semiárido piauiense: educação e contexto

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SEMIÁRIDO PIAUIENSE: EDUCAÇÃO E CONTEXTO

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Page 1: Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

SEMIÁRIDO PIAUIENSE:

EDUCAÇÃO E CONTEXTO

Page 2: Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

SEMIÁRIDO PIAUIENSE:

EDUCAÇÃO E CONTEXTO

Campina GrandeTriunfal Gráfica e Editora

2010

Organizadores:

Conceição de Maria de Sousa e Silva - Elmo de Souza Lima

Maria Luíza de Cantalice - Maria Tereza de Alencar

Waldirene Alves Lopes da Silva

1ª Edição

Page 3: Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

Presidência da RepúblicaLuis Inácio Lula da Silva

Ministério da Ciência e TecnologiaSergio Machado Rezende

Subsecretaria de Coordenação das Unidades de PesquisaJosé Edil Benedito

Instituto Nacional do SemiáridoRoberto Germano Costa

Governo do Estado do PiauíJosé Wellington Barroso de Araújo Dias

Rede de Educação no Semiárido Brasileiro - PiauíCáritas Brasileira – Regional do Piauí

Coordenadoria de Convivência com o Semiárido do PiauíCooperativa de Técnicos Agrícolas do Piauí e Associados - COOTAPI

Fundação Dom Edilberto - FUNDEDSecretaria Estadual de Educação do Piauí - SEDUC

Universidade Estadual do Piauí - UESPI

Conselho Editorial do INSAAlbericio Pereira de Andrade (Presidente) – INSA

Adelaide Pereira da Silva – CPT/Sertão/PBConceição de Maria de Sousa e Silva – SEDUC/PI

Edmerson dos Santos Reis – UNEBJosé de Sousa Silva – EMBRAPA/Algodão

José Moacir dos Santos – IRPAAManoel Abílio de Queiroz – UNEB

Pedro Dantas Fernandes – INSASílvio José Rossi – UFPB

Revisão Geral: Luciana Nóbrega e Sílvio José RossiRevisão Gramatical: Elenice NeryDiagramação: Luciene Cantalice

Capa: Jonathans Teixeira

Impressão: Triunfal Gráfica e Editora

Instituto Nacional do Semiárido – INSAAv. Floriano Peixoto, nº. 715, 2º andar, Centro

CEP 58.400-165 – Campina Grande/PBFone: (55) 83 2101-6400

[email protected]

Rede de Educação no Semiárido Brasileiro – RESABRua Cícero Feitosa, 309 – B 1° andar, Centro

CEP 48.904-350 – Juazeiro/BAFone: (74) 3216-8488

[email protected]

Semiárido Piauiense: Educação e Contexto / (Orgs) Conceição de Maria deSousa e Silva; Elmo de Souza Lima; Maria Luíza de Cantalice; Maria Terezade Alencar; Waldirene Alves Lopes da Silva. INSA. Campina Grande: 2010.236pISBN: 978-85-61175-05-4I. Título.

CDD - 370.71

APRESENTAÇÃO

O Plano Diretor 2008-2011 do Instituto Nacional do Semiárido(INSA) estabelece, dentre suas ações estratégicas, prioritárias para o período,realizar articulações com atores sociais e institucionais – locais, estaduais ounacionais –, voltadas à ampliação das oportunidades educacionais noSemiárido brasileiro (SAB), em todos os níveis. Para a consecução de talcompromisso, busca-se, ao longo desse processo, a promoção de diálogosque conduzam a mudanças de paradigmas e ao desnudamento deestereótipos construídos para a região, ao longo de séculos no País, a assumira filosofia da semiaridez como vantagem e a prática da convivência harmônicae sustentável nos diversos ecossistemas onde vivem milhões de brasileiros.

Como estratégia para se atingir os objetivos inerentes a talcompromisso, têm sido de fundamental importância as articulações eparcerias firmadas entre o INSA e a Rede de Educação do SemiáridoBrasileiro (RESAB), em razão da convergência de princípios norteadoresdessas entidades no que concerne a questões educacionais, no enfoque dacontextualização do conhecimento regional. Ambas vêm envidando esforçosno sentido de promover a aproximação e o diálogo entre Educação, Ciência,Tecnologia e Inovação, por compreenderem que são espaços indissociáveise privilegiados de construção de conhecimento significativo, de relevânciapara o desenvolvimento sustentável da região. Busca-se, com isso, contribuirpara a conquista do empoderamento social e institucional no SAB, para atransformação de sua realidade, a promoção da Vida dos habitantes dessaregião e de seus ecossistemas, oportunizando-se às comunidades locais oprotagonismo na construção de tal desenvolvimento.

Nesse contexto, Semiárido Piauiense: Educação e Contexto,resultado de uma dessas parceiras, é uma contribuição para a formaçãocontinuada de profissionais da educação na visão da educaçãocontextualizada como fonte inspiradora da transformação do SAB emuma região cheia de oportunidades e realizações, com uma sociedademais justa, com qualidade de vida e respeito ao meio ambiente.

Instituto Nacional do Semiárido, agosto de 2010.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................

PARTE I - O AMBIENTE SEMIÁRIDO E SEUS ASPECTOSSÓCIO-HISTÓRICOS E GEOGRÁFICOS

Caracterização da macrorregião do semiárido piauiense ..........Maria Tereza de Alencar

Considerações sobre a formação, organização do território eda sociedade piauiense .................................................................Maria Tereza de Alencar

Concepções de desenvolvimento: convivência e sustentabilidadeno semiárido brasileiro ................................................................Roberto Marinho Alves da Silva

Tecnologias para o semiárido ......................................................José Moacir dos Santos

PARTE II - A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO:DIÁLOGOS INTERCULTURAIS

Educação para a convivência com o semiárido: desafios epossibilidades ...............................................................................Edmerson dos Santos Reis

Educação e diversidade cultural no sertão ..................................Josemar da Silva Martins (Pinzoh)

O currículo como espaço de diálogo entre as diversidadessocioculturais do semiárido ..........................................................Elmo de Souza Lima

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As contribuições da pesquisa em educação para a produção deconhecimentos no semiárido ......................................................Elmo de Souza Lima e Adelson Dias de Oliveira

A educação ambiental no contexto piauiense .............................Waldirene Alves Lopes da Silva

A relação entre texto e contexto na perspectiva da educaçãopara convivência com o semiárido ..............................................Conceição de Maria de Sousa e Silva e João Paulo de Oliveira e Silva

Rede de Educação do Semiário Brasileiro: contexto eorganização .................................................................................Adelson Dias de Oliveira

Sobre os Autores ............................................................................

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INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, vários educadores e pesquisadores vêm sededicando aos estudos sobre o Semiárido Brasileiro, de forma a produzirnovos conhecimentos acerca dessa região, abordando os aspectossóciopolítico, econômico, cultural e ambiental, bem como, os aspectosrelacionados com as políticas educacionais. São trabalhos que buscamconstruir uma nova visão sobre a região, evidenciando seus problemas,mas, acima de tudo, suas potencialidades e riquezas.

Embora constatemos avanços na produção de novosconhecimentos sobre a região, ainda convivemos, no semiárido piauiense,com pouca divulgação desses trabalhos entre os profissionais da educação.Desse modo, a idéia de construir esse livro surgiu da necessidade de ampliara discussão sobre o ambiente Semiárido, suas características epotencialidades, bem como as políticas e práticas educativas desenvolvidasnas escolas da região durante o Curso de Especialização em EducaçãoContextualizada no Semiárido (2009-2010). Esse curso de especializaçãoé uma proposta da Rede de Educação no Semiárido Brasileiro (RESAB)e está sendo desenvolvido em parceria com a Universidade Estadual doPiauí, a Secretaria Estadual de Educação do Piauí organizações não-governamentais e Secretarias Municipais de Educação do Território Serrada Capivara.

O propósito deste livro é subsidiar os processos formativosdesenvolvidos pela RESAB e instituições parceiras, tanto durante o suprareferido Curso de Especialização quanto nos eventos de formaçãodesenvolvidos nos vários municípios do semiárido piauiense. Os trabalhosa serem publicados foram produzidos pelos professores do curso deespecialização e estão organizados em duas partes. Na primeira, constamos artigos que discutem sobre o Ambiente Semiárido e seus aspectossócio-históricos e geográficos e, na segunda parte, estão agrupados ostrabalhos que versam sobre as temáticas relacionadas à educação nocontexto do Semiárido e seus diálogos com os contextos socioculturais.

Introdução

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10 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

Dessa forma, os trabalhos reunidos nessa coletânea abordam,inicialmente, reflexões desenvolvidas por Maria Tereza de Alencar, acaracterização do ambiente semiárido do Piauí, destacando suaspotencialidades e limitações socioambientais e econômicas, bem como oprocesso de formação e organização do território e da sociedade piauiense,evidenciando as possibilidades de construção de novas relações deconvivência com a natureza que possibilitem o desenvolvimento detecnologias apropriadas voltadas para o fomento de novas atividadeseconômicas, no intuito de melhorar a qualidade de vida das populaçõesdessa região.

Nessa perspectiva, o trabalho de Roberto Marinho Alves da Silvafaz uma discussão sobre as concepções de desenvolvimento predominantesna região semiárida brasileira, demonstrando as transformações ocorridasnos últimos anos, com o surgimento do paradigma da Convivência como Semiárido que se fundamenta nos princípios da sustentabilidade epropõe a construção de políticas públicas que atendam aos interesses daspopulações locais, adequando-as às potencialidades da região.

Como demonstrado no texto de José Moacir dos Santos, aspolíticas de desenvolvimento sustentáveis voltadas para a Convivênciacom o Semiárido devem incentivar a produção e a difusão de novastecnologias adaptadas ao contexto dessa região, de forma que possamauxiliar os agricultores familiares na construção de alternativas de produçãoque aproveitem melhor as riquezas naturais do Semiárido, adaptando-asas suas condições geoambientais.

No entanto, a implementação dessa nova concepção dedesenvolvimento sustentável articulada com os princípios da Convivênciacom o Semiárido exige que se ressignifiquem as práticas educativas eculturais disseminadas na região a fim de construir uma nova culturasocioeducativa que prime pelo cuidado com a natureza, pelo respeito aossaberes locais, pela construção coletiva do conhecimento e pela gestãodemocrática da sociedade. Neste sentido, o texto de Edmerson dos SantosReis é bastante pertinente por discutir os princípios da Educação para aConvivência com o semiárido, destacando os desafios e as possibilidades

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que precisam ser enfrentados no sentido da construção de novos projetoseducativos que contribuam para a implementação de alternativas dedesenvolvimento sustentável do Semiárido.

A região semiárida é constituída por uma diversidade de povos,culturas, saberes e ambientes que precisam ser reconhecidos e valorizadoscomo forma de garantir a consolidação de políticas educativas quecontribuam na formação de sujeitos críticos e autônomos. Sendo assim,como é demonstrado nos trabalhos de Josemar da Silva Martins, sobreeducação e diversidade cultural e de Elmo de Souza Lima, sobre o currículocomo espaço de diálogo entre as diversidades, reconhecer a importânciada diversidade cultural do contexto das práticas educativas e criar espaçosnos currículos das escolas do Semiárido para discutir e problematizar sobreessas diferenças são questões imprescindíveis para a democratização dasociedade e a consolidação de uma educação inclusiva.

No contexto das diversidades, é necessário ampliarmos os estudose as pesquisas sobre os saberes e práticas desenvolvidas, tanto nas escolasquanto no contexto das práticas sociais das comunidades do Semiárido.O trabalho produzido por Elmo de Souza Lima e Adelson Dias de Oliveirademonstra que é necessário compreendermos, de forma mais aprofundada,os saberes e valores construídos pelas populações sertanejas, bem comopelos profissionais da educação, a fim de contribuirmos para a geraçãode novos conhecimentos científicos que auxiliem na elaboração de projetoseducativos e sociais voltados para a consolidação das políticas deConvivência com o Semiárido.

No processo de produção de conhecimento sobre o semiárido, énecessário que se aprenda a conviver com os vários ambientes quecompõem essa região, já que o conhecimento das potencialidades locais,em si, não assegura a promoção do desenvolvimento sustentável neladesejável. Assim sendo, torna-se significativo o desenvolvimento de práticaseducativas voltadas para o cuidado com o meio ambiente – como édemonstrado no artigo de Waldirene Alves Lopes da Silva – queconscientize os atores sociais quanto à necessidade de se estabeleceremposturas e atitudes responsáveis pela preservação ambiental.

Introdução

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Diante desse contexto, é importante destacar que algumasexperiências estão sendo desenvolvidas no estado do Piauí, tanto no âmbitoda sociedade civil quanto no âmbito das organizações governamentais, nosentido de consolidar projetos educativos voltados para a convivênciacom o semiárido piauiense. O trabalho de Conceição de Maria de Sousae Silva e João Paulo de Oliveira e Silva apresenta uma síntese das principaisexperiências desenvolvidas na área da educação contextualizada queapontam novos caminhos para o desenvolvimento de práticas educativasvoltadas para a convivência com o ambiente semiárido.

Diante desses vários olhares, esperamos que esse livro fomentenovos processos formativos, tanto nos espaços das escolas quanto noâmbito das práticas de educação popular desenvolvidas pelas organizaçõese movimentos sociais, no sentido de contribuir para o desenvolvimento deuma nova cultura voltada para a convivência com o Semiárido.

Cabe agradecer ao Instituto Nacional do Semiárido (INSA),vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, pelo decisivo apoio ecolaboração dispensados no processo de construção e disseminação denovos conhecimentos sobre o Semiárido Brasileiro.

Maria Luiza de CantaliceWaldirene Alves Lopes da Silva

PARTE I

O AMBIENTE SEMIÁRIDO E ASPECTOSSÓCIO-HISTÓRICOS E GEOGRÁFICOS

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CARACTERIZAÇÃO DA MACRORREGIÃO DOSEMIÁRIDO PIAUIENSE

Maria Tereza de Alencar1

Semiárido brasileiro: caracterização

O Semiárido brasileiro teve, ao longo de sua história, outrasdenominações, tais como Sertão e o Nordeste das secas. Oficialmente, aprimeira delimitação da região foi estabelecida em 1936, com o Polígonodas Secas (SILVA, 2006). O prolongamento do período seco anual elevaa temperatura local, caracterizando a aridez sazonal. De acordo com essadefinição, o índice de aridez de uma região depende da quantidade deágua proveniente da chuva (precipitação) e da temperatura que influenciaa perda de água por meio da evapotranspiração potencial.

A definição de aridez foi estabelecida em 1977 pelo Plano deAção de Combate à Desertificação das Nações Unidas (SILVA, 2007).A área de domínio do semiárido no Brasil é, segundo Ab’Sáber (1996;2003), a mais homogênea em relação a outras áreas da América do Sul,do ponto de vista fisiográfico, ecológico e social. No entanto, esta é umarealidade complexa tanto no que se refere aos aspectos geofísicos, quantoao processo de ocupação humana.

Ab’Sáber (2003) destaca a existência de faixas regionais no interiordo Semiárido brasileiro: 1) as faixas semiáridas rústicas ou semiáridas típicas(os “altos sertões”); 2) as faixas semimoderadas (caatingas agrestadas); e3) as subáreas de transição ou faixas subúmidas (os agrestes). Essadiversidade de ambientes edafoclimáticos traz vantagens comparativas para

1 Professora Assistente dos Cursos de Geografia da UESPI e do CESC/UEMA. Doutora emGeografia pela UFS. Coordenadora do Núcleo de Estudos, Projetos e Pesquisas sobre oSemiárido Piauiense - NUEPPS. E-mail: <[email protected]>.

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a região, mas o seu aproveitamento exige novas formas de intervenção.A região é caracterizada pela insuficiência e irregularidade de

chuvas, com médias anuais que variam entre 268 e 800 mm, com altastemperaturas e elevadas taxas de evapotranspiração que se refletem naelaboração da paisagem. São características hidrológicas relacionadas aoclima semiárido regional, “[...] muito quente e sazonalmente seco, queprojeta derivadas radicais para o mundo das águas, o mundo orgânicodas caatingas e o mundo socieconômico dos viventes dos sertões”(AB’SÁBER, 2003, p.85).

A hidrologia é totalmente dependente do ritmo climático e as secassão caracterizadas pela ausência e escassez quanto pela alta variaçãoespacial e temporal das chuvas. A limitação hídrica anual se verifica emfunção do longo período seco que leva a não perenização dos rios e riachosendógenos. A reduzida capacidade de absorção de água da chuva nosolo é dificultada pelas alterações do relevo e os solos rasos e pedregosos.

A presença de solos cristalinos na maior parte da área do semiáridolimita o acesso à água existente nos aquíferos subterrâneos. A águaacumulada nesses aquíferos por meio de poços com baixa profundidadeé de baixa qualidade para o consumo humano, animal e para irrigação daslavouras devido à elevada concentração de sais minerais, ou seja, é salobra,originada das fissuras das rochas.

Uma das características marcantes da paisagem do Semiáridobrasileiro é a vegetação de caatinga, bioma2 com grande biodiversidade,no qual se destaca a formação vegetal xerófila (cactáceas, espéciesarbóreas, herbáceas e arbustivas). A Caatinga é hoje um dos biomasbrasileiros mais ameaçados pelo uso inadequado de seus recursos, comprocesso de desertificação e perda gradual da fertilidade biológica dosolo. Isso é o resultado da combinação do cultivo inadequado da terra,associado às variações climáticas e às características do solo pedregoso

2 É definido como um conjunto de múltiplos ecossistemas agrupados em um espaço geográficocontínuo, com um certo grau de homogeneidade em torno de sua vegetação e fauna.

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ou impermeável.O conceito técnico de semiárido foi estabelecido a partir de uma

norma da Constituição Brasileira de 1988, que, no seu art. 159, institui oFundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE). A normaconstitucional manda aplicar no Semiárido brasileiro 50% dos recursosdestinados ao Fundo. A Lei 7.827, de 27 de setembro de 1989,regulamentando a Constituição Federal, define como Semiárido a regiãoinserida na área de atuação da SUDENE, com precipitação pluviométricamédia anual igual ou inferior a 800 mm (SILVA, 2006).

Em 2005, o Ministério da Integração Nacional realizou umaatualização na área de abrangência oficial do Semiárido brasileiro, deacordo com a Portaria Ministerial nº 89. Para a nova delimitação, foramconsiderados três critérios técnicos: a precipitação pluviométrica médiainferior a 800 mm; o índice de aridez de até 0,5, no período entre 1961 e1990, calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e aevapotranspiração potencial; e o risco de seca maior que 60% no períodoentre 1970 e 1990 (SILVA, 2006).

De acordo com a delimitação atual, o Semiárido brasileiro abrange1.133 municípios com uma área de 969.589,4 km², correspondente aquase 90% da Região Nordeste (nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grandedo Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia); e mais asregião norte de Minas Gerais e Espírito Santo.

Com uma população de 21 milhões de pessoas, o Semiáridobrasileiro é um espaço cada vez mais urbano. Entre 1991 e 2000, apopulação total cresceu 8,62% mas o crescimento urbano chegou a 26%,enquanto a população rural decresceu 8,16%. Verifica-se atualmente umaconcentração da população nos espaços urbanos, principalmente nasperiferias das cidades.

O abandono das áreas rurais está relacionado às atividadeseconômicas nelas desenvolvidas, além da concentração fundiária e faltade apoio aos agricultores familiares. Mesmo com esses problemas, aocupação principal da força de trabalho na maioria dos municípios doSemiárido provém da agropecuária.

Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense

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A região é marcada pelo grande número de minifúndios (90% daspropriedades) possuindo uma área inferior a 100 hectares e detendo apenas27% da área total dos estabelecimentos agrícolas (BRASIL, 2005b). Osincentivos fiscais e o processo de modernização econômica valorizaram eincentivaram a agroindústria, que detém maior porte de investimentos,maior possibilidade de inserir inovações tecnológicas e gerenciais, alémda capacidade de inserção no mercado.

O Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Semiárido brasileiroem 2002 era de R$ 2.541,27, bem abaixo do valor médio da regiãoNordeste (R$ 3.694,34) e menos da metade da média nacional de R$7.630,93 (PIAUÍ, 2003). A maioria dos municípios depende cada vezmais da transferência de recursos dos níveis federal e estadual, do repassedo Fundo de Participação dos Municípios e de outras verbas federais eestaduais para manter os serviços oferecidos à população.

De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil –2000, em 47,5% dos municípios do Semiárido brasileiro, um terço dapopulação tem mais da metade de sua renda proveniente de transferênciasdo governo, principalmente dos benefícios previdenciários, tanto no espaçourbano como no espaço rural. A transferência de renda por meio debenefícios (bolsa família, auxílio maternidade, fome zero) não tem sidosuficiente para melhorar os indicadores sociais da educação, saúde,habitação, trabalho, mortalidade infantil, elevada concentração de rendae baixo IDH. (SILVA, 2006)

Segundo Silva (2006), verifica-se que estão sendo formuladas trêspropostas ou alternativas para a realidade do Semiárido brasileiro: combateras secas e os seus efeitos; aumentar a produção e a produtividade econômicana região, sobretudo com base na irrigação; e convivência, combinando aprodução apropriada3 com a qualidade de vida da população local.

3 É a organização da produção considerando o contexto econômico, social, ambiental e aadequação das atividades para a convivência da população com o semiárido, aproveitandoos recursos existentes na região de forma equilibrada.

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Em relação à primeira alternativa, verifica-se que atualmente quasenão há a defesa do combate à seca e seus efeitos como orientação daspolíticas públicas. Com relação à segunda concepção, verifica-se queplanejadores, governantes, empresários e estudiosos da região apostam,sobretudo, na continuidade dos investimentos para ampliar o processo demodernização nos espaços mais dinâmicos (agronegócio), ficando issobem claro nos documentos preliminares do Plano Nacional deDesenvolvimento Regional – PNDR, do Plano Estratégico deDesenvolvimento Sustentável do Nordeste – PNDE e do Plano deDesenvolvimento do Semiárido – PDSA.

Em comum, as duas primeiras propostas foram historicamenteassumidas pelas políticas governamentais no Semiárido brasileiro,combinando as seguintes características:

1. Finalidade da exploração econômica como elemento definidor daocupação e uso do espaço;

2. Visão fragmentada e tecnicista da realidade local, daspotencialidades, problemáticas e das alternativas de superaçãodas secas e de suas consequências;

3. Permanência de políticas públicas compensatórias;4. Proveito político dos elementos anteriores em benefício da elite

política e econômica que exerce a dominação local;5. Dependência de atores internacionais, tais como: Banco Mundial,

Banco Interamericano de Desenvolvimento, Fundo MonetárioInternacional, Instituto Interamericano de Cooperação para aAgricultura, Agência Interamericana para a Cooperação eDesenvolvimento dentre outros.Por outro lado, novos atores sociais e políticos entram em cena,

apresentando um discurso renovador e comprovado, com seusexperimentos a possibilidade de um desenvolvimento sustentável com baseno princípio da convivência com o Semiárido, mediante a implantaçãoda educação contextualizada para a convivência, defendido pela Rede deEducação do Semiárido Brasileiro – RESAB, Articulação do Semiárido– ASA, Cáritas, diversas ONGs e a sociedade civil organizada.

Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense

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20 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

A região passa a ser concebida enquanto um espaço no qual épossível construir ou resgatar relações de convivência entre a sociedade ea natureza, com base na sustentabilidade ambiental, combinando aqualidade de vida das famílias do sertão com o incentivo às atividadeseconômicas, experimentando novas tecnologias apropriadas ao local,produtivas, hídricas e educativas, orientadas pela expectativa deconvivência com o Semiárido.

Essas mudanças já estão presentes em projetos de coleta earmazenamento de água, tais como: construção de cisternas de placas, bombad’água manual, gestão e tratamento de água para o consumo humano,programa de construção de 1 milhão de cisternas, construção de barragenssubterrâneas, construção de barragens sucessivas, construção de barreirode trincheira e barreiro de salvação e, ainda, a inserção da EducaçãoContextualizada para Convivência com o Semiárido (ECSA) em escolaspúblicas da região, tanto no espaço rural e quanto no urbano. No entanto,ainda existem muitas dificuldades e problemas a ser minimizados.

O insuficiente conhecimento, ainda, sobre o Semiárido brasileiroe a ocupação desordenada desse espaço levaram à introdução de diversasatividades produtivas que não respeitaram as características da região, asua vulnerabilidade climática, as particularidades dos solos dos recursoshídricos. A ocupação da área vem tornando os ecossistemas mais frágeis,pondo em risco a sobrevivência humana com o uso intempestivo dosrecursos naturais. Além disso, a construção de grandes barragens paraabastecimento da população urbana vem provocando significativosimpactos socioambientais à população rural, mantendo-a marginalizadado acesso a água encanada, mesmo que a adutora construída paraabastecimento urbana atravesse suas propriedades.

Semiárido piauiense: caracterização da Macrorregião e dosTerritórios de Desenvolvimento Sustentável

As características geoambientais do Semiárido piauiense sãoapresentadas no Quadro 01.

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Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense

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22 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

Sabe-se que os problemas sociais da população do Semiáridobrasileiro não são consequências do clima ou da ausência de chuvas. Deve-se considerar que a economia piauiense e sua organização espacialdesenvolveram-se a partir da pecuária extensiva implantada pelacolonização portuguesa na segunda metade do século XVII. As fazendaspiauienses eram unidades produtivas autossuficientes, localizadas emextensos latifúndios, em que, além da pecuária, praticava-se uma agriculturade subsistência, contribuindo para concentração fundiária e pobreza dapopulação rural e urbana (ARAÚJO, 2006).

Pela regionalização do Estado para fins do PlanejamentoParticipativo Territorial para o Desenvolvimento Sustentável do Estadodo Piauí, a Macrorregião do Semiárido piauiense foi dividida em quatroTerritórios de Desenvolvimento: Território de Desenvolvimento Vale doRio Guaribas, Território de Desenvolvimento Vale do Rio Canindé,Território de Desenvolvimento Vale do Rio Sambito e Território Serra daCapivara, conforme mostrado na Figura 01.

Segundo o PLANAP, os Territórios são campos geográficosconstruídos socialmente, marcados por traços culturais e quase semprearticulados política e institucionalmente. A vida cultural das comunidadeshumanas, rurais ou urbanas, tem existência territorializada. O Territórioincorpora a totalidade do processo de modificação do mundo cultural,revelando identidades específicas que proporcionam o princípio deintegração social. De alguma forma, os Territórios configuram o ser coletivo,o caráter das comunidades e desenham tipos diferenciados de sociabilidade(CODEVASF/PLANAP, 2006, vol. 08).

23

Figura 1 – Mapa dos Territórios da Macrorregião do SemiáridopiauienseFonte: CODEVASF/PLANAP – Síntese Executiva Uso da Terra, v. 13, 2006.

Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense

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24 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

A seguir, apresenta-se o processo de configuração dos Territóriosque compõem a Macrorregião do Semiárido piauiense:

A formação histórica do Território Vale do Rio Canindé estáestreitamente ligada ao município de Oeiras, que remete sua história aoséculo XVIII, ponto de partida para o povoamento do Estado e de outrascidades e municípios piauienses, sendo Oeiras a cidade mais antiga eprimeira capital do Estado. O mesmo é formado por dois Aglomeradosde municípios, o AG 16 e o AG 17 (CODEVASF/PLANAP, v. 7, 2006).

Dentre os fatores que contribuíram para a formação das cidadese municípios desse Território, o econômico foi o mais relevante, tendocomo atividades produtivas na época: a exploração da carnaúba parafabricação de cera, a extração e comercialização da borracha de maniçobae a pecuária bovina como a mais importante. O fator religioso tambémcontribuiu, pois os povoados, cidades e municípios foram surgindo emtorno de capelas e igrejas com a devoção dos fiéis aos santos e padroeiros.

Segundo dados do IBGE 2000, a população total do Território éde 123.537 habitantes, predominando a população rural, com 54,9%,em um total de 67.875 habitantes, contra 55.662 na zona urbana.

As atividades produtivas predominantes no Território são a criaçãode pequenos animais e a agricultura de sequeiro, praticada pelos agricultoresfamiliares para subsistência. O agronegócio apresenta-se como umaatividade que vem merecendo destaque com o aproveitamento dopotencial apícola para a produção de mel, comercializado no mercadonacional e com algumas entradas internacionais nos mercados dos EUA eda Europa. Outras atividades de destaque são ainda: a cajucultura e oartesanato em cerâmica.

A taxa de analfabetos chega a 38,6%; o IDH menor é 0,512 e omaior é 0,670; e a taxa de urbanização é 45,1%. As atividades econômicasem expansão na atualidade são: ovinocaprinocultura, apicultura ecajucultura e com tendências à implantação de novas atividades, oPLANAP (2006) aponta: mamona, ovinocaprinocultura, apicultura,cajucultura e extrativismo mineral.

O Território do Vale do Sambito é formado por municípios de

25

dois Aglomerados, AG 10 e AG 11, quase todos desmembrados domunicípio de Valença do Piauí, originário de numa aldeia de índios Aroazes.Os jesuítas chegaram ao local no início do século XVIII, onde levantaramum enorme templo de pedras próximo à nascente do rio Tábua. Em 1740,foi criada a freguesia de Nossa Senhora da Conceição, no povoado deAroazes. Em 1761, o povoado foi elevado à categoria de vila com onome de Valença. Com a Proclamação da República, passou à categoriade município. Em 1954, iniciou-se a divisão do município com odesmembramento para criação de novos municípios (CODEVASF/PLANAP, v. 6, 2006).

A economia do Território é baseada na agropecuária em expansão,contrastando com a inexistência de saneamento ambiental que permita asalubridade do meio físico, saúde e bem-estar da população.

A taxa de urbanização do Território é 56%; a taxa de analfabetosé 59,9% e o IDH é 0,597. As atividades produtivas estagnadas são:bovinocultura de corte, extrativismo da carnaúba, cultivo do milho e dacana de açúcar. Como atividades consolidadas têm-se a criação de ovinose caprinos e o cultivo da mandioca. As atividades em expansão são:apicultura, bovinocultura de leite, turismo, piscicultura, cajucultura,artesanato, horticultura, agroindústria, fruticultura e a criação de galinhacaipira.

O Território da Serra da Capivara é composto por trêsAglomerados: AG 18, AG 19 e AG 20. Da população total do Território,63% moram na zona rural, possuem um baixo nível de desenvolvimentohumano e têm como limitações a inexistência de saneamento ambientalpara provimento de condições de salubridade do meio físico, de saúde ede bem-estar da população (CODEVASF/PLANAP, v. 8, 2006).

Neste Território estão localizados dois Parques Nacionais (Serrada Capivara e Serra das Confusões) que pertencem ao grupo de Unidadesde Conservação de proteção integral e destinam-se á preservação integralde áreas naturais com características de grande relevância sob os aspectosecológicos, científico, beleza cênica, sítios arqueológicos em cavernas egrutas, com litogravuras de valor histórico, cultural, educativo e recreativo,

Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense

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26 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

vedadas as modificações ambientais e a interferência humana direta(CODEVASF/PLANAP, v. 8, 2006).

São atividades econômicas estagnadas no Território: avicultura,criação de bovinos para leite, ovinocaprinocultura e fruticultura. Asatividades em expansão são: apicultura, cajucultura, plantação da mamonae feijão, turismo ecológico e cultural e beneficiamento do umbu; a produçãoartesanal artística, lúdica, utilitária e de alimentos que utilizam como matéria-prima fibras, fios (algodão), argila, palha, frutos exóticos, sementes, plantasmedicinais, madeira, farinha de mandioca, mel, plantas ornamentais e tantasoutras se apresentam como alternativas (idem).

O Território de Desenvolvimento do Vale do Rio Guaribas estádividido em quatro Aglomerados de Municípios: AG 12, AG 13, AG 14 eAG 26, que, por sua vez, agrupam 39 municípios, todos no estado doPiauí, equivalente a 16,1% do total dos municípios piauienses. O Territórioocupa uma área de 22.059 km², equivalente a 6,7% da área territorial daBacia do Rio Parnaíba. A população residente no Território totaliza302.203 habitantes, o que equivale a 7,5% da população da bacia e umadensidade demográfica média de 13,7 hab./km² (CODEVASF/PLANAP,v. 6, 2006).

Os principais rios do Território são: Canindé, Itaim, Guaribas eRiachão, todos temporários; a água nos seus leitos só permanece duranteo período chuvoso. O aproveitamento socioeconômico desses rios ocorreainda de forma muito tímida, por meio da cultura de vazantes, irrigaçãopara culturas como feijão, milho, algumas hortaliças e alho, que já está emdecadência há alguns anos. Na realidade, existe um subaproveitamentodos recursos hídricos da região, tanto dos rios como das barragens e daágua subterrânea.

No setor de barragens, destaca-se o açude Bocaina, no municípiode Bocaina, com 106 milhões de m³, que, muito timidamente, vem sendoaproveitado para piscicultura, irrigação e abastecimento da população dealguns municípios vizinhos. Outros grandes açudes estão em construçãono Estado, como é o caso do açude Piaus que, segundo o governo, édestinado ao abastecimento de água à população das cidades sedes dos

27

municípios, por meio de adutoras, deixando a população rural sem acessoà água encanada.

De acordo com dados do IBGE de 2002, é esta a utilização dasterras no Território: 22% com lavouras permanentes e temporárias; 21%com pastagens naturais e artificiais; 38% com matas naturais e plantadas;11% com lavouras em descanso e produtivas não-utilizadas e 8% comterras improdutivas. Cerca de 50% das terras já sofreram ocupaçãohumana, mas as lavouras permanentes, temporárias e as pastagens têmmaior destaque. A agropecuária ocupa 26,9% das terras; as áreasurbanizadas, 0,11%; solo exposto, 0,01%; vegetação de mata ciliar 0,66%;vegetação de caatinga, 66,6%, vegetação de cerrado, 5,35%; e corposd’água, 0,30%. Constata-se claramente a degradação da mata ciliar, aolongo das margens dos rios temporários, e o predomínio da atividadeagropecuária em todo o Território.

Sobre a condição de ocupação, 58% são proprietários; 1%,arrendatários; 10%, parceiros e 31%, ocupantes. Percebe-se o expressivopercentual de ocupantes no Território, pessoas que têm a posse da terra,mas a mesma não está regularizada.

A maioria do Território é constituída por pequenos municípios.Do total de 39 municípios, 29 (81%) possuem população de até 10 milhabitantes e 14 (36%) possuem população inferior a cinco mil habitantes.

Além do mais, percebe-se o declínio e estagnação de atividadeseconômicas tradicionais e essenciais à sobrevivência dos agricultoresfamiliares, tais como: a cultura do algodão, da mandioca, do milho e acriação de suínos. Por outro lado, atividades e produtos extremamentevalorizados nos mercados interno e externo e na agroindústria estão emprocesso de expansão e consolidação com o discurso de sustentabilidade,desenvolvimento local e geração de emprego e renda, que recebem inclusivemaiores incentivos governamentais através das políticas públicas.

Pode-se citar o caso do cultivo da mamona para produção dobiodiesel, da expansão da apicultura, cajucultura, fruticultura e do artesanatovoltados especialmente para o mercado externo. Como ponto positivo,pode-se apontar a criação de pequenos animais (ovinos, caprinos e galinha

Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense

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28 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

caipira), que são mais adaptados à convivência com o Semiárido, além decontribuir para melhorar a alimentação da família, gerando renda emmomentos de dificuldades financeiras da família.

Em virtude das condições de pobreza do Estado, o governo federal,a partir de 2008, inseriu oito territórios de desenvolvimento no programa dosTerritórios da Cidadania, como se pode verificar na Tabela 1.

Variável Estado Território Participação (%)

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Municípios 223 169 75,78

Área 252.805,60 165.316,70 65,39

População 2.843.278 2.280.137 80,19

População Rural 1.054.688 831.867 78,87

Agricultores Familiares 190.737 156.983 82,30

Famílias Assentadas 26.578 18.880 71,04

Demanda Social 222.332 180.076 80,99

Bolsa Família 655.577 533.698 81,41

Quilombolas 33 33 100,00

Terras Indígenas 0 0 0,00

Pescadores 10.923 4.691 42,95

Número de Municípios

Alta Renda (*)

0 0 0,00

Número de Municípios

Baixa Renda(*) 31 29 93,55

Número de Municípios

Dinâmicos (*)

133 100 75,19

Número de Municípios

Estagnados (*)

58 39 67,24

Tabela 1. Aspectos gerais dos Territórios Rurais do Piauí

Fonte: Sistema de Informações Territoriais, Territórios Rurais, Caderno do Estadodo Piauí, 2009, v. 3.

29

São 169 municípios do Estado que estão inseridos nos territóriosda cidadania, correspondendo a 75,8% do total dos municípios. Apopulação dos territórios corresponde a 80,2% da população do Estado;a 78,9% da população rural do Estado e a 80,2% da população do Estadoestão concentradas nos territórios, onde o número de agricultores familiarescorresponde a 82,3% do total do Estado; 71,0% das famílias assentadas;uma demanda social de 81,0%; 81,4% de pessoas que recebem o Bolsa-Família; concentra 93,6% dos municípios de baixa renda; 75,2% demunicípios dinâmicos e 67,2% de municípios estagnados. Esses dadosconfirmam a situação de pobreza da maior parte da população do Estado.Dos 11 territórios de desenvolvimento, somente três ainda estão fora dosTerritórios da Cidadania.

Observando-se a Tabela 2, contata-se que os Territórios que fazemparte da macrorregião do Semiárido piauiense – Canindé, Capivara,Guaribas e Sambito – possuem 89 municípios, o menor número de famíliasassentadas e acampadas em relação aos outros Territórios e o número deagricultores familiares, 79.995, superior ao dos outros Territórios doEstado, mostrando o predomínio na macrorregião da agricultura familiar ea necessidade de recursos do PRONAF, além da realização da reformaagrária.

No entanto se percebe o declínio e estagnação de atividadeseconômicas tradicionais e essenciais para sobrevivência dos agricultoresfamiliares, tais como: a cultura do algodão, da mandioca, do milho e acriação de suínos. Por outro lado, atividades e produtos extremamentevalorizados no mercado interno, externo, na agroindústria estão emprocesso de expansão e consolidação com a perspectiva dasustentabilidade, desenvolvimento local e geração de emprego e renda,recebendo inclusive maiores incentivos governamentais.

Constata-se que, apesar nas “novas denominações”, as práticascontinuam antigas, pois as políticas públicas são ainda de cunho setorial,tentando uma separação entre as diversas atividades econômicas, seja noespaço rural, seja no espaço urbano, apesar do discurso oficial daabordagem territorial.

Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense

Page 16: Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

30 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

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31

Apesar das singularidades de cada Território da Macrorregião doSemiárido piauiense, encontram-se algumas atividades e problemas emcomum a todos. Como problemas, podem-se apontar o baixo índice dedesenvolvimento humano, as dificuldades de acesso a água pelaspopulações mais pobres, a preponderância da agricultura familiar desubsistência com dependência do período chuvoso, as dificuldades deacesso a terra, a serviços de educação, saúde, saneamento básico einfraestrutura básica para atender as condições mínimas de sobrevivênciada população.

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Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense

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34 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

SILVA, Roberto Marinho da. Entre o Combate à Seca e a Convivênciacom o Semi-Árido. Transições paradigmáticas e sustentabilidade dodesenvolvimento. Fortaleza, Série BNB Tese e Dissertações Nº 12, 2008.

35

CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO,ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO E DA SOCIEDADE

PIAUIENSE

Maria Tereza de Alencar1

Organização do território e da sociedade

O Piauí ficou relegado a um esquecimento de quase dois séculosapós o descobrimento do Brasil e só foi ocupado na segunda metade doSéculo XVII, quando bandeirantes baianos, paulistas e pernambucanoschegaram ao imenso espaço habitado por inúmeras nações indígenas. Aexpansão do território, segundo a maioria dos autores, deu-se do interiorpara o litoral, principalmente em função das grandes fazendas de gado,que deram origem às primeiras povoações, muitas delas, posteriormente,chegando à condição de vilas e cidades.

A exemplo do que ocorreu no Brasil, o Piauí herdou do períodocolonial um legado de exclusão social no qual o extermínio da populaçãonativa e a escravidão são as raízes mais fortes. Com a agravante, a baseeconômica de constituição da sociedade – a pecuária extensiva – colocao latifúndio como condição imprescindível ao funcionamento do sistemaque, sem ampliar os níveis de produção e de produtividade, condena oEstado a altos níveis de pobreza relativa e absoluta.

O atual espaço piauiense teve sua organização a partir do processode colonização portuguesa, em que o governo de Portugal doou grandesextensões de terras (sesmarias) a muitos fazendeiros que tinham o poderabsoluto em suas propriedades. A maior parte dos moradores das fazendas

1 Professora Assistente dos Cursos de Geografia da UESPI e do CESC/UEMA. Doutora emGeografia pela UFS. Coordenadora do Núcleo de Estudos, Projetos e Pesquisas sobre oSemiárido Piauiense - NUEPPS. E-mail: <[email protected]>.

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36 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

eram escravos, mas nelas viviam também pessoas livres: vaqueiros,rendeiros, posseiros e religiosos.

Ao longo do tempo, o poder quase absoluto dos fazendeiroscomeçou a ser contestado pelos moradores livres que tiveram o apoiodos religiosos e das autoridades do Maranhão. Por iniciativa do bispo deOlinda e do governador do Maranhão, foi realizado um comunicado sobrea situação dos moradores do Piauí. Como resultado dessascorrespondências, em 1701 foi realizada a anexação do Piauí aoMaranhão, que passou a administrar o espaço piauiense. Outra mudançafoi a criação da vila de Mocha, no Piauí, em 1712.

Com a instalação da vila da Mocha em 1717, teve início o processode organização político-administrativa do espaço piauiense, além de trazerautoridades representantes do governo português que começaram aadministrar esse espaço, diminuindo o poder dos fazendeiros.

Em 1718, o Piauí foi elevado à condição de capitania independente,no entanto, foi somente em 1759 que tomou posse o primeiro governador,o português João Pereira Caldas. A instalação do governo trouxe mudançasimportantes à sociedade piauiense, dentre as quais se destacam: areorganização político-administrativa com a criação de seis novos municípiose o início do processo de divisão político-administrativa do espaço piauiense.

O governador à época elevou a vila de Mocha à categoria decidade e capital da Capitania e modificou seu nome para Oeiras do Piahuy.Durante todo o período colonial, não houve qualquer mudança na divisãopolítico-administrativa da Capitania.

