c o n t o s d e uma telha s o l i t á r i a · 4 fear afinal, o que é a vida? o medo e a morte...

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1 Contos de Uma Telha Solitária

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1

C o n t o s d e

U m a T e l h a

S o l i t á r i a

2

Contos de Uma Telha Solitária é uma coletânea de textos

escritos pelo autor Carlos Knoll em seus mais profundos

momentos de intensidade emocional.

Nesta coletânea apresentam-se textos que abrangem variadas

sensações do cotidiano, partindo de decepções amorosas e

crises existenciais à descoberta do valor da vida e eventuais

recaídas.

Carlos Daniel, 29 de Julho de 2016, 07:57 PM

3

Sumário

Fear................................................................................................................... 4

Sensações .......................................................................................................... 6

Talvez ............................................................................................................... 9

Colapso ........................................................................................................... 11

Sentença ......................................................................................................... 12

Farol, parte 2 ................................................................................................. 15

Fragmentos de Erros .................................................................................... 16

Superação....................................................................................................... 18

Analogia ......................................................................................................... 20

Corujas ........................................................................................................... 24

Dúvidas........................................................................................................... 26

Frieza .............................................................................................................. 28

Existência ....................................................................................................... 30

Dois Minutos de Descaso .............................................................................. 34

Panorama ....................................................................................................... 35

Máscaras ........................................................................................................ 38

Composições de um Cenário Deslumbrante ............................................... 40

Ventre ............................................................................................................. 43

Promessa ........................................................................................................ 44

Anjo ................................................................................................................ 46

Fuga ................................................................................................................ 47

Despedida ....................................................................................................... 54

4

Fear

Afinal, o que é a vida?

O medo e a morte são irmãos. Viver com medo é como viver

sem vida, é como não viver.

Nós nascemos sem saber nada, e adquirimos o conhecimento

que nos é passado durante a vida. Porém o único ensinamento

que é realmente verídico é que iremos morrer.

Tudo tem um fim, a vida também.

Então o que nos motiva a levantar todo dia e buscar um

futuro melhor? Se sabemos que o fim vai ser o mesmo para

todos? O que nos faz ter esperança, ter fé? O que nós vamos

ser amanhã? O que você vai ser quando crescer? Qual o

sentido da vida?

5

Talvez esta seja uma segunda certeza: Não há sentido na vida.

Afinal, nascemos, crescemos, trabalhamos, constituímos uma

família, buscamos a felicidade, temos anseio pela alegria,

desejamos deixar algo de bom para o mundo. E então, no

leito da morte nos arrependemos por não ter feito tudo que

quisemos.

E porque não fazemos? Se é incerto nossa estadia aqui. Não

devemos ter medo de viver, não devemos ter medo do

amanhã, ele pode nem existir! Não devemos viver

acorrentados ao nosso passado, nem esperando por nosso

futuro. Devemos aproveitar o agora, enquanto podemos,

devemos aprender e entender que nosso mundo nada mais é

que um ponto ínfimo e azul em meio a um conjunto

imensamente negro, o universo. E, de que adianta se

preocupar? Problemas, pra que? Seja feliz agora.

Olhe em volta. Olhe para sua família, e veja que essas

pessoas estão ao teu lado. Imagine então, que em menos de

um segundo elas podem sair do seu lado. Em questão de uma

piscada de olhos, quem você mais ama pode te deixar para o

resto de tua vida.

6

Sensações

O cheiro de frituras invade minhas narinas com uma potência

inigualável. Nem mesmo o som alto de minhas músicas

favoritas podem combater os ruídos do lado de fora. O som

de grande quantidade de objetos mecânicos se movendo é

alto o suficiente para transpor-se sobre meu fone de ouvido.

