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Alexandre Antonucci Bonsaglia SENTENÇAS ADITIVAS NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Monografia apresentada à banca examinadora da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) como requisito de conclusão do curso Escola de Formação, sob orientação da Professora Carla Osmo. SÃO PAULO 2010

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Alexandre Antonucci Bonsaglia

SENTENÇAS ADITIVAS

NA

JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Monografia apresentada à banca

examinadora da Sociedade Brasileira de

Direito Público (SBDP) como requisito de conclusão do curso Escola de Formação,

sob orientação da Professora Carla Osmo.

SÃO PAULO

2010

2

ABREVIATURAS

ADI – Ação direta de inconstitucionalidade

AGU – Advocacia-Geral da União

CC – Código Civil

CF – Constituição Federal

DEM - Democratas

MC – Medida cautelar

MI – Mandado de injunção

MS – Mandado de segurança

OS – Organização social

PC do B – Partido Comunista do Brasil

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PPS – Partido Popular Socialista

PSC – Partido Social Cristão

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores

SINDPOL – Sindicato dos servidores policiais civis do Estado do Espírito

Santo

SINJEP – Sindicato dos trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do

Pará

SINTEM – Sindicato dos trabalhadores em educação do Município de João

Pessoa

STF – Supremo Tribunal Federal

3

SUMÁRIO

PARTE I

APRESENTAÇÃO

CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO...........................................................05

CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA........................................................10

PARTE II

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

CAPÍTULO 3 – SENTENÇAS MANIPULATIVAS E SENTENÇAS

ADITIVAS.......................................................................................15

3.1 Sentenças manipulativas.....................................15

3.2 Sentenças aditivas..............................................21

3.2.1 Conceito.............................................21

3.2.2 Violação ao princípio da igualdade em

decorrência de omissão parcial...................23

3.2.3 Limites à sentença aditiva..................25

3.3 Distinção entre sentença aditiva e interpretação

conforme a Constituição............................................27

PARTE III

ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

4

CAPÍTULO 4 – QUALIFICAÇÃO DE ENTIDADES COMO

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS...............................................................30

4.1 ADI 1.923 MC: Breve descrição do caso...............30

4.2 Análise quanto à sentença aditiva.......................33

CAPÍTULO 5 – PESQUISA COM CÉLULAS-TRONCO

EMBRIONÁRIAS..............................................................................39

5.1 ADI 3.510: Breve descrição do caso....................39

5.2 Análise quanto à sentença aditiva.......................43

CAPÍTULO 6 – DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES

PÚBLICOS......................................................................................48

6.1 MI 708, MI 712, MI 670: Breve descrição do

caso..........................................................................48

6.2 Análise quanto à sentença aditiva.......................54

CAPÍTULO 7 – CLÁUSULA DE BARREIRA.........................................61

7.1 ADI 1.351 e ADI 1.354: Breve descrição do

caso..........................................................................61

7.2 Análise quanto à sentença aditiva.......................64

CONCLUSÃO...................................................................................69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................72

5

PARTE I APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO

Esta monografia pretende analisar o uso das denominadas sentenças

de caráter aditivo pelo Supremo Tribunal Federal.1

As sentenças aditivas são utilizadas nos casos em que falta algum

preceito à norma impugnada, sem o qual ela é inconstitucional. O tribunal,

ao invés de declarar a inconstitucionalidade da norma, declara somente

inconstitucional sua parte omissa e adiciona a esta parte o conteúdo

normativo suficiente para sanar sua falha. Não há acréscimo ao texto da

norma, apenas seu significado é alterado.2

Além de a sentença com perfil aditivo ser utilizada em casos de

omissão parcial, ela também pode ser aplicada em situações de omissão

total, quando inexista uma norma que disponha sobre determinada

situação, conforme exigido pela Constituição. Em casos de omissão parcial,

embora exista a norma, esta apresenta algum defeito, e o tribunal

implementa, adiciona, acresce elementos necessários para que ela passe a

estar em conformidade com a Constituição.3

A relevância do estudo de sentença aditiva, espécie das sentenças

intermédias ou manipulativas, decorre do poder que advém da Justiça

Constitucional quando profere decisão positiva, criando conteúdo para uma

1 Não obstante o termo sentença seja tecnicamente utilizado para designar a decisão do juiz de primeira instância, que extingue o processo nos termos do art. 162, §1° do CPC (Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos: Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei), a expressão sentença aditiva é empregada para designar determinada forma de decidir em controle de

constitucionalidade, como será demonstrado na monografia. 2 Estatui Fátima de Sá, que as “decisões aditivas, ao contrário do que a denominação possa sugerir, não alteram a estrutura gramatical da norma combatida, mas apenas o seu significado, através da indicação de outra norma ou de um princípio normativo ao dispositivo remanescente (...)”. SÁ, Fátima de. “Omissões inconstitucionais e sentenças aditivas”. In. MORAIS, Carlos Blanco de. “As sentenças intermédias da justiça constitucional”. Lisboa: AAFDL, 2009. p. 428-430. 3 JÚNIOR, Edilson Pereira Nobre. “Sentenças aditivas e o mito do legislador negativo”.http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/27844/sentencas_aditivas_mito_legislador..pdf?sequence=3 Acessado em 31 de outubro de 2010. p. 70

6

norma geral anteriormente inexistente. Ademais, outro aspecto que denota

a importância do tema é o impacto dessa decisão no modelo de separação

dos poderes e, por conseguinte, no Estado Democrático de Direito.4 Por fim,

tal exame, no caso brasileiro, é especialmente importante na medida em

que o Supremo Tribunal Federal “atravessa um ciclo único, em termos de

uso imaginativo e ousado de decisões intermédias”.5

Esse ciclo também é verificado, segundo Gilmar Mendes, nos

ordenamentos jurídicos estrangeiros:

Assim, o recurso a técnicas inovadoras de controle da

constitucionalidade das leis e dos atos normativos em geral

tem sido cada vez mais comum na realidade do direito

comparado, na qual os tribunais não estão mais afeitos às

soluções ortodoxas da declaração de nulidade total ou de

mera decisão de improcedência da ação com a consequente

declaração de constitucionalidade.6

O tema inicialmente proposto para este trabalho havia sido ativismo

judicial e separação dos poderes.

Entretanto, como logo se percebeu, essa proposta de pesquisa

mostrou-se muito ampla, de modo a abranger uma seara de assuntos

variados, insuscetível, portanto, de serem tratados por uma monografia.7

Ademais, essa análise seria realizada com base principalmente na doutrina,

fugindo, com isso, do foco jurisprudencial que esta pesquisa deveria ter.

Diante disso, selecionou-se um objeto de pesquisa relacionado a essa

temática mais ampla, ao qual a monografia, focada na análise da

jurisprudência do STF, poderia se dedicar com a devida profundidade.

4 MORAIS, Carlos Blanco de. “As sentenças intermédias da justiça constitucional”. Lisboa: AAFDL, 2009. p. 6. 5 Id. Ibid. p. 8. 6 STF: ADI 1.351, Rel. Min. marco Aurélio, j. 07/12/2006. Voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 157. 7 Segundo o dicionário Aurélio, o termo monografia significa: Descrição especial de um único assunto. / Estudo limitado de história, de geografia, de crítica literária etc., tratando de um

tema, de uma pessoa ou de uma região. http://www.dicionariodoaurelio.com/Monografia. Acessado em 9 de outubro de 2010. Assim, uma monografia pressupõe o estudo de somente um objeto, de um tema, de uma fração específica de determinada área do conhecimento.

7

Feito este recorte material, que implica no estudo aprofundado de um

tema central e no tratamento dos demais sem grandes detalhes, quanto a

estes, serão apresentadas, somente informações relevantes e

complementares ao tema principal.8

O objeto de estudo desta monografia é o entendimento do Supremo

Tribunal Federal (STF) a respeito das sentenças aditivas,9 observado em

casos nos quais foi feita expressa referência a essa expressão, com atenção

às soluções dadas pelo Tribunal nesses casos específicos.10

Esse instituto será analisado em razão da argumentação e dos

critérios estabelecidos pelos próprios Ministros do STF, de modo que serão

avaliados o contexto em que o instituto é invocado, se realmente foi

aplicado no caso concreto e qual a motivação apresentada para o seu

emprego.

A pesquisa tem por objetivo analisar, no plano concreto, as

sentenças de perfil aditivo no tocante à justificativa de sua aplicação,

verificar se o STF impôs critérios para o seu uso e, em caso positivo, se

esses critérios são observados e se esse uso é coerente.

Questões teóricas acerca da admissibilidade e conformidade com a

Constituição desse tipo de sentença serão abordadas, sem se esquecer do

foco central do trabalho, com o objetivo de situar o leitor no debate

doutrinário a respeito do objeto da pesquisa e de seus desdobramentos.

Cabe ressaltar que não há a pretensão, de ao final da pesquisa, chegar-se a

conclusões peremptórias concernentes às sentenças de caráter aditivo.

8 O reconhecimento das limitações da pesquisa, por força de seu objeto de estudo, é de fundamental importância para manter o foco do trabalho, assim como sua coerência. Ao longo da pesquisa resvalou-se em diversos temas interessantes e que poderiam ser

agregados à monografia, porém que não se alinhavam com seu eixo central. Sem dúvida, tais assuntos podem vir, em outro momento, a complementar esta monografia ou serem, eles próprios, objetos de análise de outro estudo. Exemplos de temas importantes rapidamente abordados e que podem se associar à sentença de caráter aditivo são o ativismo judicial (judicial activism), separação dos poderes, tensão institucional do Judiciário com o Executivo e o Legislativo e omissões inconstitucionais. 9 Considera-se como termos sinônimos à sentença aditiva sentença (decisão) de caráter

aditivo; sentença (decisão) de perfil aditivo, sentença (decisão) manipuladora aditiva; e sentença (decisão) com efeitos aditivos. 10 Vide os critérios de seleção dos casos no Capítulo 2, referente à metodologia.

8

Mais especificamente, o objetivo desta monografia é responder às

seguintes perguntas:

1. Qual é o conceito de sentença aditiva adotado pelo STF?

2. São identificáveis na jurisprudência do STF as condições

necessárias para que o tribunal possa proferir sentenças aditivas?

3. O STF é coerente no uso de sentenças aditivas?

4. A sentença aditiva é uma técnica decisória aceita entre os

Ministros do STF?

Tais perguntas são a espinha dorsal do trabalho, de modo que a

análise do material colhido será pautada por elas. É esse conjunto de

questões que consiste no problema de pesquisa, que norteia todo o

presente estudo.

As perguntas formuladas motivam o estabelecimento das seguintes

hipóteses, que ao final desta monografia serão confirmadas ou rechaçadas:

As sentenças de perfil aditivo foram conceituadas pelo Supremo

Tribunal Federal, ao menos por alguns de seus ministros, em

algumas situações, mas não se pode extrair da jurisprudência do

Tribunal um entendimento claro e preciso a esse respeito

A jurisprudência do STF não oferece uma conclusão segura sobre as

condições nas quais está autorizado a proferir sentenças aditivas.

A referência ao conceito em alguns casos tem fins retóricos e não

implica o reconhecimento pelo Tribunal de que estaria apenas

autorizado a criar novas normas (exercício típico do Poder

Legislativo) se presentes as condições que a doutrina e a

9

jurisprudência internacional apresentam para que se possa proferir

uma sentença aditiva.

Não há coerência na aplicação do conceito pelo STF.

As decisões aditivas não são uma técnica decisória aceita de forma

expressa entre os diversos ministros do STF, embora na prática

soluções com esse caráter tenham prevalecido em alguns julgados do

Tribunal.

Ao responder as perguntas propostas será, então, possível, avaliar de

que forma o Supremo Tribunal Federal utiliza a sentença de perfil aditivo,

principalmente no tocante a sua justificativa de aplicação ao caso, à

fundamentação legal e jurisprudencial e ao respeito aos limites impostos

pelo próprio Tribunal sobre a utilização desse instituto.

10

METODOLOGIA

A fonte principal de pesquisa é a jurisprudência do STF disponível em

seu site oficial (www.stf.jus.br). As observações realizadas acerca do

posicionamento do STF sobre a matéria de sentença aditiva, de seu uso, de

sua justificativa, de seu critério estabelecido para instituí-la, de sua

argumentação e de outros pormenores serão constatados a partir da leitura

dos acórdãos e dos votos dos Ministros, individualmente analisados. Da

mesma forma proceder-se-á no que tange às conclusões alcançadas.

Como fonte subsidiária utilizou-se da doutrina. É importante destacar

o papel secundário que a doutrina desempenha neste estudo, ao contrário

do que se observa em grande parte dos trabalhos acadêmicos. O presente

trabalho, desenvolvido no âmbito da Sociedade Brasileira de Direito Público,

em razão do curso Escola de Formação, preconiza, assim como esta

instituição, a análise calcada mais na jurisprudência do que no doutrina.

Os critérios de seleção do material de pesquisa (acórdãos

selecionados) dizem respeito a dois aspectos: ao universo material e ao

universo temporal.

No atinente ao primeiro aspecto, os acórdãos selecionados são os

seguintes:

Acórdão Relator(a) Julgamento

ADI 1.351 Min. MARCO AURÉLIO 07/12/2006

ADI 1.354 Min. MARCO AURÉLIO 07/12/2006

ADI 1.923 MC Min. ILMAR GALVÃO 01/08/2007

MI 708 Min. GILMAR MENDES 25/10/2007

MI 712 Min. EROS GRAU 25/10/2007

11

MI 670 Min. MAURÍCIO CORRÊA 25/10/2007

ADI 3.510 Min. AYRES BRITTO 29/05/2008

Cabe observar que não compreendem o universo de casos

selecionados outras decisões na qual a expressão sentença aditiva não

tenha aparecido de forma expressa. Assim, procurou-se preservar a

objetividade dos critérios de seleção.

Um primeiro grupo de decisões foi selecionado pelo mecanismo de

busca no site no Supremo Tribunal Federal, no campo “pesquisa de

jurisprudência”, utilizando as seguintes palavras-chave:

Termos de busca no site do STF

(pesquisa de jurisprudência11)

Expressão de busca Resultados Resultados

aproveitados

Acórdão

selecionado

Sentença adj aditiva 1 1 ADI 1.923 MC12

Sentença adj perfil

aditivo

0 0 -

Caráter adj aditivo 1 1 ADI 3.51013

11 http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp 12 O termo sentença aditiva está expresso na ementa da ADI 1.923 MC: 2. Afastamento, no caso, em sede de medida cautelar, do exame das razões atinentes ao fumus boni iuris. O

periculum in mora não resulta no caso caracterizado, seja mercê do transcurso do tempo --- os atos normativos impugnados foram publicados em 1.998 --- seja porque no exame do mérito poder-se-á modular efeitos do que vier a ser decidido, inclusive com a definição de sentença aditiva. (grifos nossos) 13 O termo sentença de caráter aditivo encontra-se na ementa da ADI 3.510: IX – IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Afasta-se o uso da técnica de “interpretação conforme” para a feitura de sentença de caráter aditivo que tencione conferir à Lei de Biossegurança

exuberância regratória, ou restrições tendentes a inviabilizar as pesquisas com células-tronco embrionárias. Inexistência dos pressupostos para a aplicação da técnica da “interpretação conforme a Constituição”, porquanto a norma impugnada não padece de polissemia ou de

12

Solução adj normativa 4 2 MI 67014; MI 70815

Em relação à ADI 1.923, cabe observar que não houve decisão sobre

o mérito. Somente houve decisão sobre a medida cautelar, que será

analisada nesta monografia.

A seleção foi complementada com os casos indicados no voto do

Ministro Gilmar Mendes na ADI 3.510, como tendo sido decididos com

sentenças aditivas:

“Tais sentenças de perfil aditivo foram proferidas por esta

Corte nos recentes julgamentos dos MS n°s 26.602, Rel.

Min Eros Grau, 26.603, Rel. Min. Celso de Mello e 26.604,

Rel. Min. Cármen Lúcia, em que afirmamos o valor da

fidelidade partidária; assim como no também recente

julgamento a respeito do direito fundamental de greve dos

servidores públicos (MI n° 708, de minha relatoria; MI n°s

60716 e 712, Rel. Min. Eros Grau). Outra não foi a fórmula

encontrada pelo Tribunal para solver a questão da

inconstitucionalidade da denominada cláusula de barreira

instituída pelo art. 13 da Lei n° 9.096, no julgamento das

ADI n°s 1.351 e 1.354, Rel. Min. Marco Aurélio (grifos

nossos)”.