Com a proclamação da independência do Brasil, as capitaniaspassaram a ser denominadas de províncias e os governadores, depresidentes. Mesmo com essa mudança, a sociedade piauiense quase nãoparticipava da vida política da província, pois as leis da época só permitiama participação dos ricos, tanto para votar como para ser votado.

Durante o período imperial, os grupos políticos locais começarama se manifestar no sentido de dividir os municípios já existentes com afinalidade do exercício do poder, o que resultou na criação de 22 novosmunicípios, modificando a então configuração espacial da Província.

37

Foi a partir do Brasil República que houve uma intensa modificaçãono processo de divisão político-administrativa do Estado, com exceçãodos períodos da ditadura, em especial na Era Vargas (1930-1945). Durantea fase republicana, o extrativismo vegetal e a navegação pelo rio Parnaíbatornaram-se intensos, possibilitando o desenvolvimento do comércio noEstado e levando progresso às cidades e povoados localizados às margensdo rio. (ARAÚJO, 2006)

A promulgação da Constituição de 1946 dotou os municípios deautonomia política, administrativa, financeira, e, em consequência, asociedade passou a ter maior participação no processo político, apesarda restrição de voto aos analfabetos. Essa autonomia promoveu oaceleramento do processo de reorganização político-administrativa doespaço, com a instalação de 50 novos municípios.

Durante o governo militar (1964-1985), foi instalado somente 1município no Estado. No entanto, com a abertura política (restabelecimentodo voto direto e secreto, voto dos analfabetos, dos maiores de 16 anos epluripartidarismo), houve uma explosão na criação de novos municípiosno País. No período de 1985 a 2005, foram instalados, no Piauí, 108novos municípios, desmembrados dos já existentes, utilizando-se decritérios políticos eleitoreiros.

Durante os séculos XVII, XVIII e XIX, a pecuária extensiva e aagricultura de subsistência foram a base da economia piauiense. Enquantoos produtos da pecuária (boi vivo e couro) eram comercializados paraoutras Províncias ou para o exterior, a agricultura destinava-se a produziralimentos (arroz, feijão, milho e mandioca) para a população local. Astécnicas utilizadas eram e ainda são de baixa produtividade em váriasáreas do Estado. No Século XVIII, foram inseridos os cultivos do algodão(mercado externo) e da cana de açúcar (produção de açúcar).

Os fatos citados deixaram marcas profundas na sociedadepiauiense, resultado da elevada concentração fundiária, da exploração dotrabalho familiar e da dificuldade de acesso à terra por parte doscamponeses posseiros, parceiros, meeiros e rendeiros. O processo demodernização tecnológica da agropecuária piauiense, iniciado na primeira

Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense

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38 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

metade do século XX, gerou o trabalho assalariado e, consequentemente,a permanência de uma estrutura fundiária altamente concentrada.

Nos anos 50 do Século XX, o Piauí começou a sofrer umaintegração passiva à economia brasileira, vendo desarticularem-se suasindústrias voltadas para produção de bens de consumo e matérias primas.A partir da década de 70, com os maciços investimentos federais emobras de infraestrutura, empreendidas no objetivo de integração nacional,completou-se a inserção do Estado à economia nacional, consolidando-se a dependência dos recursos transferidos pela União.

A partir desse período, o Estado se insere no contexto daurbanização e modernização do País, intensificando seu processo deurbanização, em especial pelo crescimento do comércio e dos serviços queforam difundidos pelas cidades (sedes dos municípios), modificando hábitose costumes da sociedade piauiense ao longo da segunda metade do séculoXX. A maioria das cidades piauienses apresenta deficiências na oferta deatividades essencialmente urbanas para as populações do campo e da cidade.

O processo de modernização da rede viária do Estado facilitou acirculação de pessoas, mercadorias e informações, favorecendo odesenvolvimento dos centros urbanos e dos aglomerados rurais localizadosàs margens das estradas. Estes últimos vão se transformando, passando aapresentar comércio e serviços que são específicos das cidades. Já osmunicípios que apresentam taxas de urbanização mais elevadas situam-se aolongo dos principais eixos rodoviários federais e estaduais (ARAÚJO, 2006).

Espacialização atualO Piauí é um dos estados mais pobres do Nordeste e do Brasil,

fato comprovado a partir de indicadores socioecômicos levantados peloIBGE, PNAD e por órgãos do próprio governo estadual, como seráexposto a seguir.

No período 1991-2000, o índice de Desenvolvimento HumanoMunicipal (IDH-M) do Piauí cresceu 15,9%, passando de 0,566 em 1991para 0,656 em 2000. A dimensão que mais contribuiu para este crescimentofoi a educação, com 53,9% seguida pela renda, com 24,5% e pela

39

Macrorregião IDH IDH Renda

Litoral 0,542 0,464

Meio -Norte 0,655 0,548

Semi -Árido 0,581 0,488

Cerrados 0,610 0,490

longevidade, com 21,6%. Nesse período, a distância entre o IDH doEstado e o limite máximo do IDH foi reduzido em 20,7%. Entre os Estadosdo Brasil, o Piauí apresentava, ao final daquele período, uma situaçãoruim, ocupando a 25ª posição. Em 2005, o índice subiu para 0,730,constatou-se variação positiva de 24,2% entre 1991 e 2007 e de 7,16%entre 2000 e 2005.

O IDH do Piauí em 2008 foi de 0,703, 25º lugar em relação aosdemais estados do País, acima da média nacional (0,699) e da regiãoNordeste (0,610). Houve um crescimento em relação a 2001, e os fatoresque, no Estado, contribuíram para esse aumento foram a educação e apresença de políticas sociais como o Bolsa-Família do governo federal ea aposentadoria rural. O IDH de longevidade em 2005 foi de 0,723, 24ºlugar em relação aos demais estados brasileiros. O IDH educação passoupara 0,779 em 2005, mas, apesar do crescimento em relação a 2000(0,730), ainda representava uma posição desfavorável em relação aosdemais estados brasileiros. O IDH renda passou de 0,583 em 2000 para0,608 em 2005, índice ainda considerado baixo em relação aos demaisestados brasileiros.

Por macrorregiões do estado do Piauí, em 2000, conforme mostradona Tabela 1, o IDH refletia o elevado nível de pobreza da população localno período, principalmente ao se particularizar o indicador renda.

Tabela 1. IDH das macrorregiões do estado do Piauí, 20001

1 IDH calculado pela média dos IDHs dos municípios de cada macrorregiãoFonte: IBGE, 2005. CODEVASF/PLANAP, 2006. v.14.

Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense

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40 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

A macrorregião de menor IDH e de IDH renda é a do Litoral,seguida da macrorregião do Semiárido, mostrando que a pobreza doEstado não é exclusividade do Semiárido e tampouco tenha a questãoclimática como fator determinante.

Por situação de domicílio, em 1991, a população urbana do Piauícorrespondia a 1.367.184 habitantes (taxa de urbanização de 53,0%) e,em 2000, a 1.788.590 habitantes (taxa de urbanização de 62,9%).Naquele mesmo período, a população rural passou de 1.214.953 para1.054.680 habitantes, o que demonstra uma diminuição da populaçãorural e um significativo aumento da população urbana. Na Tabela 2, pode-se verificar o constante aumento da população urbana e a diminuição dapopulação rural do Estado.

Tabela 2. Distribuição da população por situação de domicílio – 1991/2008

Fonte: IBGE/Censo Demográfico-1991/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios- PNAD- 2004-2008.

Existe uma discrepância muito grande com relação à populaçãoresidente nos municípios piauienses – na realidade, uma macrocefalia, naconcepção de Santos (1994) –, em que somente um município, Teresina,apresenta, atualmente, uma população de quase 800 mil habitantes, comopode se verificar nas estimativas da população residente, realizadas peloIBGE e mostradas na Tabela 3. Ou seja, 90,1% dos municípios possuem

PiauíPopulação

1991 2004 2007

Total 2.582.137 2.982.725 3.032.421

Urbana 1.367.184 1.861.501 1.944.840

Rural 1.214.953 1.121.224 1.087.581

Taxa de Urbanização 52,95 62,41 64,13

41

população de até 20.000 habitantes e apenas 44,8% da população doEstado residem nesses municípios, contrastando com a concentração nosmunicípios com população acima de 20.000 mil habitantes.

Tabela 3. Número de municípios por tamanho da população residenteestimada: Piauí – 2005

Fonte: IBGE/Estimativas das Populações Residentes em 01/07/2005.

No período de 1991 a 2000, a taxa de mortalidade infantil noEstado diminuiu 27,0%, passando de 64,7 (por mil nascidos vivos) em1991 para 47,3 (por mil nascidos vivos) em 2000, e, em 2004, foi de31,6. A esperança de vida ao nascer cresceu 3,5 anos, passando de 60,7anos em 1991 para 64,2 anos em 2000. Em 2004, passou para 67,8anos. Na Tabela 4 verifica-se a evolução dos indicadores demográficos

Número deMunicípios

População ResidenteEstimada

Classes de Tamanho daPopulação (Habitantes)

Quantidade % Total %

Piauí 223 100,0 3.006.885 100,0

Até 5.000 90 40,36 339.465 11,29

De 5.001 até 10.000 78 34,98 536.025 17,83

De 10.001 até 20.000 33 14,80 470.578 15,65

De 20.001 até 50.000 17 7,62 540.589 17,9

De 50.001 até 100.000 3 1,34 189.516 6,30

De 100.001 até 500.000 1 0,45 141.939 4,72

Mais de 500.000 1 0,45 788.773 26,23

Nordeste 1.793 - 51.019.091 -

Brasil 5.564 - 184.184.264 -

Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense

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42 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

do Estado no período de 1999 a 2007.

Tabela 4. Indicadores Demográficos: Piauí – 1999/2007

Fonte: IBGE/Síntese dos indicadores sociais – 1999 e 2007.

A renda per capita média do Estado cresceu 48,1%, passandode R$ 87,12 em 1991 para R$ 129,02 em 2000. A pobreza (medida pelaproporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$ 75,50,equivalente à metade do salário mínimo vigente em agosto de 2000),diminuiu 17,0%, passando de 74,5% em 1991 para 61,8% em 2000.Segundo os resultados da PNAD 2008, o Piauí apresenta o nível de saláriomais baixo do País. A desigualdade cresceu: o Índice de Gini passou de0,6 em 1991 para 0,7 em 2000 (ARAÚJO, 2006). A proporção de pobres

Piauí Nordeste Brasil

Discriminação1999 2004 2007 1999 2004 2007 1999 2004 2007

Taxa de Fecundidade

Total

Taxa Bruta de

Natalidade

Taxa Bruta de

Mortalidade

Esperança de Vida ao

Nascer

Razão de Dependência

2,5

24,2

7,4

65,3

66,7

2,4

22,6

6,7

67,8

57,6

2,1

20,9

6,4

68,9

53,4

2,6

24,3

7,7

65,5

65,4

2,3

20,6

6,3

71,7

51

2,3

19,7

6,6

69,7

54,7

2,3

21,2

6,9

68,4

55,4

2,3

21,5

6,9

68,6

57,3

1,7

16,7

6,2

72,7

48,6

43

Domicílios ParticularesClasse de Rendimento Mensal

Domiciliar (Salário Mínimo)* Total Urbana Rural

Total 750.786 483.269 267.517

Até 1 199.581 89.862 109.719

1 a 2 218.917 137.411 81.506

2 a 3 135.326 88.820 46.506

3 a 5 89.343 72.622 16.721

5 a 10 64.784 56.945 7.839

10 a 20 18.282 16.191 2.091

20 e mais 16.197 15.674 523

Sem Rendimento** 4.700 2.088 2.612

Sem Declaração 3.356 3.656 -

em 2000 correspondia a 61,8 %, índice muito elevado, conformemostrado na Tabela 5.

Tabela 5. Domicílios particulares permanentes por situação dedomicílio, segundo as classes de rendimento mensal no Piauí

Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD- 2004.(*) Exclusive os rendimentos dos moradores cuja condição no domicilio era de

pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico.(**) inclusive os domicílios cujos moradores recebiam somente benefícios.

Apesar de a maioria dos municípios piauienses possuírem suaseconomias baseadas na agropecuária, percebe-se claramente nacomparação dos dados do Censo Agropecuário de 1995-1996 com osresultados preliminares do Censo Agropecuário de 2006 – Tabelas 6 e 7– que não houve avanços nas atividades relacionadas, com exceção da

Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense

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44 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

área (hectares) ocupada pela lavoura e do aumento de trabalhadorescontratados sem vínculo empregatício com o produtor.

Tabela 6. População ocupada segundo a atividade: Piauí, Nordeste,Brasil – 2004

Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – 2004.

Tabela 7. População ocupada segundo a atividade: Piauí, Nordeste,Brasil – 2008

Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – 2008.

A estrutura fundiária no Estado, segundo dados de 2001 (Tabela8), continua altamente concentrada, pois 75,9% da área total do Estado éocupada por propriedades de mais de 100 hectares, das quais 7,3% estãona faixa de 5.000 até 10.000 hectares; e 1,4% acima de 10.000 hectares,chegando até 50.000 hectares. Quando se confronta a área ocupada como número de estabelecimentos, verifica-se que 80,8% dos estabelecimentosocupam 23,4% da área com até 100 hectares. Já 19,2% dosestabelecimentos ocupam uma área de 75,9%, definindo claramente a

Discriminação Piauí Nordeste Brasil

Total

Agrícola

Não-agrícola

1.580.988

769.606

811.382

22.413.607

8.111.827

14.301.780

84.596.294

17.733.835

66.862.459

Discriminação Piauí Nordeste Brasil

Total

Agrícola

Não-agrícola

1.677.000

748.483

928.517

23.940.000

7.769.000

16.171.000

89.899.000

16.536.000

73.363.000

45

Estabelecimentos Área TotalGrupos de Área (ha)

(nº) (%) (ha) (%)

Total

Até 5

Mais de 5 até 10

Mais de 10 até 50

Mais de 50 até 100

Mais de 100 até 500

Mais de 500 até 1000

Mais de 1000 até 5000

Mais de 5000 até 10000

Mais de 10000 até 50000

107.754

11.240

10.361

46.488

18.954

17.077

2.107

1.397

119

11

100,00

10,43

9,61

43,14

17,59

15,85

1,96

1,30

0,11

0,01

11.611878,8

31.333,8

80.488,6

1.300.338,7

1.389.609,5

3.529.850,8

1.489.344,8

2.777.981,8

849.985,3

162.945,5

100,00

0,27

0,69

11,20

11,97

30,40

12,83

23,92

7,32

1,40

concentração de grande quantidade de terra nas mãos de uma minoriaprivilegiada de grandes agricultores.

Tabela 8. Número de estabelecimentos e área total, segundo gruposde área – Piauí: 2001

Fonte: INCRA/SNCR – Sistema Nacional de Cadastro Rural.Nota: Dados referentes a 02.03.2001.

A partir do Censo Agropecuário 2006, quando se analisa o Índicede Gini, utilizado para medir os contrastes na distribuição do uso da terra,percebe-se que, no período intercencitário 1996-1996 a 2006, o Brasilainda apresentava alto grau de concentração, expresso por 0,856, em1995, e 0,872, em 2006. Nesse período, o Estado do Piauí apresentou

Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense

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46 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

uma evolução do Índice de Gini de 0,896 (1985), 0,873 (1995) e 0,855(2006), demonstrando ainda uma elevada concentração de terras.

Na composição do PIB do Piauí (Tabela 9), dentre os três grandessetores da economia, historicamente é o setor terciário que detém a maiorrepresentação (74,2% em 2009), seguido dos setores secundário e primáriocom, respectivamente 18,2% e 7,6%. A indústria se destaca com umcrescimento de 6,1% em 2007 com relação ao ano de 2002, com destaquepara a construção civil. A taxa de crescimento para o setor de serviços foide 2,4%, influenciada pela participação do comércio. Já o setoragropecuário ficou com taxa negativa de 10,4% no período entre 2002 e2007 (ROCHA FILHO, 2008).

Tabela 9. Composição do PIB do Piauí

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Regionais. In: PPA2008/2009.

Estes dados não significam que o setor terciário seja o mais dinâmicoe moderno do Estado. Aí está concentrada a maioria dos trabalhadoresinformais da capital e das médias e pequenas cidades do Estado, bemcomo os trabalhadores do setor público, demonstrando o restritocrescimento dos setores primário e secundário para absorção de mão deobra e geração de trabalho e renda.

O grau de pobreza econômica e social dos municípios piauienses

Setores da Economia Ano Ano Ano Ano Ano Ano

Primário

Secundário

Terciário

Total

1998

8,4

27,5

64,1

100,0

2003

12,1

27,4

60,5

100,0

2004

12,6

27,2

60,2

100,0

2007

8,22

16,94

74,84

100,0

2008

7,98

18,11

73,91

100,0

2009

7,6

18,21

74,18

100,0

47

pode ser constatado mediante análise das principais receitas municipais(ISS e o IPTU) que, em 2004, correspondiam a menos de 4% da receitatotal dos municípios; os quase 96% restantes são oriundos dastransferências governamentais (FPM, 51,1%; FUNDEF, 32,6%; eICMS,11,9%) (CODEVASF/PLANAP, v.14, 2006).

Outro fator que comprova a pobreza no Estado é representadopelo volume de transferência de renda do governo federal para o Estadoem 2008, como pode ser constatado nas informações da Tabela 10.Somando-se os aportes provenientes dos Programas de Transferência deRenda, Assistência Social e Segurança Alimentar naquele ano, a estimativade pessoas beneficiadas foi de 2,4 milhões, e o volume de recursos,estimado em 740 milhões de reais, mostrando a expressiva dependênciado Estado dos recursos repassados pelo Governo Federal (MINISTÉRIODO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2008).

Tabela 10. Programas de transferência de renda do governo federalpara o estado do Piauí em 2008

Fonte: BRASIL/MDS, 2009.

O PIB e o PIB per capita no Piauí em 2005 apresentaram umagrande disparidade entre as macrorregiões, conforme mostrado na Tabela11, evidenciando a concentração econômica na capital do Estado, Teresina.

Programa Nº Famílias Valores (R$)

Bolsa Família 366,8 mil 33,1 milhões

Auxílio Gás 9,6 mil 144, 6 mil

Total 3.766,4 mil 33,2 milhões

Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense

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48 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

Espaço PIB R$ % População % PIB per capita

R$

Litoral 538.304.000 1.407,00

Meio-Norte 5.603.401.000 2.129,00

Semi-Árido 1.040.452.000 1.538,00

Cerrados 1.055.443.000

6,6

68,0

12,6

12,8

382.525

2.632.389

676.716

583.729

8,9

61,6

15,8

13,7 1.808,00

Tabela 11. Piauí: PIB e PIB per capita das Macrorregiões em 2005

Fonte: IBGE, 2005. In: CODEVASV/PLANAP, v.14, 2006.

Localizado na parte oeste do Nordeste brasileiro, entre o Meio-Norte úmido e o Nordeste semiárido, o Piauí ocupa uma área de 251.311,5km², representando 16,2% da área da região Nordeste, e em 2004, tinhauma população de 2,8 milhões de habitantes, distribuída em 223 municípios,porém concentrada na capital e na macrorregião Centro-Norte piauiense(IBGE, 2000). Em virtude das transformações na organização do espaço,o Estado foi dividido pelo IBGE (1960) em 11 microrregiões homogêneas.Para realizar essa divisão, utilizou-se como base a organização da produçãoda agricultura e da indústria.

Na década de 70 do Século XX as microrregiões piauienses foramagrupadas por suas semelhanças, formando, então, três mesorregiões.Na década de 80, com o processo de desenvolvimento econômico e acriação de novos estados e municípios, houve uma alteração na organizaçãodo espaço brasileiro, levando o IBGE a atualizar as divisões em meso emicrorregiões do País. Os critérios utilizados foram: o processo social, oquadro natural e a articulação do espaço (ARAÚJO, 2006). Em razãodisso, o Piauí foi dividido em 15 microrregiões, agrupadas em quatromesorregiões. Essa divisão foi aprovada em 1989 e somente adotada em01 de janeiro de 1990. A partir desse ano, a criação de novos municípiosno Estado modificou a composição das microrregiões no território

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piauiense, como mostrado nas Figuras 1 e 2.A partir de 2003, em virtude das modificações nas estratégias de

planejamento e implantação de políticas públicas no âmbito federal (PNDR,PNDE, PDSA) e da necessidade de um plano de ordenamento territorialconvergente com o processo de globalização, o Estado do Piauí apresentasua proposta de regionalização, com a elaboração do projeto CenáriosRegionais do Piauí e consiste em uma estratégia de desenvolvimento eplanejamento de médio e longo prazo. Nesse projeto, a ênfase foi naatuação dos planos local e regional, privilegiando como instrumentos aconsulta e a participação efetiva dos municípios e comunidades nas quaispretendem atuar.

Trata-se, portanto, da implantação de políticas públicas, por meiode uma ação integrada de planejamento que envolve todos os órgãos,programas e projetos do governo do Estado, as organizações da sociedadecivil e empresas privadas mediante um conjunto de atividades regionaiscapazes de estimular a participação e o engajamento cooperativo dasdiversas instituições para promoção do desenvolvimento sustentável(PIAUÍ, 2003).

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Figura 1. Mapa do Piauí: MicrorregiõesElaboração: Geógrafo Msc. Francisco de Assis Araújo – CESC/UEMA.

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Figura 2. Mapa do Piauí: MesorregiõesElaboração: Geógrafo Msc. Francisco de Assis Araújo – CESC/UEMA.

Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense

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52 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

A partir do Projeto Cenários Regionais, o Poder Legislativo decretae o Governador sanciona a Lei Complementar Nº 87, de 22 de agosto de2007, que estabelece o Planejamento Participativo Territorial para oDesenvolvimento Sustentável do Estado do Piauí e cria, para fins deplanejamento governamental, 28 Aglomerados e 11 Territórios deDesenvolvimento, agrupados em quatro Macrorregiões. A partir docruzamento das variáveis ambientais, sociais, econômicas e político-institucionais, foi estabelecida a divisão em macrorregiões com base nascaracterísticas físicas, nas potencialidades de produção e na dinâmica dedesenvolvimento, como mostrado na Figura 3. Como essa divisão aindaestava muito abrangente para a elaboração de uma proposta dedesenvolvimento que agregasse elementos de abordagem participativa,optou-se pela divisão das macrorregiões em Territórios deDesenvolvimento. Considerando o estudo das vocações produtivas e asdinâmicas de desenvolvimento das regiões, foi estabelecida uma divisãoda Bacia do Parnaíba em 11 Territórios de Desenvolvimento, como indicadona Figura 4. O estudo foi adequado aos estudos da SEPLAN-PI que jáhaviam sido iniciados (BRASIL, 2006).

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Figura 3. Mapa das Macrorregiões do Estado do PiauíFonte: ATLAS DA BACIA DO PARNAÍBA, CODEVASF/ PLANAP, 2006.

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54 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

Figura 4. Mapa dos Territórios de Desenvolvimento do Estadodo PiauíFonte: ATLAS DA BACIA DO PARNAÍBA, CODEVASF/PLANAP, 2006.

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Os Territórios de Desenvolvimento foram divididos emAglomerados de municípios. Os critérios para a configuração dosAglomerados foram:

- Proximidade geográfica entre os municípios, correspondente aum raio de 50 km;

- Estabelecimento de alguma forma de transação comercial,utilização do sistema de saúde, educação, feira, municípios desmembradoscom os municípios já estabelecidos;

- Proximidade com as cidades de referências dos territórios de

desenvolvimento;

- Existência de malha viária que facilite o deslocamento dapopulação entre os municípios.

Os Aglomerados são formados por municípios que mantêmrelações socioeconômicas e de proximidade entre si e alguns podem serconsiderados como cidades locais e estariam mais próximos de formaremmicrorregiões mais inter-relacionadas às cidades polos (Figura 5).

Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense

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Figura 5. Mapa dos Aglomerados de Municípios do Estado do PiauíFonte: ATLAS DA BACIA DO PARNAÍBA, CODEVASF/PLANAP, 2006.

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Os Territórios de Desenvolvimento Sustentável constituem asunidades de planejamento da ação governamental, visando à promoçãodo desenvolvimento sustentável do Estado, à redução das desigualdadese à melhoria da qualidade de vida da população piauiense através dademocratização dos programas e ações e da regionalização do orçamento.(PIAUÍ, 2007c)

A ação governamental será efetivada mediante a formulação doPlano Plurianual de Governo, das Diretrizes Orçamentárias, do OrçamentoAnual, dos Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios e doPlano de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Piauí. O PlanoPlurianual 2008-2011 foi elaborado tendo como referência a visão territorialdo Estado do Piauí a partir de uma estratégia de planejamento de médio elongo prazo, com ênfase na atuação dos planos local e regional, privilegiandocomo instrumentos a consulta e a participação efetiva da sociedade.

No Plano, a compreensão de territorialidade toma como base oconjunto das relações simbólicas que se estabelecem entre as pessoasque ocupam determinada região e mantêm suas tradições, em um campode forças e de relações de poder econômico, político e cultural. Isto é asobreposição do elemento humano ao espaço físico. E, a partir da visãoterritorial, dá-se o estabelecimento de políticas que contemplam asparticularidades, problemas e potencialidades de cada território (PIAUÍ,2007a).

Fazendo uma análise da proposta de regionalização do Estado apartir dos Cenários Regionais e buscando compreender a concepção deterritório utilizada, percebe-se que este é delimitado a partir de uma basefísica, que são as bacias e sub-bacias hidrográficas do Estado, que dãonome aos Territórios. Subentende-se que esses territórios funcionam maiscomo sub-regiões dentro de várias macrorregiões, interligados aosmunicípios polos do Estado, cumprindo somente mais uma exigência doplanejamento e das políticas públicas instituídos em nível federal. Noentanto, a regionalização já vem sendo utilizada em todos os projetos dosgovernos estadual e federal, inclusive no PPA 2008-2011 do Estado.

Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense

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58 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

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62 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto 63

CONCEPÇÕES DE DESENVOLVIMENTO:CONVIVÊNCIA E SUSTENTABILIDADE NO SEMIÁRIDO

BRASILEIRO

Roberto Marinho Alves da Silva1

A questão do desenvolvimento tem sido uma das principaispreocupações das sociedades humanas. Sob diversos enfoques econcepções, o desenvolvimento sempre foi interpretado e almejado comouma promessa do futuro, como uma situação de conforto pela satisfaçãodas necessidades, ampliando as capacidades e a liberdade humana. Como advento da modernidade, o progresso passou a ser a expressão dacapacidade racional, cujas finalidades são a ampliação das riquezasmateriais e a geração de bem-estar.

No entanto, essa concepção moderna de desenvolvimentoencontra-se em crise. A promessa de futuro foi concretizada em algunspaíses e para apenas uma parte da humanidade. A degradação do meioambiente e o agravamento das desigualdades sociais, frutos desse modelo,colocam em risco as gerações presentes e futuras. Conquistar novasestratégias e objetivos de um desenvolvimento sustentável são desafiosque se colocam para a humanidade.

Esse desafio também está colocado para o semiárido, um espaçodo território brasileiro marcado pelas contradições do desenvolvimento.Apesar do recente processo de modernização econômica na região, coma incorporação de novas áreas e setores dinâmicos, em sua maior parte,constata-se a estagnação ou a lentidão econômica e a permanência de

1 Professor Adjunto do Departamento de Serviço Social da UFRN. Diretor do Departamentode Estudos e Divulgação da Secretaria Nacional de Economia Solidária no Ministério doTrabalho e Emprego. Contato: <[email protected]>.

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64 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

indicadores sociais abaixo das médias nacional e regional. A situaçãoestrutural de pobreza ainda se transforma em calamidade nos períodosprolongados de seca na região.

Essa situação é constatada e debatida há muito tempo. Na maioriadas vezes, porém, os diagnósticos e proposições referem-se ao semiáridocomo um espaço-problema, terra das secas, explicação do atrasoeconômico regional. Será, então, possível modificar, substancialmente, essarealidade, superando problemáticas socioeconômicas e ambientais?

Desde a primeira metade do século XX, constrói-se um“pensamento crítico” sobre as concepções e práticas de “combate à secae aos seus efeitos” e de “modernização econômica conservadora”. A partirda década de 80, novos atores sociais2 resgatam e desenvolvem propostase práticas orientadas pelo desenvolvimento sustentável que possibilite aharmonização entre a justiça social, a prudência ecológica, a eficiênciaeconômica e a cidadania política.

O presente artigo busca explicitar os significados e sentidos dasustentabilidade na perspectiva da “convivência”, enquanto síntese de umconjunto de práticas socioeconômicas alternativas e de diretrizes culturaise políticas para o desenvolvimento do semiárido brasileiro3.

O Paradigma da Sustentabilidade do Desenvolvimento

A capacidade criativa e criadora dos seres humanos possibilita odesenvolvimento de alternativas para a satisfação das necessidades básicasde sobrevivência e a busca permanente do conforto e da felicidade. A

2 No Semiárido, um conjunto significativo de organizações, como as ONG’s, pastoraispopulares da Igreja Católica, movimentos sociais do campo, centros de pesquisa euniversidades, passaram a valorizar os processos de sensibilização, de valorização desaberes locais, de diálogo e de participação sócia visando à mobilização e à cooperaçãoativa e consciente da população, na busca de solução para suas problemáticas.

3 Trata-se de Tese de Doutorado elaborada pelo autor, sob o título: “Entre o Combate à Secae a Convivência com o Semiárido: transições paradigmáticas e sustentabilidade dodesenvolvimento”. A Tese foi publicada pelo Banco do Nordeste, em 2008.

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ideia de progresso tem suas raízes no século XVIII, no período de ascensãoda filosofia iluminista que proclamou a idade da razão e propôs a evoluçãocultural da humanidade, como a conquista da sabedoria, enfatizando asuperioridade da ciência e da tecnologia. Essa concepção de racionalizaçãodas instituições e das atividades humanas convergiu com a ideologia docapitalismo nascente sobre a eficiência produtiva, como a possibilidadede ampliação acelerada das riquezas e da conquista do bem-estar.

A atual concepção hegemônica do desenvolvimento deriva desseparadigma do progresso. A industrialização possibilitou a produção emmassa de bens de consumo cada vez mais sofisticados. A sociedadecontemporânea passou a se mover em torno de uma “[...] visão otimistada história e da capacidade infinita de inovação tecnológica que permitiriauma dinâmica sem limites do processo de transformação da natureza embens e serviços” (BUARQUE, 1990, p. 132). No entanto,contraditoriamente, o padrão de desenvolvimento capitalista também limitaa satisfação do consumo ao gerar as desigualdades sociais. A promessahistórica do progresso técnico e do crescimento econômico constante serealiza apenas para uma parte da sociedade. Em alguns casos, ao contrárioda promessa, promove a máxima exploração dos recursos naturais eintroduz técnicas sofisticadas que substituem o trabalho humano, levandoa uma degradação das condições de vida de maioria da população. Essemisto de realização e frustração constitui uma crise civilizatória.

Manifestações críticas sobre o modelo hegemônico de crescimentoeconômico vêm se formulando desde o emergir da Revolução Industrial.Essas críticas constituem a base de um novo paradigma de desenvolvimento.Ainda na primeira metade do século XX, Josué de Castro, ao trazer otema da fome e do subdesenvolvimento para o centro dos debates,ressaltava a importância do desenvolvimento dos povos, promovendomudanças estruturais, sociais, nas condições sanitárias e alimentares comoforma de superar as desigualdades sociais.

Seria necessária uma reconversão do tipo de desenvolvimentoque conduzisse a uma “ascensão humana” por meio de mudanças sociaissucessivas e profundas: “Só há um tipo de verdadeiro desenvolvimento: o

Concepções de Desenvolvimento: Convivência e Sustentabilidade no Semiárido Brasileiro

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66 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

desenvolvimento do homem. O homem, fator de desenvolvimento, ohomem beneficiário do desenvolvimento” (CASTRO, 2003, p. 105).

A crítica ao “mito do crescimento econômico”, formulada no inícioda década de setenta, não resulta, necessariamente, numa postura denegação radical do desenvolvimento. Celso Furtado (1974; 1980), porexemplo, propõe que o desenvolvimento deveria ser concebido como um“projeto social”, como uma orientação política e social que possibilitassea transformação global da sociedade. O crescimento econômico seria uminstrumento a serviço dessa transformação, combinando a produção dasriquezas necessárias à satisfação das necessidades de toda a população,com a incorporação de direitos (humanos, civis, culturais, sociais eeconômicos), preservando o equilíbrio ecológico. É essa a base dopensamento sobre o desenvolvimento sustentável.

Nas últimas décadas, foi agregado um novo componente no debatesobre os significados do desenvolvimento: a questão ambiental. Esta éuma conquista recente da humanidade, como reação crítica às práticaspredatórias dos recursos naturais. Os grandes desastres ambientais e osriscos futuros para a humanidade provocaram, a partir da década desessenta, o surgimento do movimento ambientalista, colocando em debatea questão dos limites do crescimento econômico, sob a ótica da escassezdos recursos naturais e das capacidades de suporte do planeta Terra. Osalertas e críticas tiveram repercussões éticas e epistemológicas de alcancemais profundo, influenciando o pensamento sobre o desenvolvimento,reconciliando ser humano e natureza.

O debate ambiental passou também a dar ênfase às relações entrea questão ambiental e as condições sociais. A relação entre a questãoecológica e as condições sociais de pobreza tornou-se uma preocupaçãorecorrente, enfatizando a necessidade de um desenvolvimento com “[...]distribuição mais justa da renda, a conservação dos recursos e enfatizandotécnicas limpas de produção” (SACHS, 1993, p. 21).

No entanto, mais uma vez havia a tendência de a economia sersobreposta às outras dimensões do desenvolvimento, apropriando-se, aoseu modo, do conceito de sustentabilidade. Interpretado sob o predomínio

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da lógica econômica, o significado do desenvolvimento sustentável foireduzido ao de um “desenvolvimento que perdura no tempo”, como umdesenvolvimento duradouro que leva em consideração o bem-estarhumano e o respeito pelos sistemas naturais de que depende.

A reação de parte do movimento ambientalista e de teóricos dodesenvolvimento sustentável articulava argumentos éticos e políticos nacrítica aos desvios dessas concepções mecanicistas de sustentabilidadeque atendiam aos interesses de legitimidade do processo econômico. Acrítica ambiental ao economicismo desenvolvimentista mostrava que asustentabilidade do desenvolvimento não seria possível com a manutençãode um modo de produção que transforma tudo em mercadoria – inclusivea vida dos diversos seres – e depende da ampliação constante do consumopara sua expansão.

Apesar de permanecerem, até hoje, as divergências sobre osconteúdos e significados da sustentabilidade do desenvolvimento do pontode vista conceitual e político, existem avanços significativos na formulaçãode princípios, critérios e estratégias para promoção da sustentabilidadedo desenvolvimento, tendo por base a transformação das relações entreas pessoas e a natureza: “[...] baseada na consciência da fragilidade efinitude da terra [...] e na autocompreensão radical do vínculo de pertinênciado homem à natureza” (BARTHOLO JÚNIOR, 1984, p. 80).

O desenvolvimento sustentável expressa, portanto, uma açãocultural; é a construção de uma nova racionalidade contextualizada dodesenvolvimento, ou seja, deve considerar as diferentes realidadessocioambientais, valorizando a diversidade cultural dos povos. No entanto,as mudanças culturais, enquanto transições paradigmáticas, envolvemdisputas que somente são resolvidas em longo prazo (SANTOS, 2001).Nesse sentido, deve-se reconhecer a importância dos processos culturaisde resgate e construção de novos referenciais de pensamento (consciência)e do agir (comportamento). É essa a orientação construída para odesenvolvimento sustentável no semiárido brasileiro com base naperspectiva da “convivência”.

Concepções de Desenvolvimento: Convivência e Sustentabilidade no Semiárido Brasileiro

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68 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

Convivência: A Sustentabilidade no Semiárido Brasileiro

Está em construção uma proposta alternativa de enfrentamento esuperação das problemáticas sociais, econômicas e ecológicas no semiáridobrasileiro. Ela se formula ao longo da história das crises regionais, comouma crítica ao pensamento e à política de combate à seca e aos seusefeitos, e ainda ao modelo de modernização econômica conservadora.No período mais recente, essa construção recebeu influências do debatesobre o desenvolvimento sustentável que se constitui em um novoparadigma civilizatório.

Tanto o pensamento crítico quanto as novas contribuições dasustentabilidade são constitutivos da proposta de “Convivência com osemiárido”. No entanto, essa proposta se há interpretado de forma variada,gerando questionamentos diversos. Em alguns casos, é vista como umaproposta de acomodação ou de passividade diante dos fenômenos econdições naturais. Em outros, é vista como simples apelo à conformidadedas tecnologias e práticas produtivas da semiaridez. Essas interpretaçõesdescaracterizam a complexidade da convivência. Daí a necessidade deresgatar os seus vários sentidos e significados.

Deve-se considerar que a convivência expressa uma mudança napercepção da complexidade territorial e possibilita construir ou resgatarrelações de convivência entre os seres humanos e a natureza. Nesse sentido,a convivência é uma proposta cultural que visa contextualizar saberes epráticas (tecnológicas, econômicas e políticas) apropriados à semiaridez,considerando também as compreensões imaginárias da população localsobre esse espaço, suas problemáticas e potencialidades. Conviver é dotarde um sentido todas essas práticas e concepções inovadoras, ampliandoa adesão significativa dos sujeitos às mesmas. Para isso, é preciso superaro “monopólio do sentido” que está sempre presente, de forma explícitaou velada, nas proposições e projetos descontextualizados (pacotestecnológicos, produtivos e socioculturais).

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O sentido ambiental da convivência

A convivência com o meio ambiente é um imperativo fundamentalpara o manejo e uso sustentável dos recursos naturais num ecossistemasem inviabilizar a sua reprodução. Implica uma nova orientação para asatividades humanas, buscando conciliar os limites naturais à intervençãohumana. É importante aprender a viver em harmonia com o código danatureza, buscando a adaptação ao seu habitat, e não a partir de umarelação de estranhamento, de destruição ou de combate. O sentido daimperiosa convivência com o semiárido foi formulado por GuimarãesDuque (1996, p. 9): “Outrora o conceito de seca era aquele de modificaro ambiente para o homem nele viver melhor. A ecologia está nos ensinandoque nós devemos preparar a população para viver com a semi-aridez,tirar dela as vantagens”.

Os avanços da ecologia permitiram esse reconhecimento dareciprocidade entre os diversos seres vivos como condição de equilíbriodo espaço comum vivido. Daí o significado da convivência comocoabitação num mesmo espaço ou a interdependência entre os diversosseres vivos. A coabitação requer a constituição de novas formas de pensar,de sentir e de agir de acordo com o ambiente no qual se está inserido.Convivência é “viver com”, estar junto com outros. Significa a possibilidadede interação e coexistência dentro de uma lógica de reciprocidade, “[...]da aceitação e do cuidado com o outro reconhecido em sua legitimidadeenquanto outro da partilha, aquele com quem cada uma das partes daconvivência estabelece laços de complementaridade e interdependência”(PIMENTEL, 2002, p. 193).

Atenção especial deve ser dada às fragilidades hídricas, ao manejosustentável dos mananciais e à valorização da captação, armazenamentoe gestão da água de chuva. Hoje, são perceptíveis os avanços relacionadosàs tecnologias hídricas apropriadas ao semiárido. Um dos fundamentosdesse processo é o reconhecimento das múltiplas necessidades deabastecimento hídrico: captação e distribuição de água para consumo,com a construção e manutenção de pequenas barragens e outros

Concepções de Desenvolvimento: Convivência e Sustentabilidade no Semiárido Brasileiro

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70 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

equipamentos de uso familiar e comunitário; uso das áreas úmidas paraprodução de alimentos, visando à segurança alimentar e nutricional;produção de mudas para recuperação da mata ciliar; formação para omanejo de recursos hídricos e do solo, evitando o desperdício e a poluição,além da gestão comunitária para garantir o uso sustentável da água dachuva.

A sustentabilidade ambiental implica a recuperação e conservaçãode recursos naturais dos ecossistemas no semiárido. As tecnologias epráticas de manejo devem ser apropriadas, considerando as potencialidadese fragilidades ambientais. Os sistemas de policultura são preferíveis àspráticas monocultoras, pois a combinação de cultivos é um dos segredosda convivência, incluindo o replantio de árvores resistentes à seca, oaproveitamento das forrageiras rasteiras, as lavouras de chuva, a irrigaçãoapropriada e o extrativismo sustentável. O manejo sustentado da vegetaçãonativa exige mudanças na matriz energética e nas práticas agrícolas irrigadase de “sequeiro”, reduzindo o desmatamento, principalmente nas regiõesque estão sofrendo processos de desertificação.

Em síntese, na perspectiva da convivência, a gestão ambientalprioriza a busca de soluções locais apropriadas, tendo por base asensibilização e a participação consciente das populações, para quemodifiquem suas percepções e comportamentos em relação à natureza.Esses são princípios pedagógicos fundamentais da educaçãocontextualizada para a convivência com o semiárido. Além disso, inspirama busca de uma economia da convivência que combine o equilíbrioecológico com a melhoria das condições de vida da população com baseem práticas produtivas apropriadas.

A economia da convivência

Um dos grandes desafios atuais no semiárido brasileiro é acombinação dos princípios e valores da convivência com a viabilizaçãodas atividades econômicas necessárias ao seu desenvolvimento sustentável.A convivência é a capacidade de aproveitamento sustentável das

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potencialidades naturais e culturais em atividades produtivas apropriadasao meio ambiente. Nesse caso, não é o ambiente que tem de sermodificado ou adaptado às atividades produtivas.

Na perspectiva da convivência, ao contrário, são as práticas emétodos produtivos que devem ser apropriados aos ambientes. Trata-sede uma perspectiva orientadora de uma produção apropriada, “[...]transformado a economia sertaneja, adaptando-a às exigências do meionatural, sobretudo às contingências climáticas, a fim de permitir que apopulação disponha, nos períodos de secas, dos recursos necessários aeximi-la de se sujeitar ao flagelo que a mesma acarreta” (ANDRADE,1973, p. 132).

A perspectiva da convivência possibilita inverter as explicaçõessobre a baixa produtividade e os baixos rendimentos nas atividadeseconômicas no semiárido. Enquanto as interpretações dominantes colocama culpa do atraso na natureza, na escassez hídrica e na baixa capacidadeprodutiva dos solos, há uma nova interpretação exatamente ao contrário:foi a falta de uma adequada compreensão sobre os limites e potencialidadesdessa realidade que conduziu à introdução de atividades econômicas nãoapropriadas que terminaram por agravar ainda mais os problemasambientais, quebrando o equilíbrio biológico existente e empobrecendomais ainda as famílias sertanejas.