O fluxo de pessoas que enxergo para uma janela suja é

intenso, assim como a solidão que sinto. Em meus ouvidos

soam as palavras do meu artista inspirador, estas ditas antes

de tocar a música principal do show. Música esta, que apenas

na melodia já equivale a minha imensa tristeza. Enquanto

escrevi estas palavras, converso com uma amiga, que sequer

imagina que dentro de minhas palavras confortantes existe

uma alma implorando por salvação. E a cada frase cantada

em meus ouvidos, mais pareço isolar-me das pessoas. Mesmo

sendo triste, a música me transmite uma paz especial. As

portas do ônibus se fecham, e aos poucos sinto o cheiro de

fritura esvair-se. O fluxo de ônibus é superior a capacidade de

vazão da saída deste terminal, pouco o ônibus desloca-se

antes de parar novamente para esperar sua vez de deixar o

terminal.

7

A música acaba, dando lugar a outra música que faz-me

lembrar de sentimentos dolorosos que há muito tempo senti

pela garota com quem falo. As luzes amareladas dos postes

da cidade passam pelos meus olhos da mesma forma que

sinto a vida escorrer das minhas mãos. Olho para as pessoas

do ônibus e não enxergo nada além de almas carregadas pelo

destino que a sociedade as impõem. O coro do público

ressoando em meus ouvidos fazem-me imaginar a emoção de

cantar uma música e ouvir todos cantando a mesma em uma

só voz. Meu coração parece não saber o que fazer com o

buraco que agora se encontra nele. Riffs pesados quebram

esse cenário de emoção e me fazem retornar ao mundo

material. O ônibus, que há pouco parara em um sinal fechado

agora já movimentava-se novamente. Agora já não mais via

as luzes, ou talvez apenas não me importava mais. Meu olhar

se perdia no horizonte escuro enquanto o refrão da música

iniciava. Minha amiga sequer nota a imensidão de tristeza

que carrego em minhas palavras, e enquanto falamos sobre

coisas fúteis, o ônibus curva-se à esquerda, entrando em uma

via movimentada. Apesar dos brilhos fortes das luzes desta

avenida, o que me encanta é a amarelada e fosca luz da lua

em um estágio inicial da crescente, antes fora do meu campo

de visão. Lembrar que nem mesmo a lua tem sua própria luz

faz-me ampliar minha dor. Olho disfarçadamente para o lado

e enxergo uma garota com lágrimas nos olhos, tentando ser

forte e não chorar. Mal sabe ela que próximo a ela estou eu,

acarretado de tristezas e solidão.

8

O mundo é cruel, de fato. Tentamos cada dia mais não deixar

transparecer nossas fraquezas mais profundas. Mas este é o

jogo da vida, fingimos saber viver, fingimos que sabemos o

que fazemos, fingimos para o mundo que somos inabaláveis,

mas na escuridão de nossas almas, sabemos que não

passamos de um ponto azul no céu. Essa reflexão há de durar

por mais algumas horas, até eu poder voltar em paz para o

aconchego do lar, onde pessoas hipócritas e sem sensibilidade

me aguardam. Então, eu poderei por fim deitar minha cabeça

e fechar meus olhos, para então acordar e viver outro dia em

profunda solidão, aceitando o fato de não poder fazer nada

para mudar o meu mundo.

9

Talve z

O que mais dizer?

Absolutamente nada...

O que causa minha estadia aqui? Se a monotonia forçada já

tomou as minhas horas o que ainda faço aqui? Se durante o

trajeto de todo o dia eu olho para um lugar qualquer e penso

"o que eu estou fazendo aqui?", não seria melhor partir? Mas,

e porque então não concretizo? O que me impede de jogar

fora toda a angústia e o vazio que me consola?

Seria o amor, talvez, que tenho por todos que me cercam. O

zelo pela felicidade de todos. Para mim é impossível uma

raiva constante. O amor pelos outros é maior e mais forte que

qualquer mal que pudesse e quisesse me atingir ou sequer

mudar-me. Mas, se mesmo com todo esse afeto a vida ainda

parece vazia, o que me aflige?

10

Talvez a hipocrisia, a falsidade, a incapacidade de um grande

número de pessoas de ser feliz sem precisar humilhar

ninguém. Pra que pisar, pra que agredir, pra que? Pra ser

feliz? Não, claro que não. A felicidade não se cria a partir de

uma tristeza alheia. Será que ninguém mais se importa com

os outros? Será que as pessoas chegaram a tamanho ápice do

individualismo? Se sim, porque então fazer a minha pessoa e

minha mente serem atacados por estas ideias babacas? Não

seria simples desistir? O que me leva a progredir e a

continuar aqui?