Após a análise de todo esses casos verificou-se que em algum

momento havia menção expressa à sentença aditiva, exceto em relação aos

plurissignificatidade. Ação direta de inconstitucionalidade julgada totalmente improcedente. (grifos nossos) 14 Não há referência à sentença aditiva na ementa do MI 670, assim como também não foi incluída no rol não taxativo do Ministro Gilmar. Porém, o MI 670 trata de matéria idêntica à

tratada pelo MI 708, que foi identificado por este Ministro como caso de sentença aditiva, pelo seu voto na ADI 3.510. Ambas as ementas também são idênticas e os dois casos foram julgadas no mesmo dia, 25/10/2007. 15 O MI 708 também foi expressamente incluído no rol exemplificativo de casos resolvidos por sentença aditiva do Ministro Gilmar Mendes. 16 Como explicitado pelo Ministro Gilmar Mendes, o MI 607 foi resolvido por meio do instituto da sentença de perfil aditivo, porém esse acórdão não se encontra no campo de “pesquisa de

jurisprudência” do site do STF (quando inserido o termo MI 607 somente se tem como resultado três documentos: Pet 607 AgR; AR 607; e Rp 607), o mesmo ocorre no campo “inteiro teor de acórdão”. Por tal razão, neste trabalho não se tratará do MI 607.

13

MS 26.602, 26.603 e 26.604, motivo pelo qual esses casos não foram

selecionados.

Para fins desta monografia cada caso foi relacionado a uma

“matéria”, ou seja, à questão central discutida nos acórdãos. Isso serviu

para catalogar e agrupar casos que tratam da mesma matéria.

As matérias abordadas nos acórdãos estudados na monografia são:

cláusula de barreira; qualificação de entidades como organizações sociais;

direito de greve dos servidores públicos; e pesquisa com células-tronco

embrionárias. Para efeito de melhor esclarecimento, consultar a tabela a

seguir, que relaciona os acórdãos com suas respectivas matérias:

Acórdão Matéria

ADI 1.35117 Cláusula de barreira

ADI 1.35418

ADI 1.923 MC Qualificação de entidades como organizações sociais

MI 708

Direito de greve dos servidores públicos MI 712

MI 670

ADI 3.510 Pesquisa com células-tronco embrionárias

A partir da seleção dos casos, o recorte temporal fixou-se entre

07/12/2006 e 29/05/2008 – do primeiro caso em que há menção à

17 Não há referência à sentença aditiva na ementa, porém no voto da ADI 3.510 o Min. Gilmar Mendes inclui a ADI 1.351 no rol exemplificativo de casos cuja sentença é aditiva. 18 Também a ementa não se reporta à sentença aditiva, porém no voto da ADI 3.510 o Min.

Gilmar Mendes inclui a ADI 1.354 no rol de casos cuja sentença é aditiva. Cabe observar que a relatoria da ADI 1.354 e da ADI 1.351 é do Ministro Marco Aurélio e ambas foram julgadas no mesmo dia, 07/12/2006

14

sentença aditiva ao caso mais recente assim classificado.19 Esse período foi

delimitado pela seleção dos casos encontrados no site do STF e das

decisões arroladas pelo Ministro Gilmar Mendes, no voto da ADI 3.510, nas

quais há menção expressa à sentença aditiva.

Quanto à estrutura dissertativa do trabalho cabe apontar que foi feita

uma divisão em três partes, que correspondem às etapas de pesquisa. São

elas: Parte I - Apresentação; “Parte II – Pressupostos teóricos; e Parte III –

Análise jurisprudencial.

A primeira parte introduz o tema estudado e oferece subsídios quanto

aos critérios de seleção e análise dos casos. Nesta divisão também são

fixados os universos material e temporal.

O segundo momento recorre à doutrina, lançando mão de bases

teóricas e, ainda, conceitua a sentença aditiva.

A terceira fase de pesquisa passa a investigar a aplicação da sentença

de caráter aditivo. Trata-se da análise dos casos selecionados, agrupados

por temas, como cláusula de barreira e direito de greve dos servidores

públicos. Neste momento, então, será realizada análise jurisprudencial dos

referidos casos. Em cada tema estudado na terceira parte será abordada

uma breve descrição do caso e, finalmente, proceder-se-á com a análise do

uso da expressão sentença aditiva pelos ministros e da sua relação com a

solução dada ao caso

19 A busca de casos no site do STF encerrou-se em agosto de 2010.

15

PARTE II

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

CAPÍTULO 3 – SENTENÇAS MANIPULATIVAS E SENTENÇAS

ADITIVAS

3.1 Sentenças manipulativas

As decisões do Tribunal Constitucional em controle de

constitucionalidade, em caso de procedência da ação, podem ser

classificadas, quanto aos efeitos, em simples e manipulativas.20

As decisões do primeiro tipo são aquelas em que uma norma

inconstitucional é expurgada da ordem jurídica. Em regra, seus efeitos são

revogados retroativamente. Denomina-se essa decisão de legislar de modo

negativo.21

O segundo tipo de decisões, denominadas pela doutrina como

sentenças manipulativas, caracteriza-se por alterar o sentido ou os efeitos

da norma impugnada. Elas são classificadas, segundo o professor português

Carlos Morais Blanco, em: a) sentenças restritivas dos efeitos temporais da

decisão de inconstitucionalidade; b) sentenças interpretativas de

acolhimento ou condicionais; e c) sentenças portadoras de efeitos

aditivos.22

Uma decisão portadora de efeitos aditivos só se afigura legítima,

segundo Carlos Morais Blanco, citado por Taciana Xavier, na medida em que

se limita a modelar a norma em julgamento pela adição de uma norma ou

20 XAVIER, Taciana. “A tutela das omissões relativas (geradas pela violação do princípio da igualdade) através do controle de constitucionalidade por ação, no sistema jurídico brasileiro”. In: MORAIS, Carlos Blanco de (org.). “As sentenças intermédias da justiça

constitucional”. Lisboa: AAFDL, 2009. p. 363. 21 Id. Ibid. p. 363. 22 Id. Ibid. p. 363.

16

princípio constitucional já existente no ordenamento jurídico.23 Em outras

palavras, não há margem para o magistrado inovar no ordenamento jurídico

com a criação de normas, apenas lhe é autorizado adicionar à norma

preceito já existente.24

Nesse diapasão, leciona Rui Medeiros, citado por Gilmar Mendes, em

voto no MI 708, sobre os limites das sentenças modificativas:

Efectivamente, embora parte da doutrina admita que as

decisões modificativas são proferidas no exercício de um

poder discricionário do Tribunal Constitucional e se contente

em pedir aos juízes constitucionais que usem a sua liberdade

de escolha com parcimônia, numerosos autores esforçam-se

por sublinhar que não está em causa o exercício de uma

função substancialmente criativa ex nihil, verificando-

se tão-somente a extração de um quid iuris já presente

– de modo cogente e vinculativo para o próprio

legislador – no ordenamento jurídico. Nessa perspectiva,

o órgão de controlo, ao modificar a lei, não actua como se

fosse legislador, já que <<não possui aquele grau de

liberdade de opção para definir o escopo legal que é atributo

do legislador>>. <<O quid iuris adiectum, ainda que não

explicitado formalmente na disposição ou no texto (verba

legis), está já presente, e in modo obbligante, no próprio

sistema>>.25

Segundo o jurista português, citado pelo Ministro Gilmar Mendes, os

limites das sentenças manipulativas verificam-se pela (i) vedação à

inovação jurídica; e, portanto, pela (ii) vinculação do juiz ao ordenamento

jurídico, delineado pelo legislador.

Em que pese a definição doutrinária estrangeira de sentença aditiva

não admitir inovação jurídica, no Brasil (especificamente no STF) esse

instituto, a partir dos casos analisados nesta monografia, vem sendo

23 Cabe salientar que essa técnica não se confunde com a interpretação sistemática. Nesta, a decisão é tomada tendo-se em vista todo o ordenamento jurídico, que permite ao intérprete dar o significado mais adequado da norma ao caso concreto. Por outro lado, a sentença aditiva reconhece que há uma inconstitucionalidade na norma, devido a uma omissão total ou parcial, e para saná-la recorre a outras normas do ordenamento para completar o significado da norma inconstitucional, que passa, então, a estar de acordo com a Constituição. 24 Id. Ibid. p. 363. 25 STF: MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25/10/2007. Voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 242.

17

utilizado de modo a criar regras não previstas por nenhum dispositivo legal

ou constitucional, de fato, pois, inovando a ordem jurídica.

É interessante notar, ademais, que o Ministro Gilmar Mendes,

baseado nas observações de Rui Medeiros, parece sobrepor o conceito de

sentença manipulativa ao de sentença aditiva, conquanto a doutrina

portuguesa citada nesta monografia estabelece que estas são espécies

daquela. Eis a passagem de Gilmar Mendes que dá causa a essa

observação:

Especialmente no que concerne à aceitação das sentenças

aditivas ou modificativas, esclarece Rui Medeiro que eles

são em geral aceitas quando integram ou completar um

regime previamente adotado pelo legislador ou ainda quando

a solução adotada pelo Tribunal incorpora „solução

constitucionalmente obrigatória‟. (MEDEIROS, Rui, A Decisão

de Inconstitucionalidade).26

Entretanto, ao se analisar as passagens de Rui Medeiros que o

Ministro Gilmar Mendes transcreve em seu voto no MI 708,27 percebe-se

que o autor português somente faz menção às sentenças modificativas ou

manipulativas, porém em nenhum momento se refere às sentenças aditivas

e, muito menos traça comparação entre as decisões modificativas e

aditivas, ou ainda, estabelece uma relação de igualdade entre elas.28

O Ministro, em artigo intitulado “Jurisdição constitucional no Brasil: o

problema da omissão legislativa inconstitucional”,29 de sua autoria, também

equipara sentenças aditivas e modificativas, ao expressar que ambas são

admitidas “quando integram ou complementam um regime previamente

adotado pelo legislador ou, ainda, quando a solução adotada pelo Tribunal

incorpora solução constitucionalmente obrigatória”.

26 Id. Ibid. p. 243. 27 Id. Ibid. p. 240-243. 28 Não foi possível obter acesso à obra de Rui Medeiros, logo, não se sabe se o autor, em outro momento, equipara ambos os conceitos. 29 MENDES, Gilmar Ferreira. “Jurisdição constitucional no Brasil: o problema da omissão

legislativa inconstitucional”. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaArtigoDiscurso/anexo/Lituania.pdf Acessado em 13 de novembro de 2010.

18

A equiparação entre sentenças modificativas e aditivas parece ser

peculiaridade do Ministro Gilmar Mendes, ao interpretar o texto de Rui

Medeiros. Por outro lado, a doutrina portuguesa de Carlos Blanco de Morais

e a doutrina italiana, como se verá, distinguem ambas as decisões.

No direito italiano,30 as sentenças modificativas, ou manipulativas, ou

ainda, de caráter intermédio, compreendem, quatro espécies de decisão: as

exortativas, as interpretativas, as aditivas e as substitutivas.31

Em síntese, as quatro espécies de sentenças modificativas possuem

as seguintes características:

Sentenças exortativas (sentenze comandamento) – Apesar da

declaração da inconstitucionalidade da lei impugnada e, portanto, de

sua nulidade, a Corte Constitucional mantém sua eficácia enquanto o

texto da lei tido como inconstitucional não for alterado pelo

legislador.

Sentenças interpretativas (sentenze interpretative) – A Corte

Constitucional, sem reformar o texto da lei, declara nula as

interpretações que não guardem conformidade com a Constituição.

Sentenças aditivas (sentenze additive) – A uma norma falta parte

de texto normativo, sem o qual ela é inconstitucional. A Corte, para

evitar a declaração de inconstitucionalidade atua no sentido de suprir

a omissão legislativa, criando regras e, assim, garantindo a

adequação da norma à Constituição e a aplicação da norma em

questão.32

30 Fátima de Sá afirma que as sentenças aditivas na Itália “constituem um fenômeno quantitativa e qualificativamente muito relevante, sendo de onde deriva a maior parte dos estudos doutrinários dedicados a elas, bem como as suas variadíssimas denominações”. SÁ, Fátima de. “Omissões inconstitucionais e sentenças aditivas”. In: MORAIS, Carlos Blanco de (org.). “As sentenças intermédias da justiça constitucional”. Lisboa: AAFDL, 2009. 423. 31 VICTORINO, Fábio Rodrigo. “Supremo Tribunal Federal versus Congresso Nacional”.

http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/270946/ Acessado em 31 de outubro de 2010. 32 O autor não faz menção à hipótese de omissão total.

19

Sentenças substitutivas (sentenze sostitutive) – Proferidas nos

casos em que a declaração de inconstitucionalidade de uma norma

cria um vácuo legislativo que se torna uma ameaça à segurança

jurídica. Para resolver esse problema a Corte pode adotar uma das

duas medidas: a primeira é manter, temporariamente, em vigor a lei

impugnada, até o momento apropriado para suprimi-la de vez do

ordenamento jurídico; alternativamente, a segunda medida é a

criação de regra que supra o vácuo legislativo deixado pela norma

afastada, até que o Legislativo edite novo dispositivo.

Essas técnicas decisórias, aplicadas no direito italiano, já são

utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal, exceto as sentenças

substitutivas.33 Assim, são utilizadas pelo STF as sentenças exortativas,

interpretativas e aditivas.

Em relação às sentenças exortativas, o STF já fez a aplicação dessa

técnica decisória em seus julgados. Por exemplo, na ADI 2240, que tratou

da criação do Município de Luís Eduardo Magalhães, mediante a

fragmentação do Município de Barreiras, no Estado da Bahia. Por ocasião

dessa ADI, o Ministro Gilmar Mendes propôs a manutenção da vigência da

Lei n° 7.619/2000, que pretendia criar o referido Município, por um período

de 24 meses. Essa lei, que o STF entendeu ser contrária ao art. 18, §4° da

Constituição, fora mantida para que o Legislativo pudesse aprovar a lei

complementar exigida pelo mencionado dispositivo constitucional.

Dos conceitos da doutrina italiana e portuguesa de sentença aditiva,

pode-se extrair, no tocante à possibilidade de inovação no ordenamento

jurídico, que a doutrina italiana admite seu caráter inovador, ao passo em

que a doutrina portuguesa delimita o teor da decisão ao próprio

ordenamento.

33 VICTORINO, Fázbio Rodrigo. “Supremo Tribunal Federal versus Congresso Nacional”. http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/270946/ Acessado em 31 de outubro de 2010.

20

Em que pese o Ministro Gilmar Mendes utilizar a doutrina portuguesa,

ele acaba conferindo à sentença aditiva o caráter inovador, característico do

modelo italiano.

No ordenamento jurídico brasileiro, a edição da Lei 9.868/99,34 que

dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de

inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante

o Supremo Tribunal Federal, mitigou o dogma do legislador negativo, ao

prever a:35

a) Possibilidade de definição dos efeitos da decisão declaratória de

constitucionalidade;

b) Interpretação conforme a Constituição

c) Declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto

Sobre o primeiro item, reza o art. 27 da Lei 9.868/99:

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e

tendo em vista razões de segurança jurídica ou de

excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal

Federal, por maioria de dois terços de seus membros,

restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só

tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro

momento que venha a ser fixado.

Os dois últimos itens são expressos no parágrafo único do Art. 28 da

referida Lei:

34 Sobre a Lei 9.868/99, Gilmar Mendes, em voto na ADI 1.351, p.157-158, estatui que “(...) a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem evoluído significativamente nos últimos anos,, sobretudo a partir do advento da Lei n° 9.868/99, cujo art. 27 abre ao Tribunal uma nova via para a mitigação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade. A prática tem demonstrado que essas novas técnicas de decisão têm guarida também no âmbito do controle difuso de constitucionalidade. 35 XAVIER, Taciana. “A tutela das omissões relativas (geradas pela violação do princípio da

igualdade) através do controle de constitucionalidade por ação, no sistema jurídico brasileiro”. In. MORAIS, Carlos Blanco de (org.). “As sentenças intermédias da justiça constitucional”. Lisboa: AAFDL, 2009. p. 363.

21

Art. 28, Lei 9.868/99 - Dentro do prazo de dez dias após o

trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal

fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do

Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de

inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a

Constituição e a declaração parcial de

inconstitucionalidade sem redução de texto, têm

eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos

órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal,

estadual e municipal (grifos nossos).