Em muitos casos, os fracassos econômicos e o agravamento dascondições naturais, tais como os processos de desertificação no semiárido,são consequências também do processo de modernização, implantadosem o necessário conhecimento da região, por meio da transposição deexperiências exógenas. Daí a importância da convivência, como umaimperiosa necessidade de adaptar a economia à realidade semiárida, sejana adoção de atividades produtivas apropriadas que usem tecnologiascontextualizadas, seja no que se refere à modificação na estruturasocioeconômica, promovendo a justiça social no acesso aos recursosnaturais do semiárido, principalmente à terra e à água, na adoção deiniciativas capazes de contribuir para a transformação e fortalecimento daeconomia do semiárido.

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Disso resulta a necessidade de promoção de um tipo dedesenvolvimento econômico orientado prioritariamente para a geraçãode trabalho e renda por meio de alternativas de produção, apropriadasàs condições edafoclimáticas do semiárido. Além de sustentáveis, asiniciativas de produção e distribuição das riquezas devem serincludentes, com a democratização do acesso aos meios necessáriosà produção (terra, água, crédito, tecnologias apropriadas, assistênciatécnica e organizativa).

Com essa intenção, um conjunto de Organizações NãoGovernamentais e algumas instituições públicas de pesquisa e extensãorural, como a Embrapa, passaram a desenvolver propostas e aexperimentar tecnologias produtivas, alternativas e apropriadas à realidadeambiental, cultural e socioeconômica do semiárido, contribuindo para odesenvolvimento da perspectiva atual da “economia da convivência”.

Uma produção apropriada no semiárido requer a combinação dediferentes atividades em sistemas múltiplos que viabilizem a diversificaçãodas fontes de obtenção de renda, evitando a dependência em relação àregularidade das chuvas na região. Ou seja, a convivência com o semiáridorequer outros valores e outros padrões de produção como as alternativasbaseadas na agroecologia, no manejo sustentável da Caatinga, na criaçãode pequenos animais e nos projetos associativos e cooperativos deeconomia solidária.

No entanto, uma economia da convivência com o semiárido requerbem mais do que modificações nos sistemas produtivos. O fortalecimentoda agricultura familiar, como eixo central de uma estratégia dedesenvolvimento sustentável, requer um conjunto de políticas que considereas demandas locais, fornecendo as orientações e insumos necessários aosprocessos produtivos e de comercialização. Por isso, os movimentossociais no semiárido brasileiro reafirmam a urgência da realização de umareforma agrária democrática e sustentável. O acesso às tecnologiasapropriadas e a realização de processos educativos, participativos esistemáticos são fundamentais para o fortalecimento dessas iniciativaseconômico solidárias no semiárido.

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É necessário investir na gestão de processos de beneficiamento dosprodutos, principalmente nas agroindústrias comunitárias, combinando osesforços da agricultura familiar com processos tecnológicos que agreguemvalor aos produtos, tais como: laticínios, polpas de frutas, compotas, produtosapícolas, beneficiamento de fibras etc. Nesses casos, o incentivo e o apoio àsiniciativas econômico solidárias com base no associativismo e nocooperativismo autêntico é também uma forma de promover a convivência.As diversas formas de cooperação e associação são fundamentais para ampliare melhorar os resultados da produção apropriada, reduzindo os efeitos dosintermediários comerciais e financeiros sobre os pequenos produtores.

O fortalecimento da produção regional apropriada, com base navalorização dos produtos locais, enfatizando suas características eidentidade territorial, é um dos sentidos da convivência. Trata-se doreconhecimento de que a diversidade ambiental e a riqueza cultural podemser elementos impulsionadores de uma nova dinâmica de desenvolvimento,dotada de sustentabilidade, orientada pela inclusão social.

A convivência como qualidade de vida

A convivência com o semiárido significa uma nova perspectiva dodesenvolvimento que visualize a satisfação das necessidades fundamentaiscomo condição para expansão das capacidades humanas e da melhoriada qualidade de vida, concebida como redução das desigualdades, dapobreza e da miséria. O caráter includente do desenvolvimento sustentávelé um pressuposto fundamental para viabilizar as alternativas econômicasapropriadas que possibilitam o aumento da produção e a distribuição darenda. Nesse sentido, a convivência com o semiárido não é uma propostade passividade e acomodação diante da pobreza existente na região,principalmente nos períodos de seca: “Mesmo perfeitamente adaptados àconvivência com a rusticidade permanente do clima, os trabalhadores dascaatingas não podem conviver com a miséria, o desemprego aviltante, aronda da fome e o drama familiar profundo criado pelas secas prolongadas”(AB’SÁBER, 2003, p. 85).

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A convivência exige a melhoria da qualidade de vida das populaçõesdo semiárido, inclusive, como condição para estabelecer uma nova relaçãocom o meio ambiente. A construção de novas perspectivas sobre meio-ambiente, junto a populações marcadas pela condição de pobreza, exigea capacidade de articulação das iniciativas de gestão ambiental sustentávelcom as iniciativas socioeconômicas orientadas para a melhoria da qualidadede vida da população local. Caso contrário, o discurso da convivênciatorna-se vazio, sem dar respostas às problemáticas locais. O desafio égarantir a convivência com um ecossistema frágil e, ao mesmo tempo,garantir a melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes.

A base da superação da pobreza é o acesso a bens e serviçospúblicos fundamentais, como educação, saúde, moradia, saneamento,assistência social e previdenciária, com qualidade e em quantidade suficientepara atender às demandas locais, como direitos de cidadania. Melhoriasna educação, na saúde, na alimentação, nas condições habitacionais e,principalmente, no abastecimento hídrico, podem fazer significativadiferença na melhoria dos indicadores sociais do semiárido brasileiro. Oacesso à água de qualidade para o consumo humano, por exemplo, poderepercutir significativamente na redução de doenças, diminuindo, inclusive,a mortalidade infantil na região. A elevação da escolaridade, com basenuma educação contextualizada, também poderia ter conseqüênciassignificativas nas demais áreas sociais e produtivas, fortalecendo aconsciência ambiental sobre as potencialidades e fragilidades dosecossistemas e do aprendizado e desenvolvimento de práticas apropriadas.

Além do acesso aos serviços sociais básicos de qualidade, aconvivência implica realizar mudanças nas atuais relações sociais dedominação (de classe, étnicas, de gênero e de geração), fortementeenraizadas no semiárido. Isso porque a construção da igualdade nasrelações sociais, respeitando as diferenças, é também uma forma deconvivência.

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A cultura da convivência

Os saberes e as práticas são ações culturais relacionadas à formade conceber, compreender, difundir e intervir numa dada realidadesocioambiental. A convivência com o semiárido requer a valorização e areconstrução dos saberes da população sobre o meio em que vive, sobreas suas especificidades, fragilidades e potencialidades. A contextualizaçãodos processos de aprendizagem à realidade local é apresentada comouma estratégia de sensibilização, mobilização e organização da populaçãosertaneja, para identificar as problemáticas e construir soluções apropriadasque visem a melhoria das condições de vida. Para isso, os processosformativos não podem se resumir à ampliação de conhecimentos ehabilidades, como prevalece no ensino formal; nem deve ser limitada aoensino de novas tecnologias de produção, como tem sido a tônica dosprocessos de assistência técnica e extensão rural. A formaçãocontextualizada deve servir de instrumento de mudanças de atitudes evalores, a partir de um conhecimento aprofundado da realidade local,induzindo ou fortalecendo as alternativas de convivência.

O conhecimento adequado e aprofundado do meio ambiente éfundamental para preservar a vegetação que resta na Caatinga, para afertilidade do solo e o manejo adequado da água, evitando os processosde desertificação. Ignacy Sachs (2000), por exemplo, chama a atençãopara a necessidade e possibilidade de convivência com os ecossistemasfrágeis, a partir de processos participativos de resgate e de construçãocultural de alternativas apropriadas. Esses processos requerem umaabordagem negociada e contratual de identificação de necessidades, decapacidades locais e do aproveitamento dos recursos potenciais para amelhoria das condições de vida.

Não se trata, no entanto, de um processo exógeno, protagonizadoexclusivamente por algumas pessoas e organizações que se propõem aensinar as famílias residentes no semiárido a conviver com a seca, tendoconhecimentos acumulados sobre o tema, mas com visões de mundo emdesacordo com a visão dos que convivem com essa realidade. A

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convivência é fruto da sensibilidade e não apenas da racionalidade. Énesse sentido que Ab’Sáber (2003) assinala ser pura falácia afirmar que énecessário ensinar o nordestino a conviver com a seca, porque os sertanejosconhecem os desafios e as potencialidades produtivas dos sertões secos.Da mesma forma, Carvalho e Egler (2003) afirmam que, como princípio,a convivência com a semiaridez é um processo permanente deaprendizagem que vem desde os tempos da colonização, cujo principalator é a própria população sertaneja. Com essa perspectiva, é possívelconceber e desenvolver uma “pedagogia da convivência”, constituída porum conjunto de princípios, diretrizes e de métodos vivenciais, tendo comoponto de partida as práticas, os saberes e as experiências dos participantese que são confrontados e enriquecidos com o saber sistematizado.

A educação contextualizada é hoje uma das principais propostasdefendidas pelos movimentos sociais que atuam no semiárido, incentivandonovas práticas educativas nos espaços formais de educação e na formaçãode lideranças comunitárias. A educação contextualizada é concebida comoum processo dinâmico de construção de conhecimentos e atitudes dosseres humanos, considerando o ambiente no qual está inserido. Semdesconhecer os problemas estruturais do sistema educacional brasileiro,sobretudo no semiárido, a educação contextualizada se contrapõe aosprocessos de destruição e desvalorização das culturas pela imposição demodelos exógenos de modos de vida e de pensamentos sobre a realidade.Trata-se de uma estratégia fundamental de construção de uma cultura daconvivência, dos seus sentidos e significados que estão subjacentes nasdiversas práticas produtivas apropriadas e nas tecnologias alternativas.

A conquista política da convivência

A convivência com o semiárido é também uma proposta políticade mobilização para a implementação de políticas públicas apropriadasao desenvolvimento sustentável na região. Enquanto projeto, a convivênciadeverá ser uma conquista política dos diversos sujeitos que secomprometem com as transformações socioeconômicas necessárias à

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garantia da dignidade da maioria da população sertaneja. Isso requer aconquista de políticas públicas permanentes e apropriadas a partir dasuperação das estruturas geradoras da desigualdade, como a concentraçãoda terra, da água, do poder e do acesso aos serviços sociais básicos.Esse processo é fruto de mobilização que vem ocorrendo com maiorintensidade nos últimos anos, e atesta que um conjunto de organizaçõesda sociedade civil e movimentos sociais estão disputando a hegemonia,no sentido gramsciano de conquista da direção ética e política dasociedade4, em relação às alternativas para o semiárido brasileiro.

No entanto, há uma forte resistência das práticas políticasautoritárias, culturalmente enraizadas nos principais espaços decisórios,dificultado os avanços no processo participativo na definição de alternativasde desenvolvimento na região. São comuns os casos de manipulação dosespaços de participação direta, retirando as capacidades decisórias, natentativa de manter o monopólio da política na região, de base clientelistae patrimonialista. Apesar de alguns avanços, as esferas de poder continuamrestritas, principalmente nas grandes decisões sobre a região, sendo umadas principais limitações para a conquista política da convivência.

A convivência requer, portanto, o fortalecimento organizativo dasociedade civil e a ampliação dos mecanismos e espaços institucionalizadose alternativos de participação cidadã: “Urge despertar as energias coletivase provocar uma reação de baixo para cima” (DUQUE, 2001, p. 250). Éexatamente nesse aspecto que se tenta inovar na constituição de novosespaços de articulação política, a exemplo da Articulação do SemiáridoBrasileiro (ASA), cuja trajetória histórica expressa um processo deconstrução de um novo sujeito social, dotado de “vontade política”5 efetivana transformação dessa realidade.

4 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. 5. ed. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1984.

5 Uma “consciência atuante da necessidade histórica” (GRAMSCI, 1984, p. 17); ou seja,um critério que diferencia as ações movidas por um projeto político transformador dasações motivadas pela coerção e paixão.

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Considerações finais

A sustentabilidade do desenvolvimento exige que as concepçõese as práticas sejam contextualizadas diante da realidade onde incidirá oprocesso de desenvolvimento, considerando-se as suas várias dimensões(ambiental, econômica, política, social e cultural). A contextualização dasustentabilidade requer a observação do ambiente para redescobrir,compreender e seguir a lógica da natureza. A dimensão ambiental é umareferência para a leitura crítica sobre as tecnologias descontextualizadas,sobre a produção não apropriada ao ambiente e sobre o uso político dofenômeno natural para justificar o subdesenvolvimento. A visão sistêmicada complexidade e a valorização da diversidade dos ambientes ouecossistemas, evitando a visão fragmentada e reducionista da realidade,são princípios fundamentais do desenvolvimento sustentável.

A “convivência com o semiárido” reinterpreta os significados dasustentabilidade a partir de visão multidisciplinar sobre uma realidadeconcreta marcada pela complexidade. Nesse sentido, não nega aspossibilidades do desenvolvimento e não expressa uma renúncia ao idealhumanitário da satisfação das necessidades e da melhoria das condiçõesde vida das pessoas. Ao contrário, significa uma nova orientação estratégicapara intervenção nessa realidade, enquanto processo em construção e deexperimento de alternativas apropriadas, buscando aprender a convivercom as suas especificidades ambientais e formulando proposições quevisam à promoção e ao alcance do desenvolvimento sustentável.

Nesse sentido, pode-se definir a “convivência com o semiárido”como sendo uma perspectiva cultural orientadora da promoção dodesenvolvimento sustentável, cuja finalidade é a melhoria dascondições de vida e a promoção da cidadania, por meio de iniciativassocioeconômicas e tecnológicas apropriadas, compatíveis com apreservação e renovação dos recursos naturais. Considera-se que éessa a orientação de um novo paradigma civilizatório para a humanidade:satisfação das necessidades e expansão de suas capacidades, emcomunhão com a natureza.

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No campo da disputa política, grandes desafios se apresentamnesse momento histórico para os movimentos que defendem a convivênciacomo sendo o sentido e o significado da sustentabilidade dodesenvolvimento no semiárido. Os avanços nessa perspectiva serão frutosde processos de disputa e negociação, pois ainda permanecem ativos eintimamente articulados os dois projetos políticos – o de combater a secae o de modernizar a economia – até o momento, funcionando comoparadigmas da intervenção governamental na região. A alternativa é acombinação entre a cultura e a política; entre a mudança nos pensamentos,como construção de uma nova racionalidade para a sustentabilidade dodesenvolvimento e os avanços na ampliação da cidadania, em termos departicipação ativa e consciente na formulação e implementação de umnovo projeto político no semiárido brasileiro.

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TECNOLOGIAS PARA O SEMIÁRIDO

José Moacir dos Santos1

Introdução

Desde o princípio da humanidade, o ser humano tem desenvolvidotecnologias com o objetivo de melhorar sua vida. A pedra lascada, usadacomo ferramenta e como arma, foi uma das primeiras tecnologias quepermitiram ao ser humano se diferenciar dos outros animais. A tecnologiaamplia nossa força física, permitindo-nos alcançar resultados significativos.Com o passar do tempo, a tecnologia passou a ser referência de poder.Quem tem maior desenvolvimento tecnológico detém o poder sobre asoutras pessoas e sobre outras nações.

No Semiárido brasileiro, a população foi dominada não peloemprego da tecnologia, mas pelo não uso de tecnologias apropriadas àregião e pela proibição do desenvolvimento dessas tecnologias. Sem essesrecursos, a população passa a sofrer todos os condicionantes impostospela natureza do clima semiárido, buscando alento nos rituais místicos ese submetendo aos desmandos de uma pequena elite de fazendeiros epolíticos, que tem no atraso e na miséria sua base de sustentação.

Desenvolver tecnologias apropriadas ao clima semiáridopossibilitará uma mudança de grandes proporções na qualidade de vidade sua população, na proteção do meio ambiente e nas relações sociais,especialmente nas relações de poder.

1Técnico agrícola, graduando em pedagogia, coordenador geral do Instituto Regional daPequena Agropecuária Apropriada (IRPAA). E-mail: <[email protected]>.

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O surgimento das tecnologias: um breve histórico

Há mais de 10.000 anos, com o desenvolvimento das técnicas dedomesticação de plantas e animais e o surgimento da agricultura e pecuária,a humanidade mudou radicalmente seu modo de vida. A agropecuáriapermitiu ao ser humano se estabelecer em um local fixo deixando de sernômade, permitiu também maior segurança e redução da fome e dasdoenças, reduzindo a mortalidade. Surgiram também as cidades, territórios,nações e impérios. A necessidade de mais desenvolvimento levava à buscade mais tecnologias e para isso era preciso criar novas profissões.

No Brasil, antes da chegada dos portugueses, os nativos viviamem um sistema nômade, com princípios de agricultura rudimentar, e apecuária não existia. Já tinham desenvolvido a indústria de alimentos (casade farinha), dominavam o fogo e a olaria, além de armas para caça eguerra, não sendo diferente no Semiárido. Essa tecnologia permitia umsistema de vida em sociedade bem distinto da vida em sociedade dosportugueses. Os nativos tinham uma cultura tecnológica apropriada aoambiente natural onde viviam. A tecnologia bélica (a pólvora) e a estratégiados portugueses fizeram com que um pequeno número de homensderrotasse milhares de outros, e assim Portugal conquistou e dizimoucentenas de povos em um curto espaço de tempo.

Desde então, o controle da tecnologia e dos meios de produção(terra e água) passou a ser usado como forma de dominação das naçõessubjugadas. Os grandes impérios europeus, os Estados Unidos e até oscoronéis locais passaram a coibir a iniciativa para o desenvolvimento detecnologias nas colônias e nações recém independentes.

As pessoas e as instituições locais passaram a receber pacotes desubsídios, equipamentos e técnicos das nações dominantes que, com isso,atrasaram e diminuíram a capacidade dessas nações, tornando-as sempredependentes tecnicamente. As colônias passaram a ter importante papelde fornecedoras de matéria prima para as nações dominantes econsumidoras de tecnologias ultrapassadas e fora do contexto local,fechando o ciclo de dependência.

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Ao longo do tempo, cada povo foi desenvolvendo técnicas etecnologias de cultivo, domesticação de animais, captação, armazenamentoe gestão das águas, moradia, educação, tudo para melhor se adaptar àscondições climáticas locais. No Semiárido brasileiro, perdemos essemomento histórico de desenvolvimento de tecnologias localmenteapropriadas. A população, depois da colonização, foi violentamenteproibida de dar continuidade ao modo de vida dos nativos e de produzirnovas tecnologias. A não posse da terra e da água foi a principal estratégiausada pelos colonizadores para coibir esse desenvolvimento. “Ninguémfaz benfeitoria em casa alugada” foi a resposta dada por um camponês doSemiárido quando questionado sobre o porquê de não termos infraestruturade convivência com a região. As famílias não têm a posse da terra, estãosempre na posição de agregados ou arrendatários. Nesta situação, a pessoanão pode fazer grandes investimentos na terra. Outro camponês nos falousobre o “bem de raiz”, termo usado na região norte da Bahia para dizer sea propriedade é dotada de infraestrutura, ou não. Uma família vivendocomo agregada em uma fazenda e depois de 50 anos é intimada a deixara área, essa família questiona a ordem alegando que já está na terra hámuito tempo e que por isso tem direitos. O caso vai à justiça e o juizdecide a favor de quem realizou benfeitorias na área. Como a família foiproibida de fazer aguadas, pastagem, abrigo para os animais e até casa dealvenaria, logo, não realizando benfeitoria alguma para provar o uso daterra, o fazendeiro ganha a causa.

É uma regra geral: arrendatário e agregado não podem fazerbenfeitorias na terra, para não criar “bens de raiz”. Com isso, para a pessoaficar na terra, ela tem de abrir mão de toda a sua criatividade inventiva, jáque não pode colocá-la em prática e desenvolver uma técnica desobrevivência, que consiste em derrubar a vegetação, plantar milho, feijãoe capim e no próximo ano repetir tudo novamente. Depois disso, aindapode vender sua força de trabalho a preço muito baixo e, quando issonão é suficiente, recebe ajuda oficial de programas de distribuição decomida e água, geralmente atrelada a um político local. Ao contrário doresto do mundo, o povo do Semiárido brasileiro teve de regredir no

Tecnologias para o Semiárido

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desenvolvimento de tecnologias apropriadas e desenvolver apenas umatécnica de sobrevivência. O desenvolvimento e a aceitação de tecnologiasestão diretamente ligados à relação da família com a posse da terra.

Oficialmente, o governo resolveu esse problema. Em vez depromover a reforma agrária e o reordenamento das terras públicas, adotoucomo política a exportação de pessoas como mão de obra barata para aconstrução e a indústria do sudeste do país.

Com a exceção de políticas públicas e ações governamentais somentemais recentemente aplicadas à região2, as poucas investidas oficiais foram esão ainda focadas na grande propriedade para a produção de matéria prima,sendo o povo, novamente, simples mão de obra, que pode migrar de umpolo para outro, pois cada polo de desenvolvimento tem uma vida útil muitocurta, como foram o ciclo do gado, do algodão, da irrigação, dentre outros.

Como perdemos o momento histórico do desenvolvimento localde tecnologias sustentáveis, nos resta agora reconhecer esse grandeprejuízo e minimizar seus efeitos. Para isso, precisamos do tripé desustentação – terra, água e conhecimento – para produzir novas técnicase tecnologias de convivência com o Semiárido, conhecer as já existentese adaptá-las à nossa realidade.

Tecnologias de convivência com o semiárido: adaptar as existentese produzir novas

Com base na história e toda a sua constituição, é possível quepossamos adaptar as técnicas existentes à realidade em que vivemos, paraque elas possam, de fato, produzir efeitos que atendam as necessidadesdo mundo atual.

O primeiro passo é conhecer como se comporta o nosso clima ecomo as plantas e animais se adaptaram a esse comportamento climático.

2 Programas dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento Social, MeioAmbiente e, no caso do Ministério da Ciência e Tecnologia, a criação, em 2005, doInstituto Nacional do Semiárido (INSA).

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O maior exemplo para compreender esse passo está na forma como anatureza se relaciona com o ambiente em que está inserida, podendo-seperceber claramente as estratégias que foram criadas para manter oequilíbrio necessário ao meio ambiente, tornando-o mais harmonioso,respeitando cada categoria presente na natureza.

Observando a distribuição das chuvas em nossa região, podemoschegar à conclusão de que a região tem maior aptidão para a pecuária epara o extrativismo do que para a agricultura, revolucionando toda a nossaforma de organização fundiária, pois, para criar animais e fazer o extrativismo,a família precisará de muito mais terra do que se fosse fazer agricultura. Ocamponês do Semiárido identifica-se mais como pastor do que comoagricultor. A agricultura é atividade de altíssimo risco em uma região semiárida.Por exemplo, o Semiárido mais famoso é o do oriente médio, tratado naBíblia como “A terra prometida”, onde todos os personagens de maiordestaque foram também chamados de pastores, pois sua principal atividadeera a criação de animais: Abraão, Isaac, Jacó, Moisés, Davi e Jesus, todosforam criadores de cabras e ovelhas. Na zona semiárida da Austrália, aprincipal atividade é a criação de animais. No Semiárido brasileiro, quasenão se tem registro de fazendeiro que tenha se tornado poderoso plantandomilho e feijão. Todos tinham o domínio da terra, da água e criavam gado.

Outro ponto importante é sair do papel de fornecedor de matériaprima e passar a ser fornecedor de produtos acabados. A industrialização,iniciada pelos nativos e pelos agregados e desarticulada pelos coronéis dogado, precisa ser retomada para a produção e armazenamento de alimentos,bens para o uso interno e para a exportação. Essa industrialização devecomeçar no campo, de forma descentralizada até chegar às cidades semcausar o seu inchaço, pois grande parte da população continuará no campodesenvolvendo atividades agropecuárias e não agropecuárias em condiçõesdignas de trabalho e de vida.

Tendo garantido o direito a terra, água e educação, as pessoasvão fazer desabrochar todo o seu potencial inventivo, fazendo do Semiáridouma região próspera e sustentável, com desenvolvimento humano. Valeressaltar, nesse caso, que uma característica das regiões semiáridas é airregularidade das chuvas no tempo e no espaço. Não se pode prever

Tecnologias para o Semiárido

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quando começa o período das chuvas nem quanto vai chover, inviabilizandoo cultivo da maior parte das plantas já domesticadas.

Outra característica da região é o subsolo cristalino (cerca de 80%do Semiárido brasileiro assenta-se sobr_e este tipo de solo), sempossibilidade de armazenamento de água, sem lençol freático ou baciasedimentar, com a pouca água existente localizada em fendas, geralmenteapresentando altos teores de sais. Não se pode pensar em resolver oproblema do abastecimento de água na região a partir a perfuração de poços.O grande potencial hídrico do Semiárido brasileiro é a água das chuvas.

Quando fazemos a equação da necessidade de água e da águapotencialmente disponível, percebemos que o fator limitante não é a quantidadedesse recurso natural e sim os meios adequados para armazená-lo.

Sendo a precipitação média de 700 mm de chuva por ano nos900.000 km2 do Semiárido brasileiro, temos 630 bilhões de m³ de águapor ano. Desse total, 87% evaporam e 4% infiltram no subsolo. Restam9% (56,7 bilhões de m³, cuja quantidade, dividida pela população, resultaráem 3.780 m3 por pessoa/ano), que escorrem e podem ser armazenados.A ONU diz que se pode falar da existência de stress hídrico em regiõescom menos de 1.700 m³ de água/pessoa/ano e de escassez em regiõescom menos de 1.000 m³ de água/pessoa/ano.

Com base nos dados apresentados, é possível criar, comoestratégia de convivência com o Semiárido brasileiro, diversaspossibilidades que facilitem a vida das pessoas que vivem nessa região. Aproposta de Convivência com o Semiárido Brasileiro (CSA) traz umasérie de tecnologias voltadas para a captação de água para o consumohumano e animal e para a produção, organizadas de maneira que possamexistir em formas e ambientes diversificados e que garantam a qualidadede vida para todos os que vivem na região. A política de recursos hídricosprecisa ser constantemente revisada e reconstruída; para tanto, valeobservar as linhas de lutas pela água apresentadas nas discussões sobreCSA, local, regional e nacionalmente.

Há pouco tempo, ainda se acreditava que a única forma de terágua potável seria por meio da água encanada, que na realidade das

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comunidades rurais isso seria impossível, pois na área rural as casas estãodifusas, sem uma organização linear e distantes umas das outras. Essaorganização é importante para garantir às pessoas maior aproximaçãocom a roça e com os animais e manter a boa vizinhança, sem tirar o sossegodos vizinhos. Daí a importância de se pensar em outras formas deabastecimento para o consumo humano e animal e outros usos.

Com a utilização de tecnologias de captação de água de maneiraa aproveitar todo o ambiente, emerge outra preocupação: a qualidade daágua captada, em especial para o consumo humano; por decorrência,também se discutem maneiras de tratá-la, sem custos e com qualidade,podendo assim torná-la acessível a todas as pessoas, principalmente àpopulação rural. Para o tratamento da água potável, o mais eficiente sistemaé o filtro de areia e carvão, de fácil construção e manutenção.

Existem ainda muitas outras possibilidades de aproveitamentoracional da água de subsolo, disponível nas regiões de arenito e tambémnas fendas do granito nas regiões de subsolo cristalino (mesmo que em menorquantidade). Uma técnica antiga que está sendo resgatada é a hidroestesia ouo “dom de adivinhar água”. Com essa técnica, é possível indicar, com exatidão,local para se construir o poço, seja ele profundo ou raso.

Exemplos de tecnologias desenvolvidas e difundidas no Semiáridobrasileiro

Cisterna para consumo humano

Técnica milenar de armazenar água destinada ao consumo humanoe ao preparo de alimentos, consiste de um tanque impermeabilizado quearmazena a água captada do telhado da casa, através de calhas e bicas. Acisterna pode ser subterrânea ou de superfície. Pode ser feita de pedra ecal, de tijolo e cal ou cimento, de placas pré-moldadas, de ferro, de anéisde cimento e muito outros materiais. A cisterna (Figura 1) deve ser redondae impermeabilizada. Para uma família de cinco pessoas, recomenda-se,no mínimo, uma cisterna de 16.000 litros de água.

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Figura 1. Casa com duas cisternas para consumo humanoFonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.

Filtro caseiro

Consiste em um pote (Figura 2) com seixos, carvão vegetal empó, areia fina e areia grossa. A água contaminada passa pela areia grossaonde ficam retidas as impurezas orgânicas, depois a água passa pela areiafina que retém os ovos de bactérias, em seguida a água passa pelo carvão,que retém as bactérias e, por último, a água fica armazenada nos seixos,no fundo do pote, de onde é retirada por um dreno; está pronta pra serconsumida. O material filtrante deve ser trocado a cada seis meses.

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Figura 2. Filtro de Areia e CarvãoFonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.

Barreiro de salvação

Uma das principais dificuldades na produção de agricultura desequeiro é a irregularidade das chuvas. Para a lavoura se desenvolverbem e produzir satisfatoriamente, a família precisa dispor de um bom soloe chuvas regulares durante os três meses do ciclo vegetativo da planta(germinação, desenvolvimento e frutificação). Por conta das chuvasirregulares no Semiárido brasileiro, é muito comum na região a lavoura sedesenvolver bem e, na época da floração e frutificação, faltar chuva,abortando todas as flores. No mês seguinte, a chuva volta, a planta continuaverde, mas sem frutos. O barreiro de salvação (Figura 3) tem como objetivo

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suprir a carência de água nesse mês em que não choveu. É um tanquefeito de terra que armazena água suficiente para realizar uma ou duasirrigações de uma determinada área de plantio.

O barreiro de salvação é composto por uma área de captação deágua, um tanque de armazenamento e uma área de plantio. A água vai dotanque para a área de plantio, por gravidade; através de um cano, é distribuídapor sulcos feitos em curva de nível. Um tanque com capacidade dearmazenamento de 3.000 m³ de água pode irrigar uma área de dois hectares.

Figura 3. Esquema do Barreiro de SalvaçãoFonte: EMBRAPA Semiárido.

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Barragem subterrânea

Como o nome já diz, é uma barragem que armazena água nointerior do solo (Figura 4) – é uma vazante artificial. A barragem subterrâneaé composta de uma área de captação de água, uma de armazenamento –que também é a área de plantio – e uma parede impermeabilizada que vaida superfície até a parte impermeável do solo. Na época da chuva, a águaescorre pela área de captação e fica presa na área de plantio. O excessoda água da superfície escorre pelo dreno e a água que infiltra no solo éretida pela parede impermeabilizada. O plantio é feito na área de captaçãode água. Na parte mais próxima da parede são plantadas as culturas anuaise nas extremidades, as fruteiras. As barragens subterrâneas têm área deplantio que varia de ½ (meio) a 1 (um) hectare.

Figura 4. Esquema da Barragem SubterrâneaFonte: EMBRAPA Semiárido.

Cisterna para produção

Consiste em captar água de um calçadão de 200 m² ou de umacaminho d´água e armazená-la em uma cisterna de 50 m³. A cisterna (Figura5) é totalmente subterrânea. A água armazenada é usada para irrigar 20m² de horta e uma dezena de fruteiras. O objetivo é produzir frutas everduras para a alimentação da família.

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Figura 5. Esquema de uma cisterna de produçãoFonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.

Bomba d´água popular - BAP

É uma bomba de água, composta de um pistão para sucção daágua e uma roda de 1 metro de raio, que faz movimentar o pistão. Porconta da grande roda, é possível retirar água de poço a grandesprofundidades com pouco esforço físico. A BAP (Figura 6) é instaladanos chamados “poços secos”, aqueles que têm vazão menor que 2.000litros de água por hora. Uma BAP pode oferecer água para dessedentaçãode animais e para uma pequena horta e ainda para uso doméstico de umacomunidade de 30 famílias.

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Figura 6. Comunidade usando a BAP para irrigar uma hortaFonte: IRPAA.

Barreiro trincheira ou caxio

Consiste de um tanque comprido, estreito e profundo, escavadoem solo rochoso (Figura 7). Esse formato diminui a lâmina de água expostaao sol e ao vento, diminuindo a evaporação; pelo solo rochoso ocorremenor perda d´água por infiltração. O barreiro trincheira é dividido emreservatórios, de forma que é possível usar primeiro a água de um dosreservatórios e neste fazer a limpeza ou aprofundar ainda mais, e assimsucessivamente. A área de captação é uma vereda ou o caminho naturalda enxurrada. A água do barreiro trincheira é destinada principalmente àdessedentação dos animais e ao uso doméstico.

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Figura 7. Esquema do Barreiro Trincheira ou CaxioFonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.

Captação de água de chuva in situ

In situ significa no lugar, ou seja, captar o máximo de água quepuder, no lugar onde a planta está. O sistema de captação in situ consisteem fazer sulcos profundos e camalhões largos em curva de nível (Figura8). A água da chuva é captada dos camalhões e fica armazenada nossulcos, e a planta fica localizada na base dos camalhões. A maior parte daágua, que, no sistema tradicional, escorreria pela superfície, fica armazenadano solo, infiltrando aos poucos. O objetivo é aumentar ao máximo aquantidade de água no solo, sem causar encharcamento, possibilitando àplanta esperar a próxima chuva por um tempo mais longo.

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Figura 8. Plantio com captação de água in situ versus plantio tradicionalFonte: EMBRAPA Semiárido.

Domesticação de plantas nativas

O Semiárido brasileiro é um dos poucos do mundo que nãodomesticou nenhuma planta de valor econômico. Todas as plantascultivadas são importadas de outras regiões do planeta, muitas sem aptidãoao clima, como é o caso do milho.

Nos últimos anos, a Embrapa Semiárido vem estudando o potencialeconômico de várias plantas da caatinga, como caroá, maracujá do mato,mamãozinho de veado, maniçoba e umbu. Dentre todas, o umbu e omaracujá já estão sendo cultivados a título de experimento e mostrambons resultados. Um umbu responde bem a enxertia, técnica que permitereduzir o tempo de produção de 15 para 5 anos e ainda a possibilidadede se escolher as melhores variedades. O maracujá do mato também temrespondido muito bem ao cultivo em espaldeiras; o desafio é ter na áreade plantio a presença do besouro mangangá, responsável pela polinizaçãodas flores. Esse problema está sendo resolvido com a colocação de estacasde umburana na área de plantio, pois o besouro usa troncos secos deumburana para fazer sua morada. Como planta ornamental, o caroá tem-se mostrado com grande potencial.

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Figura 9. Mulher colhendo frutos na caatingaFonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.

Beneficiamento e comercialização de frutas nativas

O aproveitamento das frutas nativas é outro grande potencial localque precisa ser desenvolvido. Colher e vender, por exemplo, o fruto doumbu ou do maracujá in natura é um grande prejuízo para as famíliascoletoras. A grande vantagem está na industrialização desses frutos (Figura10). Tradicionalmente, as famílias já transformavam frutas nativas e cultivadasem doces, geleias e sucos para o consumo doméstico e um pouco paravender nas feiras livres. Um saco dessas frutas, vendido a R$ 10,00, quandoindustrializado, rende R$ 130,00 para a família – 13 vezes superior aomontante arrecadado com venda do fruto fresco. Além de agregar valor àprodução, o beneficiamento possibilita armazenar alimentos para os mesesde entressafra, contribuindo para a segurança alimentar das famílias. Aconstrução de mini fábricas para produção de polpa de frutas, frutasdesidratadas e muitos outros produtos nas comunidades permite a criaçãode empregos não agrícolas na zona rural, reduzindo a necessidade demigração em massa dos jovens para a cidade em busca de emprego.

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Figura 10. Doces, geléias, compotas e sucos de frutas da CaatingaFonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.

A comercialização, que sempre foi um obstáculo para odesenvolvimento das iniciativas comerciais das comunidades, é vista de outraótica que não a capitalista. A economia solidária, na qual os grupos cooperamentre si e não competem, tem possibilitado o desenvolvimento doempreendedorismo sustentável dessas comunidades. Cresce, a cada dia, onúmero de consumidores preocupados em fazer um consumo consciente, eos produtos do extrativismo vêm ao encontro dessa necessidade do mercado,por serem de boa qualidade e produzidos de forma sustentável.

Recaatingamento

Consiste em repovoar a caatinga degradada com plantas arbóreasque quase já não existem mais. Com o recaatingamento é possível conciliara regeneração da caatinga com o seu aproveitamento econômico,

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replantando espécies com valor comercial (Figura 11), tais como oumbuzeiro e o angico. O desafio do recaatingamento está em conciliar aregeneração da caatinga com o pastejo de animais na mesma área, já quea tradição local é não usar cercas e os animais pastarem livremente.

Figura 11. Homem fazendo enriquecimento da caatinga com plantasnativasFonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.

Manejo da caatinga

Após séculos de muita depredação no Semiárido brasileiro,chegou-se à conclusão que as plantas nativas (Figura 12) têm maior valoralimentar que quase todas as plantas exóticas que aqui se implantaramcom a promessa de alimentar os animais. A Embrapa Semiárido estápesquisando o valor nutricional de muitas plantas da caatinga e comomanejá-las para que produzam alimento durante todo o ano ou que sejamarmazenadas em forma de feno.

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O grande desafio hoje é garantir o tempo necessário para a recuperaçãodessas áreas, inclusive a germinação e o desenvolvimento de novas plantasarbóreas e arbustivas. Isso se consegue com a elaboração de um calendáriode pastagem que defina a época do ano em que os animais podem permanecerna área e qual a época em que os animais não podem pastar na área. Paraisso, a família terá de ter uma boa quantidade de feno armazenado para forneceraos animais na época em que não podem pastar na caatinga. Essa práticamuda o modo cultural de criar os animais, saindo do sistema extensivo paraum sistema semiextensivo de criação. Nesse sistema, um hectare de caatingatem capacidade de alimentar em média uma cabra e suas crias durante o anoe os animais atingem o peso ideal de abate a partir dos dez meses de idade.

Essa prática permite ainda que a caatinga seja enriquecida com plantasnativas para produção de forragem, frutas e fibras e também com plantasexóticas, principalmente gramíneas para o pastejo direto e para a produçãode feno.

Figura 12. Pasto nativo manejadoFonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.

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Fenação

Trata-se de uma técnica milenar destinada a armazenar comidapara os animais. Consiste em cortar e desidratar, ao sol, gramíneas,leguminosas, raízes ou cascas e depois armazená-las em fardos, sacos oua granel. O feno (Figura 13), quando bem armazenado, pode durar maisde um ano. Na desidratação, o alimento perde o excesso de água e mantémseu valor nutricional. Feno não é o mesmo que folhas secas, quando aplanta seca no campo e ali permanece até sua coleta, perdendo, juntocom a água, seu valor nutritivo, diferentemente de quando é utilizada noprocesso de fenação, quando ela perde água e mantém todo seu valornutricional.

Figura 13. Família colhendo, desidratando e confeccionando fardosde fenoFonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.

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Melhoramento genético

Durante muito tempo, gastou-se muito dinheiro tentando introduzirraças melhoradas de cabras e ovelhas com o objetivo de aperfeiçoar aqualidade do rebanho do Semiárido. Hoje se chegou à conclusão que aforma mais indicada de melhorar o rebanho é através da realização de ummanejo adequado, principalmente melhorando a alimentação na épocamais seca do ano, controlando os vermes e fornecendo sal mineral (Figura14). Com essas ações, pode-se reduzir a mortalidade infantil dos cabritose borregos, que hoje chega a 70%, para 30%. Somente após terem sidoresolvidas as questões referentes à alimentação e ao manejo é que sedeve pensar em introduzir novas raças na região.

Figura 14. Animais em sistema semi-intensivo recebendo comida esal mineral em chiqueiro adequadoFonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.

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Planejamento da propriedade

O planejamento da propriedade ainda é uma ação praticada porpoucas famílias do Semiárido brasileiro. Por conta da insegurança dapermanência na terra, as famílias estão em eterno estado de emergência,tentando viver o dia de hoje. Quando conhecemos melhor o climasemiárido, facilmente chegamos à conclusão que as principais atividadeseconômicas a ser desenvolvidas na região são a criação de animais demédio e pequeno porte e o extrativismo. A agricultura, por ser de altorisco, é atividade secundária, mas não descartada. Com as tecnologias decaptação e armazenamento de água para produção, é possível ter umapequena e bem cuidada área de produção agrícola para a alimentação dafamília e para o mercado.

É preciso planejar a propriedade de forma que a família tenha, nomínimo, quatro atividades econômicas diferentes na propriedade, porexemplo: criação de animais, plantio de fruteiras e plantas perenes,beneficiamento da produção e roça para produção doméstica. Assim,quando uma atividade não alcançar a produção esperada, a família dispõeainda de outras três possibilidades de ter comida e renda.

Considerações finais

Para a maioria dos leitores, essas tecnologias são totalmentedesconhecidas, porém, todas são milenares; apenas o Semiárido brasileironão as conhece ou não as utiliza plenamente – é como se estivéssemos emuma bolha de ignorância. Hoje, o maior desafio é tornar senso comumtodas essas e muitas outras tecnologias.

A tecnologia deve se ajustar às condições climáticas e naturais daregião, mas nunca às condições sociais e políticas quando essas condiçõessão baseadas na exploração e manutenção da dominação de um pequenogrupo sobre uma maioria. A tecnologia e o conhecimento científico devemcontribuir para a libertação intelectual das pessoas, desmistificando aspectosculturais e sociais tidos como naturais ou divinos. A base para isso é a

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garantia do acesso à terra, à água e ao conhecimento contextualizado.Tendo terra, água e conhecimentos, a população, rapidamente, se apropriadas tecnologias existentes e desenvolve muitas outras que possibilitarão odesenvolvimento sustentável da região.

Referências

CHACON, Suely Salgueiro. O sertanejo e o caminho das águas:políticas, modernidade e sustentabilidade no semi-árido. Tese deDoutorado. Brasília: UNB, 2005.

DUARTE, Renato Santos. O estado da arte das tecnologias para aconvivência com as secas no Nordeste. Recife: Fundação JoaquimNabuco. Fortaleza: BNB, 2005.

IRPAA. A busca da água no sertão. 4 ed. ampliada e revisada, Juazeiro-BA, 2001.

IRPAA. Cabras e ovelhas: criação do sertão. 4 ed. ampliada e revisada,Juazeiro-BA, 2001.

IRPAA. A roça no sertão. 4 ed. ampliada e revisada, Juazeiro-BA, 2001.

