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Download Sem Medo de Viver - ebookespirita.org · Sem medo de viver Capa:Kátia Cabello Revisão Editoração Eletrônica: João Carlos de Pinho Foto 4ª capa: Renato Cirone 2ª edição 28ª

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  • Sem medo de viver

    Capa:Ktia Cabello

    Reviso Editorao Eletrnica:Joo Carlos de Pinho

    Foto 4 capa: Renato Cirone2 edio

    28 impressoMaio 2004

    10.000 exemplares

    Publicao, DistribuioImpresso e AcabamentoCENTRO DE ESTUDOS

    VIDA & CONSCINCIA EDITORA LTDA.

    Rua Agostinho Gomes, 2312

    Ipiranga CEP 04206-001

    So Paulo SP Brasil

    Fone / Fax: (11) 6161-2739 / 6161-2670

    E-mail: [email protected]

    Site: www.vidaeconsciencia.com.br

    http://www.vidaeconsciencia.com.br/

  • Prlogo

    Srgio chegou em casa muito nervoso. Esperara tanto tempo por aquelapromoo e agora, quando tudo indicava que ela aconteceria, outro tomara-lhe olugar.

    Fechou a porta do pequeno apartamento onde morava e deixou-se cair em umapoltrona da modesta sala, desanimado. De que lhe adiantara mourejar notrabalho com tanto empenho? De que lhe valera colocar os negcios da empresaem primeiro lugar, se na hora em que deveria colher a recompensa merecidapassavam-no para trs?

    Um sentimento de rancor o acometeu. Tanta dedicao e esforo haviam sidointeis. Por que, para ele, as coisas saam sempre erradas?

    Passou a mo pelos cabelos num gesto impaciente. Tinha conscincia de teragido sempre com honestidade. Era uma pessoa decente e esforada. Por quenada dava certo?

    Parecia que a vida se comprazia em destruir todos os seus sonhos desde aadolescncia.

    Havia desejado estudar, graduar-se em medicina, mas nunca conseguiracondies financeiras para isso. Vinha de uma famlia muito pobre do interior deSo Paulo. Seus pais nunca puderam financiar-lhe os estudos. Fez at o ginsiocom muito esforo e aos quinze anos deixou a pequena cidade onde nascera eveio para a capital na esperana de conseguir o que pretendia.

    Tinha uma boa aparncia e muita vontade de trabalhar. Depois de alguns diasconseguiu emprego em uma loja do centro da cidade como mensageiro. Osalrio era pequeno, mas para ele representava um bom comeo. Arranjou vagaem uma penso de um bairro afastado e todos os dias, antes das sete, j sependurava no estribo do bonde para entrar na loja pontualmente s oito.

    Durante o dia inteiro, at as dezoito e trinta, envergando a fardinha com oemblema da loja, ele ia e vinha, fazendo entregas, comprando pequenas coisas,indo ao banco, ao correio, com diligncia e boa vontade. No princpio havia sidoduro, porque ele no conhecia a cidade. Mas comprou um guia e dentro depoucas semanas j circulava por todos os lugares muito bem.

    Logo descobriu que o salrio que lhe parecera uma fortuna mal dava paracobrir-lhe as despesas indispensveis. O sonho de poder estudar ficava maisdistante a cada dia.

    Decidiu procurar outro emprego, mas era muito jovem e teve de sujeitar-se atrabalhar naquele servio durante trs anos, at que completasse dezoito anos.

  • Conseguiu fazer um curso noturno de datilografia e passou a procurar outroemprego. Descobriu que para passar nos testes a que era submetido teria depraticar melhor a datilografia e estudar um pouco mais de matemtica. Arranjouum estudante, colega de penso, para dar-lhe algumas aulas e conseguiu treinar adatilografia em casa da vizinha, que possua uma mquina e o deixava us-la noite.

    Srgio suspirou recordando-se de sua alegria quando conseguiu ir trabalhar noescritrio de uma fbrica de biscoitos. Alm de ganhar mais, seria umescriturrio. Sentiu-se feliz. Ele estava ficando importante! Logo conseguiriarecursos para continuar os estudos.

    Naqueles tempos, imaginava cursar a faculdade, graduar-se e ser doutor! Ter onome escrito em uma placa do lado de fora do seu consultrio e ganhar dinheiropara poder ajudar a famlia.

    Vicente, seu pai, era lavrador; Rita, sua me, mulher simples e trabalhadeira,bem como Dirce e Diva, suas irms mais novas. Havia ainda o irmo maisvelho, Rubens, que, ao contrrio dele, aceitara a vida simples da sua cidade etrabalhava na lavoura como o pai.

    Imaginava sua volta terra natal, formado, rico, levando presentes para todos,podendo oferecer-lhes uma vida melhor.

    Contudo, os anos haviam passado e, por mais que perseguisse esse sonho, nuncaconseguiu realiz-lo. Esforara-se muito, progredira, tinha aprendido muitascoisas durante os quinze anos que viveu na cidade, e nos ltimos anos,trabalhando em uma grande empresa onde tantos colegas haviam conseguidoprogredir, acreditou que finalmente conseguiria o que desejava.

    Claro que no pensava mais em estudar medicina. Renunciara a esse sonho dajuventude, mas ainda guardava a esperana de poder subir na vida e ajudar afamlia e, principalmente, mostrar-lhes que ele no se havia enganado. Quevalera a pena ter sado de casa to cedo, ter se esforado. Queria ser vencedor.

    Quando tudo parecia favorec-lo, e pela ordem das coisas o cargo j era seu, adireo nomeou outra pessoa para ocup-lo. A ele, nem uma palavra, nenhumaexplicao, nada. Alm da decepo, o descaso feriu-o fundo. Afinal, ele sededicava muito ao trabalho.

    O telefone tocou e ele fez um gesto de contrariedade. No sentia vontade de falarcom ningum. Contudo, depois do terceiro toque levantou-se da poltrona eatendeu.

    Pronto.

    Srgio? O que aconteceu? Estou esperando h mais de meia hora. Esqueceu

  • que combinamos ir ao cinema? J perdemos a sesso das oito.

    Desculpe, Flora. Tive um contratempo e me atrasei. Hoje no estou mesentindo bem.

    Est doente?

    No. Apenas indisposto. Sinto muito t-la feito esperar.

    Est mesmo indisposto ou est me evitando?

    Por que faria isso?

    No sei. Mas se no lhe agrada sair comigo, posso compreender. No precisadesculpar-se.

    No nada disso. Voc est enganada.

    No gosto de me sentir assim.

    Assim como?

    Voc no apareceu, nem telefonou para avisar. Acho at que se esqueceu donosso encontro. Por isso, melhor ficarmos por aqui. No me procure mais. Nogosto de ser colocada em segundo plano, e no telefonaria para procur-lo se nofosse para dizer-lhe isto.Portanto, adeus.

    Ela desligou. Desapontado, Srgio colocou o telefone no gancho.

    E essa, agora? pensou. Alm de perder o cargo ainda perdia a namorada!

    Isso no ia ficar assim.

    Ele reagiu. Apanhou o telefone e ligou para ela. O telefone tocou, tocou, masningum atendeu. Irritado, insistiu vrias vezes at que uma voz masculinaatendeu.

    A Flora? Ela saiu. Quem est falando?

    Um amigo dela. Boa noite e obrigado.

    Deixou-se cair novamente na poltrona. Alm da decepo, agora estava comraiva.

    Gostava de Flora, mas no estava apaixonado. O namoro j se estendia por seismeses. Ela era bonita, inteligente, agradvel, porm demasiado exigente.Ambiciosa, inteirava-se de suas atividades profissionais, dizendo claramente queesperava v-lo prosperar na empresa.

    Ele achava bom o interesse dela. Contava-lhe todos os problemas relacionados aoseu trabalho e acatava suas opinies. Sentia que ela o apoiava para subir na vida efazer carreira. Ela cursava a faculdade de direito e Srgio a admirava por isso.Os pais de Flora estavam bem de vida e ela nunca precisou trabalhar. Terminaria

  • o curso universitrio naquele ano e o pai j estava providenciando um escritriopara ela, junto a um famoso advogado.

    Para ele, que sempre lutara com dificuldade, a situao de Flora j era tima.

    Entretanto, ela desejava muito mais. No queria ser apenas uma advogada defama, mas uma milionria. Seu objetivo era enriquecer. Sonhava com muitoluxo, em freqentar a alta sociedade. Amava as jias caras, os lugares da moda,estar em evidncia.

    Srgio percebeu isso e at certo ponto achava positivo. Era um estmulo para queele progredisse. Tinha certeza de que jamais seria milionrio. Uma fortuna nose faz de um dia para o outro. Ele nunca teve sorte.

    Flora teria percebido isso? Ela sempre acreditou que ele havia de ser muito ricoum dia, que chegaria a ser no s diretor-presidente da empresa como seu maioracionista.

    Claro que ela delirava. Mas ele se sentia envaidecido, mesmo sabendo que osonho dela nunca aconteceria.

    De repente, ele percebeu tudo: Flora descobriu que a esperada promoo noacontecera. Por isso, deu-lhe o fora. No quis esperar mais. Compreendeu averdade. Um simples atraso de meia hora no era motivo bastante forte. Jaconteceu antes e ela tinha reagido de outra forma

    Apesar de sua desiluso e desconforto, Srgio comeou a rir. A ambio de Floratornou-a interesseira e vulgar. Pensando bem, ela era vulgar mesmo. Estavasempre representando, utilizando regras, fazendo jogos de interesse para sebeneficiar, tornar-se evidente, admirada, aplaudida, valorizada.

    Usou-o enquanto achava que ele poderia oferecer-lhe o que ela pretendia.

    Percebendo seu engano, no hesitou em coloc-lo de lado, e certamente sairia procura de outro que pudesse dar-lhe o que desejava.

    Mesmo sem estar apaixonado por ela, essa concluso irritou-o mais ainda. Almdisso, a lembrana de quem o havia substitudo na escolha para a diretoria spiorou seu estado de nimo.

    Levantou-se e comeou a andar de um lado a outro da pequena sala pensando:

    Eu sou capaz! Tenho a certeza de que eu desempenharia aquelas funesmelhor do que ele, que foi nomeado para o cargo apenas por ser sobrinho dodono.

    Estudara, trabalhara, tinha competncia. Estava cansado de ser preterido, deficar em segundo plano, de esperar que os outros reconhecessem suacapacidade. Tinha de fazer alguma coisa. No podia continuar mais assim.

  • Estava com trinta e dois anos. O tempo passava rapidamente e nada acontecia.

    Nenhuma mulher pretensiosa e interesseira vai desligar o telefone na minhacara, nem nenhum patro protecionista vai passar seus apadrinhados por cimados meus direitos. No vou aceitar isso. De hoje em diante, as coisas vo mudar.Eles vo ver do que sou capaz! At agora, obedeci s regras do esforo, do jogoaberto, da honestidade. No deu certo. De agora em diante, cuidarei dos meusinteresses. Eles ainda vo voltar atrs, e eu que direi no! Isso vai acontecer, eujuro!

    Foi at a cozinha, fez um sanduche, abriu uma garrafa de vinho, encheu o copoe, levantando-o, disse:

    Ao meu sucesso!

    Depois de comer, foi at o quarto, apanhou sua agenda e, sentado na cama, luzfraca do abajur, comeou a escrever. Acabava de ter algumas idias e desejavap-las em prtica no dia seguinte. Haveria de conquistar seu lugar, aquilo a quetinha direito, e ningum o impediria de chegar aonde queria.

    Estava determinado. O mundo era um jogo de interesses. O mais astuto levavavantagem sempre. Se esse era o caminho para o sucesso, ele o percorreria. Aspessoas, no mundo dos negcios, eram insensveis a quaisquer sentimentos desolidariedade ou de fraternidade. O lucro era mais importante do que tudo. Tudoera competio, e em uma competio era preciso ganhar. Estava cansado deperder, e para ganhar tinha que aprender as regras do jogo. Para entrar nessadisputa tinha que usar as mesmas armas; para vencer, era preciso endurecer ossentimentos e enxergar s o prprio objetivo: o sucesso, o dinheiro.