3.2 Sentenças aditivas

3.2.1 Conceito

As sentenças aditivas são aquelas que reconhecem a falta de

elemento normativo necessário para que a norma em julgamento esteja de

acordo com a Constituição (omissão legislativa parcial) e que acrescentam a

essa norma o elemento ausente, que pode ser outra norma ou princípio

constitucional do ordenamento jurídico. Isso significa que à norma tida

inconstitucional é complementada por outra norma que sana o vício de

inconstitucionalidade. Ou então, nos casos de omissão legislativa total, a

sentença aditiva supre a falta da norma mediante a aplicação de outra

norma já existente ou, então, pela criação de uma norma que se adéque ao

caso concreto.

Fátima de Sá conceitua precisamente esse tipo de decisão:

Inicialmente, as sentenças aditivas podem ser definidas

como aquelas que declaram que ao preceito impugnado lhe

falta algo para ser conforme à Constituição, devendo, assim,

o preceito ser aplicado incluindo aquilo que lhe faltava. Nesse

passo, é declarada a inconstitucionalidade do preceito na

parte em que não inclui algo ou alguém. Censuram, dessa

forma, uma omissão legislativa inconstitucional, entendida

aqui como um silêncio parcial do legislador, que cria uma

situação contrária à Constituição, pois, na maior parte das

vezes, violam o princípio da igualdade.

22

Em sentido amplo, podem ser descritas, conforme Revorio,

como aquelas que sem afetar o texto da decisão impugnada,

produzem um efeito de extensão ou ampliação de seu

conteúdo normativo, assinalando que tal dispositivo deve

incluir algo que no texto da disposição não prevê

expressamente. Assim, a inconstitucionalidade é declarada

não naquilo que a norma prescreve, mas, contrariamente, a

fiscalização recai no fato da norma não prever aquilo que

deveria estar previsto para ser conforme à Constituição.36

Ao identificar a omissão legislativa inconstitucional que contamina

parte da norma, o tribunal extrai do ordenamento jurídico elementos

normativos a serem a ela incorporados, de modo a sanar a

inconstitucionalidade e a produzir no futuro efeitos jurídicos válidos.37 No

caso de omissão parcial, ao invés de declarar a norma inconstitucional, o

tribunal implementa, adiciona, acresce elementos necessários para que ela

passe a estar em conformidade com a Constituição.38

A autora atenta também para o fato de que a sentença aditiva, “ao

contrário do que a denominação possa sugerir, não altera a estrutura

gramatical da norma combatida, mas apenas seu significado”.39

Portanto, infere-se que a sentença aditiva evita que uma norma

inconstitucional seja simplesmente declarada nula, ao invés disso, à norma

é adicionada o conteúdo necessário para que passe a estar de acordo com a

Constituição, porém, sem que com isso o texto normativo seja modificado.

A norma é declarada inconstitucional pelo fato de não prever algum

elemento que nela deveria estar contido.40

36 SÁ, Fátima de. “Omissões inconstitucionais e sentenças aditivas”. In. MORAIS, Carlos Blanco de (org.). “As sentenças intermédias da justiça constitucional”. Lisboa: AAFDL, 2009. p. 428-429. 37 MORAIS, Carlos Blanco de. “As sentenças intermédias da justiça constitucional”. Lisboa: AAFDL, 2009. p. 19 38 JÚNIOR, Edilson Pereira Nobre. “Sentenças aditivas e o mito do legislador

negativo”.http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/27844/sentencas_aditivas_mito_legislador..pdf?sequence=3 Acessado em 31 de outubro de 2010. p. 70 39 Id. Ibid. p. 430. 40 Estatui Edilson Pereira Nobre Júnior que a sentença de caráter aditivo “ao invés de aporta-lhe na drástica eliminação da norma jurídica, esta é mantida através do adicionamento ao seu conteúdo duma regulação que faltava para lastrear a concordância daquela à Constituição. Nestas decisões, a estrutura literal da norma combatida se mantém inalterada,

mas o órgão de jurisdição constitucional, criativamente, acrescenta àquela componente normativo, vital para que seja preservada sua conciliação com a Lei Fundamental. A sua ocorrência coincide com as hipóteses onde o tribunal reconhece a existência de omissão

23

3.2.2 Violação ao princípio da igualdade em decorrência de

omissão parcial

Em casos de violação do princípio da igualdade, na qual a sentença

com efeitos aditivos cria norma que abarca a categoria de indivíduos

excluídos ilegalmente de benefício a qual tem direito. Uma decisão nesse

sentido constrói uma “ponte” normativa entre os indivíduos excluídos e o

benefício a que têm direito, ao invés de simplesmente declarar a norma

inconstitucional e, assim, deixar de conceder tal benefício a esse grupo.

Nesse diapasão, Rui Medeiros, citado diversas vezes por Gilmar

Mendes em voto no MI 708, estatui a possibilidade de sentença aditiva em

casos de violação do princípio da igualdade e, explica como a Corte

Constitucional italiana, em contraposição à Corte Constitucional alemã,

decide em situações de tal gênero:

“[Esclarece Rui Medeiros que] A diferença entre a

lição alemão e o ensinamento italiano prende-se, antes de

mais, com a delimitação dos casos em que são

constitucionalmente admissíveis as decisões modificativas.

Na verdade, além de o Bundesverfassungsgericht, ao

contrário da Corte Constituzionale, rejeitar decisões

modificativas quando a discriminação resulta do silêncio da

lei, o Tribunal Constitucional italiano admite mais facilmente

do que o Tribunal Constitucional Federal alemão a existência

de valores constitucionais que postulem a modificação da lei.

Mesmo um autor como VEZIO CRISAFULLI, que não se cansa

de sublinhar que a legislação positiva criada pela Corte

Constituzionale é uma legislação rime obbligate [isto é, trata-

se de atividade legislativa vinculada ao poder de

conformação limitado pelo gizamento constitucional

estabelecido para a matéria], alude ao contraste entre a

solução italiana e a solução alemã: o

Bundesverfassungsgericht alemão, perante uma violação

parcial, justamente porque permitem o acréscimo do necessário para tornar a norma impugnada concordante com os mandamentos constitucionais. O foco da fiscalização da inconstitucionalidade recai não naquilo que a norma prescreve, mas, contrariamente, no fato desta não prever aquilo que deveria tratar para satisfazer ao reclamado pela Lei Máxima”.

JÚNIOR, Edilson Pereira Nobre. Sentenças aditivas e o mito do legislador negativo.http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/27844/sentencas_aditivas_mito_legislador..pdf?sequence=3 Acessado em 31 de outubro de 2010. p. 70

24

do princípio da igualdade resultante de um tratamento

de favor concedido apenas a algumas das pessoas que

se encontram num plano essencialmente igual, lança

geralmente mão da simples declaração de incompatibilidade,

pois entende que o poder legislativo dispõe de várias

possibilidade de eliminação do vício e, entre outras opções ,

tanto pode estender a norma de favor aos até aí excluídos,

como revogá-la para todas; pelo contrário, em situações

deste género, a Corte italiana adopta uma sentença

manipulativa, anulando a disposição nella parte in cui

(ainda que implicitamente) esclude do beneficio a

categoria preterida, estendendo assim o tratamento

mais favorável” – (MEDEIROS, Rui. A Decisão de

Inconstitucionalidade, p. 461).41

Ademais, é possível verificar, no STF, o uso desse método decisório

para impor condições para que uma norma ou lei seja constitucional.

Exemplo disso pode ser observado no caso das pesquisas com células-

tronco embrionárias.

Deste modo, é possível inferir que a finalidade de tal medida é

preservar os princípios (i) da igualdade, na medida em que a norma é

completada para que passe a incorporar grupos indevidamente excluídos de

seu campo de abrangência. Isso, pois, previne que haja uma cisão na

garantia de um direito: um grupo excluído da proteção legal e outro, por ela

amparado; (ii) da segurança jurídica; e da (iii) proporcionalidade.

O Tribunal que profere a sentença com efeitos aditivos está, portanto,

defendendo os mencionados princípios assim como também “consertando” a

omissão inconstitucional da norma.

Nesse sentido, estatui Carlos Blanco de Morais:

Imperativos de aproveitamento dos actos e, sobretudo, de

tutela dos princípios da segurança jurídica, igualdade e

proporcionalidade conduziram a operações interpretativas e

integrativas da Justiça Constitucional, destinadas não apenas

a declarar uma inconstitucionalidade, mas também a

„consertá-la‟ no tecido normativo, através da prolação de

uma sentença aditiva. Neste ponto o Tribunal Constitucional

afirmou-se como titular de um poder „correctivo‟ ou

41 STF: MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25/10/2007. Voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 240.

25

„reparador‟ „ad futurum‟ de deformidades ou insuficiências

das normas jurídicas afectadas pela inconstitucionalidade.42

A sentença manipulativa aditiva, portanto, ao invés de declarar

inconstitucional uma norma infectada por omissão legislativa parcial, sana

tal omissão mediante acréscimo de regras retiradas do ordenamento

jurídico, tornando a norma constitucional e, por conseguinte, estende o

direito aos que estavam desamparados.

3.2.3 Limites à sentença aditiva

Cabe observar que, de acordo com a doutrina mencionada, a Corte

não deveria inovar no ordenamento jurídico, produzindo uma nova regra,

mas, diversamente, cria uma regra nos parâmetros do ordenamento

pautando-se pelo caso concreto. Essa observação é importante na medida

em que contraria a alegação de que a Corte desempenhe função de

legislador positivo.

Entretanto, no caso brasileiro, pela análise dos casos selecionados

nesta monografia, a afirmação feita no parágrafo anterior é questionada.43

Por todo exposto, exsurge que sentença aditiva é um dos métodos de

decisão face omissões legislativas inconstitucionais, em que o magistrado

supre lacuna legislativa de modo instantâneo, mediante a criação de norma

jurídica.

É possível afirmar, pois, tratar-se de uma alternativa à simples

declaração de inconstitucionalidade da norma, que poderia trazer resultados

indesejados, como (i) a retira da proteção jurídica ao grupo contemplado

pela norma (em caso de omissão parcial); e (ii) a perpetuação da falta de

regularização do direito, pois o órgão judicial somente agiu como legislador

negativo (na hipótese de omissão total).

42 MORAIS, Carlos Blanco de. “As sentenças intermédias da justiça constitucional”. Lisboa: AAFDL, 2009. p. 25 43 Vide a Parte III: Análise jurisprudencial.

26

Por fim, em entrevista do jornal Valor Econômico, em 18/10/2007,

Gilmar Mendes, o ministro do STF que se manifesta de modo mais enérgico

em relação a sentenças com perfil aditivo, defendeu o uso desse tipo de

sentença no caso da fidelidade partidária e também de modo geral, uma

vez que o escopo dessas sentenças é suprir omissões legislativas

inconstitucionais, quando há certa urgência de regulamentação de uma

norma. O Ministro também advogou na entrevista que a postura mais ativa

da Corte acompanha uma tendência mundial, da qual o Brasil passa a

acompanhar:

Valor: Foi pacificada no caso da fidelidade partidária [a

técnica da modulação a qual refere-se o art. 27 da Lei

9.868]?

Mendes: A fidelidade partidária é uma outra técnica que

também o tribunal vem desenvolvendo e que já se

manifestou de alguma forma no julgamento iniciado da greve

dos servidores públicos e no caso dos vereadores, que eu

tenho chamado de sentenças de perfil aditivo - em que o

tribunal rompe um pouco com a postura que

tradicionalmente chamávamos de legislador negativo e passa

a ser também, ainda que provisoriamente, um legislador

positivo, permitindo uma regulação provisória de uma dada

situação que reclama disciplina normativa ou regulação. No

caso das câmaras, o tribunal, de alguma forma, já avançou

para este aspecto ao concitar o Tribunal Superior Eleitoral

(TSE) a fixar o número de vereadores para a legislatura

seguinte. E agora, no caso da fidelidade partidária, não se

limitou a fixar a fidelidade, mas criou um procedimento para

sua aferição no âmbito do TSE, indicando as bases deste

procedimento. É uma típica sentença de perfil aditivo.

Valor: É legislar?

Mendes: Ou regular, o nome que você queira dar.

Valor: Mas não está na competência do Supremo legislar,

sua competência é julgar. Por que o Judiciário está

legislando?

Mendes: A gente não pode ver este tema por uma

perspectiva isolada e nem fora do contexto do direito

comparado. Esta é uma prática hoje vigente na jurisdição

constitucional no mundo. Não se trata de uma invenção

brasileira. É uma tendência. Em geral estas atuações se

dão em contextos de eventual faltas, lacunas ou omissões do

próprio legislador. Ou às vezes em um certo estado de

27

necessidade. A declaração de inconstitucionalidade reclama

uma regulação provisória. Para que se profira a decisão de

caráter cassatório, tem que se produzir também uma lei para

que se faça a transição entre o passado e o presente e regule

o presente eventualmente, até que venha a legislação futura.

Pode se perguntar se esta atitude pode ser banalizada. Eu

diria que não, mas é um dado inevitável do novo contexto

institucional que experimentamos.

Valor: Quando o sr. fala que é uma tendência no mundo,

está se referindo a que países? Que experiências existem

neste sentido?

Mendes: O das cortes constitucionais alemã, italiana e

espanhola. Os italianos produziram ao longo do tempo essas

chamadas sentenças atípicas, ou sentenças de perfil

manipulativo ou aditivo - como é a situação que o tribunal

está a desenhar no caso do julgamento sobre o direito de

greve do servidor público, que é uma situação muito

específica. O que se tem hoje é a possibilidade de regular

isto mandando aplicar a lei de greve; uma omissão

continuada do Poder Legislativo; e a existência de greve,

dentro de um quadro de lei da selva! Este contexto tem

levado o tribunal a fazer estas intervenções minimalistas

(grifos nosso).44

3.3 Distinção entre sentença aditiva e interpretação conforme a

Constituição

A interpretação conforme a Constituição é uma técnica hermenêutica

na qual se atribui a uma norma infraconstitucional, que possibilita várias

interpretações (umas que estejam de acordo com a Constituição, e outras,

contrárias a ela) um entendimento em consonância à Constituição, e, as

interpretações tidas inconstitucionais são declaradas nulas.45

O exposto no parágrafo anterior é corolário do postulado da

supremacia da Constituição, o qual estatui que as normas legais devam ser

lidas à luz da Constituição.

44 PRESTE, Cristine. “Uma revolução silenciosa no Supremo”. http://www.sbdp.org.br/processo_seletivo_2009/Entrevista%20Gilmar%20Mendes.pdf

Acessado em 13 de novembro de 2010. 45 TAVARES, André Ramos. “Curso de direito constitucional”. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 110.

28

No que tange às sentenças de perfil aditivo, a interpretação conforme

é o ponto de partida para o órgão judicial modificar a norma (por isso a

denominação de sentença manipulativa) em seu conteúdo, podendo até

mesmo acrescer-lhe uma regra (ou seja, o magistrado pode aplicar

sentença de caráter aditivo).

Leo Brust distingue a interpretação conforme em sentido estrito de

interpretação conforme em sentido amplo. De acordo com o autor, a

primeira limita-se a definir uma dentre várias interpretações da norma,

considerando constitucional somente aquela, ou então, define que uma

determinada interpretação da lei é inconstitucional. Em relação à

interpretação conforme em sentido amplo, o autor estatui que o magistrado

pode alterar o conteúdo da norma:

Na interpretação conforme a Constituição "propriamente

dita" o julgador escolhe entre interpretações alternativas

existentes no conteúdo normativo do preceito legal e

preserva o seu texto. Por isso, e só por isso, ela pode

produzir tanto sentenças de constitucionalidade (o preceito é

constitucional interpretado ou se for interpretado num

determinado sentido), como de inconstitucionalidade (é

inconstitucional interpretado ou se for interpretado...).

Porém, tendo como ponto de partida a interpretação

conforme, mas tomando-a num sentido mais amplo (lato

sensu), o julgador tem condições de ir muito mais além e

produzir sentenças que afetam o próprio conteúdo normativo

complexo do preceito, reduzindo-o, aumentando-o e, até

mesmo, substituindo-o.46

Observa-se, pelo exposto, que, em última análise, a partir da

interpretação conforme em sentido amplo o juiz pode chegar à sentença

aditiva.

A respeito disso, Gilmar Mendes admite a imprecisão dos limites

entre a interpretação conforme e a decisão manipulativa aditiva:

46 BRUST, Leo. “A interpretação conforme a constituição e as sentenças manipulativas”. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1808-24322009000200014&script=sci_arttext Acessado em 2 de novembro de 2010.