SANTOS, Cícero Felix, SCHISTEK, Harald & OBERHOFER, Maria.No semiárido, viver é aprender a conviver. Articulação Popular SãoFrancisco. Juazeiro Bahia, 2008.

SCHISTECK, Harald & MARTINS, Lucineide. A convivência com osemi-árido no município de Curaçá. Juazeiro-BA, 2001.

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PARTE II

A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DOSEMIÁRIDO: DIÁLOGOS INTERCULTURAIS

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EDUCAÇÃO PARA A CONVIVÊNCIA COM OSEMIÁRIDO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

Edmerson dos Santos Reis1

Introdução

Quanto mais nós saímos do litoral brasileiro e adentramos asregiões interioranas, mais os indicadores sociais, que avaliam a educação,a saúde, a expectativa de vida ao nascer, entre tantos outros, vão setornando aberrantes, e absurdos. Esses mesmos indicadores vão piorandoainda mais quando a avaliação atinge o campo, denunciando assimvulnerabilidade dos direitos de gerações diversas que habitam nossosmunicípios, onde a renda que assegura as famílias, muitas vezes, não chegaa um salário mínimo, pessoas que no seu dia a dia não têm direito de sealimentar três vezes ao dia, situação bem comum no Semiárido brasileiro(SAB).

O Semiárido abrange 11 estados brasileiros, estando presentenos 09 estados do Nordeste. No Sudeste, estende-se pelo Vale doJequitinhonha e o norte de Minas de Minas Gerais, alongando-se até onorte do Espírito Santo. A inclusão desses dois estados do Sudeste dizrespeito à área de atuação da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro(RESAB), do UNICEF, do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), doBanco do Nordeste e da antiga SUDENE, pela similaridade climática daregião norte dos mesmos.

1 Professor do Departamento de Ciências Humanas – Campus III da Universidade doEstado da Bahia, Pedagogo, Mestre em Educação, Especialista em DesenvolvimentoLocal, Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA e Membro daRESAB e da Comissão Nacional de Educação do Campo. e-mail: <[email protected]>.

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É dessa região, compreendida como Semiárido brasileiro, queiremos discorrer neste trabalho, destacando os desafios e possibilidadesde se construir outro projeto de desenvolvimento, no qual a educaçãoexerce um papel ímpar. Sendo assim, todas as vezes que eu me referir àeducação contextualizada, no caso específico deste artigo, estarei fazendoalusão à educação baseada nos princípios da Convivência com o Semiáridoe da Educação do Campo, até porque a maioria dos nossos municípiosapresenta características rurais.

Só para se ter uma ideia, se fôssemos classificar os municípiosbrasileiros a partir dos critérios defendidos por José Eli da Veiga (2003),teríamos que refazer uma nova demarcação, uma nova compreensão docampo brasileiro, pois, nesta nova perspectiva, a maioria dos nossosmunicípios seria classificada como rural. No entanto, por uma estatística eum critério adotados pelo IBGE, herança do período Varguista, a maioriados municípios é considerada urbana, existindo por aí municípios que têmapenas uma rua calçada, e os demais serviços básicos de atendimento àpopulação são considerados de péssima qualidade.

Sendo assim, quando nos referirmos ao nosso contexto, estamosfalando do Semiárido brasileiro. É desse espaço que iremos discorrerneste artigo e da Educação insurgente que vem propondo outro modelode desenvolvimento para esta região: a Educação para a Convivênciacom o Semiárido.

O contexto do Semiárido como fundamento para se pensar outroprojeto de desenvolvimento regional

Entendemos que o contexto do Semiárido, assim como o que sefez nele historicamente, é uma construção humana, passível, portanto, deser revertida, a depender apenas da nossa vontade política de modificaras coisas.

Na compreensão de Albuquerque Jr. (1999), a idealização e adelimitação geográfica do Nordeste brasileiro trazem a marca de um rançonegativo, criado pela elite nordestina, com vistas a atender apenas os seus

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interesses, e que vai fundamentar a criação dessa região. Para esse autor,foi esse ranço da elite nordestina que forjou a criação do Nordeste, nacontramão da história, sendo suportado, inclusive, na ideia de calamidadeoriginada no clima e, principalmente, na manifestação do fenômeno daseca.

Foi a utilização desse fator climático que permitiu criar-se a visãode calamidade pública que até hoje vigora na ideia e no imaginário socialda população do Nordeste e do Brasil, levando-se, equivocadamente, acompreender o Semiárido brasileiro apenas pela representação idealizadada fome e da miséria. Na verdade, existem muitas outras coisas nessaregião que precisariam de maior visibilidade, as quais, muitas vezes, aimprensa não se preocupa em mostrar, pois, quando se fala em seca, aimprensa nacional fala exatamente das regiões do agreste, onde, muitasvezes, se cria o gado e logo na primeira falta de chuva, se os criadoresnão possuírem reservatórios ou outras fontes de água, o gado morre.

Então, a caveira do gado que aparece na imprensa nacional não éa do bode, que está sobrevivendo, resistindo às intempéries do clima esegurando as famílias no Semiárido, mas sim do bovino, que, inapropriadopara a região, continua sendo criado sem se levar em consideração ascondições climáticas e a adaptabilidade desses animais às especificidadesda semiaridez. É essa a imagem que foi criada para favorecer uma elitebrasileira, sendo preciso envidar esforços na tentativa de romper comesse cenário da artificialidade. Essa é uma das construções humanas queprecisa ser desconstruída, pois esse ranço cultural reacionário contribuipara a fabricação de “uma identidade de inclinação despótica”.

O que se desdobrou desta matriz regionalista foi aproliferação de “obras” que retrataram a imagem de penúrialigada às secas e às calamidades, produzindo uma culturado coitado, que deve ser merecedor da pena e da ajudadas outras regiões do país. Mas nada mais se fez emtermos de tematizações sérias em nome deste vasto e ricoecossistema, de seus biomas, de suas potencialidadeshumanas. Apenas muito recentemente estamosconhecendo estudos, especialmente desenvolvidos pela

Educação para a Convivência com o Semiárido: Desafios e Possibilidades

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EMBRAPA, que tem protagonizado tal reflexão.(MARTINS, 2004, p.50).

Conforme as problematizações realizadas nos espaços de discussãoe nas publicações da RESAB, outro elemento desse contexto é aestereotipação da região e dos que nela vivem. Ou seja, é uma região que évista por uma caricatura que criaram da gente. A imprensa nacional e os queescreveram sobre esta região, tendo como parâmetros apenas uma épocado ano, ou apenas um ângulo da região, não perceberam a sua complexidadedo Semiárido Brasileiro. Os livros didáticos que circulam na nossa regiãoreforçam essa imagem negativa da região, do sujeito que vive no Semiárido,que é visto como “matuto” ou como um “sujeito sem saber”. É essa anegatividade que se criou do Semiárido Brasileiro e que ainda está presenteentre nós e que terminamos por assumi-la e proliferá-la.

Ao absorvermos esse imaginário, não falamos de nós por aquiloque somos, por aquilo que vivemos, por aquilo que sentimos, mas poraquilo que nos ajudaram a inculcar o que nós somos. Ou seja, cria-se eintrojeta no sujeito a impossibilidade de solução dos problemas, porqueproduzem o sentimento de impotência de um sujeito que não tem a condiçãode superar-se a si mesmo e nem de superar as condições e vulnerabilidadesdo meio em que vive. Essa manifestação está presente e sendo reafirmadapela própria maneira reacionária de se fazer política nessa região.

Conhecer com orgulho o extraordinário privilégio daresponsabilidade, ter consciência dessa liberdade rara,desse poder sobre si e sobre seu destino, aí está quempenetrou até as profundezas últimas de sua pessoa eque se tornou instinto, instinto dominante – que nomelhe dará a esse instinto dominante, supondo que sintaa necessidade de conferir-lhe um nome? Isso nãooferece dúvida alguma: o homem soberano o chamaráde sua consciência... (NIETZSCHE, 2007, p.58).

O Semiárido brasileiro é um território complexo e rico sobre oqual pouco ainda conhecemos. Existem inúmeros estudos que vão confirmar

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isso, destacando-se, dentre eles, aqueles desenvolvidos na EMBRAPASemiárido (CPATSA), em Petrolina - PE, e, mais recentemente, no INSA2,que também pode ser outro espaço fundamental para se pensar odesenvolvimento sustentável dessa região. Ou seja, mais uma força para– através do apoio à pesquisa, à ciência e à tecnologia – desvendarmosessa complexidade que é o semiárido, com a sua riqueza, potencialidadese possibilidades.

O Semiárido brasileiro não possui um único ecossistema; para seter uma ideia, existem mais de 170 microclimas nesse mesmo espaço,cada qual com a sua especificidade, com sua complexidade. No entanto,nada disso é considerado, principalmente quando se fala de educação, depolíticas de desenvolvimento, pois as políticas são sempre generalizantese universais, não consideram as diferenças, as particularidades, assingularidades dos fazeres e saberes que se encontram em cada um doslugares dessa região.

Outro elemento que trago sobre esse contexto do Semiáridobrasileiro é o descaso histórico, resultante, em grande medida, do modusoperandi da política tradicional, que precisa ser revertido com relação àatuação nesta região, condenando-a ao abandono. Não deixamos dereconhecer que, nos últimos governos, muitas ações já foram desenvolvidasa partir de outra concepção de desenvolvimento, que leva em consideraçãoa ideia de convivência, principalmente no governo Lula. São muitas asações que vêm sendo desenvolvidas e voltadas para o Semiárido. Pareceque é a construção de um novo pensar-fazer na/sobre a região, com adevolução de uma dívida histórica gerada por um modelo dedesenvolvimento que foi centrado no eixo Sul e Sudeste do país, quesempre abandonou as regiões menos favorecidas social e economicamente,resultando, assim, em um país com tantas desigualdades, onde o

2 É um Instituto criado em 2005 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, estabelecido emCampina Grande – PB, que construiu o seu Plano Diretor 2008-2011 a partir de amplaconsulta pública, para pensar as áreas estratégicas de sua atuação <www.insa.gov.br>.

Educação para a Convivência com o Semiárido: Desafios e Possibilidades

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desequilíbrio no desenvolvimento regional se faz tão claramente.É importante ver e ressaltar que essas ações, desenvolvidas pelo

poder público, são uma tentativa de reverter o quadro de vulnerabilidadedos direitos que ainda se faz presente no Semiárido brasileiro. No entanto,não podemos deixar de trazer para a reflexão um elemento fundante, queé a necessidade da articulação das políticas públicas propostas e/ou emimplementação. Seria interessante centralizar os recursos públicos e asações, pois, às vezes, em um mesmo município, existem três ou quatrovoltadas para o mesmo objetivo e elas não dialogam entre si naimplementação localmente e nem lá em Brasília, onde são pensados econstruídos os programas e projetos diversos.

Nessa perspectiva, então, é preciso potencializar a articulaçãodas políticas para que elas sejam mais efetivas, eficazes e, de fato, relevantespara os sujeitos aos quais se destinam. Com isso, poderemos potencializaros recursos ao invés de pulverizá-los, e buscar as reais saídas para oscomplexos e terríveis problemas que atingem o Semiárido brasileiro,investindo melhor os recursos financeiros, para que resultem em melhoriasconcretas nas condições de vida da população regional, comsustentabilidade.

Somos uma região promissora, atestado, por exemplo, pelo poloJuazeiro – BA e Petrolina – PE, que desponta com a vocação para avinicultura, para a ovinocaprinocultura e para a fruticultura irrigada. Ouseja, um novo roteiro turístico e de produção de divisas e geração deemprego e renda vai surgindo – e isso é apenas uma das inúmeraspotencialidades da região.

Em vários estados do Semiárido brasileiro, o turismo tem crescido,e outras potencialidades, ainda não descobertas, precisam ser reveladas,para que possam ser incentivadas pelas políticas públicas com vistas àpromoção de um projeto de desenvolvimento justo, inclusivo e sustentávelpara a região, criando oportunidades de geração de emprego e rendapara as pessoas das comunidades locais, valorizando assim aspotencialidades humanas.

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A Educação para convivência como aliada do desenvolvimentoregional

Quando nos referimos à Educação, perguntamos: qual a relaçãoentre educação e desenvolvimento regional sustentável? Quais respostassão dadas a este questionamento? É preciso que a educação trate dessasquestões, pois as políticas públicas precisam ser articuladas no seuconjunto.

Do que é que a educação vem tratando no sentido de ajudar aspessoas a “saírem do seu lugar”? E não é sair do seu lugar por meio damigração, é sair do seu lugar no que se refere à construção de umconhecimento que lhes permita intervir no mundo em que se vivem, pormeio da compreensão e da articulação dos conhecimentos e saberesdiversos na concepção do mundo. Ou seja, é um deslocamento no campodo alargamento das ideias, da maneira de ser e estar no seu mundo. Éessa condição que a educação precisa criar.

Em desenvolvimento e em educação, os principaisrecursos são, obviamente, as pessoas. Onde há pessoas,a ação educativa é possível e a compreensão etransformação da realidade social podem tornar-se obracoletiva, baseada nos princípios da endogeneidade, daglobalidade e da participação. (CANÁRIO, 1997, p.18)

O Semiárido brasileiro é uma região promissora, de um povotrabalhador, mas que, pela desigualdade construída no processo dedesenvolvimento predatório implantado no Brasil, tem servido para figurarcom os piores indicadores de desenvolvimento humano nesse país,igualando-se, em alguns casos, com países mais pobres da África.

Ainda sobre o contexto do qual falamos, frisaria que reportamo-nos mais a esse Semiárido tido como urbano. Imaginemos, pois, comoisso se faz no campo, naqueles lugares em que, para encontrar uma casa,há que andar três, cinco, dez quilômetros; onde muitas vezes nosperguntamos como as pessoas conseguem viver em um lugar tão distante

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e carente. Muitas vezes, esses sujeitos não são considerados nosindicadores que aqui estamos trazendo para reflexão. As estatísticasdisponíveis não dão conta da complexa realidade existente no Brasil, poiselas trabalham em uma perspectiva por amostragem, apresentando,portanto, como resultados apenas uma aproximação de tal realidade.

Mesmo com toda essa problemática, trata-se de uma região cujopovo, a partir da organização de diversos atores sociais e institucionais –dentre os quais se encontra a RESAB –, vem construindo outraspossibilidades e projetando novas estratégias de desenvolvimento queprecisam ser consideradas em um projeto de nação.

Por outro lado, refletir sobre o campo brasileiro num projeto denação é definir com clareza de que lado estamos. No âmbito do GovernoFederal, há dois ministérios, um que discute a agricultura e pecuária, naperspectiva do agronegócio, e outro que discute o desenvolvimento agrário,dedicado, principalmente, aos mais carentes que vivem no campo. Então,que projeto de país, de nação estamos construindo? A favor de quem ede qual lado nos colocamos?

Para se pensar um projeto de nação é preciso considerar tambémaquilo que vem sendo construído a partir das organizações, dos diversosatores existentes na sociedade. No Semiárido brasileiro, estão presentes,por exemplo, a Articulação do Semiárido (ASA), a RESAB, organizaçõesnão governamentais, além de várias iniciativas do poder público quetambém precisam ser potencializadas, mas que, muitas vezes, no conjuntoda construção das políticas públicas, essas experiências não são levadasem consideração. Quando o são, tenta-se replicá-las indistintamente, semconsiderar exatamente o elemento do contexto. As metodologias e asreferências podem ser repensadas, mas não podem ser replicadasindistintamente, pois precisam ser reconstruídas a partir de cada contexto.Como nos lembra Paulo Freire,

O que quero dizer é que uma mesma compreensão daprática educativa e uma mesma metodologia detrabalho não operam necessariamente de forma idênticaem contextos diferentes. A intervenção é histórica, écultural, é política. É por isso que insisto tanto em que

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as experiências não podem ser transplantadas masreinventadas. Em outras palavras, devo descobrir, emfunção do meu conhecimento tão rigoroso quantopossível da realidade, como aplicar de forma diferenteum mesmo princípio válido, do ponto de vista de minhaopção política. (FREIRE, 2001, p.28)

O Semiárido brasileiro é um espaço onde a insurgência de inúmerasiniciativas, a exemplo da RESAB, da ASA, do Pacto dos Governadores– um mundo para a criança e o adolescente do Semiárido, tem conduzidoa interessantes processos de construção coletiva de buscas e soluções,embora seja ainda necessário avançar muito naquilo que os governadoresassumem, transformando em ações concretas os itens que são pactuados.Há um rol de compromissos pensados e pactuados, mas que ainda nãoforam efetivados, e a cada vez que se avalia o processo, novos elementosvão sendo propostos.

São essas iniciativas (ASA, RESAB, Pacto dos Governadores,Selo-Unicef Município Aprovado, Rede Abelha, Rede Semente, açõesnas universidades, nas ONG’s entre outras) que vêm demonstrando apossibilidade da construção de outra realidade na região, mas que é precisodeterminação e vontade política para que estas adentrem, como diria ocompanheiro Antonio Munarin3, a “corrente sanguínea” do estado. Nãose pode mais admitir que essas experiências venham sendo premiadasanualmente pelas mais variadas organizações, inclusive por aqueles quecomandam o poder público, mas que não lhes ajudem a pensar as própriaspolíticas do estado. É preciso que aprendamos com aquilo que temosajudado a construir, por dentro ou por fora do estado, servindo, inclusive,de parâmetro para ressignificar as nossas ações.

Pensemos, por exemplo, na universidade. Trata-se de umainstituição que precisa abrir espaço para essa discussão; ela precisa,verdadeiramente, constituir-se num espaço de socialização e construção

3 Ex-Coordenador Nacional de Educação do Campo da SECAD/MEC e Professorda UFSC.

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de novos conhecimentos e saberes. Muitas vezes, a universidade vai àcomunidade, à ONG, ajuda a construir um projeto excelente em umadeterminada realidade, mas ela não consegue apreender as aprendizagensdesse processo e, a partir da própria experiência que ela ajudou a construir,transformar-se por dentro.

Precisamos aprender a exercitar essa dialética da superação desi, nas nossas próprias práticas. Isso tem sido evidente no campo daspolíticas públicas. Ou seja, o Semiárido brasileiro precisa ser pensado apartir de uma estratégia articulada entre governo e sociedade civil, tendocomo inspiração as diversas iniciativas bem sucedidas que já existem e oforjar da inovação de outras tantas quantas forem necessárias.

Não é mais possível ficarmos presos apenas a conceitos. A clarezadestes é importante, no entanto, é necessário que a implementação deações a eles associadas avance no campo das políticas públicas brasileiras;e, neste sentido, mesmo que lentamente, avanços têm havido no país e naregião. Ainda assim, não podemos nos prender aos avanços e imaginarque já resolvemos tudo; devemos, também, considerar a existência deinúmeros espaços coletivos de proposição e avaliação das políticaspúblicas, nos quais estão presentes diversos atores da Sociedade Civil.Como exemplo, podemos citar a Comissão Nacional de Educação doCampo (CONEC), da qual a RESAB faz parte, que se constitui em umcoletivo estratégico de construção de políticas públicas, mas que, mesmoassim, percebemos a necessidade de que se avance ainda mais, no sentidode tornar realidade os desejos e vontades dos povos que estão no campo.

Nesse sentido, o contexto do qual falamos também é um espaçopolítico, social, cultural, econômico, ambiental, que ainda nos exige firmezapolítica para a problematização de questões cruciais e fundamentais parao reordenamento de atitudes e ações voltadas ao desenvolvimento humanoe sustentável da região.

Não é mais possível refletirmos sobre o desenvolvimento noSemiárido brasileiro sem nos reportarmos à questão do acesso a água, aterra, assim como aos latifúndios que ainda vigoram nessa região. Não émais possível pensarmos em desenvolvimento humano nessa região se

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não tocarmos na questão do financiamento das pequenas empresas, dospequenos produtores, dos agricultores; em um desenvolvimento que nãocompreenda o papel da educação nesse processo; construir odesenvolvimento sem que ele seja participativo, que não contemple ainclusão dessas questões no processo de reflexão coletiva. Se assim nãofor, continuaremos a fazer a política de desenvolvimento no papel, quenão se efetiva na prática.

Um processo inovador e inclusivo precisa trazer soluçõesinovadoras e contextualizadas, que ajudem o agricultor a sair da situaçãoviciosa, todo ano dependente do ciclo da safra e/ou do seguro parasobreviver. De outra forma, o sujeito não será emancipado, nós nãoconseguiremos criar condições concretas de superação da pobreza eficaremos o tempo todo repetindo o mesmo assunto enquanto a pobrezacontinua.

É preciso que avancemos nessa perspectiva – de tocar naquiloque é essencial – e, assim, realizarmos, de fato, uma educaçãocontextualizada, comprometida com o processo de emancipação humana.Afinal, não é mais possível se pensar em tudo isso se não tratamos desseselementos na escola. Diariamente, milhões de crianças, jovens e adultosvão às escolas, e aí lhes perguntamos: em que a escola lhes ajuda nareflexão sobre outras formas de pensar o mundo, a sociedade, o lugaronde se vive, o desenvolvimento sustentável, as relações de gênero, acultura, a moralização da política entre outras questões não menosimportantes?

A educação, enquanto direito subjetivo definido pela ConstituiçãoFederal (BRASIL, 1998), é algo básico e essencial na vida das pessoas,na qual, para a consecução dos objetivos aqui propugnados, uma amplareforma se faz necessária. Para tanto, devemos considerar o contexto doSemiárido brasileiro que aqui nos detivemos a explicitar – desse lugarreal, concreto, cultural, social e político –, mas é também, neles inseridos,que precisamos questionar sobre qual proposta de educação nos ajuda aconsolidar as intenções do que até então vimos tematizando.

Já que temos afirmado o compromisso com as necessidades e

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potencialidades que envolvem os povos do Semiárido brasileiro, que tipode Educação estamos nos propondo a defender enquanto RESAB,Comitês, Fóruns Estaduais de Educação do Campo, Poderes Públicos,Organizações não governamentais e Universidades?

Enquanto rede, defendemos uma educação que se opõe a todo equalquer processo pedagógico de descontextualização, que não respeitaa condição de vida concreta das pessoas, que não respeita as condiçõesmateriais em que elas vivem, pois não é mais possível pensar a educaçãocomo algo distante, algo que está marcado pela descontextualização dosconhecimentos e dos saberes.

Ao estudarem, por exemplo, as dinâmicas migratóriasque constituíram a própria cidade onde vivem, ascrianças tendem a encontrar cada uma a sua origem,segmentos de sua identidade, e passam a ver a ciênciacomo instrumento de compreensão da sua própria vida,da vida da sua família. A ciência passa a ser apropriada,e não mais apenas uma obrigação escolar. (DOWBOR,2006, p.02)

Os meninos e as meninas não aprendem as coisas e não veemsentido naquilo que aprendem, pois a falência do atual modelo de escolaa entrincheira contra si mesma, não se preocupando com a aprendizageme com o avanço dos conhecimentos dos seus alunos.

Defendemos uma Educação que compreende que o Semiáridoconstitui em si uma realidade particular, com suas problemáticas epotencialidades, que merece e deve ser tematizada na escola, espaço esteprivilegiado para a ampliação e socialização dos conhecimentos e saberesdiversos. Uma educação que valorize, efetivamente, o seu quadro deprofissionais, pois são eles que, na prática, efetivam as políticas públicaseducacionais, a política e a proposta pedagógicas da escola.

Temos constatado, em processos avaliativos de inúmeras iniciativasbem sucedidas, que de nada adianta a existência da melhor das propostaspedagógicas se os educadores que a implementarão a ela se opuserem,se eles não são valorizados para fazê-la acontecer. Nestas circunstâncias,

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o educador não ensinará nada além daquilo que ele já sabe, razão pelaqual é preciso investir na sua formação, intentando a ampliar mais ainda oseu universo intelectual. Exemplificando: recentemente, em 2008, foirealizada uma prova nos municípios brasileiros, equivalente aosconhecimentos dos anos iniciais do ensino fundamental para os meninos emeninas dessa fase. Em um determinado município, que, por questõeséticas, seu nome aqui não será revelado, a mesma prova foi aplicada paraalunos e professores. No resultado, os alunos tiveram notas melhores queas dos professores. O que, a princípio, poderia ter sido considerado portodos um absurdo – e o foi –, refletiu, na verdade, a realidade do que e decomo se pode ensinar nas escolas.

A formação continuada não existe em muitos dos nossosmunicípios. Os estados, no geral, possuem uma política mais concretapara a formação dos seus educadores, mas, em muitos municípios, asjornadas pedagógicas, quando existem, resumem-se a um planejamentorealizado por assessorias externas que chegam à escola com tudo pronto,reúnem o professorado uma vez no início do semestre, passam a receita evão embora, não demonstrando qualquer compromisso com a mudançada educação. Com essa “política de formação”, os nossos educadoresnão evoluem, não conseguem ultrapassar o limite do conhecimento quepossuem.

Convencer-me e fazer-me vibrar com um indicador de quatro emeio do atual Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB),numa escala que vai de zero a dez, eu não consigo. Na minha concepção,temos que evoluir muito, nesse sentido também. Se estamos na defesa deuma educação que valorize seu quadro de funcionários e que investedignamente os recursos desse setor na melhoria e superação dosindicadores negativos, não é mais possível pensar a educação sem metas,sem plano estratégico daquilo que se pretende alcançar, com vistas àqualidade, à relevância do ensino e à aprendizagem dos alunos.

Defendemos, assim como bem o faz Martins (2004), umaeducação que traz, nas suas práticas educativas, o desafio de exercitar acontextualização e a interdisciplinaridade como estratégia para contrapor-

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se aos males da pedagogia moderna que se pauta pelos princípios daneutralidade, da formalidade abstrata e da universalidade dos saberes edas práticas. Foi assim que sempre se fez nesse país e no mundo: umaeducação pautada em princípios europeus – levando-nos, frequentemente,a questionar as razões de estudarmos isso ou aquilo –, ou seja, umaeducação universalista que precisava chegar a todos os lugares do mesmojeito como se as pessoas fossem exatamente da mesma forma. Assimsendo, não é mais possível pensar e defender um modelo de educaçãoque se paute pela formalidade abstrata, em uma única perspectiva,universalizante. A universalidade não considera o contexto, aparticularidade, não dialoga com os atores locais e com os seus saberes,porque estes são considerados menores e não devem entrar na escola.

Defendemos uma educação que compreende que “todo saber ésingularizado em cada sujeito a partir de suas referências e que,portanto, todo saber é local” (RESAB, 2009, p.04). Os sujeitosconstroem os seus conhecimentos a partir da rede que eles vão tecendono dia a dia, em cujas redes, de trocas, nesses encontros, os saberes e osconhecimentos são tecidos e reconstruídos. Isso precisa ser consideradopela escola.

É no contexto dessa escola, e com essa perspectiva de educação,que a RESAB e todos aqueles que têm compromisso com uma educaçãoemancipadora se colocam, cuja perspectiva vem sendo construída commuitos embates, principalmente no âmbito dos movimentos de sociais.Não é mais possível pensar uma educação que desconsidera a questãoagrária, que se torna “neutra” diante dos conflitos sociais e que não trazisso para tematização na escola.

Fazemos opção por uma educação que se fundamenta no contexto,como ponto de partida e de chegada dos conhecimentos e saberes diversos,mas que, no entanto, não o isola ao próprio local. E aí há algo importante,pois,quando advogamos por uma educação que tem no contexto o pontode partida e de chegada dos conhecimentos, não estamos dizendo queeste é o lugar da cerca que se cria em torno do sujeito e que o aprisionajuntamente com o conhecimento, mas falamos de uma educação que busca

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a extrapolação do conhecimento.Optamos por atuar em uma perspectiva de educação insurgente,

que compreende o contexto implicado em uma teia mais ampla dereferências, fluxos, conexões e sentidos que extrapolam o recorte espacialde um território local, que compreende que os conhecimentos não sãoisoláveis e nem isolados na/da realidade, mas que os sujeitos precisamampliar, cada vez mais, a dimensão daquilo que já conhecem.

Uma educação que precisa fazer sentido na realidade vivida pelaspessoas, no lugar onde elas vivem, pois, se a educação não está a favorde um modelo de desenvolvimento sustentável e integrado, ela desconsideratodas as particularidades locais. Mas, se ela está a favor desse modelo dedesenvolvimento, ela tem de tornar-se uma ferramenta fundamental paraque as pessoas se libertem, se emancipem, que, a partir do local, elassaibam atuar melhor sobre o meio em que vivem e possam, assim, vivermais felizes.

É essa educação que vem sendo gestada pelos movimentos sociais,pela sociedade civil e por algumas iniciativas governamentais que tambémprecisam ser consideradas como prioritárias em um projeto de nação, emoutro projeto de desenvolvimento humano, sustentável e integrado, parao Semiárido brasileiro. São inúmeras as experiências que já mostram boassaídas aos problemas presentes na escola tradicional. Porém, mais umavez, questiono: o que essas iniciativas têm ensinado? O que temosaprendido com elas para que possamos rever as nossas políticas e práticaseducacionais?

Nós não podemos nos dar ao luxo de continuar tendo ilhas deprosperidades para alguns, enquanto a maioria das nossas crianças eadolescentes está em escolas sem as mínimas condições, inclusive deacesso a água. Em muitas escolas do Semiárido brasileiro, as criançastêm acesso apenas à água que nem a animal se deveria servir. Então, épreciso que revolucionemos inúmeros elementos da realidade escolar, bemcomo comunitária, que ainda se mantém por aí.

Vamos defender também uma educação onde o campo não sejacompreendido como uma continuidade do urbano, nem compreendido

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como um recurso a ser explorado, mas como possibilidade de respeito evalorização dos sujeitos que lá vivem, que seja instrumento de qualificaçãopara a vida e fundamento de outro projeto de desenvolvimento sustentáveldo campo brasileiro. Lembramos que existem tantos campos quanto sãoas singularidades dos mesmos. O campo do Semiárido brasileiro é um, odo Litoral é outro, o das pessoas que vivem nas ilhas é outro, o dospescadores é outro, mas, ainda assim, com toda essa diversidade, estãounidos pelo mesmo interesse, qual seja, da valorização dos seus espaços,das suas singularidades, razão pela qual devem estar incluídos em umprojeto de nação para o campo brasileiro.

Nesse sentido, é preciso levar em consideração essas questões,bem como a compreensão da educação enquanto elemento de qualificaçãodessas pessoas para que elas, a partir do acesso ao conhecimento e bense serviços a que têm direito, melhorem cada vez mais as suas condiçõesde vida.

Uma educação nessa perspectiva, em que o contexto seja o pontode partida e de chegada, tanto no espaço da escola rural ou urbana, ou,mais especificamente, na educação do campo e na educação do Semiáridobrasileiro, não é tão fácil de ser concretizada, pois urge o desprendimentode várias questões e signos que estão arraigados nos sistemas e noseducadores.

Às vezes, falamos sobre educação do campo dando a entenderque a educação da cidade vai às mil maravilhas, e não é bem assim. Osmeninos e as meninas da cidade visitam iniciativas inovadoras de educaçãodo campo e saem de lá dizendo: como eu gostaria de estudar em umaescola dessas! Minha escola não me ensina a pensar sobre o mundo emque vivo!

Isso é um desafio, porque, para se pensar uma educação nocontexto do Semiárido, no contexto do campo brasileiro, é preciso quepassemos a assumir, no movimento, as dificuldades presentes na gestãodo sistema educacional público, o que, frequentemente, torna muito lentosos processos, podendo, muitas vezes, inviabilizar sua implementação.Exemplificando: as Escolas das Famílias Agrícolas, que realizam uma

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educação não estatal, têm mais de quarenta anos no Brasil, no entanto,existe um empecilho legal que impede o governo de apoiar essa importanteiniciativa. Esse, assim como outros, é um problema próprio da gestãoeducacional pública, sobre o qual precisamos repensar, para a busca desoluções, desde que estas não conduzam a situações em que muitos,descompromissados com o público ao qual efetivamente deveriam servir,possam delas se beneficiar, ao arrepio da lei e da ética.

Precisamos assumir aquilo que vem sendo constituídotensitivamente pelos movimentos sociais para qualificar a gestão do sistemapúblico, aquilo que vem sendo produzido na construção coletiva, no apoioda gestão compartilhada da educação no Semiárido brasileiro. Mas, comoisso pode ser assumido pelo estado no sentido de melhor qualificar,permanentemente, nosso sistema público, principalmente nos municípiosonde as ações podem estar sujeitas a não ser implementadas?

Outro exemplo vem de um município que conhecemos, cujo nome,também por razões éticas, aqui não será revelado. Nesse município, aprofessora se achou no direito de fazer das suas práticas e ações aquiloque ela bem entendesse. Como não há monitoramento das práticas, poiso sistema não consegue dar conta de saber quem está em cada sala deaula e o que cada professor vem fazendo, as coisas acontecem a la vonté.Em uma dessas situações, a professora, porque tinha apenas vinte alunosna sala de aula, e desses, dez estavam bem à frente dos demais nosconhecimentos, a mesma se achou no direito de liberá-los para irem paracasa. Ou seja, a velha ideia do mais forte e do mais fraco. Se o educadornão tem a capacidade para dar conta de uma sala com essa diversidade,o sistema tem a obrigação de criar as condições para que ele seja capazdisso, pois não tem o direito de negar os dias letivos e de aprendizagem atodos os seus alunos.

Constata-se, aí, um vício de um sistema que não está bemorganizado, permitindo que essas aberrações aconteçam. Não se trata deculpar o professor, pois este é um agente fundamental no processo, masque, muitas vezes, se o sistema permite, ele vai se acomodando. É preciso,portanto, que o sistema seja mais efetivo, acompanhe as práticas que vêm

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sendo implementadas e consiga mapear as suas competências para cumprirmelhor com as suas atribuições, a fim de não transformar a educação emfaz-de-conta.

Forjar uma educação de qualidade é também investir na construçãode um currículo descolonizado e contextualizado. Descolonizar o currículopassa por romper com o seu caráter preconceituoso, que desconsidera onegro, que apresenta o índio como símbolo da preguiça, que fundamentaos livros didáticos em produto do mercado e não de facilitador daaprendizagem e de acesso ao conhecimento. Sendo assim, é precisodescolonizar essas ideias e essas imagens que fazem parte do contexto daprodução do livro didático.

A efetividade do direito à formação inicial e continuada dos nossoseducadores também faz parte dessa opção de educação, o que se constituiem outro grande desafio, pois esse é um direito que vem sendohistoricamente negligenciado, levando-os, muitas vezes, a utilizar seuspróprios recursos financeiros, geralmente minguados, para custear suaformação, já que o sistema não lhes tem garantido essa possibilidade. Oque geralmente lhes é oferecido são cursos de finais de semana, ofertadospor universidades particulares ou por empresas de eventos, que, muitasvezes, não dispõem das mesmas condições de formação dos cursosregulares. Mudar, para melhor, a educação exige grandes investimentosnisso, também.

Democratizar a gestão e os espaços da educação é algo inadiável,pois a escola não pode ser um espaço do diretor; precisa ser um espaçoda comunidade educativa, ser um espaço do qual os pais e alunos sintam-se partes integrantes, partícipes do processo, caso contrário, a escolapassa a figurar apenas como um prédio, que nada de relevante o seja paraaquela comunidade.

Faz-se necessário investir em materiais didáticos e paradidáticosautóctones para a região, que tragam as suas trajetórias históricas, as suasformações culturais, as suas possibilidades, as suas gentes. A RESABteve uma experiência com o livro didático Conhecendo e Semiárido -volumes I e II; o Piauí construiu recentemente um material próprio,

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intitulado Conhecendo o Semiárido Piauiense, atualmente sendoutilizado por seus educadores; o Ministério da Educação vem apoiandoiniciativas nesse sentido. No entanto, é preciso que sejamos maispropositivos e tenhamos mais capacidades instaladas, o que é outro grandedesafio aos municípios, principalmente quando se trata da proposição depolíticas públicas educacionais.

Outro elemento a destacar é que, mesmo quando há compromissopolítico para se repensar a educação, se não temos nos municípios acapacidade instalada, as políticas não acontecem. Um exemplo disso temsido a dificuldade e burocracia para se elaborar um projeto para o MEC.Essa dificuldade contribui para que, a cada ano, os recursos que sãodestinados para apoio a projetos retornem ou sejam remanejados, porqueos projetos não chegam ao Ministério, e, quando chegam, muitos delesnão conseguem sequer receber a denominação de projetos, pois nãoatendem às exigências. No âmbito da maioria dos municípios da região,elaborar um projeto educacional para quaisquer dos ministérios é umproblema enorme, é um deus-nos-acuda, sem se levar em conta que muitosdesses municípios desconhecem estas outras fontes e caminhos definanciamento, pois dispõem apenas das transferências constitucionais.

Ao se discutir uma política para as classes multisseriadas, osespecialistas de gabinete acham-na a melhor proposta do mundo, mas, aoser questionado, o professor que efetivamente atua em sala multisseriadaapresenta sérias restrições a esse formato de organização do espaço e dotempo da sua turma. Eu, particularmente, nunca encontrei, dentre aquelesaos quais fiz esse questionamento, um que fosse favorável. Mas, se é umarealidade, uma problemática, temos de buscar as melhores saídas. Temos,assim, mais uma ilustração de como são pensadas as políticas que nãotocam no Contexto, razão pela qual, insistimos, precisam dialogar comaqueles que vivem e fazem a educação.

O saber da experiência é um saber que não podeseparar-se do indivíduo concreto em quem encarna.Não está, como o conhecimento científico, fora de nós,mas somente tem sentido no modo como configura

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uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou,em definitivo, uma forma humana singular de estar nomundo que é por sua vez uma ética (um modo deconduzir-se) e uma estética (um estilo). Por issotambém o saber da experiência não pode beneficiar-sede qualquer alforria, quer dizer, ninguém pode aprenderda experiência de outro a menos que essa experiênciaseja de algum modo revivida e tornada própria.(BONDIA, 2002, p. 03)

Não é mais possível replicar as experiências se não reconstruirmoso caminho por onde um novo processo educacional, contextualizado,deverá estar caminhando, que considere e valorize as próprias dinâmicaslocais. Sem isso, reproduziremos, simplesmente, tudo novamente,conduziremos a educação a um neo-colonialismo.

Considerações finais

A Educação Contextualizada para a Convivência com o SemiáridoBrasileiro não pode ser entendida como o espaço do aprisionamento doconhecimento e do saber, ou, ainda, na perspectiva de uma educaçãolocalista, mas como aquela que se constrói no cruzamento cultura – escola– sociedade – mundo. A contextualização, neste sentido, não pode serentendida como a inversão de uma lógica curricular construtora e produtorade novas excludências.

Com isso, não se está propondo apenas trocar a uva pela maçãou a caixa d’água pela cisterna ou pelo o que quer que seja. É o sentido ea significação daquilo que está colocado nos livros didáticos. Não é,simplesmente, trocar a pera pelo umbu, não é isso! Mas é o sentido e osignificado que o umbu tem na vida das pessoas, na relação daquele frutocom o meio ambiente, daquela árvore no ecossistema e na cadeia produtivalocal, e muito mais. Isso é construção do conhecimento e não somentesubstituição de imagens e ou textos, porque, se assim fosse, estaríamosinvestindo na mesma perspectiva, construindo o mesmo processo de

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exclusão, só que, agora, a partir do contexto.É esta a concepção de educação que vem sendo materializada

em inúmeras práticas educativas realizadas pelos movimentos sociais, pelasONG´s, pelas pastorais, pela RESAB, pelo poder público e por muitoseducadores que se encontram espalhados pelo Semiárido Brasileiro.

Portanto, não somente nessa região, mas em todo o Brasil, aeducação somente será um direito subjetivo efetivo, quando cada um denós, no lugar onde nos encontramos, puder contribuir com a nossa partenessa caminhada em direção à transformação das pessoas para que elaspossam mudar o atual estado das coisas.

Referências

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VEIGA, José Eli. Cidades imaginárias. O Brasil é menos urbano do que

se calcula.2ª ed. São Paulo: Campinas: Autores Associados, 2003.

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EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL NO SERTÃO1

Josemar da Silva Martins (Pinzoh)2

Palavras Luminosas

Minha memória encontra apenas pontos borrados,com espaços iluminados aqui e ali, de todo modo descontínuose borrados. Sei apenas que houve um dia, quando estávamosna roça – provavelmente a roçar com foices o muçambê pretoque havia virado praga – quando os nossos primos, filhos detio Ioiô e tia Carminha, Gigi, Dinô, Mazim – exceto Viva eXanda, que já eram mais crescidos para irem à escola – e,além daqueles, Jorge, filho de Paulino e Guiomar, mas criadopelo velho Petú, pai de Ioiô e quase meu avô, passavam lá noalto da encosta, indo para a escola. A algazarra, que a gentenomeava simplesmente como zuada, era grande, típica de umbando de meninos indo para a escola juntos, quando seaproveita o percurso para fazer estripulias inconfessáveis,principalmente se vai junto alguma menina, e ia, a filha deTonhazão, e outra prima dos primos, sobrinha de tia Carmina,que viera passar uns dias com ela para estudar. Iam para aescola e aquilo me despertava curiosidade; uma curiosidade

1 Este texto procura sintetizar as questões abordadas na disciplina Educação e DiversidadeCultural, ministrada pelo seu autor no Curso de Pós-Graduação em EducaçãoContextualizada para o Semiárido¸ realizado na Universidade Estadual do Piauí (UESPI),Campus de São Raimundo Nonato, em agosto de 2009.

2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Humanas III (DCH III), da Universidadedo Estado da Bahia (UNEB), em Juazeiro/BA. Doutor em Educação pela Faculdade deEducação (FACED) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail:<[email protected]>.

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misturada à vontade de me ver livre daquela foice e daquelemuçambê preto, de flor branca e caule grudento, de cheiroforte e infestado de abelhas e besouros.

Nossa vida ali dividia-se entre o tempo molhado e otempo seco – três meses de fartura de verde, cheiro, sapo,água, leite, lama e outras muitas molenguices...; o resto doano era escavando o chão para arrancar de suas entranhasalguma gota de água. O início das aulas coincidia com essemomento de festejo pela exuberância que rapidamente vinhae ia, e de trabalho intenso, para preparar a terra e aproveitaralguma molhação. Aquele muçambê preto, de flor branca ecaule grudento, de cheiro forte e infestado de abelhas ebesouros era a pura expressão de que aquele tempo era o dafartura e da esperança, e nos impunha pressa em tirar a prova.Escola era para depois.