    Tomou um banho e foi deitar-se. Pretendia levantar-se cedo no dia seguinte.Tudo iria mudar e ele precisava estar bem-disposto para comear.

  • Captulo 1

    Ao chegar pontualmente na manh seguinte, Srgio sentiu logo o clima deexpectativa entre seus funcionrios. Percebeu que o olhavam disfaradamente,tentando descobrir como ele reagiria. Eles, tanto quanto Srgio, tinham comocerta a promoo dele.

    Srgio procurou aparentar indiferena e agir da maneira habitual. Se pensavamque ele estava arrasado, enganavam-se. Sentiu a raiva aumentar, mas controlou-se. Tinha vontade de pedir demisso, de dizer como se sentia injustiado, dequanto se esforara para progredir na empresa, e de sua certeza de estarperfeitamente preparado para exercer o novo cargo.

    No disse nada, porm. Para qu? Serviria apenas para revelar aos colegas oquadro da sua insatisfao e do seu fracasso.

    Quando o chamaram para apresentar-lhe o novo chefe, ele precisou de todo ocontrole para dissimular sua contrariedade. Olhou para o moo bem-posto esorridente, vestido na moda e muito seguro de si, e foi tomado por um sentimentodesagradvel de inveja.

    Cumprimentou-o srio, porm com amabilidade, entreabrindo os lbios em umsorriso de boas-vindas que procurava encobrir o mal-estar.

    Este o Dr. Flvio, nosso novo diretor administrativo disse o presidente daempresa. com ele que voc dever tratar daqui por diante.

    Sim, senhor respondeu Srgio.

    Ele era doutor! Bonito, elegante, rico. Sobrinho do presidente da empresa.

    Certamente um "filhinho de papai" que lhe daria muito trabalho para introduzirnos assuntos administrativos. Doutor! De qu?

    Esse pensamento aumentou sua raiva. Era injusto que algum que no merecialhe roubasse o que lhe pertencia por direito. Ele trabalhara duro, dedicara-setenazmente e era quem tinha o direito de crescer com a empresa.

    A vida era injusta e cega com as pessoas. A desigualdade, o protecionismoacentuavam sua revolta. Todavia, nada deixou transparecer.

    Flvio fixou-o com certa indiferena dizendo:

    Meu tio falou muito bem de voc. Hoje desejo percorrer todos osdepartamentos, mas amanh comearemos a trabalhar.

    Srgio curvou-se levemente.

    Estarei disposio.

  • Saiu da sala tentando disfarar, sentindo o olhar curioso dos colegas. Em sua sala,sentou-se atrs da escrivaninha e fingiu que comeava a trabalhar.

    A disposio da vspera tinha esmaecido. Sentia-se muito desanimado, mas oorgulho falou mais alto. Ningum haveria de perceber. Alguns colegas tentarammostrar solidariedade, procurando tocar no assunto, mas Srgio sorriu erespondeu:

    No estou nem um pouco preocupado com o novo diretor! Tenho outrosplanos em vista!

    Eles o olharam com incredulidade. Sabiam como Srgio gostava da firma equanto se dedicava. Com certeza ele dissimulava. Fingia para no demonstrartoda a sua decepo.

    Vendo-os sair calados e pensativos, Srgio compreendeu que no conseguiraengan-los. Irritado, pegou sua agenda e procurou alguns telefones. Fechou aporta da sala e, sozinho, comeou a ligar. Eram pessoas que tinham negcios coma empresa e que o cumulavam de gentilezas, algumas oferecendo vantagens edinheiro a troco de favores.

    Marcou vrios almoos e fez apontamentos. Sabia que precisava ser cauteloso.

    Dali para a frente, s importaria seu sucesso, seu bem-estar, seus interesses.Depois disso, sentiu-se mais calmo. Estava dando o troco.

    Ele no desejava lesar a empresa. Mas iria aproveitar as vantagens que seucargo lhe oferecia e prestaria favores a outras firmas para obter lucro e fazer seuprprio capital.

    Pensava que ainda poderia ter seu prprio negcio. Prtica de mercado no lhefaltava. S precisava de dinheiro para comear. Isso ele havia de conseguir empouco tempo.

    Satisfeito, saiu para almoar e quando encontrou os colegas, principalmente seusamigos, sentia-se muito bem. To bem que eles comearam a pensar quehaviam se enganado, que Srgio realmente no se incomodara com a preterio.

    Nos dias que se seguiram, Srgio sentiu-se muito melhor. Na verdade, prestaresclarecimentos e assessoria ao novo diretor no lhe custava nada, uma vez que,por outro lado, comeara a realizar alguns negcios com os quais ganhara bomdinheiro ao dar preferncia a algumas firmas para fornecimento dedeterminados materiais.

    Um dos seus almoos fora com o dono de uma agncia de publicidade que lhepagou gorda comisso para conseguir a conta da empresa. Srgio aceitou, enotando crescer sua conta bancria, sentiu-se satisfeito.

  • O novo diretor era muito diferente do que Srgio havia imaginado. Nuncaparecia estar trabalhando. Dava impresso de um visitante, sempreimpecavelmente vestido e com a mesa sempre arrumada e limpa.

    Um almofadinha! No quer nada com o trabalho pensou Srgio com certoprazer.

    Claro que ele torcia para que Flvio fizesse muitas asneiras. Tinha a certeza deque esse gr-fino nunca saberia levar o trabalho a srio. Fizera-lhe apenasalgumas perguntas e nada mais.

    As secretrias viviam suspirando por ele. Certamente um bom partido. Trintaanos, solteiro, rico.

    As mulheres sempre so interesseiras pensou ele. Isso aumentava suaraiva.

    Sabia que o estava invejando, e tal sentimento incomodava-o, mas no conseguiaevit-lo. Se ao menos ele se mostrasse mais humano, cometesse algum erro,falhasse de alguma forma, seria mais fcil suport-lo. Contudo, Flvio guardavadistncia, era discreto, e no trocava qualquer tipo de comentrio com ele.Falava pouco e Srgio nunca sabia se ele concordava ou no.

    Se a presena de Flvio o incomodava, sua personalidade comeou a intrig-lo, eele prestava ateno a tudo quanto o novo diretor dizia ou fazia. Sabia quantosternos ele trocava por semana, como combinava as cores das camisas e dasgravatas, quantos cafs ele tomava, a que horas chegava, a que horas saa.

    Depois de um ms, comeou a perguntar-se o que ele fazia fora da empresa.Como gastava seu tempo, os lugares que freqentava... Quando o via sair em seucarro sempre limpo e bem cuidado, imaginava onde ele iria, o que faria, comoseria sua vida.

    Quando ele fosse rico, saberia aproveitar bem o tempo. Todas as mulhereshaveriam de querer sua companhia. Teria roupas e carro de luxo.

    Srgio sonhava com o futuro, imaginando-se a desfrutar de posio e vida social.

    A campainha do interfone soou e ele atendeu.

    Sim?

    Venha minha sala, precisamos conversar.

    Srgio levantou-se imediatamente e dirigiu-se sala de Flvio. Bateu levementena porta e entrou.

    Sente-se, por favor pediu ele. Vendo-o acomodado, continuou. Tenhoalgumas perguntas a fazer-lhe.

  • Estou sua disposio.

    Primeiro, ns mudamos de agncia publicitria. Certamente voc teve umaboa razo.

    Srgio admirou-se. No esperava que ele se ocupasse desses detalhes. Apressou-se a responder.

    verdade. Durante muito tempo permanecemos com a mesma empresa,porm, estudando bem, notei que os resultados eram insignificantes e resolvimudar. A nova agncia apresentou-me um programa melhor e acredito quevenhamos a obter maiores resultados.

    Desejo cumpriment-lo por isso. Na verdade, nossa publicidade estava muitoantiquada e nada agressiva. A nova campanha est muito melhor. Talvezpossamos melhorar ainda mais. Confesso que voc me surpreendeu.

    Srgio olhou-o curioso.

    Por qu?

    Flvio sorriu levemente.

    No pensei que tivesse essa atitude. No sua postura habitual. Olhou-ofirme nos olhos e continuou. Alguma coisa est mudando em voc. Paramelhor.

    Srgio sorriu enquanto dizia:

    Talvez. Sinto vontade de fazer coisas novas. Flvio balanou a cabeaaprovando.

    Isso mesmo. Voc me parecia muito conservador. Srgio surpreendeu-se. Noera essa a idia que fazia de si mesmo.

    Eu? Conservador? Tem uma opinio errada a meu respeito. Toda minha vidasempre fui diferente dos meus. Deixei-os l no interior e vim para a cidade. Naminha famlia, s eu tive essa coragem.

    Flvio olhou-o srio, como se medindo bem o que ia dizer.

    verdade. Saiu de l, mas nunca os deixou realmente. Tudo quanto fez aquitem sido no sentido de provar-lhes que voc estava certo. Que era melhor do queeles.

    Srgio no ocultou a surpresa. Flvio mal o olhava, como podia saber tanto a seurespeito? Fez um gesto evasivo.

    Por que diz isso? Eu nunca pretendi ser melhor do que eles. Sempre fui umbom filho e amo minha famlia.

  • No duvido disso. Falo da sua postura interior. Do que est oculto em suasatitudes. Essa postura deve t-lo limitado muito. Aposto que tudo para voc temsido muito difcil, e com muita luta.

    Srgio no escondeu um travo de amargura.

    E verdade. Mas a vida no nada fcil para um pobre menino como eu queveio do interior, sem cultura, e no conseguiu sequer ir para uma universidade.

    Se cultiva essa espcie de pensamento, posso compreender por que noconseguiu o que pretendia.

    Aprendi que a honestidade, a vontade de trabalhar e o esforo eram ocaminho para o sucesso. Mas tudo o que conquistei tem sido com muito esforo emuita luta. No acredito que na vida as coisas possam ser diferentes.

    Se isso fosse verdade, os desonestos e ociosos nunca teriam sucesso. Eu possoapontar-lhe alguns nomes de homens conhecidos e at famosos, ocupando altoscargos na poltica, que fraudaram todas as leis dos homens e at de Deus.

    Srgio no concordou.

    verdade, mas no justo. Onde ficam os valores sagrados da religio e davida? Acreditar nisso perder todos os referenciais do que bom ou mau.

    Voc fala das regras da sociedade. Hum... Elas nem sempre soverdadeiras.Todavia, pense nisto. O sucesso no depende dos valores morais decada um. Ele pode ocorrer mesmo quando a pessoa despudorada e desonesta.

    Srgio sacudiu a cabea negativamente.

    Sei que verdade, mas no me conformo. Est tudo errado. Como a vidapode premiar o mal? Nesse caso, onde est Deus?

    Flvio sorriu e, pela primeira vez, Srgio viu seus dentes alvos e bem distribudos.

    Est enganado. A vida nunca erra. Tudo est certo como est. Pense nisso.

    Agora fiquemos por aqui.

    Srgio saiu da sala intrigado. Flvio o elogiara logo quando ele no tinha agido deacordo com seus manuais de honestidade! Ele estava enganado, com certeza.Que idias malucas lhe passariam pela cabea?

    Ele, querendo ser melhor do que todos na famlia! Era verdade que sempredesejara progredir para ajud-los. Traze-los para a cidade, dar-lhes presentes efaz-los subir na vida. Isso no poderia ser um mal. Ao contrrio. Ele era umbom filho.

    O resto do dia Srgio no conseguiu esquecer sua conversa com Flvio.

  • Reconhecia que ele estava muito bem informado. Parecia seguro e nuncademonstrara qualquer dvida. Chegara a examin-lo, a observar suas atitudes.

    Srgio sentiu-se envaidecido. Flvio prestara ateno nele. Estar-se-iaperguntando por que no o haviam promovido? Perceberia que lhe roubara olugar na hora em que ele, Srgio, mais esperava por isso?

    Se isso fosse verdade, haveria de mostrar-lhe que era melhor do que ele mesmo.

    As palavras de Flvio no lhe saam da cabea. "Saiu de l, mas nunca os deixourealmente."

