante dacesta básica do brasileiro, à semelhança do ocorrido recentemente com o álcoolcombustível, em função do aumento expressivo de suas exportações.

• Maior controle dos preços dos produtos agrícolas e dos combustíveis pelasempresas transnacionais, a partir de sua vinculação com os preços do petró-leo, bem como de seu domínio crescente sobre a cadeia produtiva destes bens.

“O cerco se fecha quando se vê a produção de soja quase toda nas mãos dascorporações estrangeiras. Há uma superprodução de óleo de soja no Brasil porque oprincipal produto da soja é exatamente a torta para alimentação animal, quase total-mente exportada para a Europa e USA. O que resta, o óleo, é um subproduto quehoje sobra nas refinarias. O remédio para desaguar esse estoque é impor à Petrobrasmisturar esse excedente como biodiesel ao diesel comum, o que garante que nossoenorme potencial energético continue nas mãos dos países imperialistas.” 31

30 Inaugurada a maior usina de biodiesel do país. Adital, 30/01/07. www.adital.com.br.

31 A experiência da produção em massa de biodiesel. Entrevista de Artur Augusto Alves, da SoyminasBiodiesel, a José Ricardo Prieto. www.anovademocracia.com.br

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Bibliografia

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3PAPEL, CELULOSE ECARVÃO VEGETAL

Não faz muito tempo que a madeira deixou de ser a principal fonte primária deenergia do Brasil. Somente na década de 1970 ela foi suplantada pelo petróleo,em seguida pela energia hidráulica e, mais recentemente, pelos produtos da cana-de-açúcar. Em 2007, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a lenha e ocarvão vegetal responderam por 12,5% das fontes primárias de energia utilizadasno Brasil (EPE, 2008).

Nos dias de hoje, ainda é expressivo o volume de energia produzido a partir damadeira. Segundo Brito (2007), 69% da madeira utilizada no Brasil em 2006 tevecomo destino a produção de energia. Esta madeira é proveniente de plantios deárvores em regime de monocultura e de florestas nativas.

O monocultivo de árvoresAs florestas artificiais ocupam atualmente, no Brasil, a quarta posição em termosde área cultivada, atrás da soja, do milho e da cana-de-açúcar. No ano de 2007,cobriam 5,56 milhões de hectares, com acréscimo de 3,4% em relação a 2006.O Brasil era o sexto país do mundo em áreas plantadas com árvores em 2006,segundo a Bracelpa – Associação Brasileira de Celulose e Papel (ver Tabela 1). O Paíspossui a maior superfície mundial de área plantada com eucalipto.

A maior parte das florestas artificiais – cerca de 30% – destina-se à produçãode papel e celulose. A utilização de carvão vegetal pelo setor siderúrgico é outrofator que tem estimulado a expansão do plantio, sendo responsável por 22,1% doconsumo da madeira daí proveniente. As indústrias de móveis e painéis de madeirareconstituída também utilizam intensamente madeira proveniente de monocultivosde árvores (ver Gráfico 1).

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TABELA 1TABELA 1TABELA 1TABELA 1TABELA 1

Área de Florestas Artificiais Plantadas no Mundo(mil hectares)Países Área total Área de florestas %

do país plantadas

Japão 37.780 10.000 26,47

Índia 328.726 32.600 9,92

Portugal 9.191 800 8,70

China 959.696 45.000 4,69

Indonésia 205.000 9.000 4,39

Espanha 50.599 1.900 3,76

Chile 75.609 2.200 2,91

EUA 937.261 16.000 1,71

Brasil (2006) 851.488 5.500 0,65

Celulose e papel 1.700 0,20

Fonte: FAO/BRACELPA

GRÁFICO 1GRÁFICO 1GRÁFICO 1GRÁFICO 1GRÁFICO 1

Consumo de madeira industrial das florestasartificiais por segmento no Brasil em 2007

Fonte: Abraf (2008).

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PAPEL, CELULOSE E CARVÃO VEGETAL

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Entre 1997 e 2007, a produção de madeira em tora para fins industriais cresceu45%, atingindo 152,6 milhões de metros cúbicos em 2007. Segundo a Bracelpa, aprodução brasileira de celulose atingiu 11,9 milhões de toneladas, com uma taxa decrescimento anual médio de 7,6%, a partir de 1970; a de papel cresceu à média de5,8 % no mesmo período, atingindo 9 milhões de toneladas em 2007. Em 2007, asexportações de produtos florestais apresentaram acréscimo de 12,4% em relação a2006, atingindo US$ 6,1 bilhões (Abraf, 2008).

Os estados que possuem as maiores áreas plantadas são, nesta ordem, MinasGerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Bahia e Rio Grande do Sul. Segundo a Abraf,(Associação Brasileira dos Produtores de Florestas Plantadas), as florestas artificiaisde pinus concentram-se nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul,correspondendo a 79,2% do total de florestas plantadas com pinus no País.

O plantio do eucalipto corresponde a 64% da área total de monocultivo deárvores no Brasil, com maior concentração em Minas Gerais, São Paulo e Bahia.Outras espécies, como acácia-negra, gmelina, pópulus, seringueira, teca e araucária,ocupam menos de 1% da área plantada com árvores no Brasil, ou 326 mil hectares.

A velocidade do crescimento do eucalipto no Brasil, em função do clima, é amaior razão para sua expansão acelerada no País. Enquanto nos EUA e no Canadáeste crescimento consome 70 anos e na Austrália, de onde o eucalipto é originário,demanda 30 anos, no Brasil, requer apenas sete anos.

O Anuário Estatístico de 2008 da ABRAF aponta que, em 2007, a cadeia pro-dutiva do setor de florestas artificiais (primário e transformação industrial) foi respon-sável por cerca de 665,5 mil empregos diretos e 1,8 milhões indiretos.

Segundo o Ministério do Planejamento, os plantios existentes no Pará e noAmapá são voltados para a produção de celulose, em especial para o grupo Orsa.Os plantios realizados em Minas Gerais destinam-se tanto para a produção decarvão vegetal, usado em siderúrgicas, como para produção de celulose. Os plantiosde São Paulo e dos estados sulinos são para produção de chapas de madeira e decelulose. No Espírito Santo, destinam-se à produção de celulose. E os plantios deMato Grosso do Sul são utilizados, em sua maioria, por fábricas de celulose emSão Paulo e siderúrgicas em Minas Gerais.

Geografia da expansãoEntre 2000 e 2007, a área plantada com eucalipto e pinus pelas associadas daAbraf cresceu 183%. De acordo com a entidade, a estimativa é de que, em 2020, aárea total ocupada por florestas artificiais no Brasil chegue a 7 milhões de hectares.Os segmentos de atividades industriais consumidoras de produtos florestais, assimcomo o setor exportador, vêm crescendo de forma acelerada no Brasil. Destacam-sea siderurgia a carvão vegetal, papel, celulose e painéis de madeira reconstituída.

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TABELA 2TABELA 2TABELA 2TABELA 2TABELA 2

Florestas artificiais de eucalipto e pinus no Brasil2006 e 2007 (em hectares)Estado Pinus Eucalipto Total

2006 2007 2006 2007 2006 2007MG 152.000 144.248 1.083.744 1.105.961 1.235.744 1.250.209

SP 146.474 143.148 816.880 813.372 963.354 956.521

PR 686.453 701.578 121.908 123.070 808.361 824.648

SC 530.992 548.037 70.341 74.008 601.333 622.045

BA 54.820 41.221 540.172 550.127 594.992 591.348

RS 181.378 182.378 184.245 222.245 365.623 404.623

MS 28.500 20.697 119.319 207.687 147.819 228.384

ES 4.408 4.093 207.800 208.819 212.208 212.912

PA 149 101 115.806 126.286 115.955 126.387

MA 0 0 93.285 106.802 93.285 106.802

AP 20.480 9.000 58.473 58.874 78.963 67.874

GO 14.409 13.828 49.637 60.872 64.045 65.107

MT 7 7 46.146 51.279 46.153 57.158

Outros 4.189 0 41.392 57.151 45.582 46.186

TOTAL 1.824.269 3.407.204 3.549.148 3.751.867 5.373.417 5.560.203Fonte: Abraf, STPC 2007.

O setor de papel e celulose é responsável por 72% das áreas plantadas comeucalipto pelas empresas associadas à Abraf, seguido pelo setor siderúrgico, com22%, e pelo moveleiro, com 5%. Destas áreas de plantio, 75% são de propriedadedas indústrias, 10% arrendadas de terceiros e 15% áreas que estas empresas deno-minam “de fomento”. Trata-se do modelo de produção integrada, utilizado em diver-sas outras culturas no Brasil, onde as empresas garantem a compra futura da madeirade pequenos e médios produtores rurais.

Além da produção destinada ao mercado externo, outros segmentos industriaisdomésticos vêm puxando esta expansão, ainda segundo a Abraf. O de painéis vemapresentando elevadas taxas de crescimento da produção nos últimos anos e não dásinais de redução. Estão previstos investimentos em novas plantas nos estados deSão Paulo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina.

A expansão das florestas artificiaisA Abraf informa em seu anuário de 2008 que, como conseqüência deste aumentoda demanda industrial, as empresas a ela associadas planejam investir no setor cercade R$ 20 bilhões em projetos de expansão, no período 2008-2012. Esta expansãodeverá ocorrer principalmente em estados onde a produção já é elevada, como Bahia,Minas Gerais e Paraná, além do Rio Grande do Sul.

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Os investimentos em suas unidades industriais, para estes próximos quatro anos,são estimados em R$ 11,9 bilhões. Os relativos ao plantio, em cerca de R$ 4 bilhões.O restante dos R$ 20 bilhões previstos será investido nas atividades de pesquisa edesenvolvimento, construção de estradas, colheita e transporte. Somente no perío-do 2006-2007, os investimentos destas empresas foram da ordem de R$ 11 bilhões.

A área adicional do monocultivo florestal realizado no Brasil durante o ano de2007, segundo estimativa da Abraf, alcançou 600 a 700 mil hectares. As maioresexpansões se deram nos estados de Mato Grosso do Sul (80 mil ha), Rio Grande doSul (40 mil ha), Santa Catarina (21 mil ha) e Minas Gerais (15 mil ha). Do total, 112mil hectares foram realizados em pequenas propriedades, em alguns casos financia-dos por programas como o Pronaf Floresta, o Proflora e outros programas públicosestaduais, representando aumento de 38,6% da área plantada nesta modalidade.(Abraf, 2008)

O estado de São Paulo é o maior produtor de pastas celulósicas, com cerca de30% do total do País. Segue-se o Espírito Santo, com 22%. Também na produção depapéis o estado de São Paulo lidera, com cerca de 45% do total. A região Sudesteconcentra mais da metade da produção nacional de papéis. As regiões Sul e Sudeste,juntas, são responsáveis por mais de 90% do total produzido.

Dentre as novas áreas de expansão, destaca-se o centro-sul do Rio Grande doSul, onde está prevista a formação de um novo pólo produtor de celulose no País.Em 2007, foram concedidas licenças para projetos florestais que contemplavam emtorno de 45 mil hectares. Para alimentar as unidades de celulose que Aracruz,Votorantim Celulose e Papel (VCP) e Stora Enso pretendem instalar no Rio Grandedo Sul, essas companhias pretendem realizar plantios em cerca de 380 mil hecta-res até 2015. O investimento dessas empresas no estado deve chegar a cerca deUS$ 4,5 bilhões. Calcula-se que ao fim deste período, a área plantada com florestasartificiais no Rio Grande do Sul pode atingir 900 mil hectares.1

Somados, os projetos das três empresas alcançam cerca de 300 mil hectares aserem tomados pela monocultura do eucalipto no estado, número que correspondea quase 3% de sua superfície total.2

Novos empreendimentos estão sendo implantados também no Mato Grossodo Sul, com vistas ao atendimento de seu pólo siderúrgico. Na região Nordeste,destaca-se o centro-oeste do estado do Piauí, onde o governo do estado estáimplementando o Programa de Desenvolvimento Florestal do Vale do Parnaíba.

1 RS: licenciamento pode atingir 70 mil hectares de florestas cultivadas. Jornal do Comércio, 11/04/08.

2 Marco Aurélio Weissheimer. Monocultura do eucalipto tomará quase 3% do território do RS.Carta Maior, 08/12/06.

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No Rio de Janeiro, o governo estadual sancionou, em julho de 2007, lei quealtera o zoneamento ecológico-econômico em vigor até então, o que viabiliza aplantação de eucaliptos em larga escala. A lei reduziu de 30% para 20% o percentu-al de mata nativa a ser preservada nas grandes propriedades produtoras de eucaliptos.Para áreas inferiores a 50 hectares, este percentual é ainda menor: entre 12 e 15%.Observe-se que, no estado, a área de Mata Atlântica preservada cobre apenas 4,73%de sua superfície. O governo acredita ser possível atrair indústrias de celulose para oRio de Janeiro, com investimentos de US$ 1 bilhão.

TABELA 3TABELA 3TABELA 3TABELA 3TABELA 3

Indústria de papel e celulose no Brasil –principais investimentos – 2007 a 2012

2007 – em operaçãoLocalização Produto US$ milhão

Aracruz ES Celulose de mercado 200Bahia Pulp BA Celulose dissolução 400Suzano BA Celulose de mercado 1.350Klabin PR Papelcartão 1.090Total 3.040

2008-2009 – em ImplantaçãoLocalização Produto US$ milhão

VCP MS Celulose de mercado 1.500International Paper MS Papel p/ imprimir e escrever 260Total 1.760

2010-2012 – em estudoLocalização Produto US$ milhão

Aracruz* RS Celulose de Mercado 1.800Veracel BA Celulose de mercado 1.500VCP RS Celulose de mercado 1.500Cenibra MG Celulose de mercado 680Stora Enso RS Celulose de mercado 1.500Total 6.980

* Projeto aprovado. Entrada em operação em agosto/2010Fonte: Bracelpa (2008).

Papel e celuloseOs Estados Unidos e o Canadá são os maiores produtores mundiais de celulose.Juntos, responderam em 2007 por 40% da produção mundial. Em seguida, nestaordem, estão a China, Finlândia, Suécia, Brasil e Japão. O mercado mundial decelulose tem como principais países exportadores Canadá, Estados Unidos, Suécia,Brasil, Chile e Finlândia. Juntos, eles controlam 70% das exportações mundiais(Montebello e Bacha, 2007).

