sentinela da savana

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14 15 Terra da Gente Terra da Gente SENTINELA da SAVANA Simpática e desengonçada, a pernalta e pescoçuda girafa, o maior animal terrestre, encanta crianças e adultos. Mas na Savana Africana, seu hábitat, a espécie está ameaçada mais pelo homem que lhe tira casa e comida do que pelo leão, seu único predador natural texto | AGUINALDO MATOS FAUNA GETTY IMAGES

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Simpática e desengonçada, a pernalta e pescoçuda girafa, o maior animal terrestre, encanta crianças e adultos. Mas na Savana Africana, seu hábitat, a espécie está ameaçada mais pelo homem que lhe tira casa e comida do que pelo leão, seu único predador natural

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Page 1: Sentinela da Savana

1414 1515Terra da Gente Terra da Gente

Sentinelada Savana

Simpática e desengonçada, a pernalta e pescoçuda girafa, o maior animal terrestre, encanta crianças e adultos. Mas na Savana Africana, seu hábitat, a espécie está ameaçada mais pelo homem que lhe tira casa e comida do que pelo leão, seu único predador natural

texto | AguinAldo MAtos

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Page 2: Sentinela da Savana

m sol de rachar!

Temperatura na casa

dos 40 graus ou mais.

Estamos em um

caminhão adaptado como ônibus para

levar passageiros. Porém, afora o fato de

ter poltronas, nada lembra um ônibus. Os

assentos não são reclináveis e macios, a

suspensão é dura e, claro, ar condicionado

no semiárido da Savana Africana é

tecnologia de outro mundo. Viajamos

por estradas de cascalho, a cerca de 80

quilômetros por hora. Ao volante, o guia

não raramente se empolga e acelera ainda

mais. A vibração no caminhão é infernal.

Malas, mochilas,

equipamentos,

o que

estiver solto balança para lá e para cá, e às

vezes cai na cabeça dos desatentos. É uma

bagunça em meio a uma densa névoa,

pura poeira. Com o calor, o jeito é andar de

janelas abertas. Nesta aventura, “engolir

poeira” não é apenas força de expressão.

Seguimos pelo norte da Namíbia, país

ao sul do Continente Africano, e nosso

objetivo é chegar ao Parque Nacional

Etosha, um dos maiores e mais famosos

do mundo, considerado um paraíso dos

bichos da Savana. Entre tantas espécies

para conhecer, uma é prioridade: a girafa.

Por mais que eu já tenha visto esse animal

no zoológico, para quem gosta da natureza

nada se compara a observar o bicho em

seu ambiente natural. E a curiosidade pela

girafa vem de longe. É um dos mais belos

animais do Planeta. Quem nunca soletrou

ou ouviu “G de girafa”? Seria exagero dizer

fauna | 17Terra da Gente16 Terra da Gente | fauna

U que é uma das espécies mais carismáticas?

Com certeza, não. O jeito bonachão, pacato,

desengonçado e ao mesmo tempo com um

certo charme ganha a afeição de qualquer

um. Criança ou adulto, não há quem não se

encante com elas.

BEM DE PERTO

Pela estreita janela do caminhão o que se

vê, além da poeira, é uma extensa planície

branca, repleta de arbustos secos. Apesar

da vegetação, visualmente o verde não

predominda por aqui. Passamos por um dos

portões que dão acesso ao Parque e logo os

animais começam a surgir pelo caminho.

Além de zebras, várias espécies de antílopes

como as gazelas, o órix e o gnu. Estamos

em outubro, auge da seca na Savana. Nessa

época, água é coisa rara – por isso, líquido

sagrado – e o pouco que resta é disputado

por toda a vida selvagem. Nosso guia avisa:

vamos descer perto de um pequeno lago,

um reservatório natural, um bom ponto

de observação. É o único sinal de água num

raio de 40 quilômetros. Enfi m, uma pausa

no sacolejo do caminhão e seguimos a pé

até uma área cercada.

Logo temos pela frente uma visão do

paraíso. A cerca de 30 metros, centenas

de animais se aglomeram ao redor de

um pequeno lago, ansiosos por alguns

goles de água. São elefantes, antílopes,

zebras e até aves em grandes bandos. Ao

fundo, vejo o que parecem ser tocos de

árvores secas. Mas, logo, a surpresa! Toco

não anda sozinho! Eram elas, as girafas.

Como estavam longe e contra o sol, fui

facilmente enganado. Mas pelo zoom da

câmera, não houve dúvida. Dava para ver

as orelhas e os pequenos chifres. Daquele

ângulo, apesar da distância, pelo tamanho

elas já se destacavam entre todos e tudo

por ali. Poucas árvores são do tamanho ou

maiores que elas. Estavam lá, observando

a movimentação. Pareciam esperar uma

chance de se aproximar e também saciar

Os outros animais fi cam atentos à sentinela: se ele para, todos param;se ela corre, todos fogem do perigo

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os

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a sede. Enquanto esperavam, algumas

aproveitavam para beliscar as folhas do

topo das árvores.