    Estaria a cham-lo de provinciano? Foi at o banheiro e olhou-se no espelho.Talvez o corte de cabelo pudesse melhorar. O colarinho era um tanto acanhado.Tambm, ele nunca dispusera de dinheiro para comprar boas roupas.

    Na manh seguinte, um sbado, Srgio decidiu fazer compras. Afinal, agora eledispunha de mais dinheiro e ningum haveria de cham-lo de provinciano.Morava na cidade h bastante tempo e se considerava um homem elegante.Lembrou-se dos ternos bem talhados de Flvio, suas camisas finas e gravatassempre combinando e decidiu-se. Estava disposto a gastar e a vestir-se melhor.

    Parado em frente vitrine de uma luxuosa loja, ele olhava com ateno cadaroupa exposta. Ficou encantado com um blazer azul-marinho, vestido emelegante manequim, a camisa de seda cor de palha e a gravata estampada, comdelicado toque cor de vinho. Olhou, olhou e finalmente resolveu entrar.

    Sentia-se envergonhado. Nunca conseguira entrar em uma loja luxuosa comoaquela. Sempre pensara que essas coisas no eram para ele e que nunca poderiacompr-las.

    Timidamente pediu para ver a roupa, e no provador, vendo-se vestido com ela,sentiu-se outra pessoa. Num assomo de entusiasmo, comprou tudo, no s oblazer, a camisa e a gravata, mas a cala combinando com a camisa, os sapatosde cromo alemo e at as meias de seda.

    Gastou quase todo o dinheiro que tinha, mas no se importou. Sentia-se eufrico,feliz. Ele nunca pensara em si mesmo; agora, estava na hora de, pelo menos,viver melhor.

    noite, tomou um banho caprichado, vestiu-se com a roupa nova e, diante doespelho, sentiu-se entusiasmado. Parecia outro homem, mais alto e muitoelegante. Virando-se e olhando-se, pensou:

    Hoje no vou pensar em tristeza, nem em minha vida pobre. Sou rico, estoupreparado para o sucesso!

    Uma vez na rua, conjeturou: aonde iria? No sentia vontade de ir a um simples

  • cinema ou aos lugares costumeiros. Decidiu ir cinelndia, dar uma olhada.Andando pela avenida So Joo, sentia-se o dono do mundo. As mulheresolhavam-no interessadas e ele pensava com satisfao:

    Elas imaginam que tenho dinheiro!

    Ele procurava andar com naturalidade. Os ricos so descontrados e naturais. Iriaa um teatro. Talvez fosse melhor. Depois veria o que fazer. O que ser que Flviofazia nas noites de sbado? Ele tinha carro e isso mudava muito as coisas.

    Depois do teatro, sentiu fome e resolveu cear em um bom restaurante. Aquelanoite teria que ser completa. Ele no estava vontade em um lugar de luxo,porm, naquela noite, sentiu-se muito bem, observando a ateno do matre, agentileza dos garons, a beleza do lugar.

    Pediu um aperitivo, encomendou o jantar, provou o vinho. Estava deliciando-secom a comida e com o piano que tocava suavemente, quando o garomaproximou-se respeitoso.

    Senhor, aquele cavalheiro convida-o a jantar com eles.

    Admirado, Srgio voltou-se e no conteve um gesto de surpresa. Sentado algunsmetros atrs, estava Flvio, em companhia de duas moas. Uma delas era Flora.O que significaria aquilo? Pensou em recusar, mas sentiu-se envaidecido. Erauma oportunidade para mostrara Flora e a Flvio, ao mesmo tempo, que ele noera o provinciano fracassado que eles julgavam.

    Sorriu cortesmente. O garom continuou:

    Ele disse que lhe daria muito prazer.

    Foi ele quem convidou?

    Sim, senhor.

    Muito bem. Aceito.

    Srgio levantou-se e dirigiu-se mesa deles, cumprimentando-os.

    Que prazer v-lo aqui! Venha fazer-nos companhia! disse Flvio com umsorriso. Esta Flora, e esta Arlete, minha prima.

    Srgio curvou-se, estendendo a mo para Flora.

    Como vai, Flora?

    Bem... respondeu ela.

    Srgio percebeu que ela estava contrariada. Sentiu-se alegre com isso. Estendeua mo para Arlete, dizendo com um sorriso:

    um prazer conhec-la.

  • O garom j mudara o jantar de Srgio e este sentou-se calmamente entre asduas moas. Olhando Flora com naturalidade, disse:

    Est tudo bem com voc?

    Tudo timo.

    Vocs j se conheciam? indagou Flvio, admirado.

    J.

    Velhos amigos... disse Flvio.

    , eu diria velhos conhecidos respondeu ela tentando dissimular odesagrado.

    No sabia que voc conhecia o Dr. Flvio. Ele o novo diretor da nossaempresa.

    Nada de doutor, por favor disse ele. No h necessidade deformalidades.

    Na verdade, estamos a nos conhecer hoje. Ela colega de faculdade de Arlete.

    Ah! Voc estuda advocacia tambm?

    No. Eu estudo letras. Estou no ltimo ano.

    Ela sorriu. Era muito diferente de Flora. Seu rosto moreno e delicado, levementecorado, a pele muito bonita, olhos grandes e castanhos, seus cabelos escuros elevemente ondulados, davam-lhe um ar de menina.

    No muito cedo para estar no fim do curso? Com que idade comeou aestudar? indagou Srgio.

    Ela meneou a cabea negativamente e sorriu. Tinha delicadas covinhas quandosorria e um brilho malicioso nos olhos ao responder:

    Quantos anos pensa que eu tenho?

    No sei... talvez uns dezessete.

    Tenho vinte e trs.

    Arlete no aparenta a idade que tem. Alis, uma caracterstica da nossafamlia. O pai dela parece mais irmo dos filhos do que pai esclareceu Flvio.

    A conversa prosseguiu agradavelmente. Flvio era delicado e falava pouco, Floraestudava um jeito de agrad-lo e Srgio pensou:

    Ela preparou tudo, pretende dar o golpe do ba. Est furiosa porque euapareci.

    Vai dar com os burros n gua. Flvio no vai interessar-se por ela.

  • Ele estava adorando o jantar. Arlete era bonita e graciosa. Amvel e delicada.No parecia ser de famlia to importante. Para provocar Flora, Srgio resolveuredobrar as amabilidades com Arlete. O que ela, Flora, estaria pensando, vendo-o to bem vestido e freqentando restaurante de luxo? Estaria arrependida dehaver terminado o namoro? Haveria de arrepender-se muito mais, a interesseira.

    Terminado o jantar, Flvio no permitiu de forma alguma que ele pagasse.

    Absolutamente. Est tudo pago. Eu tenho conta neste restaurante.

    Srgio agradeceu. Aquele era seu dia de sorte. Uma noite mgica que ele noqueria ver terminar. Por isso, quando Flvio sugeriu irem a outro lugar, eleconcordou deliciado.

    Est uma noite muito agradvel disse ele. Poderamos ir a uma boate.

    Est bem disse Srgio.

    Eu adoraria! disse Arlete.

    Eu sei. Por isso estou convidando.

    Com voc, papai deixa continuou ela, sorrindo. Uma vez na boate, Srgiosentia-se deslumbrado. Tantas coisas bonitas, muitas flores, gente bem vestida,msica agradvel, e ele, pela primeira vez em sua vida, sentia-se vontade numlugar fino como esse.

    Havia bebido um pouco de vinho, sentia-se bem-disposto e alegre. Naquela noite,tudo lhe parecia natural e ele tinha vontade de cantar.

    Convidou Arlete para danar e logo estavam circulando pelo salo. Arlete eraleve e danava deliciosamente bem. Abraando seu corpo delicado e bemtorneado, Srgio sentia-se como se fosse o astro de um filme americano. Ummusical onde ele fosse o primeiro danarino. No que ele gostava de danar?Nunca imaginara isso antes.

    Os dois continuaram danando animadamente. No paravam. Era rumba,bolero, samba, foxtrote, tudo. At tango Srgio animou-se a danar. Flvio eramais comedido.

    Danara algumas vezes com Flora, e Srgio de vez em quando percebia o olhardela fuzilando sobre ele. Quanto mais percebia que ela estava com raiva, maisfeliz ele ficava. Estava saboreando a vingana.

    Quando eles se sentaram mesa, corados e alegres, Flvio considerou:

    Parece que Arlete encontrou um parceiro ideal. Eu no consigo acompanh-la.

    Ela nunca se cansa.

  • to raro eu poder vir a uma boate e, principalmente, que encontre algumcapaz de danar divinamente como Srgio, que quero aproveitar. Para dizer averdade, estou muito feliz e gostaria que esta noite nunca acabasse.

    Srgio olhou-a com olhos brilhantes e respondeu:

    Pois eu tambm. Esta noite quero esquecer que sou um simples mortal e que odia vai amanhecer.

    Nunca pensei que voc apreciasse a dana disse Flora admirada. Nuncao vi danar. Pensei que no soubesse dar um passo.

    Havia ressentimento na voz dela e Srgio respondeu:

    Depende da companhia e do lugar. Esta noite, encontrei uma parceira ideal.Ela dana divinamente. Parece uma pluma.

    Isso verdade. Arlete, desde pequenina, sempre danou muito bem e temmuito senso musical. Toca piano maravilhosamente, canta bem e se tio Antniohouvesse permitido ela teria se dedicado vida artstica.

    Flora lutava para encobrir o desapontamento. Ela que queria brilhar, ser aprimeira em tudo, ter as atenes. Aquela menininha rica e sem graa, filhinhade papai, estava roubando-lhe o lugar. Os dois pareciam derreter-se diante dela.

    Est ficando tarde disse. Est na hora de irmos embora.

    Arlete olhou para Flvio com ar suplicante.

    No ainda, por favor. Est to bom aqui!

    De fato, j tarde considerou ele consultando ligeiramente o relgio.

    Fiquemos mais meia hora.

    Venha, Srgio disse Arlete levantando-se e puxando-o pela mo. Nopodemos perder tempo.

    Logo os dois estavam circulando animadamente pela pista de danas.

    No pensei que Arlete fosse to animada! tornou Flora.

    Na faculdade ela sempre discreta.

    Ela sempre discreta em tudo. Mas quando se trata de msica, dana, elamuda. Parece que com o Srgio acontece o mesmo. Nunca pensei que ele fosseto extrovertido. No escritrio sempre muito discreto. Voc o conhece h muitotempo?

    Quase um ano. Para dizer a verdade, se quer saber, ele foi apaixonado pormim.

    Chegamos a um namorinho sem importncia. Eu no quis continuar.

  • Flvio olhava-a imperturbvel. Ela continuou:

    Na verdade, ele sempre me pareceu, como direi... um tanto antiquado, defamlia pobre, veio do interior, seus pais so lavradores. Pretendia fazer carreira,estudar, mas nunca conseguiu. No sei se por falta de sorte ou de capacidade.

    Ele um dos melhores funcionrios da nossa empresa disse Flvio comnaturalidade.

    Flora mordeu os lbios. No esperava essa resposta.

    Claro. Trabalha l h vrios anos. Certamente.

    E voc, o que espera fazer quando se formar? Os olhos dela brilharam desatisfao.

    Termino este ano e estou montando meu prprio escritrio. Naturalmente,junto com um advogado famoso para que eu possa comear uma carreira bemassessorada. Sabe como , eu tenho a certeza de que serei uma excelenteprofissional; contudo, uma mulher, e ainda mais recm-formada, no vai inspirarconfiana aos clientes. Eles preferem entregar suas causas aos advogadosexperientes.

    Eles continuaram conversando. Flora contando seus projetos, ele ouvindocalmamente.

    Quando finalmente saram da boate, Flvio ia levar as moas para casa e Srgiono permitiu que ele o levasse. No gostaria que eles vissem o lugar modestoonde residia.

    Absolutamente. Vou tomar um txi. Voc j fez demais por mim esta noite.

    Alm de no me deixar pagar a conta.

    Despediram-se, e quando chegou em casa Srgio olhou em volta e o contraste deseu apartamento pobre e modesto o incomodou. Mas ele fechou os olhos. Noqueria pensar.

    No queria que aquela noite maravilhosa acabasse. Sentia-se feliz e realizado.