A palavra escola eu já conhecia e já sabia que a ela ia-se para aprender a ler e a escrever, afinal, naqueles tempos,“aprendeu, não leu, o pau comeu”. Não por este mote, mas,pelo puro acontecimento de ir à escola, já aí residia um bocadode fascínio, diferente do que nos motivava a enfrentar aquelapraga de muçambês. Meu pai havia prometido nos colocar naescola. Mas foi naquele contexto de foices, muçambês ebesouros que ouvi outra palavra que a mim me apareceusuficientemente luminosa para que dela eu jamais esquecesse:aluno. Meu pai disse distraidamente: “Eita! Os alunos de Baianavão ali numa zuada!” Aluno ligava-se, em minha cabeça, àpalavra alumínio, que eu conhecia não apenas dos caldeirões,tachos e panelas que havia em casa, mas de uma memóriamais reluzente ainda, a das bolas prateadas – dizíamosniqueladas – que encimavam as antenas que ladeavam daboleia do caminhão de Antônio Roquete, que nos aparecia ali,todos os anos, agredindo os marmeleiros das estradas estreitas,para garimpar sacas de algodão ou alguma de feijão ou milho,

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que porventura tivesse sobrado das reservas de cada casa,dedicadas à alimentação da família ou ao plantio no anoseguinte. Imaginava-se que aquelas bolas niqueladas docaminhão de Antonio Roquete eram de alumínio.

Mas a palavra aluno, por via de sua conexão com apalavra alumínio e por via da conexão desta com as bolasniqueladas das antenas do Caminhão de Antonio Roqueteainda ligava-se a outra palavra: buzina. A primeira buzina queouvi – um tanto assustado e ainda sem saber nomeá-la – nãofoi nem daquele caminhão, que com o tempo foi se tornandomuito familiar, mas foi de algum carro atolado lá na Lagoaou na passagem do riacho, perto de Samuel. Quem caíssenaquele atoleiro buzinava para que os homens da redondezase compadecessem e aparecessem por lá para empurrá-lo elivrá-lo do atoleiro. A meninada corria junto, quase sempre àfrente, de pés descalços a bater na bunda, para chegarprimeiro. Era um acontecimento que se aparentava aoinusitado. A primeira buzina que ouvi, como uma espécie deapito estranho e potente, que ecoava nas encostas e o nosbaixios, era algo que meus ouvidos não tinham aindaexperimentado e para o qual eu ainda não tinha uma palavra.Saía, provavelmente, de alguma rural ou jipe, pois lembroapenas que os para-choques e as maçanetas das portas do talcarro eram todos prateados, niquelados. A palavra buzina,quando enfim a ouvi, se ligava, em minha cabeça, a outrapalavra que ouvi de conversas distraídas dos adultos, masque havia se reforçado no dia em que meu pai chegou-noscom carros de plásticos – dizíamos “de mangaba” – e afirmavaque aqueles carros eram “feitos de fábrica”, e junto à palavrafábrica soltou outra, não sei em que contexto: usina.

Escola, aluno, alumínio, buzina, usina... O meu mundocomeçava a se povoar de palavras estranhas que me traziamum mundo de todo modo reluzente, como aquelas bolas que

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encimavam as antenas que ladeavam a boleia do caminhãode Antonio Roquete. Enxada, foice, facão, faca, caldeirão,tacho, frigideira, caneco, também reluziam, pois eram de aço,folha de flandres ou de alumínio. Panela não, que aindausávamos de barro, assim como os aribés, feitos pelo louceiroMané Sebão. Mas, aluno, alumínio, buzina, usina eram para mim“palavras parentes”, vindas provavelmente de um mesmooutro mundo, diferente do meu, e que me sugeriam algo muitomais reluzente, fosse pelas suas luminosidades verdadeiras,fosse apenas pela luminosidade que uma palavra empresta àoutra quando as colocamos lado a lado. Eu sabia que essaspalavras não diziam a mesma coisa, mas elas se aparentavam.Aluno mesmo eu não sabia o que era: sabia apenas que essapalavra me remetia a algumas imagens brilhantes.

Aluno e escola eram, ao seu modo, palavras que meremetiam a um mundo que eu apenas começava a desejarpelo mistério que a ele se associava – e, como sabemos, hásempre algo brilhante no núcleo turvo dos mistérios. Taissonoridades sugeriam que havia mundos diferentes do que euvivia ali, e que estes mundos se tocavam em suas bordas, semde todo se misturarem, mas havia alguma passagem de um aoutro, talvez através daquele caminhão de boleia, antenas ebolas niqueladas; talvez através daquela rural ou jipe no meiodo atoleiro; talvez através da escola e seus alunos – palavraque até então eu não sabia exatamente o que era, mas sabiaque era algo que brilhava.

Educações

Preferi começar este texto trazendo um fragmento biográfico. Oquase-conto “Palavras Luminosas” dá notícia do fascínio que a nomeaçãodo mundo exerce sobre nós. Mas ele fala de um fascínio exercido por

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palavras que não são “naturalizadas” na linguagem ordinária de umacomunidade rural, o tempo todo sacudida por estas estranhezas que vêmde “outro mundo”. Este conto fala de “educação e de diversidade cultural”,de um modo bem particular. Gostaria de utilizá-lo como chave para abordartais temas.

A ementa da disciplina “Educação e Diversidade Cultural” contémtemas como os seguintes: “a escola, o projeto político pedagógico e adiversidade de contextos no Brasil; a relação currículo, cultura eIdentidade; as tendências em práticas pedagógicas contextualizadas:a interface Educação do Campo e Educação Contextualizada para aconvivência com o Semiárido”. Parece muito – e é! – para uma disciplinade apenas 30 horas. Mas são assuntos relacionados, com os quais estamosenvolvidos desde algum tempo, especialmente quando nos colocamos naexperiência de organização da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro(RESAB), e desde antes, quando entrei na Universidade, como professor,e propus, em 1995, o meu primeiro projeto de pesquisa na UNEB, campusde Juazeiro/BA, que se chamou Capacitação e Acompanhamento deProfessoras Rurais da Área de Conservação da Ararinha Azul.

Foi, de certo modo, este projeto que me levou, posteriormente,ao meu curso de Mestrado, quando então pude retornar à comunidaderural onde nasci – e onde tais “palavras luminosas” me sacudiam na minhainfância – para reencontrá-lo mudados, ambos, ele e eu. Foi em taisprocessos de trabalho, de pesquisa e de engajamento, que fui, aos poucos,re-elaborando minha forma de ver o mundo e de vê-lo através dos modoscomo o nomeamos. Esta é uma primeira educação. Uma educação quese dá no seio da cultura e dos fluxos comunicativos diversos que aconstituem.

Esta seria uma primeira relação, espontânea e inevitável, entreeducação, cultura e diversidade cultural. Aqui não estamos falando deescola ainda, como espaço formal da educação; tampouco estamosformalizando educação ou cultura em um campo específico do trabalhohumano. Aqui estamos situados no domínio da informalidade absoluta,sem fronteira ou então no espaço de uma “fronteira cega”, onde o que

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educa não foi deliberadamente elaborado para este fim, ou foi, mas nãodiz. É a produção da vida que educa, sem que o trabalho produtivo, aelaboração simbólica, a linguagem, a fé, a festa, a moralidade ordinária,estejam em campos separados.

Podemos nomear este primeiro núcleo semântico do termoeducação como educação informal, sendo esta transversal a qualqueroutra aplicação do termo educação. Sempre haverá este domínio nãocontrolável e não programável da educação, misturada à vida e a seusprocessos, incluindo outros diversos processos educativos formalizados.Disso podem nos falar com mais detalhe Brandão (1982) e Carrano (2003).Mas aqui eu acrescento que todos os fluxos e estímulos que constituemum meio social, sem que se separem educação, comunicação e cultura,são típicos deste primeiro entendimento do termo educação. Educamo-nos aprendendo a pronunciar o mundo, a nomeá-lo. Aprendemos pelascores e pelas formas, pelas texturas, pelos cheiros e sabores, pela rudezde certas palavras, pelo afago de outras; pelas estórias que os adultoscontam, para ninar ou para assombrar.

Educam-nos as primeiras narrativas, contadas no terreiro, nacalçada ou ao pé da cama, sussurradas ao pé do ouvido, com todos osbafos do afeto. Educam-nos as notícias, os acontecimentos – nos quais aspalavras, os gestos, os olhares, os sentimentos, as feições de reação, vãoproduzindo um entendimento tão minucioso, que um olhar ou umasobrancelha arqueada, por exemplo, sem que se explique nada antes,pode conter um discurso inteiro, que por inteiro entendemos.

Uma conversa distraída, um adjunto festivo, um modo de fazeralguma coisa viram aprendizado porque são registrados e singularizadosem nossa existência, em nossa subjetividade. Viram o que Edgar Morin(1991; 2000) chama de impressões matriciais. Talvez outra imagem dissoseja a de que a formação de nossa subjetividade se faz pelo sistema “murobranco-buraco negro” do qual nos falam Deleuze e Guattari (1996), emque a nossa “rostidade” (a formação daquilo que chamamos “a cara” dapessoa) é resultado de todo tipo de inscrição no “muro branco” e deremessa ao “buraco negro”. A produção do sentido do mundo e suas

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significâncias não existem sem um muro branco sobre o qual se inscrevemos signos e as redundâncias. “A subjetivação não existe sem um buraconegro onde aloja sua consciência, sua paixão, suas redundâncias”(DELEUZE & GUATTARI, 1996, p. 31). Pequenas coisas e até sutilezasque jamais nomearíamos, porque são da ordem do imperceptível, do corposem órgão, das forças sem lei que não têm lugar na lucidez da razão, eainda as alegrias, as dores, os odores... estão incluídas no universo dosfluxos que perfazem a produção da vida e que se registram em nossoscorpos.

Esta é não apenas a primeira educação e a mais constante e efetiva,mas também a mais diversa. Mas será sempre uma diversidade duplamentesingularizada. Em primeiro lugar, singularizada no espaço social, onde secruzam e se territorializam os fluxos do mundo, dali e de longe. Escola,aluno, alumínio, buzina, usina serão palavras cujos sentidos serão sempresingularizados pelo contexto de vida dos ouvintes-falantes. E, depois disso,há uma singularização mais radical que é aquela que ocorre em cada sujeito,diz respeito ao modo como esses fluxos vão compor inscrições singularesno “muro branco” e fazer remessas inimagináveis ao “buraco negro” decada um.

Todos nós temos histórias e estórias das mais fantásticas em relaçãoàs nossas vidas. E todas elas falam de nossa relação com o mundo, comaprendizados que tivemos, mesmo quando apenas brincávamos. As ideias,as fantasias, os credos, os medos, os pecados, os preconceitos, asdemarcações territoriais, os parentescos, o trabalho, o dinheiro, o amor,o sexo, o tabu, o crime, a honra. Tudo isso perfaz um contexto de vida,uma noosfera, nos termos de Edgar Morin (1991; 2000), constituída portodos os signos, ideias, palavras com seus sentidos, que organizam epossibilitam o nosso viver.

Outro sentido que atribuímos ao termo educação é geralmentenomeado como não formal. Aqui se situam processos de aprendizadosorganizados para este fim, mas que não ocorrem numa escola, dentro desua carga horária “regular”. Tratar-se-iam de processos de formaçãoorganizados, por exemplo, por um sindicato, por uma empresa, com

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finalidades diversas e específicas – podendo, inclusive, acontecer dentrode uma escola, mas não fazendo parte das regulamentações que definemo que é uma escola e quais as suas funções e finalidades. Evidentementeque, também aqui, as circunstâncias de uma dimensão informal daeducação não têm como ficar totalmente de fora, pela sua ubiquidade(posto que está em toda parte); mas a dimensão não formal, ao contrário,destina-se a objetivos bem precisados.

Um terceiro sentido do termo educação é o que conhecemoscomo educação formal. A isso corresponde a escola, com seus aparatos,estruturas, regulamentos, currículo, funções e finalidades, rituais etc. Hásempre uma tendência de reduzirmos o termo educação a esta suadimensão formal e escolar. Seria um erro e desserviço. No entanto, aeducação formal, a escola, é algo extremamente amplo e complexo. Aescola tem, evidentemente, pelo menos na experiência ocidental, umformato inconfundível. É difícil não reconhecer uma escola, onde quer quea encontremos. A sua universalização não apenas foi um dos pilares quesustentaram a ideia de Modernidade – pois dominar a leitura, a escrita e ocaçulo constitui-se em uma das principais reivindicações modernas – mastambém o que se universalizou foi um formato mais ou menos igual. Todasas variações de países, culturas, línguas etc. não foram suficientes paraproduzir formatos diferenciados. Exatamente porque a mesmamodernidade que a expande, expande uma determinada mentalidade quelhe é inerente, não interessada em dialogar com a diversidade do mundo,nem sequer “servir a” esta ou dela “se servir”.

Ao contrário, a diversidade foi tomada como o grande empecilho,o grande entulho, contra o qual a própria escola e toda a ideia deescolarização se colocavam contra. Uma perspectiva higiênica,profundamente vinculada à ideia de racionalidade e de ordem, tornou-seinstrumento de aniquilamento e de silenciamento de toda diversidade. Aescola foi, inicialmente, esta empresa da homogeneização. Talvez por issotambém, em minha cabeça de menino da época dos muçambês, a relaçãoentre escola, aluno, alumínio, buzina, usina fosse mais do que umarelação de parentesco, ligada a um mundo da técnica e da racionalidade.

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Mas, evidentemente, este projeto homogeneizador não se realizoucomo deveria. No meio rural, onde estudei, numa escola unidocente emultisseriada, a escola era feita de sobras. Ela própria era uma imagemincongruente com o próprio ímpeto modernizador. Então, íamos à escolacom nossos calções com presilha na frente e nossos cheiros de galinhadepenada. Sentávamos um do lado do outro com nossos repertórios enarrativas em parte compartilhados, em parte totalmente distintos, comnossa gramática cheia de saberes implicados na vida que se produzia ali,cruzada de horizontalidades mutuárias, parentais, e de verticalidades de“outro mundo”. Mas isso oficialmente não importava para a escola. Omundo que a erigia e a justificava era outro, de longe, e seu trabalho eraapagar o que éramos para supostamente nos produzir “outros”, estranhosde nós mesmos.

É importante frisar que tendo eu nascido no meio rural – numdeterminado meio rural –, a minha relação com a palavra campo, porexemplo, é bem particular. No lugar onde nasci, num povoado chamadoSão Bento, interior do município de Curaçá/BA, o meio rural ésimplesmente nomeado como “as caatingas” e a cidade, “a rua”. E comoa cidade fica na margem do Rio São Francisco – diz-se “bêra do rio” –, omeio rural ou “as caatingas” formam a “área de sequeiro”. Campo era aliuma palavra rara, com a qual só nos relacionávamos por via da linguagemurbana: era de lá que vinha a pronúncia “homem do campo”.

Um dia, próximo ao final do ano, meu pai trouxe para casa uma“folhinha” – que era como chamávamos os calendários dados comobrindes pelas lojas, e como forma de fazer certo tipo de publicidade – e,nesta “folhinha” havia diversas pinturas, uma imagem para cada um dos12 meses do ano; uma dessas pinturas era uma mulher jovem e loira, comlábios rosados, bem vestida num vestido colorido, longo e cheio debabados brancos na altura dos seios, ao estilo europeu medieval, comchapéu de abas longas e uma cesta de frutas que eu ainda não conhecia,como uvas, maçãs, peras etc. Esta imagem era a reprodução de algumquadro de algum artista famoso, provavelmente europeu, que não lembroo nome, cujo título da imagem, me lembro bem, era “A Camponesa”.

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Atrás dela, compondo o cenário, um campo verde, com árvores robustas,flores e borboletas multicoloridas.

A gente ficava de boca aberta contemplando aquele paraíso.Achando que Deus tinha sido ingrato demais conosco, que passávamostrês meses do ano nos safando do aguaceiro que caía, e os outros novemeses, cavando fundo de riacho para arrancar de lá alguma gota de águapara nós e para os animais, que eram todos parte da família. Mas a escolanão tratava disso! Silenciava! Por isso mesmo acho que a palavra campoainda soa estranha para muitos de nós, para os quais a imagem daquelacamponesa ainda remete a outro lugar.

Lá no mato onde vivi até os 13 anos de idade, campo mesmo eraonde os homens iam campear. Era a extensão das caatingas, de matofechado, onde alguma vaca parida ou novilho por vezes se embrenhava etinha que ser buscado, perseguido, laçado, derrubado, peado, encaretadoe trazido de volta ao curral. Mas a escola passava longe disso, a não serpela presença de nossos pés rachados e mal lavados no chão da sala.

Diversidade Cultural

Meu pai era agricultor e sapateiro. Sustentava-nos emparte do que tirava da roça – feijão de corda, abóbora,jerimum e melancia, quando ainda o verde verdejava, e feijãode arranca e milho, depois quando esturricava, guardadosem potes de barro ou garrafas de vidro, lacrados com cera deabelha, para não dar o gorgulho. Mas dava! Outra parte dosustento vinha do que ganhava fazendo e consertandocalçados. Vinha gente de muito longe para fazer encomendase muitas pessoas esqueciam de vir buscar o queencomendavam. Nossa casa era de barro, de taipa, feita emmutirão pelos vizinhos e parentes, assim que meu pai resolveucasar-se com minha mãe. Tinha uma cozinha com fogão alenha, dois quartos, duas salas, uma dispensa, duas portas,uma na frente e outra atrás, três janelas e mais uma banda da

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porta da frente, que podia ser aberta em forma de janela, naparte de cima. Um dos quartinhos era para empilhar os sapatose todo tipo de calçado que eram enviados ao meu pai e,consertados ou não, ficavam esperando um dono que sedemorava sempre em vir buscá-los.

Não havia luz elétrica, nem água encanada. Quandocrianças, nem sabíamos o que era isso. Mas meu pai haviaestudado uns 30 dias e aprendido a ler e a escrever, já que ostempos eram de menos verborreia e mais praticidade. Elecomprava querosene para os candeeiros, óleo de soja para asfrituras, farinha, rapadura, café cru, em caroço, tudo numabodega que o velho Jovino Pereira tinha em sua propriedade,com casa grande, de tijolo e caiada. Nós é que éramos da“periferia rural”, mas lixo ali não havia, que não tinha o quejogar fora. As latas de querosene de 18 litros eram utilizadaspelas mulheres para carregarem água na cabeça, de lá da fontedo riacho até a casa. As latas de óleo, feitas de flandres,viravam medidas, candeeiros ou canecos para encher as latasmaiores. Comprava-se pouco, a maior parte fiada, para pagarna época das safras no tempo da invernada.

Um dia, papai avisou que ia à feira. Palavra nova!Explicou que uns comerciantes da cidade tinham montadobarracas no domingo passado ao lado do prédio da escola deBaiana. Neste domingo teria feira novamente! E teve! Mas Zéde Souza, dono da propriedade e pai de Baiana, haviaterminado a feira antes do fim e expulsado os feirantes. Nasemana seguinte haveria muitas barracas do outro lado doriacho do Jaquinicó, em frente à casa grande de Né Pereira,embaixo de dois pés de tamarindo, com muitos jumentosamarrados nas catingueiras e alguns carros vindos da cidade.Barulho, fumaça, cheiro e chiado de frituras, fedores do cocôdas montarias. Fez-se a feira do São Bento! E dela fez-se opovoado! E ali os fluxos se cruzaram cada vez mais com mais

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velocidade. Manoelzinho Sergipano trazia farinha em seucaminhão e dava carona para meio mundo de gente –promessa! Vinham uns vendedores de banha de todo tipo, comcascos enormes de tartaruga, cobras gigantes dentro de caixas,canetas-cinema para os mais adultos verem imagens demulheres nuas, e um microfone grande preso ao pescoço, tipoSílvio Santos, que eles usavam para enganar os bestas. A feiraera então a grande novidade das nossas vidas.

Ali na feira tudo se parecia com uma imagem que sóconheci depois: a do Coronel Aureliano Buendía, diante dopelotão de fuzilamento, lembrando de quando foi com o pai,conhecer o gelo. Lembrando dos ciganos, acampados pertode Macondo – uma pequena aldeia de vinte casas de barro etaquara – em grande alvoroço de apitos e tambores, dando aconhecer os novos inventos do Velho Mundo. Primeiro o imã,que o cigano Melquíades chamava de a oitava maravilha dossábios alquimistas de Macedônia e que, em demonstraçãopública, arrastando lingotes metálicos pela pequena aldeia,exerceu um imenso espanto nos habitantes dali, já que oscaldeirões, os tachos, as tenazes e os fogareiros caíam do lugar,e as madeiras estalavam com o desespero dos pregos e dosparafusos tentando se desencravar, e até os objetos perdidoshá muito tempo apareciam onde mais tinham sido procurados,e se arrastavam todos em debandada turbulenta atrás dosferros mágicos de Melquíades.

Estes são trechos do livro “Cem Anos de Solidão”, de GabrielGarcía Márquez (1995), que me remetem à imagem da feira e de todosos cruzamentos que ela possibilitava; todas as aberturas e ambivalências.Depois que a feira virou povoado, ninguém queria saber de ficar enfiadonos matos; queria vir para a vila, jogar, beber, brigar e reivindicar águaencanada e luz elétrica, que, afinal, agora chegou. Mas, desde que opovoado ganhou um gerador de energia, e depois algumas placas de

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energia solar, já havia chegado a televisão. Agora parece uma cidade: temenergia elétrica, carros, motos, geladeiras, fogões a gás, antenasparabólicas, bolsas-família, bares, blusas de malha escritas em inglês emuitos nomes internacionais para os meninos, tais como Jeffersonn,Michael, Obama, Zydanne, Karollaine, Wesdley, Ewellynn, Sheristone,Dionny, Uólace, Rhondinelly – sempre com H, K, Y, W – e, maisespecialmente, com dois F, dois L, dois N, dois T etc.

Não apenas os nomes dos meninos estão repletos dessas marcasestrangeiras, mas o lixo, que se produz cada vez mais ali, pelo volume decoisas feitas especificamente para serem jogadas fora, é muito internacional:suas colunas de rebotalhos, onde o plástico predomina, trazem marcas deempresas made in China, Índia, Estados Unidos, Europa. No geral, estamosbem de cultura... e de lixo – que é sempre mais globalizado e maiscosmopolita do que nós!

Aos poucos, as procissões para roubar santo e forçar a piedadeDo Pai para fazer chover foram sendo atravessadas por essa necessidadede espetáculo, típica de nossa época. As brincadeiras com osso e chifrede bicho morto foram sendo deslocadas pelas narrativas que a televisãodistribui; os jumentos foram sendo liberados do sofrimento físico, paradar lugar ao barulho das motos tangendo bode. Mochila de milho foi dandolugar aos mililitros de gasolina. Agora já podemos perfilar os índices deIDH, para os quais dinheiro é peça fundamental, sem, contanto, explicar aqualidade de vida que temos agora e suas novas dependências, já queestamos todos modernos – com todas as complicações que o termocongrega!

Dimensões da Cultura

A palavra cultura é cheia de armadilhas. Em geral a tomamoscomo algo dado, que nomeia alguma coisa digna. Temos na cultura umideal de pureza, e quando a vida mistura os signos, nós aventamos que “acultura está se perdendo” e é preciso resgatá-la, como um bicho que seafogou no riacho e é preciso recuperar sua carcaça. No entanto, a cultura

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é dinâmica e não exige nenhuma essencialidade. Desde as bordas doMediterrâneo, e mesmo antes, somos destituídos de qualquer pureza. Masdizer isso não é afirmar nada de bom ou de ruim!

Em geral, a cultura pode ser entendida como algo que, como quasetudo, pode ser dividida em três perspectivas, como o fizeram Félix Guattarie Suely Rolnik (1996): cultura valor, cultura alma coletiva e culturamercadoria. A primeira perspectiva diz respeito àquilo que conhecemoscomo alta cultura, circundada por uma aura valorativa que é sustentadamenos pelos artistas e mais pelos curadores, críticos de arte, marchands,empresários, produtores, jornalistas, colecionadores, etc. Um tipo decultura cujos signos principais encontram-se nas belas artes, nas artesplásticas, na dança, na música, que se produzem em círculos fechados eservem a um mercado de consumo bem especializado, sofisticado,refinado.

Evidentemente, depois dos ready mades3 de Marcel Duchamp edos dadaístas, esta aura já foi diversas vezes deslocada, desconstruída,destituída, passando à esfera do puro conceito. Restam apenas ossimulacros do que um dia fora!

A segunda perspectiva diz respeito às “tradições populares”, umacultura democrática, posto que todo mundo possui uma, e é onde se instalaa questão da chamada “identidade cultural” de pessoas e lugares. Aqui éonde se poderia falar em “cultura nacional”, em “cultura regional” ou aindaem “cultura local”, onde certas configurações de expressão estética ouritualística popular acabam sendo arroladas como “a verdadeira cultura”,cultura de raiz etc. Não deixa de apresentar problemas, exatamente porquea fronteira onde isso se separa das outras coisas é inexistente.

3 O termo ready made foi utilizado por Marcel Duchamp, no início do século XX, paranomear o deslocamento que este fazia de objetos da vida cotidiana, objetos prontos,industrializados, a princípio não reconhecidos como “artísticos”, para o campo das artes,a exemplo da “Roda de bicicleta” (1913), “Porta-garrafas” (1914), “Fonte” – que naverdade era um penico de luxo da época (1917) e outros.

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A terceira perspectiva diz respeito à cultura como mercadoria,corresponde, evidentemente, à cultura de massa. Corresponde não apenasao mercado de bens culturais, mas ao mercado de bens de consumo, de ummodo geral. Aí, já não há julgamento de valor, como na primeira perspectiva,da cultura valor, nem territórios coletivos da cultura, como no segundoconceito, da cultura como alma coletiva, mas, tampouco essas são coisasseparadas, uma vez que, depois da chamada indústria cultural, a mercadoriapassa a definir todos esses outros âmbitos da cultura. Uma obra original dePicasso é uma mercadoria como qualquer outra. A única diferença é que elaé destinada a um público específico, circula em um determinado setorsofisticado e específico do mercado de bens culturais e pode até contarcom uma “bolsa de valores” específica. Um samba de roda, por sua vez,como expressão da “alma coletiva” de uma comunidade, também pode seconstituir em mercadoria, na medida em que vire produto de consumo,gravado em disco e disposto num mercado geral de bens culturais.

Fora de um âmbito específico, a cultura também pode ser qualquercoisa que consumimos e que, de todo modo, nos subjetiva, como Coca-Cola, cigarros, carros, celulares, formatos de festas de aniversário,formatura ou de casamento, modos de entretenimento, ou qualquer outracoisa. Um fogão a gás ou uma moto, não sendo coisa tipicamente cultural,impacta definitivamente no seio da cultura. Todas essas coisas, portanto,se amparam na cultura e formam a cultura, e todas aquelas mercadoriasmais específicas da cultura formam o que conhecemos como indústriacultural, onde os objetos da cultura são transformados em mercadoriaque servem também para amparar a venda de estilos de vida, de statussocial. Tais mercadorias encarnam o que Guattari e Rolnik (1996)chamaram de “modos de semiotização dominante”, ou seja, por meio dacompra dos produtos culturais, nós também consumimos visões de mundoe objetos de distinção social dominantes, integradas à lógica do“Capitalismo Mundial Integrado” (CMI). Ultimamente, a questão tem sedeslocado para a qualidade das mercadorias culturais, cada vez maisdestinadas a achatar os modos de percepção, ou seja, os “modos desemiotização dominantes” parecem concorrer para a produção de uma

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sociedade um tanto dopada. Somente assim a máquina do consumoalienado continua a fazer girar a roda das fortunas.

Educação e Diversidade Cultural

Discutir educação e diversidade cultural é entrar nesses territórioscontestados, onde nenhuma relação é natural ou gratuita. No entanto, épreciso destacar que essa relação hoje não pode se constituir sem oscruzamentos aqui apontados. Além disso, a educação que outrora filiava-se a uma grande narrativa hegemonicamente homogeneizante, disposta aoapagamento dos “Outros” em função da produção de um “Mesmo”, branco,macho, cristão e europeu, agora está sendo forçada a dar-se como espaçode expressão de todas as vozes que foram silenciadas no processohistórico. E agora, que já não há mais uma narrativa grande, totalizante ecolonizadora, a dizer o que é certo ou errado, nós somos todos os órfãosque tentamos desenhar nossos próprios caminhos.

A escola que se esboça hoje não deixa de ser conflituosa eparadoxal, exatamente pelo fato de que ela tende a ser de todos, pelomenos formalmente, que portam o direito subjetivo a ela. Este é um princípiode igualdade! No entanto, estes “todos” não podem ser pensados a priori,a não ser em situações concretas de acontecimento, onde uma diversidadede sujeitos leva ao espaço escolar suas demandas por “educações”diferenciadas, que começa pelo reconhecimento do Diverso. Entre nós,este dilema apresenta-se conforme formulou Boaventura de Souza Santos(2002, p. 75): “Temos direito à igualdade sempre que a diferença nosinferioriza. Temos direito à diferença sempre que a igualdade nosdescaracteriza”.

Na escola, o mesmo jogo dialético se coloca na relação entreIDENTIDADE e DIFERENÇA. Na maior parte das vezes, as lutasidentitárias nutrem-se da busca pela reconstituição e reconhecimento deuma diferença, embora haja abordagens que separam esses termos demodo até ortodoxo. O fato é que nosso desafio do presente é fazer aeducação dialogar com as diferenças, com as micronarrativas, com a

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reconstituição e re-elaboração da memória soterrada por longos processosde exclusão.

Aquilo que hoje conhecemos como inclusão não pode se realizarse for apenas de modo formal ou quantitativo. Inclusão é a inclusão doOutro, dos sujeitos em suas DIFERENÇAS: cultura, visões de mundo,pertencimentos, escolhas pessoais. Temos hoje uma enorme quantidadede Diretrizes Operacionais emanadas do Conselho Nacional de Educação(CNE) e do Ministério da Educação (MEC). Temos ainda um númerovasto de ações governamentais no campo da Cultura, abrindo espaçospara experimentos de re-elaboração cultural a partir daquilo que foi pormuito tempo excluído, silenciado.

Todas estas perspectivas que se abrem são perfeitamenteconciliáveis com a ideia de contextualização, que temos adotado no campoeducacional. Mas aqui é importante destacar que contexto é constituídotanto de elementos materiais quanto imateriais, em ligação complexacom o mundo. É preciso produzir posturas críticas tanto em relação aoque chega de fora e se instala vorazmente pela força do capital, quantoem relação ao que se fecha no localismo bairrista. Os sujeitos têm direitoa “sua” cultura, e têm direito a todas as outras. A escola deveria ser esselugar de conexões, de aberturas, de pesquisa, de constituição de novasnarrativas, a partir da riqueza dos sujeitos e suas histórias.

A Educação do Campo é hoje um “campo” formidável para pensaresses paradoxos e essas possibilidades que se abrem. Deveríamos apenasabandonar o saudosismo de um campo bucólico que nunca houve e encararos apetrechos tecnológicos que se esparramam pelos territórios ruraiscomo novas complicações e como novas oportunidades. A questão quedeveria nortear nossos trabalhos deveria ser: “como é que faz para andarna frente?”. Isso significa que temos de ser melhores no que fazemos,porque já não há mais o “Grande Outro” pelo qual esperar ou para culpá-lo pelas nossas mazelas. Se já estamos no poder, façamos acontecer deum jeito novo e justo! E, neste caso, se antes o casamento entre educaçãoe cultura tomava a cultura dos sujeitos como o primeiro obstáculo a serenfrentado e vencido, removido para dar passagem à carruagem do

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desenvolvimento, agora são os sujeitos e suas culturas o mais rico manancialde produção do conhecimento pertinente.

Nas aulas em São Raimundo Nonato, experimentamos a composiçãode relatos de infância, todos eles muito ricos. Todos eles excelentes literaturas.Mas deveríamos nos capacitar a tirar proveito disso. Deveríamos aprendera pesquisar melhor isso e a escrever livros, bons, bonitos, bem elaborados,para dispor nas escolas, nas bibliotecas, para não ficarmos presos à condiçãode leitores colonizados, que, para pensar, esperam sempre uma autorizaçãovinda de fora; ou então que esperam que algum agente de fora diga que oque somos e o que temos tem algum valor – no geral, este valor é expropriadodos sujeitos para gerar divisas para outrem. Então, como é que faz paraandar na frente? Acho que nossas oportunidades agora são muitas!

Referências

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O CURRÍCULO COMO ESPAÇO DE DIÁLOGO ENTREAS DIVERSIDADES SOCIOCULTURAIS DO SEMIÁRIDO

Elmo de Souza Lima1

Introdução

Observamos que poucas são as discussões desenvolvidas nasescolas do Semiárido acerca do tipo de sujeito que se deseja formar equal o tipo de sociedade precisamos construir para atender aos anseios eas necessidades dos sujeitos que vivem nessa região. Menor ainda é apreocupação das instituições de ensino em articular seus projetos educativoscom um projeto de desenvolvimento sustentável.

Constatado isso, verificamos que, nas escolas espalhadas pelosertão nordestino, poucos são os debates desenvolvidos pelos profissionaisda educação acerca das práticas curriculares, bem como os conteúdosculturais, políticos e sociais que são veiculados de forma explícita e/ouoculta através das práticas pedagógicas dos professores.

Diante desse contexto, realizamos uma pesquisa em duas escolasdo Município de Pimenteiras, no Semiárido piauiense, com o intuito deanalisar os processos de construção do currículo, seus enfoques político-metodológicos e os desafios que precisam ser superados no sentido deconstruir uma política curricular que valorize a cultura, os saberes e osvalores locais, possibilitando a formação de sujeitos críticos e autônomos.No processo de coleta de dados, realizamos entrevistas semiestruturadascom professores, alunos e coordenadores pedagógicos na perspectiva deidentificarmos se o currículo escolar favorecia a valorização e o diálogo

1 Pedagogo, Mestre em Educação e Professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: <[email protected]>.

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com a cultura local.Desse modo, este texto traz as principais ideias e reflexões colhidas

nesse processo de pesquisa. No primeiro momento, fizemos uma brevecaracterização do Semiárido, destacando seus limites e potencialidades.Em seguida, destacamos os desafios que estão colocados para osprofissionais da educação com relação à construção de currículos escolaresque dialoguem com as diversidades socioculturais e ambientais dessa região,a fim de construir novos projetos educativos voltados para a formaçãocrítica dos jovens e, consequentemente, a transformação das condiçõesde vida das pessoas que vivem no Semiárido.

Um olhar sobre a educação no Semiárido piauiense

O Semiárido piauiense abrange uma área de 125.692 km²,correspondendo a 57% da área total do Estado e 14% da área do semiáridobrasileiro. É uma região de clima meio árido, marcada por irregularidadesde chuvas, que varia entre 500 a 700mm anuais, tendo como vegetaçãopredominante a caatinga. Envolve 151 municípios (70% dos municípiospiauienses) e uma população de, aproximadamente, 1 milhão de pessoas(PIAUÍ, 2005).

Nesta região, é possível identificar os mais variados problemasenfrentados pela população empobrecida: a dificuldade de acesso a águae alimentos em quantidade e com boa qualidade para o consumo humano,principalmente, nos períodos de estiagem prolongada; os elevados índicesde analfabetismos etc. Esses problemas são frutos da estrutura excludenteque predomina na área, baseada na concentração de terra e de água,além da dificuldade de acesso da agricultura familiar aos meios e recursosnecessários à produção agrícola e pecuária.

Apesar de ser conhecida, pela maioria das pessoas, devido ao altoíndice de pobreza, o Semiárido brasileiro tem grandes potencialidadestanto na área turística como na área da produção de alimentos, tais comoo mel, o caju, a cabra e tantas outras atividades que se adaptam àscaracterísticas geoambientais da região.

153

Os principais problemas dessa região não são decorrentes somentedas questões climáticas e ambientais, mas dos problemas sociais e políticosvivenciados historicamente. Desde a colonização, o sertão nordestino vemsofrendo com a má utilização do seu ecossistema, que passou a ser devastadopara criação de gado, provocando um desequilíbrio ambiental; e a grandeconcentração da terra e da água, que consolidou o processo de dominaçãopolítica pautado no autoritarismo e no abuso de poder dos “coronéis”,contribuindo definitivamente para a implementação de uma cultura políticabaseada na submissão, no comodismo, no paternalismo e no clientelismo.

Se não bastassem todas essas questões, as oligarquias do Nordestecriaram, no final do século XIX e início do século XX, uma nova estratégiapolítica voltada para disseminação de uma imagem negativa sobre o sertão,associado-o à pobreza, à miséria e à fome, com o intuito de captar recursosjunto ao governo federal.

Entretanto, verificamos que esses discursos construídos sobre osemiárido, enquanto espaço de pobreza e miséria, também foramincorporados nas narrativas educacionais, construindo no imaginário dasociedade brasileira uma verdade sobre o Semiárido que nem semprecondizia com a realidade vivenciada pelas pessoas.

Segundo Mattos e Kuster (2004), a educação desenvolvida noSemiárido é construída sobre valores e concepções equivocadas sobre arealidade da região. Uma educação que reproduz em seu currículo umaideologia carregada de preconceitos e estereótipos que reforçam arepresentação do Semiárido como espaço de pobreza, miséria eimprodutividade, negando todo o potencial dessa região e do seu povo.

O fato de as escolas incorporarem em seu currículo representaçõesque caracterizam as pessoas dessa região como “coitadinhas”,“pobrezinhas”, “incultas”, construindo caricaturas e estereótipos desertanejo carregados de preconceito, merece uma análise cuidadosa. Essapode ser uma estratégia de neutralização das pessoas pela inferiorizaçãode sua cultura.

De acordo com Foucault (apud COSTA, 2002), as relações depoder são estabelecidas principalmente no campo da cultura e da

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subjetividade. Nesse caso, ao inferiorizar a cultura do outro e desvalorizaros seus saberes, se estabelece uma relação de controle e de poder, onde,por meio do currículo, torna-se possível construir e/ou fabricar um modelode identidade padrão para homens e mulheres.

Nos últimos anos, com o crescimento das discussões em tornodos Estudos Culturais, observamos que se ampliaram as preocupaçõescom relação às narrativas que são produzidas e disseminadas peloscurrículos escolares, principalmente, sobre os grupos marginalizados. Paramuitos pesquisadores do campo do currículo, a maioria dos discursos edas narrativas propagadas através das escolas traz em sua essência aconstrução de novas relações de dominação e controle, em que os gruposmarginalizados são considerados como grupos inferiores que precisampassar por um processo de reeducação para poder incorporar novosvalores aceitos pelo pensamento hegemônico construído pela eliteeconômica. De acordo com Silva (1999, p. 136),

[...] os estudos culturais permitem-nos perceber ocurrículo como um campo de luta em torno dasignificação e da identidade. A partir dos estudosculturais podemos ver o conhecimento e o currículocomo campos culturais, como campos sujeitos àdisputa e à interpretação, nos quais os diferentesgrupos tentam estabelecer sua hegemonia.

Diante dessas releituras desenvolvidas sobre o currículo com basenos Estudos Culturais, passamos a olhar e a analisar a educaçãodesenvolvida no Semiárido brasileiro a partir de novos parâmetros políticose pedagógicos, distanciando-se de um conjunto de “verdades” que nosfizeram acreditar historicamente. Para Martins (2004, p. 34),

[...] a educação escolar que se dirige aos vários pontosda imensidão do território brasileiro é uma educaçãodescontextualizada e, por sê-lo, é também colonizadora,ou seja, ela se dirige hegemonicamente de umadeterminada realidade – atualmente majoritariamenteesta realidade é a do sudeste urbano do Brasil.

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Diante disso, Martins e Lima (2001) propõem que sejadesenvolvido um trabalho de descolonização da educação por meio daconstrução de uma educação contextualizada que favoreça um diálogopermanente entre o conhecimento científico e o saber popular, entre o quese aprende na escola e a possibilidade concreta do desenvolvimentohumano sustentável.

O processo de (des)construção do currículo nas escolas doSemiárido

O processo de construção do currículo nas escolas do Semiáridobrasileiro precisa ser compreendido como um momento importante nadefinição do rumo da educação que será desenvolvida pelas escolas daregião. É por meio do currículo que se define o modelo de sociedade e operfil de sujeito que se quer formar para atuar numa determinada

sociedade. De acordo com Moreira e Silva (1994, p. 08),

[...] o currículo não é um elemento inocento e neutro detransmissão desinteressada do conhecimento social. Ocurrículo está implicado em relações de poder, o currículotransmite visões sociais particulares e interessadas, ocurrículo produz identidades individuais e sociaisparticulares.

Diante do levantamento que fizemos junto a professores doSemiárido brasileiro, percebemos que a concepção de currículo queprevalece em muitas escolas ainda está limitada à compreensão de currículoenquanto atividade técnica e organizacional dos conteúdos. Por isto, osprofessores compreendem que o processo de construção curricular limita-se à escolha do livro didático e à seleção dos conteúdos a seremtrabalhados durante o ano letivo.

Essa interpretação torna-se evidente quando analisamos osdepoimentos dos professores com relação ao processo de construção docurrículo, em que a maioria respondeu explicando como ocorre o processo

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de seleção dos conteúdos.São selecionados aqueles conteúdos que a gente vêque é mais importante para o aluno. Por que não dápara vê a unidade toda, então são selecionadosaqueles conteúdos mais importantes, tendo comoreferência o livro didático (Diretora).

Eu discordo da maneira como são definidos osconteúdos, pois eles impõem e a gente só recebe(Professora 02).

Esse tipo de compreensão demonstra que as escolas não têmreferenciais consistentes que orientem a construção do currículo e,consequentemente, o processo de seleção dos conteúdos. As informaçõesfornecidas pelos professores indicam que a construção do currículo nãoparte de uma reflexão sobre as demandas sociais apresentadas pelacomunidade.

Selecionam-se os conteúdos a partir de percepções e interessesdos professores, sem uma análise coletiva cuidadosa sobre o que realmentedeve ser trabalhado em sala de aula e qual a verdadeira intenção ao setrabalhar tais questões. São, portanto, currículos que reproduzem umconjunto de valores e interesses impostos pelos grupos hegemônicosenquanto que os saberes e as diversidades culturais dos povos do Semiáridosão negados e/ou silenciados no contexto das práticas educativas.

A falta de um referencial mais consistente que auxilie os professoresno processo de construção do currículo das escolas faz com que estes sevoltem, quase que exclusivamente, para o livro didático para selecionaros conhecimentos e valores a serem trabalhados em sala de aula, conformeexpressou o coordenador pedagógico:

Mais uma vez, infelizmente, ainda é o livro didáticoquem está determinando o conteúdo a ser trabalhado,a ser estudado e explorado na escola. [...] o livro aindaestá em primeiro lugar na seleção dos conteúdos.(Coordenador pedagógico).