29

O Supremo Tribunal Federal, quase sempre imbuído do

dogma kelseniano do legislador negativo, costuma adotar

uma posição de self-restraint ao se deparar com situações

em que a interpretação conforme possa descambar para uma

decisão interpretativa corretiva da lei.

Ao se analisar detidamente a jurisprudência do Tribunal, no

entanto, é possível verificar que, em muitos casos, a Corte

não se atenta para os limites, sempre imprecisos, entre a

interpretação conforme delimitada negativamente pelos

sentidos literais do texto e a decisão interpretativa

modificativa desses sentidos originais postos pelo legislador.

No recente julgamento conjunto das ADIn 1.105 e 1.127,

ambas de relatoria do Min. Marco Aurélio, o Tribunal, ao

conferir interpretação conforme a Constituição a vários

dispositivos do Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/94),

acabou adicionando-lhes novo conteúdo normativo,

convolando a decisão em verdadeira interpretação corretiva

da lei.

Em outros vários casos mais antigos, também é possível

verificar que o Tribunal, a pretexto de dar interpretação

conforme a Constituição a determinados dispositivos, acabou

proferindo o que a doutrina constitucional, amparada na

prática da Corte Constitucional italiana, tem denominado de

decisões manipulativas de efeitos aditivos.47

47 STF: ADI 1.351, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07/12/2006. Voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 158-159.

30

PARTE III ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

CAPÍTULO 4 – QUALIFICAÇÃO DE ENTIDADES COMO

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

4.1 ADI 1.923 MC: Breve descrição do caso

Preliminarmente à análise da ADI 1.923 MC, cabe ressaltar, assim

como já feito na metodologia, que o acórdão a ser estudado neste capítulo

é uma medida cautelar, e, portanto, não há análise do mérito. O mérito da

ADI 1.923 não foi julgado pelo STF até o presente momento48.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade que pretende,

liminarmente, a declaração de inconstitucionalidade da Lei n° 9.637/98 e do

inciso XXIV do art. 24 da Lei n° 8.666/93, com a redação dada pela Lei ° 9.

648/98, que regulam a qualificação de entidades de direito privado como

organizações sociais.

Alternativamente, é requerida a declaração de inconstitucionalidade

dos arts. 1° a 7°, 10 a 15, 17, 20, 21 e 22 da Lei n° 9.636/98; do art. 24,

XXIV, da Lei n° 8.666/93 (redação do art. 1° da Lei n° 9.648/98); e dos

atos administrativos provenientes desses dispositivos.

Sobre a criação das organizações sociais (OS), versa o art. 1° da Lei

n° 9.637:

O Poder Executivo poderá qualificar como organizações

sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins

lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à

pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à

proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à

saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.

48 Como mencionado na metodologia (capítulo 2), a busca de casos no site do STF encerrou-se em agosto de 2010.

31

Portanto, afere-se da leitura do dispositivo retro transcrito que seu

objetivo, em linhas gerais, é de permitir que pessoas jurídicas de direito

privado desenvolvam atividades de autarquias e de fundações de direito

público.

Para as entidades de direito privado serem consideradas organizações

sociais devem obedecer a certos requisitos: não ter fim lucrativo;

desenvolver atividades voltadas ao ensino, à pesquisa científica, ao

desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente,

à cultura e à saúde.

As OS são figuras inéditas no direito brasileiro, com formato de

“entidade pública não estatal”, mas mantidas com recursos públicos. Deste

modo, uma entidade de direito público deixa de existir, e seus recursos

materiais e humanos são cedidos à pessoa jurídica privada,

independentemente de licitação (art. 12, §3°, Lei ° 9.637/98).49

Os autores da ação, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido

Democrático Trabalhista (PDT), sustentam que a fiscalização e o controle

dos atos da Administração Pública cabem ao Congresso Nacional (art. 49, X,

CF). 50

Também argúem os requerentes que a fiscalização contábil,

financeira, orçamentária, operacional e patrimonial (...) será exercida pelo

Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle

interno de cada Poder (art. 70, CF).

Ademais, advogam os autores que são impostas à Administração

Pública, no que diz respeito às OS, a elaboração de orçamentos (art. 165,

§5°, I, CF), a obediência aos limites orçamentários quanto a despesas com

pessoal ativo e inativo dos entes federativos (art. 169, §1°, CF), a

49 Art. 12, §3°, Lei ° 9.637/98 - Às organizações sociais poderão ser destinados recursos orçamentários e bens públicos necessários ao cumprimento do contrato de gestão: Os bens de que trata este artigo serão destinados às organizações sociais, dispensada licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão. 50 Art. 49, X, CF - É da competência exclusiva do Congresso Nacional: fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta

32

realização de concurso público para a contratação de pessoa (art. 37, II,

CF) e, finalmente, a licitação pública para a contratação de serviços ou

aquisição de bens (art. art. 37, XXI, CF).

Sobre a licitação, argumentam os autores, é obrigatória, já que uma

entidade de direito privado passa a prestar serviço público, mediante

contrato de gestão, vinculando-se ao Estado.

Tais entidades passam a ser denominadas de organizações sociais e

devem observar aos mesmos princípios constitucionais que a Administração

Pública, por também prestarem serviço público. Com efeito, são

estabelecidos na lei seus limites e poderes de atuação.

Pelo exposto, os autores entendem que o Poder Legislativo “burlou”

os limites materiais e formais da Constituição, sob o pretexto de criar “nova

forma de gerenciamento dos serviços públicos nas áreas de ensino, saúde,

cultura, pesquisa e desenvolvimento tecnológico e proteção ao meio

ambiente”,51 o que configura verdadeira “mutação constitucional

inconstitucional”, que intenta fraudar a Constituição e que evidencia desvio

de poder legislativo.

É requerida medida cautelar de suspensão imediata da eficácia dos

referidos dispositivos constitucionais.

O relator do caso, Ministro Ilmar Galvão, afastou todas as alegações

de inconstitucionalidade das normas impugnadas, portanto, indeferiu a

liminar. Acompanharam integralmente o relator os Ministros Sepúlveda

Pertence, Ellen Gracie e Moreira Alves, que entendeu não haver restrição

constitucional à lei nas diversas áreas que cita (ensino, pesquisa científica,

desenvolvimento tecnológico, proteção do meio ambiente, cultura e

saúde).52 O Ministro Nelson Jobim, em voto-vista também acompanhou

integralmente o relator. O Ministro Néri da Silveira acompanhou o relator

com relação à saúde. O Ministro Eros Grau, em voto-vista, diverge do

51 STF: ADI 1.923 MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 01/08/2007. Voto do Ministro Ilmar Galvão,

p. 83. 52 STF: ADI 1.923 MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 01/08/2007. Voto do Ministro Nelson Jobim, p. 138.

33

relator e concede a liminar e reconhece o periculum in mora.53 Entretanto,

posteriormente reforma seu voto e modifica seu posicionamento, negando a

liminar. O Ministro Gilmar Mendes também indefere a cautelar.

Concedem a liminar o Ministro Lewandowski, em parte (suspende o

art. 24, XXIV da Lei 8.666, adotando posicionamento no sentido de que a

licitação seja obrigatória); o Ministro Joaquim Barbosa acompanha o

entendimento do Ministro Eros Grau com as considerações do Ministro

Ricardo Lewandowski, também concedendo a liminar. Também a defere o

Ministro Marco Aurélio, ao suspender a eficácia das leis.

Portanto, o Tribunal, por maioria (8 x 3) indeferiu a liminar. Assim,

continuou em vigor a qualificação de entidades de direito privado como

organizações sociais nos termos da Lei n° 9.637/98 e do inciso XXIV do art.

24 da Lei n° 8.666/93, com a redação dada pela Lei ° 9. 648/98.

4.2 Análise quanto à sentença aditiva

Inicialmente não há uso da expressão sentença aditiva, entretanto,

após o voto do Ministro Gilmar Mendes, o Ministro Eros Grau, afirmando que

os argumentos do Ministro Gilmar Mendes não o tinham convencido,54

reexamina, no entanto, seu voto e reconhece a necessidade de alterar seu

entendimento, agora no sentido de negar a liminar, em razão da ciência de

que instituições definidas como organização social prestariam serviço

público de excelente qualidade.

Ademais, o Ministro Eros Grau alega que diante da impossibilidade

processual (pois se trata de medida cautelar) de se analisar com a devida

propriedade a questão por ele posta e, também, como forma de cautela

53 STF: ADI 1.923 MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 01/08/2007. Voto do Ministro Eros Grau, p. 71. “Seja como for, a celebração desse contrato de gestão com o Poder Público habilitará a organização social ao desfrute de certas vantagens. Mais do que vantagens, favores desmedidos, visto que essa contratação não é antecedida de licitação”. 54 Diz o Ministro Eros Grau: “Nenhum dos argumentos do Ministro Gilmar Mendes, em

relação ao mérito, me convence. Nenhum deles. Continuo plenamente convicto de que uma série de preceitos da lei é afrontosa à ordem constitucional”. Voto do Ministro Eros Grau na ADI 1.923 MC. p. 194.

34

(fronesis) tal questão deveria ser analisada em outra ação, quando da

decisão de mérito, inclusive com a possibilidade de aplicação de sentença

de caráter aditivo.55

Eros Grau é o único Ministro do STF a sugerir sentença de perfil

aditivo - quando a ação for julgada no mérito. Nenhum outro menciona o

instituto ou comenta a sugestão do Ministro.

Eis o trecho do voto de Eros Grau referente à sentença aditiva:

Em suma, essas circunstâncias, associadas à impossibilidade

de nesse momento processual separarmos o joio do trigo,

fazem-me reconsiderar meu voto. Sem aderir, de modo

nenhum, a qualquer das razões de mérito do Ministro Gilmar

Mendes – a que muito respeito -, eu diria que, na

oportunidade de examinarmos o mérito, poderemos pensar

numa sentença aditiva para encontrar, efetivamente, o

bom rumo. Então decidiremos com a prudência que deve nos

caracterizar, a fronesis. Com a serenidade suficiente para

não criarmos um impasse no que tange ao trigo” (grifos não

presentes no original).56

Pela análise do excerto do voto acima transcrito pode-se inferir que a

proposta de sentença de perfil aditivo foi pouco fundamentada e justificada

mediante um termo termos vago e indefinido: Eros Grau sugere que a

aplicação de sentença aditiva fará com que os Ministros encontrem,

“efetivamente, o bom rumo”.

O referido Ministro utiliza reiteradamente expressões incertas, tanto

para se dirigir à sentença de caráter aditivo quanto para justificar a análise

mais detalhada da ação quando do julgamento do mérito. Neste último caso

utiliza as expressões “prudência” e “serenidade para não criar um impasse”.

Ademais, não há no voto do único Ministro a mencionar o instituto em

análise referência a nenhum precedente do STF e também não são

apresentadas justificativas legais, jurídicas, e de nenhuma outra ordem a

não ser encontrar o “bom caminho”.

55 Id. Ibid. p. 193-195. 56 Id. Ibid. 118.

35

A sugestão da aplicação de sentença aditiva quando da decisão de

mérito é totalmente ignorada pelos demais Ministros, assim esse instituto

somente tem espaço nas breves linhas as quais Eros Grau o menciona,

quase que casualmente e sem maiores compromissos de justificá-lo ou

expor a razão pela qual considera importante a sua aplicação – isso se

percebe pelas próprias palavras do Ministro: (...) na oportunidade de

examinarmos o mérito, poderemos pensar numa sentença aditiva (...).57

A justificativa de aplicação da decisão com efeitos aditivos alegada

pelo Ministro Eros Grau, único a mencioná-la, foi pouco clara. Cabe, pois,

investigar em detalhes os elementos que podem oferecer indícios da razão

de o Ministro recorrer ao instituto em análise.

O Ministro Eros Grau, em seu primeiro voto, critica diversos pontos

da lei, a começar pela definição de contrato de gestão como instrumento e

não como vínculo. Ele alega, também, que tal contrato, uma vez celebrado

conferirá à organização social “mais do que vantagens, favores desmedidos,

visto que essa contratação não é antecedida de licitação”.58 Outro ponto

criticado é a falta de necessidade de a OS demonstrar “habilitação técnica

ou econômico-financeira de qualquer espécie”, bastando ao Ministro

competente da área ou do titular do órgão que a supervisione aceitar o

contrato. Ademais, Eros Grau afirma, apoiando-se em Celso Antônio

Bandeira de Mello,59 que se trata de “uma coisa nunca vista” a “cessão

especial de servidor para as organizações sociais, com ônus para a origem

[arts. 13 a 15]”.60

57 Grifos nossos. 58 Id. Ibid. p. 148. 59 A passagem de Celso Antônio Bandeira de Mello demonstra fortemente a posição do Ministro Eros Grau: “Enquanto para travar relações contratuais singelas (como um contrato de prestação de serviços ou de execução de obras) o pretendente é obrigado a minuciosas demonstrações de aptidão, inversamente, não se faz exigência de capital mínimo nem

demonstração de qualquer suficiência técnica para que um interessado receba bens públicos, móveis ou imóveis, verbas públicas e servidores públicos custeados pelo Estado, considerando-se bastante para a realização de tal operação a simples aquiescência de dois Ministros de Estado ou, conforme o caso, de um Ministro e de um supervisor da área correspondente à atividade exercida pela pessoa postulante ao qualificativo de „organização social‟. Trata-se, pois, da outorga de uma discricionariedade literalmente inconcebível, até mesmo escandalosa, por sua desmedida amplitude, e que permitirá favorecimentos de toda

a espécie”. 60 STF: ADI 1.923 MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 01/08/2007. Voto do Ministro Eros Grau, p. 149.

36

Após tecer tais considerações, o Ministro alega que a postergação do

princípio constitucional da licitação é uma “inconstitucionalidade

manifesta”.61 Em outro trecho, em relação à ressalva de exigência de

licitação para contratação com a Administração Pública feita pelo inciso XXI

do art. 37 da Constituição,62 diz que “não se interpreta a Constituição em

tiras, aos pedaços”,63 referindo-se à impossibilidade de julgar constitucional

a Lei objeto de escrutínio.

Por fim, refuta completamente, nesses termos, a posição dos

ministros que negaram o pedido de liminar:

Pois exatamente isso se dá na hipótese da Lei n. 9.637/98:

não há razão nenhuma a justificar a celebração de contrato

de gestão com as organizações sociais, bem assim a

destinação de recursos orçamentários e de bens públicos

móveis e imóveis a elas, tudo com dispensa de licitação. Mais

grave ainda a afrontosa agressão ao princípio da licitação

quando se considere que é facultada ao Poder executivo a

„cessão especial de servidor para as organizações sociais,

com ônus para a origem‟. Inconstitucionalidade chapada,

como diria o Ministro Pertence, inconstitucionalidade que se

manifesta também no preceito veiculado pelo inciso XXIV do

artigo 24 da Lei n. 8.666/93 com a redação que lhe foi

conferida pelo artigo 1° da Lei n. 9.648, de 27 de maio de

1998.64

Em seguida, reafirma seu posicionamento:

Assim, divergindo dos que me antecedem, com as vênias de

estilo, concedo a liminar para suspender os efeitos do

61 Id. Ibid. p. 150. 62 Art. 37, CF: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do

cumprimento das obrigações. 63 Id. Ibid. p. 150. 64 Id. Ibid. p. 152-153.

37

dispositivo no artigo 1° da Lei n. 9.648, de 27 de maio de

1998, e nos artigos 5°, 11 a 15 e 20 da Lei n. 9.637/98.65

No entanto, como já mencionado, em momento posterior do

julgamento, após o voto do Ministro Gilmar Mendes, o Ministro Eros Grau

reformula seu entendimento, dessa vez negam o pedido de liminar.

Em um rápido e pouco profundo debate no STF, que ocupa três

paginas do cordão (p. 193-195), o Ministro Eros Grau muda de ideia e nega

o pedido de liminar, em razão do observado pelo Ministro Gilmar Mendes

sobre organizações sociais que desempenham serviços públicos de maneira

excelente, como é o caso do Hospital Sarah.66

É interessante notar que o Ministro Eros Grau altera seu

posicionamento sem refutar expressamente as ideias que há pouco

defendia. Anteriormente, o Ministro afirmou que a lei possuía

“inconstitucionalidade chapada”, porém, após o voto do Ministro Gilmar

Mendes, que atentou para o bom desempenho de algumas OS, Eros Grau,

em rápido debate com os colegas ministros, não só adere à corrente

majoritária, sem, no entanto, detalhar todos os motivos que o levam a fazer

isso, como também propõe sentença de caráter aditivo para solucionar o

caso, quando da apreciação do mérito, em outra ação.