Talvez a esperança. De que as pessoas mudem? De que um

dia, por decisão de um destino ou de um Deus minha mente

não mais se importe ou sequer perceba a hipocrisia ao redor?

Não sei. Talvez então o fato da insegurança. O mundo nos

torna inseguros. Quem é aquela pessoa de preto do outro lado

da rua, agora a noite? Um ladrão? Ou então uma pessoa cheia

de tristeza e dor, a caminho de um velório de um ente

querido? O mundo nos das ideias traçadas. Devemos sempre

seguir de uma mesma maneira. Mas, será que não é apenas

um traçado que convém as pessoas? E qual seria o principal

motivo da insegurança? Talvez esta ideia traçada e

politicamente correta, talvez a falta de afeto e de

compreensão, talvez as dúvidas da mente, talvez a falha entre

a razão e a emoção, talvez as questões geradas por essa falha,

ou então talvez o talvez...

11

Colapso

Fraqueza?

Tu deixar teu sorriso falso e hipócrita de lado e dar lugar as

belas e cristalinas lágrimas em lugar algum significa fraqueza.

Significa cansaço, significa que você tem que deixar escorrer

o que te aflige.

Vivendo diariamente em um turbilhão de sensações e

emoções. Diariamente com uma alegria vazia e um sorriso

falso. Diariamente escondendo seus problemas para não

transparecer sua inocência, sua fé, sua ilusão, sua crença no

lado bom da vida.

12

Sentença

"Este texto é minha sentença"

Nós somos um pequeno pedaço de nada em meio a imensidão

negra e vazia do universo. Nossa vida pode parecer cheia,

turbulenta. Mas ao comparar o que julgamos ser problema

com o tamanho do universo, tudo, todo e qualquer coisa

torna-se nada.

Somos seres insignificantes perante a grandeza do mundo.

Você pode ter seu nome conhecido na rua de sua casa, ou até

mesmo de seu bairro, mas dificilmente sua cidade o

reconhecerá por algo. Se nem mesmo sua cidade te reconhece,

quem dirá seu estado, ou mesmo sua nação. Mas sua nação

não chega a somar grande importância ao mundo, e o mundo

que hoje conhecemos não chega a ser nem como uma célula

para tamanha grandeza em que consiste o verdadeiro mundo.

13

Em meio a tamanha insignificância, como pode você achar

que teve a pior sensação existente? Será você uma criatura

ignorante o suficiente para achar que não existe dor maior

que perder um ente querido, em meio a tamanha imensidão

desconhecida?

A nuvem negra persiste sobre minha mente. Tão negra que

parece sugar toda positividade existente não somente em mim,

mas em todos que me cercam. Essa sucção é sua sentença,

você há de conviver com ela. E então...

A chuva cai. Pequenas gotas de água atingem minha pele

como projéteis que me foram atirados. Apenas a dor é

diferente. A dor física não existe, mas a dor que a frieza das

gotas me causa é tão intensa quanto uma real. Me traz a

sensação de solidão.

Essa imensidão é minha sentença, hei de viver eternamente

com ela.

14

Agora, parado em meio a essa tempestade, confronto minha

solidão. Não importa quão grande seja o número de pessoas

que me cercam, a solidão se faz presente em mim. Não

importa quão grande seja esse mundo, ele não se compara a

imensidão do universo. Não importa quão grande e brilhante

seja o Sol, há de existir um buraco negro que absorverá toda

sua luz e toda sua massa. Toda a sua vida. Não importa quão

grande sejam as boas novas desse mundo, sempre há de

existir uma tímida e profunda repressão dentro de mim.

Sempre haverá essa depressão, sempre haverá essa solidão.

Essa solidão é minha sentença. Viverei com ela eternamente.