GIGANTE

O nome girafa teria vindo do árabe,

xirapha, que signifi ca “quem caminha

rapidamente”. Faz sentido: no galope,

ela chega a 60 quilômetros por hora. É

um mamífero herbívoro da família dos

girafídeos, do gênero Giraffa. A girafa

chama a atenção pelo tamanho: é o maior

animal terrestre do mundo em altura.

Pode chegar a 5,70 metros, por causa dos

membros alongados, principalmente

o pescoço, formado por sete vértebras

cervicais – a mesma quantidade dos

humanos –, cada uma com cerca de 10

centímetros de comprimento. Grande

e pesada, a girafa pode chegar a 1.400

quilos. Existe apenas uma única espécie

de girafa, a Giraffa camelopardalis, dividida

em 9 subespécies. Elas se diferenciam pelo

padrão de manchas da pelagem e pela área

de distribuição.

A bela gigante passa cerca de 20 horas

por dia forrageando. Alimenta-se de folhas,

brotos, frutos e plantas trepadeiras. Tem

predileção pelas acácias – espécie de árvore

africana conhecida por ter muitos espinhos

–, mas sua dieta é bem variada. Em algumas

áreas chega a comer mais de 60 espécies

vegetais. Os pelos compridos ao redor

dos lábios protegem dos espinhos e têm a

faculdade de transmitir ao cérebro, por via

nervosa, todas as informações sobre o grau

de amadurecimento das folhas. A língua

é preta e viscosa e chega a 50 centímetros

de comprimento. Com isso, prolonga ainda

mais o seu tamanho e permite alcançar os

petiscos mais escondidos entre os galhos

altos. A boca é revestida por uma mucosa

resistente, adequada ao seu regime.

A girafa normalmente vive em grupos

de 4 a 30 indivíduos. Considerado um

animal pacífi co, pouco se fala do lado

Dieta veRDeNão há folha

que escape daviscosa língua dede 50 cm (acima).Seca na Savana éproblema para os

turistas e em especialpara os animais

(págs. anteriores)

nome científi co: Giraffa camelopardalis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

» háBItAt. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Savanas do Continente africano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

» ASPectoS fÍSIcoS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

até 1.400 kg, 5,70 m de altura e língua de 50 cm. Cada uma das 9 subespécies se diferencia pelo padrão de manchas da pelagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

» reProduÇÃo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

fêmea no cio a cada 15 dias, gestação de 15 meses e 1 fi lhote. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

» AlIMentAÇÃo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

folhas, brotos, frutos e trepadeiras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

» coMPortAMento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Pacífi ca, passa 20 horas do dia comendo, anda em grupos de 4 a 30 indivíduos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

» teMPo de VIdA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Cerca de 25 anos

Girafa

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fauna | 21Terra da Gente| fauna20 Terra da Gente

PeRnaltaAs pernas longas

atrapalham nahora de beber água,quando a girafa se expõe ao predador,

mas ajudam aalcançar as

folhas das árvoresmais altas da Savana

brigão da espécie. A disputa pela liderança

do grupo e pelas fêmeas é na base da

pescoçada. Geralmente os machos rivais

se apóiam com as pernas afastadas, de

frente um para o outro, virando o pescoço

para o mesmo lado ou para o lado oposto.

Aí começam a movimentar a cabeça de

forma cadenciada, abaixando o pescoço

para tentar atingir o adversário com os

chifres. Isso é só o começo da disputa, que

pode se arrastar por horas.

A girafa se reproduz durante o ano

todo. A fêmea fica no cio a cada 15 dias.

A gestação dura cerca de 15 meses e é

normalmente de um filhote. O parto

da girafa é um dos mais curiosos da

natureza. Quando o filhote nasce, sofre

uma queda de cerca de 2 metros de altura.

No entanto, o pequeno gigante com quase

2 metros e cerca de 100 quilos aguenta o

tranco. Meia hora depois, levanta-se sobre

as patas trêmulas e busca os carinhos da

mãe.

VIGILANTES

O sol já se encaminha para o poente

e a movimentação dos animais ao redor

do reservatório não para. Com passadas

largas, parecendo marchar, as girafas

começam a se aproximar do lago. A

qualquer barulho, recuam. Entre avanços

e recuos, tem-se a impressão de que nunca

vão chegar. Depois de quase duas horas,

as primeiras se aproximam do objetivo.

Sentinelas exemplares, ainda dão uma

última espiada em tudo ao redor antes de

beber. E ver esses bichos se abaixando é

um espetáculo à parte.