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A atitude dos professores de limitar a concepção de currículo aosimples processo de seleção dos conteúdos, sem fazer uma ampla reflexãosobre os aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais dascomunidades e sem refletir sobre o tipo de sociedade que se quer construire o perfil de sujeito necessário para atuar nesta sociedade, demonstra odesconhecimento que muitos profissionais da educação têm quanto àimportância do currículo na definição da identidade dos sujeitos sociais ena afirmação do modelo de sociedade que será construído através daação da escola. Nessa direção, Silva (1999, p. 15) afirma que

[...] nas discussões cotidianas, quando pensamos emcurrículo pensamos apenas em conhecimento,esquecendo-nos de que o conhecimento que constituio currículo está inextricavelmente, centralmente,vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo quenos tornamos: na nossa identidade, na nossasubjetividade.

Essa compreensão do currículo, alimentada por muitos professores,fundamentada nos princípios tradicionais, reduz o universo da práticapedagógica ao debate em torno dos conhecimentos consideradosverdadeiros, pelos livros didáticos, negando a diversidade de saberesconstruídos pelos alunos no meio social.

Os professores devem compreender que o processo de seleçãodos conteúdos para compor o currículo não é algo meramente técnico,mas uma ação carregada de intenções políticas. Tendo em vista que:

Selecionar é uma operação de poder. Privilegiar um tipode conhecimento é uma operação de poder. Destacar,entre as múltiplas possibilidades, uma identidade ousubjetividade como sendo a ideal é uma operação depoder (SILVA, 1999, p. 16).

Neste caso, todo ato pedagógico está envolvido numa relação depoder, num campo de disputa que nem sempre os professores têm

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consciência deste fato e participam deste processo. Na maioria das vezes,professores e alunos são envolvidos neste jogo de poder como peças dexadrez que vão sendo manipuladas de acordo com os interesses dos gruposque detêm o poder de controlar o sistema educacional.

Entretanto, percebemos também que os professores já demonstramuma preocupação com relação aos conteúdos trabalhados em sala deaula. Quando questionamos se os conteúdos abordados nas escolas doSemiárido atendem às necessidades dos alunos, os professores afirmamque os conteúdos estão distantes da realidade dos jovens:

Atende em parte, [...] é porque hoje você não tem quetrabalhar só conteúdo e sim a questão de formação decidadãos críticos e participativos. Que essa é uma novaperspectiva. No novo planejamento já se vê isso. Maseu acho que não atende não, tem muita coisa queprecisa ser modificada ainda. [...] os conteúdos nãotêm uma relação direta com a vida dos alunos. O quetem é muito pouco [...]. Nós temos alunos que estãona escola e se ausentam uma semana porque têm queir para a roça ajudar os pais. (Professora 01)

O depoimento confirma que a descontextualização da educaçãooferecida no Semiárido piauiense não se refere somente às questõespedagógicas, mas também no campo da gestão e da administração escolar,já que os horários de funcionamento das aulas não levam em consideraçãoas necessidades dos jovens e a dinâmica de vida de suas famílias. NoSemiárido, a maioria das famílias vive da agricultura e no período de colheitaelas se envolvem com essas atividades, por isto, os alunos são obrigadosa ausentarem-se das aulas e acabam sendo prejudicados, já que as escolasmuitas vezes não estão sensíveis a essa problemática.

Verificamos, portanto, um distanciamento entre a vida escolar e avida dos alunos. A escola cria sua dinâmica própria de funcionamento e,de certa forma, quer obrigar a comunidade a adequar-se às suas normascomo se a escola fosse algo externo à comunidade e estivesse chegandocom o poder de determinar a dinâmica de funcionamento dos grupos

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sociais. Nesse caso, a instituição de ensino chega imbuída do espíritocolonizador de tal forma que, além de assustar as pessoas, transforma arelação com a comunidade num processo de submissão, no qual as suasdeterminações passam a ser incorporadas como norma essencial para aconstrução do desenvolvimento local.

Essa postura de distanciamento da escola com relação àcomunidade reflete, de certa forma, a visão de desprezo e desvalorizaçãoque ela tem quanto aos saberes e a cultura das comunidades. Com essavisão imbuída de preconceitos com relação aos saberes populares, a escolase coloca na condição de instituição responsável pela disseminação deuma “cultura culta” que vai elevar o padrão de vida das pessoas das classespopulares, tendo como referência o modelo estabelecido pelas classesdominantes.

Desconstruir essa compreensão acerca do papel da escola, quefoi incorporada pela maioria dos professores, vai exigir muito esforço dosgestores da educação e dos projetos de formação de professores, poisrequer não só uma mudança metodológica, mas também um envolvimentoe um comprometimento político dos professores com os processos detransformação das práticas pedagógicas e, consequentemente, com atransformação de um conjunto de valores disseminados na sociedade.

Esse processo de sensibilização dos profissionais da educaçãopara o exercício de uma prática pedagógica democrática e comprometidacom a transformação social torna-se um dos grandes desafios a seremsuperados pelos sujeitos que atuam na escola e lutam pela construção deuma educação que possibilite mudanças sociais no sertão (LIMA, 2008).

A construção de projetos educativos comprometidos com atransformação das práticas pedagógicas e curriculares implementadas nasescolas do Semiárido passa pela construção de estratégias que ampliem arelação entre as escolas e as comunidades, possibilitando um diálogo maiorentre aquilo que se aprende na unidade de ensino com os saberessocioculturais construídos pelos alunos no meio social.

Essa preocupação com relação à valorização dos saberes e dasvivências das comunidades também é compartilhada por Resende (1998,

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p.37), quando afirma que:

[...] professores e comunidade escolar trazemembutidos em seu pensar e em seu fazer o princípio deque só existe uma história, a que é escrita, restrita epadronizada no livro didático, quando nós somos,como a África, um continente permeado peladiversidade e pela oralidade de regiões tão fortes emseus valores, dogmas, costumes e princípios.

Neste contexto, o processo de construção do currículo precisaser compreendido como um ato de grande responsabilidade política, poisenvolve uma complexidade de elementos que vão influenciar diretamentena vida das pessoas e da comunidade. Por isto, deve ser construído, pormeio de um processo participativo e democrático, envolvendo os grupossociais que estão diretamente envolvidos com a ação da escola.

Quanto à construção do currículo contextualizado no Semiárido,avaliamos que esse trabalho só terá êxito se for planejado de formaparticipativa, envolvendo as organizações sociais e instituições que atuamnas comunidades, com o intuito de garantir que as pessoas dascomunidades consigam ver seus anseios e desejos contemplados nosdebates de sala de aula, através de uma prática pedagógica que seja capazde romper os muros das escolas e interagir com as atividades comunitáriase os projetos socais desenvolvidos pelas organizações sociais.

Para a efetivação de uma proposta de educação contextualizadano Semiárido, torna-se necessário rediscutir o modelo de gestão dasescolas, construindo uma proposta baseada no princípio da autonomia eda gestão democrática, onde a participação dos alunos, dos pais e dosprofessores seja real e não simbólica. Uma participação que seja efetiva eprocessual, em que esses sujeitos tenham uma atuação significativa naconstrução das diretrizes políticas e pedagógicas que nortearão as açõesda escola, e não uma participação pontual e esporádica como vemacontecendo atualmente (GADOTTI, 1997).

A proposta de Educação Contextualizada no Semiárido não pode

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limitar-se somente aos aspectos didático-pedagógicos, precisa assumirum caráter político-pedagógico de transformação. Não pode ser umprocesso educativo desenvolvido de forma mecânica e dentro de quatroparedes sem considerar e envolver os elementos sociais e culturais quetanto influenciam a vida dos sujeitos sociais.

Deve ser uma educação construída e discutida no contextohistórico dos sujeitos sociais envolvidos com a proposta pedagógica, poisnão se pode trabalhar uma educação sem vida, sem sentimento, sempoliticidade, pois a educação está em constante movimento e, como afirmaFreire (1987), não pode ser desenvolvida sem ser concebida como umato político, com grande poder de transformação social.

O espaço da cultura popular no currículo escolar

A educação contextualizada no Semiárido brasileiro precisavalorizar a cultura popular2 das comunidades como forma dereconhecimento da história sociocultural das pessoas e reafirmação desuas identidades, buscando fortalecê-los enquanto sujeitos sociais capazesde reconstruírem suas histórias e suas vidas. No entanto, percebemos quea educação, atualmente, oferecida no Semiárido pouco tem valorizadoessa cultura. Na maioria das vezes, essa cultura popular vem sendo negadae silenciada tanto pelos livros didáticos quanto pelos professores, quedesconhecem sua importância para a formação crítica dos alunos.

Analisando os depoimentos dos professores, percebemos que seusdiscursos tanto reafirmam a ideia de que as escolas não trabalham com a

2 A expressão cultura popular será utilizada neste texto a partir do conceito utilizado porGiroux e Simon (1994, p. 109) que a definem como um conjunto experiências e saberesque se constituem em símbolos e significados que dão sentido à vida das pessoas. Sãopráticas que refletem a capacidade criativa e inovadora das pessoas, que transcendem oconhecimento e as tradições recebidas. Os autores também alertam para o risco de não seconfundir a cultura popular com a cultura de massa que é produzida mecanicamente edistribuída como produto cultural e/ou mercadoria.

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cultura popular, como demonstram que muitos docentes desconhecem oque realmente vem a ser a cultura popular. Quando questionamos se aspráticas pedagógicas desenvolvidas pela escola dialogavam com a cultura

popular do município, assim expressaram:

Não. Está começando. Porque em Pimenteiras nóstemos a questão do reisado, as quadrinhas, tem aquestão das lendas. Pimenteiras tem a lenda do fogoencantado que talvez se você falar para alguns alunosaqui eles não saibam. Aqui tem um fogo, chamado atéfogo da veia toca, que diz que a noite você vê o fogo,mas quando você chega lá não tem. Tem também aquestão das inscrições rupestres que tem em algunslugares aqui, mas eu nunca vi não. Mas existem essasinscrições. Os alunos sabem, mas até eu vim tomarconhecimento há uns três anos. (Professora 01)Muito pouco, até mesmo porque nossos professoressão muitos bitolados nos livros e nosso livro não éum livro local e aí precisa ser trabalhada a questão dacultura local. Nós temos uma cultura que estápraticamente morrendo, temos uma cultura rica, nossomunicípio é rico na cultura, mas está praticamentemorrendo por falta de incentivo e nossa escola nãoestá cultivando, não está incentivando odesenvolvimento da cultural local. (Coordenadorpedagógico)

Verificamos que os interlocutores da pesquisa reconhecem opotencial da cultural popular e até destacam sua importância para odesenvolvimento do município, mas não conseguem transportar essariqueza cultural e pedagógica para a sala de aula. Os professores atédemonstram uma inquietação quanto à importância de se trabalhar maiscom os elementos da cultura popular, no entanto, não se sentem preparadospara desenvolver essas atividades, devido às limitações em sua formaçãoe à escassez de materiais didáticos, já que os livros didáticos ignoram acultura do sertão.

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As dificuldades enfrentadas pelos professores quanto à construçãode alternativas que possibilitem a inserção da cultura popular comoconteúdo de debate na sala de aula, demonstra que o sistema educacionalfoi arquitetado a partir de objetivos e metodologias que não permitissemo diálogo com a diversidade cultural. Neste sentido, o livro didático tornou-se um instrumento de grande importância para disseminação da culturados grupos sociais dominantes, como “verdades únicas” e “absolutas”,que acabaram sendo incorporadas pelos professores, fossem através doscursos de formação de professores, fossem por meio dos próprios rituaisdidático-pedagógicos desenvolvidos nas escolas (SANTOMÉ, 1998).

Nesta perspectiva, as escolas enaltecem e reproduzem em seuscurrículos as culturas dos grupos dominantes e ignoram, discriminam,negam, silenciam ou trabalham de forma pontual e superficial as culturasdos grupos populares. Como é narrado pelos alunos e professores:

Porque aqui a gente trabalha com festividades. Nestasfestividades da escola são envolvidas essas culturas,mas na prática do dia a dia isto é mais devagar.(Diretora)

Sim, a gente sempre coloca a vaquejada, o folclore,quadrilha, no tempo das festas juninas, nas datascomemorativas. (Professor 02)

Era trabalhado nas festas juninas, que é muitoimportante aqui na escola, aliás, no município, porqueSão João Batista é o padroeiro da cidade. Então nomês de junho. É algo importante que foi trabalhado na

escola. Agora tem outras partes da cultura como o

reisado, o São Gonçalo, isto também faz parte da cultura

de Pimenteiras e isso não foi trabalhado na escola.

(Aluna 01)

Notamos que muitas escolas, além de não incorporarem oselementos da cultura do Semiárido em seus currículos, discutem um conceito

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de cultura popular bastante limitado, compreendendo-a comomanifestações culturais, desconsiderando um conjunto de elementos sociais,místicos e religiosos que fazem parte da vida das pessoas e têm um grandevalor simbólico para as comunidades. Compartilhando dessa ideia, Araújo(2007, p. 92) afirma que:

[...] os acervos das tradições culturais do Semi-áridose constituem como fontes primordiais que deveminspirar e dar cromaticidade às ações do educar nessesrincões sertânicos realçando nos indivíduos o sensode pertencimento a um grupo, a uma comunidade, nacontextualidade das manifestações que perfazem ocotidiano desses povos.

Para Santomé (1998), essa forma de trabalhar a cultura popularnarrada pelos professores é muito perigosa, pois acaba criando a ideia deum “currículo turístico”, composto de ações isoladas que pouco contribuempara recuperar o conjunto de valores e saberes historicamente negadospelo currículo oficial. Por isso, ele acrescenta: “não podemos cair noequívoco de dedicar um dia por ano à luta contra os preconceitos racistasou a refletir sobre as formas adotadas pela opressão das mulheres e dainfância” (p. 172).

Essa forma de trabalhar a cultura popular de maneira festiva acabacriando uma relação de distanciamento entre a escola e a cultura. A culturapopular passa a fazer parte do ambiente escolar, de forma momentânea,como algo exótico que precisa ser apreciado e conhecido pelos alunos,sem a menor preocupação em construir uma reflexão mais ampla sobre opapel e o significado daquela cultura para vida e a história das pessoas.Portanto, a cultura popular vem para dentro da escola para ser apreciada,sem nenhum sentimento de pertença e sem valor sócio-histórico para aspessoas, pois é compreendida como coisa do passado, sem muito valorpara os “tempos modernos”.

Diante desse contexto, observamos que as escolas, no momentoem que não valorizam a cultura do Semiárido, acabam negando a história

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de vida das pessoas, sua riqueza cultural, seus saberes milenares, em favorde um saber que vem de fora, muitas vezes, com pouco sentido para osalunos por serem descontextualizados e fragmentados. Sendo assim, aescola atua ideologicamente através do currículo, referendando a culturadas classes dominantes e discriminando a cultura das classes populares.

Segundo Giroux e Simon (1994), a cultura popular sempre foiconsiderada pela elite como uma cultura banal, pobre, sem valor intelectuale, por isso, indigna de legitimação acadêmica ou prestígio social para serutilizada pelas escolas. No entanto, os autores afirmam que “[...] a culturapopular representa não só um contraditório terreno de resistência, mastambém um importante espaço pedagógico onde são levantadas relevantesquestões sobre elementos que organizam a base subjetiva e das experiênciasdos alunos” (p. 96).

Diante dessas reflexões, verificamos que, apesar das tentativas denegação e silenciamento da cultura popular, através dos processos deimposição cultural desenvolvidos nos centros acadêmicos e nas escolas,as populações sertanejas vêm conseguindo manter viva a sua cultura comoforma de manter vivas as suas histórias e as suas tradições.

O trabalho de resgate e valorização da cultura popular comoinstrumento de afirmação da identidade e da autonomia dos grupos sociaisprecisa ser incorporado às atividades das escolas como forma de construirprocessos de resistências e de construção de novos projetos políticosvoltados para o desenvolvimento sustentável do Semiárido, contrapondo-se aos projetos neoliberais, globalizantes, voltados para a competição e aexclusão social.

A proposta de educação contextualizada, por ser construída apartir dos princípios da educação progressista e transformadora, deveresgatar e fortalecer os valores culturais do Semiárido, como forma degarantir a autonomia e a independência das comunidades. Além disso,torna-se necessário construirmos processos pedagógicos que ajudem osjovens a valorizarem sua cultura, por considerar que esta atividade temum papel significativo no processo de formação de sujeitos críticos eautônomos, capazes de construir uma sociedade mais justa e solidária

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(LIMA, 2008).Desse modo, a educação contextualizada no Semiárido precisa

criar mecanismo que valorize e revitalize a diversidade cultural que, durantemuito tempo, foi negada pelos currículos das escolas. Ou seja, torna-senecessário criarmos espaço nos currículos escolares para o diálogo entreas pessoas e os grupos diferentes. Para Santomé (1998, p.165), énecessário construir um novo modelo de currículo, um currículoantimarginalização, “em que todos os dias do ano letivo, em todas astarefas acadêmicas e em todos os recursos didáticos estão presentes asculturas silenciadas”.

Uma educação que desconhece e desconsidera os saberes e osvalores vivenciados e produzidos pelas comunidades, não pode contribuirna formação de cidadãos críticos e ativos, pois o exercício da cidadaniase traduz pela compreensão do mundo em que se vive e pela tomada deconsciência dos valores que norteiam a vida em comunidade. A formaçãocrítica passa pelo processo político-pedagógico de leitura crítica darealidade sociocultural do espaço em que as pessoas estão inseridas, paraque elas possam, a partir daí, construir uma visão ampla sobre o seu espaçolocal e sobre o mundo.

O currículo como espaço de diálogo entre as diversidades culturais

Uma das principais características das comunidades do Semiáridoé a sua diversidade sociocultural, tendo em vista que sua população éconstituída pela miscigenação cultural que traz traços da cultura indígena,negra e europeia. No entanto, a partir da vivência nesse espaço singular queé o sertão nordestino, os grupos sociais recriaram esses elementos culturais,produzindo um jeito especial de ser sertanejo, que, apesar das influênciasdos meios de comunicação, resiste em manter essas tradições como formade ampliar os laços de solidariedade e de fraternidade entre as pessoas.

Desse modo, os projetos educativos desenvolvidos nessa regiãodevem valorizar essa diversidade cultural como forma de manter viva ahistória desse povo, de resgatar as lutas históricas construídas em favor

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da construção de uma sociedade mais justa e democrática, assim como,de conscientizar os jovens acerca dos processos sócio-históricosvivenciados pelos sertanejos. Ou seja, o trabalho de resgate e valorizaçãoda cultura do Semiárido é necessário para que os alunos conscientizem-se da trajetória histórica que resultou na formação do modelo de sociedadeque se tem na atualidade.

Diante desse contexto, os currículos das escolas devem sercompreendidos como espaços estratégicos para a construção de diálogosentre os saberes diferentes, ou seja, os currículos precisam abrir-se paraacolher as diversidades culturais trazidas pelos alunos como forma deconsolidar o processo de democratização da escola e da comunidade. Sóteremos uma sociedade efetivamente democrática quando os vários grupossociais forem reconhecidos enquanto produtores de saberes e tiveremespaços para apresentarem os seus saberes e tê-los reconhecidos eincorporados no contexto das práticas pedagógicas das escolas.

Então, como defende Freire (1996), precisamos compreender,cada vez mais, a importância do diálogo entre as diferentes culturas comoforma de tornar as práticas formativas mais ricas com relação à formaçãohumana e crítica, transformando-as em espaços de possibilidade para aconstrução de sociedades democráticas, igualitárias e justas.Compreendemos também que a construção dessas relações dialógicasentre os diferentes sujeitos nem sempre ocorre de forma pacífica, pois,

para Freire (1992, p. 156), esse diálogo:

[...] não se constitui na justaposição de culturas, muitomenos no poder exacerbado de uma sobre as outras,mas na liberdade conquistada, no direito asseguradode mover-se cada cultura no respeito uma da outra,correndo risco livremente de ser diferente, sem medo deser diferente, de ser cada uma “para si”, somente comose faz possível crescerem juntas e não experiência datensão permanente, provocada pelo todo-poderosismode uma sobre as demais, proibidas de ser.

O Currículo como Espaço de Diálogo entre as Diversidades Socioculturais do Semiárido

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168 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

Observamos, portanto, que a construção dessas práticasformativas, fundadas no princípio da dialogicidade, exige que os docentesestejam preparados, tanto no campo teórico, quanto metodológico paramediarem os conflitos e os embates que surgirão desses diálogosinterculturais, possibilitando não a unificação das culturas e, muito menos,a negação de sua diversidade, mas a reafirmação de suas diferenças e acompreensão da importância dessa diversidade para a constituição deuma sociedade democrática.

Através do diálogo podemos reconhecer os diferentes numaperspectiva positiva na medida em que descobrimos que as diferençasnão tornam as pessoas melhores ou piores do que outras. O reconhecimentodas diferenças nos coloca na condição de seres incompletos e inacabadosque podem, na convivência com o outro, aperfeiçoar os seus conhecimentos,tornando-se melhores tanto quanto seres humanos como tambémprofissionais. Ou seja, precisamos do outro, com suas habilidades ecompetências diferentes, para avançarmos na construção de umasociedade justa e democrática.

Uma das alternativas para se construírem práticas formativasmulticulturais está associada à capacidade das instituições de ensino deaproximar, cada vez mais, suas ações dos contextos socioculturais dascomunidades, com o intuito de levar os alunos a conhecerem e refletiremsobre as práticas socioculturais, compreendendo-as numa perspectivacrítica que os ajudem a superar os preconceitos e estereótipos.

Nessa perspectiva, o currículo deve ser construído de formacontextualizada a partir das necessidades sociopolíticas e culturais dasociedade, visando a uma formação humana plena. Para tanto, osconhecimentos científicos serão abordados numa dimensão de totalidade,associada ao processo de compreensão dos problemas socioculturaisenfrentados no cotidiano dos grupos sociais, colocando-se a serviço dosprocessos de transformação social.

Os currículos escolares necessitam ser construídos a partir de novosenfoques teórico-metodológicos no sentido de garantir que esses conteúdosculturais possam ser abordados durante os processos educativos,

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possibilitando que os alunos não só compreendam os seus significados,mas os transformem em instrumentos pedagógicos essenciais para aformação crítica e autônoma dos jovens.

Esse trabalho de reconstrução do currículo das escolas do Semiáridobrasileiro passa, prioritariamente, pela revisão das políticas de formaçãodocente, a fim de possibilitar que os professores desenvolvam práticas críticase reflexivas que “legitimem os discursos e as vozes daqueles cujos padrõesculturais não correspondem aos dominantes” (CANEN, 2001, p. 212),

Diante dessa nova demanda, os cursos de formação docente devemser desenvolvidos numa perspectiva multicultural, associada “à possibilidadede reconhecer as diferenças e de integrá-las em unidades que não as anulem,mas que ativem o potencial criativo e vital da conexão entre diferentes agentese entre seus respectivos contextos” (PADILHA, 2004, p. 16).

Considerações finais

Os caminhos percorridos durante este trabalho foram importantespara compreendermos como são construídos os currículos das escolasdo Semiárido piauiense, assim como percebermos como os professoresestão distantes desse processo de definição dos componentes curricularesque são trabalhos em sala de aula.

Relatamos que a ausência de um processo de formação deprofessores construído em sintonia com as reais necessidades políticas epedagógicas das escolas torna-se um dos obstáculos para a construçãode novas práticas pedagógicas, contextualizada no Semiárido brasileiro,que favoreça a formação de sujeitos críticos e autônomos.

Verificamos também que muitos professores demonstram interesseem construir alternativas pedagógicas que proporcionem uma educaçãomais envolvente e significativa para os alunos. No entanto, sua formaçãonão possibilitou o desenvolvimento de saberes teórico-metodológicos quecontribuíssem na construção da autonomia pedagógica necessária para aimplementação de projetos educativos que dialoguem com o contextosócio-histórico do sertão.

O Currículo como Espaço de Diálogo entre as Diversidades Socioculturais do Semiárido

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Neste caso, precisamos construir processos formativos quepossibilitem aos docentes a ampliação da concepção da educação para alémdos referenciais técnico-pedagógicos, despertando nesses profissionais umasensibilidade pedagógica que propicie a construção de práticas curricularesque articulem os conhecimentos escolares com a cotidianidade dos alunos.

Por fim, constatamos que o processo de construção do currículocontextualizado no Semiárido está associado tanto ao trabalho de repensaros cursos de formação docente quanto ao processo de construção denovos modelos de gestão escolar comprometidos com a democratizaçãodas práticas pedagógicas e a valorização e o respeito à diversidade cultural.Uma gestão que crie novos canais de diálogo entre os profissionais daeducação e as pessoas das comunidades, considerando-as como sujeitoque tem uma história, uma cultura e um conjunto de saberes que não podeser negado no contexto das práticas educativas.

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O Currículo como Espaço de Diálogo entre as Diversidades Socioculturais do Semiárido

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AS CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA EM EDUCAÇÃOPARA A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTOS NO

SEMIÁRIDO

Elmo de Souza Lima 1

Adelson Dias de Oliveira2

Introdução

Discutir sobre a pesquisa em educação como alternativa para aprodução de conhecimento no Semiárido brasileiro configura-se comoum desafio devido aos processos sócio-históricos e culturais que marcarama região e à ausência de políticas públicas que fomentem o desenvolvimentode pesquisas educacionais.

Nos últimos anos, são evidentes os avanços que houve noSemiárido piauiense, na área da formação dos profissionais da educação,com a implantação e reestruturação das unidades do ensino superiorvinculadas à Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e à UniversidadeFederal do Piauí (UFPI), mas, quanto ao fomento à pesquisa e à extensão,muitos são os desafios que ainda precisam ser superados.

Dentre tais desafios, podemos destacar os limites técnico-financeiros, a ausência de projetos de qualificação de pesquisadores, bemcomo o problema quanto ao foco de análise dessas pesquisas, tendo emvista que poucas se voltam para o estudo das potencialidades da regiãono sentido de viabilizar projetos coletivos que contribuam para a

1 Pedagogo, Mestre em Educação e Professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: <[email protected]>.

2 Pedagogo pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) – CE. Pós-graduando emEducação, Cultura e Contextualidade pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB). E-mail: <[email protected]>.

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174 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

implementação de políticas de desenvolvimento sustentável.É necessário se construírem processos formativos que auxiliem na

definição, priorização e implementação de pesquisas que fomentem odesenvolvimento de projetos educativos contextualizados no ambienteSemiárido. Pesquisas que se utilizem de referenciais teórico-metodológicosque contribuam na produção de conhecimentos necessários para odesenvolvimento de novas práticas educativas e culturais voltadas para aconvivência com o Semiárido.

As pesquisas educacionais devem ajudar os docentes nacompreensão crítica dos aspectos sócio-históricos, políticos, culturais eambientais do sertão como forma de criar alternativas que viabilizem oseu desenvolvimento, mediante a utilização de conhecimentos e tecnologiasadaptadas às necessidades do Semiárido.

Diante desse contexto, este trabalho tem o objetivo de discutirsobre a importância da pesquisa em educação para a produção deconhecimentos acerca da realidade sociocultural, política e educacionaldo Semiárido, que fomente o desenvolvimento de projetos educativoscomprometidos com a formação de jovens que tenham a capacidade depensar novas alternativas de desenvolvimento para a região, aproveitandosuas potencialidades socioambientais, culturais e econômicas.

Para tanto, fizemos um resgate da trajetória histórica da pesquisaem educação no Brasil, destacando os principais avanços ocorridos ao longodos anos, bem como as principais características da pesquisa educacional esua importância para construção de uma educação de qualidade para todos.Em seguida, destacamos os principais desafios e as possibilidades para ofortalecimento da pesquisa em educação no Semiárido como forma deconsolidar os projetos educativos voltados para a formação crítica e cidadã,articulada com o trabalho de convivência com o ambiente da região.

Uma análise sobre a trajetória da pesquisa em educação no Brasil

A produção da pesquisa científica em educação no Brasil é umaatividade recente e ainda pouco difundida em algumas regiões do país. A

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grande parte das pesquisas desenvolvidas na área da educação, com apoiofinanceiro das Instituições de Amparo à Pesquisa, está centralizada nasregiões Sul e Sudeste do País. Enquanto isso, nas regiões Norte e Nordeste,os pesquisadores em educação desafiam a falta de estrutura tecnológica ecientífica, assim como a financeira, para garantir suas pesquisas a fim decontribuir para a produção de conhecimentos que ajudem nodesenvolvimento de novos projetos educativos.

De acordo com os estudos de André (2006), a pesquisaeducacional teve início, no Brasil, nos anos 30, com a criação do InstitutoNacional de Estudos e Pesquisas (INEP), vinculado ao Ministério daEducação. As pesquisas desenvolvidas naquela época eram estritamenteinstrumentais, voltadas para a avaliação das políticas oficiais e olevantamento de dados estatísticos que subsidiassem o MEC na elaboraçãodas políticas de educação.

Em 1956, com a criação do Centro Brasileiro de PesquisaEducacional, passou-se a investir na formação de pesquisadores emeducação com o intuito de ampliar as pesquisas nas áreas e fornecerelementos para ampliar a qualidade do ensino. A partir desse período, ostrabalhos científicos em educação voltaram-se para o mapeamento dasociedade brasileira no sentido de fornecer dados que alavancassem aspolíticas de educação e o progresso econômico do país (GOUVEIA,1971).

André (2006) destaca que, somente a partir da década de 70,com a criação dos cursos de pós-graduações em educação, houve umaampliação na produção das pesquisas em educação no país, assim como,os pesquisadores conquistaram maior independência política tanto dadefinição dos temas de pesquisas quanto na escolha dos referenciaisteóricos e metodológicos utilizados durante o trabalho.

Enquanto nas décadas de 50 e 60 predominavam os métodosquantitativos, a partir dos anos 70 e 80 foram incorporados referenciaisteóricos e metodológicos associados às abordagens qualitativas e críticas,com destaque para as metodologias de pesquisa-ação, teoria do conflito,etnografias, pesquisas participantes, dentre outras. Essas novas abordagens

As Contribuições da Pesquisa em Educação para a Produção de Conhecimentos no Semiárido

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metodológicas também contribuíram para o desenvolvimento de novosolhares acerca dos problemas da educação. Ou seja,

Constata-se que para compreender e interpretar grandeparte das questões e problemas da área de educação épreciso recorrer a enfoques multi/inter/transdisciplinarese a tratamentos multidimensionais. Pode-se afirmar quehá um consenso sobre os limites que uma únicaperspectiva ou área de conhecimento apresentam para adevida exploração e para um conhecimento satisfatóriodos problemas educacionais (ANDRE, 2001, p. 53).

Nesse contexto de mudança no campo da pesquisa em educação,outros dois aspectos merecem destaque: a diversificação dos temas depesquisas e a redefinição do papel do pesquisador. Com relação aos temasde estudos, destacaram-se aqueles relacionados ao cotidiano escolar, àorganização do currículo, à formação de professores, às formas deorganização do trabalho pedagógico, às interações sociais na escola, àsrelações de sala de aula, a disciplina, a avaliação e, mais recente, às questõesrelacionadas às diversidades culturais, ao multiculturalismo etc.

Quanto à redefinição do papel do pesquisador, observamos quehouve uma mudança significativa, pois, se anteriormente o pesquisadorera um sujeito de “fora”, nos últimos anos tem havido uma grandevalorização do olhar “de dentro”, “fazendo surgir muitos trabalhos em quese analisa a experiência do próprio pesquisador ou em que o pesquisadordesenvolve a pesquisa em colaboração com os participantes” (ANDRE,2001, p. 54).

Desse modo, verificamos que, a partir dos esforços de váriosprofessores pesquisadores, conquistamos avanços importantes no campoda pesquisa em educação no Brasil. No entanto, ainda temos o desafio dedemocratizar a política de financiamento, garantindo que os pesquisadoresdo Semiárido tenham acesso aos financiamentos de suas pesquisas; bemcomo, precisamos também ampliar o acesso aos cursos de mestrado edoutorado como forma de qualificar e fortalecer a produção de

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conhecimento na região.No estado do Piauí, por exemplo, temos, até o presente, apenas

o Curso de Mestrado em Educação ofertado pela Universidade Federaldo Piauí, que se dedica à formação de professores pesquisadores na áreada educação. E, mesmo assim, em seus 18 anos de funcionamento e maisde 200 trabalhos de pesquisas defendidos, somente um voltou-se para oestudo de temas relacionados à Educação no Semiárido.

As principais características da pesquisa em educação

A pesquisa em educação está associada ao processo deinquietação e busca de respostas acerca dos problemas vivenciados pelosprofissionais da educação no contexto das práticas educativas, diante dosaspectos sociopolíticos, econômicos e culturais que influenciam nadefinição/construção das políticas e das práticas educacionais.

De acordo com as análises de Gil (2002), a pesquisa pode sercompreendida como procedimentos sistemáticos de investigação e análisede determinada realidade com o objetivo de encontrar respostas para osproblemas que são propostos. Tem o papel de fornecer conhecimentosacerca dos fenômenos que envolvem a realidade pesquisada, seussignificados e processos sócio-históricos.

Contribuindo com essas reflexões, Kourganoff (1990) argumentaque a pesquisa constitui-se de um conjunto de investigações, operações etrabalhos intelectuais ou práticos que tenham como objetivo a descobertade novos conhecimentos, a invenção de novas técnicas e a exploração oua criação de novas realidades. Ou seja, “É pelo processo investigativoque podemos elaborar a síntese do conhecimento das coisas e nela formaruma imagem mental dos objetos que nos permitem transitar e transpor oconhecimento de uma realidade para o início da compreensão de outra”(GHEDIN; ALMEIDA, 2008, p. 04).

Nesse caso, pesquisamos, em educação, formas de desvendar osproblemas que perpassam pelo contexto das práticas educativas e apontarnovos caminhos e alternativas para a construção de políticas e práticas

As Contribuições da Pesquisa em Educação para a Produção de Conhecimentos no Semiárido

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educacionais comprometidas com a formação crítica cidadã e com atransformação social.

Sendo assim, concordamos com Demo (2003, p. 40) quandoafirma que “[...] pesquisar coincide com a vontade de viver, de sobreviver,de mudar, de transformar, de recomeçar. Pesquisar é demonstrar que nãose perdeu o senso pela alternativa, que a esperança é sempre maior quequalquer fracasso, que é sempre possível reiniciar”. Ou seja, pesquisamosporque acreditamos que é possível produzir projetos educativos capazesde contribuir com a formação de jovens críticos e autônomos, capazes deconstruir uma sociedade justa e democrática. Pesquisamos, também,porque

Pesquisar é, assim, a arte de deixar-se surpreender, deconservar a capacidade de assombro, de tolerar afrustração causada pelas dúvidas e incertezas, e, aomesmo tempo, de assumir-se como herdeiros deconstrutores do saber da humanidade. É um ato dereencontro com as primeiras indagações da vidaparticular e coletiva, de pensamento e reflexão sobreos caminhos percorridos pelos logos e pela razão. Éum ato de compromisso com a história (CENDALES;MARINO, 2005, p. 24).

É por isso que precisamos ousar mais no campo da pesquisa emeducação com o intuito de promover mudanças no cotidiano das escolas,tornando-as mais questionadoras, dinâmicas e envolventes. Transformaras escolas em espaços de produção de conhecimentos, através doquestionamento da realidade e da inquietação dos nossos jovens, torna-se um dos grandes desafios dos professores pesquisadores em educação.

A pesquisa como instrumentos de produção de conhecimento noSemiárido

As práticas educativas desenvolvidas nas escolas da EducaçãoBásica do Semiárido brasileiro são, na grande maioria, ações fragmentadase descontextualizadas voltadas para a reprodução de conhecimentos e

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saberes impostos, por meio de livros didáticos inadequados, comoverdades absolutas “consumidas” pelos alunos sem qualquer processo dereflexão crítica acerca dos significados e valores do que lhes é impostopara as suas vidas.

Segundo Mattos e Kuster (2004), a educação desenvolvida noSemiárido brasileiro é construída com base em valores e concepçõesequivocadas sobre a realidade da região, reproduzindo no currículo umaideologia carregada de preconceitos e estereótipos que reforça arepresentação negativa do sertão, omitindo todo seu potencial e acriatividade do seu povo.

Lima (2008, p. 94) acrescenta ainda que “a educação emdesenvolvimento no Semi-árido, além de pouco contribuir na construçãode alternativas de desenvolvimento sustentável, ignora a diversidade culturalque envolve a região e nega seu potencial humano e natural”. Nesse caso,é preciso desenvolver um trabalho de descolonização da educaçãomediante a implementação de práticas educativas que se utilizem dosfundamentos da pesquisa para a construção de novos olhares acerca darealidade da região.

Diante desse contexto, torna-se necessário o desenvolvimento deprojetos educativos que promovam processos de problematização equestionamentos acerca da realidade sociopolítica, econômica e culturaldo Semiárido com o intuito de possibilitar que os jovens possam construirnovos olhares críticos sobre os limites e as possibilidades dedesenvolvimento da região. De acordo com Freire (1996, p. 80),

Quanto mais se problematiza os educandos, como seresno mundo e com o mundo, tanto mais se sentirãodesafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigadosa responder ao desafio. Desafiados, compreendem odesafio na própria ação de captá-lo. [...] Porque captamo desafio como um problema em suas conexões comoutros, a compreensão dos resultados tende a torna-secrescentemente crítica.

As Contribuições da Pesquisa em Educação para a Produção de Conhecimentos no Semiárido

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Sendo assim, os docentes necessitam ser capacitados para odesenvolvimento de processos educativos que tenham a problematização,a reflexão crítica e a investigação como eixos político-pedagógicosnorteadores de sua ação educativa. Os processos de investigação devemser construídos de forma que os alunos possam coletivamente discutirsobre os aspectos sociais, políticos e econômicos que perpassam suavida.

No entanto, para isso, os docentes devem ser desafiados a pensarem metodologia de pesquisa que os auxiliem no desenvolvimento de suaspráticas pedagógicas, tendo em vista que, no trabalho de investigaçãoacerca da realidade, torna-se necessário a utilização de instrumentospedagógicos que auxiliem tanto os alunos quantos os professores noprocesso de construção de novos conhecimentos. Nessa perspectiva,observamos que

[...] a pesquisa apresenta a possibilidade de um diálogocom a comunidade, no sentido de uma troca de saberesentre os dois tipos de curiosidades, ou de saberes: osaber científico parte do saber do cotidiano e não voltaao cotidiano para dominá-lo, mas para possibilitar suasuperação. (MOREIRA, 2005, p. 30).

Neste caso, observamos que a educação e a pesquisa sãodimensões essenciais para a emancipação social do indivíduo em que apesquisa deve ser o princípio educativo que sustenta uma propostaemancipatória, pois, tal como afirma Demo (2003), um professor que tema pesquisa como norte de suas práticas docentes não forma discípulos,mas sim novos mestres.

O trabalho educativo, quando desenvolvido, tendo a pesquisacomo eixo norteador da ação pedagógica, além de possibilitar uma maiorapropriação dos saberes curriculares, faz com que os alunos construamuma visão mais ampla sobre o seu espaço social. Ou seja, a escolapossibilita que os jovens compreendam a realidade da sua comunidade apartir de novas perspectivas e com outros olhares.

Os processos de investigação desenvolvidos por alunos e

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professores contribuem para a desconstrução de muitas verdadespropagadas sobre a região semiárida, tendo como foco o estereótipo deespaço de fome e miséria. Neste caso, esses processos de investigaçãocrítica também têm sido importantes para a reconstrução da história dosemiárido, possibilitado a releitura de valores e a redescoberta de riquezasculturais e socioambientais historicamente negadas e/ou ignoradas nasnarrativas difundidas sobre a região.

Sendo assim, notamos que a pesquisa contribui, significativamente,para a construção de projetos educativos contextualizados no Semiáridoe, acima de tudo, comprometidos com a formação de sujeitos críticos eautônomos que busquem compreender a realidade a partir de novasinterpretações sobre aquele lugar.

Trata-se de uma educação que tenta levar os alunos a perceberemque as interpretações e as narrativas construídas sobre um determinadoespaço estão envolvidas por um conjunto de interesses sociais e políticos.Ou seja, as narrativas e os discursos construídos sobre determinados fatosou realidade não são neutros, pois estão em sintonia com as crenças e osvalores defendidos pelo sujeito que os constrói e, portanto, são carregadosde intenções e interesses sociais, políticos e, muitas vezes, econômicos.

As práticas da investigação pedagógica ou das pesquisaseducativas também contribuem para que os alunos possam perceber quea realidade é composta de uma grande diversidade cultural que precisaser compreendida em sua complexidade e singularidade, evitando aconstrução de leituras preconceituosas que reforcem os processos denegação e/ou discriminação de determinados grupos sociais.

Os projetos didáticos apresentam-se como uma boa alternativapara a implementação de práticas educativas associadas à pesquisa darealidade, tendo em vista que eles favorecem a criação de estratégias deorganização dos conhecimentos escolares, facilitando a relação entre osdiferentes conteúdos com os conhecimentos adquiridos pelos alunos nainteração com a comunidade e na resolução dos problemas sociaisabordados pelos projetos (HERNANDEZ, 1998).

As pesquisas realizadas nas escolas possibilitam que os alunos

As Contribuições da Pesquisa em Educação para a Produção de Conhecimentos no Semiárido

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182 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

possam construir novos conhecimentos sobre a realidade onde vivem comotambém criem as condições para a conquista de sua autonomia, tendo emvista que eles participam de todo o processo de construção das etapasdas pesquisas: a) trazem os temas e/ou questões problemas identificadosna comunidade; b) elaboram os objetivos a serem alcançados; c)identificam as pessoas que serão consultadas e/ou entrevistas, para colheras informações necessárias para a compreensão do problema; d) elaboramos questionários que serão aplicados na comunidade e as questões queserão utilizados nas entrevistas, e ainda constroem a agenda de ação.

Esse processo de articulação entre educação e pesquisa nãofavorece apenas a construção de conhecimentos científicos que serãoincorporados ao currículo escolar, já que esses conhecimentos e saberestambém poderão contribuir para a mudança das práticas sociais dacomunidade, possibilitando a implementação de novas políticas dedesenvolvimento sustentável.

Os alunos e professores, enquanto pesquisadores, aprendem tantoos conhecimentos científicos exigidos pelo currículo escolar quanto aconviver, a negociar, a se posicionar, a buscar e selecionar informações, aconsiderar situações e tomar decisões, além de utilizar todas essashabilidades para a construção de novas formas de ver e fazer novas leiturassobre a realidade onde vivem. Ou seja, essa nova forma de fazer educaçãotem possibilitado a construção coletiva do conhecimento, em que alunos eprofessores tornam-se sujeitos ativos do processo ensino aprendizagem.