Em meio a essas gotas gélidas me pego questionando qual

seria a razão pela qual vivo. Existe uma razão, de fato? Ou

seria eu apenas uma criatura de uma espécie que se

desenvolveu o suficiente para questionar questões estúpidas

como essa? Seria eu apenas mais um de uma espécie

extremamente burra que quis se desenvolver para questionar

sobre coisas que são apenas a ordem da vida?

Essa evolução é nossa sentença. Viveremos eternamente com

ela.

15

Farol, parte 2

"A luz desse Farol da Solidão"

Eis-me aqui, perdido em meio a imensidão de água pura e

cristalina. Jamais achei que deixaria de viver por mim, jamais

pensei que pudesse sentir tamanho vazio. Não imaginei que

poderia esta ser minha sina.

Dediquei incontáveis minutos da minha vida para esta causa,

para saciar meus desejos em uma busca egoísta e solitária.

Mas nunca pensei desta forma, com esse egoísmo. Jamais

houve excesso de ego, orgulho ou mesmo ira de minha parte.

E, mesmo assim, deixastes teu posto na minha vida, e ao

mesmo tempo um vazio que me consome.

Hoje estou aqui, como um farol que guia os barcos até o cais.

A lanterna dos afogados. Sou uma alma pensante, inquieta

em construção. Em meio a minha solidão, construo a

salvação de quem me pede auxílio. Busco encontrar nova

inspiração, algo que desperte determinação, encontro apenas

ilusões, numa selva de leões. Na alma, sensação mais pura,

de completa solidão.

16

Fragmentos de Erros

Serenidade escura... e dolorosa...

Nada mais eu enxergo. Tudo está escuro, e frio. Sequer sei

dizer onde estou. Sinto algo saindo de mim. Estaria eu

sangrando? Se sim, hei de morrer em breve.

Sinto não poder fazer nada mais que tentar reconstruir minha

própria ordem. Tenho estado ocupado coletando fragmentos

de uma alma enegrecida e corrompida. Nada mais será do

jeito que já foi um dia, e isto é uma lástima.

Sentenciado a esta imensidão de águas negras, cumpro meu

destino só. Destino este traçado no momento em que decidi

partir.

17

Não havia ideia de que deixar-te à deriva levaria minha alma

a este estado de calamidade irreparável. Encontro-me agora

no Umbral? Eu morri?

Sim, eu morri. No momento em que deixei um pedaço de

mim eu morri. Quando te deixei eu morri por dentro. Passei o

resto de minha vida negando o remorso, negando o

arrependimento, negando a continuar vivendo.

E agora, estou preso eternamente em meu Umbral, para

eternamente reconstruir minha alma despedaçada, para só

então poder buscar um recomeço.

De nada adianta, eu sei, mas não mais deixarei minhas

vontades em segundo plano. Preciso pedir perdão, não apenas

por ter lhe deixado, mas por, junto disto, ter sentenciado

minha alma a períodos de amargura e dor neste lugar. Agora,

com uma leve e rápida sensação de paz, encontro forças para

continuar neste mar de sofrimento e escuridão.

18

Superação

É quando podemos perceber que mesmo em um mar de

problemas, o que nossa alma mais anseia é um segundo de

tranquilidade. E isso faz-nos entender que buscamos por paz,

e buscamos desesperadamente. Mas no final, o mundo corrói

esta busca, corrompe nossos corações.

Os problemas chegam, se apresentam e nos cobram atitudes.

Um ser vazio pode facilmente deixar-se levar pelo primeiro

pensamento que lhe vem à cabeça e tomar uma atitude

randômica. É uma atitude extremamente irresponsável e de

valor nenhum, concordamos? Talvez não, pois mesmo que

precipitada, mesmo que totalmente equivocada, este ser vazio

soube agir, soube lidar com o problema. De nada adianta ser

uma alma pensante, se deixar a sombra do conforto lhe

engolir. Mesmo uma atitude equivocada tem valor não só

significativo, mas maior que qualquer cadeia de pensamentos

se os mesmos não adquirirem formato físico. É preciso deixar

evanescer todo o temor, todo o pavor, todo o horror ao

desconhecido, ao incontrolável.