    O dia estava amanhecendo quando ele se deitou e finalmente adormeceu.

  • Captulo 2

    Na segunda-feira, Srgio levantou-se alegre e bem-disposto. Porm, olhando-seno espelho Nno gostou do que viu. Sua camisa era malfeita e seu terno semelegncia.

    Suspirou preocupado. Aquelas roupas no lhe caam bem. Abriu o armrio eprocurou algo melhor. No encontrou. Que falta de gosto! Sua roupas eramhorrveis. Como no percebera isso antes? Sentiu vontade de desfazer-se de todaselas.

    Talvez por isso ele no conseguira a promoo. Um diretor de empresa precisavaestar impecavelmente vestido. Como no tinha pensado nisso? Flvio andavasempre muito bem arrumado.

    Diante do espelho, olhou-se procurando analisar sua aparncia. Embora houvessemudado o penteado, os cabelos ainda continuavam mal cortados. Pensando bem,ele no era feio. Ao contrrio. Alto, moreno, cabelos castanho-escuros, dentesalvos e bem distribudos, sabia ser agradvel quando queria. Faltava-lhe apenasverniz para tornar-se to elegante quanto qualquer homem da alta sociedade.

    Ele estava disposto a ter sucesso. Para isso, pretendia investir o que pudesse.

    Nesse jogo, pensava ele, as aparncias eram fundamentais. Como no haviaremdio, vestiu-se e foi para o escritrio.

    Uma vez l, fez um inventrio de suas despesas e de sua conta bancria e chegou concluso de que o salrio que ganhava no era suficiente para conseguir vivercomo desejava. Na verdade, ele nunca reivindicara nada. Pensava que fazendotudo quanto podia e dedicando-se ao trabalho, seus superiores lhe dariam a justacompensao financeira. Pensava at que economizando e no se mostrandoambicioso, seria mais apreciado.

    Isso no acontecera. Ele mudara de cargo, assumira mais responsabilidade, maso dinheiro pouco tinha aumentado. Insatisfeito, Srgio comeou a achar, pelaprimeira vez, que estava sendo usado.

    Sua dedicao fora aproveitada sem que houvessem feito por ele o que esperava.

    A injustia de que fora vtima deixava isso muito claro, pensava ele.

    A experincia que tivera no fim-de-semana fazia-o desejar ardentementeingressar nesse mundo bonito e alegre que ento havia conhecido. Era isso queele buscava quando sara de sua pequena cidade. No queria mais viver naquelepequeno apartamento pobre e feio, vestir-se mal, contar os trocados, nuncacomprar aquilo de que gostava e sim o mais barato.

  • Esses pensamentos o agitavam, mas ele no conseguia esquecer o assunto.Sentia-se triste e desanimado.

    Alguns dias depois, Flvio chamou-o sua sala. Vendo-o sentado sua frente fez-lhe algumas perguntas sobre o andamento de vrios assuntos e depois, olhando-ocom firmeza, disse:

    Noto que voc no tem estado bem. Algum assunto da empresa o estpreocupando?

    Srgio tentou dissimular.

    No. Est tudo bem.

    Percebo que voc anda desligado do trabalho, sem entusiasmo. Estacontecendo alguma coisa?

    No. Nada.

    Gostaria que soubesse que a falta de interesse de algum na equipe podeprejudicar todos os nossos negcios. Voc sempre foi considerado um timofuncionrio.

    Ontem, pela sua falta de ateno, quase perdemos um cliente importante.

    Srgio enrubesceu. Orgulhava-se de nunca haver sido advertido. Trincou osdentes de raiva e fechou a boca com fora. Flvio, imperturbvel, continuou.

    Espero que esteja consciente disso. Mas como tem sido um dos nossosmelhores funcionrios, pensei que poderia estar com algum problema.

    Srgio sentiu uma onda de indignao. Ele estava sendo usado, explorado, eFlvio ainda se achava no direito de chamar-lhe a ateno. No se conteve.

    Realmente, Flvio. Sinto-me insatisfeito. Tenho me dedicado empresa,trabalhado com dedicao e seriedade, julgando que saberiam reconhecer meuvalor, mas isso no aconteceu.

    Voc tem progredido. Passou por diversos cargos e agora dirige uma boaparte da empresa, tem o respeito e a admirao de todos.

    Srgio respirou fundo e tomou coragem para dizer:

    Voc pode pensar que sim. Gosto da empresa, do trabalho, do ambiente, detudo. Mas tenho um problema financeiro. Meu salrio no suficiente para asminhas despesas. Por isso, andei at pensando em procurar outro emprego. Issopara mim seria doloroso, porque eu aprendi a amar esta casa, mas realmenteno posso continuar mais a viver dessa forma. Eu mereo uma vida melhor. Seique sou competente e realizo um bom trabalho, e sinto que no venho sendovalorizado como mereo.

  • No incio, a voz de Srgio estava um pouco trmula, mas depois ele foi sefirmando e no final falou de maneira decidida, segura. Sentia-se muito bemfalando assim.

    Um brando calor aqueceu-lhe o peito e seus olhos brilharam expressivos.

    Flvio olhou-o admirado e disse:

    Voc sempre me surpreende. Realmente est amadurecendo. Posicionar-secomo fez revela dignidade e valor. Pelo que sei a seu respeito, foi a primeira vezem todos estes anos.

    Obrigado. Voc perguntou a causa dos meus problemas e eu lhe disse.

    Muito bem. Espero que continue assim. Gostaria que fosse sempre objetivocomo hoje. Fica muito mais fcil resolver os problemas quando as pessoas seposicionam corretamente. Quanto voc acha que seria justo receber pelotrabalho que faz?

    O mesmo que outras empresas do porte da nossa pagam aos que ocupam omeu cargo.

    Flvio fixou-o pensativo por alguns minutos. Depois disse:

    justo. Vou estudar a questo e voltaremos a falar assim que eu tiver asinformaes. Mudando de assunto, gostaria que fosse jantar em minha casa nestesbado.

    Estaro l alguns amigos.

    Srgio sorriu com satisfao.

    Obrigado pelo convite. Eu irei.

    Arlete vai gostar.

    Eu tambm. Ela encantadora.

    Muito bem, s nove.

    Est bem.

    Srgio saiu da sala com vontade de cantar de alegria. Aquela sensao de tristezae de desvalorizao desaparecera. Sentia-se leve e feliz. Havia conseguido dizero que sentia e fora compreendido. Sentia-se respeitado e bem-disposto.

    Animado, comeou a pensar no jantar de sbado. Claro que ele precisaria deroupas novas. No podia ir com a mesma roupa que usara na outra noite.Consultou seu saldo no banco e viu que no era muito, mas talvez ele pudessecomprar a prestaes. No podia perder aquele jantar, de forma alguma. Ircasa de Flvio, ver como ele vivia, vinha ao encontro de seus desejos.

  • Pensou em comprar outro blazer e uma camisa, que ele usaria com o restantedas roupas que j havia adquirido. No seria to caro assim. Estava disposto ano olhar o preo.

    Ele merecia e haveria de ter boas roupas.

    Na sexta-feira, Flvio chamou-o novamente dizendo-lhe haver estudado seu casoe que ele tinha razo. Seu salrio no estava altura do cargo que ocupava.Ofereceu-lhe no s o dobro do que ganhava como uma pequena participaonos lucros da empresa.

    Srgio ficou radiante. Finalmente estava sendo valorizado. Mas e as roupas?

    Precisava compr-las. Seu novo salrio s viria no fim do ms.

    Sbado saiu logo cedo, percorrendo as lojas de luxo em busca do que precisava.

    Seu dinheiro no dava para compr-las. Vendo sua preocupao, um vendedorperguntou:

    No gostou dessa?

    Gostei, mas no momento estou desprevenido. Gastei demais e s vou receberno fim do ms. Poderia dividir o pagamento?

    Infelizmente nossa loja no vende a prestaes.

    que eu tenho um jantar importante hoje noite e queria uma roupa nova.

    Sabe como , a casa do meu chefe.

    O vendedor sorriu e disse:

    Olha, se voc no se incomodar, eu tenho aqui um terno muito elegante,camisa e gravata, um traje completo, por um preo muito barato. de excelentequalidade. Corte impecvel. Mas no novo. Um cliente comprou e no pagou.A loja o obrigou a devolver tudo, mas ele j havia usado. Quando assim, nossogerente vende as peas aos empregados. Porm, no serviram em ningum.Acho que a roupa vai cair como uma luva em voc.

    Srgio aceitou e experimentou. Realmente, a roupa era muito elegante e lheassentava muito bem. O preo foi exatamente o que ele tinha no banco. Ia ficarsem nada, mas pretendia fazer um vale e re-mediar.

    Comprou tudo com satisfao.

    Hoje meu dia de sorte pensou feliz.

    Faltava ainda dar um jeito nos cabelos. Mas o dinheiro no era suficiente.

    Chegando em casa, dirigiu-se dona do apartamento dizendo bem-humorado:

    Dona Antnia, hoje meu dia de sorte! Recebi um bom aumento!

  • Ela sorriu satisfeita. Para ela, todos os seus inquilinos eram como filhos. Viva esem filhos, ela interessava-se pela vida de todos eles, consolando-os quandotinham problemas e comemorando quando estavam alegres.

    Precisamos comemorar, Srgio!

    , mas eu tenho um problema. O dinheiro s vem no fim do ms e meu chefeme convidou para um jantar hoje noite em sua casa. Tive que comprar umaroupa nova e fiquei sem dinheiro. Preciso cortar o cabelos e pagar o txi.

    Isso mau. O que pensa fazer?

    A senhora no poderia emprestar-me algum at o fim do ms? Pagarei comjuros.

    Logo vi que voc queria alguma coisa. Quando me olha desse jeito!

    Ela emprestou-lhe o dinheiro e Srgio imediatamente foi a um salo famosocortar os cabelos, fazer manicure.

    noite, quando se olhou no espelho, sorriu com satisfao. Estava perfeito.

    Faltava o perfume. Com prazer, lembrou-se do perfume francs que ganhara noaniversrio.

    Com algumas gotas, completou a tarefa.

    s nove horas em ponto, Srgio foi introduzido pelo mordomo no hall dobelssimo palacete do Jardim Amrica, onde Flvio residia. Com os olhosbrilhantes, ele observava tudo em detalhes, desde o lindo jardim iluminado querodeava a casa at os lustres de cristal, as cortinas e as obras de arte que jconseguia vislumbrar.

    Conduzido a uma sala de estar, onde j se encontravam algumas pessoas, Flviolevantou-se para cumpriment-lo.

    Voc pontual disse aps os primeiros cumprimentos. uma qualidaderara no Brasil. Venha, quero apresent-lo a alguns amigos. Arlete, voc jconhece.

    Como vai? disse ela olhando-o com olhos brilhantes. Estava ainda maisbonita num vestido justo de seda vermelho, que a fazia parecer mais alta, e comos cabelos presos em coque na nuca por um belssimo arranjo de prolas.

    Bem. um prazer reencontr-la.

    Flvio apresentou-o aos outros amigos, dois casais de meia-idade, trs rapazes,que haviam sido colegas de universidade, e duas moas. Todos muito agradveise elegantes.

  • Srgio sentiu-se logo vontade. Aceitou um aperitivo que a criada lhe ofereceu ea conversa fluiu fcil e agradvel.

    Foi quando Flora chegou. Arlete apressou-se a abra-la e apresent-la aosoutros convidados. Ela no os conhecia. Ao cumprimentar Srgio lanou-lhe umolhar onde havia certa irritao e surpresa.

    Ela no gosta de me ver por perto pensou ele. Ela sabe que eu aconheo bem.

    Vendo-a, ele no ficou contrariado, pelo contrrio. Percebendo o quanto eleprogredira, ela por certo estaria arrependida de t-lo desprezado. Ele se sentiavingado.

    Aproximou-se de Arlete e sentou-se ao seu lado no sof.

    Que bom v-la de novo.

    Ela sorriu e seus olhos brilharam.

    Eu digo o mesmo.

    Nunca me diverti tanto quanto naquela noite. Foi maravilhoso!

    verdade. Voc dana muito bem.