Sua sugestão de decidir com efeitos aditivos é um indicativo da

insuficiência de justificação de sua mudança de posicionamento.

Possivelmente o Ministro não mudou de entendimento em relação às

alegações realizadas em seu primeiro voto (muitas delas peremptórias:

“inconstitucionalidade chapada”; o contrato celebrado entre o Poder Público

e a OS se traduz em “mais do que uma vantagem, favores desmedidos,

visto que essa contratação não é antecedida de licitação”; etc ).

Deste modo, é razoável aferir que o Ministro pretende encontrar um

“meio termo”, uma posição intermediária, para conciliar sua posição antiga

65 Id. Ibid. p. 154. 66 STF: ADI 1.923 MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 01/08/2007. Voto do Ministro Eros Grau, p. 193-195; STF: ADI 1.923 MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 01/08/2007. Voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 184.

38

com a nova e, para isso, se utilizará de sentença aditiva. Assim, a

aditividade da decisão consistiria em, por exemplo, restringir de algum

modo o conceito de organização social.

De qualquer modo, o afirmado acima é somente uma hipótese. Deve-

se aguardar o julgamento da ação de mérito (ADI 1.923) para verificar ou

não a procedência da análise sobre a mudança de posicionamento do

Ministro Eros Grau.

Por fim, cabe inquirir se os problemas referentes à organização social

levantados pelo Ministro Eros Grau são provenientes de omissão legislativa

ou de discricionariedade deliberada do legislador. É possível que o Ministro

tenha considerado tratar-se de omissão inconstitucional e uma das

maneiras que vislumbrou para sanar o problema seria a aplicação de

sentença aditiva. Se, ao invés, pensasse ser o caso de discricionariedade

deliberada do legislador, provavelmente não precisaria se utilizar de

instituto polêmico como a decisão de caráter aditivo, bastaria ater-se à

margem estabelecida pelo legislador, escolhendo qual decisão é a mais

adequada ao caso concreto.

39

CAPÍTULO 5 – PESQUISA COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

5.1 ADI 3.510: Breve descrição do caso

A ação, proposta pelo Procurador-Geral da República, requer a

declaração de inconstitucionalidade do art. 5° da Lei 11.105/2005 (Lei de

Biossegurança), sob o fundamento de que os dispositivos impugnados

ofendem o direito à vida, uma vez que o embrião é considerado, na visão

do PGR, vida humana; e violam, também, a dignidade da pessoa humana.

Eis o dispositivo impugnado:

Art. 5o: É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a

utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões

humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados

no respectivo procedimento, atendidas as seguintes

condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais,

na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na

data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três)

anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos

genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que

realizem pesquisa ou terapia com células-tronco

embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à

apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em

pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a

que se refere este artigo e sua prática implica o crime

tipificado no art. 15 da Lei no9.434, de 4 de fevereiro de

1997.

Preliminarmente à análise dos votos dos ministros, cabe a observação

de que ao longo do julgamento cada ministros expõe sua própria concepção

de vida e de quando ela começa. São levantados argumentos, pois, de

ordem científica, jurídica, filosófica, religiosa, ética, antropológica e

40

médica.67 Por tal razão foram marcadas audiência públicas e ouvidos

diversos amici curiae.

O julgamento foi marcado pelas diversas concepções acerca da vida e

os ministros do STF se esforçaram para investigar sua origem. Entretanto,

essa é uma questão insuscetível de resposta no meio jurídico, por isso, na

audiência pública, Débora Diniz foi chamada a pronuncia-se e questionou a

definição de vida: “Quando a vida humana tem início? O que é vida

humana?” Em seguida, aduz que não há resposta peremptória para a

pergunta que fez: “Essas perguntas contêm um enunciado que remete á

regressão infinita”.68 Porém, a questão mais fortemente presente no voto

dos ministros refere-se às pesquisas com células-tronco.

O relatório do Ministro Carlos Ayres Britto aponta duas concepções

diferentes quanto às pesquisas com célula-tronco embrionárias:

i) a primeira corrente defende que a pessoa humana “já existe

no próprio instante da fecundação de um óvulo”.69 Assim,

tais pesquisas afrontam o direito à vida e à dignidade da

pessoa humana;

ii) por outro lado, a segunda corrente advoga no sentido de

descaracterizar a condição de “pessoa” do embrião, o que

permite a interpretação de que não há ofensa aos direitos

mencionados pela primeira doutrina. Há, ao contrário,

reverência a tais direitos, além da observância ao direito da

67 Segundo o relatório da ADI 3.510 (p. 152) “o tema central da presente ADIN é salientemente multidisciplinar, na medida em que objeto de estudo de numerosos setores do saber humano formal, como o Direito, a filosofia, a religião, a ética, a antropologia e as ciências médicas e biológicas, notadamente a genética e a embriologia; suscitando, vimos, debates tão subjetivamente empenhados quanto objetivamente valiosos, porém de conclusões descoincidentes não só de um para o outro ramo de conhecimento como no próprio interior de cada um deles.” 68 STF: ADI 3.510, Rel. Min. Ayres Britto, j. 29/05/2008. Voto do Ministro Carlos Ayres Britto, p. 166. 69 Relatório da ADI 3.510. p. 147.

41

autonomia da vontade, planejamento familiar, maternidade,

direito à saúde e à liberdade de expressão científica.70

O voto do relator vai totalmente ao encontro da segunda corrente,

julgando a ação improcedente. O Ministro afirma que todos os dispositivos

legais estão de acordo com a Constituição e que nenhum reclama

regulamentação.

O Ministro Carlos Ayres Britto deixa claro que, segundo sua

concepção, “o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a

pessoa humana”. 71 Não há que se dizer, portanto, que o embrião é pessoa

humana. Ademais, como o embrião não é fruto de relações sexuais, mas

concebido em tubos de ensaio, não há que se falar de aborto.72

O planejamento familiar (art. 226, CF) é outro argumento do

Ministro, que entende ser “o ponto mais estratégico de toda a trajetória

humana” a maternidade.73

O voto do Ministro relator foi louvado pelos demais ministros. O

trecho a seguir sintetiza sua argumentação:

Já diante de um embrião rigorosamente situado nos marcos

do art. 5° da Lei de Biossegurança, o que se tem? Uma vida

vegetativa que se antecipa a do cérebro. O cérebro ainda não

chegou, a maternidade também não, nenhum dos dois vai

chegar nunca, mas nem por isso algo oriundo da fusão do

material coletado em dois seres humanos deixa de existir no

interior de cilíndricos e congelados tubos de ensaio. Não

70 Ementa e relatório da ADI 3.510. p. 134-150. 71 STF: ADI 3.510, Rel. Min. Ayres Britto, j. 29/05/2008. Voto do Ministro Carlos Ayres Britto, p. 172. 72 “(...) os ebmbriões a que ela [Lei 11.105/2005] se refere são aqueles derivados de uma

fertilização que se obtém sem o conúbio ou acasalamento humano. Fora da relação sexual. Do lado externo da mulher, então, e do lado de dentro de provetas ou tubos de ensaio. (...) Deixam de coincidir os fenômenos da fecundação de um determinado óvulo e a respectiva gravidez humana”. Voto do Ministro Carlos Ayres Britto na ADI 3.510. p. 176-177. Ademais, em outro momento, Carlos Ayres Britto, em seu voto, estatui que “(...) Não se trata sequer de interromper uma producente trajetória extra-uterina do material constituído e acondicionado em tubo de ensaio, simplesmente porque esse modo de irromper em

laboratório e permanecer confinado in vitro é, para o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva”. Id. Ibid. p. 178. 73 Id. Ibid. p. 182 e 191.

42

deixa de existir pulsantemente (o ser das coisas é o

movimento, assentou Heráclito), mas sem a menor

possibilidade de caminhar na transformadora direção de uma

pessoa natural. A única trilha que se lhe abre é a do

desperdício do seu acreditado poder de recuperar a saúde e

até salvar a vida de pessoas, agora sim, tão cerebradas

quanto em carne e osso, músculos, sangue, nervos e

cartilagens, a repartir com familiares, médicos e amigos as

limitações, dores e desesperanças de uma vida que muitas

vezes tem tudo para ser venturosa e que não é. Donde a

inevitável conclusão de que a escolha feita pela Lei de

Biossegurança não significou um desprezo ou desapreço pelo

embrião in vitro, menos ainda um frio assassinato, porém

uma mais firme disposição para encurtar caminhos que

possam levar à superação do infortúnio alheio.74

O Ministro termina afirmando que a incompatibilidade da Lei de

Biossegurança com a Constituição “é de ser plena e prontamente

rechaçada”.75 Ele julga a ação totalmente improcedente e é seguido por

mais cinco ministros, que mais repetem os argumentos de Carlos Ayres

Britto do que propõem argumentos novos. A corrente vencedora é

composta, portanto do Ministro relator, da Ministra Cármen Lúcia, do

Ministro Joaquim Barbosa, da Ministra Ellen Gracie, do Ministro Marco

Aurélio e do Ministro Celso de Mello.76

Os demais (Ministro Gilmar Mendes, Ministro Ricardo Lewandowski,

Ministro Cezar Peluso, Ministro Menezes Direito e Ministro Eros Grau)

votam, cada um de um jeito, para dar interpretação conforme a

Constituição aos dispositivos em julgamento, exceto o Ministro Eros Grau,

que propõe sentença aditiva.

Em geral, a preocupação dos cinco demais ministros que compõem a

corrente minoritária é que a pesquisa com células-tronco embrionárias seja

fiscalizada por um órgão ligado ao Ministério da Saúde77 e para reforçar o

74 Id. Ibid. p. 199. 75 Id. Ibid. p. 202. 76 No momento em que é feita a contagem do resultado do julgamento o Ministro Cezar Peluso se insurge contra Celso de Mello, por tê-lo excluído da composição vencedora. Alega o Ministro Celso de Mello que o Ministro Cezar Peluso julgou a ação parcialmente procedente, em razão de o Ministro ter dado interpretação conforme, que de praxe do STF, é tida como declaração de inconstitucionalidade parcial. p. 640-641 da ADI 3.510. 77 Nesse sentido, aduz o Ministro Gilmar Mendes: “Assim, julgou procedente a ação, para declarar a constitucionalidade do art. 5°, seus incisos e parágrafos, da Lei n° 11.105/2005, desde que seja interpretado no sentido de que a permissão da pesquisa e terapia com

43

que a lei já estipula: “autorização exclusiva de uso de células-tronco

embrionárias em pesquisas para fins exclusivamente terapêuticos”;78 “com

o fim único de produzir o número de zigotos estritamente necessário para a

reprodução assistida de mulheres inférteis”;79 uso de somente embriões

inviáveis (“interrompidos por ausência espontânea”)80; modulação dos

efeitos da decisão;81 etc. Ou seja, não há de se falar em sentença aditiva.

5.2 Análise quanto à sentença aditiva

O único ministro a citar a decisão aditiva é Eros Grau:82

Declaro a constitucionalidade do disposto no artigo 5°

e parágrafos da Lei n. 11.105/05, estabelecendo, no entanto,

em termos aditivos, os seguintes requisitos, a serem

atendidos na aplicação dos preceitos:

[i] pesquisa e terapia mencionadas no caput do artigo

5° serão empreendidas unicamente se previamente

autorizadas por comitê de ética e pesquisa do Ministério da

Saúde [não apenas das próprias instituições de pesquisa e

serviços de saúde, como disposto no §2° do artigo 5°];

[ii] a “fertilização in vitro” referida no caput do artigo

5° corresponde à terapia da infertilidade humana adotada

exclusivamente para fim de reprodução humana, em

qualquer caso proibida a seleção genética, admitindo-se a

fertilização de um número máximo de quatro óvulos por ciclo

e a transferência, para o útero da paciente, de um número

máximo de quatro óvulos fecundados por ciclo; a redução e o

descarte de óvulos fecundados são vedados;

células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, deve ser condicionada à prévia autorização e aprovação por Comitê (órgão) central de Ética e Pesquisa, vinculoando ao Ministério da Saúde”. Voto do Ministro Gilmar Mendes na

ADI 3.510. p.630. 78 STF: ADI 3.510, Rel. Min. Ayres Britto, j. 29/05/2008. Voto do Ministro Cezar Peluso, p. 519. 79 STF: ADI 3.510, Rel. Min. Ayres Britto, j. 29/05/2008. Voto do Ministro Ricardo Lewandowski, p. 447. 80 Id. Ibid. p. 447. 81 STF: ADI 3.510, Rel. Min. Ayres Britto, j. 29/05/2008. Voto do Ministro Menezes Direito, p.

306. 82 STF: ADI 3.510, Rel. Min. Ayres Britto, j. 29/05/2008. Voto do Ministro Eros Grau, p. 459-460.

44

[iii] a obtenção de células-tronco a partir de óvulos

fecundados – ou embriões humanos produzidos por

fertilização, na dicção do artigo 5°, caput – será admitida

somente quando dela não decorrer a sua destruição, salvo

quando se trate de óvulos fecundados inviáveis, assim

considerados exclusivamente aqueles cujo desenvolvimento

tenha cessado por ausência não induzida de divisão após

período superior a vinte e quatro horas; nessa hipótese

poderá ser praticado qualquer método de extração de

células-tronco.

Nenhum outro ministro do STF comenta o voto do Ministro Eros Grau

e também ninguém menciona sentença aditiva.

A seguir proceder-se-á com a análise de seu voto.

Primeiramente, observa-se que o Ministro Eros Grau sente-se

compelido a declarar constitucionais os dispositivos questionados. Isso se

conclui pela análise conjunta de quatro argumentos:

1) O Ministro entende que o desejo de todos os pesquisadores é

favorável à manutenção da lei em questão e que, se ela fosse

julgada inconstitucional, muitas doenças poderiam deixar de ter

cura;83

2) Até mesmo o nascituro é titular de direitos (art. 2°, CC – “a

personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida;

mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do

nascituro”). Assim para o Ministro, o embrião “faz parte do gênero

humano”, e deve ter sua dignidade garantida pela Constituição,

assim como seu direito à vida. Esse argumento, no entanto parece

ser favorável à declaração de inconstitucionalidade;84

83 “Como todas as academias de ciência são favoráveis às pesquisas de que ora se cuida, já está decidido. Nada mais teríamos nós a deliberar. Mesmo porque, a imaginar que as impedíssemos, estaríamos a opor obstáculos à cura imediata de doenças.” Id. Ibid. p.450. 84 “O nascituro não apenas é protegido pela ordem jurídica, a sua dignidade humana preexistindo ao fato do nascimento, mas é também titular de direitos adquiridos”. Id. Ibid. p.453.

45

3) Em seguida, o Ministro Eros Grau aduz que a destruição dos

embriões utilizados em pesquisas viola o direito à vida e o direito

à dignidade humana. Porém, afirma o Ministro, que essas razões

não são suficientes para a declaração de inconstitucionalidade.

Essa constatação também advoga no mesmo sentido do

argumento do item anterior; 85

4) Parte-se para a análise do vocábulo “embrião”, que o Ministro

julga não ser o de embrião encontrado no útero materno, pois a

Lei 11.105/2005 compreende o óvulo fecundado fora do útero, o

que impossibilita a formação de vida.86 Com efeito, tal argumento

conduz o Ministro à declaração de constitucionalidade dos

dispositivos questionados em razão do que expõe a seguir:

Embrião é aí, no texto legal, óvulo fecundado congelado, isto

é, paralisado à margem de qualquer movimento que possa

caracterizar um processo. Lembre-se de que vida é

movimento. Nesses óvulos fecundados não há ainda vida

humana.87

De acordo com Eros Grau a abstração do vocábulo permite ampla

interpretação de seu significado, o que constitui problema para limitar a

aplicação da Lei.88

Isto posto, a amplitude interpretativa é um “mal” cuja cura é a

sentença aditiva:

85 “Bastam as razões que acabo de alinhar para encaminhar a conclusão de que a utilização

de células-tronco obtidas de embriões humanos e consequentes destruição afronta o direito à vida e a dignidade da pessoa humana. Temo, contudo, que essas razões não conduzem à convicção de que os textos normativos objetos da presente ação direta sejam inconstitucionais”. Id. Ibid. p.454. 86 O vocábulo embrião aponta, em estado de dicionário, ser humano durante as primeiras semanas de desenvolvimento intra-uterino. Não obstante, nada impede dele se lance mão

com menos precisão, deliberadamente ou não de forma imprecisa, ou em sentido figurativo. No contexto do artigo 5° da Lei n. 11.105/05, embrião é óvulo fecundado fora de um útero. A partir desses óvulos, fecundados – fertilizados – in vitro é que são obtidas as células-tronco embrionárias referidas no preceito legal. Id. Ibid. p.455. 87 Id. Ibid. p.455. 88 “O fato, no entanto, é que a amplitude da permissão veiculada pelos preceitos que se examina no bojo da presente ADI, permissão concedida sob mínimas reservas,

incompatibiliza-a com o bloco de constitucionalidade delineado pelo Supremo Tribunal Federal no quanto tem decidido, no conjunto de suas deliberações, em termos de atribuição de força normativa à Constituição”. Id. Ibid. p.457.