19

É fácil justificar um medo, expelir centenas de informações

notáveis. Porém, mesmo com todas as justificativas, um

medo continua sendo nada além de seu fracasso pessoal em

suprimir seus limites impostos por ninguém menos que você

mesmo.

20

Analog ia

Se para cada noite em claro, o dia após não fosse iluminado, a

ausência de luz assustaria cada alma bem-aventurada.

Jamais pensaria que algo tão nobre e puro pudesse trazer

tamanho devaneio em meu destino.

A recessão de um sentimento tão grande, por tanto tempo, é

devastadora. Como uma linda rosa, em seu ápice de saúde era

admirável, mas nada é para sempre e toda linda flor apodrece.

E como lidar com uma podridão interna?

Se para cada feixe de luz que refletem em seus olhos fosse

perfurado um metro a fundo sobre as resistentes rochas

terrestres, seria ainda assim difícil chegar a profundidade com

a qual esta dor intransponível percorre cada segundo que vivo.

21

E como mudar? Se já sou consciente de minhas incertezas, se

já sou consciente da causa do envenenamento de minha alma,

o que me faz seguir com a dor?

Um desejo mundano de viver. Palpita meu peito ao imaginar

uma vida com a solene e pura paz como o núcleo do conjunto

Eu. A grande esfera pútrida ao lado do meu espírito

demonstra a liberdade imaginária que tanto desejo. Vejo

nesta esfera todo este sentimento, tão puro, tão grande, tão

nobre. E como este sentimento celestial se tornaria este caos?

Se para cada gota de orvalho em uma manhã fria de inverno

fosse removido um grão de areia do deserto de meu desalento,

ainda sim se faria necessário milênios para que a vida fosse

devolvida ao meu peito.

22

Tudo em exagero se torna um problema. Nem mesmo

sentimentos generosos e solidários são exceções. O mais puro

amor, o mais doce carinho, quando em exagero, se torna

repugnante. Pessoas precisam do seu tempo, cada ser

pensante precisa digerir o tsunami de informações que o

mundo moderno deposita sobre sua consciência a cada dia

vivido. O mais puro amor, o mais doce carinho, exagerados e

reprimidos, então, se tornam uma poderosa onda explosiva. O

mundo é traiçoeiro demais. Nada se mantém intacto de todo o

caos humanitário. Nem mesmo seus mais profundos

sentimentos.

Um lindo sentimento, em grande escala, reprimido, é uma

fábrica de um novelo de podridão. As águas negras da vida

hão de apodrecer o que é mantido em cativeiro no fundo da

tua alma.

23

E o que lhe resta além do ódio e rancor? O que há de fazer, se

não ser humano, e culpar outros por seus próprios defeitos?

Como consequência de sua empatia, de sua boa índole, de

seus sentimentos restringidos, a aura negra começa a ser

alimentada. O ódio começa a surgir e o que um dia fora

aquele sentimento puro e belo, dá lugar a um lodo amargo e

sujo de podridão.

O que difere eu de você, é simples. O que faz você seguir em

frente em meio a este caos interno, em meio a este conflito de

emoções, é este ódio. Você odeia quem você amou, e isto te

faz viver, isto te faz deixar pra trás tudo o que é relacionado

ao cruel destino que viera a acontecer. O que me faz diferente,

é também este ódio. Este ódio que eu bebo, que eu tomo para

mim, que eu não deixo escapar. Este ódio que corrói a minha

própria vitalidade. Eu não odeio quem eu amei, eu odeio

quem amou. Eu enterro este ódio no mesmo peito em que

nasceu. Eu me martirizo com esta dor, para que a pessoa que

eu amei, viva em paz.

Se para cada molécula do ar fosse creditado um centavo a

qualquer pessoa do mundo, ainda sim esta pessoa jamais seria

tão rica quanto o meu desejo pela soberana paz.

24

Corujas

Penas douradas escondem-se nas entranhas da noite. O sol

deu lugar à escuridão. Nem mesmo uma solitária estrela

enfeita os céus desta noite.

Pupilas dilatadas, íris amarela. Nada escapa destes olhos tão

vivos e sorrateiros de beleza superior a qualquer estrela.