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A produção brasileira de celulose alcançou, em 2007, 11,9 milhões de toneladas,com um crescimento de 6,6% sobre 2006, e a de papel l9 milhões de toneladas,com expansão de 2,8%. O resultado da produção de celulose em 2007 fez o Brasilassumir recentemente a condição de sexto maior produtor mundial, ultrapassandoo Japão, que até 2005 ocupava esta posição (Bracelpa, 2008).

TABELA 4TABELA 4TABELA 4TABELA 4TABELA 4

Maiores Produtores Mundiais de Celulose e Papel2007 (Preliminar)

Celulose PapelPaís mil toneladas Pais mil toneladas1. EUA 53.215 1. EUA 84.0732. Canadá 23.677 2. China 65.0003. China 18.160 3. Japão 31.1064. Finlândia 13.066 4. Alemanha 22.6555. Suécia 12.240 5. Canadá 18.1706. Brasil 11.916 6. Finlãndia 14.1517. Japão 10.884 7. Suécia 12.0668. Rússia 7.370 8. Coréia do Sul 10.7039. Indonésia 5.672 9. Itália 10.00910. Chile 3.550 10. França 10.00611. Índia 3.250 11. Brasil 8.966

12. Indonésia 8.862Total Mundo 192.177 381.551

Fonte: RISI

De acordo com a Bracelpa, a produção nacional da fibra deve crescer 8,5%,para 12,8 milhões de toneladas em 2008. Com isso, o País passará a Suécia noranking dos maiores produtores mundiais de celulose de todos os tipos e subirá dasexta para a quinta posição em termos de capacidade instalada.

Em 2009, informa a Bracelpa, o Brasil já terá alcançado a Finlândia, hoje comprodução de 13 milhões de toneladas/ano, e vai ser tornar o quarto maior produtormundial. No segmento de celulose de eucalipto, a brasileira Aracruz segue como amaior empresa produtora mundial desse tipo de fibra.3

Em 2007, as exportações do setor de celulose e papel foram de US$ 4,7 bilhões,contra US$ 4,0 bilhões em 2006, com crescimento de 18%. Para 2008, a previsão éde que este valor seja de US$ 5,3 bilhões, com expansão de 12,1% sobre os resulta-dos de 2007. Tradicionalmente, o principal destino da celulose brasileira é a Europa(54% em 2007). Já no caso do papel, o maior mercado é a América Latina (57%),como mostra o Gráfico a seguir.

3 Stella Fontes. Especial: 2008 deve ser o 4º ano seguido de alta no preço da celulose. Agência Estado,17/12/07.

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GRÁFICO 2GRÁFICO 2GRÁFICO 2GRÁFICO 2GRÁFICO 2

Destino das exportações brasileiras em 2007

Fonte: Bracelpa (2008)

O setor de papel e celulose vem apresentando altas taxas de crescimento,resultantes de um programa de investimentos em constante aceleração. Segundoa Bracelpa, os volumes de produção e exportação de papel e celulose anteriormenteprevistos para 2012 foram atingidos já ao final de 2007. No período entre 2008 e2012, deverão ser realizados investimentos da ordem de US$ 8,7 bilhões. O princi-pal objetivo é atender a demanda crescente por celulose e carvão vegetal, tanto parao mercado interno quanto para o setor exportador.

O setor brasileiro de celulose e papel é composto por 220 empresas localizadasem 450 municípios, em 17 estados. Em 2005, apenas cinco grupos respondiam por73% da produção total da celulose no Brasil. Segundo Montebello e Bacha (2007),essa concentração deve-se, em grande parte, à origem do setor de celulose e papelno Brasil. Desde a sua concepção, o número de empresas participantes do mercadoficou sujeito à política de escala mínima do BNDES. Assim, a indústria de celulose jánasceu oligopolizada.

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TABELA 5TABELA 5TABELA 5TABELA 5TABELA 5

Evolução das Exportações de Produtos Florestais BrasileirosUS$ milhõesProduto 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007Celulose 1.247 1.160 1.744 1.722 2.034 2.484 3.024Papel 943 894 1.087 1.187 1.371 1.521 2.006Madeira Serrada1 229 245 255 294 304 275 257Painéis Reconstituídos 71 97 121 161 176 175 146Compensados1 156 211 344 521 510 438 422Carvão 2 2 2 6 4 3 3Outros 124 165 194 335 201 262 250TOTAL2 2.771 2.774 3.747 4.226 4.600 5.158 6.108

Fonte: SECEX, 2007. Adaptado pela STCP1. Inclui apenas pinus.2. Total das exportações do setor de Florestas Plantadas.

TABELA 6TABELA 6TABELA 6TABELA 6TABELA 6

Maiores empresas de papel e celulose no Brasil – 2006Empresa Valor das vendas (em R$ milhões)Klabin 3 307,00Suzano 3 190,50Votorantim – VCP 3 032,00Aracruz 2 364,90Duratex 1 880,10Ripasa 1 738,90International Paper 1 144,40Cenibra 1 090,40Veracel 799,10Santher 796,10

Fonte: PortalExame.

As cinco maiores empresas brasileiras de produção de celulose são: Aracruz,Votorantim, Klabin, Suzano Bahia Sul e Cenibra. Destaque-se que a Aracruz, a Voto-rantim e a Suzano Bahia Sul exportaram, em 2006, 96%, 90%, e 76%, respectiva-mente, de sua produção. Nos últimos 15 anos, a Aracruz tem crescido aproximada-mente 11% ao ano. Entre 2007 e 2017, pretende duplicar sua atual capacidade.

Presença crescente do capital estrangeiroA participação do capital estrangeiro no setor de papel e celulose é crescente.Somente em 2006, o Banco Central registrou o ingresso de US$ 1,6 bilhões nestesegmento. Em 2004, a participação do capital estrangeiro na produção brasileira depastas celulósicas, representada pela japonesa Cenibra, pela finlandesa Norske Skoge pelas americanas International Paper e Rigesa, foi de 1,753 milhão de toneladas,18,2% das 9,620 milhões de toneladas produzidas no país.

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Em 2005, das dez maiores indústrias de celulose do país, quatro já tinhamcontrole acionário estrangeiro. A maior delas, a Cenibra, é 100% japonesa, após oconsórcio JBP adquirir a parte que pertencia à Companhia Vale do Rio Doce. A Inter-national Paper adquiriu a antiga Champion e hoje é dona dos papéis Chamex,Chamequinho, Chambril e HP. Já a norueguesa Norske Skog Pisa, maior fabricantemundial de papel de imprensa, é dona da única fábrica deste papel no país e produzcerca de um terço do consumo nacional.4

Em 2006, com a entrada em operação da Veracel em sua capacidade total, de900 mil toneladas anuais, da qual participa a sueco-finlandesa Stora Enso, a parcelado capital estrangeiro na produção de celulose já se situava próxima a 20%: 2,203milhões, de um total de 11,1 milhões de toneladas (produção brasileira em 2006).

No setor de papel, as empresas americanas International Paper, Rigesa, Sonocoe Kimberly-Clark, a franco-americana Schweitzer-Mauduit, as finlandesas Norske Skog,Huhtamaki e Ahlstrom e a franco-inglesa Arjo Wiggins foram responsáveis por umaprodução de 1,356 milhão de toneladas de papéis em 2004, o correspondente a16,0% do total da produção nacional daquele ano, de 8,452 milhões de toneladas.(Valor Econômico, 2006).

Florestas artificiais, problemas ambientaisComo grande exportadora de papel e celulose, a indústria brasileira sofre pressões dospaíses importadores, onde a legislação, organizações de consumidores e ambientalistasexigem que sejam cumpridas normas ambientais vigentes em seu território. São exem-plos, na década de 1990, as exigências relativas à adoção de práticas sustentáveis demanejo florestal e a extinção do uso de cloro elementar no processo de branqueamento.

Segundo Laschefski e Assis (2006), o consumo elevado de água na produçãode papel e celulose representa um dos impactos mais contundentes do setor, queutiliza em média 57 m³ de água para produzir uma tonelada de pasta celulósica.Assim, para atingir o montante transformado em 2005, foram gastos aproximada-mente 577.191.063 m³ de água. Considerando que o padrão médio de consumodas residências e estabelecimentos comerciais do estado de São Paulo é da ordem de168 m³/ano, o volume gasto pelas empresas produtoras de celulose seria suficientepara abastecer mais de 3 milhões e 400 mil domicílios, ou cerca de 11 milhões e 900mil pessoas, em um mesmo período de tempo.

Problemas com a água estão presentes também nas áreas de cultivo, junta-mente com outros impactos ambientais, característicos das atividades fundadas nagrande monocultura. O volume de água disponível tende a diminuir, em decor-rência do alto consumo característico de espécies como as do eucalipto, durantea fase de crescimento.

4 Lia Hama. O avanço dos estrangeiros. Portal Exame, 11/08/05.

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“Além disso, em decorrência dos ciclos acelerados de crescimento dos plan-tios – entre 5 e 7 anos –, estabelece-se um regime de águas profundamentealterado em comparação com as condições naturais. Alguns moradoresentrevistados em 2004 nos municípios de Curvelo e Felixlândia confirmarama disponibilidade súbita de muita água após o corte raso de plantios próxi-mos às veredas. Porém, em função das altas cargas de sólidos em suspensãoe de agroquímicos oriundos dos solos descobertos nas áreas desmatadas, aágua era inadequada para o uso doméstico. Assim, pode-se constatar queas plantações de eucalipto causam alterações significativas, incluindo áreasalém dos seus limites.” (Laschefski e Assis, 2006)

As plantações de eucalipto e pinus, desenvolvidas em grandes áreas de mono-cultivo, são altamente dependentes de agroquímicos. Como em qualquer outra mono-cultura, a contaminação dos solos e da água superficial e subterrânea não pode serevitada, mesmo quando os produtos químicos são aplicados de forma controlada.

A produção de papel e celulose gera também impactos indiretos, destacando-seo elevado consumo de energia. Segundo Célio Bermann (2004), o setor de papel ecelulose foi responsável, no ano 2000, por 8% do consumo industrial e 3,5% doconsumo total de energia do país.

Carvão vegetalOs últimos dados divulgados pelo IBGE sobre a produção brasileira de carvão elenha, em dezembro de 2007, dizem respeito ao ano de 2006. Neste, a produçãode carvão da silvicultura aumentou 3,3%, alcançando 2,6 milhões de toneladas.O carvão oriundo do extrativismo apresentou declínio de 15,7% (2,5 milhões de t),revertendo a tendência de crescimento observada desde 1998. No total, a produçãode carvão vegetal somou 5,1 milhões de toneladas, 6,9% menor que a de 2005.(IBGE, 2007)

Em 2006, os principais estados produtores de carvão vegetal de florestas arti-ficiais foram Minas Gerais (75,7%), Maranhão (9,8%), Bahia (3,1%), São Paulo (2,9%),e Mato Grosso do Sul (2,8%). Buritizeiro, em Minas Gerais, com 446,8 mil t, respon-deu por 8,7% do total produzido no país. Para o carvão vegetal obtido com materiallenhoso da extração vegetal, Mato Grosso do Sul (24,0%), Maranhão (19,0%), Bahia(14,5%), Goiás (11,4%), Minas Gerais (10,5%) e Pará (8,6%) são os maiores produ-tores nacionais.

Foram produzidos 36 milhões de m³ de lenha de florestas artificiais e 45,2 36milhões de m³ de lenha oriunda do extrativismo vegetal. No total, 81,2 milhões dem³ de lenha, ou 0,4% a mais que em 2005. Para lenha de florestas artificiais, osprincipais estados produtores foram o Rio Grande do Sul (37,1%), São Paulo (19,9%),Santa Catarina (13,7%), Paraná (13,6%) e Minas Gerais (7,2%). Os maiores municí-pios produtores de lenha foram os gaúchos Butiá (800 mil m³), Taquari (764 mil m³)e Santa Cruz do Sul (752,8 mil m³).

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Na produção de lenha do extrativismo, destacaram-se Bahia (24,8%), Ceará (10,2%),Pará (8,6%), Maranhão (7,2%) e Paraná (6,2%). O maior produtor de lenha oriundado extrativismo vegetal foi o município baiano de Euclides da Cunha (720 mil m³).

O Balanço Energético Nacional de 2007 revela também que lenha e carvãovegetal foram responsáveis por cerca de 12,5% do total da oferta doméstica deenergia (EPE, 2008).

No consumo da madeira para geração de energia, destaca-se, em primeirolugar, a produção de carvão vegetal para o setor siderúrgico, responsável por cercade 45% de todo o consumo de carvão vegetal do País. (Brito, 2007)

O segundo mais importante consumidor de madeira para energia no Brasil é osetor residencial. Neste, a madeira é usada para cocção de alimentos e, em menorescala, para aquecimento domiciliar. O volume anual de madeira usada para estafinalidade situa-se acima do consumo de madeira para serraria no País. Brito (2007)estima que, atualmente, pelo menos trinta milhões de pessoas dependam da madeiracomo fonte energética domiciliar no Brasil.

O terceiro mais importante consumidor de madeira para energia é o setorindustrial, excluída a siderurgia. Destacam-se os segmentos do cimento, químico,alimentos e bebidas, papel e celulose e cerâmicas. A maior demanda situa-se noramo de alimentos e bebidas e no ramo cerâmico, representando mais de 60% doconsumo (Brito, 2007).

O setor agrícola é o quarto grande demandador de madeira para energiano País e, apesar da inexistência de um diagnóstico preciso sobre a distribuiçãodesse consumo, acredita-se que a dependência concentra-se na secagem de grãos.De qualquer modo, trata-se de um volume de madeira bastante elevado, superior aoseu consumo para a produção de chapas e similares.

Analisamos a seguir, em maior detalhe, a utilização do carvão vegetal pelosetor siderúrgico, já que este é seu maior consumidor, respondendo por cerca de45% do consumo total de carvão vegetal no Brasil, em 2006.

Carvão vegetal para a siderurgiaNo Brasil, muitas siderúrgicas empregam carvão vegetal, sendo que, para cada tone-lada de ferro produzido, são consumidos mais de 600 quilos de carvão vegetal ou,aproximadamente, uma tonelada de árvores.

O Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS) anunciou, em maio de 2008, que atéo fim de 2015 as empresas do setor deverão investir cerca de US$ 13,2 bilhões,aumentando a capacidade instalada de produção de aço de 41 para 80,6 milhõesde toneladas anuais, um crescimento de quase 100%. Estas estimativas baseiam-seprincipalmente nas expectativas em relação às vendas no mercado interno.5

5 Cirilo Junior. Siderúrgicas deverão dobrar capacidade de produção de aço até 2015. Folha Online, 15/05/08.

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Os planos de expansão da indústria siderúrgica têm reflexos diretos sobre aprodução de carvão vegetal, atualmente utilizado em cerca de um terço da produ-ção de aço no Brasil. Além disso, há o fato de que cerca da metade do carvão vegetalqueimado pelas indústrias siderúrgicas é hoje proveniente de matas nativas. Nestecenário, a Abraf estima que, em 2010, o volume adicional de carvão vegetal consu-mido seria de 34 milhões de metros cúbicos, que correspondem a três quartos daprodução atual.

“A grande maioria das usinas integradas utiliza o coque como redutor.A produção de ferro-gusa à base de carvão vegetal persiste em escala rele-vante apenas no Brasil. Na década de 60, o governo brasileiro impôs severastaxas de importação ao coque, o que levou algumas siderúrgicas a fundarempresas para a produção própria de carvão vegetal. A eliminação das res-trições à importação de coque mineral a partir do final dos anos 80 de-sencadeou um processo de redução do uso de carvão vegetal em algumasdas siderúrgicas que dependiam desse insumo, como a Belgo-Mineira.Entretanto, importantes siderúrgicas brasileiras, como a Acesita e a V&MTubes ainda empregam carvão-vegetal, assim como produtores independentesde ferro-gusa.” (Oliveira, 2007)

As denúncias e campanhas que vêm sendo desenvolvidas pela sociedade civilbrasileira resultaram em duas iniciativas recentes, de grande porte, para que nofuturo a siderurgia passe a utilizar apenas o carvão vegetal proveniente de florestasartificiais. (Abraf, 2008)

A primeira é do Governo de Minas Gerais, em parceria com a iniciativa privada,que visa ampliar a atual área de florestas artificiais plantadas no estado de 1,2 para1,8 milhões de hectares, promovendo um incremento de 50% em um período deoito anos. A segunda é a ação das mineradoras e siderúrgicas dos estados do Pará edo Maranhão, que estão investindo e incentivando o plantio de eucaliptos na regiãodo pólo siderúrgico de Carajás, Destaca-se o projeto Vale Florestar Amazônia, daVale do Rio Doce que, com orçamento de US$ 200 milhões até 2010, pretendepromover o plantio de 150 mil hectares de eucalipto em áreas degradadas na regiãoe recuperar 50 mil hectares de mata nativa.

Segundo o IBGE (2007), o extrativismo do carvão caiu 15,7% em 2007,relativamente a 2006, revertendo a tendência de crescimento observada desde 1998.O aumento da demanda internacional por ferro e aço, no entanto, tem feito crescera pressão pelo desmatamento, para obtenção de carvão vegetal. Esta pressão vemsendo exercida, principalmente, sobre a vegetação nativa de Mato Grosso do Sul(Cerrado e Pantanal), Minas Gerais, Piauí e Pará.

A lista inclui também carvão vegetal obtido ilegalmente de florestas do Para-guai e da Bolívia. Alfredo Molinas, ministro do Meio Ambiente do Paraguai, afirmaque contrabandistas brasileiros são os responsáveis por grande parte da devastação

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das florestas paraguaias para produzir carvão vegetal. Segundo o ministro, compra-dores brasileiros oferecem mais pelo carvão vegetal do que o preço pago naquelepaís, induzindo os camponeses a abandonarem a produção agrícola para se dedicaremà exploração das florestas, mais lucrativa mas, em muitos casos, sem autorização doServiço Florestal.6

No caso da Bolívia, a siderúrgica MMX, do empresário brasileiro Eike Batista,que está se instalando em Corumbá, teve sua operação proibida naquele país, paraevitar o desmatamento. A empresa instalou-se então em Corumbá, e divulgou quehavia comprado carvão vegetal proveniente justamente da Bolívia.7

Segundo informação do jornal O Globo de junho de 2008, o Ibama, em ope-ração para combater o uso ilegal de carvão vegetal, aplicou R$ 414 milhões emmultas a 60 siderúrgicas de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo.Outros R$ 70 milhões devem ser pagos pelas carvoarias. Os fiscais identificaram umconsumo de 800 mil metros cúbicos de carvão ilegal pelas siderúrgicas dos trêsestados somente em 2007, o que seria o suficiente para carregar 10 mil caminhõesque, enfileirados, ocupariam 200 quilômetros de estrada.

A Siderúrgica Alterosa S/A, com sede em Minas Gerais, foi a que recebeu maisautuações, por uso de carvão ilegal no Paraná e no Pará. O segundo lugar ficou coma Siderúrgica Mat Prima Ltda, por irregularidades em cinco estados. A lista tambéminclui a MMX Metálicos Corumbá Ltda, do empresário Eike Batista, e a GerdauAços Longos S/A.8

Segundo Sonia Hess, professora da Universidade Federal de Mato Grosso doSul, não existe no Brasil, na prática, sequer uma lei que impeça o uso de matasnativas para a produção de carvão vegetal. O Código Florestal Brasileiro estabeleceque as empresas siderúrgicas e outras que consomem carvão vegetal, lenha ou outramatéria-prima vegetal, são obrigadas a manter florestas próprias para exploraçãoracional ou formar, diretamente ou por intermédio de empreendimentos dos quaisparticipem, florestas destinadas ao seu suprimento.9

O problema, afirma a professora Sonia, é que, em seu parágrafo único, oCódigo permite à autoridade competente fixar, para cada empresa, prazo de 5 a 10anos para que obtenha esta condição de auto-suficiência. Assim, sem ferir a le-gislação ainda vigente no Brasil, as indústrias siderúrgicas e outros grandes consu-midores podem derrubar árvores nativas por 10 anos, sem serem punidas.

6 Paraguai culpa brasileiros por destruição de florestas. Gazeta Mercantil, 26/10/05.

7 Ato público contra desmatamento no Pantanal e Cerrado. Coalizão Rios Vivos, 08/08/07.www.riosvivos.org.br

8 Bernardo Mello Franco. Ibama multa siderúrgicas e carvoarias em R$ 484 milhões por uso ilegal decarvão. O Globo, 12/06/08.

9 Sonia Hess. Carvão vegetal de matas nativas: é necessário e urgente proibir. Jornal da Ciência, 28/06/07.

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TABELA 7TABELA 7TABELA 7TABELA 7TABELA 7

Produção de Ferro Gusa independente a Carvão Vegetal porEstado/Região (t)

Minas Espírito M. GrossoAno Gerais % Carajás % Santo % do Sul % TOTAIS

1993 4.158.727 86,6 398.354 8,3 245.743 5,1 0 0,0 4.802.824

1994 4.543.995 83,4 623.083 11,5 279.761 5,1 0 0,0 5.446.839

1995 4.118.810 80,0 632.216 12,3 334.269 6,5 60.300 1,2 5.145.595

1996 3.344.009 76,7 694.194 15,9 255.593 5,9 65.592 1,5 4.359.388

1997 3.486.668 73,2 942.632 19,8 250.470 5,3 82.800 1,7 4.762.570

1998 3.407.145 68,7 1.218.483 24,6 242.977 4,9 91.500 1,8 4.960.105

1999 3.664.352 67,8 1.390.543 25,8 252.520 4,7 93.998 1,7 5.401.413

2000 4.039.932 65,7 1.652.000 26,9 372.925 6,1 80.520 1,3 6.145.377

2001 4.005.548 61,5 2.021.500 31,1 387.185 5,9 96.000 1,5 6.510.233

2002 4.043.163 59,8 2.245.000 33,2 375.727 5,6 96.000 1,4 6.759.890

2003 5.193.060 64,1 2.364.500 29,2 450.304 5,5 96.000 1,2 8.103.864

2004 6.302.964 62,5 3.102.750 30,7 499.358 5,0 180.000 1,8 10.085.170

2005 5.797.999 59,3 3.228.287 33,0 505.795 5,2 241.653 2,5 9.773.832

2006 5.353.664 56,5 3.452.400 36,5 376.755 4,0 282.800 3,0 9.455.716Fonte: AMS.

As condições de trabalho nas carvoariasNo tocante às condições de trabalho, merece destaque a produção de carvão para oabastecimento da siderurgia. Os trabalhadores dos fornos de produção são perma-nentemente submetidos a condições adversas, como calor, fuligem, fumaça, ruídos,gases e outras.

É comum a produção manual do carvão ou a contratação de terceiros paracondução dessa atividade, ocasionado graves problemas de saúde, como o câncerpor inalação de gases. As relações trabalhistas são, em geral, marcadas pela ins-tabilidade e ausência de garantia dos direitos básicos, como jornada definida,repouso semanal, férias, seguro social e de acidentes e fundo de garantia.(Laschefski e Assis, 2006)

Desse modo, na produção de ferro-gusa e aço estão presentes estruturasdistintas de organização do trabalho. De um lado, as siderúrgicas certificadas, queobedecem aos padrões internacionais, assegurando-lhes o acesso aos mercados deexportação. De outro, as condições insalubres de trabalho em carvoarias rudi-mentares, com utilização predatória dos recursos naturais.

Denúncias sobre estas condições de trabalho dos carvoeiros, assim comosobre a devastação ambiental característica da atividade, têm imposto a indústriasdos setores mineral e siderúrgico a inclusão de cláusulas sociais e ambientais em

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contratos de fornecimento. O Governo Federal, através do Ibama e do Ministério doTrabalho, vem também exercendo com maior intensidade atividades de fiscalização,visando reduzir a ilegalidade dominante nestas atividades.

A produção de ferro-gusa no Pólo CarajásO Pólo Siderúrgico de Carajás, região que compreende parte dos estados do Pará,Tocantins e Maranhão, é o maior produtor de minério de ferro do mundo. Concentra14 indústrias siderúrgicas num raio de apenas 150 km, em paralelo à atividade deprodução de carvão vegetal, em larga escala, para fins industriais.

Segundo Marcelo Carneiro, professor da Universidade Federal do Maranhão(UFMA), a implantação do Pólo está diretamente relacionada à implementação doPrograma Grande Carajás (PGC) e à decisão, do governo federal e dos estados doPará e Maranhão, de estimular a implantação de usinas de produção de ferro-gusaao longo da Estrada de Ferro Carajás. A atração de empresas guseiras para aAmazônia Oriental no final dos anos oitenta está também relacionada à concessãode subsídios – do Programa Grande Carajás, da SUDAM e da SUDENE – e à existên-cia de fontes abundantes de material lenhoso para produção de carvão vegetal, nooeste maranhense e no sudoeste paraense.10

Ainda segundo Marcelo Carneiro, a produção guseira de Carajás quase semultiplicou por dez nos últimos anos: passou de 384 mil toneladas em 1995 para3,45 milhões de toneladas em 2006. Isto faz com que, atualmente, cerca de 11% daprodução guseira total e mais de um terço da produção guseira independente (feitapor empresas que não possuem aciarias) estejam localizados na Amazônia Oriental,concentrada nos municípios de Açailândia/MA e Marabá/PA.

Atualmente, existem 19 altos-fornos nas siderúrgicas paraenses, com capaci-dade instalada para 2 milhões de toneladas de ferro-gusa por ano. Eles consomemcerca de 4,4 milhões de metros cúbicos anuais de carvão. Como estão programadospara entrar em operação outros quatro altos-fornos, a demanda por carvão deverásubir para 5,8 milhões de metros cúbicos anuais. Além disso, outros 2,2 milhões demetros cúbicos de carvão são anualmente enviados para as siderúrgicas maranhenses.Existem ainda outros 25 mil pequenos fornos para a produção do carvão. Destes, 5 miltêm licenciamento precário, com 45 mil trabalhadores na ilegalidade, de acordocom dados do governo do Pará.

Para a fabricação do ferro gusa, essas indústrias consomem de 12 a 14 milhõesde metros cúbicos de lenha na produção do carvão vegetal. Há ainda na região 11pólos madeireiros que consomem cerca de 3,3 milhões de metros cúbicos de madei-ra em toras, além de um ativo pólo de pecuária extensiva e de monocultura da soja.

10 Marcelo Carneiro. A evolução da atividade siderúrgica na Amazônia Oriental e as questões sociais eambientais a serem enfrentadas. Jornal Pequeno, 15/06/07. www.jornalpequeno.com.br.

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Esse conjunto de atividades, principalmente a produção de carvão vegetal, exerceforte pressão sobre os recursos florestais há décadas, colocando a região entre asde maior taxa de desmatamento na Amazônia. Estima-se que 40% da região játenham sido desmatados.11

Em janeiro de 2006, o Ibama multou siderúrgicas de Carajás, no Pará – commais de 10 anos de funcionamento –, em mais de R$ 500 milhões e do Mato Grossodo Sul, em mais de R$ 23 milhões, devido ao uso ilegal de carvão proveniente dematas nativas.

Em abril de 2007, cerca de 21 mil metros cúbicos de carvão vegetal – o equi-valente a 350 caminhões carregados – foram apreendidos pelo Ibama nas depen-dências das siderúrgicas produtoras de ferro-gusa de Marabá (PA). A ação geroumais de R$ 150 milhões em multas, relacionadas principalmente à aquisição decarvão sem origem comprovada.

No total, oito produtoras de ferro-gusa foram inspecionadas pelo Ibama, dasquais cinco tiveram carvão apreendido: Cosipar, Sidenorte, Simara, Sidepar e Usimar.A Cosipar foi também embargada novamente, por operar sem licença ambiental.No mês anterior, a empresa havia sido fechada, mas voltou à ativa depois de obterliminar na Justiça contra a decisão. O Ibama, no entanto, recorreu e conseguiu asuspensão da liminar. Durante a ação, que também fiscalizou carvoarias e serrariaslocalizadas no Pará, foram apreendidos 2,7 mil metros cúbicos de madeira eembargados 239 fornos, segundo a agência de notícias Repórter Brasil.12

A operação concentrou-se nos municípios de Dom Eliseu, Paragominas, Rondondo Pará e Ulianópolis. Nesses locais é produzida quase a totalidade do carvão vege-tal utilizado nas siderúrgicas de Marabá e grande parte do carvão consumido pelassiderúrgicas de ferro-gusa do Maranhão. Outro resultado da operação foi a consta-tação de que siderúrgicas adquiriram carvão de empresas que fraudaram o sistemade controle de produção florestal.

