ser Água contida em gota e oceano em forma de pingo

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Ser água contida em gota e oceano em forma de pingo: o grande dilema da existência humana. Gilvano Amorim Oliveira A finitude e a transitoriedade humanas desta existência diante da perenidade e constância da eternidade por vir formam um dipolo que dicotomiza e dualiza a natureza humana. Vivemos como se nunca viéssemos a desaparecer e, ao mesmo somos acossados pela perspectiva do fim iminente em algum momento de nossa vida. Se a consciência da finitude nos remete à consciência de nossa verdadeira identidade terrena e transitória, o caráter eterno nos induz à petulância do vapor que se quer vitral de janela, sem se dar conta de que se esvanecerá ao ímpeto do calor do sol nascente. Apesar da jactância que o acúmulo material ou o cabedal cultural e intelectivo permitem, todos estamos fadados a um único fim. Ricos ou pobres, indoutos ou letrados, em algum momento nosso coração sucumbirá em assistolia e nosso corpo jazerá gélido na lápide. A morte imporá silencio à fartura de discurso do falante, fará ignorante a ciência do cientista, fará absurda a lógica do filósofo e banal a riqueza do milionário. É o final mais democrático possível da vida humana. É como água de um tanque que em torvelinho é sorvida pelo mesmo ralo. Morreremos, quer façamos o bem, quer façamos o mal. O silêncio do defunto é a declaração mais eloqüente desta maldição humana. Sob esta ótica estampada no horizonte, o homem caminha como se ela não existisse e como se o dia de hoje se eternizasse esticado na amplidão territorial do aqui e agora, ignorando que o instante atual pode ser o último. Este ser finito, marchando sob a envergadura da farda dos eternos, é duplo em sua natureza. Em sua essência é eterno e perene, dada sua natureza divina. É água formatada nos limites de uma gota e gota constituída de oceano circunscrito ao mesmo tempo. A mística e a finitude se tocam e se degladiam. A reflexão deste tema nos ensina a “Ars Moriendi”, a arte de viver da melhor forma, porque vivemos morrendo a cada dia e a arte de morrer a cada dia, porque somos eternos no contexto místico da espiritualidade, mas chamados a otimizar nossos dias, porquanto são contados.

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Uma análise breve da natureza do ser...

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Page 1: Ser Água Contida Em Gota e Oceano Em Forma de Pingo

Ser água contida em gota e oceano em forma de pingo: o grande dilema da existência humana.

Gilvano Amorim Oliveira

A finitude e a transitoriedade humanas desta existência diante da perenidade e constância da eternidade por vir formam um dipolo que dicotomiza e dualiza a natureza humana. Vivemos como se nunca viéssemos a desaparecer e, ao mesmo somos acossados pela perspectiva do fim iminente em algum momento de nossa vida. Se a consciência da finitude nos remete à consciência de nossa verdadeira identidade terrena e transitória, o caráter eterno nos induz à petulância do vapor que se quer vitral de janela, sem se dar conta de que se esvanecerá ao ímpeto do calor do sol nascente. Apesar da jactância que o acúmulo material ou o cabedal cultural e intelectivo permitem, todos estamos fadados a um único fim. Ricos ou pobres, indoutos ou letrados, em algum momento nosso coração sucumbirá em assistolia e nosso corpo jazerá gélido na lápide. A morte imporá silencio à fartura de discurso do falante, fará ignorante a ciência do cientista, fará absurda a lógica do filósofo e banal a riqueza do milionário. É o final mais democrático possível da vida humana. É como água de um tanque que em torvelinho é sorvida pelo mesmo ralo. Morreremos, quer façamos o bem, quer façamos o mal. O silêncio do defunto é a declaração mais eloqüente desta maldição humana. Sob esta ótica estampada no horizonte, o homem caminha como se ela não existisse e como se o dia de hoje se eternizasse esticado na amplidão territorial do aqui e agora, ignorando que o instante atual pode ser o último. Este ser finito, marchando sob a envergadura da farda dos eternos, é duplo em sua natureza. Em sua essência é eterno e perene, dada sua natureza divina. É água formatada nos limites de uma gota e gota constituída de oceano circunscrito ao mesmo tempo. A mística e a finitude se tocam e se degladiam. A reflexão deste tema nos ensina a “Ars Moriendi”, a arte de viver da melhor forma, porque vivemos morrendo a cada dia e a arte de morrer a cada dia, porque somos eternos no contexto místico da espiritualidade, mas chamados a otimizar nossos dias, porquanto são contados.