46

O “mal”, no caso – e digo “mal” entre aspas – esse “mal”, a

amplitude da permissão veiculada pelo preceito legal, há de

ser combatido mediante a prolação, por esta Corte, de

decisão aditiva visando a superar a incompletude [o

vocábulo está incorporado ao vernáculo] do artigo 5° e

parágrafos da Lei n. 11.105/05 (grifos nossos).89

Continua o Ministro sua argumentação em favor da decisão aditiva,

definindo-a:

Note-se bem que a decisão aditiva acrescenta novo

sentido normativo à lei, a fim de que determinado preceito

legal seja depurado, adequado aos padrões da

constitucionalidade. A esta Corte não cabe acrescentar nada

à Constituição, como já se fez, indevidamente – digo-o com

as vênias de estilo, ainda que não espontâneas, ainda que

não partam do meu íntimo – como indevidamente foi feito no

julgamento do MS 26.602. A decisão aditiva incorpora

preceito novo à legislação infraconstitucional para, salvando-

a de inconstitucionalidade, mantê-la em coerência com o

bloco de constitucionalidade. Algo é acrescentado ao preceito

legal, a Constituição permanecendo intocada, intocável. Ao

contrário, porque a decisão aditiva como que captura o

preceito legal, trazendo-a para o âmbito da

constitucionalidade, a força normativa da Constituição é

afirmada nessas decisões (grifos nossos).90

O Ministro, portanto, define sentença aditiva como aquela em que a

Corte adiciona um sentido à norma, de modo que somente assim esta passa

a estar em consonância com a Constituição. Segundo o Ministro, a

Constituição não sofre mudança, ao contrário da norma infraconstitucional.

Nesse sentido, é interessante notar a crítica do Ministro Eros Grau em

relação à decisão aditiva no MS 26.602, em que, no seu entender, houve

alteração na própria Constituição, contrariando critérios para aplicação de

sentença aditiva.

A decisão aditiva que propõe o Ministro é para que: (i) um comitê de

ética e pesquisa do Ministério da Saúde autorize previamente a pesquisa e

terapia referidas no caput do art. 5 da Lei 11.105/05; (ii) seja vedado

descarte e redução de óvulos fecundados, assim como a seleção genética.

89 Id. Ibid. p. 459. 90 Id. Ibid. p. 459.

47

Também é estipulado o número máximo de quatro óvulos por ciclo, o

mesmo número máximo admitido para a fecundação, por ciclo; e (iii)

somente poderá ser realizada a obtenção de células-tronco a partir de

óvulos, provenientes de fecundação ou fertilização in vitro, que sejam

considerados naturalmente inviáveis (ou seja, sem intervenção humana) ou

que da obtenção não resulte em sua destruição.

O Ministro Eros Grau justificou a decisão aditiva somente para

restringir o alcance da norma, que, segundo ele, é abrangente. Isso, como

visto acima, é um “mal” que foi combatido com a decisão aditiva. Ademais,

o Ministro não verificou os critérios de admissibilidade da sentença aditiva.

Somente conceituou o instituto e, em seguida, proferiu sua decisão, “em

termos aditivos”.

48

CAPÍTULO 6 – DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS

6.1 MI 708, MI 712, MI 670: Breve descrição do caso

Os mandados de injunção 708, 712 e 670 versam sobre o mesmo

tema, a omissão do legislador em regulamentar o direito de greve dos

servidores públicos, e, portanto, serão analisados no mesmo bloco

temático.

Como os mencionados mandados de injunção são praticamente

idênticos e foram julgados no mesmo dia (25/10/2007) optou-se por tomar

como base um deles, o MI 708, que será minuciosamente analisado. Os

demais acórdãos, MIs 712 e 670, serão mencionados quando se detectar

argumentos não presentes no MI 708.

O direito de greve está constitucionalmente garantido no art. 37, VII,

CF. In verbis:

Art. 37, CF - A administração pública direta e indireta

de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência e, também, ao seguinte:

VII - o direito de greve será exercido nos termos e

nos limites definidos em lei específica;

A Lei n° 7.783/1989, que dispõe sobre o exercício do direito de

greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das

necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências, não

compreende os servidores públicos. Como a Administração Pública é regida

pelo princípio da legalidade em sentido estrito,91 não pode, a princípio,92 se

valer das regras prescritas por esta lei para abranger os servidores públicos.

91 A legalidade em sentido estrito refere-se ao campo de atuação da Administração Pública,

cujo limite é a expressão da lei. O Poder Público tem o dever-poder de fazer tudo o que a lei ordena (legalidade em sentido estrito), ao passo que ao particular é facultado fazer tanto o que a lei permite quanto o que ela não proíbe (princípio da legalidade em sentido amplo).

49

Ocorre, porém, que desde a promulgação da atual Constituição

nenhuma lei complementar foi editada para regulamentar o direito de greve

dos servidores públicos civis. Isso corresponde a uma mora legislativa de

aproximadamente 19 anos, contados desde o dia 5 de outubro de 1988 até

a data de julgamento da ação, 25 de outubro de 2007.93

Tal omissão configura lesão a direito constitucionalmente garantido,

podendo ser apreciada pelo Poder Judiciário (art. 5, XXXV, CF).94 Existe,

inclusive, no próprio ordenamento jurídico remédio constitucional apto a

corrigir esse tipo de lesão a direito, trata-se do mandado de injunção,

previsto no art. 5°, LXXI, CF:

Art. 5°, LXXI, CF - conceder-se-á mandado de

injunção sempre que a falta de norma regulamentadora

torne inviável o exercício dos direitos e liberdades

constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade,

à soberania e à cidadania.

Diante de tal omissão legislativa inconstitucional entidades de

servidores públicos civis recorreram ao Judiciário para que fosse garantida a

efetiva possibilidade de exercício desse direito.95

Para tal, foi pedida, temporariamente, a aplicação da Lei n°

7.701/1988 a casos atinentes à greve de servidores públicos:

92 A Administração Pública não pode, a princípio, se utilizar da Lei n° 7.783/1989 em razão do princípio da legalidade em sentido estrito, porém, o STF decidiu pela aplicação da referida Lei como meio de suprir, temporariamente, a omissão legislativa quanto ao direito de greve dos servidores públicos. 93 O Ministro Sepúlveda Pertence fez interessante observação em seu voto no MI 670 a respeito dos motivos para que a norma reguladora do direito de greve dos servidores

públicos não tenha sido editada: “Muitas vezes a demora do processo legislativo não é um problema de inércia, não é um problema de falta de vontade de legislar; é a impossibilidade política de chegar-se a uma fórmula aceita. E isso é do jogo democrático. E isso é, sobretudo, a grande virtude do processo legislativo democrático” (MI 670. p. 127). 94 Art. 5°, XXXV, CF - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 95 Tais entidades são o SINTEM – Sindicato dos trabalhadores em educação do Município de

João Pessoa (MI 708); o Sindicato dos trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará – SINJEP (MI 712); e o Sindicato dos servidores policiais civis do Estado do Espírito Santo – SINDPOL (MI 670).

50

No plano procedimental, afigura-se recomendável aplicar ao

caso concreto a disciplina da Lei n° 7.701/1988 (que versa

sobre especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho

em processos coletivos), no que tange à competência para

apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à

greve de servidores públicos que sejam suscitados até o

momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora

declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF.96

Gilmar Mendes, relator do caso, fez longas considerações sobre o

mandado de injunção na jurisprudência do STF.

O primeiro MI mencionado pelo Ministro é o MI 107/DF (Rel. Min.

Moreira Alves, DJ 21.9.1990), que se tornou um leading case sobre a

interpretação de MI na Corte.

O MI 107 que versa sobre a auto-aplicabilidade ou não do mandado

de injunção, que acabou sendo reconhecida pelo STF. Segundo o

entendimento da Corte, a expedição de ato normativo para suprir a lacuna

legislativa, porém, não poderia ser por ela ordenada e também não poderia,

com muito menos razão, suprir diretamente a omissão legal.

O STF interpretou no MI 107 que a intenção do constituinte era

atribuir os mesmos efeitos das decisões proferidas em sede de controle

abstrato da omissão (ADI por omissão) e de controle difuso (mandado de

injunção):97 ambas as decisões teriam caráter obrigatório ou

mandamental,98 ou seja, demandariam a edição de ato normativo.99

Sobre a evolução jurisprudencial do mandado de injunção no STF, o

Ministro Gilmar Mendes estatui que:

96 Ementa do MI 708. p. 211. 97 Não obstante essa equiparação foi reafirmada no MI 107 que a diferença fundamental

entre os dois processos é que no mandado de injunção, a proteção concedida é no âmbito do direito subjetivo, enquanto que na ADI por omissão a instauração do processo independe da existência de interesse jurídico específico. 98 Relatório do MI 708. p. 223. 99 Como consequência, “essa construção permitiu ao Tribunal afirmar a imediata aplicação do

mandado de injunção, independentemente da edição das normas processuais específicas”.

STF: MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25/10/2007. Voto do Ministro Gilmar Mendes, p.

225.

51

As decisões proferidas nos Mandados de Injunção n°s

283 (Relator: Sepúlveda Pertence), 232 (Relator: Moreira

Alves) e 284 (Relator: Celso de Mello) sinalizam uma nova

compreensão do instituto e a admissão de uma solução

„normativa‟ para a decisão judicial.

Assim, no caso relativo à omissão legislativa quanto

aos critérios de indenização devida aos anistiados (art. 8° do

ADCT), o Tribunal entende que, em face da omissão, os

eventuais afetados poderiam dirigir-se diretamente ao juiz

competente que haveria de fixar o montante na forma do

direito comum (Cf., nesse sentido, MI n° 562-DF, Rel. Min.

Ellen Gracie, DJ 24.5.2002). Em outro precedente relevante,

considerou-se que a falta de lei não impedia que a entidade

beneficente gozasse da imunidade constitucional

expressamente reconhecida (Cf. MI n° 679, Rel. Min Celso de

Mello).

As decisões referidas indicam que o Supremo Tribunal

Federal aceitou a possibilidade de uma regulação provisória

pelo próprio Judiciário, uma espécie de sentença aditiva, se

se utilizar a denominação do direito italiano (grifos

nossos).100

A razão de o Ministro fazer o levantamento jurisprudencial da

evolução do entendimento do Supremo quanto ao mandado de injunção

parece ser a de estabelecer uma tese de adesão (uma tese inicial que os

demais ministros concordem, mas que serve de fundamento para a tese

final) para argumentar em favor da solução que ele propõe.

É interessante notar que a intenção do Ministro Gilmar Mendes de

adotar uma postura mais incisiva em relação ao caso é expressa de modo

recorrente, sendo um dos mais explícitos momentos a afirmação de que:

Assim como na interessante solução sugerida pelo

Ministro Velloso [no MI 631, em que defende a elaboração da

norma para o caso concreto], creio parecer justo fundar uma

intervenção mais decisiva desta Corte para o caso da

regulamentação do direito de greve dos servidores públicos

(CF, art. 37, VII).101

100 Id. Ibid. p. 231. 101 Id. Ibid. p. 223.

52

E, em outro trecho, o Ministro relator do MI 708 volta a afirmar nesse

mesmo sentido: “Assim, tanto quanto no caso da anistia, essa situação

parece exigir uma intervenção mais decisiva desta Corte”.102

Um dos argumentos apresentados pelo Ministro é o quadro de

selvageria instaurado pela falta de regulamentação do direito de greve dos

servidores públicos (insegurança jurídica). Tal cenário caótico o impede de

“justificar a inércia legislativa103 e a inoperância das decisões” do STF,104 e

que a não-atuação do STF neste caso equiparar-se-ia a uma omissão

judicial.

Assim, no MI 708, a decisão do Ministro relator, Gilmar Mendes, foi

no sentido de conhecer o mandado de injunção e de determinar a aplicação

da Lei n° 7.783/1989, ou seja, impor aos servidores públicos as mesmas

regras dos servidores privados e, com fulcro na necessidade de preservação

da segurança jurídica e em decorrência da evolução jurisprudencial acerca

do mandado de injunção, o Ministro fixou prazo de 60 dias para que o

Congresso Nacional legisle sobre a matéria.105

O resultado do julgamento foi o seguinte:

Decisão: O Tribunal, por maioria, nos termos do voto

do Relator, conheceu do mandado de injunção e propôs a

solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº

7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber, vencidos,

parcialmente, os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski,

Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à

categoria representada pelo sindicato e estabeleciam

condições específicas para o exercício das paralisações.

Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente,

justificadamente, a Senhora Ministra Cármen Lúcia, com voto

proferido em assentada anterior. Plenário, 25.10.2007.106

102 Voto Id. Ibid. p. 224. 103 Há diversos projetos de lei que visam a disciplinar o exercício do direito de greve dos servidores públicos, mas nenhum foi ainda aprovado. 104 Id. Ibid. p. 224. 105 A ementa do acórdão faz referência à estipulação do prazo nos seguintes termos: Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança

jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria.105 106 Extrato da ata do MI 708. p. 382.

53

Observa-se que o Ministro Ricardo Lewandowski acompanhou

parcialmente o relator. Ademais, estabeleceu 16 condições para o exercício

do direito de greve pelos servidores públicos– entendemos que essas

assertivas se tratam de sentença aditiva (vide item 6.2).

O Ministro Menezes Direito, no MI 708, entendeu que a Corte devesse

adotar uma solução urgente para sanar a omissão legislativa

inconstitucional e para chamar a atenção do Congresso Nacional.

Por outro lado, o Ministro Joaquim Barbosa, votou de modo diverso.

O Ministro pautou-se pela “concepção particular” que tem a respeito da

judicial restraint (contenção judicial).

O Ministro faz duas considerações interessantes sobre sua

divergência: a primeira é a de não fazer do mandado de injunção um

“mecanismo de desespero, para suprir o que o Congresso não faz,”

perpetuando, de tal modo a “patologia” da omissão legislativa;107 a segunda

consideração diz respeito ao dever da Corte simplesmente declarar “que a

questão se resolve agora sob a lógica do ônus de demonstração de

conformidade constitucional do interesse pleiteado”, ou seja, a Corte deve

só demonstrar que o requerente tem o direito, mas não deve ela própria

supri-lo.108

Utilizando o mesmo voto que proferiu quando do MI 721 (DJ

30.08.2007), o Ministro Marco Aurélio adere ao voto dos Ministros

Lewandowski e Barbosa, no que diz respeito à limitação dos efeitos somente

para a categoria representada pelo sindicato e estabelece condições para o

exercício do direito de greve. Entretanto, nega a concessão de prazo para

edição de lei, pelo Congresso Nacional, por entender que a Constituição não

autoriza a imputação desse tipo de prazo.

107 STF: MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25/10/2007. Voto do Ministro Joaquim Barbosa, p. 355. 108 Id. Ibid. p. 359.

54

6.2 Análise quanto à sentença aditiva

Após explanar longamente sobre a evolução jurisprudencial do STF

sobre mandado de injunção, o Ministro Gilmar Mendes aduz que o caso do

direito de greve dos servidores merece solução “diferenciada”, sugerindo

a decisão com efeitos aditivos como uma possibilidade:

A partir da experiência do direito alemão sobre a declaração

de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade, tendo

em vista especialmente as omissões legislativas parciais, e

das sentenças aditivas no direito italiano, denota-se que se

está, no caso do direito de greve dos servidores, diante de

hipótese em que a omissão constitucional reclama uma

solução diferenciada (grifos nossos).109

Em outro trecho, o mesmo Ministro menciona sentença aditiva e a

justifica pela teoria da solução constitucional obrigatória, que consiste

em uma condição para aplicação de sentença aditiva. De acordo com essa

teoria, a decisão criativa do magistrado deve integrar ou “completar um

regime previamente adotado pelo legislador”, ou que “a solução adotada

pelo Tribunal incorpora „solução constitucionalmente obrigatória‟”. 110

Além do critério da “solução constitucional obrigatória” o magistrado

deve observar, para decidir com efeitos aditivos, o critério da vontade

hipotética do legislador, que consiste em um exercício de previsão do

julgado em relação a qual teria sido a atitude do legislador se houvesse

previsto a inconstitucionalidade da lei. Levando em consideração sua

vontade de produzir normas em harmonia com a Constituição, teria ele

aumentado ou diminuído o escopo da norma?