    Voc tambm. Alis, fazia anos que eu no danava.

    No acredito. Voc estava em tima forma. Parece que nunca fez outra coisana vida.

    Vindo de voc, um grande elogio. Mas verdade. H anos que eu nodanava. Quando eu era menino, dizia que queria ser danarino, aprender asapatear, como Fred Astaire. Quando vim para So Paulo, mergulhei no trabalhoe esqueci tudo o mais. A vida na cidade grande absorvente. A luta do dia-a-diano nos deixa tempo para o lazer.

    Ela abanou a cabea negativamente.

    No verdade. Quando voc se organiza, h tempo para tudo. Esse oencanto de viver. Cada coisa em sua hora e em seu momento.

    Voc diz isso porque nasceu em uma famlia abastada. Nunca precisoupreocupar-se com o po de cada dia.

    Algum dia a preocupao lhe rendeu algum dinheiro?

    O que disse? estranhou ele.

    Ganhou dinheiro com suas preocupaes? Srgio sorriu.

    Voc est brincando comigo. Eu estava falando a srio.

  • Eu tambm. At hoje eu nunca vi ningum ter lucro ou ganhar alguma coisacom a preocupao. Para mim, ela s faz mal sade e diminui nossacapacidade de perceber as coisas.

    Quer dizer que nunca se preocupa com nada?

    Pelo menos eu tento fazer isso.

    Nesse caso, a vida seria um caos. Uma desorganizao. preciso tomar contadas coisas, fazer tudo direito.

    Arlete sorriu suavemente e em seus olhos havia um brilho malicioso quandoconsiderou:

    Fazer as coisas com capricho e ateno no tem nada a ver compreocupao.

    Ocupar-se com as coisas antes da hora, temer que elas saiam erradas, pensar emcoisas ruins que ainda no aconteceram desvia nossa ateno do que precisamosfazer no momento e diminui nossa capacidade de ao. Quando eu estouconfiante, serena e calma, consigo fazer tudo muito melhor.

    Srgio olhava-a com admirao. Arlete era diferente das outras moas queconhecera.

    Flvio aproximou-se dizendo:

    Pela sua cara, Arlete j deu voltas sua cabea. Ela adora fazer isso!

    Ela levantou-se enfiando o brao no brao do primo e disse alegremente:

    Olha quem fala! Isso mal de famlia. No ligue para ele. A maior parte dasminhas idias me vem dele. Sabia que o Flvio o maior pensador que euconheo?

    Ele muito observador disse Srgio.

    No s isso. Ele um estudioso da vida, do homem, do comportamento.

    um sbio.

    Arlete falou suavemente e havia muita ternura em seus olhos. Srgio sentiu umaponta de cime. Arlete estaria apaixonada pelo primo? Flvio era muitorequisitado pelas mulheres. Seria Arlete mais uma das suas admiradoras?

    Flvio sorriu suavemente quando respondeu:

    Nem tanto. que ns nos compreendemos, temos as mesmas idias, logo...

    quando ela me admira porque est se vendo e se admirando atravs de mim.Sou apenas seu espelho. Essa a forma como me v.

    Viu? Eu no disse? Ele conseguiu esconder-se e colocar-me em evidncia. Ele

  • sempre faz isso. Coloca-se como observador.

    s o que eu sou. Um observador.

    Voc nunca participa? indagou Srgio admirado.

    Alguma vez voc me achou ausente?

    No. Ao contrrio. Parece sempre muito bem informado. Mas ao mesmotempo... parou indeciso. Flvio era seu chefe e, apesar de estar em sua casacomo um convidado, no sabia at onde poderia ir.

    Continue pediu ele.

    Ao mesmo tempo me parece sempre olhando de fora, sem tomar parte. Falapouco e no se entusiasma muito com as coisas.

    O que no quer dizer que no as sinta. Flvio muito sensvel.

    Srgio no concordava com isso, mas no se atreveu a contestar Arlete. Disseapenas:

    Se sente, controla-se muito bem. Est sempre calmo, acontea o queacontecer.

    Alegra-me saber que pensa assim. H longo tempo venho me esforandopara ser apenas um bom observador, e s intervir se eu puder, na hora certa, domodo mais adequado.

    O que no quer dizer que ele seja indiferente. Controlar-se sinal de fora, dedomnio interior.

    Controlar as emoes no to simples assim. Eu mesmo tenho tentado fazerisso e nem sempre consigo.

    Uma das tcnicas que ns usamos com muito bom resultado a de observardo lado de fora, como se o problema no fosse nosso disse Arlete.

    Eu no saberia fazer isso tornou Srgio. As emoes brotam e ficam detal forma que, quando aparecem, tomam conta de mim. Como poderia manter-me de fora? Se eu pudesse fazer isso, por certo no teria mais problemas comelas.

    s fechar os olhos e imaginar que voc d um passo para trs, e observa suafigura frente. como se voc fosse outra pessoa. Experimente. Nessa hora,voc est neutro.

    No tem que decidir nada, nem enfrentar nada. mero observador.

    Se eu fizer isso, o que vai acontecer?

  • No mnimo descobrir que tem um refgio para ir quando as coisas ficaremmuito perturbadoras. Nesse estado, sentir serenidade e paz. Quase sempre,novas idias, novos ngulos em que voc no havia ainda pensado aparecero. Osilncio e a meditao so sempre um grande remdio para os problemas daalma.

    Interessante! disse Srgio. Nunca fiz nada disso.

    Vale a pena tentar. Arlete sabe o que diz tornou Flvio.

    O jantar foi servido e a conversa fluiu alegre e agradvel. As pessoas queestavam ali eram todas muito educadas e simpticas. Uma coisa era certa: Flviosabia viver e reunir em torno de si pessoas interessantes.

    Srgio sentou-se ao lado de Arlete e do outro lado estava uma senhora muito vivae bem-humorada que o fez sentir-se muito vontade.Todo o tempo, Srgioobservou Flora disfaradamente. Percebia que ela estava tentando introduzir-senaquele meio, aproveitando-se do seu conhecimento com Arlete.

    Esforava-se para ser encantadora, agradvel, delicada. Srgio sabia que ela noera nada disso. Sua personalidade era spera e dura, chegando por vezes arrogncia.

    Contudo, ali, ela mostrava-se dcil e bem-humorada. Com certo prazer e ironia,observava suas investidas sobre Flvio, que, imperturbvel, no demonstravaperceber nada.

    Prazer porque sabia que, com Flvio, ela no iria conseguir nada. Ele era muitointeligente para se deixar envolver por uma interesseira como Flora.

    Havia momentos em que surpreendia o olhar dela sobre ele, estudando-o. Porcerto, estaria arrependida de haver acabado o namoro. Com certeza, estariatentando descobrir o que acontecera, uma vez que sabia que ele no forapromovido. Ele se divertia com a curiosidade dela. O que estaria pensando? Queele estava tendo mais dinheiro? Se ela soubesse que ele continuava comosempre...

    No. Ele no continuava como sempre. Ele mudara. Ele agora provava o prazerdas coisas boas. Ele queria mais. Com isso conseguiu maior salrio. Era justo. Elemerecia.

    Sempre trabalhou muito. Esforara-se, dedicara-se. Agora, no estava maisdisposto a continuar naquela vidinha pobre e sem perspectivas. Dali para a frente,sua vida iria mudar.

    Nunca mais sentiria o gosto do fracasso!

    Lembrou-se da famlia, dos seus projetos de traz-los para a cidade grande e

  • sentiu um certo remorso. Estaria sendo egosta pensando s em si mesmo, emsua satisfao e prazer, deixando a famlia continuar naquela vida pobre e semfuturo em que viviam?

    Ele no queria pensar. Quando ganhasse bem, por certo realizaria seus projetoscom relao a eles. De que lhe adiantaria ir busc-los agora para faz-los morarnum pequeno apartamento sem conforto?

    Aps o jantar, Srgio sentou-se em um sof, enquanto Flvio colocava algunsdiscos na vitrola. Os outros convidados espalharam-se prazerosamente pelaimensa sala e Srgio viu surpreendido Flora sentar-se a seu lado.

    Como vai? indagou.

    Muito bem. E voc?

    Bem. Pelo que estou vendo voc agora resolveu mudar de vida. O queaconteceu? Ganhou na loteria?

    Ela falou em tom de brincadeira, mas Srgio percebeu que ela no conseguiamais controlar a curiosidade.

    Por que diz isso? replicou ele no desejando dizer a verdade.

    Porque voc est diferente. Ns nos encontramos naquele restaurante de luxooutra noite e agora, aqui, em casa de pessoas da mais alta sociedade.

    Uma das quais por acaso meu chefe. Para falar a verdade, estar aqui paramim natural. Eu que nunca pensei encontr-la nesta casa. Nunca me disseque conhecia os Bastos.

    Ela meneou a cabea negativamente.

    H muita coisa que voc no sabe sobre mim. Eu sempre freqentei a maisfina sociedade. Arlete minha colega de faculdade, e l eu sempre tive muitasamizades. Costumo receber em casa tambm.

    No sabia. Tambm, voc nunca me convidou!

    Pensei que no gostasse de lugares mais requintados. Quando ns saamos,sempre amos a lugares modestos. Voc estava sempre sem dinheiro.

    Ele sorriu.

    As coisas mudam disse.

    Os olhos dela brilharam quando retrucou:

    O que mudou com voc? Conseguiu aquela promoo?

    Que promoo?

    Aquela pela qual suspirava h tanto tempo.

  • No, no consegui. Continuo no mesmo posto.

    Pelos olhos dela passou um lampejo de reflexo. Depois de alguns segundos eladisse:

    Ento no entendo. Como conseguiu dinheiro para comprar roupas caras efreqentar lugares de luxo? Vai ver que guardava o dinheiro e no queria gastarquando saa comigo.

    Pelos olhos de Srgio passou um brilho de malcia.

    Pode ser disse.

    Ela irritou-se um pouco, mas estava disposta a controlar-se, por isso sorriu erespondeu fitando-o provocadoramente:

    Acha que eu no mereo?

    Voc quem est dizendo. Pense o que quiser.

    Ela empalideceu e levantou-se imediatamente. Se ele pensava que ia esnob-laestava enganado. Ela era e sempre fora melhor do que ele em tudo. No seriaum pobre-diabo metido a elegante, sem ter onde cair morto, que iria divertir-ses suas custas.

    Ele por certo estava escondendo alguma coisa. Talvez algo ilcito que ela aindadescobriria, e quando soubesse o que era, acabaria com o sucesso dele. Haveriade vingar-se.

    Achegara-se a ele, tentando reatar a amizade, talvez at o namoro. Por que no?Agora ele j oferecia uma boa perspectiva de futuro. Com a orientao dela,poderia ir longe.

    Mas ele tripudiara sobre sua boa vontade. Por certo ainda estava ofendido pelofora que lhe dera. Pior para ele.

    Sorriu pensando que ele no perdia por esperar. Quando se casasse com Flvio,haveria de calc-lo sob os ps.

    Afinal, Flvio era muito melhor partido do que Srgio. Bonito, jovem, rico,inteligente, de boa famlia. Era nele que colocaria seu objetivo dali para a frente.Ele mostrara-se educado, porm indiferente. Mas ela sabia como agir e haveriade conquist-lo.

    Precisava fazer um plano.

    Algumas pessoas se despediram. Srgio fez meno de despedir-se. No queriaabusar. Arlete o impediu.

    Que nada. Ainda cedo. Vamos para outra sala. L poderemos danar um

  • pouco.

    Srgio atendeu com prazer. Flvio conversava com um amigo e Flora com outroque, lisonjeado pela ateno dela, dizia-lhe galanteios.

    A noite est to agradvel disse ela. O jardim to lindo e to cheio deflores! Gostaria de dar uma volta.

    Mrio concordou prontamente:

    Vamos disse oferecendo o brao com galanteria. Desejo mostrar-lheum lugar maravilhoso.

    Saram para o jardim, passeando pelas alamedas. A certa altura, Flora foiandando na frente para ver uma linda roseira quando tropeou e s no foi aocho porque Mrio correu e a segurou a tempo.

    Meu Deus gemeu ela , torci o tornozelo! Ai, que dor!