Anualmente, de acordo com levantamento do Ibama, as siderúrgicas do PóloCarajás consomem aproximadamente sete milhões de metros cúbicos de carvão ve-getal – algo que equivaleria a cerca de 100 mil hectares de área desmatada. O Ibamaestima que 70 mil hectares seja a área desmatada para carvão sem origem compro-vada. Estudos realizados em 2006 pelo historiador Maurílio de Abreu Monteiro,professor do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará(UFPA), mostram que o desmatamento não-autorizado fornece 57,5% da madeiraque alimenta os fornos das carvoarias.13

11 Ribamar Ribeiro Junior. Distrito Florestal de Carajás: Engodo do Governo para satisfazer Guseiros eMadeireiros!!!, 17/05/07. www.rIbamarribeirojunior.blogspot.com.

12 André Campos. Carvão irregular gera R$ 150 milhões em multas a siderúrgicas. Repórter Brasil, 24/04/07.

13 Paula Scheidt. Desmatamento ilegal fornece quase 60% da matéria-prima de siderúrgicas.Carbono Brasil, 05/08/07.

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Segundo Norberto Neves, coordenador da mencionada operação do Ibama,há um cenário generalizado de ilegalidades associadas às carvoarias paraenses –que, além de problemas ambientais, são freqüentemente relacionadas ao empregode mão-de-obra escrava. Cerca de 80% estão irregulares e a maioria não tem licençade operação. Além disso, ele afirma que, mesmo entre as que têm licença paraoperar, há carvoarias que possuem mais fornos e um volume de produção maior doque o permitido pelo licenciamento ambiental.

Em meados de 2007, a Vale do Rio Doce anunciou que irá interromper ofornecimento de minério de ferro para os produtores de ferro-gusa do Pará e doMaranhão que utilizarem carvão vegetal produzido em áreas que contribuam para odesmatamento da Amazônia. Nos contratos assinados pela empresa para o forneci-mento de minério de ferro às siderúrgicas de Carajás, foram acrescentados itens quenão só as obrigam a evitar o desmatamento, mas também a estabelecer cláusulascontratuais com os trabalhadores que evitem qualquer situação degradante quelembre a escravidão.

Além da pressão da Vale, os produtores de ferro-gusa do Pará enfrentam umaação por dumping ambiental movida pelos Estados Unidos na Organização Mundialdo Comércio (OMC).14

O Distrito Florestal de CarajásRecentemente, o Ministério do Meio Ambiente iniciou estudos para a criação do DistritoFederal de Carajás. O Ministério promoveu também, ao longo de 2007, a realizaçãode seminários e audiências públicas para apresentar e debater o projeto. O Distritoteria entre 25 e 30 milhões de hectares, dos quais 40% atualmente desmatados.

As unidades de conservação e as terras indígenas, protegidas por lei, corres-pondem a 11% da área projetada (7 reservas indígenas e 1,5 milhão de hectares sobtutela da Vale do Rio Doce no entorno de Carajás). Outros 3 milhões de hectaresconstituem-se em assentamentos (em torno de 400).

Para Tasso Azevedo, diretor do Serviço Florestal Brasileiro, “a principal ativi-dade do Distrito Florestal terá de ser o reflorestamento e a recuperação de áreascom espécies e sistemas que permitam abastecer a indústria siderúrgica com umafonte sustentável de carvão. A idéia é criar uma cadeia de produção que desloque quemhoje trabalha com o desmatamento para produzir carvão, para que essas mesmaspessoas passem a trabalhar com o plantio de florestas para produzir o carvão”.15

A idéia de que a agricultura familiar da região venha a se dedicar ao cultivo deeucaliptos, no entanto, não conta com o apoio dos movimentos sociais e represen-tações sindicais dos trabalhadores rurais. A Fetraf e Fetagri já se manifestaram

14 João Domingos. Regra da Vale protege a Amazônia. O Estado de São Paulo, 22/07/07.

15 Ademir Braz. Distrito Florestal de Carajás: só para alguns. www.forumcarajas.org.br.

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contrariamente à idéia nas audiências públicas realizadas. Outros movimentos, comoo MST, CPT, Movimento de Mulheres Camponesas, CIMI, Cepasp, Copserviços, SDDH,Fórum Carajás, optaram por não participar das audiências.

Os representantes de agricultores assentados também se opõem à idéia departicipar do plantio de eucaliptos para a produção do carvão vegetal. Para EdmilsonValentim, secretário-executivo do Fórum Carajás, não há garantias de que as siderúr-gicas produzirão carvão de forma legal e sustentável, mais cara do que a exploraçãode florestas nativas. Além disso, a expansão de cultivos de eucaliptos agravaria adeterioração ambiental e social, expulsando os camponeses de suas terras.16

Do outro lado, os empresários querem modificar a legislação que exige pre-servar até 80% da mata das propriedades existentes na Amazônia Legal. RicardoNascimento, presidente do Sindicato da Indústria da Fundição do Estado do Mara-nhão, afirma que “as empresas locais só se sustentarão com uma redução para 50%”dessas florestas, porque a região apresenta muitos problemas agrários e desma-tamento anterior.

As cidades abrangidas pelo Distrito Florestal dependem quase inteiramente daprodução de outros estados para obter alimentos como arroz, feijão, batata, farinhade mandioca e hortaliças. Como resultado, muitas das hortaliças comuns na mesados brasileiros são inacessíveis à população, em função dos elevados preços cobra-dos pelo comércio local e da má qualidade dos produtos, em razão do longo tempodecorrido desde a colheita, em regiões distantes.

Mato Grosso do SulA demanda no Mato Grosso do Sul para o consumo de madeira de reflorestamento,contando somente o parque industrial já instalado ou em vias de ativação, como éo caso da maior parte do pólo minero-siderúrgico de Corumbá, é suficiente paraconsumir quase cinco vezes a produção atual, conforme estimativa da AssociaçãoSul-Matogrossense de Produtores e Consumidores de Florestas Plantadas.17

A produção atual de carvão no estado é de cerca de 2 milhões de metroscúbicos, sendo a maior parte, 1,3 milhão de metros cúbicos, consumida por MinasGerais. Estes números revelam que, efetivamente, as siderúrgicas já instaladas emMato Grosso do Sul e Minas Gerais estão promovendo intenso desmatamento dasflorestas de Mato Grosso do Sul.

A siderúrgica Sideruna, por exemplo, inaugurada em abril de 2007 em CampoGrande-MS, utiliza carvão vegetal, com consumo equivalente a mais de mil tonela-das ao dia de árvores provenientes de matas nativas. O Ministério Público Estadual

16 Mário Osava. Eucaliptos e siderurgia incendeiam a Amazônia Oriental. Terramerica, 02/08/07.www.tierramerica.info.

17 Sônia Hess. As siderúrgicas e as florestas. O Estado de MS, 24/04/07.

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promoveu ação judicial para impedir que esta indústria funcionasse da forma preda-tória prevista. Após dois anos, no entanto, a siderúrgica já se encontrava em plenofuncionamento e o Judiciário ainda não havia formulado parecer sobre o processo.

No Pantanal, um pólo mínero-siderúrgico em implantação em Corumbá pre-vê consumo de mais de dezoito mil toneladas/mês de árvores de florestas nativasdo Brasil, Bolívia e Paraguai, convertidas em carvão vegetal. No empreendimento,destaca-se a MMX, siderúrgica em fase de construção, de Eike Batista, megaem-presário brasileiro.

Em julho de 2007, o Deputado Estadual Amarildo Cruz (PT), de Mato Grossodo Sul, apresentou Projeto de Lei que proíbe a produção, transporte e uso de carvãofabricado com lenha de matas nativas. A proposta também cria um fundo parareflorestamentos, abastecido com recursos de empresas que utilizam carvão mineral,gás natural ou derivados de petróleo como combustíveis.18

GRÁFICO 3GRÁFICO 3GRÁFICO 3GRÁFICO 3GRÁFICO 3

Produção de carvão vegetal utilizando florestas artificiais xflorestas nativas – Brasil, 2000-2006

Fonte: AMS

18 Allison Ishy. Deputado apresenta Projeto de Lei que proíbe uso de carvão vegetal de florestas nativas.02/07/07. www.riosvivos.org.br.

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Agricultura familiarSegundo a Bracelpa, ao final de 2007 existiam 305 mil hectares de árvores plantadasem cerca de dez mil pequenas e médias propriedades, através dos chamados pro-gramas de fomento florestal, promovidos por suas associadas. (Bracelpa, 2008)

Além dos grandes maciços florestais pertencentes à iniciativa privada, o plantiode florestas vem ganhando espaço cada vez maior entre as alternativas de uso parapequenas e médias propriedades rurais, principalmente em função destes programasde fomento florestal, realizados por grandes indústrias de papel e celulose, side-rurgia e painéis de madeira.

Segundo Mendes (2005), o Programa Nacional de Florestas – PNF é atualmenteo principal instrumento político para o setor de florestas plantadas. O Programaestabeleceu como meta para o período 2004-2007 plantar 500 mil hectares de flo-restas por ano, sendo 200 mil em pequenas e médias propriedades e 300 mil atravésde programas empresariais. Ainda conforme o autor, a busca por financiamentosflorestais vem crescendo de forma significativa no Brasil. Os principais programas dealcance nacional para financiamento de florestas plantadas são:

• BRDES-FINEM: para empreendimentos com valores superiores a R$ 10 milhões,com uma carteira de financiamentos de R$ 730 milhões, em 2005.

• Propflora: para médios e grandes produtores rurais, com financiamentos deR$ 42,34 milhões (julho de 2004 a agosto de 2005); e

• Pronaf Florestal: para pequenos produtores rurais, com financiamentos daordem de R$ 8,23 milhões (julho de 2004 a agosto de 2005).

A participação de pequenos e médios proprietários rurais no plantio de eu-calipto e pinus é financiada pelo Banco do Brasil, através do programa BB Florestal,que opera dois destes fundos de recursos públicos, o Propflora e o Pronaf Florestal.O BB Florestal, segundo Mendes (2005), atende desde mini e pequenos produtoresrurais da agricultura familiar até a agricultura empresarial, cooperativas, empresasde comercialização, exportadoras e processadoras de produtos florestais.

Fomento florestal privadoNestes programas, as empresas fornecem tecnologia, mudas e assistência técnicaaos produtores, enquanto estes se comprometem a vender-lhes a produção, repro-duzindo os mecanismos praticados no Brasil em outras culturas.

Um exemplo é o Programa Poupança Florestal, lançado pela Votorantim(VCP) em novembro de 2004 no Rio Grande do Sul. O programa está direcionadopara o cultivo de eucaliptos nas propriedades rurais próximas às áreas de plantioda empresa. Conta com a parceria do Banco ABN AMRO Real, onde se inclui ofinanciamento com taxas de juros fixas (9% ao ano) e garantia de compra damadeira pela Votorantim.

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O Programa tem duração de dois ciclos de produção de eucalipto (14 anos) eé similar aos modelos de produção integrada, empregados na soja, no fumo e emoutras culturas. O agricultor recebe adiantamentos para financiar o plantio desdeo primeiro ano, com preço pré-estabelecido de compra. A Votorantim fornece asmudas de eucalipto e de mata nativa para reflorestamento, além de prestar assistên-cia técnica. Auxiliada pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater),a empresa acompanha o produtor rural no cultivo e na manutenção das florestas deeucalipto nos dois primeiros anos.

No começo de 2008, havia cerca de 650 produtores gaúchos inscritos noprograma, o que corresponde a mais de onze mil hectares do Rio Grande do Sulcultivados sob este sistema. A expectativa é de ampliar a área em pelo menos 7,1 milhectares por ano e totalizar cerca de 30 mil hectares neste ciclo.

De acordo com Mendes (2005), os principais motivos que levam as empresas aadotar este tipo de estratégia são a redução de investimentos na compra de terras,menor custo da madeira, diversificação de fontes de matéria-prima e maior inte-gração com proprietários rurais presentes nas proximidades das empresas.

Para os produtores, o fomento florestal é uma alternativa à geração de rendatradicional em suas propriedades, que lhes permite utilizar áreas ociosas ousubutilizadas. Entretanto, uma análise mais detalhada realizada em 2004 pelaSilviconsult Engenharia no estudo “Incentivos e Mecanismos Financeiros para oManejo Florestal Sustentável na Região Sul do Brasil”, descrita por Mendes, mostraque os atuais modelos de fomento apresentam riscos para a sustentabilidadeeconômica, social e ambiental dos produtores rurais, principalmente dos pequenos,dentre os quais destacamos:

• êxodo rural, devido ao interesse de “profissionais liberais” em comprar pe-quenas e médias propriedades para se beneficiarem do fomento para geraçãofutura de renda, para fins de aposentadoria;

• substituição de florestas nativas, normalmente em áreas de reserva legal, porplantações de pinus e eucaliptos, principalmente em pequenas propriedades;

• adoção de sistemas de manejo propícios aos objetivos industriais do fomentadore não ao objetivo de melhoria efetiva da renda do produtor rural;

• fomento restrito a propriedades que permitam plantios com área superior a20 hectares, para minimização dos custos de plantio e colheita;

• ação governamental como agente facilitador (assistência técnica, distribui-ção de mudas, outras) atendendo mais aos objetivos do fomentador doque do fomentado;

• criar uma oferta muito superior à demanda no médio e longo prazos, tornandoa atividade pouco ou nada rentável;

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• remuneração inadequada da “mão-de-obra” do produtor rural;

• condição “oligopsônica” das indústrias, concentrando o fomento no entornode suas unidades fabris e não oferecendo alternativas de comercializaçãoao fomentado; e

• preferência dos fomentadores pelas modalidades de arrendamento, parce-ria, renda antecipada e vendas em detrimento da modalidade de doação.(Mendes, 2005)

Para o deputado estadual Frei Sergio Görgen (PT-RS), ao apoiar as grandespapeleiras, o BNDES está financiando a maior anti-reforma agrária do país, princi-palmente porque no Rio Grande do Sul o setor tem ocupado cada vez mais terrasreivindicadas pelos agricultores sem-terra.