Profundos como os oceanos ainda inexplorados, nem mesmo

o mais veloz dos animais engana estes olhos. Uma coruja.

Apenas uma coruja, e o mundo enchera-se de pesares.

Comparável a sagacidade das corujas é a penetrante beleza do

teu olhar. Os sons que nem em sonhos escapariam dos

aguçados ouvidos das corujas são os mesmos que fazem da

tua voz a mais suave e delicada.

25

O pio único e inconfundível das corujas faz-me sentir uma

sensação adorável. Mas nenhum pio tem sobre mim o mesmo

efeito que tem o teu diferenciado sotaque.

Um movimento brusco e se é perdido o encanto das corujas.

Com suas asas, cortam os céus escuros ao menor sinal de

perigo. Assim como a tua pessoa, que com a sua mera

angelical presença rasga a plenitude de minha solidão dia

após dia.

Penas de cor dourada esmaecem-se perante a ausência do Sol,

da mesma forma que teus fios dourados dão lugar à coloração

castanha, que tão encantadora torna-se sob a luz do luar.

Apenas uma coruja, e todo o pesar torna-se ínfimo. Apenas

uma coruja, e todo o encanto da vida pode ser admirado.

Apenas uma coruja, é o que anseio para minha vida.

Assim é você em minha vida: Uma coruja.

26

Dúvidas

E quando as gotas desta chuva lavarem tua alma? E quando

tua fortaleza construída de areia for levada com o vento? E

quando já puder parar se fingir? E quando se esquecer de tuas

próprias virtudes? E quando se afogar em teu próprio

desalento? E quando for imerso na maré viva de tuas próprias

mentiras? E quando cair de joelhos perante seus pecados? E

quando seu orgulho já não couber dentro do teu corpo? O que

irá sobrar de ti?

Egocentrismo, arrogância, prepotência, orgulho,

superioridade, desdenha, soberba, ignorância, falácias.

Inúmeras são as fissuras de tua concepção. Ao mostrar ao

mundo o que o mundo quer ver, mantêm-se em cativeiro o

que o mundo precisa ver. Ao impor pro mundo o que o

mundo impôs a ti, impõe-se à tua essência um atestado de

impotência. Ao lutar para ser o que exigem que você seja, tu

acaba por ser tudo, menos o que nasceu pra ser.

27

E se o mundo desabar? E se a esperança evanescer? E se o sol

não mais brilhar? Por quem você vai gritar? Em quem você

vai pensar? Por que você vai lutar? O que você vai salvar? E

se a escuridão chegar? E se tudo pelo que tu lutou se mostrar

errado? E se o teu coração já estiver afogado? E quando a luz

do sol se apagar? E se já tiver perdido o que não se pode

encontrar? Teria você vivido como queria? Teria você

seguido o que deveria? Teria você resolvido o que te

atormentava? Teria você amado alguém que te amava? Teria

você sido o alguém que desejava? Teria você sobrevivido ao

caos que ao teu redor se instalava? Ou teria você sucumbido

ao vazio que te rodeava? Teria você rejeitado o que aí dentro

de ti clamava? Teria você ignorado o que do fundo da alma

chamava? Teria você morrido enquanto viver tentava?

28

Frieza

Incontáveis pensamentos atordoavam sua cabeça. Como

rajadas de vento provenientes de uma tempestade, sua

consciência forte e fria, aos poucos, sucumbia ao caos da

realidade. Não conseguia entender como as pessoas ao seu

redor chegaram a tal ponto de egoísmo e individualidade.

Sequer conseguia acreditar ter o mesmo sangue correndo em

suas veias.

Uma mente calculista, sagaz e altruísta via-se acuada diante

de tamanha deslealdade. Questionava-se qual seria o valor da

vida sem seguir seus próprios princípios. Esta alma tão

abalada se recusava a levantar a cabeça para olhar ao redor,

pois temia ver que nada mudou.

Aquela tempestade de pensamentos teve fim. Porém, mais

assombrosa que o cessar da tempestade foi o silêncio que

abrigou-se em sua paranoia. Sem um único pensamento era

como sua consciência se encontrava. O desespero era

inexorável.