Entretanto, para isso, é necessário que as atividades de pesquisadesloquem-se dos espaços acadêmicos e adentrem o cotidiano dasescolas, envolvendo os profissionais da educação básica comopesquisadores de suas próprias práticas e projetos educativos. Assim,como defendem Ghedin e Almeida (2008, p. 06), “É necessáriodesmistificar a pesquisa, trazê-la para o cotidiano escolar desde o ensinobásico até a universidade fazendo-a presente na formação do professorpara que ela aja como uma entidade emancipadora que promova aautonomia e criticidade do indivíduo”.

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Os desafios na formação do professor pesquisador no Semiárido

Os novos contextos sociopolítico, econômico e cultural, oriundosdo processo de globalização e do aumento significativo no volume deinformação, trouxeram novos desafios para os profissionais docentes. Osprofessores estão sendo obrigados a desenvolver novas leituras críticassobre a realidade sociopolítica e cultural no sentido de compreendê-la deforma crítica para poder construir estratégias de formação voltadas paraformação de cidadãos críticos e autônomos.

Esse cenário vem exigindo mudanças nos projetos de formaçãodocente na perspectiva de possibilitar a construção de práticas formativasvoltadas para a reflexão coletiva das práticas docentes e das condiçõesde trabalho que são oferecidas para o desenvolvimento dos projetospolítico-pedagógicos das escolas. Surge então a preocupação com aformação de professores críticos e reflexivos que tenham a capacidadede refletir criticamente sobre sua prática, proporcionando aos alunos aoportunidade de construir novos olhares sobre o contexto sócio-históricoem que ambos estão inseridos.

Diante desse quadro, as instituições de formação de professoresse veem obrigadas a repensar seus programas de formação e os currículosdesses cursos com o intuito de superar os tradicionais modelos, focadosna transmissão de conhecimento. Assim, essas instituições estão adotandonovos referenciais teórico-metodológicos que tenham a reflexão crítica ea pesquisa sobre as práticas e sobre os saberes docentes como um caminhopara a construção de uma sólida formação teórico-prática. Ou seja, parte-se do princípio de que os eventos de formação precisam despertar nosprofessores a curiosidade epistemológica que os tornem professores-pesquisadores de suas próprias ações e dos contextos socioeducacionaisnos quais estão atuando.

Embora as discussões sobre a formação de professores-pesquisadores tenham se expandido, recentemente, no Brasil, algumasexperiências estão sendo desenvolvidas nesse sentido. São processosformativos construídos com o propósito de possibilitar aos professores

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tornarem-se pesquisadores de suas próprias práticas. Trata-se de dinâmicasformativas centradas na reflexão crítica das práticas pedagógicas dosdocentes. Isto possibilita a construção de novos conhecimentos e saberespedagógicos por meio do confronto estabelecido entre as reflexõesrealizadas acerca das práticas docentes e das análises que se fazem sobreas teorias que fundamentam as concepções pedagógicas voltadas para aconstrução de uma educação emancipadora.

No contexto do Semiárido, a partir das discussões desenvolvidaspela Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), váriasexperiências estão sendo desenvolvidas na perspectiva de formarprofessores que sejam capazes de refletir criticamente sobre a realidadedo sertão, ampliando sua visão sobre a região e sobre o papel social quedeve ser assumido pela escola.

Nesses projetos, os eventos formativos transformam-se emimportantes espaços de socialização das experiências pedagógicas e dossaberes docentes construídos pelos/as educadores/as a partir da vivênciacotidiana em sala de aula. Percebemos que, nesses espaços, há um ricoprocesso de problematização das práticas pedagógicas, a fim de possibilitara contextualização dos processos de formação dos professores com asnecessidades político-pedagógicas vivenciadas em sala de aula e com osvalores da cultura local.

São projetos de formação que desafiam os professores a refletir ea pesquisar constantemente sobre a própria prática, como forma deacompanhar o seu desenvolvimento profissional, a evolução do seu trabalhopedagógico e o crescimento pessoal e intelectual dos alunos. De acordocom André (2006, p. 221),

A pesquisa pode tornar o sujeito-professor capaz derefletir sobre a sua prática profissional e buscar formas(conhecimentos, habilidades, atitudes e relações) queajudem aperfeiçoar cada vez mais seu trabalho docente,de modo que posso participar efetivamente do processode emancipação das pessoas. Ao utilizar ferramentasque lhe possibilitem uma leitura crítica da prática

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docente e a identificação de caminhos para a superaçãode suas dificuldades, o professor se sentirá menosdependente do poder sócio-político e econômico e maislivre para tomar suas próprias decisões.

Nesta perspectiva, verificamos que a metodologia utilizada nosprocessos de formação vem sendo construída com base na reflexão críticada prática docente visto que o processo educativo e as dinâmicas dereflexão sobre a realidade são processos dialéticos e contraditórios,portanto, fecundos para a construção de novos conhecimentos, tendo emvista que esses conhecimentos são oriundos de momentos de contradiçõese conflitos de ideias.

Para Fiorentini (2006), o processo de reconstrução das práticaspedagógicas e dos saberes docentes não é promovido apenas comdiscussões e reflexões sobre os aspectos gerais das práticas educativas.Ele afirma que, “[...] é preciso mergulhar fundo nas práticas cotidianaspara perceber nelas (ou extrair delas) o diferente, a possibilidade de rupturacom o estabelecido, com as verdades cristalizadas pela tradição pedagógicaou com o que a comunidade pensa” (p. 135).

Com base nessa compreensão, os eventos de formação precisamcriar espaços em que os professores sejam provocados a desenvolvernovas análises e reflexões críticas sobre as práticas pedagógicas. Isto deveocorrer tanto nas escolas quanto nos eventos de formação, no intuito debuscar compreender os vários incidentes ocorridos durante as atividadeseducativas, tentando transformá-los em momentos oportunos para aconstrução e reconstrução coletiva de saberes pedagógicos, possibilitandoa produção do novo na escola.

Verificamos que o desenvolvimento de processos formativosvoltados para a reflexão crítica das práticas docentes apresenta-se comoum desafio para os cursos de formação desenvolvidos, tanto pelasorganizações governamentais quanto pelas secretarias de educação e asuniversidades, devido à complexidade desse processo e a ausência deformadores-pesquisadores capacitados para desenvolver esse tipo de

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atividade, assim como, a ausência de políticas institucionais que ofereçaas condições de trabalho para os professores-formadores desenvolveremsuas atividades nas escolas de educação básica de forma sistemática.

Segundo Brzezinski e Garrido (2001), as experiênciasdesenvolvidas na perspectiva da formação de professores-pesquisadores,com resultados satisfatórios, são construídas numa parceria entre asuniversidades e as instituições de ensino, adotando-se a metodologia dapesquisa-ação3, na qual os pesquisadores desenvolvem os processos deformação por meio de ações que permitam a reflexão coletiva das práticasdos professores, a construção de novos saberes docentes, a partir dasanálises e reflexões coletivas, e o desenvolvimento conjunto de alternativas/projetos implementados na escola como forma de superação de limites/desafios, desencadeando na implementação de novas práticas educativasemancipadoras.

Para essas autoras, as práticas formativas desenvolvidas porintermédio da pesquisa-ação possibilitam uma interação constante entresujeitos formadores e formandos. Dessa forma, ambos aprendem com osdesafios impostos pelo contexto socioeducativo, visto que os doiscolocam-se na condição de pesquisadores, portanto, construtores de novosolhares críticos sobre o fazer-docente. Neste caso, a metodologia dotrabalho, fundamentada na pesquisa-ação, permite que a ação docente setransforme em “objeto sistemático da análise dos professores, pois aspráticas pedagógicas foram continuamente observadas, pensadas,avaliadas e transformadas” (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2001, p. 88).

Verificamos que, mediante a adoção desses processos formativos,os professores desenvolvem seu papel de pesquisador na medida em quebuscam o entrelaçamento entre o saber científico e o saber sociocultural

3 Para Soares (2000, p.46), “a pesquisa-ação é uma metodologia apropriada à pesquisasocial com base empírica, que deve ser concebida e realizada em estreita associação comuma ação ou com a resolução de um problema coletivo, no qual os/as pesquisadores/as eos participantes estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”.

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vivenciado no contexto da escola, por meio de discussões críticas quepermitam que os alunos partam do nível de conhecimento empírico ao nívelde conhecimento mais elaborado, denominado de conhecimento crítico.

A inserção dos processos de investigação nos espaços educativos,principalmente no ambiente Semiárido brasileiro, requer do educador umadequado preparo político e metodológico, bem como o domínio acercados conhecimentos sócio-históricos e culturais que envolvem a realidadedessa região. Somente com uma boa preparação teórico-metodológica,os docentes poderão desenvolver as estratégias pedagógicas necessáriaspara a implementação dos processos investigativos sobre o Semiáridobrasileiro.

O trabalho de investigação mediante adoção de práticas educativasdesenvolvidas no Semiárido brasileiro requer uma maior aproximação doambiente escolar com a realidade vivida pelos educandos. No entanto,deve ser uma aproximação constituída de espírito investigativo que levemos alunos a analisar e perceber aspectos daquela realidade de formadiferenciada, possibilitando a construção de novos conhecimentos sobreaquele contexto ainda pouco compreendido.

O desenvolvimento de projetos educativos, associados à práticada pesquisa, faz com que os docentes possam reorientar sua prática deensino com o intuito de superar a fragmentação do currículo, levando osalunos a ter uma visão ampla e global da realidade. Ou seja, por meio dapesquisa, as escolas podem implementar práticas educativasinterdisciplinares, mediante as quais os alunos poderão compreender asarticulações complexas da realidade com maior facilidade e criticidade.

Considerações finais

O campo da pesquisa em educação vem apresentando resultadosimportantes na produção de novos conhecimentos teórico-metodológicosque irão auxiliar na construção de políticas educacionais e práticaseducativas voltadas para as necessidades das comunidades e dosprofissionais dessa área da atividade humana, de fundamental importância

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para o desenvolvimento sustentável de uma região, de uma nação. Noentanto, o seu desenvolvimento ainda continua centralizado nas regiõesSul e Sudeste do País, enquanto territórios como o Semiárido brasileirocontinuam sem apoio para implementação de pesquisas que ajudem naprodução de conhecimento acerca das práticas educativas e curricularescontextualizadas, que valorizem, dialoguem e potencializem a diversidadesociocultural e ambiental da região.

As experiências de formação de professores desenvolvidas por meioda Rede de Educação do Semiárido Brasileiro têm fomentando a produçãode metodologias e estratégias que buscam articular a prática de ensino àpesquisa como forma de ampliar a produção de conhecimento sobre oSemiárido, tanto pelos alunos quanto pelos professores, através de projetosinvestigativos desenvolvidos coletivamente pela escola e a comunidade.

As instituições de ensino superior que atuam no Semiárido brasileiroprecisam ampliar suas práticas de pesquisa em educação, no sentido deproduzir novos conhecimentos políticos e pedagógicos que ajudem osdocentes e os futuros profissionais da educação no desenvolvimento deprojetos educativos voltados para o atendimento das necessidades dapopulação sertaneja. Além disso, devem redefinir suas estratégias de formaçãoa fim de garantir que, por meio de seus cursos de formação docente, sejaampliado o debate sobre a formação de professores-pesquisadores quepossam transformar as escolas do Semiárido brasileiro em espaço deprodução de conhecimento e de formação de cidadãos críticos.

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO PIAUIENSE

Waldirene Alves Lopes da Silva1

A discussão da temática da Educação Ambiental no contextopiauiense remete-nos a contextualizar as categorias institucionais envolvidasna mesma, sejam elas da esfera Nacional ou Estadual, pois, estas irãoinstrumentalizar os municípios, as comunidades e os grupos sociais inseridosnestes espaços. Assim, entendemos necessário o conhecimento quantoao papel que as instituições têm desempenhado na construção da EducaçãoAmbiental no Piauí. Nossas reflexões partem do princípio de que nossarelação individual com o meio natural é inerente à nossa existência e quenossa condição de vida em sociedade é, também, condição de vida noambiente.

Movimento Ecológico: Aspectos Históricos no Mundo

Ao discutir os aspectos históricos sobre o movimento ecológico,Gonçalves (2002) nos explica como se configura o panorama que convergepara a reflexão sobre as questões ambientais de forma mais popular, aoapresentar a conjuntura que se forma no mundo a partir dos anos de 1960com o movimento “hippie” nos Estados Unidos da América do Norte e,para além dos debates acadêmico e político, difunde o movimentoambientalista no âmbito da sociedade civil.

Torna-se difícil, mas, ao mesmo tempo, inevitável, começar estadiscussão lembrando que a sociedade define natureza por aquilo que se

1Graduada em Geografia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Especialista emCiências Ambientais e Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UniversidadeFederal do Piauí (UFPI). Atuou como técnica na Secretaria Estadual de Meio Ambiente eRecursos Hídricos do Piauí, além de prestar consultorias na área de Meio Ambiente emprojetos de Educação Ambiental. Atualmente, é professora lotada no curso de Geografiada UESPI, Campus de São Raimundo Nonato-Piauí.

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opõe à cultura. Gonçalves (2002) nos traz esta reflexão. Com o adventoda Revolução Neolítica, a passagem de uma condição nômade para umacondição sedentária permitiu ao ser humano instalar-se sobre um território,e a agricultura que, em consequência, começou a ser praticada, tornou-oindependente da oferta natural da coleta e da caça. A partir daí, ascivilizações surgiriam e dominariam a natureza, por conseguinte,dominariam o imprevisível.

O primitivo representa os instintos, a natureza enquanto a civilizaçãoencarna a ordem e a lei. Logo, são primitivos aqueles que não possuemEstado, pois o sentido de dominar a natureza vem do entendimento deque o homem não é natureza. Entretanto, nem todos os homens seapropriam efetivamente da natureza como retrata o já citado autor aocontextualizar as bases do movimento ambientalista.

Para isso, é importante lembrar o papel do movimento operárioao contestar o capitalismo e a ordem instituída, desenvolvendo no seuinterior uma cultura própria. Suas conquistas repercutem na vida dasociedade do século XX. A década de 1960 detém forte efervescênciade movimentos sociais autônomos também de questionamento à ordeminstituída, porém, com uma postura de crítica ao modo de produção e,também, ao modo de vida.

Dessa forma, o cotidiano passa a se mostrar enquanto causapolítica com a busca por mudanças na condição concreta de vida dosjovens, de mulheres, das minorias étnicas etc. Isto acaba por desencadearuma verdadeira revolução cultural. “O movimento ecológico tem estasraízes histórico-culturais.” (GONÇALVES, 2002. p. 12).

O movimento ecológico abrange praticamente todos os setoresda humanidade. Desencadeiam-se, sob esta bandeira, lutas envolvendoas mais diversificadas questões: desmatamento, uso de agrotóxicos,urbanização, erosão de solos, corrida armamentista, dentre outras. Estadiversidade faz com que se envolvam nessas questões pessoas nem sempremotivadas pela causa ambiental mas sim, pela defesa dos próprios modosde vida e acesso aos recursos naturais de que necessitam, o que imprimeneste movimento diversidade política e ideológica, bem como, a existência

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de contradições internas.Se, em nível mundial, o debate ambiental eclode na década de

1960, no Brasil é a década de 1970 que abriga as primeiras discussõessobre a temática quando a ditadura militar combate os movimentos sindicale estudantil (representantes da esquerda nacional). O embate entre umaperspectiva de gestão pautada nas condições sociais, defendida pelaesquerda e o plano técnico-econômico-desenvolvimentista, imposto pelosmilitares, caracteriza este cenário.

As elites dominantes que atuavam com a indústria e os grandeslatifundiários apoiados pelo capital estrangeiro não apresentavam qualquerrespeito pela natureza, pois, a indústria necessitava cada vez mais de matériaprima e os gêneros produzidos pelo grande latifúndio demandavam nomínimo desmatamento para expansão de áreas para cultivo e pastogerando, ainda, a expropriação do camponês.

Mas, a nível mundial, o movimento em prol do meio ambienteganha espaço e organizações mundiais como Banco Mundial e BancoInteramericano de Desenvolvimento passam a pressionar os países aatender novas exigências, tais como demarcação de terras indígenas erelatórios de impacto ambiental.

Esta foi uma das motivações que geraram, no Brasil, a criação deinstituições (Secretarias Especiais) para gerenciar o meio ambiente e, assim,garantir os recursos necessários ao processo produtivo industrial. Ao finalda década de 1970, a anistia permitiu que exilados políticos pudessemretornar ao Brasil (boa parte deles iria para o Rio de Janeiro) trazendoconsigo a vivência dessas discussões de forma bem mais amadurecida.Somando-se a isto, surge, posteriormente, no Rio Grande do Sul, aAssociação Gaúcha de Preservação Ambiental, representando a organizaçãocivil neste movimento. Assim, o Brasil tem, como vertentes do movimentoecológico: o Estado, os exilados políticos e os movimentos sociais gaúcho efluminense (GONÇALVES, 2002). Este cenário levaria, posteriormente,ao contexto de configuração da Educação Ambiental no país.

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Considerações Gerais Sobre a Educação Ambiental

A Educação Ambiental é tratada por Sorrentino (1995, apudLEONARDI, 1997) fazendo referência a quatro correntes que aclassificam. A primeira, denominada Conservacionista, está ligada à Biologiae atua com as causas e consequências da degradação ambiental. A segundaabrange antigos naturalistas e os grupos ou indivíduos envolvidos comescotismo, espeleologia, montanhismo, dentre outras modalidades de lazere ecoturismo, denominando-se Educação ao Ar Livre. A terceira, diantede sua marcada característica política, envolve os movimentos sociais aointervirem na forma de gerir o meio ambiente, sendo denominada GestãoAmbiental. A quarta, identificada como Economia Ecológica, é oriundados debates sobre desenvolvimento econômico e meio ambiente,congregando organizações governamentais e não governamentais.

Com isso, são diversas as concepções de Educação Ambiental,as quais estão relacionadas às formas de fazê-la, que se agrupam emquatro grandes conjuntos de objetos: 1) biológicos ( proteger, conservare preservar espécies etc.); 2) espirituais/culturais ( promoção doautoconhecimento e conhecimento do universo segundo uma nova ética );3) políticos ( desenvolvimento da democracia, cidadania, participaçãopopular, diálogo e autogestão ); e 4) econômicos ( defesa da geração deempregos em atividades ambientais não alimentares e não exploradoras,autogestão e participação de grupos e indivíduos nas decisões políticas).

Observando estas perspectivas, Leonardi (1997, p. 396) consideraque a Educação Ambiental tem como objetivo “contribuir para aconservação da biodiversidade, para auto realização individual ecomunitária e para autogestão política e econômica, mediante processoseducativos que promovam a melhoria do meio ambiente e da qualidadede vida”, estabelecendo-se de três modalidades: 1) Formal, exercida ematividades escolares em todos os seus níveis (possui metodologia e meiosde avaliação claramente definidos e planejados); 2) Não formal, queacontece em variados espaços da vida social (sua realização fora do espaçoescolar envolve outros atores em espaços públicos e privados ) e que,

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apesar de ser menos estruturada também apresenta objetivos, metodologiase periodicidades definidas, sendo rica em parcerias ( Parques, áreas verdes,cursos, seminários etc. ); e 3) Informal, que acontece em outros e variadosespaços da vida social, mas sem o compromisso da continuidade,possuindo forma de ação, metodologia e avaliação sem definição clara.

Guimarães (1998) ressalta a importância do papel participativodo educador e do educando na construção do processo de EducaçãoAmbiental, lembrando sempre que a realização desta se dá de formadiferenciada em cada meio, sem que se perca de vista a dinâmica global,as relações políticas e econômicas que constituem a globalidade de cadalocal, lançando a ideia de uma nova ética nas relações sociais e entre asdiferentes sociedades na relação com a natureza, centrando seu enfoqueno equilíbrio dinâmico do meio ambiente (seres humanos e demais seresatuando em parceria).

Guimarães (1998) destaca ainda um fator basilar referente àsquestões ambientais, que é a diferenciação entre ser humano e naturezatendo se dado de forma paulatina e acompanhado o processo evolutivobiológico e cognitivo. Aponta assim, os humanos “ancestrais”completamente integrados ao funcionamento da natureza, bem como, aspopulações tradicionais (silvícolas, indígenas) baseando-se na capacidadede suporte dos recursos naturais.

Com isso, a afirmação da consciência individual tem favorecidoas ações desarmônicas da humanidade em relação ao meio ambiente,ações estas refletidas claramente na produção humana e no conhecimentoproduzido por tal modelo (individualista) de sociedade resultando em umapostura antropocêntrica dominadora. Esta postura, aperfeiçoada a cadanova geração e em cada grupo social, expandiu-se progressivamente,resultando, em uma sociedade consumista de recursos, capitais e bens.

Carvalho (2000) destaca o fato de que o surgimento das práticassociais e pedagógicas em referência à questão ambiental no âmbito público,tem uma construção histórica recente. Mas ressalta, ainda, o contexto daRevolução Industrial, bem como de seus desdobramentos (pobreza,epidemias, migração campo-cidade, violência social e degradação

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ambiental), como desencadeador de uma nostalgia da natureza intocadaregistrada na literatura e pintura dos séculos XVIII e XIX, mostrando anatureza como um ideal estético e moral na visão burguesa de bem estar.

Delineia-se uma base burguesa capitalista de entendimento danatureza como algo venerável, intocável no sentido de fornecer, além damatéria-prima para as atividades capitalistas, o ambiente agradável a serdesfrutado por esta classe em ascensão na esfera público-administrativade então.

As situações sociais que viriam a se formar a partir daí (luta declasses e formação de grupos contra a opressão das classes dominadas)vêm encontrar o pensamento de Rodrigues (2000). Este autor apresentao movimento germinativo da sociedade civil organizada denunciando atendência que a sociedade tem de transformar-se em seu contrário, comoafirmado por Almeida (2002), já que a ordem nacional acaba sendo gestadaenquanto sistema paralelo ao Estado instituído. Enquanto o Estado reprimee pune autoritariamente (mais especificamente, na primeira metade dadécada de 60 do século XX), a sociedade cria e fortalece seus mecanismosde resistência (associações, grupos, organizações etc.) para romper acentralização administrativa deste. O Estado compõe-se, então, de umaestrutura política e econômica e outra, militar e ideológica (instituiçõesculturais, de comunicação, partidos políticos etc.)

Diante da conjuntura supracitada, o Estado que surge no Brasilabsorve e dissolve as diferenças de interesse de grupos. A administraçãopassa a se manifestar como vontade de todos já que as iniciativas são,agora, tomadas com base na competência técnica excluindo a participaçãodos segmentos sociais de onde a forte centralização propiciou o crescimentoda resistência popular em função de sua exclusão nos processos decisórios.

As divergências entre prioridades da política do Estado(desenvolvimento nacional, produto interno bruto, política monetária) eda população (alimentação, saúde, educação etc.) levaram ao crescimentode organizações de setores marginalizados, buscando soluções aosproblemas existenciais ou políticos vivenciados, tornando-se instrumentosde negociação política, renovando a sociedade brasileira e reorientando a

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política pública com a inserção do poder local, dando abertura à políticasocial enquanto prioritária.

Com isso, Rodrigues (2000) afirma que as populações passam aassumir a direção das políticas públicas. Os setores marginais são agoraparceiros na elaboração e condução das decisões políticas. Assim, desdea década de 1980, as prioridades à modernização da economia cedemespaço às políticas de atendimento às necessidades da população. O papeldo Estado é, então, coordenar, atender e procurar alternativas para asolução dos problemas básicos com a organização da sociedade em tornoda educação. Nesta conjuntura exercerão um papel relevante asorganizações Sociais e Não Governamentais.

O papel das Organizações Não Governamentais no DebateAmbiental

Diante da amplitude de abrangência da questão ambiental, Warren(2001) destaca que a abertura do espaço da atuação civil se dá nestecenário, como nos mostra a ampla difusão do termo ONGs (OrganizaçõesNão Governamentais) em decorrência da conotação assumida com aConferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento– Rio 92 (espaço de participação da sociedade civil organizada, permitindoincluir associações de natureza e fins diversos, tendo como característicasem comum serem não governamentais e sem fins lucrativos).

As ONGs brasileiras têm se mostrado como entidades deassessoria, apoio, promoção, educação e defesa de direitos humanos eambientalistas, visando transformar aspectos negativos da realidade social,buscando a defesa da cidadania, evidenciando temáticas tais comoviolência, carências coletivas etc. Atuam ainda como mediadoras nãopartidárias em caráter educacional, informacional e político. Mas, as ONGslatino-americanas têm visões de mundo e valores que sugerem algunsdesencontros políticos interinstitucionais com as ONGs do Norte. Partindoda ideia de que a cooperação internacional tem mantido as infraestruturasde boa parte das ONGs do Sul, estabelecem-se alguns tipos que indicam

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ainda uma cronologia de surgimento, ainda segundo Warren (2001).Da reorientação do trabalho das Igrejas Cristãs, que constituem o

apoio financeiro das ONGs do Norte aos pobres em geral, surgem asentidades assistencialistas. Para as organizações desenvolvimentistas aredução das desigualdades no Terceiro Mundo depende do processoeducacional e da inserção de tecnologias apropriadas, com apoio deagências captadoras de recursos financeiros. Tais entidadesdemocratizantes surgem em oposição ao crescente autoritarismo naAmérica Latina, com desrespeito aos direitos humanos e civis (questõesde gênero, étnicas, saúde e meio ambiente e etc.). Têm-se, ainda, asorganizações neoliberais, em um momento em que se delineia a necessidadede políticas de ajuste estrutural em função do aumento da miséria edegradação em países do Hemisfério Sul.

A questão ambiental é entendida em interação com as questõessociais, crescimento e institucionalização das agências de apoio esurgimento de novos agentes de cooperação internacional de esferasgovernamentais, disponibilização de recursos para setores organizadosda sociedade civil visando seu fortalecimento. Assim, as ONGs, em suasações, não podem perder de vista a ligação da educação com os sistemaseconômicos principalmente a partir da Revolução Industrial, pois, segundoCarlos (2001, p. 24), “a acumulação de capital e a Revolução Industrialsão dois momentos fundamentais da história da humanidade” queculminarão com o aparecimento e resolução de contradições decorrentesda ação dialética entre o homem e a natureza:

…A especialização das ciências se impõe e permite umaprofundamento entre ciência e prática. O conhecimentopassa a ser entendido como domínio da natureza e oesforço inventivo dirige-se, num primeiro momento,principalmente ao domínio das forças externas da natureza(CARLOS, 2001, p. 28).

A tendência da escola poderá ser a de formar pessoas que nãopensam criticamente preparando-as apenas para dominar ou obedecer a

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ordens. Com isso, Nascimento (2001) nos chama a atenção para anecessidade de se estabelecerem as bases conceituais dos termosEducação e Desenvolvimento enquanto processos sociais que remetemum ao outro sendo oriundos da sociedade moderna sem perderem suaidentidade já que, comumente, se coloca a Educação como pilar básicoao desenvolvimento.

Este autor afirma ainda que a educação seja um espaço generalizadode socialização e transmissão de conhecimento, separado da produção eque o direito da escolaridade para todos deu-se pautado em trêsargumentos: o econômico, político e nacional. A escola nasce da sociedademoderna ao mesmo tempo em que a constrói, sendo instrumento demobilidade social, condição do crescimento econômico e dever docidadão. Assim, questiona:

Por que não se dá a devida importância à educaçãocomo fator de mudança e mobilidade social, deintegração nacional, de democratização da sociedadee de melhoria da qualidade de vida geral?(NASCIMENTO, 2001, p. 108).

Para responder a seu questionamento, ele próprio aponta oscaminhos: vontade política, prioridade do bem estar e formação dapopulação.

Nesta ótica, Morin (2002), partindo da ideia de “Eraplanetária”, destaca para a Educação a missão de favorecer o uso dosconhecimentos existentes ao mesmo tempo superando os paradoxosdos conhecimentos especializados, mostrando e ilustrando o destinomultifacetado do humano que é social e histórico de forma entrelaçadae inseparável. Consequentemente, mostra-se a necessidade de situartudo no complexo planetário e no contexto que é multidimensional,articulando e organizando as informações sobre o mundo, o que demandauma reforma no pensamento.

Leff (2002) chama a atenção à necessidade da construção deuma racionalidade ambiental, a qual demanda a formação de um novosaber e a integração interdisciplinar do conhecimento a fim de explicar o

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comportamento de sistemas socioambientais complexos medianteproblematização do conhecimento fragmentado em disciplinas e, ainda, aadministração setorial do desenvolvimento visando à constituição de umcampo de conhecimentos teóricos e práticos orientados para a rearticulaçãodas relações sociedade-natureza abrindo-se ao campo dos valores éticos,conhecimentos práticos e saberes tradicionais. Evidencia, ainda, anecessidade de enfoques integradores do conhecimento para acompreensão das causas e dinâmica de processos socioambientais, o queexige uma recomposição holística, sistêmica e interdisciplinar.

Este autor aponta, ainda, que estratégias acadêmicas, políticaseducativas, métodos pedagógicos, produção de conhecimentos científicose tecnológicos e formação de capacidades se entrelaçam com as condiçõespolíticas, econômicas e culturais de cada região e de cada nação para aconstrução do saber e racionalidades ambientais que orientam processosde reapropriação da natureza e as práticas do desenvolvimento sustentável.A perspectiva de desenvolvimento sustentável apresenta-se heterogêneadevido aos diversos interesses ambientais de setores e atores sociais.

Nesta perspectiva, Loureiro (2002, p. 69) delimita EducaçãoAmbiental como uma práxis educativa e social que “tem por finalidade aconstrução de valores, conceitos, habilidades e atitudes que possibilitemo entendimento da realidade de vida e a atuação lúcida e responsável deatores sociais individuais e coletivos no ambiente”. Para este autor,

…o conhecimento transmitido e assimilado e aspectostécnicos desenvolvidos fazem parte de um contexto sociale político definido. (…) As relações sociais estabelecidasna escola, família, trabalho ou comunidade possibilitam acompreensão crítica e o entendimento da posição einserção social e a construção da base de respeitabilidadepara com o próximo. (LOUREIRO, 2002, p. 71)

Assim, as relações no campo educativo constituem espaçospedagógicos de exercícios de cidadania em uma compreensão política daeducação, o que não se pode perder de vista quando da tentativa deimplementação de um padrão societário e civilizacional embasado em uma

201

nova ética da relação sociedade-natureza.As concepções e práticas estão subordinadas a um contexto

histórico condicionador de seu caráter e direção pedagógica e política,pois o processo educativo não é neutro, objetivo, destituído de valores,interesses e ideologias; ao contrário, é uma construção social estratégica.

O entendimento supracitado é validado pelas considerações deNeves (2002) quando situa a educação como política social do Estadocapitalista, a qual responde especificamente às necessidades de valorizaçãodo capital. O ritmo e a direção do desenvolvimento das políticaseducacionais em uma dada formação social capitalista se relacionam comos níveis de participação popular alcançados e com o nível dedesenvolvimento das forças produtivas e relações de produção. Ossistemas educacionais na atualidade, tanto quantitativa comoqualitativamente, têm como determinantes essenciais as novas relaçõesciência / trabalho e ciência / vida condição esta complexa, real e decisiva,uma vez que Viezzer e Ovalles (1995, apud JESUS & MARTINS, 2002)apontam em suas colocações que os sistemas educativos dos mais variadospaíses têm servido para consolidar modelos baseados no crescimentoeconômico e em padrões de consumo favoráveis ao aumento dasdesigualdades sociais e problemas ambientais.

A busca pela implantação de políticas que compatibilizemdesenvolvimento comercial, manutenção da qualidade ambiental eprodutividade dos recursos naturais tem crescido nas últimas décadas o quedemanda conhecimento, consciência, valores e atitudes. Assim, a educaçãopara o ambiente deve estar vinculada à educação para a cidadania.

A Educação Ambiental tem assim o papel de fomentar a percepçãoda integração do ser humano com o meio ambiente de forma harmoniosa,consciente do equilíbrio dinâmico da natureza, possibilitando ao cidadão,com o uso de novos conhecimentos, atingir valores e atitudes para oprocesso de transformação da situação vigente do planeta. Para tanto,deve-se sempre destacar sua natureza interdisciplinar orientada pararesolução de problemas locais.

O trabalho de Educação Ambiental é de compreensão,

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sensibilização e ação, para possibilitar o questionamento elaborado devalores, construção do conhecimento e crítica aos valores partindo darealidade, do contexto, uma vez que os padrões dominantes da sociedadecontrapõem-se aos alternativos.

Assim, a Educação Ambiental surge contrapondo-se àdepartamentalização da Educação e evidenciando valores de conservação,cooperação, qualidade e associação. Entretanto, em se tratando danormatização que versa sobre a Educação Ambiental, seus objetivos nãosão mostrados claramente. Sua natureza mostra-se complexa etransformadora da concepção de Educação uma vez que busca, além dautilização racional dos recursos naturais, a participação dos cidadãos nasdiscussões e decisões em geral. A interdisciplinaridade, à mesma inerente,tem aparecido sob a forma do trabalho de conteúdos desvinculados darealidade do aluno em uma ou duas disciplinas e com metodologiasdescontextualizadas ou fora das condições estruturais concretas(VIEZZER, 1996, apud JESUS & MARTINS, 2002).

Diante deste painel, em suas discussões, esses autores retratam aEducação à luz das transformações ocorridas no mundo, de onde se destacao seu papel perante a sociedade invariavelmente favorável às classesdominantes e sendo envolvida por questões econômicas, políticas e sociais.Ao mesmo tempo, as envolve e alicerça em um movimento permanente ecíclico. Este movimento não deve ser entendido como algo nocivo. Suascaracterísticas e fundamentos, porém, têm indicado a necessidade de revisão.

As considerações aqui colocadas vêm de diferentes ramos doconhecimento (direito, economia, sociologia, pedagogia, dentre outros),entretanto, apontam para uma mesma constatação, como destacado porAlmeida (2002), quando indica que, além de preparar para o trabalho, aescola passa a acumular mais demandas sociais no sentido de busca pelaestabilidade das condições de vida e convívio social.

A sociedade contemporânea supervalorizou a Escola, deu a estaum lugar de destaque devido ao processo de formação da vida socialenquanto, paradoxalmente, está desamparando-a estruturalmente porpriorizar os interesses de mercado em relação aos referentes à formação,

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ou seja, o ensino-aprendizagem.Aqui aparece a interface com a Educação Contextualizada para a

Convivência com o Semiárido. Neste sentido, Braga (2004) destaca umacúmulo de experiências político-pedagógicas conduzidas por ONGsatuantes no Semiárido brasileiro. Essas organizações vêm lutando por umaEducação contextualizada no Semiárido Brasileiro pautada na realidade epráticas dos povos sertanejos com metodologias, conteúdos, currículos,didáticas e estruturas que considerem as potencialidades socioculturais,econômicas e ambientais da região.

No entanto, não se pode considerar o Semiárido Brasileiro comoregião homogênea. Dessa forma, a Educação pressupõe três dimensões:a do estar junto construindo a identidade, a do viver comum aceitando osseres vivos como um outro legítimo e a da contestação e luta, indo dadialética da existência à afirmação da diferença (BRAGA, 2004, p. 35).

Aspectos normativos da Educação Ambiental no Brasil e no Piauí

O processo de estruturação da Educação Ambiental demandaações que partem dos mais variados segmentos. Diante de tamanhadiversidade, a normatização da mesma tornou-se premissa paraorganização de sua realização.

Quando utilizamos aqui o termo “base normativa”, este se referenão só à legislação, mas também às diretrizes gerais ligadas a este processonas esferas nacional e estadual, elegendo aquelas que, em nossoentendimento, mostram-se mais representativas nos cenários citados tendoem vista que as deliberações e ações neste âmbito, no País, se precedeme se embasam.

Podemos dizer que as manifestações em relação ao Meio Ambienteno Brasil ocorrem desde a sua descoberta. A exuberância da natureza jáse impôs nos primeiros relatos sobre esta terra, porém, esta mesmacondição instigou o seu consumo desmedido por longos cinco séculos.Apesar de haver registros de normatização visando sua proteção desde oséculo XVI (DIAS, 1998), é apenas no século XX que isto se transportará

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204 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

de maneira mais efetiva às camadas populares e, inclusive, na forma denormatizações dispensadas à Conservação e Educação Ambiental, dasquais destacamos, no quadro a seguir, algumas das mais representativas:

Quadro 1. Aspectos Normativos Nacionais da Educação Ambiental

Fonte: Silva, 2004.

BASE NORMATIVA ANO OBJETIVOS

- Constituição daRepública Federativado Brasil(Cap. VI, Art.225, Inciso VI, § 1º)

1988- Promoção da Educação Ambiental em

todos os níveis de ensino;- Conscientização pública.

- Lei Nº 7.797 (Art. 5,Inciso III) 1989

- Cria o Fundo Nacional de MeioAmbiente;

- Estabelece a Educação Ambiental comoprioridade.

- Programa Nacional deEducação Ambiental(PRONEA)

1994

- Aprofundamen to e sistematização daEducação Ambiental (sistema escolarcomo instrumento);

- Produção de informação e formação daconsciência pública.

- Lei Nº 9.394 – Lei deDiretrizes e Bases daEducação Nacional(LDB)

1996- Foco da aprendizagem em linguagens,

competências e habilidades;

- Ensino interdisciplinar.

- ParâmetrosCurricularesNacionais (PCN)

1998- Referências nacionais;- Especificidades regionais;- Temas transversais.

- Lei Nº 9.795 –Política Nacional deEducação Ambiental

1999

- Princípios básicos: humanista, holístico,democrático e participativo;

- Linhas de ação: capacitação de recursoshumanos, desenvolvimento de estudos,pesquisas e experimentações;

- Produção e divulgação de materialeducativo, acompanhamento e avaliação.

- Parâmetros CurricularesNacionais de MeioAmbiente na Escola

2001 - Capacitação de professores.

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O Piauí, enquanto área ecotonal, ou seja, de transição entreecossistemas e, consequentemente, de grande diversidade e variedade deambientes (cerrado, matas e semiárido), também tem sofrido com o usoirracional de seus recursos desde os primórdios da ocupação de seuterritório. Como tal, desperta para a defesa do Meio Ambiente sob asdeliberações oriundas das discussões nacionais tomando por referênciaas normativas nacionais. Conscientizar a população é imprescindível, e adifusão da Educação Ambiental é aqui apoiada pela seguinte basenormativa:

Quadro 2. Aspectos Normativos Estaduais da Educação Ambiental

Fonte: Silva, 2004.

BASE NORMATIVA ANO OBJETIVOS

- Lei Nº 4.854 1996

- Estabelece a Política Ambiental do Estadodo Piauí;

- Promoção da Educação Ambiental formale não-formal para atuação da comunidadena defesa do Meio Ambiente.

- Lei Nº 4.940–Lei deEducação Ambientaldo estado do Piauí

1997

- Plano Estadual deEducação Ambiental;

- Criação da comissão Especial da EducaçãoAmbiental;

- Atuação obrigatória da Secretaria Estadualde Educação.

- Lei Nº 5.101 1999

- Dispõe sobre o Sistema Educacional doPiauí;

- Obrigatoriedade do Ensino do tema MeioAmbiente nas escolas públicas e particulares.

- Programa Estadual deEducação Ambiental

2000

- Ações para a sistematização e evolução daEducação Ambiental no Estado;

- Criação da Comissão Interinstitucional deEducação Ambiental

A Educação Ambiental no Contexto Piauiense

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206 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

Faz-se importante destacar, dentre as estratégias operacionaisoriundas da construção normativa piauiense, a instituição de uma ComissãoInterinstitucional de Educação Ambiental para coordenar o planejamento,acompanhamento e a avaliação das ações de Educação Ambiental; aarticulação intra e interinstitucional (parcerias); a descentralização de ações(núcleos ou câmaras setoriais); e a elaboração de planos de trabalho emEducação Ambiental com periodicidade anual.

Tal Comissão foi instituída no Estado pelo Decreto Estadual Nº10.399 (2000) como resposta a uma necessidade de se atender àssolicitações do Ministério do Meio Ambiente/MMA, tendo representantesdas seguintes instituições: Secretaria Estadual do Meio Ambiente, SecretariaEstadual de Educação e Cultura/SEDUC, Secretaria Estadual de Saúde,Secretaria Estadual de Agricultura, Secretaria Municipal de Meio Ambientede Teresina, Universidades Estadual e Federal do Piauí (UESPI e UFPI,respectivamente), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis/IBAMA, Empresa de Turismo do Piauí, AssociaçãoPiauiense de Prefeitos Municipais/APPM, Fundação Rio Parnaíba/FURPA, Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Piauí/SEBRAE e Banco do Nordeste/BNB.

Este momento representa um marco para a implementação daEducação Ambiental piauiense, porém, percebem-se claramente aslimitações de atuação desta comissão diante do cenário político no Estadoe ao observarem-se a desarticulação e o paralelismo de ações e eventosde cunho ambiental tanto de natureza formal quanto informal. Ao nosbasearmos nas atribuições, modalidades, ações e limitações apresentadas,resumidamente, nos Quadros 3 e 4 , é possível constatar que as estruturasinstitucionais citadas acabam tendo atribuições bastante semelhantes(apoio, divulgação, articulação e pesquisa de modo geral), porém, algumaspeculiaridades devem ser também destacadas.

207

Quadro 3. Resumo de ações desenvolvidas no Estado do Piauí porInstituições Governamentais e Não Governamentais

Fonte: Adaptado de Silva, 2004.

As ações são caracteristicamente seminários, palestras, cursos,oficinas, realização e participação em eventos, normalmente atrelados adatas comemorativas, ou seja, uma Educação Ambiental formal viabilizadapor modalidades educacionais não formais, nas esferas federal, estadual enão governamental.

INSTITUIÇÃO ATRIBUIÇÕES MODALIDADE AÇÕES LIMITAÇÕES

IBAMA/Núcleode EducaçãoAmbiental

Apoio aprogramas eaçõeseducativas;divulgação;articulação

Seminários;Palestras;Cursos;Oficinas

Recursosfinanceiros

SEMAR

Pesquisa efomento àEducaçãoAmbiental emarticulação coma SEDUC

Coordenar aComissãoInterinstitu-cional do Con-selho de MeioAmbiente.

Recursosfinanceiros

Centro deEducaçãoAmbiental doPiauí/CEA-PI

Coordenaratividadespropostas peloDMA

Palestras;cursos;seminários;barco-escola .