Já a prática do fomento, afirma o deputado, acaba sendo uma imposição aospequenos agricultores nas regiões de eucalipto, porque não restam outras opções eo assédio acaba sendo muito grande por parte das empresas. “No início até pareceum bom negócio, mas depois de alguns anos o sistema acaba sendo muito desvan-tajoso por um endividamento progressivo dos agricultores”, explica Frei Sergio.

Ele também acredita que este tipo de prática é uma forma de burlar a legisla-ção, que exige a produção de Estudos de Impacto Ambiental para áreas maiores demil hectares de plantação contínua de eucaliptos. “A fragmentação da produçãotem sido um instrumento para evitar a aplicação da lei”, conclui.19

Como mostram Laschefski e Assis (2006), a ocupação de pequenas e médiaspropriedades, circunvizinhas às áreas de plantios extensivos de grandes empresas,tem acarretado uma reconfiguração dos cultivos agrícolas e uma homogeneizaçãoda paisagem. Nesse sentido, a competição com outros produtos agrícolas e as trans-formações no espaço geográfico podem ser evidenciadas no relatório da AssociaçãoBrasileira de Produtores de Florestas Plantadas:

“Os resultados econômicos gerados pelas atividades de florestas plantadase as transformações industriais da madeira têm contribuído para alterar operfil de algumas regiões do país. Como exemplo, empresas localizadas noestado do Rio Grande do Sul, que historicamente concentra sua atividadeeconômica em culturas agrícolas anuais, iniciaram um amplo programa decultivo de eucalipto, como fonte de suprimento para fabricação de celulosee possível fortalecimento da indústria madeireira [...]. Em Minas Gerais [....]em casos localizados, áreas tradicionais de café estão sendo substituídaspelo eucalipto.”

19 Verena Glass. Deserto verde: BNDES financia R$ 619,3 mi para indústria de celulose no ES e RS.Agência Carta Maior, 08/12/06.

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Os conflitos no Espírito SantoA monocultura do eucalipto no estado do Espírito Santo teve seu início na segundametade dos anos 1960. Como mostram Daniela Meirelles e Marcelo Calazans (2006),grande parte do cultivo se fez sobre terras pertencentes à União e áreas comunais,tradicionalmente ocupadas por camponeses, indígenas e quilombolas, a maiorparte sem registro formal de propriedade. Destaca-se, no estado, a presença daAracruz Celulose, cuja sede está localizada a 70 km de sua capital, Vitória.

Atualmente, a empresa é a maior produtora mundial de celulose branqueadade eucalipto, com capacidade para produzir 3 milhões de toneladas anuais, distri-buídas pelas suas unidades de Barra do Riacho (ES) e Guaíba (RS). Um terceiro com-plexo fabril – a Veracel Celulose – opera no município de Eunápolis, no sul da Bahia,em parceria com a Stora Enso (cada uma com 50% do controle acionário).

A Aracruz opera, também no Espírito Santo, um porto privativo especializado,Portocel, através do qual quase toda a produção da empresa é exportada. Desen-volve operações de plantio nos estados do Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e RioGrande do Sul, com aproximadamente 279 mil hectares de plantios de eucalipto.Seus maiores acionistas são a Votorantim, a norueguesa Lorentzen, o Grupo Safra(com 28% cada um) e o BNDES, com 12,5%.

Em nota distribuída em agosto de 2007, durante o Congresso NacionalExtraordinário dos Jornalistas, o Sindicato dos Jornalistas narra que quilombolas eindígenas estão lutando para retomar terras que a Aracruz Celulose tomou à força,ou comprou a preços vis, em plena ditadura militar, há 40 anos. Dos quilombolas, aempresa tomou a maior parte dos 50 mil hectares que lhes pertenciam. Dos índios,a Aracruz tomou 40 mil hectares, dos quais o governo federal reconhece que 18.070hectares são terras indígenas. A Aracruz também tomou terras dos pequenos agri-cultores, além de destruir 50 mil hectares da Mata Atlântica.20

Segundo levantamento da procuradoria da Funai (Fundação Nacional doÍndio), nas décadas de 1950 e 1960 o governo do Espírito Santo expropriou asterras que eram ocupadas tradicionalmente pelos povos indígenas. A área foirepassada anos mais tarde à Aracruz, dando início ao plantio de eucaliptos.21

Edelvira Tureta, chefe do posto indígena da Funai no município de CaieirasVelhas, conta que havia núcleos familiares tupiniquins espalhados por toda aextensão da terra agora em poder da Aracruz Celulose. De acordo com dados doConselho Indigenista Missionário (CIMI), existiam ao menos 37 aldeamentostupiniquins na região durante as primeiras quatro décadas do século 20. De todos

20 Ubervalter Coimbra. Jornalistas repudiam manipulação da notícia em favor da Aracruz. Século Diário,06/08/07.

21 FUNAI diz que Aracruz invadiu área indígena. Gazeta do Povo, 28/08/06.

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eles, sobraram apenas quatro, que receberam, ao longo dos anos, grande parte docontingente de desalojados.

No município de Aracruz, a questão indígena só passou a ter tratamentooficial em meados dos anos 1970, quando um posto da Funai foi criado e 6,5 milhectares destinados aos índios do município. Após intensas discussões, no entanto,firmou-se um acordo alternativo com a Aracruz Celulose. Finalizada em 1983, ademarcação continha dois mil hectares a menos que o território originalmente plei-teado. Basicamente, esta incluía a área das aldeias remanescentes, sem espaço físicopara a vida indígena tal como era ela em passado não muito distante.22

Na ocasião, os tupiniquins já não eram os únicos indígenas a lutar por terrasem Aracruz. Em 1967, chegou ao município – após mais de vinte anos de cami-nhada – um grupo de algumas dezenas de índios guaranis originários do Paraguai.Passaram pelo Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais antes dedecidirem instalar-se definitivamente próximos a Caieiras Velhas.

No município de Aracruz, uma área de 11.009 hectares, em mãos da AracruzCelulose, vinha sendo reivindicada desde 1996 pelas comunidades Guarani eTupiniquim da região. Os pareceres técnicos e antropológicos sobre a ocupaçãooriginal, elaborados pela Funai, que comprovam o direito constitucional dos in-dígenas sobre a área, foram publicados no Diário Oficial em março de 2006, tendosido contestados pela empresa junto ao Ministério da Justiça. No dia 27 de agostode 2007, o ministro da Justiça, Tarso Genro, finalmente, assinou as portarias quedeclaram como terra indígena os 18.027 hectares reivindicados pelos dois povos.

A região do Sapê do Norte, que engloba os municípios de São Mateus eConceição da Barra, no norte do Espírito Santo, chegou a ser habitada por cerca de12 mil famílias quilombolas, ou uma média de 60 mil afrodescendentes, até o finalda década de 1960. No entanto, com a chegada da Aracruz Celulose, que se apro-priou dessas áreas, este número reduziu-se para 1.200 famílias, que resistem atéhoje em pequenas comunidades em meio aos eucaliptos da empresa.

Em maio de 2007, o Incra publicou portaria, através da qual é reconhecidauma área de 9,5 mil hectares como território quilombola pertencente à Comunidadede Linharinho. Neste período, 82% desta área estavam ocupados por eucaliptosda Aracruz Celulose. Ainda na mesma região, havia também 48 famílias, vivendonuma área de apenas 147 hectares. A Comunidade de Linharinho foi a primeira a serreconhecida como território quilombola no Espírito Santo, mas os estudos nas comuni-dades de São Domingos, São Jorge, Serraria e São Cristóvão já estão sendo concluídos,restando apenas a publicação da portaria pelo Incra.

22 André Campos. Próximos à cidade, índios buscam espaço para retomar velhos hábitos. Repórter Brasil,30/04/07.

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Em julho de 2007, cerca de 500 habitantes das comunidades quilombolasdo Sapê do Norte ocuparam a área pertencente à Comunidade Quilombola deLinharinho, em Conceição da Barra, com o objetivo de pressionar para que seconcretize a demarcação da área reconhecida pelo Incra como território quilombola.A proposta dos quilombolas, com a ocupação, é que se forme um grande acampa-mento na área, com mutirões de plantio de mudas de Mata Atlântica e árvoresfrutíferas, bem como construção de casas para as famílias.23

Eucaliptos no sul da BahiaNo extremo sul do Estado da Bahia, o plantio de eucaliptos ocupa aproximadamente700 mil hectares. Destes, a Veracel possui quase 147 mil, dos quais 73 mil são demonocultura de eucalipto. A empresa é também proprietária de uma indústria queproduz anualmente 900 mil toneladas de celulose branqueada de eucalipto.

Segundo estudo promovido pelo Cepedes – Centro de Estudos e Pesquisaspara o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia, em quinze anos, de 1970 a 1985,a Bahia perdeu 70% de suas matas nativas com a chegada das empresas de papele celulose. De acordo com estudos recentes do Ministério do Meio Ambiente, oextremo sul da Bahia tem atualmente apenas 4% da Mata Atlântica original, emáreas de reserva. Nesta região, estima-se que mais da metade das terras agricultáveisestejam nas mãos das empresas do setor de papel e celulose.

Ainda de acordo com o Cepedes, há na região cerca de 12 mil famílias acam-padas nas estradas. A expulsão do campo dos quilombolas, pequenos agricultores eíndios gerou um crescimento significativo das favelas e a desagregação de grupos efamílias. A expansão da monocultura do eucalipto na região expulsou dezenas depequenos produtores e ocupou terras férteis para a agricultura. A cidade de Eunápolisé responsável pelo maior índice do êxodo rural dos últimos anos no país. O estudomostra que cerca de 60% dos agricultores deixaram a zona rural, sendo que noBrasil o índice médio é de 28%. O aumento do êxodo coincide com a expansão damonocultura da região, que teve início nos anos 1990.24

A partir de estudos realizados nesta região, Claudia Santana e José Luís Caetanoapontam que, naquela região, “a introdução da cultura do eucalipto vem trazendosérios riscos para os recursos hídricos, o solo, a fauna e a flora locais, contribuindotambém para a inviabilização da agricultura familiar. Foram ocupadas todas as terrasagricultáveis, inclusive aquelas que seriam destinadas à reforma agrária, áreas indí-genas e o entorno de unidades de conservação, com importantes reservas de MataAtlântica.” (Caetano e Santos, 2004)

23 Rede Alerta contra o Deserto Verde. Comunidades quilombolas reocupam território em posse da AracruzCelulose. 24/07/07.

24 ADITAL. Êxodo na Bahia. 27/10/06. www.adital.com.br.

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Da mesma forma que no Espírito Santo, comunidades indígenas como as dosPataxós e Tupinambás, além de sem-terra e pescadores artesanais, vêm tendo seusmodos de vida tradicionais inviabilizados, como resultado dos impactos geradospela expansão dos monocultivos de eucalipto. No sul da Bahia atuam três dasmaiores empresas deste segmento: Bahia Sul, Aracruz e Veracel.

Na região de Barra do Cahy, Ponto Zero do Descobrimento do Brasil, a Frentede Resistência e Luta Pataxó reivindica cerca de 30 mil hectares hoje cobertos peloplantio de eucaliptos. Na aldeia Gaxuma, situada na parte leste desta mesma área,os índios informam que a Veracel está destruindo plantas nativas, coqueirais, alte-rando o relevo e atingindo fontes de água.

Em Barra Velha, próxima à praia, os índios, por conta própria, embargaramalguns plantios, mas não conseguem resistir efetivamente aos avanços da Veracel.Em Prado, último município da região a introduzir o eucalipto, repetiu-se o movi-mento de migração da população original em direção à periferia da zona urbana.

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4SÍNTESE E

CONCLUSÕES

A produção agropecuária deve bater novos recordes em 2008. Soja, cana-de-açúcar,milho e florestas artificiais são os segmentos que deverão apresentar maior aumentode área utilizada na próxima década. A média das projeções para os próximos dezanos indica que as florestas artificiais vão ocupar 15 milhões de hectares – aumentode 150% em 10 anos. A cana-de-açúcar ocupará 10,3 milhões de hectares – 50% amais que a área atual – e os grãos, 63,8 milhões de hectares – 15,7 milhões dehectares a mais. Segundo a Cogo Consultoria, a nova expansão agrícola vai ocorrer,principalmente, entre o eixo norte de Mato Grosso, Maranhão, Piauí, Tocantins,Pará e o oeste da Bahia.1

As exportações do agronegócio brasileiro também devem atingir um novorecorde em 2008. Entre junho de 2007 e maio de 2008, elas totalizaram a marcahistórica de US$ 64 bilhões, 18,3% acima do valor exportado entre junho de 2006e maio de 2007. Além da elevação dos preços internacionais de uma série deprodutos agropecuários exportados pelo Brasil, o volume exportado também cresce,em muitos casos de forma expressiva. A continuidade do aumento do consumo decarnes, sobretudo na Ásia, a elevação dos preços globais dos alimentos e o adventodos agrocombustíveis são os principais fatores de expansão das exportaçõesagropecuárias do Brasil neste período.

Observa-se que carnes, soja e os chamados produtos florestais foram ositens que mais impulsionaram este crescimento das exportações. No caso da soja,o principal motivo do aumento da receita com exportações é a elevação dos preços,

1 Segundo consultoria, Brasil será a ‘bola da vez’ do agronegócio mundial. Gazeta Mercantil, 08/09/07.

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ocasionada pelas projeções de redução da safra norte-americana em quase 15milhões de toneladas, devido ao aumento da área plantada com milho para aprodução de etanol.

O aumento do consumo interno de milho nos Estados Unidos e a conseqüenteredução das suas exportações vêm também abrindo espaço para o milho brasileirono mercado internacional. As exportações do produto vêm batendo recordes suces-sivos de volume e valor. Entre janeiro e maio de 2008, os embarques totalizaram2,57 milhões de toneladas, com crescimento de 8,1% sobre igual período de 2007.As vendas externas de etanol e produtos florestais seguem também crescendoem forte ritmo.