No seguinte trecho o Ministro explica ambos os critérios:

109 STF: MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25/10/2007. Voto do Ministro Gilmar Mendes, p.

245-246.

110 Id. Ibid. p. 243.

55

[Destaca Rui Medeiros que] Dois critérios são normalmente

trazidos à colação para fundamentar este entendimento: o

critério da vontade hipotética do legislador e o critério

da solução constitucionalmente obrigatória. O campo de

aplicação das decisões modificativas restringe-se, nesta

perspectiva, aos domínios em que a liberdade de

conformação do legislador se reduz quase ao zero ou em que

se pode afirmar que o legislador, caso tivesse previsto a

inconstitucionalidade, teria alargado o âmbito de aplicação da

lei. É certo que numerosos autores se socorrem ainda de um

princípio geral de tratamento mais favorável. Mas, uma vez

que um tal princípio se funda em normas ou princípios

constitucionais (v.g. no princípio do Estado Social, no

princípio da igualdade, na proibição de retrocesso social), o

apelo ao princípio geral de tratamento mais favorável

constitui no fundo uma simples modalidade do segundo

critério referido” – (MEDEIROS, Rui. A decisão de

inconstitucionalidade, p. 501)111

Consoante a ampliação dos efeitos de MI ao longo da evolução

jurisprudencial, a ementa do acórdão do MI 708 arrola diversos precedentes

sobre decisão normativa em mandado de injunção e justifica esse tipo de

sentença sob o fundamento de tornar efetiva a proteção judicial,

possivelmente por que a solução normativa supre de imediato a omissão

legislativa inconstitucional, ao invés de simplesmente declarar a mora do

legislador:

Apesar dos avanças proporcionados por essa

construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a

interpretação constitucional primeiramente fixada para

conferir uma compreensão mais abrangente à garantia

fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série

de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções

“normativas” para a decisão judicial como alternativa

legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art.

5°, XXXV). Precedentes: MI n° 283, Rel. Min. Sepúlveda

Pertence, DJ 14.11.1991; MI n° 232/RJ, Rel. Min. Moreira

Alves, DJ 27.3.1992; MI n° 284, Rel. Min. Marco Aurélio,

Red. Para o acórdão Min. Celso de Mello, DJ 26.6.1992; MI

n° 543DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 24.5.2002; MI n°

679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.12.2002; e MI n°

562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 20.6.2003.112

111 Id. Ibid. p. 242. 112 Ementa do MI 708. p. 208. Grifos nossos.

56

Outro precedente importante para o caso analisado é o MI 631/MS,

Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 2.8.2002, cujo voto do Ministro Carlos Velloso,

foi proeminente no sentido de aventar “a possibilidade de aplicação aos

servidores públicos civis da lei que disciplina os movimentos grevistas no

âmbito do setor privado (Lei n° 7.783/1989)”.113

O zelo pela segurança jurídica também é utilizado para justificar a

decisão manipulativa aditiva, possivelmente com a finalidade de cessar as

greves realizadas sem nenhum tipo de regulamentação, cada uma feita de

um jeito específico, sem padronização e sem que sejam preservados os

direitos do grevistas e dos patrões:

“A ausência de parâmetros jurídicos de controle dos abusos

cometidos na deflagração desse tipo de movimento grevista

tem favorecido que o legítimo exercício de direitos

constitucionais seja afastado por uma verdadeira „lei da

selva‟”.114

Em suma, o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes é no sentido

de conceder, segundo o Ministro Ricardo Lewandowski, em voto no MI 670,

“plena efetividade às normas constitucionais e na aceitação de um modelo

de separação de poderes mitigado”.115

O Ministro Ricardo Lewandowski vai além do Ministro Gilmar Mendes

e estipula 16 condições para o direito de greve ser exercido pelos servidores

públicos. O trecho a seguir constitui o núcleo do voto do Ministro

Lewandowski:

Assim sendo, asseguro o exercício do direito de greve aos

trabalhadores em educação do município de João Pessoa,

desde que atendidas as seguintes exigências:

1) a suspensão da prestação de serviços deve ser

temporária, pacífica, podendo ser total ou parcial;

113 Id. Ibid. p. 208. 114 Id. Ibid. p. 209. 115 STF: MI 670, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 25/10/2007. Voto do Ministro Ricardo

Lewandowski, p. 78.

57

2) a paralisação das serviços deve ser precedida de

negociação ou de tentativa de negociação;

3) a Administração deve ser notificada da paralisação com

antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas;

4) a entidade representativa dos servidores deve

convocar, na forma de seu estatuto, assembléia geral para

deliberar sobre as reivindicações da categoria e sobre a

paralisação, antes de sua ocorrência;

5) o estatuto da entidade deve prever as formalidades de

convocação e o quorum para a deliberação, tanto para a

deflagração como para a cessação da greve;

6) a entidade dos servidores representará os seus

interesses nas negociações, perante a Administração e o

Poder Judiciário;

7) são assegurados aos grevistas, dentre outros direitos, o

emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar

os servidores a aderirem à greve e a arrecadação de fundos

e livre divulgação do movimento;

8) em nenhuma hipótese, os meios adotados pelos

servidores e pela Administração poderão violar ou

constranger os direitos e garantias de outrem;

9) é vedado à Administração adotar meios para

constranger os servidores ao comparecimento ao trabalho ou

para frustrar a divulgação do movimento;

10) as manifestações e atos de persuassão utilizados pelos

grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem

causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa;

11) durante o período de greve é vedada a demissão de

servidor, exceto se fundada em fatos não relacionados com a

paralisação, e salvo em se tratando de ocupante de cargo em

comissão de livre provimento e exoneração, ou, no caso de

cargo efetivo, a pedido do próprio interessado;

12) será lícita a demissão ou a exoneração de servidor na

ocorrência de abuso do direito de greve, assim consideradas:

a) a inobservância das presentes exigências; b) a

manutenção da paralisação após a celebração de acordo ou

após a decisão judicial sobre o litígio;

13) durante a greve, a entidade representativa dos

servidores ou a comissão de negociação, mediante acordo

com a Administração, deverá manter em atividade equipes

de servidores com o propósito de assegurar a prestação de

serviços essenciais e indispensáveis ao atendimento das

necessidades inadiáveis da coletividade;

14) em não havendo o referido acordo, ou na hipótese de

não ser assegurada a continuidade da prestação dos

referidos serviços, fica assegurado à Administração,

enquanto, enquanto perdurar a greve, o direito de

contratação de pessoal por tempo determinado, prevista no

art. 37, IX, da Constituição Federal ou a contratação de

serviços de terceiros;

15) na hipótese de greve em serviços ou atividades

essenciais, a paralisação deve ser comunicada com

antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas à

Administração e aos usuários;

58

16) a responsabilidade pelos atos praticados durante a

greve será apurada, conforme o caso, nas esferas

administrativas, civil e penal.116

Essas condições foram impostas em razão de o Ministro Ricardo

Lewandowski considerar que a aplicação da Lei 7.783/89 à greve dos

servidores público resultar em consequências “inconvenientes”117.

Quanto aos inconvenientes, o Ministro faz três críticas: (i) a aplicação

da Lei ao caso “representaria indevido recurso à analogia”.118 Analogia,

segundo o Ministro, ocorre quando se atribui a um caso a mesma solução

de outro, desde que verificada uma semelhança relevante, o que o Ministro

Ricardo Lewandowski não observa no caso concreto; (ii) a solução apontada

no parágrafo anterior configuraria em um “avanço indevido do Judiciário em

seara atribuída a outro Poder, não havendo o que diferenciasse tal decisão

de uma típica função legislativa;”119 e, derradeiramente, (iii) que a aplicação

da Lei 7.783/99 para regulamentação do direito de greve dos servidores

públicos não seria adequada, visto que alguns de seus dispositivos são

inadequados para regular esse tipo de greve e que, mesmo com alterações

pontuais, esse problema não seria superado.120

Portanto, o Ministro Ricardo Lewandowski impôs as referidas 16

condições para conceder a ordem. É interessante observar que o Ministro

Lewandowski não inclui essas condições em seu voto no julgamento do MI

670, que ocorreu no mesmo dia do MI 608.

Sintetiza de forma clara o Ministro Carlos Britto o que os ministros do

STF expressaram nos mandados de injunção 708, 670 e 712:

(...) somente cabe a propositura, a impetração do

mandado de injunção diante de uma norma constitucional de

eficácia limitada, não faz sentido que a decisão judicial

também seja de eficácia limitada. Ora, a uma norma

constitucional de eficácia limitada há de se seguir uma

116 Id. Ibid. p. 287-290. 117 Id. Ibid. p. 281. 118 Id. Ibid. p. 282. 119 Id. Ibid. p. 283. 120 Id. Ibid. p. 284.

59

decisão judicial de eficácia plena, senão a Constituição

estaria lavrando na inocuidade absoluta em tema tão

fundamental.121

Em suma, os fundamentos e critérios para a decisão aditiva nos

mandados de injunção 708, 670 e 712 foram:

A necessidade de uma “solução diferenciada” para esse caso

de omissão constitucional.122

Encontrar a solução constitucional obrigatória.123

“Completar um regime previamente adotado pelo legislador”

(critério da vontade hipotética do legislador).124

Tornar efetiva a proteção judicial.125

Garantir a segurança jurídica.126

Dar “plena efetividade às normas constitucionais” de

maneira a aceitar um “modelo de separação de poderes

mitigado”.127

A solução compreende, pois, os elementos que caracterizam a

decisão aditiva.

Exceto Gilmar Mendes, nenhum outro ministro menciona a decisão

aditiva, mesmo aqueles que aderem integralmente a essa tese. Não há

ressalvar, ponderações, reparos, elogios, ou outras formas de manifestação

por parte de nenhum outro ministro, o que é de se estranhar, visto que o

Tribunal profere uma solução normativa, que é pouco usual em vista se sua

própria jurisprudência e, não obstante, ela é tratada com a mesma

naturalidade das simples decisões de declaração ou não de

121 STF: MI 670, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. 25/10/2007. Voto do Ministro Ricardo

Lewandowski, p. 134.

122 Cf. p. 43 desta monografia. 123 Id. Ibid. p. 43-44. 124 Id. Ibid. p. 43-44. 125 Id. Ibid. p. 44. 126 Id. Ibid. p. 45. 127 Id. Ibid. p. 45.

60

inconstitucionalidade. Os demais ministros aceitam a tese da sentença de

perfil aditivo, porém, o fazem tacitamente, por meio de um “silêncio

eloquente”, talvez por algum tipo de desconforto em se pronunciarem a

favor de uma medida polêmica como a aplicação de sentença de perfil

aditivo.

Com efeito, esperar-se-ia que o ônus argumentativo para decidir com

efeitos aditivos fosse maior do que o ônus das soluções tomadas

corriqueiramente pelo Supremo Tribunal Federal. No entanto, é possível

constatar que, no caso em tela, isso não se verifica. A postura da Corte em

situações assim não prestigia a segurança jurídica, um dos argumentos por

ela lançados para justificar a sentença de caráter aditivo. Essa observação

evidencia também que há pouca coerência nesse uso.

A decisão da Corte de aplicar aos servidores públicos civis as mesmas

regras dos servidores privados, previstas nas Leis 7.701/1988 e

7.783/1989, e, também, a decisão de fixar prazo de 60 dias para que o

Congresso Nacional legisle sobre a matéria caracterizam a sentença como

aditiva.

61

CAPÍTULO 7 – CLÁUSULA DE BARREIRA

7.1 ADI 1.351e ADI 1.354: Breve descrição do caso

As ADIs 1.351 e 1.354 tratam, de modo quase idêntico, da cláusula

de barreira, instituída pela Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos

Partidos Políticos). Essa Lei regulamenta os arts. 17128 (que trata do

funcionamento parlamentar “nos termos da lei”) e 14, §3°, inciso V,129 da

Constituição Federal.

O art. 13 da referida Lei restringiu o funcionamento parlamentar de

partidos que não lograssem êxito em obter na última eleição da Câmara dos

Deputados mais de 5% dos votos válidos, “distribuídos em, pelo menos, um

terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um

deles”.130

Esse dispositivo impunha situação diferenciada para os partidos que

não atingissem os patamares estabelecidos:

Partidos que atendem ao disposto no

art. 13 da Lei 9.096/95

Partidos que não atendem ao

disposto no art. 13 da Lei 9.096/95

Programa em cadeia nacional e

estadual:

art. 49 da mesma Lei: I – Direito

Programa em cadeia nacional:

art. 48 da mesma Lei: Direito a

128 Art. 17, CF É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: IV - funcionamento

parlamentar de acordo com a lei. 129 Art. 14, CF A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: § 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei: V - a filiação partidária. 130 Art. 13 da Lei 9.096/95: Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados,

não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles.

62

a um programa semestral de

vinte minutos em cadeia nacional

e direito a um programa

semestral em cadeia estadual

com igual duração; II – A

utilização do tempo dos

programas estadual e nacional

será feita por inserções de trinta

segundos ou um minuto.

um programa semestral de dois

minutos em cadeia nacional.

Rateio do fundo partidário:

art. 41, II: Direito a 99% do

fundo partidário, distribuídos aos

partidos que atendem ao

disposto no art. 13.

Rateio do fundo partidário:

art. 41, I: Direito a 1% do fundo

partidário, dividido entre os

partidos registrados no Tribunal

Superior Eleitoral, mas que não

atendem ao prescrito no art. 13.

As principais consequências que advêm da inobservância dos

requisitos do art. 13 da Lei dos Partidos Políticos são, portanto, duas: (i)

redução drástica no tempo de exibição do programa em cadeia nacional e

inexistência de programa em cadeia estadual; e (ii) distribuição de quantia

ínfima (1%) do fundo partidário para todos os partidos que não atingiram o

estabelecido no mesmo dispositivo.

Essas restrições relegam ao plano secundário partidos pouco

expressivos nacionalmente e, por isso, a lei não lhes confere igual destaque

midiático, e, tampouco, suporte financeiro, como o faz para os médios e

grandes partidos, ou para os pequenos que têm a representação mínima

exigida pela lei.

Sentindo-se prejudicados por dispositivos da Lei dos Partidos Políticos

e ajuizaram ação direta de inconstitucionalidade em face de diversos

dispositivos da lei,131 incluindo o art. 13, o Partido Comunista do Brasil (PC

131 Os artigos da lei 9.096/95 objetos de impugnação são os seguintes: “art. 13; a expressão „obedecendo aos seguintes critérios‟, contida na cabeça do artigo 41; incisos I e II do mesmo

63

do B), o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e outros, na ADI 1.351; e o

Partido Social Cristão (PSC), na ADI 1.354.

Os partidos se insurgem contra os efeitos provenientes da cláusula de

barreira e pleiteiam, pois, sua inconstitucionalidade, assim como os demais

dispositivos que fazem menção às requisitos que ela estabelece.

Alega a Advocacia-Geral da União que o estabelecimento de tal

desigualdade de tratamento entre os partidos não fere o princípio da

isonomia. Os partidos nanicos, sem representação nacional, encontram-se

em situação fática diversa daqueles com a representação nacional exigida

nos termos da lei. Logo, aduz a AGU, o tratamento jurídico deve ser diverso

para ambos.132

Ademais, essa distinção fundamenta-se, também, no princípio da

proporcionalidade, justamente porque não é possível, segundo a AGU,

oferecer o mesmo tempo de exposição das ideias e da ideologia de um

partido com forte suporte nacional, expresso em votos, e de um partido

com pouca adesão.

Não obstante às observações da AGU, o julgamento no STF foi

unânime no sentido de declarar inconstitucionais o art. 13 da Lei 9.096/95 e

os artigos 41, 48 e 49 (que regulam a distribuição do fundo partidário e a

propaganda política) e o artigo 57 (que estabelecia o regime provisório).