29

Contorceu-se para a direita, então, e buscou nova posição

confortável e com o silêncio avassalador, repousou sua

cabeça implorando em silêncio por alguns minutos de sono.

Ao acordar, deu-se conta de que nada é mais desolante que o

próprio nada. Seus pensamentos recusavam-se a retornar e até

mesmo o desespero já tornara-se irrelevante. A falta de

emoções petrificava seu coração e corroía sua alma. Movido

pela repetitiva rotina, executava suas tarefas sem interesse

algum. Olhava as gotas da chuva pela janela e sentia o frio vir

de encontro a sua pobre existência. Seus olhos pesados e

cansados embaçavam-se a medida que molhava-se mais. Nem

mesmo o frio pôde esboçar uma reação em seu rosto.

Não entendia como podia indagar sua falta de consciência

mesmo em tal estado. Não entendia como poderia uma série

de acontecimentos impactá-lo de tamanha forma. Não

conseguia aceitar o reflexo da sua queda, enquanto agia sem

razão ou determinação. Sentiu o golpe da vida, sentiu o peso

do mundo, e percebeu que ideologias não mais são postas em

prática. Deu-se conta que o mundo sucumbira a idiossincrasia,

e deu-se conta que sua forma de viver estava errada ao seu

tempo.

30

Existência

Qual é o valor de uma existência?

Como poderia ser possível um ser humano se dispor apenas

da utilidade de outro, e não de seu valor existencial? Como

pode ser real o oportunismo em meio a tamanho caos

apresentando-nos neste mundo?

É tão confortante acordar e saber que existem pessoas em tua

vida de grande valor. É tão desconcertante ir dormir e

perceber que metade destas pessoas, são ilusões.

Uma triste realidade é o fato de que uma massacrante maioria

de pessoas só estão ao teu lado enquanto tu, de alguma forma,

é útil. Poucas são as pessoas que conseguem enxergar teu

valor existencial. Poucas são as pessoas que conseguem

enxergar em ti mais do que tu realmente é. E como identificar

essas pessoas? Como distinguir elas do resto da escória

humana?

31

Jamais fui capaz de concretizar esta distinção, porém sempre

dei meu melhor a fim de dar o devido valor a cada alma

perdida nesta imensidão.

Nos últimos dias, tive fortes dores de cabeça. As causas mais

prováveis são a decepção e a amargura. Noticiei

personalidades que gostaria de exonerar da minha memória.

Presenciei atitudes, no mínimo, repugnantes. Percebi que

algumas pessoas, que eu julgava absolutamente livres dessa

futilidade massiva, são tão venenosas quanto, ou mais. Jamais

cogitei a possibilidade de sentir esta amargura com origem de

atitudes destas pessoas supracitadas. Mas estava enganado.

Almas que eu julgava amigas apunhalaram-me e mostraram-

se tão superficiais quanto as outras.

32

Mas nem tudo é um lamento sem fim, nem tudo é um mar de

lamúrias. Ao fim do dia, deito minha cabeça sobre um

travesseiro e sinto fortes dores no peito. Tive de conter

minhas emoções, e agora meu peito doía com a tamanha

tristeza que sentia. Começo a pensar em todos os momentos

irreais que vivi. Questiono ao vazio qual seria o sentido da

vida. Teria eu que permanecer aqui? E quanto tempo mais eu

aguentaria? Se é essa a vida, falta muito pra acabar a parte

ruim? Em meio a uma crise existencial associada a uma

depressão, eis que emerge do âmago de minha memória um

sorriso. Doce, suave e puro. Em questão de segundos, está

pacífica memória faz minhas dores evanescerem e transfere

para meu rosto um mesmo sorriso. Lágrimas surgem de meus

olhos, enquanto deleito-me em imensa paz interna.