    Quase no estou suportando. Acho que vou desmaiar! O rapaz, assustado, pediu:

    Por favor, no faa isso agora. Calma. Deixe-me ver. Abaixou-se ao ladode Flora, que estava sobre uma perna s, sustendo-se sobre a outra e gemendo.

    Est um pouco inchado. Acho que se deslocou.

    Pela dor que estou sentindo, acho que quebrou. No agento mais.

    Vou carreg-la para dentro.

    Tomou-a nos braos e levou-a para a sala deitando-a num sof. ImediatamenteFlvio e os demais convidados se aproximaram. Um dos presentes era mdico elogo tomou a dianteira.

    Deixe-me ver. O que foi?

    Ela tropeou e torceu o tornozelo.

    O mdico examinou-a cuidadosamente.

    No foi nada. Apenas uma toro.

    Est doendo muito reclamou ela.

    Isso di mesmo. Voc no vai poder pr o p no cho por um ou dois dias.

    Vou dar-lhe um comprimido para a dor. Mas depois de tom-lo voc precisadormir.

    calmante.

    Meu Deus! E agora? Como vou voltar para casa?

    Acho melhor ficar aqui por esta noite disse o mdico. Flvio, que ouvia

  • atentamente, disse:

    Certamente. Ela ficar no quarto de hspedes at se recuperar.

    Flora esforou-se para ocultar a satisfao. Era isso mesmo que ela queria. Porisso provocara o acidente. Procurou dissimular.

    Preciso ir para casa disse. Minha famlia ficar muito preocupada se euno voltar. No estou habituada a dormir fora. Meu pai muito rigoroso.

    Arlete aproximou-se dizendo:

    No se preocupe. Eu vou ligar para sua casa e falarei com sua me,explicarei tudo.

    Ela vai ficar muito assustada.

    Voc fala com ela e conta que est muito bem, j foi atendida pelo mdico e s questo de tempo.

    Flora sorriu com doura.

    Obrigada, Arlete. No sei como agradecer. Sinto-me constrangida. No querodar trabalho, nem abusar da hospitalidade. Logo na minha primeira visita a estacasa!

    Fique vontade disse Flvio com naturalidade. J mandei preparar oquarto e vamos lev-la para l.

    Ela no pode forar o tornozelo disse o mdico.

    Eu a levo decidiu Flvio.

    Tomou-a nos braos e carregou-a para o andar superior, colocando-adelicadamente sobre a cama. O mdico que os acompanhou disse dirigindo-se aArlete:

    Fique comigo. Vamos ajud-la a ficar mais confortvel. Flvio saiu e os doisajudaram-na a tirar o vestido, as meias e a vestir uma camisola de Arlete queesta l deixava porque era muito comum dormir na casa do primo quando haviafesta e ficava at muito tarde.

    Assim que saram, Flora sentiu-se profundamente feliz e satisfeita. A dor passarae ela, deitada na belssima cama de casal, macia e confortvel, olhando o luxo eo bom gosto do quarto, as obras de arte, as flores, pensava que essa vida era tudoquanto sonhara para si.

    Depois, quando Flvio a tomou nos braos, ela sentiu uma deliciosa sensao deprazer. Tendo seu rosto prximo ao dele, sentindo sua respirao, seu perfume,pensou como seria bom se ele a beijasse. Seria maravilhoso poder juntar o til aoagradvel. Casar com um homem rico e to atraente cuja proximidade fazia seu

  • corao bater mais forte e seu corpo estremecer de prazer.

    Satisfeita, embalada pelos seus sonhos de felicidade, Flora entregou-seprazerosamente ao torpor que sentia e adormeceu.

    Srgio tinha observado tudo e desconfiara do acidente de Flora. Estava sendomuito conveniente para ela dormir ali, na mesma casa de Flvio, e poder assimestreitar uma amizade que ela desejava transformar em amor.

    A princpio, Srgio duvidou que Flora conseguisse impressionar Flvio, porm,vendo-o carreg-la nos braos at o quarto, comeou a sentir um pouco dereceio. Ela era ousada e muito esperta. At que ponto Flvio resistiria? Ela erauma mulher bonita e atraente.

    Sabia provocar um homem.

    No chegara a am-la e pouco lhe importava se ela se casasse com este ouaquele.

    Mas no gostaria que ela envolvesse Flvio nessa aventura. Afinal, ele mereciacoisa melhor.

    Quando Srgio se despediu, Arlete prometeu telefonar-lhe para irem aovernissage de um famoso pintor seu amigo, e ele ficou radiante. Ela pretendiapassar a noite ali, em casa do primo, e fazer companhia a Flora.

    Srgio gostou da idia. Certamente Flora teria preferido ficar s e a presena deArlete a atrapalharia. Ele gostava de tudo que pudesse dificultar os planos deFlora. Tinha a certeza de que ela tramara aquela situao. Ela era mulhersempre s voltas com planos disso e daquilo, no se defendo diante de nada paraconseguir seus objetivos.

    J Arlete era to diferente! To simples e agradvel! Ela, uma moa rica, defamlia importante, era natural e espontnea. Embora no pertencendo altasociedade, Flora era toda cheia de regras e preconceitos.

    Junto com Arlete, ele se sentia vontade e bem-disposto. Com ela, tudoacontecia normalmente, sem problemas ou dificuldades. Parecia-lhe que a vida,para ela, deslizava suavemente, sem os tropeos de todo mundo. Como elaconseguia isso? A seu lado, ele se esquecia de suas dvidas, de seus problemas,suas dificuldades e seus projetos.

    Engraado pensou ele. Enquanto Flora estressante, Arlete repousante.

    Deliciosamente fresca e relaxante. Nunca me senti assim perto de uma mulher.

    Em casa, estendido no leito, Srgio comeou a contar os dias que faltavam paraele receber seu salrio e pensou nas coisas que compraria para ir ao vernissage

  • com Arlete.

    Preciso comprar um carro. Juntar dinheiro. Mas como? Ainda no d paraisso.

    Um dia ele ainda teria um carro. Agora j no duvidava mais de que havia deconseguir. Era s questo de tempo.

    Embalado em seus projetos para o futuro, Srgio finalmente adormeceu.

  • Captulo 3

    No dia seguinte Flora acordou bem-disposta e alegre. O sol brilhava l fora e,apesar de as Ncortinas estarem corridas, a claridade se espalhava pelo quarto emcaprichosos desenhos de luz e sombra.

    Deve ser tarde pensou ela.

    Dormira profundamente a noite inteira. Afastou as cobertas e examinou otornozelo luxado. Ainda estava um pouco inchado. Tentou levantar-se, buscandoapoio no outro p. Foi ao banheiro e lavou-se, vestiu o robe que Arletedelicadamente colocara sobre uma cadeira. Algum bateu na porta.

    Entre disse Flora.

    A criada entrou com uma bandeja de prata onde estavam dispostas vriasiguarias.

    Trouxe o seu caf. A senhora deseja comer na cama ou na mesa?

    Na cama. Infelizmente meu p est doendo muito e no posso apoi-lo nocho.

    Flora deitou-se e a criada colocou um porta-mesa sobre o leito e a bandeja emcima.

    Est satisfatrio ou a senhora deseja mais alguma coisa?

    Flora passou uma vista de olhos pela rica bandeja, pelo delicado vaso onde haviauma rosa, pelos bules, pela loua, pelas iguarias e sorriu:

    Est tudo muito bem, obrigada.

    A criada saiu e ela, deliciada, serviu-se de caf e leite. Apanhando um pozinhodelicado, passou a manteiga e suspirou satisfeita.

    Essa era a vida que ela queria para si. Beleza, luxo, conforto, e ser servida. Almdo mais, havia Flvio. Ele comeava a aparecer em seu pensamento como oprmio maior.

    Quanto mais pensava nessa possibilidade, mais se animava.

    Estava terminando o caf quando Arlete apareceu.

    Bom dia foi dizendo logo. Est melhor? Flora sorriu.

    Um pouco. Que vexame! Logo no primeiro dia! Estraguei o jantar de seuprimo. Espero que ele no tenha se aborrecido comigo.

    Ele no se aborreceu. Foi um acidente.

  • Preciso ir embora. No desejo abusar. Tentei levantar, mas ainda diterrivelmente.

    No se preocupe. Fique o tempo que precisar. Descanse.

    No quero incomodar Flvio. Arlete deu de ombros.

    Ele no se incomoda. Sei o que estou dizendo. Ele saiu um pouco eencarregou-me de dizer-lhe que se cuide e descanse bastante. Alis, Walter ficoude voltar aps o almoo, para examinar o seu tornozelo e ver se voc j podelevantar-se.

    O Dr. Walter foi muito gentil ontem noite.

    Ele muito nosso amigo e, alm do mais, excelente profissional. Pode ficartranqila. Ele far o melhor.

    Ele inspira muita confiana. Voc tambm no foi para casa. Teria sido porminha causa?

    Eu costumo dormir aqui quando fico at tarde.

    Sua me no fica preocupada?

    Por qu?

    Flvio mora s, to moo, bonito. Arlete riu com gosto.

    verdade. Ele encantador. Mas nosso caso s de amizade. Somos comoirmos.

    Flora suspirou e Arlete sorriu bem-humorada:

    Voc no est nem um pouco preocupada com o que minha me pensa. Est interessada pelo Flvio. Esse suspiro...

    Flora fingiu-se envergonhada.

    De fato, ele um homem muito interessante. Capaz de interessar a qualquermulher de bom gosto. Muito diferente do Srgio.

    Voc conhece o Srgio h muito tempo?

    Conheo. Para dizer a verdade, ele estava apaixonado por mim. Samosalgumas vezes. Mas eu no quis mais. Terminei o namoro. Ele muitoprovinciano. Sabe como , eu no me afino com certas coisas.

    Voc no o amou.

    Claro que no.

    Voc j amou alguma vez?

    Eu? Nunca. Alis, eu tenho a cabea no lugar. No me permito amar qualquer

  • pessoa. No quero sofrer. S amarei algum que preencha todas as qualidadesque eu aprecio num homem.

    Arlete ficou silenciosa por alguns instantes. Depois disse:

    Juntar amor com regras e programas parece-me impossvel.

    No para mim.

    Havia uma expresso indefinvel nos olhos de Arlete quando ela disse:

    Quero ver isso. Pelo jeito Flvio preenche todas as suas condies.

    At certo ponto, sim. Conheo-o to pouco! respondeu Flora, tentando nomostrar muito interesse. Ele j se apaixonou alguma vez?

    As mulheres o disputam o tempo todo. Mas amar mesmo eu acho que nuncaaconteceu. s vezes ele me parece interessado em algum, mas logo passa enada acontece.

    Isso torna ainda mais interessante a conquista.

    Pelo jeito voc vai tentar. Flora sorriu.

    Ainda no sei. Pode ser. Esse jogo pode tornar-se muito agradvel.

    Cuidado. No brinque com fogo. Flvio tem um encanto especial. Voc podeapaixonar-se.

    Estou precavida. S me apaixono se eu quiser.

    Quero ver o dia em que sua barreira cair.

    Esse dia nunca chegar. Arlete sorriu divertida.

    O amor costuma pregar peas. Aparece quando menos se espera.

    Flora sacudiu a cabea negativamente.

    No comigo. Sou uma pessoa equilibrada. Posso me controlar muito bem.

    Voc no?

    Normalmente sim. Contudo, em se tratando dos sentimentos, ainda no sei.

    Convivendo com seu primo, nunca se apaixonou por ele?

    No. J disse que somos como irmos.

    , voc disse. Est interessada pelo Srgio?

    Os olhos de Arlete brilhavam de forma singular ao responder:

    muito cedo para dizer. Damo-nos bem. Aprecio sua companhia. Gosta dedanar tanto quanto eu e nos divertimos muito juntos. No h nada alm disso.

  • Flora fez um gesto de enfado.

    Nunca soube que ele gostasse de danar. Estou estranhando esse prazerrepentino. Talvez ele pretenda conquist-la. Afinal voc um bom partido paraele, que sempre foi pobre e lutou muito para subir na vida.