Se o pescoço comprido ajuda a alcançar

o alimento nas alturas, acaba sendo um

transtorno nessa hora. É uma proeza e

tanto. Ela dobra os joelhos para a frente e

afasta as patas dianteiras. Esse movimento

é auxiliado pelo pescoço, que funciona

como um pêndulo. Aos poucos, a cabeça da

girafa alcança a água. Não é em vão todo

o cuidado ao vigiar as redondezas. Quanto

está nessa posição, ela se torna presa fácil

dos predadores, pois tem dificuldade em

recompor a postura para fugir às pressas.

Depois de beber, vira-se e sai a galope. Nas

horas em que permanecemos para observar

as girafas, cerca de 15 vieram até o lago,

todas com o mesmo cuidado para chegar e

rapidez na despedida.

PRESA AMEAÇADA

A girafa adulta tem apenas um predador

natural: o leão. A tática é cercar o herbívoro

até que um dos leões pule nas costas

do animal. Numa ação coordenada, os

predadores mordem a girafa nas pernas,

no rabo, na barriga e em minutos o grupo

consegue derrubar e matar o animal. As

baixas que vão para a conta do rei das selvas

não representam perigo para a preservação

da espécie da gigante das savanas.

De acordo com a organização não

governamental Fundação de Conservação

da Girafa (GCF, na sigla em inglês), o que

compromete a população desses animais

é a perda de hábitat. Entre os motivos, o

crescimento da população humana é o

principal problema. Segundo estimativas

da União Internacional para a Conservação

da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), no

Só o leão ataca a girafa adulta. Masa população dela está diminuindoporque perde espaço para o homem

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ECOTURISMOUma das operadoras de ecoturismo com roteiros completos no continente africano é a Nomad Tours(www.nomadtours.co.za)

SAIBA MAIS

Page 5: Sentinela da Savana

fauna | 23Terra da Gente| fauna22 Terra da Gente

final dos anos 1990 existiam cerca de 140

mil animais na natureza. Hoje, o número

teria caído para menos de 80 mil, pelos

dados da GCF.

Atualmente, as girafas vivem, na sua

maioria, em reservas e parques nacionais

espalhados pelo continente africano.

Algumas subespécies vivem sob sério risco

de extinção e duas estão na Lista Vermelha

internacional. Segundo especialistas,

estima-se que existam menos de 750

indivíduos da girafa-de-rothschild (Giraffa

camelopardalis rothschild) na natureza. O

caso da girafa-do-chade ou girafa-do-oeste-

africano (G. c. peralta) é bem mais grave. Há

indícios de apenas cerca de 300 animais

vivos. A GCF apoia mais de 30 projetos na

África para a conservação das girafas.

No final da nossa aventura, no norte da

Namíbia, tivemos a sorte de encontrar um

casal bem de perto, na beira da estrada,

comendo a folhagem das acácias. Curiosas,

nos olharam por alguns minutos enquanto

mastigavam sem parar e logo saíram “de

fininho”. De acordo com especialistas, a

Namíbia é a única região da África onde

há registro de crescimento da população

de girafas. Para quem tem o privilégio de

conhecer esse animal na natureza, fica

o desejo de que os protetores das girafas

vençam a batalha pela conservação da

espécie.

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tOMBOO pescoço, com setevértebras, a mesma

quantidade doshumanos, é muito

flexível. Após agestação, o filhotecai de um altura

de 2 metrosquando nasce

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fauna | 25Terra da Gente| fauna24 Terra da Gente

» GIrAfA-retIculAdA ou GIrAfA-dA-SoMálIA (G. c. reticulata) - manchascor-de-fígado, reticuladas e separadas por linhas brancas muito nítidas. Quênia, Etiópia e Somália.

» GIrAfA-AnGolAnA (G. c. angolensis). angola, Zâmbia.

» GIrAfA AntIquoruM (G. c. antiquorum). Sudão.

» GIrAfA-MASAI (G. c. tippelskirchi) - manchas irregulares, em forma de folha de videira,cor-de-chocolate. Quênia, Tanzânia.

» GIrAfA-núBIA (G. c. camelopardalis) - manchas grandes, quadrangulares, cor-de-avelã, ausentes nas patas. Sudão, Congo.

» GIrAfA-de-rothSchIld (G. c. rothschildi ) - manchas retangulares castanho-escuras,de contornos mal definidos. uganda, Quênia.

» GIrAfA-Sul-AfrIcAnA (G. c. giraffa). África do Sul, namíbia, Botsuana, Zimbábue, Moçambique.

» GIrAfA-dA-rodéSIA (G. c. thornicrofti ). Zâmbia.

» GIrAfA-do-chAde (G. c. peralta). Chade.

a espécie Giraffa camelopardalis tem 9 subespécies,assim distribuídas pelo Continente africano:

SUDÃO

áfricaETiÓPia

SOMáLiaQUÊNia

UGaNDa

cHaDE

TaNZÂNia

aNGOLa MOÇaMBiQUEZÂMBia

ZiMBáBUE

BOTSUaNaNaNÍBia

cONGO

áfrica DO SUL

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