A OCDE e a FAO prevêem que, até 2016, as exportações brasileiras de carnesdeverão responder por quase 30% das exportações mundiais. Estes números demons-tram que, ao lado do aumento do consumo mundial de carnes, a utilização crescentede combustíveis produzidos a partir de biomassa tem resultado em um impulsoadicional às exportações agropecuárias do Brasil.

Em seu último Agricultural Outlook, publicação anual da OCDE e FAO, con-tendo projeções para o período 2008-2017, estas instituições afirmam que, pelaprimeira vez, a crescente demanda de produtos agrícolas para a produção de com-bustíveis deve ocupar o centro das atenções. Estimam que, ao menos em médioprazo, os preços dos produtos agrícolas deverão permanecer acima dos níveis obser-vados historicamente. O estudo prevê também que a produção brasileira de oleagi-nosas, entre as quais a soja, vai ter um crescimento médio anual de 3,9% nos próximosdez anos. Com isto, o Brasil deverá, até 2009, superar os Estados Unidos como omaior exportador mundial de oleaginosas.

Todas estas informações e previsões deixam claro que o panorama do mercadoagrícola internacional vai seguir estimulando o aumento da produção agropecuáriabrasileira voltada para o mercado externo. No mercado interno, as possibilidades deexpansão do etanol e do biodiesel também seguirão sendo fatores de estímulo àexpansão acelerada da produção.

Uma parcela desta expansão produtiva pode certamente ser suprida por au-mentos de produtividade. A expansão territorial dos diversos cultivos e da pecuária,no entanto, já é uma realidade. Em alguns estados do Sul e do Sudeste, como o deSão Paulo, o crescimento de determinadas culturas se dá necessariamente em detri-mento de outras, já que a disponibilidade de áreas apropriadas à atividadeagropecuária se encontra em seus limites. Em outras regiões, como o Centro-Oeste,a cana-de-açúcar e o milho se expandem substituindo em parte algumas outrasculturas, ou deslocando-as para outras regiões.

Em seu conjunto, a produção agropecuária brasileira aponta para a continui-dade da quebra sucessiva dos recordes de produção. Os produtos de exportação,como soja, algodão, milho, produtos florestais e carnes, seguem sua trajetória de

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expansão. Os programas de substituição de combustíveis fósseis em diversos paísesindicam também a ampliação do mercado de agrocombustíveis, do qual o Brasilpretende absorver uma grande fatia.

Da mesma forma, o crescimento do consumo mundial de aço e a dependênciade importações para a utilização de carvão mineral deverão fazer com que se amplieo consumo de carvão vegetal pela indústria siderúrgica no Brasil. Além disso, observa-secrescente deslocamento da produção de aço dos países desenvolvidos para aquelesem desenvolvimento. Como vimos, no caso do Brasil, as projeções do Instituto Bra-sileiro de Siderurgia apontam que a capacidade instalada para produção de açodeverá dobrar entre 2008 e 2015.

Perspectivas de crescimento do consumomundial de agrocombustíveisA Agência Internacional de Energia – AIE prevê que, até 2030, o mundo estaráconsumindo cerca de dez vezes mais agrocombustíveis do que nos dias de hoje.Com isto, a participação dos combustíveis de fontes renováveis no consumo dosveículos de transporte rodoviário, que é atualmente de 1%, passará a ser de 7% em23 anos. A Agência prevê também que será o etanol, em escala muito superior à dobiodiesel, o maior responsável por este salto. A produção brasileira de agrocombus-tíveis deve crescer mais rapidamente que a de outros países, de 316 mil barris equi-valentes de óleo por dia em 2007 para 528 mil barris em 2012, chegando assim aum terço do total mundial.2 Para a OECD e a FAO, o cenário é o mesmo: em 2017, oBrasil responderá por 32% de todo o etanol produzido no mundo, atrás apenas dosEUA (OECD-FAO, 2008).

O etanol produzido pelos Estados Unidos a partir do milho permite hoje umamistura à gasolina inferior a 4%, considerado o consumo de combustíveis automotivosnaquele país. A meta dos norte-americanos, reafirmada pelo presidente George W.Bush durante visita ao Brasil, é reduzir o consumo de combustíveis fósseis em 20%até 2017. Isso significa que, nos próximos dez anos, somente nos Estados Unidos, ademanda por etanol pode atingir 132 bilhões de litros por ano.

A produção de biodiesel nos Estados Unidos também cresce de forma acelera-da, quase toda a partir do óleo de soja, que responde por cerca de 90% do volume.Pesquisas para desenvolver a produção de biodiesel a partir de outras fontes tambémtêm recebido recursos elevados, com destaque para algumas variedades de algasricas em óleo (Food & Water Network, 2007).

Após os Estados Unidos e o Brasil, a Europa é o terceiro maior produtormundial de etanol, onde se destacam a produção da França, Espanha e Suécia.O etanol europeu é, em sua maior parte, produzido a partir do trigo e, em menor

2 Impacto de biocombustíveis ainda será pequeno. Valor Econômico, 10/07/07.

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escala, da beterraba. A Europa é o maior produtor mundial de biodiesel, respon-dendo por mais de 90 por cento da produção global. A Alemanha é o país queapresenta maior produção, baseada principalmente no óleo de colza. França e Itáliatambém já apresentam produção expressiva de biodiesel. No âmbito dos países mem-bros da União Européia, um acordo prevê a meta de substituição de 10 por cento doóleo diesel por biodiesel até o ano de 2020. Atualmente, esta participação é decerca de 1 por cento.

A União Européia está também desenvolvendo um sistema de certificação, quevisa assegurar que os agrocombustíveis produzidos internamente ou importadossejam obtidos através de processos sustentáveis, desde a etapa de plantio. Isto pres-supõe também que os produtores devem reduzir as emissões de gases promotoresdo efeito estufa, causadas pela produção, transporte e uso dos combustíveis, empelo menos dez por cento, entre 2011 e 2020, para viabilizar as metas de reduçãode emissões da União Européia.

A China também já produz etanol em volume significativo, a partir da mandiocae da batata doce, principalmente. Mas diferentemente de outros países, o governochinês estabeleceu restrições ao desenvolvimento da produção de etanol, em funçãode seus efeitos nos mercados de alimentos. A China optou por reservar suas áreas propí-cias à produção de grãos para as culturas alimentares, exclusivamente. A limitadadisponibilidade de água no país contribuiu também, decisivamente para isto.

Em todo o mundo, os programas de produção de etanol e biodiesel vãoganhando impulso. Por outro lado, é evidente que a maior parte dos países desen-volvidos não possui em seu território os recursos naturais necessários ao atendimentode suas metas de consumo. Nos Estados Unidos, por exemplo, segundo cálculos daAIE, seria necessário destinar 20% da terra arável ao cultivo do milho para que fossealcançada a fatia de 5,75% de agrocombustíveis no país até 2010.

O Japão, que pretende adicionar cinco por cento de etanol à gasolina de seusautomóveis até 2010, vem buscando parcerias com o Brasil que assegurem o forne-cimento não só de etanol, mas também de biodiesel. Da mesma forma que apoiou,através do Prodecer, a expansão da produção de soja no Centro-Oeste brasileiro, ogoverno japonês já mobiliza suas agências financeiras para apoiar projetos de pro-dução de etanol e biodiesel no Brasil. O apoio se dará também na construção dainfra-estrutura necessária ao escoamento da produção até os portos de exportação.

As perspectivas para o BrasilO Brasil tem em seu mercado doméstico enorme potencial de consumo de agrocom-bustíveis, tanto para o etanol quanto para o biodiesel. O baixo custo de produçãodo etanol da cana-de-açúcar, em paralelo a aumentos sucessivos dos preços do petró-leo, faz prever uma substituição acelerada da gasolina automotiva pelo álcool dacana-de-açúcar. Os atuais motores flexíveis viabilizam esta substituição.

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Esta tendência pode não se confirmar inteiramente, no entanto, já que a pers-pectiva – estimulada pela atitude do governo brasileiro – é de que o etanol se torneuma commodity no mercado internacional. Com isto, é provável que se dê oatrelamento dos preços do álcool combustível aos do petróleo. Da mesma forma,o forte aumento das exportações do álcool combustível pode tornar escasso o pro-duto no mercado interno, forçando uma alta dos preços domésticos quedesestimularia este processo de substituição.

As áreas de expansãoAo longo deste estudo, apresentamos informações sobre a expansão mais recentedos cultivos da cana-de-açúcar, da soja e do eucalipto. Consolidamos aqui estesdados, por regiões do país e unidades da federação, de modo a permitir a visualizaçãodo efeito conjunto destas expansões sobre o território. Em seguida, agregamosinformações sobre outras culturas importantes no Brasil, a fim de avaliar o efeito daexpansão dos agrocombustíveis sobre a produção agropecuária brasileira.

Cana-de-açúcarSegundo a CONAB, na safra 2007/2008, a área plantada com cana-de-açúcar emtodo o país já atingiu 7 milhões de hectares, com expansão de 23%. Em termosterritoriais, como vimos, a região Sudeste é, de longe, aquela que deverá responderpela maior extensão de terras.

Os estados que mais incorporaram áreas ao cultivo de cana-de-açúcar foramBahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná e Minas Gerais. A região Sul é aquela quedeverá apresentar maior índice de crescimento da produção, com 34%, seguida daregião Centro-Oeste (22,1%).

SojaAs estimativas oficiais sobre a safra de soja no período 2007/2008 foram publicadaspela Conab em outubro de 2007. Elas prevêem crescimento entre 2,4 e 5,7% daárea plantada no país, algo entre 500 mil e 1,2 milhões de hectares. Os estados quedeverão apresentar maior expansão serão, nesta ordem, Mato Grosso, Bahia, Goiáse Mato Grosso do Sul.

Consultorias especializadas apontam que as novas áreas para esta expansãoestariam localizadas no Maranhão, Piauí e Tocantins. Mato Grosso, Mato Grosso doSul, Goiás e Bahia também devem ceder novas terras. Estimam também que o estadodo Paraná será responsável por grande parcela do aumento da área plantada, com1,5 milhões de hectares adicionais, relativamente à safra anterior, enquanto que, paraeste mesmo Estado, a Conab estima expansão de pouco mais de 100 mil hectares.

O crescimento da área plantada com soja no Brasil deve-se, principalmente, aofato de que, pela primeira vez em 10 anos, a área plantada com soja nos Estados

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Unidos reduziu-se, de 30,6 milhões para 25,9 milhões de hectares, na safra 2007/08,em função da expansão da área de milho. Com isto, a expectativa é de que o preçointernacional da soja deverá seguir em alta também em 2008.

Monocultivo de árvoresPor razões um tanto óbvias, os monocultivos de árvores não possuem a mesmamobilidade geográfica, em curto espaço de tempo, das demais culturas aqui anali-sadas. Além disso, sua localização está associada à das indústrias de papel e celulose,siderúrgicas e produtoras de ferro gusa, principalmente.

Por isso, é esperado que, em médio prazo, as principais áreas de expansãopermaneçam sendo aquelas mesmas que apresentaram crescimento expressivo nosanos recentes. Elas estão localizadas, em ordem de importância, nos estados deMinas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Mato Grosso do Sul. Em menor grau,destacam-se ainda os cultivos em São Paulo, Paraná, Espírito Santo e Amapá.

Destaca-se também o fato de que o Rio Grande do Sul tem a previsão de sediaro mais novo pólo de produção de celulose no Brasil. Novos empreendimentos estãosendo implantados também no Mato Grosso do Sul, no Piauí e no Rio de Janeiro.Além disso, a pressão para que o Pólo Siderúrgico de Carajás deixe de destruirflorestas nativas para a produção de carvão vegetal faz crer que também no Pará oplantio de eucaliptos deverá seguir em trajetória de expansão.

Agrocombustíveis e outras atividadesagropecuáriasDe modo direto ou indireto, a ampliação do uso dos agrocombustíveis está estimu-lando o crescimento das três culturas até aqui analisadas. No caso da cana-de-açúcar,a relação é direta, ou seja, a maior parte do cultivo adicional é destinada à produçãode etanol. No caso das florestas plantadas, a produção de carvão vegetal é apenasum componente a mais do aumento contínuo, em termos mundiais, do consumo deoutros subprodutos, como papel, celulose e madeira.

Quanto à soja, a utilização de seu óleo como combustível não requer, atual-mente, a ampliação do cultivo. Mas alguns fatores decorrentes da utilização cres-cente dos agrocombustíveis em todo o mundo contribuem para a forte expansão docultivo de soja no Brasil que se dá atualmente. A redução da área plantada com sojanos Estados Unidos, seu maior produtor mundial, decorre justamente de sua substi-tuição pela cultura do milho destinada à produção de etanol. Pelas mesmas razões,a produção de milho no Brasil também vem crescendo de forma acelerada e dispu-tando espaço com outras culturas. A utilização, em diversos países, de óleos vegetaisem geral como combustíveis também pressiona a procura pelo óleo de soja, emsubstituição aos demais. Este conjunto de fatores vem fazendo disparar o preço doóleo de soja, estimulando o aumento da produção do grão no Brasil.

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Substituição de culturasAfinal, os agrocombustíveis estão ou não substituindo culturas alimentares? Buscamosagora respostas a esta pergunta, analisando os dados sobre as culturas em algunsestados onde ocupam parcelas expressivas da produção. Algumas conclusões sãopossíveis, apesar da insuficiência dos dados existentes, sobretudo no que diz respeito àprodução pecuária brasileira. Os últimos dados oficiais, do IBGE, são relativos aoano de 2005.

Em abril de 2008, a Conab, através da publicação Perfi-l do Setor do Açúcar edo Álcool no Brasil, revelou dados de uma pesquisa pioneira sobre a área das lavouraserradicadas em decorrência da expansão dos canaviais. A publicação revela que, nasafra 2007/08, na região Centro-Sul, onde a expansão ocorre com grande força, osnovos canaviais ocuparam áreas de diversas lavouras pré-existentes, embora a maiorparte delas (64,7%) refira-se a áreas antes dedicadas à pastagem de bovinos.