    Arlete levantou-se dizendo:

    Ele no me parece interesseiro. Voc est indo depressa demais. S nos vimosduas vezes e voc j fala como se estivssemos namorando. No lhe parecemuita imaginao?

    Bem... eu pensei... Afinal, sempre que ele est por perto vocs ficam juntos.

    Ele um excelente funcionrio na empresa de meu pai. Em minha famlia, stenho ouvido elogios a ele. Flvio o aprecia e eu confesso que gosto da suacompanhia. Est com cimes?

    Eu?!! Que idia! Se eu gostasse dele, teria continuado a namor-lo. Fui euquem lhe deu o fora.

    Quer dizer que se um dia eu me apaixonasse por ele, voc no se aborreceria.

    Flora sacudiu a cabea energicamente.

    Claro que no! S que...

    Sim?

    Ele me parece to insignificante e, sinceramente, penso que voc merececoisa melhor. Um homem da sua classe, rico e culto.

    Arlete sorriu alegre.

    No sabia que voc era casamenteira.

    Sou sua amiga. No gostaria de v-la envolvida com pessoas sem expresso.

    No se preocupe comigo. Sei cuidar de mim.

    Havia qualquer coisa no tom de Arlete que levou Flora a enrubescer.

    Desculpe disse ela. No tenho nada com sua vida. Mas voc tem sidoto amiga convidando-me para sair, que eu me excedi. Sinto-me feliz em privarda sua amizade.

    Ainda agora, depois do que me aconteceu, vocs foram to gentis que nem seicomo agradecer.

    No precisa. Agora vou deix-la descansar.

    Dormi bastante. Gostaria de levantar um pouco.

    Em seu caso o repouso o melhor remdio. Descanse.

  • No gosto muito de ficar s.

    Logo mais voltarei para fazer-lhe companhia. Vou buscar um livro. Flvioadora ler e tem uma boa biblioteca. Que gnero de leitura prefere?

    timo. Talvez um romance...

    Ela no apreciava a leitura, mas se Flvio gostava, ela precisava fingir.

    Ele tem vrios. Eu li um maravilhoso, vou busc-lo. Arlete saiu e voltou emseguida colocando o livro na mesa de cabeceira de Flora.

    Esse timo. Voc vai adorar. Eu e Flvio gostamos muito.

    Obrigada. Vou comear agora mesmo.

    Arlete saiu, e Flora, tomando o livro entre as mos, avaliando que ele eravolumoso, suspirou resignada e, abrindo-o decidida, comeou a ler.

    S no final da tarde foi que Flvio apareceu.

    Como vai, Flora?

    Ela largou o livro e sorriu com prazer.

    Melhor, felizmente. Penso at que poderei levantar-me. J dei trabalhodemais a vocs.

    Ele meneou a cabea negativamente.

    Isso no verdade. Lamento no ter podido estar aqui, mas tenho certeza deque Arlete a tratou muito bem.

    Flora corou levemente.

    Certamente. Cuidou de mim com carinho.

    Walter disse que passaria aqui para v-la logo mais. Antes disso, melhor nose levantar. Esses casos podem tornar-se crnicos. bom no facilitar. Falandono diabo, eis que ele aparece... brincou ele, levantando-se para abraar oamigo.

    Depois dos cumprimentos, Flvio saiu discretamente e Arlete entrou. Apsexamin-la, Walter fez Flora levantar-se e caminhar um pouco pelo quarto.

    J est bom. Mas melhor no forar muito por hoje. Ainda est ligeiramenteinflamado. Se quiser, pode ir para casa, mas l continue repousando. Amanhestar tudo bem. Se doer um pouco, friccione com esta pomada.

    Obrigada, Dr. Walter. No sei como agradecer.

    Ento no diga nada brincou ele. E voltando-se para Arlete: Espere queela se vista e ajude-a a descer a escada com cuidado.

  • Arlete concordou. Flora vestiu-se e Arlete julgou prudente que ela no calasseos sapatos por causa dos saltos muito altos.

    Fique com os meus chinelos.

    Est bem. Eu os devolvo na faculdade a semana que vem. Amparada porArlete, Flora desceu lentamente as escadas e sentou-se em um sof da sala.Walter colocou uma banqueta para que ela descansasse a perna.

    Vou telefonar para chamar um txi disse ela.

    Fique e jante conosco sugeriu Arlete. Flora olhou para Flvio, que seapressou a dizer:

    Certamente. Voc nos dar muito prazer.

    Nesse caso, eu aceito. Vocs so muito amveis. Adoro estar em suacompanhia. Em casa vivo muito s. Sou filha nica.

    Arlete sorriu bem-humorada. Ela percebia que Flora corava perto de Flvio eseus olhos brilhavam mais quando o fitava.

    Na verdade, ela no tinha muita amizade com Flora. Mas esta, de repente, seachegara, procurando companhia. Arlete tambm era nica filha, tendo maisdois irmos que, sempre s voltas com seus prprios interesses, nunca estavamcom ela.

    Apesar disso, Arlete no se sentia s, tinha muitos amigos, inclusive o primo, aquem admirava e com o qual realmente tinha afinidade. Mas podia compreenderque algum como Flora se sentisse s. Ela mostrava-se agradvel e atenciosa eArlete aceitara sua companhia com naturalidade, convidando-a a participar dasua roda de amigos, na inteno de que tia no se sentisse to s quanto diziaestar.

    Contudo, Arlete no lhe franqueara sua intimidade. Ela no se transformara emamiga. Havia qualquer coisa em Flora que deixava Arlete em guarda e no lhepermitia ir alm dos limites da boa educao.

    Walter tambm ficou para o jantar e a conversa fluiu agradvel e fcil. Florasentia-se maravilhada. Esse ambiente a fascinava. O relgio do hall deu as dezbadaladas e Flora levantou-se assustada.

    Meu Deus! J? Preciso ir embora.

    Meu motorista a levar para casa disse Flvio. Tem certeza de quedeseja mesmo ir?

    Por mim eu ficaria aqui pelo resto da vida. A conversa est to agradvel!Mas preciso ir. Obrigada por tudo.

  • Eles a instalaram confortvel mente no automvel e despediram-seatenciosamente. No caminho de casa, Flora, recostada nas macias almofadas docarro, sentia-se muito bem. Passou uma vista de olhos pelo interior do automvele decidiu-se.

    isso mesmo. Um dia tudo isso ser meu e eu viajarei aqui todos os dias. Ireipara os lugares de luxo e viverei como uma rainha. Flvio vai ser meu. Eu juro.

    Enquanto Flora dava asas sua fantasia, Srgio se perguntava o que estariaacontecendo em casa de Flvio. Sabia que Flora estava tentando seduzir seuchefe e no sabia at que ponto ela o conseguiria.

    Tinha certeza de que Flora se aproximara de Arlete, interessada em us-la parasubir na vida. Arlete era rica e freqentava a melhor sociedade. Flora no tinhaamigas.

    Sempre dizia que mulher nunca amiga, mas sim rival.

    Ele poderia prevenir Arlete, mas no era do seu feitio. No gostava demaledicncia. Entretanto, ficaria vigilante. Apreciava Arlete. Era uma moa boae confiante.

    Ele no gostaria que Flora a envolvesse em seus projetos escusos.

    Na segunda-feira, assim que Flvio chegou ao escritrio, Srgio o procurou parainformar-se.

    Est tudo bem com ela. Walter deu-lhe alta e ela foi para casa ontem noite.

    timo.

    Ela sua amiga?

    No. Ns tivemos um namoro sem importncia, s isso.

    Ela interessante, eu diria bonita. Voc no se apaixonou?

    No. Ela mesmo bonita, mas, para mim, s. No chegou a mexer commeus sentimentos.

    Flvio sorriu.

    Quando, mexe com os sentimentos o diabo.

    E voc? Ela est mexendo com seus sentimentos? Ele riu com gosto.

    O que o fez pensar isso? Estar com cimes?

    No. que eu sei que o que ela quer mesmo um bom partido. Eu no corroperigo algum, quanto a voc...

    Tambm no. At agora tenho escapado inclume.

  • Cuidado com ela. Voc pode estar sendo um alvo sem perceber.

    Essas baterias esto por toda parte. Pode imaginar quantas mulheres sonhamcom o casamento?

    Principalmente com o cifro.

    Voc amargo com as mulheres. Quero crer que nem todas sejam tointeresseiras.

    Pois eu sei que assim. Se voc no estiver bem vestido, se no tiver um belocarro, nem posio social, tudo fica mais difcil.

    No o que eu tenho percebido.

    Pudera, voc tem tudo que elas querem e ainda uma boa aparncia! Elasenxameiam ao seu redor como moscas. Eu j percebi.

    Ser apenas pelo meu dinheiro? No sou to rico assim.

    No diria s pelo seu dinheiro. Mas que isso conta, principalmente para as queno tm nada, isso conta.

    Eis a um bom tema para estudo. Vou pensar sobre isso. Em todo caso, querdizer que voc, mesmo tendo boa aparncia, no tem sucesso com as mulheres?No foi isso o que me pareceu...

    ?

    . Elas bem que se movimentam quando voc aparece. Srgio sorriusatisfeito.

    Ele tambm observara esse fato, que tinha ficado mais evidente depois de elevestir-se melhor e mudar o corte de cabelo.

    Mas foi depois que melhorei minhas roupas e meu corte de cabelo que isso seacentuou reconheceu ele. Elas pensam que tenho dinheiro.

    No. Elas tm bom gosto e preferem um homem elegante. Alm do que,quando voc se sente mais elegante, torna-se menos tmido e comporta-se demaneira diferente. J notou isso? Quer coisa pior do que se sentir inadequado emalgum lugar? Quem se veste mal ou sem capricho est sempre destoando e quemse sente assim procura passar despercebido, esconder-se. No mostra o seubrilho. No ser essa a verdadeira causa do interesse? Sei de casos de mulheresmuito finas, ricas, da mais alta sociedade, que se apaixonaram por homenspobres e at feios, dentro do conceito de beleza social. Largaram tudo por eles.Sabe por qu? Porque essas pessoas possuam um brilho especial, alguma coisaalm da roupa, do dinheiro ou at da beleza fsica. Um brilho interior, umcarisma, que as atraiu. No acredita nisso?

  • Srgio sacudiu a cabea.

    No sei. Para ser franco, nunca amei ningum de verdade.

    Pense nisso. Observe. Ver que nem todas as mulheres so interesseiras. Euconheo vrias que provam o contrrio.

    . Talvez eu esteja generalizando. Deve haver alguma exceo em algumlugar. Tenho certeza de que Arlete uma delas.

    Isso mesmo.

    Em todo caso, se eu fosse voc tomava muito cuidado para no cair emnenhuma armadilha.

    Ele riu com gosto.

    Pode deixar. Sei o que fao.

    Nem sei por que estou dizendo isso. Talvez porque eu tenha tido umaexperincia um pouco desagradvel. Mas, como voc disse, nem todas asmulheres so iguais.

    Srgio sentiu-se mais tranqilo. Flvio no era ingnuo nem precisava que ele lhedesse conselhos. Flora no iria conseguir nada com ele. Sentia prazer em v-lafracassar. Seus planos no iriam dar certo.

    De volta sua sala, encontrou uma carta do seu irmo Rubens. Ao abri-la sentiu-se um pouco culpado. Fazia mais de um ms que no escrevia para casa. Era umconvite de casamento. Emocionou-se. Rubens iria casar-se! O nome da moaera-lhe desconhecido.

    Segurando o convite entre os dedos, sentou-se pensativo. Gente pobre como seuirmo no deveria pensar em ter famlia. Viver ali, naquela vida simples e semconforto, longe das conquistas do progresso e da cidade, no era agradvel.

    Junto havia uma carta. Abriu-a e leu.

    "Querido Srgio. Como voc sabe, h algum tempo comecei uma criao degalinhas e juntei algum dinheiro. No muito, mas o bastante para manter umafamlia. Vou me casar. Conheci a Antnia e gosto muito dela. Ela mudou-se parac h pouco tempo, mas ns nos gostamos desde o primeiro dia. Contamos comsua presena no grande dia. Abraos do Rubens."