Recursosfinanceiros

FURPA

Promoverdesenvolvimento econômico,social e culturalem harmoniacom o meioambiente

Formal; Nãoformal

Formal; Nãoformal;

Institucional

Não formal

Não formal

Capacitações;cursos;consultorias;fiscalização.

Recursosfinanceiros

A Educação Ambiental no Contexto Piauiense

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208 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

SECRETARIA ESTADUAL DA EDUCAÇÃO E CULTURA

SETOR ATRIBUIÇÕES AÇÕES OBJETIVOS RESUL-TADOS

Unidade deEnsinoFundamen-tal e Infantil– UEFEI

- Propor diretrizescurriculares do En-sino Funda mentale Infantil;- Planejar,coordenar, orientare supervisionar aexecução da poli-tica estadual daárea.

- PCNs emAção deMeio Am-biente na Es-cola;- Protetoresda vida.

- Capacitação;- Formaçãocontinuada;- Estabele-cimento deuma rede demultiplica -dores.

- Participa-

-

ção de cin-co técnicos.

Unidadede EnsinoMédio –UEM

- Propor a políticade diretrizes doEnsino Médio;- Planejar, coorde-nar, orientar e su-pervisionar a exe-cução da políticaestadual da área;- Articular- se cominstituições públicase privadas.

- PCNs emAção de MeioAmbiente naEscola;- Protetores davida;- Criação deuma Supervi-são de Educa-ção Ambien-tal.

- Capacita-ção;- Formaçãocontinuada;- Absorver areferidademanda noseu segmento.

- Participa-ção de umtécnico;- Participa-ção detécnicos;- Participa-ção noseventosreferentes àtemática.

Gerênciade Forma-ção eAperfeiço-amento deProfissio -nais daEducação– GEFAPE

- Estabelecer asdiretrizes de for-mação inicial econtinuada para oEstado do Piauí;- Coordenar aexecução de todasas ações de forma-ção e aperfeiço-amento dos pro-fissionais da Edu-cação;- Monitorar os pro-gramas / projetos deformação e aperfei-çoamento.

Nãodesenvolve.

- Formula-ção dasdiretrizes;- Acompa-nhamento,apoio e par-ticipação.

Nãoapresenta.

Quadro 4. Resumo de ações no ensino estadual do Piauí

Fonte: Silva, 2004.

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Em nível de sistema, a SEDUC conta com três setores atuandonesta área, com suas atribuições direcionadas à viabilização da educaçãomediante seus níveis e sob a égide das diretrizes federais, especificamente aLDB e os PCNs. No Piauí, a Educação Ambiental é contemplada comações federais, tais como o PCN em Ação de Meio Ambiente na Escola –Protetores da Vida, um programa do Ministério do Meio Ambiente (MMA)voltado à sensibilização de atores educacionais do Estado por meio de suaparticipação em oficinas de trabalho, tendo como resultados a capacitaçãode técnicos e professores para efeito de uma multiplicação que, não tem seefetivado na prática por falta de materiais e recursos financeiros.

Outra forma de atuarem é com a análise de projetos, por meio darecém-criada Supervisão de Educação Ambiental no âmbito da Unidadede Ensino Médio/UEM, sem que isso signifique, necessariamente, suaoperacionalização. A Gerência de Formação e Aperfeiçoamento deProfissionais detém em seus objetivos a formulação de diretrizes estaduaisde Educação Ambiental, mas ainda não apresenta qualquer movimentaçãoneste sentido. O que é comum a estes setores é a atribuição dos escassosrecursos financeiros como a principal dificuldade de implementação desuas ações, o que também se repetirá nas escolas que iniciam ações sob aforma de projetos, os quais permanecem até onde seus idealizadoresconseguem mantê-los.

Diante disso, as escolas se restringem a realizar ações de EducaçãoAmbiental não formal somente por meio de projetos, mas com recursospróprios, geralmente com caráter efêmero e atreladas a datascomemorativas específicas.

Diante do contexto até aqui percorrido, entendemos esta comosendo uma trajetória, no mínimo, dispersa da implementação de EducaçãoAmbiental no Piauí, pois os mecanismos existentes que atuam sobre amesma, tanto nas modalidades formal e não formal, atuam apenas demaneira bastante superficial, seja em nível federal, estadual e/ou nãogovernamental.

Desta forma, tal situação aponta a necessidade da construção deum planejamento de ações articuladas no Estado do Piauí, pautado na

A Educação Ambiental no Contexto Piauiense

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210 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

capacitação e multiplicação de atores educacionais, além da produção edivulgação de um conhecimento interdisciplinar para a formação de umaconsciência ambiental, a qual tem se configurado bastante frágil, e ondeos mecanismos normativos apresentem-se consonantes em suas redaçõese em sua aplicação.

Considerações finais

Pelo exposto, as instituições do Piauí responsáveis pela conduçãodo processo de implementação da Educação Ambiental no estado mostramclaramente que as ações de natureza formal nessa área sãooperacionalizadas por meio de práticas de Educação Ambiental não formalconduzidas por alguma instituição governamental ou não.

Desta forma, parece-nos óbvio declarar a Educação Ambientalformal como uma ação limitada e pouco eficiente se comparada àEducação Ambiental não formal e/ou informal praticada no Piauí, uma vezque a informalidade admite uma amplitude de aplicação bem maior poratingir, ao mesmo tempo, um público diversificado e não depender,necessariamente, de sequencialidade posterior de ações.

Porém, algo imprescindível tem sido esquecido nessa discussão:além do conceito, devemos atentar para a missão inerente a cada umadessas modalidades, ou seja, a de sensibilização, associada à EducaçãoAmbiental não formal e informal, e a de sistematização, associada àEducação Ambiental formal. Ambas se complementam, já que a segundaoferece subsídios teóricos à realização da primeira, a qual, por sua vez,oferece elementos para a consolidação da segunda, fora do âmbitoinstitucional em que se conforma.

Partindo-se das discussões aqui expostas, pretendemos que nossacontribuição se dê no sentido de propor uma reflexão e acompanhamentomais próximos da realidade do desenvolvimento da Educação Ambientalpelas instituições/entidades Governamentais e Não Governamentaispiauienses, com maior participação da comunidade, considerando suasexperiências, seu contexto.

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A Educação Ambiental no Contexto Piauiense

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214 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto 215

A RELAÇÃO ENTRE TEXTO E CONTEXTO NAPERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO PARA CONVIVÊNCIA

COM O SEMIÁRIDO

Conceição de Maria de Sousa e Silva1

João Paulo de Oliveira e Silva2

Introdução

O presente artigo encontra-se estruturado em duas partes: naprimeira, faremos uma exposição genérica sobre a concepção de EducaçãoContextualizada, apresentando o itinerário do seu surgimento e osfundamentos teórico-metodológicos que embasam esta concepção,destacando o pensamento de autores, como Paulo Freire, que deram suascontribuições em vista de uma abordagem educativa e libertadora.

Na segunda parte, retrataremos algumas experiências vivenciadaspor professores e instituições de ensino através da realização de oficinaspedagógicas, com a introdução de conteúdos sobre a região semiárida nocurrículo das escolas do Semiárido piauiense, produção e utilização demateriais didático-pedagógicos com a abordagem do conhecimento a partirda realidade local, envolvendo alunos e professores.

Contextualizando a educação no semiárido

A contextualização da educação é componente fundamental paraa compreensão dos educadores sobre os processos de produção de

1 Professora de História e Sociologia, Coordenadora de Educação Para Convivência com oSemiárido e membro da Executiva da RESAB. E-mail: <[email protected]>.

2 Professor da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus de São Raimundo Nonato,membro da RESAB. E-mail: <[email protected]>.

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216 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

saberes elaborados pelos alunos. É função primordial da escola propiciarque os mesmos se desenvolvam dentro de uma visão humanística e cidadã,que os tornem protagonistas e produtores de conhecimentos.

O processo educacional torna-se desafiador quando se fala emeducar na contemporaneidade, visto que é preciso trabalhar a educaçãode maneira diferenciada e que atenda as diversidades presentes no camposocial e no cotidiano da escola. Transformar o contexto em um elementodesencadeador da aprendizagem e do entendimento da complexidadehumana é função da Educação Contextualizada.

Educação e conhecimento fazem parte do mesmo processo deensino-aprendizagem. Ambas as dimensões devem estar interrelacionadase atentas aos acontecimentos do mundo e aos desafios que o mesmoapresenta; devem dar respostas aos fatos que acontecem dentro e forados muros da escola. Questões ligadas à justiça social, aos direitosfundamentais da pessoa humana, à diversidade étnico-cultural, aos direitosda infância e da juventude, à produção sustentável e os cuidados com oplaneta devem perpassar o currículo das escolas.

Os temas transversais, mesmo que despercebidos dos alunos eprofessores, fazem parte do seu cotidiano, por isso a escola não podeisentar-se do debate, devendo inserir-se nessas temáticas.

O processo educacional, seja ele formal ou informal, tem de levarem conta o fazer a história, o cotidiano das pessoas envolvidas nesseprocesso; deve enraizar-se na vida das pessoas, conhecendo o seucontexto. Dessa forma, a exigência que se apresenta é que toda educaçãotenha como pré-requisito a contextualização da vida, dos sentimentos,das emoções e do fazer histórico das pessoas. Entendemos a educaçãocomo componente indispensável para o desenvolvimento integral de umpovo, de uma nação e para o desenvolvimento de uma região.

Reconhecemos a existência de uma dívida social histórica com aregião semiárida brasileira, sob vários aspectos, remontando aos temposde colônia e império, perpassando para a nossa atual república. Essa dívidadiz respeito à ausência de serviços públicos que não foram ofertados nasáreas de saúde, transporte, produção e, sobretudo, na educação. Como

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consequência, herdamos um modelo educacional, no aspecto geral, demá qualidade, conforme evidenciado pelos baixos indicadores do IDEB– Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.

Sabemos, no entanto, que o Semiárido brasileiro é uma regiãoriquíssima em potenciais naturais e humanos e que tem uma grande sedede desenvolvimento e uma forte vontade de reescrever sua história deforma sustentável. Contudo, necessita de investimentos em políticaspúblicas, incentivos para a produção e políticas interventivas que integremo desenvolvimento com a sustentabilidade da vida nessa região.

Infelizmente, o que ainda temos visto, ao longo dos anos, é opredomínio de um modelo de educação quantitativa em detrimento deuma educação que preze pela qualidade. Percebe-se que ainda predominauma educação deslocada das vivências das pessoas, da diversidade culturalprópria do nosso imenso país.

O Estado tem o papel constitucional de implementar políticaseficazes de educação para zerar um déficit histórico de negação de direitosàs populações que residem na região semiárida e no campo. Muitosprogramas educacionais foram criados pelos governos, ao longo dos anos,sem ao menos observar as necessidades básicas dos alunos, sem critériose sem bases sólidas, com a justificativa de evitar a evasão e a repetênciados mesmos. Muitos desses programas, por desconhecerem a realidadedo educando e por seu teor assistencialista, principalmente no que se refereà população do campo, com dificuldade de acesso à escola, faliram logono seu nascedouro.

Nesse contexto, a Educação Contextualizada surge como umaproposta metodológica para os educadores avançarem na busca dapromoção da vida na região e por uma educação em que a cultura sejaum instrumento primordial no processo educacional para se entender asrelações entre as pessoas.

A Educação para Convivência com o Semiárido Brasileiro, focoe razão da apresentação deste artigo, é uma proposta que deseja conduzirpara os processos formais e informais uma prática educativa fecunda,valorizando os costumes, as ideias e sentimentos, embasados na realidade

A Relação entre Texto e Contexto na Perspectiva da Educação para Convivência com o Semiárido

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218 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto

do educando, objetivados por meio da pluralidade e das manifestaçõesculturais que constituem a essência do povo do semiárido.

Apresenta-se, no contexto de uma nova abordagem educacional,inserida numa pedagogia participativa e interrelacional, a ser trabalhadapelos educadores, que ultrapassa as fronteiras da escola. O sistemaeducacional tem de operar mudanças na forma de se conceber a educação,apresentando respostas efetivas relacionadas às exigências que o contextoatual apresenta.

Fundamentos da Educação Contextualizada

A Educação Contextualizada surge em um ambiente fértil dereflexões sobre o papel da escola e a falência dos métodos aplicados pelosistema educacional tradicional. A Escola é vista, muitas vezes, apenascomo reprodutora do conhecimento formal e previamente elaborado, comolaboratório para, tão somente, classificar e promover os alunos sem,contudo, levar em consideração o seu aprendizado.

Para se contrapor a essa concepção, a Educação Contextualizadaemerge como uma porta aberta, para o advento da utopia, passando destapara a transformação efetiva da realidade do educando. “A EducaçãoContextualizada opta por partir dos contextos, como universos de sentido,para tematizá-los e reconstruí-los dentro do processo educacional”(MARTINS, 2009).

As contribuições de estudiosos e especialistas da educação, comoPaulo Freire, Demerval Saviani, Morin, Miguel Arroyo, dentre outros,foram fundamentais para o surgimento de uma nova concepção deeducação, a partir de um paradigma de valorização daqueles que sempreestiveram à margem do conhecimento formal hegemônico.

O pensamento de Paulo Freire tem por base a pedagogia crítico-educativa, tendo, como eixo principal, o homem como sujeito inacabadoe produtor de conhecimento. Sua pedagogia se expressa numa concepçãode educação militante, na qual os setores populares e os marginalizadosda sociedade capitalista são postos numa perspectiva de protagonistas de

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uma educação libertadora. Essa prática, crítico-libertadora, tem servidocomo importante instrumento de emancipação humana diante da opressão,pois ela aponta para a intervenção prática no ambiente do cotidiano escolarde cada educando.

Segundo Freire (1987), a escola tem de abrir-se às novasconcepções de educação. Não há mais lugar para as formas tradicionais,onde o professor é o depositante do saber e os alunos, os depositários. Avisão de uma educação bancária, centralizada na pessoa do educador,não tem mais sentido de ser; esta deve dar lugar a uma educaçãoparticipativa e libertadora.

A proposta educacional de Paulo Freire considera as experiênciasque cada educando traz de seu ambiente extra-escolar utilizando-a, dessaforma, para a elaboração e reelaboração de novos saberes. Provoca umamudança na forma de conceber a educação e na relação professor/aluno.

A concretização dessa nova abordagem educacional tem exigidodos profissionais da educação uma mudança de postura e um maiorcomprometimento no processo educacional, levando-os à intervençãoefetiva no ambiente escolar e no mundo em que vivemos.

Neste sentido, é a partir dessa concepção que a Educação para aConvivência emerge como uma porta aberta, para o advento da utopia,passando desta para a transformação da realidade educacional.

Hoje, as grandes transformações ocorridas no cenário das políticaseducacionais são frutos dessas contribuições, que levam, inevitavelmente,a uma mudança de perfil de “uma escola que temos para a escola quequeremos”. A escola, como instituição social, deve se transformar numambiente de produção e socialização de saberes; deve ser um espaçoprazeroso de ações pedagógicas significativas, adequando-se, dessa forma,às novas demandas que a sociedade apresenta.

O educador faz “depósito” de conteúdos que devem serarquivados pelos educandos. Desta maneira, a educação setorna tão somente um ato de “depositar” em que os educandossão os depositários e o educador, o depositante. Nessa visão, oeducador será tanto melhor educador quanto mais conseguir

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“depositar’ nos educandos(. Os educandos, por sua vez, serãotanto melhores educados quanto mais conseguirem arquivaros depósitos feitos (FREIRE, 1987, p.66).

Entoando com o pensamento de Paulo Freire, Josemar da SilvaMartins (Pinzoh), no livro Educação para Convivência com o Semiárido:Reflexões Teórico-Práticas, apresentou um texto, intitulado Anotaçõesem torno do conceito de Educação para a Convivência com oSemiárido, no qual reafirma a importância da contextualização daeducação feita pela escola, como condição para a construção de novosconhecimentos, a partir da realidade mais próxima do aluno – “O chão daEscola” – como instrumento de transformação, onde chama a atençãopara o significado da prática pedagógica contextualizada, no caso, dosemiárido, advertindo para a problematização do semiárido brasileiro, nosentido de se estabelecerem formas de convivência com a região, naprodução de sua existência concreta.

A Escola, em sua função primordial de socialização eressocialização, deve descer ao nível mais próximo das pessoas, pensandoe valorizando a produção de conhecimentos e dos saberes locais. Assim,estará contribuindo com o desenvolvimento da Educação Contextualizada,podendo conviver com a nossa cultura, nossas tradições, nosso clima enossas potencialidades econômicas e culturais.

Ainda segundo Martins, a escola vem sendo transformada, e osmelhores exemplos de sua transformação são as experiências cujositinerários pedagógicos encaram a realidade local como foco dastematizações e que transitam entre a escola e seu entorno (seu contexto),permitindo que novos conhecimentos sejam viabilizados a partir da escola.

Construir uma educação contextualizada que possibilite aoeducando ver, nos textos que estuda, o seu próprio contexto, diante deuma realidade na qual a educação ainda não é o foco central das políticaspúblicas governamentais, não é fácil. Lutar contra uma cultura secular danão leitura que perdura no Brasil é, sem sombra de dúvidas, o maiordesafio para construirmos, neste País, uma educação comprometida.

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Todavia, não podemos perder de vista o nosso objetivo de construir umpaís melhor, tendo como base uma educação vivenciada no contextohistórico do aluno.

Embora as organizações da sociedade civil do país venham, háalgum tempo, discutindo um processo educacional no qual o aluno seencontre no centro desse processo, ainda é muito tímida a participaçãodo poder público nessa discussão. Mesmo reconhecendo que os governosvenham demonstrando compromisso com essa prática educativa, com oinvestimento maior no setor da educação por meio de iniciativas socais eeducativas, há muito ainda que se conquistar; afinal, não é tarefa fácil oeducando e o professor transportarem para sua vida prática os conteúdostrabalhados nos livros. Criar condições para que o aluno possa fazer umaleitura crítica dos conteúdos expostos nos livros – a maioria dos quais,vale ressaltar, focada numa visão de mundo descontextualizada, onde oselementos descritos não condizem com sua realidade – é um grandedesafio, considerando, ainda, que os materiais pedagógicos utilizados ediscutidos em sala de aula levam os alunos a terem conhecimento de suarealidade a partir de uma visão distorcida – exógena, discriminatória,preconceituosa, distante e dissociada da sua vida concreta.

Devemos considerar, não obstante, a participação qualificada doseducadores para a consecução deste projeto. Para isto, torna-sefundamental o investimento na formação inicial e continuada dos professoresgarantida pelos sistemas, como incentivo à melhoria do processo educativo,possibilitando assim que estes possam desenvolver as suas habilidades nodesempenho diário em sala de aula, munindo-se de instrumentaisapropriados para que o ensino-aprendizagem entre os alunos, de fato,aconteça. Para isso, é condição sine qua non a mudança no currículo dasescolas, maior investimento na formação dos professores, introdução depráticas democráticas na gestão educacional e a produção de materiaispedagógicos apropriados à região, na busca da coexistência das discussõeséticas e educacionais para a totalidade da existência no despertar de umaconsciência de cidadania universal.

Para que isto aconteça de fato, não podemos deixar de lutar contra

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os filhos da tradição3 que continuam querendo o povo sem seus direitosreconhecidos, não investindo na educação o necessário para o Brasilprogredir de forma sustentável e para todos. Precisamos criar e aprovarleis que garantam um melhor investimento na educação e um envolvimentomaior por parte de pessoas que ainda sabem sonhar e sabem lutar.

Construir uma sociedade justa e igualitária passa primeiramentepela construção de conhecimentos da realidade política, religiosa,econômica, social e cultural. Sem ter esses conhecimentos como basepara a educação, é praticamente impossível transformar o meio em que sevive.

Experiências de Educação para Convivência com o Semiáridodesenvolvidas no Piauí

É preciso considerar os passos que estão sendo traçados em nívelde Estado, em vista de uma educação contextualizada, especificamentepara o Semiárido piauiense. A criação de estruturas como a Coordenadoriade Convivência com o Semiárido, no âmbito do Governo do Estado, e daCoordenação de Educação para Convivência com o Semiárido, vinculadaà Secretaria de Educação, aliadas a parcerias com poderes públicosmunicipais e organizações não governamentais, tem contribuído para aintrodução de novas práticas educacionais nas escolas da região. Sabemos,porém, que precisamos desencadear um processo que leve, de fato, àtransformação da realidade educacional no Semiárido, propiciando, dessaforma, melhoria na qualidade de vida das pessoas.

Assim como aconteceu na Bahia e em outros estados, no Piauí asprimeiras experiências de convivência com o semiárido surgem como formade desafiar os governos e outras instituições a não apenas se envolverem,mas se comprometerem com o projeto de uma educação voltada para arealidade concreta dos alunos, numa interrelação construída entre a escola

3 A expressão os filhos da tradição deve ser entendida como referência aos que detêm opoder, a oligarquia.

223

e a identidade dos alunos, evidenciando a necessidade da valorização dolocal, sem, contudo, desconsiderar o saber universal.

Os debates e as discussões sobre Educação para a Convivênciacom o Semiárido no Piauí tomaram força a partir do envolvimento deentidades da sociedade civil que começaram a vivenciar um intensoprocesso de mobilização, especificamente, no final da década de 90,mediante formulação de propostas e exigências de implementação depolíticas públicas educacionais e contextualizadas por parte dos órgãosgovernamentais.

No ano de 1998, em Juazeiro da Bahia, reuniram-se diversasinstituições num Simpósio intitulado Escola e Convivência com a Seca,apoiado pelo Projeto Nordeste, UNDIME e UNICEF. Dois anos depois,também em Juazeiro (BA), foi realizado o primeiro seminário de educaçãono contexto do Semiárido brasileiro. Desse seminário resultou uma cartade compromisso, visando à ampliação das discussões e das formas deação e estratégias conjuntas e articuladas, com o propósito de implementarpolíticas públicas educacionais e pela qualidade do ensino e dos sistemaseducacionais do Semiárido brasileiro. A partir daí, os estados da regiãocomeçaram a se mobilizar para garantir que os termos dessa carta decompromisso fossem assumidos de fato pelos governos.

O surgimento da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro(RESAB) se deu neste contexto; nasceu como resultado desta conjunturade discussões e da necessidade de implementação de uma educaçãocomprometida com a vida das populações do semiárido. A RESAB, pormeio de seus membros, nas suas instituições, tem contribuído eficazmentena formulação de propostas e na elaboração de materiais pedagógicosapropriados à região.

As primeiras experiências de Educação Contextualizada no Piauítiveram início com o trabalho desenvolvido pela Articulação do SemiáridoBrasileiro (ASA), constituída por instituições do poder público e dasociedade civil, por meio da implementação de ações efetivas deconvivência propostas pela Cáritas Regional, com a participação econtribuição de instituições como o Instituto Regional da Pequena

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Agropecuária Apropriada (IRPAA) e da Rede de Educação do SemiáridoBrasileiro (RESAB).

No município piauiense de Coronel José Dias, foi implementado oProjeto Fecundação, que tem suas bases fincadas na consecução de projetosde convivência com o Semiárido e na formação de professores, na perspectivade implantação da Educação Contextualizada nas escolas do Semiárido.

Coronel José Dias, localizado no extremo sul do Piauí, no TerritórioSerra da Capivara4, em pleno sertão, é a porta de entrada para a Serra daCapivara, local onde foram encontrados registros históricos dos primeiroshabitantes da região. A exemplo de Canudos, Curaçá e Uauá na Bahia,este município introduzira uma nova prática educacional e se tornoureferência para o Estado na elaboração e implementação de políticaspúblicas apropriadas e de convivência com o Semiárido. Houve,inicialmente, um processo de mobilização e sensibilização da populaçãodo município, envolvendo diretamente a gestão municipal, a escola e acomunidade. Logo em seguida, realização de oficinas pedagógicas, como objetivo de capacitar os professores, para que estes introduzissem osconteúdos sobre o Semiárido nas aulas e nos currículos das escolasmunicipais, e elaboração do Plano Municipal de Educação.

Constatam-se ainda em outros municípios do Piauí vários projetosimplementados na perspectiva de uma educação na qual texto e contextoestão interligados, tais como: o Projeto Baú de Leituras, biblioteca itineranteque leva conhecimento às crianças do Semiárido, e a experiência dasEFA´s (Escolas Famílias Agrícolas), na região de Oeiras e Pedro II, quepreparam alunos para compreenderem e conviverem com os problemas eas adversidades próprias da região.

4 Os Territórios do Desenvolvimento constituem as unidades de planejamento da açãogovernamental, visando à promoção do desenvolvimento sustentável no Estado. O Piauífoi dividido em 11 Territórios. A Serra da Capivara abrange 18 municípios: São RaimundoNonato, Campo Alegre do Fidalgo, São João do Piauí, João Costa, Coronel José Dias,Dom Inocêncio, São Lourenço do Piauí, Dirceu Arcoverde, Capitão Gervásio Oliveira,Lagoa do Barro, Fartura do Piauí, Várzea Branca, Bonfim do Piauí, São Braz do Piauí,Anísio de Abreu, Jurema, Caracol e Guaribas.

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A atuação do Centro Educacional São Francisco de Assis(CEFAS) e das Escolas Famílias Agrícolas (EFA´s), pioneiras nessapedagogia da alternância, tem estimulado os jovens estudantes a seenvolverem cada vez mais no conhecimento do seu ambiente e na utilizaçãode práticas educativas e produtivas adaptadas ao ambiente Semiárido,trazendo viabilidade desenvolvimentista de forma sustentável para a região.Projetos de pequeno porte, porém significativos, têm sido desenvolvidosnessa região por instituições que pensam o desenvolvimento, mas de formasustentável, sem criar impactos negativos para as pessoas que moramnesse espaço geográfico.

A Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato, em parceria como Projeto Dom Helder Câmara, tem desenvolvido, em algumascomunidades, o Projeto Cidadania no Mundo das Letras, que, a partirda formação de professores, procura inserir no currículo escolar aEducação Contextualizada. O mesmo está acontecendo na comunidadeQuilombola Lagoa das Emas e no Assentamento Novo Zabelê.

O Projeto Cidadania no Mundo das Letras trabalha diretamentecom as crianças e procura situá-las, de forma dinâmica e lúdica, no própriocontexto onde elas estão inseridas. No ano de 2009, o projeto já se dirigiua outras comunidades, no intuito de levar a proposta de uma educaçãocidadã às demais escolas do município de São Raimundo Nonato. Emboraainda seja pequeno o seu foco de atuação, já é um indicativo de luzespara posteriores ações na perspectiva da Educação Contextualizada.

Uma experiência singular, que tem sido foco de interesse dospoderes públicos e das instituições da sociedade civil, tem sido a produçãode materiais didáticos voltados para a realidade do Semiárido; e, aqui,vale destacar, dentre várias publicações, a produção e adoção do livro: OSemiárido Piauiense: Vamos conhecê-lo?5. Trata-se de uma “produção

5 O livro O Semiárido Piauiense: Vamos conhecê-lo? foi produzido em Teresina (2006-2007) por Iracilde M. de Moura Fé Lima e Irlane Gonçalves de Abreu, que contaram coma contribuição de várias instituições de governo e não governamentais (Governo do Estadodo Piauí: Programa Semiárido, Secretaria de Educação e Cultura, Secretaria de Meio

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tecida por várias mãos”, com a participação de professores especialistase comunidades, que vem sendo utilizado como instrumento pedagógico ede pesquisa nas escolas do Semiárido do Estado.

Outro ponto que converge para a incorporação da EducaçãoContextualizada em nossas escolas é a promoção e realização de oficinasde formação de professores organizadas por instituições da sociedadecivil (CÁRITAS, Escola de Formação Paulo de Tarso, COOTAPI,Fundação Dom Edilberto) e pelo Governo do Estado, por meio daSecretaria de Educação e Cultura e Coordenadoria do Semiárido, cujosconteúdos versam em torno dos conhecimentos históricos, culturais eclimáticos do Semiárido e de conhecimento de tecnologias apropriadas àregião. A experiência das oficinas de formação para professores,amplamente discutidas, em princípio teve como foco os dez municípiosdo Projeto Viva o Semiárido, escolhidos pelo governo do Estado pararealização de experiências pilotos de políticas de convivência com oSemiárido. Atualmente, este trabalho ampliou-se para mais de 60municípios da região.

No Estado do Piauí, implementou-se, em 2009, por meio de açãoda RESAB com a Universidade Estadual do Piauí (UESPI), o primeirocurso de especialização sobre Educação para Convivência com oSemiárido, contando com a participação de professores, representantesda sociedade civil e do poder público, com intuito de preparar professorespara atuação efetiva nas escolas.

A Secretaria Estadual de Educação do Piauí, numa parceria como Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Fundação Dom EdilbertoDinkelborg (FUNDED), EMBRAPA e Serviço de Cooperação TécnicaAlemão – Deustsche Gesellschaftfur Tecchnische Zusammenarbeit (GTZ)

Ambiente, Secretaria de Desenvolvimento Rural e Fundação Cultural do Estado;Universidade Federal do Piauí, Instituto Nacional do Semiárido, Rede de Educação doSemiárido Brasileiro, COOTAPI e Associados, Escola de Formação Paulo de Tarso,CENPEC, UNICEF, Projeto Dom Helder Câmara, Instituto da Pequena AgropecuáriaApropriada.

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e Deutsche Entwicklungsdienst (DED), com aporte de recursos doMinistério do Meio Ambiente, implementou um trabalho de formação,associando educação com produção apropriada e segurança alimentarem 47 municípios e em 94 escolas do Território Vale do Rio Guaribas eSerra da Capivara, com a implantação do Sistema Pais (hortas escolares),envolvendo também o poder público municipal, escolas e sociedade civil.

Uma luta histórica que se tem travado em comunidades piauienses,em geral, é difundir a importância do processo organizativo nessascomunidades, enfatizando, com isso, que somente através do trabalho emconjunto é que o sertanejo será capaz de superar as dificuldadeseconômicas e sociais, visando a uma melhor qualidade de vida para asfamílias do campo.

Os projetos produtivos têm ajudado muito algumas famílias asaírem de uma situação de pobreza e miséria, para terem uma melhorqualidade de vida. Mas, a educação ainda é um grande entrave para essasfamílias, pois recebem os projetos produtivos, cursos de artes manuaiscom possibilidades de melhorar a renda familiar, mas a maioria nãoconsegue levar em frente a produção e a comercialização devido à faltade escolarização.

A ausência de uma Educação Contextualizada faz com que aspessoas não se reconheçam dentro do seu ambiente. Assim, muitas vezes,se acomodam esperando ajudas externas. Muitos acham que as causasda pobreza são da vontade divina e, sendo assim, devem aceitar seudestino, criando, com isso, um verdadeiro problema de geração, pois nãoconseguem associar que o drama da pobreza e da miséria é fruto daapropriação indevida dos bens da natureza por parte de poucos, de gruposoligárquicos que sempre ditaram as regras e as leis deste País ao longo desua história.

A educação oferecida para as populações do Semiárido aindatem sido de baixa qualidade, impedindo-as de saírem da sua condição dedependência histórica e de buscarem a conquista de novos espaços nasociedade. Uma educação que ainda hoje se propõe a ensinar a ler, masnão ensina a fazer a leitura de mundo, não desenvolve o senso crítico das

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pessoas, não ensina a pensar; muito menos leva os cidadãos e cidadãs aconhecerem os seus direitos para, assim, transformarem a sua realidade,o mundo em que vivem. Este é um grande desafio a ser enfrentado.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987.

MARTINS, Josemar da Silva Martins. Anotações em torno do conceitode educação para convivência com o semiárido. In: Cadernomultidisciplinar: Educação para a convivência com o Semiárido: reflexõesteórico-práticas. Juazeiro/BA: RESAB, 2004, p. 29-52.

MARTINS, Josemar da Silva Martins. Contextualizando o contexto. In:Cadernos multidisciplinares – Educação e contexto do SemiáridoBrasileiro, ano 04, Nº 04, junho de 2009.

RESAB, Secretaria Executiva da. Educação para a convivência com osemiárido: reflexões teórico-práticas. Juazeiro/BA: RESAB, 2004.

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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO:CONTEXTO E ORGANIZAÇÃO

Adelson Dias de Oliveira 1

A construção do trabalho em rede perpassa por articulaçõesdiversas de situações e organizações em torno de objetivos comuns. Aperspectiva da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB) éde ser um espaço de reunião e integração de educadores e educadorasde organizações governamentais e não governamentais que atuam na regiãosemiárida brasileira, para fins de articulação política regional da sociedadecivil organizada em torno de questões de natureza educacional. O propósitocentral é formar um grupo articulado que pensa e elabora estratégias queestejam voltadas para a melhoria da qualidade da educação na região,com a inserção de todos, indistintamente.

A RESAB está organizada em torno de experiências voltadas paramudanças teóricas e metodológicas de inferências diretas em propostascurriculares e pedagógicas desenvolvidas pelas instituições com a qualestejam envolvidas. A Rede não constitui pessoa jurídica – é um espaçode articulação de atores sociais e institucionais –, razão pela qual contribuipara a construção coletiva de proposições e provocações validadas pelaprática dos que compõem seu coletivo. Esta organização permite que aescola do Semiárido brasileiro possa vincular ao seu cotidiano elementosvoltados a formas de vida e a problemáticas existentes no espaço emdiscussão. Dessa forma, é possível potencializar as diversas característicasinerentes ao local, na perspectiva de construir um conhecimentofundamentado em eixos presentes no cotidiano dos envolvidos no processo

1 Pedagogo pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) – CE. Pós-graduando emEducação, Cultura e Contextualidade pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB). E-

mail: <[email protected]>.

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de aprendizagem e ensino, tanto no campo quanto na cidade, ou seja,uma educação voltada para o contexto onde está inserida.

Impulsionada a ser constituída em 1998 por instituições quedesenvolvem ações educacionais nessa perspectiva, reunidas no SimpósioEscola e Convivência com a Seca, realizado na cidade de Juazeiro/BA, e,posteriormente, de 04 a 06 de setembro do ano 2000, no Seminário deEducação no contexto do Semiárido brasileiro, realizado no Centro deCultura João Gilberto, também em Juazeiro, a RESAB então começa atomar corpo e, a partir daí, seguem acontecendo reuniões interinstitucionais– locais, estaduais e regionais – que ajudam a construir e consolidar umsólido espaço de debates, de maneira coletiva e articulada. Emconsequência, realizam-se construções e apresentam-se recomendaçõespedagógico-metodológicas voltadas para discussões com ênfase emEducação para a Convivência com o Semiárido Brasileiro, bemcomo para a implementação de ações daí decorrentes.

Na construção em Rede e como forma de organização regional,agregam-se forças para, de fato, instituir corpo às proposições, os estadosda Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas,Maranhão, Minas Gerais, Espírito Santo, Sergipe e Piauí. A organizaçãoe funcionalidade da RESAB passam pela composição de um GrupoExecutivo2 em nível regional, com representatividade nacional, e de gruposexecutivos nos estados componentes da Rede. Ainda em termos deorganização para praticidade, melhor aplicabilidade e monitoramento dasproposições e direcionamentos pedagógicos, são constituídos gruposgestores e grupos de formadores em cada instância estadual. Mesmo sendoum corpo único, cada estado tem autonomia na sua organização e atuação,seguindo a lógica comum definida a partir de diretrizes gerais.

2 O Grupo Executivo tem periodicidade de encontros e reuniões tanto em nível nacionalquanto estadual. As reuniões são organizadas a partir de um encontro nacional e encontrosdo Grupo Executivo a cada dois meses e de um encontro em nível estadual. No Piauí, osencontros bimestrais vêm acontecendo de forma descentralizada, um em cada região doSemiárido piauiense, dentre as que compõem a Rede no Estado.

231

A articulação da RESAB atuante no Estado do Piauí, denominadaRESAB/PI, seguindo a lógica construída em todo o processo coletivodesenvolvido ao longo dos últimos anos, vem propondo momentosformativos para os educadores de municípios do Semiárido piauiense,com especificidade para os que estão voltados para as regiões Sul e Sudestedo Estado. Como ação mais recente, está desenvolvendo processo deformação para educadores em nível de pós-graduação, com o intuito deformar pesquisadores e multiplicadores em Educação para a Convivênciacom o Semiárido, em parceria com organismos públicos (PrefeiturasMunicipais, Secretaria de Educação Estadual, Universidade Estadual doPiauí) e organizações não governamentais (Cáritas Brasileira – RegionalPI e Diocesana de São Raimundo Nonato, FUNCED, SEMEAR,COOTAPI, entre outras). O propósito é adentrar os mais variados espaçosformativos, a começar pelo ambiente de formação em nível superior,proporcionando, assim, maior qualidade ao ensino básico da região. Arealização dessas ações conduz-nos à proposição de políticas públicasque garantam continuidade e qualidade ao ensino, na dimensão de suacontextualização.

Desta forma, a RESAB/PI está propondo uma nova forma deeducar, discutida em conjunto com a sociedade civil organizada, naperspectiva de uma nova intencionalidade, com projetos político-pedagógicos, no geral, e componentes curriculares, em particular, que, defato, confiram significado e relevância à aprendizagem dos alunos e alunasdo Semiárido brasileiro, com o recorte específico para o Piauí, e, a partirdaí, possibilitar-lhes conhecer os diversos ambientes em que estão inseridos,com visão crítica e reflexiva, ampliando-se-lhes as oportunidades paracontribuirem com o desenvolvimento sustentável da região.

Rede de Educação do Semiárido Brasileiro: Contexto e Organização

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232 Semiárido Piauiense: Educação e Contexto 233

SOBRE OS AUTORES

Adelson Dias de Oliveira

Licenciado em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú(2005) e Especialista em Educação, Cultura e Contextualidade pelaUniversidade Estadual da Bahia (UNEB). Enquanto pesquisador, temexperiência na área de Educação, com ênfase em Educação Popular,Educação Contextualizada e do Campo, Juventudes e Identidades (recortepara Juventude Rural). E-mail: <[email protected]>.

Conceição de Maria de Sousa e Silva

Licenciada em História e Bacharel em Ciências Sociais, pela UniversidadeFederal do Piauí (UFPI), professora das redes pública e privada do Piauí.Membro do Conselho Editorial do Instituto Nacional do Semiárido (INSA)para publicações sobre Educação Contextualizada e da SecretariaExecutiva da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB) ecoordenadora de Educação para Convivência com o Semiárido, da Secretariade Educação do Estado do Piauí. E-mail: <[email protected]>.

Edmerson dos Santos Reis

Graduado em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letrasde Juazeiro, Mestre em Educação pela Université du Québec àChicoutimi (Canadá) e Doutor em Educação pela UFBA. Membro daSecretaria Executiva da RESAB. Professor Assistente da Universidadedo Estado da Bahia (UNEB) e coordenador do Conselho Editorial doCaderno Multidisciplinar - Educação e Contexto do Semiárido Brasileiro.Desenvolve estudos na área de Educação, Desenvolvimento Sustentável,Educação do Campo, Formação de Professores, Convivência com oSemiárido e Reorientação Curricular. E-mail: <[email protected]>.

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Elmo de Souza Lima

Licenciado em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia,Especialista em Docência do Ensino Superior e Mestre em Educaçãopela Universidade Federal do Piauí (UFPI). É professor da UFPI edesenvolve estudos no campo da Formação Continuada, Educação doCampo e Educação Contextualizada no Semiárido. Além disso, promovediscussões na área de Currículo, Diversidade Cultural e Multiculturalismo.E-mail: <[email protected]>.

João Paulo de Oliveira e SilvaBacharel em Filosofia pelo Seminário Maior de Teresina, Graduado emFilosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras naParaíba, cursando a Especialização de Educação Contextualizada para aConvivência com o Semiárido pela UESPI no Campus de São RaimundoNonato-PI. Desenvolve trabalhos de organização, gestão, elaboração deprojetos e implantação, discussão de Políticas Públicas e Cidadania eEducação Contextualizada. Professor da UESPI - Campus de São RaimundoNonato e Membro da RESAB-PI. E-mail: <[email protected]>.

Josemar da Silva Martins (Pinzoh)

Graduado em Pedagogia, com habilitação em Educação de Adultos, pelaUNEB (FFCLJ), Especialista em Gestão de Sistemas Educacionais pelaPUC-MG, Mestre em Educação pela Université du Québec àChicoutimi (Canadá), Doutor em Educação pela Faculdade de Educaçãoda UFBA e Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia(UNEB). Seus estudos e pesquisas localizam-se na interconexão entreEducação, Comunicação e Cultura. De modo mais específico, atua emEducação do Campo e Educação Contextualizada e atualmente coordena,em Juazeiro/BA, a pesquisa “Laboratório de Práticas Pedagógicas naEducação Básica”. E-mail: <[email protected]>.

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José Moacir dos Santos

É técnico agrícola e graduando em Pedagogia, com várias experiências naárea da Formação de Agricultores Familiares e Professores da EducaçãoBásica, com ênfase na Convivência com o Semiárido e no estudo dasCaracterísticas Sócio-históricas do Semiárido. Atualmente, exerce o cargode Diretor do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada(IRPAA). E-mail: <[email protected]>.

Maria Tereza de Alencar

Especialista em Geografia Humana pela Pontifícia Universidade Católicade Minas Gerais (PUC-MG), Mestre em Ciências da Educação pelaUniversidade Estadual do Maranhão (UEMA) e Doutora em Geografiapela Universidade Federal de Sergipe (UFS). É Professora Assistentedos cursos de Geografia da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e daUEMA. É também coordenadora do Núcleo de Estudos, Projetos ePesquisas sobre o Semiárido Piauiense (NUEPPS) e atua nas linhas depesquisa: Políticas Públicas, Semiárido, Espaço Rural e Urbano. E-mail:<[email protected]>.

Roberto Marinho Alves da SilvaLicenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande doNorte (UFRN), Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal dePernambuco (UFPE) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pelaUniversidade de Brasília (UnB). Atualmente, exerce o cargo de Diretordo Departamento de Estudos e Divulgação da Secretaria Nacional deEconomia Solidária no Ministério do Trabalho e Emprego. Desenvolveestudos e pesquisas sobre o Desenvolvimento e Sustentabilidade noSemiárido Brasileiro. E-mail: <[email protected]>.

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Waldirene Alves Lopes da Silva

Graduada em Geografia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI),Especialista em Ciências Ambientais e Mestre em Desenvolvimento e MeioAmbiente pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Atuou como técnicana Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí,além de prestar consultorias na área de Meio Ambiente em projetos deEducação Ambiental. Atualmente, é professora lotada no curso de Geografiada UESPI, Campus de São Raimundo Nonato-Piauí. E-mail:<[email protected]>.

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