O Ministro relator, Marco Aurélio, considerou que a cláusula de

barreira fere o princípio da razoabilidade, pois ela promove o “esvaziamento

da atuação das minorias”,133 e também o princípio da igualdade, que o faz

indagar: “ter-se-á dois pesos e duas medidas com funcionamento

parlamentar no Senado e ausência nas demais Casas Legislativas”?

artigo 41; artigo 48; a expressão „que atenda ao disposto no art. 13‟, contida na cabeça do

artigo 49, com redução de texto; cabeça dos artigos 56 e 57, com interpretação que elimina de tais dispositivos as limitações temporais neles constantes, até que sobrevenha disposição legislativa a respeito; e a expressão „no art. 13‟, constante no inciso II do artigo 57” (Ementa da ADI 1.354. p. 19-20.). Exceto pelo inciso II do artigo 56, julgado constitucional por unanimidade do Tribunal, os demais dispositivos foram declarados inconstitucionais por

unanimidade dos ministros do STF. 132 Relatório da ADI 1.351. p. 24 133 STF: ADI 1.351, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07/12/2006. Voto do Ministro Marco Aurélio,

p. 54-55.

64

O Ministro, cujo voto foi seguido unanimemente pelos demais

membros da Corte, conclui assim seu raciocínio e, em seguida profere seu

voto:

É de repetir até a exaustão, se preciso for:

Democracia não é a ditadura da maioria! De tão óbvio, pode

haver o risco de passar despercebido o fato de não subsistir

o regime democrático sem a manutenção das minorias, sem

a garantia da existência destas, preservados os direitos

fundamentais assegurados constitucionalmente.

Então, encerro este voto, no julgamento conjunto das

ações n° 1.351-3/DF e 1.354-8/DF, acolhendo os pedidos

formulados – exceto quanto ao inciso II do artigo 56 – e,

com isso, declarando a inconstitucionalidade na Lei n°

9.096/95:

a) do artigo 13;

b) da expressão „obedecendo aos seguintes critérios‟, na

cabeça do artigo 41, e dos incisos I e II do mesmo preceito;

c) do artigo 48;

d) da expressão „que atenda ao disposto no artigo 13‟, no

artigo 49;

e) da expressão „no artigo 13‟, do inciso II do artigo 57.134

Eis a decisão do Tribunal:

O Tribunal, à unanimidade, julgou procedente a ação

direta para declarar a inconstitucionalidade dos

seguintes dispositivos da Lei nº 9.096, de 19 de

setembro de 1995: artigo 13; a expressão "obedecendo

aos seguintes critérios", contida no caput do artigo 41;

incisos I e II do mesmo artigo 41; artigo 48; a expressão

"que atenda ao disposto no art. 13", contida no caput do

artigo 49, com redução de texto; caput dos artigos 56 e

57, com interpretação que elimina de tais dispositivos

as limitações temporais neles constantes, até que

sobrevenha disposição legislativa a respeito; e a

expressão "no art. 13", constante no inciso II do artigo 57.

Também por unanimidade, julgou improcedente a ação no

que se refere ao inciso II do artigo 56. Votou a Presidente,

Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, o Senhor

Ministro Joaquim Barbosa. Falaram, pelos requerentes,

Partido Comunista do Brasil - PC do B e outros, o Dr. Paulo

Machado Guimarães e, pelo Partido Socialista Brasileiro -

134 Id. Ibid. p. 62.

65

PSB, o Dr. José Antônio Figueiredo de Almeida. Plenário,

07.12.2006 (grifos nossos).135

Com efeito, observa-se que a decisão aditiva proposta pelo Ministro

Gilmar Mendes é aceita pelo Tribunal, já que o caput do art. 56 e o art. 57

foram declarados inconstitucionais, mas seus efeitos continuarão a incidir

até regulamentação da matéria pelo Congresso Nacional.

7.2 Análise quanto à sentença aditiva

O único ministro a mencionar e propor a decisão de caráter aditivo é

o Ministro Gilmar Mendes, os demais sequer mencionam esse aspecto de

seu voto, exceto o Ministro Sepúlveda Pertence, porém o faz indiretamente,

já que não usa o termo específico.

O Ministro Gilmar vota no sentido de que o artigo 57 da Lei 9.096/95,

que estipula as normas de transição e que foi considerado inconstitucional

unanimemente pela Corte, continue a viger até que o legislador

regulamente a matéria, sob pena de se criar vácuo legislativo:136

Dessa forma, proponho ao Tribunal que o artigo 57 da Lei n°

9.096/95 seja interpretado no sentido de que as normas de

transição nele contidas continuem em vigor até que o

legislador discipline novamente a matéria, dentro dos limites

esclarecidos pelo Tribunal neste julgamento.

Eis o trecho do voto do Ministro Sepúlveda, referente ao seu

comentário sobre a decisão proferida de Gilmar Mendes:

A preocupação que me causara do vácuo normativo ficou, a

meu ver, bem resolvida com a aceitação, pelo eminente

135 Extrato de ata da ADI 1.351. p. 171. 136 STF: ADI 1.351, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07/12/2006. Voto do Ministro Gilmar Mendes,

p. 161.

66

relator, da sugestão do Ministro Gilmar Mendes de, com o

apelo ao legislador para editar norma compatível com os

princípios – até que o faça –, aplica-se o direito transitório

estabelecido na própria L.9.096, que vem praticando – já são

quatro eleições, se não me engano – sem maior

questionamento.137

Gilmar Mendes dedica uma parte de seu voto à análise da

admissibilidade de uma decisão aditiva: VII. A necessidade de uma solução

diferenciada: a interpretação das disposições transitórias (art. 57) com

efeitos aditivos.138

Nesta parte, Gilmar Mendes afirma preocupar-se com a declaração de

nulidade com eficácia ex tunc dos arts 56 e 57, que trazem normas de

transição que incidiram sobre o tema desde a publicação da lei, em 1995.

Seu temor é a criação de um vácuo legislativo.139

Para evitar isso, aduz a necessidade de utilização de sentença

manipulativa, uma vez que o Ministro enxerga limitações na interpretação

conforme, técnica que estudou adotar em seu voto, descartando-a em

seguida.

Em outro momento, menciona a teoria da única solução viável como

justificativa para aplicação de tal medida, levando em consideração a

vontade do legislador de produzir norma em conformidade com a

Constituição e a impossibilidade de decisão, no caso concreto, de recorrer a

“subterfúgios indesejáveis e soluções simplistas como a declaração de

inconstitucionalidade total” ou o não-conhecimento dação, o que pode

comprometer a segurança jurídica.140

Portanto, o Ministro decide com efeitos aditivos, no sentido de, não

obstante julgar procedente a ação em relação ao artigo 57 da Lei

137 STF: ADI 1.351, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07/12/2006. Voto do Ministro Sepúlveda

Pertence, p. 169.

138 STF: ADI 1.351, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07/12/2006. Voto do Ministro Gilmar Mendes,

p. 154.

139 Id. Ibid. p 154. 140 Id. Ibid. p. 156.

67

9.096/95,141 estender a eficácia desse dispositivo até que o Congresso

legisle sobre a matéria. Argumenta o Ministro que “em certos casos, o

recurso às decisões interpretativas com efeitos modificativos ou corretivos

da norma constitui a única solução viável”.142

Note-se, que o Ministro parece equiparar as sentenças interpretativas

com as de efeitos aditivos. No capítulo 3 foi estudado que, segundo a teoria

portuguesa, a sentença modificativa é o gênero do qual a sentença aditiva é

espécie. A teoria italiana diferencia sentenças interpretativas143 das

sentenças aditivas144 e, também, ambas são espécies de sentenças

modificativas.

Não há referência à sentença aditiva no extrato de ata da decisão,

em relação ao inciso II do artigo 56 somente consta a improcedência, por

unanimidade. Também não há tal menção na ementa do acórdão.

Compete lembrar que as sentenças das ADIs 1.351 e 1.354 são

consideradas de efeitos aditivos por Gilmar Mendes, tanto por seu voto

nessas ações quanto por seu voto na ADI 3.510.

Eis a ementa da ADI 1.351:

NORMATIZAÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE – VÁCUO.

Ante a declaração de inconstitucionalidade de leis, incumbe

atentar para a vigência de preceito transitório, isso visando a

aguardar nova atuação das Casas do Congresso nacional.145

Ao se analisar a ementa é possível perceber que a sentença proferida

pelo STF não é expressamente classificada de aditiva. Na verdade, a

141 Em relação aos demais dispositivos objetos de impugnação o STF decidiu pela procedência da ação. 142 STF: ADI 1.351, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07/12/2006. Voto do Ministro Gilmar Mendes,

p. 156.

143 Sentenças interpretativas (sentenze interpretative): A Corte Constitucional, sem reformar o texto da lei, declara nula as interpretações que não guardem conformidade com a Constituição. 144 Sentenças aditivas (sentenze additive): A uma norma falta parte de texto normativo, sem o qual ela é inconstitucional. A Corte, para evitar a declaração de inconstitucionalidade atua

no sentido de suprir a omissão legislativa, criando regras e, assim, garantindo a adequação da norma à Constituição e a aplicação da norma em questão. 145 Ementa da ADI 1.351. p.19.

68

decisão parece adequar-se mais à sentença exortativa. O Ministro Gilmar

Mendes tem demonstrado146 que considera sentença aditiva sinônimo de

sentença manipulativa, assim, segundo a doutrina utilizada nesta

monografia, acaba cometendo imprecisões.

Seria mais adequado classificar essa sentença como exortativa, uma

vez que apesar da declaração da inconstitucionalidade da lei impugnada e,

portanto, de sua nulidade, a Corte Constitucional mantém sua eficácia

enquanto o texto da lei tido como inconstitucional não for alterado pelo

legislador.

146 Vide página 18 desta monografia.

69

CONCLUSÃO

A proposta do estudo das sentenças aditivas na jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal foi responder a quatro perguntas: (1) Qual é o

conceito de sentença aditiva adotado pelo STF? (2) São identificáveis na

jurisprudência do STF as condições necessárias para que o tribunal possa

proferir sentenças aditivas? (3) O STF é coerente no uso de sentenças

aditivas? (4) A sentença aditiva é uma técnica decisória aceita entre os

Ministros do STF?

Em relação ao conceito de sentença aditiva, o STF não adota um

conceito específico, pois em cada caso o ministro que a propõe apresenta

definições próprias, ou então, não a caracteriza.147

Nos mandados de injunção 708, 670 e 712 o Ministro Gilmar Mendes,

único a propor sentença aditiva, não a define. Em seu voto, vencedor,

somente justifica a necessidade do uso desse instituto.148 Em outro caso,

nas ADIs 1.351 e 1.354, cujo voto também compôs a corrente vencedora, o

Ministro Gilmar Mendes não define o conceito de sentença aditiva. Em vez

disso, apresenta somente justificativa para sua aplicação: a declaração de

inconstitucionalidade total ou o não-conhecimento da ação, podem

comprometer a segurança jurídica;149 e, que, trata-se da única solução

viável (teoria da vontade hipotética do legislador)150.

O outro ministro a propor decisão com perfil aditivo foi o Ministro

Eros Grau (somente dois ministros do STF propuseram esse tipo de

147 Observou-se que não mais de um ministro propôs sentença com efeitos aditivos no mesmo caso. 148 Os argumentos que o Ministro Gilmar Mendes utiliza são: necessidade de solução diferenciada; solução constitucional obrigatória; completar regime previamente adotado pelo legislador; tornar efetiva a proteção judicial; garantir a segurança jurídica; e dar plena

efetividade às normas constitucionais de maneira a aceitar um modelo de separação de poderes mitigado. Vide p. 43-45 desta monografia. 149 STF: ADI 1.351, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07/12/2006. Voto do Ministro Gilmar Mendes,

p. 156.

150 Teoria da vontade hipotética do legislador que consiste em um exercício de previsão do julgado em relação a qual teria sido a atitude do legislador se houvesse previsto a

inconstitucionalidade da lei. Levando em consideração sua vontade de produzir normas em harmonia com a Constituição, teria ele aumentado ou diminuído o escopo da norma? Vide p. 55 desta monografia.

70

decisão), que na ADI 1.923 MC, apenas sugere sua aplicação quando a ação

for julgada no mérito, sem fazer considerações a respeito da admissibilidade

da decisão, e sem, no entanto, justificar sua sugestão. No outro caso

estudado em que o Ministro propõe sentença aditiva é na ADI 3.510 e seu

voto é vencido. Nessa ação, o Ministro Eros Grau explica as situações que a

decisão aditiva pode ser invocada.151

Em relação à segunda questão, atinente à identificação na

jurisprudência do STF das condições necessárias à aplicação das sentenças

aditivas, pode-se afirmar que não há paradigma que estabeleça uma diretriz

para a decisão aditiva. A justificativa dos ministros, ao utilizar esse

instituto, não encontra baliza em precedentes da Corte, em antigas

decisões. Ao contrário, busca-se, de acordo com os acórdãos analisados,

uma justificativa que se adéque tão-somente ao caso concreto. Não há,

pois, por parte dos ministros, análise sistêmica das condições que autorizam

o uso das sentenças aditivas pelo STF.

O mesmo pode-se dizer em relação à coerência no uso de sentenças

aditivas (pergunta 3). Não há padrão estabelecido pelos ministros ou pela

própria jurisprudência do STF que explicitem quando a decisão deve possuir

efeitos aditivos. Cabe aos ministros determinarem, baseados no caso

concreto, a aplicação desse instituto. Tanto é assim que, por exemplo, no

caso do Direito de Greve dos Servidores Público (MI 708, 712 e 670) o

Ministro Gilmar Mendes aplicou sentença aditiva, ao passo em que o

Ministro Ricardo Lewandowski não aderiu ou comentou a decisão do referido

Ministro, porém estipulou 16 condicionantes – que não classificou como

sentença aditiva.

151 A sentença com efeitos aditivos é definida nos seguintes termos pelo Ministro Eros Grau: “Note-se bem que a decisão aditiva acrescenta novo sentido normativo à lei, a fim de que

determinado preceito legal seja depurado, adequado aos padrões da constitucionalidade. A esta Corte não cabe acrescentar nada à Constituição, como já se fez, indevidamente – digo-o com as vênias de estilo, ainda que não espontâneas, ainda que não partam do meu íntimo – como indevidamente foi feito no julgamento do MS 26.602. A decisão aditiva incorpora preceito novo à legislação infraconstitucional para, salvando-a de inconstitucionalidade, mantê-la em coerência com o bloco de constitucionalidade. Algo é acrescentado ao preceito legal, a Constituição permanecendo intocada, intocável. Ao contrário, porque a decisão

aditiva como que captura o preceito legal, trazendo-a para o âmbito da constitucionalidade, a força normativa da Constituição é afirmada nessas decisões” (grifos nossos). Voto do Ministro Eros Grau na ADI 3.510. p. 459.

71

Entre os ministros do STF, apenas o Ministro Gilmar Mendes (exceto o

Ministro Eros Grau, que também reconhece) parece reconhecer a sentença

com perfil aditivo, pois defende energicamente a aplicação desse instituto

em alguns casos. O Ministro Eros Grau reconhece o instituto em análise,

porém de modo menos enfático. Na ADI 1.923 MC apenas sugestiona

brevemente a aplicação de sentença aditiva no futuro; e na ADI 3.510

aplica, efetivamente essa técnica decisória. A tese do Ministro Gilmar

Mendes de decidir com efeitos aditivos, quando por ele proposta, logrou

êxito em todos os processos estudados.

As hipóteses levantadas no início do trabalho foram, portanto, todas

confirmadas.152

152 As hipóteses de trabalho são as seguintes: (i) As sentenças de perfil aditivo foram conceituadas pelo Supremo Tribunal Federal, ao menos por alguns de seus ministros, em

algumas situações, mas não se pode extrair da jurisprudência do Tribunal um entendimento claro e preciso a esse respeito; (ii) A jurisprudência do STF não oferece uma conclusão segura sobre as condições nas quais está autorizado a proferir sentenças aditivas; (iii) A referência ao conceito em alguns casos tem fins retóricos e não implica o reconhecimento pelo Tribunal de que estaria apenas autorizado a criar novas normas (exercício típico do Poder Legislativo) se presentes as condições que a doutrina e a jurisprudência internacional apresentam para que se possa proferir uma sentença aditiva; (iv) Não há coerência na

aplicação do conceito pelo STF; (v) As decisões aditivas não são uma técnica decisória aceita de forma expressa entre os diversos ministros do STF, embora na prática soluções com esse caráter tenham prevalecido em alguns julgados do Tribunal.

72

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