    Srgio sacudiu a cabea inconformado. Uma criao de galinhas! Quantaingenuidade. Sentiu aumentar sua sensao de culpa. Se ao menos ele tivesseconseguido trazer a famlia para a cidade!

    Suspirou desanimado. Para casar-se, Rubens precisaria de uma poro de coisas.

    Um lugar para morar, mveis, etc. Embora eles no fossem nada exigentes,

  • onde teriam dinheiro para tanto? Se ao menos ele tivesse algumas economias...Havia gasto todo seu dinheiro em roupas! No teria sido leviandade? Sentiu umaponta de remorso. No estaria sendo egosta?

    Decidiu, ento. Iria receber seu salrio dentro de alguns dias e o guardaria paraas despesas do casamento. Chegaria l e teria dinheiro para ajudar o irmo.Roupa para a cerimnia, ele j tinha. Compraria um belo presente. Escreveriapara que Rubens lhe dissesse do que precisava. O dormitrio, um fogo, umageladeira, compraria o que ele pedisse.

    Depois disso, sentiu-se menos culpado.

    O que aconteceu, alguma m notcia?

    Flvio estava parado diante dele. Srgio levantou-se imediatamente.

    No. Isto ...

    Estava to preocupado que nem me ouviu entrar.

    Desculpe. Recebi uma carta de meu irmo. Ele vai casar-se dentro de vintedias.

    contra o casamento?

    No que eu seja contra, mas no sei se ele tem condies financeiras paramanter uma famlia.

    Se ele decidiu, com certeza j pensou nisso. Srgio deu de ombros.

    , ele disse que tem.

    Por que no acredita? No confia nele?

    Ele tem suas prprias idias, nem sempre combinam com as minhas.

    Isso normal acontecer. Cada um um. Eu vim busc-lo para irmosconversar com um diretor de empresa. Ele quer negociar conosco e eu precisode alguns detalhes tcnicos. Gostaria que fosse comigo. Vamos almoar juntos.

    Certamente.

    Srgio apanhou o palet e saram. Uma vez no carro, Flvio voltou ao assunto:

    Voc nunca falou sobre sua famlia.

    verdade. So pessoas simples que moram no interior. So lavradores. Meupai ganhou do patro um pedacinho de terra, fez uma casa modesta onde vivecom minha me, minhas duas irms e meu irmo Rubens, que o mais velho.

    Ele quem vai se casar agora.

    . Quando eu vim para c, ele no quis vir comigo. Disse que ama a terra e

  • no gosta da cidade. Se ele tivesse vindo, ns dois juntos, talvez pudssemos tertrazido a famlia.

    Esse foi sempre o meu maior sonho, mas eu nunca consegui. Por isso fiquei tristecom a notcia. mais uma famlia que vai viver na pobreza e na falta deconforto.

    A vida rural pode ser muito boa, principalmente se as pessoas gostam da terrae sabem trabalhar com ela.

    Srgio no concordou.

    Qual nada. uma vida onde tudo falta. Eu no agento ficar l mais do queuma semana ou duas.

    Isso porque voc prefere a cidade. uma questo de gosto.

    Pois eu no me conformo. Gostaria que eles estivessem aqui, estudando,aprendendo coisas novas, vivendo melhor. Infelizmente, no consegui ganhar osuficiente para isso.

    Ultimamente voc tem melhorado de vida. Mudou suas idias. E quando asidias mudam, tudo muda.

    Tenho pensado mais em mim, parecia-me justo. Mas agora, estouquestionando: no ter sido egosmo? Ao invs de guardar o dinheiro para afamlia, gastei tudo em roupas, lugares elegantes. Pensei s em mim.

    Cuidado. Voc deu um passo que no tem volta. Comeou a acreditar em seuprprio valor e as coisas melhoraram para voc. Seu salrio aumentou, sentiuque merece uma vida melhor. Se alimentar idias de pobreza novamente, sevalorizar a carncia, sentir que deve pensar nos outros antes de pensar em simesmo, se pretender economizar com medo do amanh, provavelmente asportas do sucesso financeiro e da prosperidade se fecharo novamente e seudinheiro comear a minguar.

    Srgio admirou-se.

    Por que diz isso? Deixar de lado minha famlia, cuidar s do meu progresso,no ser egosta?

    preciso ver a realidade. Durante todos esses anos, desde que voc veio paraa cidade, teve sucesso financeiro? Ganhou muito dinheiro?

    Claro que no.Tudo para mim tem sido extremamente difcil. Tenhotrabalhado durante anos com dedicao e honestidade, mas o que ganhei deuapenas para me manter modestamente. Nunca pude realizar esse sonho.

    Durante esses anos todos voc ficou do lado da sua famlia. Tentoueconomizar dinheiro para melhorar a vida deles.

  • verdade.

    Mas nunca conseguiu. Voc pensou neles e esqueceu-se de si mesmo. Noacreditou em sua capacidade, no se julgou capaz do sucesso, no pensou quemerecia viver bem, no luxo, no conforto. Na verdade, voc deu as costas prosperidade. O sucesso tem suas leis e, para obt-lo, preciso aprend-las. Aprimeira delas valorizar o que tem. Voc jovem, inteligente, honesto,trabalhador, dedicado. Tornou-se um bom profissional. No acha que mereceviver bem? Srgio aprumou-se com dignidade.

    Eu acho. Contudo, os meus esto l, na pobreza.

    Voc no tem condies de tir-los de l agora, tem?

    No.

    Ento preciso investir em voc. Reconhecer seu potencial. A valorizao dasnossas qualidades um bom comeo. Voc sabe o que pode fazer bem-feito. Isso valorizao. Mas ainda h mais.

    O qu?

    Suas crenas a respeito da vida. Suas atitudes. Que mensagens voc est lhepassando. Quando pretende privar-se de coisas que merece ter para economizar,est mostrando que no confia no futuro. Que a vida falha e no prove as suasnecessidades.

    Srgio abriu a boca e tornou a fech-la. Nunca ouvira semelhante frase. Oassunto era novo e muito interessante. Flvio continuou.

    Criticando a vida, julgando-a falha, voc est criticando o Criador. Acreditaque Deus no vai cuidar das suas necessidades, voc quem precisa fazer isso.Est, portanto, duvidando de Deus e da sua proteo.

    Eu sou pessoa de f! Eu acredito em Deus. Sempre que posso, vou igreja.

    No falo de religio. Voc pensa que tem f, mas sua atitude demonstra ocontrrio. A vida no intelectual, ela energia, ao. Ela recebe sua mensagemenergtica, no o que voc pensa que . Mas o que voc faz. E, como v, vocpensa uma coisa e faz outra.

    Isso incrvel!

    Mas a verdade. Pensar em si mesmo, cuidar de seus prprios valores, vivermelhor, contribuir para a melhoria da sociedade e do mundo. O egosmo muito diferente disso. O egosmo justamente o contrrio. usar os outros paracuidar de voc. Claro, se voc no cuidar de si mesmo porque espera que osoutros o faam. anular-se, no cumprindo com seu papel como ser humano, pendurar-se nos outros. Isso realmente ser egosta. No fazer nada por si

  • mesmo. Claro que se voc progredir, cuidar do seu sucesso, vai ter o que dar spessoas de sua famlia. melhor fazer o que se pode do que ficar iludindo-se avida inteira sem conseguir nada.

    Quando eu estou em um lugar de luxo, sinto remorsos por causa deles.Parece-me que os estou traindo.

    No acha que est sendo pretensioso e prepotente?

    Eu?!!

    preciso conhecer os prprios limites. Voc no tem condies de modificara vida de ningum. S a sua. A situao deles a que eles escolheram, a que elesse colocaram, e a vida, s a vida pode decidir a hora da mudana. Voc no podefazer nada quanto a isso.

    Por que se rebela?

    Eu?!!

    Sim. Parece uma criana mimada dizendo que, se no for da forma que vocquer, no aceita mais nada. "Se eles esto l na pobreza, eu preciso ficar comoeles."

    Pensando desse jeito, d para entender por que voc no conseguiu nada.

    Srgio passou a mo pelos cabelos pensativo, ficou silencioso por algunsmomentos, depois disse:

    Eu nunca olhei a vida desse modo. Onde aprendeu essas idias?

    Estudando a vida, a maneira de pensar de pessoas de sucesso.

    E isso d certo mesmo?

    Claro. As pessoas que conseguiram realizar grandes coisas, que construramgrandes fortunas e que tiveram uma vida cheia de boas realizaes certamentedescobriram a forma de conquistar tudo isso. A vida composta de leis quesustentam a harmonia do universo. Tudo tem sua razo e seu caminho. Vocpode conseguir o que quiser, desde que descubra a frmula adequada. comoum quebra-cabeas.

    Srgio meneou a cabea admirado.

    Que idia! Acredita mesmo nisso?

    Certamente.

    Nesse caso qualquer pessoa poderia ser milionria, ter tudo que quisesse nestemundo.

    Isso mesmo. Se encontrasse o caminho adequado, por que no?

  • Isso contra o senso moral. Nesse caso, os valores, a honestidade, o esforode cada um, o trabalho, perderiam a razo de ser.

    Esses valores so importantes, mas sozinhos no vo trazer o resultado quevoc pretende. No isso o que voc tem feito toda sua vida?

    .

    E no conseguiu nada.

    No mesmo.

    Para ganhar dinheiro, eles so at desnecessrios. H muita genteinescrupulosa que consegue enriquecer. Amontoam dinheiro, mas carregamproblemas graves na alma, doenas no corpo, infelicidade. Para mim, isso no sucesso. Claro que o dinheiro um bem, mas preciso muito mais do que issopara fazer a nossa felicidade. preciso sade, gosto pela vida, prazer,entusiasmo, bem-estar, alegria e paz.

    Ah! Mas isso impossvel! Voc conhece algum assim?

    Conheo. a esses que me refiro. Sucesso abrange tudo isso. Riqueza interior,felicidade.

    No acredito que isso seja possvel neste mundo. s olhar em volta paraperceber a dor e a infelicidade.

    verdade. Mas eu sou dos que acreditam que ns podemos ser felizes e queisso s depende de ns. Se alguns conseguiram, por que ns no? Eu poderia citarvrios nomes. Homens que conseguiram levar vida harmoniosa e proveitosa.Colocaram o dinheiro a servio da humanidade. Alis a circulao do dinheiro uma condio importante para que a prosperidade aparea. Quem economizacomo voc fez, guardando para o amanh, est alimentando a idia da falta queele vai fazer. Quem usa o dinheiro fazendo-o circular sabe que a vida vai trazer-lhe mais.

    No posso acreditar. Aprendi durante toda vida que a economia a base dofuturo. preciso poupar para ter. Se o que diz fosse verdade, o perdulrio, opreguioso, o que desperdia o dinheiro e no trabalha seria valorizado. Ficariade braos cruzados e esperaria a vida trazer-lhe tudo.

    No assim que funciona. o prazer da realizao interior que atrai osucesso.

    Tanto quem no trabalha, mas at quem trabalha s pelo dinheiro e no senteesse prazer vai empobrecer cada vez mais. A vida movimento, ao,participao. Fazer o dinheiro circular produzir, movimentar recursos, participar. As pessoas confundem muito o que riqueza.

  • Ela no s o dinheiro. Seria bom que voc tentasse descobrir quais seusverdadeiros sentimentos em relao a esse assunto. Os preconceitos contra odinheiro esto fundo em nossa cultura. H at quem pense que ter dinheiro sejaum pecado. Esse no sair da pobreza to cedo.

    Eles haviam chegado ao destino e Flvio direcionou o assunto para o negcio queiam tratar. Mas no s durante o almoo como depois, quando voltaram aoescritrio, Srgio no podia esquecer o que haviam conversado.

    Seria por essa razo que Flvio lhe parecia to bem? Sempre tinha imaginado queele era feliz por ter nascido em bero de ouro, sem necessidade de lutar paraabrir caminho na vida. Claro. Para ele, que sempre contara com recursos, falardesse modo podia ser fcil. Se

    ele tivesse nascido l no mato, como ele prprio, no meio daquela genteignorante e analfabeta, sem ambies nem conforto, talvez pensasse de outrafo