TABELA 1TABELA 1TABELA 1TABELA 1TABELA 1

Participação das lavouras no total da expansãoLavoura substituida na expansão da safra 2007/08

Estado/Região (participação percentual)

ÁreasMilho Soja Café Laranja Pasto novas Outros Total

São Paulo 4,9 12,0 0,6 8,6 68,8 2,3 2,8 100,0Paraná 6,3 32,7 - - 55,4 - 5,6 100,0Minas Gerais 7,1 20,9 0,4 0,4 64,0 0,3 6,9 100.0Mato Grosso do Sul 1,6 7,8 - - 90,6 - - 100,0Goiás 7,1 32,1 - - 54,7 1,0 5,1 100,0Mato Grosso - 68,1 - - 30,6 1,3 - 100.0Rio de Janeiro - - - - - - 100,0 100,0Espírito Santo - - 1,7 1,6 93,2 - 3,4 100,0CENTRO-SUL 5,2 17,9 0,4 5,0 66,4 1,4 3,7 100,0

Alagoas - - - - 46,6 - 53,4 100,0Pernambuco - - - - 32,0 - 68,0 100,0Paraíba - - - - 45,6 - 54,4 100,0Rio Grande do Norte - - - - 33,5 46.3 20,2 100,0Bahia - - - - 78,8 - 21,2 100,0Maranhão - - - - 10,5 34.8 54,7 100,0Piauí - - - - - 100,0 - 100,0Sergipe - - - - 100,0 - - 100.0Ceará - - - - - - - 0,0Amazonas - - - - - - - 0,0Tocantins - - - - - - 100,0 100,0NORTE-NORDESTE 0,0 0,0 0,0 0,0 37,3 18,4 44,3 100,0

BRASIL 4,9 16,9 0,4 4,7 64,7 2,4 6,0 100,0Fonte: Conab(2008).

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A cana em São PauloVerificamos, ao longo deste estudo, que, na safra 2006/07, no estado de São Paulo,a área plantada com cana-de-açúcar foi ampliada em 362 mil hectares, enquanto aárea de plantio de árvores crescia 17 mil hectares. Já a área plantada com soja sofreuredução de 118 mil hectares. Para o ano de 2008, a Conab previa para a soja, noestado, pequena oscilação, positiva ou negativa. De toda forma, no conjunto daprodução brasileira de soja, a produção paulista já não ocupa posição expressiva.

O Instituto de Economia Agrícola (IEA) e a Coordenadoria de Assistência TécnicaIntegral (Cati), órgãos da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento doEstado de São Paulo, publicaram, em setembro de 2007, os números da safra 2006/07.Foram analisadas as culturas do algodão, amendoim da seca, amendoim das águas,arroz, cana-de-açúcar, feijão da seca, feijão das águas, feijão de inverno, laranja,milho (de verão), milho safrinha e soja.3

O levantamento aponta que, além da cana-de-açúcar, a laranja (apenas +2%,cerca de 12 mil hectares) foi, dentre os produtos analisados, o único que apresentouaumento da área plantada. Quanto aos demais, passou-se o seguinte:

• O milho sofreu redução de 11,3% na área de plantio e ficou com 678 milhectares (-86 mil hectares) e 3,4 milhões de toneladas produzidas – volume10% menor que a safra anterior.

• A soja teve diminuída sua área em 28% e passou de 666 mil hectares, na safra2005/06, para 478 mil na safra 2006/07 (segundo a Conab, seriam 538 mil hec-tares). A produção caiu 17% e atingiu 1,2 milhão de toneladas (1,4 milhões,para a Conab).

• As safras de feijão da seca e das águas apresentaram redução O primeiroficou em 45 mil hectares (13% menor) e produção em 65 mil toneladas (13%menor). Para o feijão das águas, a área totalizou 70 mil hectares, 4% menor, ea produção praticamente estável, em 124 mil toneladas.

• A área e a produção do amendoim, tanto da safra da seca quanto das águas,apresentaram redução. Na primeira, a área ficou em 11 mil hectares (22%menor) e a produção em 20 mil toneladas (25% menor). Na das águas, são60 mil hectares de área cultivada (redução de 8,5% em relação à safra ante-rior), com produção em 148 mil toneladas (18% menor).

• O algodão teve sua área de plantio reduzida em 41%. Ocupou 32 mil hectarese gerou 67 mil toneladas (em caroço).

3 Agricultura paulista diminui a área plantada mas aumenta produtividade. Agência Imprensa Oficial doEstado de São Paulo, 13/09/07.

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SÍNTESE E CONCLUSÕES

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• O café teve área 2% menor em relação à safra anterior, perfazendo 229,7 milhectares. No conjunto da produção, devido à bianualidade da cultura, a quedafoi de 29%, com 201 mil toneladas.

Quanto ao arroz, o levantamento de safra da Conab apontava para São Paulouma redução de 15% da área plantada, ou cerca de 5,3 mil hectares. Para o sorgo,houve redução de 30% da área, equivalentes a 31,4 mil hectares. Para o trigo, redu-ção de 13%, ou 9,3 mil hectares. (Conab, 2007)

Somadas as variações positivas, quase integralmente por conta da cana, temosum aumento da área total plantada no estado de 391 mil hectares. A estes, corres-pondeu uma redução dos cultivos acima listados de cerca de 280 mil hectares. Alémdisso, o recente estudo da Conab (2008) sobre o perfil do setor do açúcar e doálcool aponta uma redução de 242 mil hectares nas áreas de pastagem. Pode-sesupor, portanto, que a diferença (131 mil hectares) estaria, naquele período, emfase de preparo para a produção.

Para Paulo Cavasin, engenheiro agrônomo do Escritório de DesenvolvimentoRegional Agrícola de Araraquara, “Onde tinha vaca hoje tem um mar de cana e issoacontecerá também com outras culturas. O Estado perdeu grandes bacias leiteiraspara a cana-de-açúcar. Os pecuaristas saíram de São Paulo e foram para outros esta-dos, como Goiás e Paraná. Quem perdeu foram os consumidores. Em São Carlosexistiam grandes produtores, hoje são poucos. Em Dourado, na década de 60, eramproduzidos mais de 60 mil litros de leite por dia. A partir da cana, isso foi diminu-indo, passou para 12 mil litros por dia e hoje, se a produção chegar a mil litros pordia, já é muito. Todas as grandes fazendas de leite, sem exceção, que produziamcerca de 10 mil litros por dia, migraram para a cana. A troca foi muito vantajosapara a cultura sucroalcooleira, porque a cana tomou o espaço de grandes pastos,terras planas, logisticamente bem posicionadas. Ninguém tira 10 mil litros de leitede uma “biboca”. Os pastos eram os melhores lugares da fazenda.”4

A última Pesquisa sobre a Produção da Pecuária Municipal, publicada peloIBGE em dezembro de 2006, refere-se ao ano de 2005. Os números mostram que,enquanto o rebanho bovino brasileiro em seu conjunto aumentava em 1,3%, relativa-mente a 2004, o de diversos estados do Sul-Sudeste do Brasil se reduzia: São Paulo,Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.

Os dados sobre exportação de carne de boi proveniente do Estado de São Paulotambém confirmam esta suposição. Até 2005, São Paulo respondia por 61% dacarne de boi exportada. Segundo a Carlos Cogo Consultoria Agroeconômica, estaparticipação caiu para 49,9%, no acumulado de janeiro a agosto de 2007.

4 Fernanda Manécolo. Área de plantação de cana duplicou nos últimos sete anos. Tribuna Impressade Araraquara, 16/07/7.

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Outros estadosNos estados onde cresce a produção da cana e das florestas artificiais, a áreaplantada com diversas outras culturas também foi reduzida entre as safras 2005/06e 2006/07. Mesmo levando em conta que em alguns casos, como o da soja, a retraçãose deu em função da redução de preços no período anterior, as informações sobrediversos outros produtos indicam estar de fato em curso a substituição de culturasalimentares, principalmente em função do crescimento acelerado da cana-de-açúcar.Os reflexos desta redução da produção sobre os preços se fizeram sentir mais forte-mente no primeiro semestre de 2008.

Nota-se também que esta substituição se dá com maior intensidade nasregiões Sul e Sudeste, como mostrado no caso de São Paulo. No Paraná, onde houveforte expansão do plantio de cana, e também onde se dá a maior parte da produ-ção de trigo no Brasil, a redução da área plantada com trigo foi de quase um terço(-31%). No Rio Grande do Sul, a redução foi de 18%. Em Minas Gerais e no EspíritoSanto, a área plantada com feijão reduziu-se em 14,4% e 11,5%, respectivamente,no ano de 2007.

Nos estados das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, a redução da áreaplantada com grãos é menos acentuada do que nas regiões Sul e Sudeste. Isto seexplica certamente pela maior disponibilidade de terras nestas regiões, ao con-trário do que se passa em estados do Sul e Sudeste, como Rio Grande do Sul, Paraná,São Paulo e Minas Gerais. E porque, nestes últimos, as áreas disponíveis são maiscaras, o que pode inviabilizar uma série de culturas.

O diretor de Logística e Gestão Empresarial da Conab, Sílvio Porto, admitiu,em julho de 2007, ao divulgar o décimo levantamento da safra de grãos 2006/07,que há uma preocupação com a perda de espaço das culturas de milho e sojapara a cana-de-açúcar nos estados do Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo eMinas Gerais.5

A questão do gadoSegundo a Confederação Nacional de Agricultura, o rebanho bovino brasileiroera, em 2007, de cerca de 207 milhões de cabeças. As estimativas são de queeste gado ocupava uma área de 220 milhões de hectares. Esta área equivale amais de quatro vezes e meia a área total plantada com grãos no Brasil, em 2007(47,87 milhões de hectares).

O governo e as associações de produtores rurais afirmam, constantemente,que a agricultura, em geral, e a cana-de-açúcar, em particular, irão expandir-se sobreáreas de pastagem e terras degradadas. O gado bovino brasileiro, no entanto segue

5 Daniel Lima. Avanço do cultivo da cana-de-açúcar preocupa, admite diretor da Conab. Agência Brasil,03/07/07.

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SÍNTESE E CONCLUSÕES

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crescendo de modo quase contínuo, fazendo do Brasil o maior exportador mundialde carne bovina, atualmente.

O deslocamento da origem da carne brasileira exportada, já mencionado, éapenas o reflexo de outro movimento migratório mais importante, que é a buscade áreas produtivas pela pecuária que dificilmente serão ocupadas pelos grãosou pela cana-de-açúcar, aliada à ramificação dos frigoríficos. Os pecuaristas estãoindo para regiões onde a terra é mais barata e a cana-de-açúcar, assim como osgrãos, ainda não chegaram, já que estas culturas possuem uma rentabilidadesuperior à da pecuária.6

TABELA 2TABELA 2TABELA 2TABELA 2TABELA 2

Brasil: rebanho bovino por região – 1995 e 2005Cabeças

1995 2005 Variação %Brasil 161.227.938 207.156.696 28,5Norte 19.183.092 41.489.002 116,3Centro-Oeste 55.061.299 71.984.504 30,7Sudeste 37.168.199 38.943.898 4,8Sul 26.641.412 27.770.006 4,2Nordeste 23.173.936 26.969.286 3,4

Fonte: IBGE

Impactos ambientaisA expansão das monoculturas associadas à produção de agrocombustíveis, emparalelo à do gado bovino, vem provocando a destruição de biomas, especialmenteda Floresta Amazônica, do Pantanal e do Cerrado. A degradação de áreas já utili-zadas pela atividade agropecuária é também fator de preocupação, à medida queo crescimento do conjunto das atividades termina por impulsionar a ocupação deáreas adicionais.

No capítulo relativo à cana-de-açúcar, mencionamos a iniciativa do governofederal no sentido de realizar estudos para promover um zoneamento econômico-ecológico que restrinja as áreas destinadas à expansão do seu cultivo. Quanto à sojae às florestas plantadas, no entanto, nada se pode dizer. Os pronunciamentos oficiaisnão deixam claro se o zoneamento incluirá o conjunto das atividades agropecuáriasou somente a cana-de-açúcar, que ocupa no momento o centro das atenções.

Em julho de 2007, foram iniciadas as atividades do projeto “Avaliação dosimpactos ambientais, econômicos e sociais dos sistemas de produção de bovinosde corte no Cerrado, na Amazônia e no Pantanal”, coordenado pela Embrapa

6 SP perde participação na exportação para regiões CO e NO. www.carloscogo.br. Acessado em 25/11/07.

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Cerrados. Uma forte razão para o lançamento do projeto é a crescente pressãoexercida por importadores de carne bovina, em função dos problemas ambien-tais causados pela atividade pecuária no Brasil, que fazem antever problemascom as vendas externas do produto.

O avanço das culturas destinadas à produção de combustíveis, mesmo que sedê em áreas hoje destinadas à pastagem ou degradadas, não pode ser considerado,no entanto, neutro. A contaminação das águas e do solo, por exemplo, são algunsdos efeitos nocivos adicionais a serem levados em conta. O caso da cana-de-açúcaré mais grave que os demais: apesar de ocupar cerca de dez por cento do total daárea cultivada no Brasil, seu cultivo, segundo o Sindicato Nacional da Indústria deProdutos para Defesa Agrícola (Sindag), respondeu, em 2006, por 12,6% dofaturamento total da indústria de agrotóxicos.7 Segundo José Roberto da Ros, vice-presidente do Sindag, a cana consumiu, em 2006, US$ 351 milhões em herbicidas,contra US$ 731,4 milhões da soja. A cana ocupava, neste período, 6 milhões dehectares e a soja, 20 milhões.8

Quanto à Amazônia, é possível que, com a elevação dos preços internacionais,a expansão da soja e do gado se dê em ritmo mais acelerado nos próximos períodos,invertendo a tendência à queda do desmatamento verificada nos últimos anos.Entre agosto de 2007 e abril de 2008, o Deter, do governo federal, detectou 5.850km2 desflorestados. Entre agosto de 2006 e julho de 2007, o mesmo sistema haviacomputado 4.974 km2.9

Impactos sobre o emprego e a agricultura familiarOs três monocultivos energéticos aqui analisados já vêm produzindo impactos osmais diversos sobre a agricultura familiar, a renda do trabalhador rural e o empregono campo. Estes fatos não são características exclusivas dos cultivos energéticos,mas suas razões são inseparáveis dos regimes de monocultivos e de produção inte-grada em que se baseiam.

No estado de São Paulo, aquele em que a cana-de-açúcar se expandiu commaior vigor nos últimos anos e a agropecuária já ocupa a quase totalidade das terrasdisponíveis, o emprego rural vem decrescendo continuamente. José MarangoniCamargo, do Instituto de Economia da Unicamp, mostra em estudo recente que,

7 Segundo o Sindag, a soja é a principal consumidora de defensivos no Brasil, tendo sido responsável,em 2006, por 38,5% do valor total das vendas. Em segundo lugar, aparece a cana-de-açúcar (12,6%),seguida de algodão herbáceo (10,3%), milho (7,5%), café (4,9%) e citros (4,2%), o que perfaz, somenteconsideradas essas seis culturas, 78,0% do valor comercializado naquele ano. Considerando-se asvendas para tratamento de sementes de soja, algodão e milho, a participação desse conjunto deculturas passa para 81,7% do valor total comercializado.

8 Indústria de defensivos aposta na cana. Valor Econômico, 19/09/2007.

9 Afra Bazalina e Fábio Amato. Desmatamento aumenta e já supera o registrado em 2007.Folha de São Paulo, 03/06/08.

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SÍNTESE E CONCLUSÕES

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entre 1970 e 2000, a agricultura paulista eliminou aproximadamente 700 milpostos de trabalho – equivalentes a 40% daqueles existentes no período –, e queeste processo está ainda em curso. Seus maiores efeitos, segundo o autor, se dãoa partir de 1990.

De acordo com o estudo, um dos setores que mais apresentou transformaçõesnesse aspecto foi o sucroalcooleiro. Nos últimos quinze anos, o nível de mecani-zação, sobretudo na etapa de colheita, aumentou muito. Uma colhedora realiza atarefa de 100 trabalhadores. “Vale ressaltar que, atualmente, a cana ocupa metadeda área cultivada do estado. Ou seja, qualquer mudança no processo produtivodesse segmento tende a produzir impactos importantes nos indicadores da agricul-tura como um todo”, analisa o autor.10

O estudo aponta ainda que há uma tendência ao declínio da mão-de-obraresidente nas propriedades. Atualmente, cerca de 60% dos ocupados na agriculturapaulista moram fora dos seus locais de trabalho. E, embora todas as regiões doEstado tenham registrado redução do nível de emprego no campo, algumas forammais afetadas do que outras. “Nas localidades onde predomina a pecuária e a mono-cultura, o desemprego foi mais acentuado do que nas regiões onde as culturas sãodiversificadas”, afirma o autor.

Observamos também, neste estudo, que o preço da terra, sobretudo nasregiões de expansão da cana-de-açúcar, vem subindo de maneira acelerada. Estesnovos níveis dos preços têm levado agricultores familiares a vender ou arrendarsuas terras, e a tentar encontrar novas atividades no campo ou na cidade. A escassezde postos de trabalho, relativamente ao contingente de agricultores deslocados,contribui para o aumento do desemprego nestas regiões. O encarecimento daterra dificulta também a aquisição, pelo Governo Federal, de terras destinadas àreforma agrária.

Quanto ao Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, suas potencia-lidades de geração de emprego e renda no campo só poderão se concretizar casoprevaleça a posição do Ministério do Desenvolvimento Agrário, favorável a fontesdiversificadas de óleos vegetais, produzidos pela agricultura familiar.

Os resultados da análise promovida por aquele Ministério mostram que,com 6% de participação da agricultura familiar no mercado de biodiesel, haverá ageração de 269.691 empregos no campo, a um custo médio por emprego (família)de R$ 4.906,00. A renda com a atividade irá, no mínimo, dobrar. Estimando osimpactos da apropriação total do mercado do biodiesel pelo agronegócio da soja,conclui que haverá a geração de apenas 46.375 empregos, a um custo médio quasedezesseis vezes maior: R$ 80.000,00 por emprego.

10 Manuel Alves Filho. Mecanização ceifa 700 mil empregos na agricultura nos últimos trinta anos em SP.Jornal da Unicamp, 10 a 16/09/08.

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Algumas conclusõesEm setembro de 2007, na abertura da Assembléia Geral das nações Unidas, emNova Iorque, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que “a experiência bra-sileira de três décadas mostra que a produção de agrocombustíveis não afeta a segu-rança alimentar. O problema da fome no planeta não decorre da falta de alimentos,mas da falta de renda que golpeia quase um bilhão de homens, mulheres e crianças.É plenamente possível combinar biocombustíveis, preservação ambiental e produ-ção de alimentos”.11

Certamente, a disponibilidade global de alimentos seria suficiente para provercomida a toda a humanidade. No entanto, a análise dos fatos recentes relacionadosao crescimento do cultivo dos agrocombustíveis demonstra que estes, sob diversosaspectos, contribuem, juntamente com outros fatores (alta do petróleo, mudançasclimáticas, aumento do consumo de carnes, especulação), para comprometer a segu-rança alimentar de vários segmentos da população. Vivemos um novo paradigma, emque a atividade agrícola não é mais inteiramente dedicada à produção de alimentos.Até aqui, podemos visualizar os seguintes impactos negativos:

• A elevação generalizada dos preços dos alimentos, em nível global, tem emsua origem, em boa parte, a utilização do milho, do trigo, de óleos vegetais ede alguns outros produtos agrícolas como combustíveis. Se é verdade, comoafirma o presidente Lula, que o problema da fome está relacionado ao darenda, o aumento do preço dos alimentos é fatal para uma grande parcela dahumanidade, que, vivendo com menos dois dólares diários, não pode esperarpelo dia em que os preços voltariam a seus níveis históricos.

• É possível que, em médio prazo, os preços dos alimentos retornem aos níveisanteriores, pois a tendência observada historicamente é a de queda dos pre-ços relativos dos produtos primários frente aos demais preços da economia.No entanto, a crescente utilização de produtos vegetais como combustíveis éum fato novo. Acrescente-se a ele os impactos sobre a produção agrícola quedecorrem das mudanças climáticas, e temos como resultado um panorama deincertezas sobre o futuro dos preços dos alimentos. Pela primeira vez, parecehaver uma relação direta entre os preços do petróleo e os dos alimentos.

• A expansão das monoculturas voltadas à produção de agrocombustíveis reduztambém a segurança alimentar da agricultura familiar à medida que provocaa valorização das terras. Com isto, o agricultor enfrenta dificuldades cres-centes para produzir seus próprios alimentos. A segurança alimentar vê-seprejudicada, ainda, em regiões distantes ou isoladas dos grandes centros de

11 Marília Martins. Lula anuncia plano ambiental. O Globo, 26/09/07.

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SÍNTESE E CONCLUSÕES

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produção de alimentos, já que estes têm seus preços aumentados pelos custosde transporte e sua qualidade deteriorada pelo tempo e pelas condições pre-cárias de transporte.

• As monoculturas, de modo geral, reduzem a disponibilidade de água, secandosuas fontes, além de contaminarem com agrotóxicos o volume remanescente.Seus impactos sobre a produção de alimentos tradicionais não se limitam,portanto, às novas áreas ocupadas pelo monocultivo, mas atingem tambémos territórios circunvizinhos.

• Além de causarem desemprego, as monoculturas alteram o padrão de circu-lação da renda local, já que se utilizam de insumos e equipamentos produ-zidos em centros distantes. As economias locais e regionais vêem-se, assim,duplamente empobrecidas. É por este motivo que já despontam em algunsestados e municípios iniciativas governamentais no sentido de frear o cresci-mento da cana-de-açúcar, para evitar o desemprego e o aumento dos preçosdos alimentos.

• O crescimento das monoculturas relacionadas à produção de agrocombus-tíveis está causando a destruição de biomas no Brasil, de forma indiretatambém. Neste particular, o deslocamento da criação do gado bovino paranovas áreas de fronteira agropecuária é o principal fator de destruição de biomascomo a Floresta Amazônica, o Cerrado e o Pantanal.

Agrocombustíveis, aquecimento global,pastagens e áreas degradadasSem dúvida, é necessário encontrar fontes alternativas de energia que venham asubstituir os combustíveis derivados do petróleo. Mas a simples troca da gasolinapelo etanol e do óleo diesel pelo biodiesel, da maneira que vem se desenvolvendo,pode vir a causar mais problemas do que benefícios, seja do ponto de vista econô-mico, social ou ambiental. Mesmo para o enfrentamento do aquecimento global, osestudos mais recentes indicam que os agrocombustíveis, produzidos em regimesmonoculturais, podem na verdade agravar o problema, ainda que isto não se dê àcusta da destruição de florestas.

Segundo pesquisa realizada por Paul J. Crutzen, Prêmio Nobel de Química,o óleo de canola produzido na Europa resultaria em liberação de 70% mais gasesresponsáveis pelo efeito estufa do que o óleo diesel. Já o etanol de cana gera“apenas” entre 50 e 90 por cento dos gases do efeito estufa que seriam emitidospela gasolina.12

12 Emma Graham-Harrison. Muitos biocombustíveis seriam mais nocivos que petróleo. Reuters/BrasilOnline, 27/09/07.

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A maior parte destas emissões tem origem justamente no fato de que aprodução se dá em regime de monocultura, requerendo utilização intensiva defertilizantes químicos, herbicidas e outros agrotóxicos. Devido a isto, ocorre a emis-são do dióxido de nitrogênio (NO2), que é cerca de 300 vezes mais danoso do que oCO2, em termos de aquecimento global. Por essas razões, o estudo aponta que, daforma que vem sendo realizada a produção destes novos combustíveis, atualmente,o resultado final é altamente negativo. E sugere que se busquem plantas que nãorequeiram uso tão intensivo de agrotóxicos, bem como mudanças nos métodos decultivo hoje empregados.

Assim, a expansão dos monocultivos de agrocombustíveis sobre áreas degra-dadas, ou atualmente utilizadas para pastagem, também não parece ser uma soluçãoinofensiva ou adequada para o combate ao aquecimento global. Além de contami-nante, este sistema contribui para agravar uma série de problemas sociais, comodescrito ao longo deste texto.

Quem ganha?Os modelos produtivos baseados na monocultura e na produção integrada tra-zem benefícios para poucos: grandes latifundiários, alimentados por um processode concentração da propriedade da terra e financiados com recursos públicos;grandes empresas nacionais e transnacionais de alimentos e de energia, além docapital estrangeiro, produtivo e especulativo, que começa a investir pesadamentena produção dos agrocombustíveis. Neste modelo, como no da produção e distri-buição do petróleo, a renda é especialmente concentrada em um pequeno númerode beneficiários.

No curto prazo, as contas governamentais relativas ao balanço de pagamentospodem apresentar números positivos, como resultado da exportação crescente dosnovos combustíveis. Em prazo mais longo, no entanto, tudo leva a crer que o Brasilnão poderá seguir pagando a importação de bens cada vez mais sofisticados, quehoje integram sua pauta de importações, com as receitas de produtos primários: asanálises da pauta de exportações do Brasil demonstram que estes produtos vêmassumindo participação crescente. Segundo Edgard Pereira, economista-chefe doIedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), metade do valor adicio-nado (a riqueza gerada) pela indústria já depende hoje de setores que têm por baserecursos naturais.13 Com isto, até mesmo a sustentabilidade das contas do setorexterno brasileiro se encontra ameaçada.

13 Fernando Canzian. Economistas alertam para desindustrialização. Folha de São Paulo, 19/09/07.

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SÍNTESE E CONCLUSÕES

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O que fazer?A produção de agrocombustíveis pela agricultura familiar, em um modelo no qualos agricultores possam ir além do plantio, participando da elaboração do combustível,parece ser hoje a melhor alternativa para a produção de combustíveis vegetais, emtermos sociais e ambientais. É preciso considerar, no entanto, que o volume decombustíveis necessário para a substituição de todos os derivados do petróleoatualmente consumidos teria, ainda, um impacto extraordinário sobre os recursosnaturais, como água e solos.

É de se esperar que a tecnologia, através de aumentos de produtividade einovações que incluam a utilização de novas fontes de obtenção de energia, possaapontar soluções que reduzam a atual pressão sobre os recursos naturais. Por outrolado, e enquanto estas soluções não vêm, é necessário introduzir novos padrões deconsumo. Este debate não encontra muitos adeptos, já que contraria a lógicaeconômica vigente, em que é imperativo o crescimento ilimitado da produção edo consumo, independentemente dos benefícios ou prejuízos causados ao públicoconsumidor, ou da capacidade da Terra de suportar tais padrões de consumo.

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Bibliografia

CONAB. Perfil do Setor do Açúcar e do Álcool no Brasil, Situação Observada em Novembrode 2007. Brasília. Conab, 2008.

FOOD & WATER WATCH AND NETWORK FOR NEW ENERGY CHOICES. The rush to ethanol:not all biofuels are created equal. Analysis and Recommendations for U.S. BiofuelsPolicy. 2007.

IEDI. Importações, câmbio e indústria: a marcha da desindustrialização no Brasil. Iedi,março de 2007.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Relatório final do grupo de trabalhointerministerial encarregado de apresentar estudos sobre a viabilidade de utilizaçãode óleo vegetal – biodiesel como fonte alternativa de energia, anexo III. Brasília,dezembro de 2003.

OECD-FAO. Agricultural Outlook 2007-2016. OECD-FAO, 2007.

2008-2017. OECD-FAO, 2008.

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SIGLAS

AIA – Avaliação do Impacto Ambiental

ANP – Agência Nacional do Petróleo

BEN – Balanço Energético Nacional

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CBI – Caribbean Basin Initiative

CEVASA – Central Energética do Vale do Sapucaí

CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil

CNAA – Companhia Nacional de Açúcar e Álcool

CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento

CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

EDR – Escritório de Desenvolvimento Regional

EPE – Empresa de Pesquisa Energética

FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura

FBA – Franco-Brasileira de Açúcar

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IEA – Instituto de Economia Agrícola

IEA – Instituto de Economia Agrícola

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LDC – Louis Dreyfus Commodities Bioenergia

MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

NIPE – Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Estratégico

OMC – Organização Mundial do Comércio

ORPLANA – Organização dos Produtores de Cana da Região do Centro-Sul do Brasil

PAGRISA – Pará Pastoril e Agrícola S.A.

PNAD – Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios

RFA – Associação dos Combustíveis Renováveis dos Estados Unidos

SECEX – Secretaria de Comércio Exterior

UE – União Européia

UNESP – Universidade Estadual Paulista

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

ZEE – Zoneamento Ecológico-Econômico

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