33

Foi naquele momento que tive a sensibilidade de perceber

que não importa o quanto o mundo queira me fazer desistir,

não importa o quanto as pessoas se mostrem vazias, não

importa quão grandes sejam as minhas dores. Se eu puder ver

aquele sorriso, se eu puder sentir aquela pele macia, se eu

puder contemplar aqueles fios de cabelo dourados e

compridos, e se eu puder derramar uma lágrima por toda a

eternidade ao lembrar daquela alma tão pura, nenhum

desastre do destino vai me derrubar. Não só me dei conta do

quão alto era o valor daquela existência para o meu coração,

mas também entendi que não posso me culpar pela ignorância

das pessoas. Se o mundo não consegue distinguir valor de

utilidade, eu não preciso e sequer devo me culpar por isso,

porque eu sei o valor de cada alma que me cerca, eu sei a

utilidade de cada uma e, acima de tudo, eu sei que o valor de

cada uma é mais importante que sua utilidade.

34

Dois Minutos de Descaso

É junto da luz dos raios cortando o céu desta noite chuvosa

que sinto em meu peito latejar a cicatriz. Tentando ser um

exemplo de pessoa, esqueço-me que até Jesus, em sua

infância, amaldiçoou colegas por nada além de egocentrismo.

A ventania chacoalha as folhas das árvores lá fora, de mesmo

modo que a enxurrada de emoções abala minha consciência.

Com tamanhas experiências recentemente, o choque de

realidade é inevitável e acabo por dar conta da vida fútil que

tenho vivido.

Como se fosse em câmera lenta, cada gota desta chuva ecoa

retumbante em meus ouvidos, provocando uma aura de

insanidade enquanto me culpo por cada lágrima engolida,

cada grito silenciado, cada vontade evanescida, cada sonho

enterrado. Percebo agora o quão em vão tem sido minha vida.

Mesmo com todo o esforço feito para dar orgulho a quem não

devo nada, o resultado é incompreensível: Discursos de ódio,

pressão negativa e descaso.

Eu tenho vivido para os outros, e esquecendo que nossa vida

somos nós que vivemos. De que adianta viver em vão?

35

Panorama

A forte e gélida brisa noturna vem de encontro a minha pele.

Deitado sobre estas rochas, olho para o céu e vejo o quão

bonito é o emaranhado de constelações. Apesar desta

sensação confortante, sinto como se faltasse um pedaço da

minha alma.

A luz do luar começa finalmente a chegar aos meus olhos,

dando origem às silhuetas das plantas ao redor, antes

escondidas na escuridão. Fecho meus olhos, e permito que o

calmo som das águas invada o meu coração e console-o por

sua ausência. De fato estou em um local de beleza estonteante,

mas nenhuma beleza, seja ela artificial ou natural, pode

equivaler-se ao brilho desorientador que posso enxergar nos

teus olhos. Nenhuma beleza que não a deles daria fim à

minha saudade.

36

Por um momento fico em silêncio, deixando que a natureza

ao redor me consuma por inteiro, enquanto sonho com sua

companhia.

Abro calmamente meus olhos, e vejo que não só seus raios,

mas a Lua por inteira já tornou-se visível. Sua forte coloração

amarela e seu brilho intenso consequentemente remetem-me

à coloração dourada que seus cabelos obtêm sob a luz do Sol.

Cada detalhe a minha volta faz-me lembrar você.

Levanto e contemplo os arenitos que enfeitam o panorama

que enxergo. A Lua brilha de forma tão intensa que torna a

visão completamente funcional, mesmo em âmbito noturno.

Uma destas formações arenosas me prende por um instante.

O formato desta pedra assemelha-se à um rosto. Um rosto de

uma índia, segundo estudiosos. Os olhos da índia facilmente

remetem-me ao teu olhar, tão penetrante. Pouco fechados,

transmitindo a sensação ora de tédio, ora de ódio. É

inevitável então lembrar dos momentos em que presenciei

suas fraquezas e vi seus olhos inundarem tanto de forma a

transbordar. Uma tristeza me corrompe quase que

instantaneamente. É injusto que anjos como você sofram com

este mundo caótico.

37

Agora, ouço um ruído de natureza desconhecida. Um pio. Ao

longe, minha visão por fim desvenda o mistério que instalara-

se neste cenário. Aquela coruja, que pude identificar no

horizonte, escondida nos galhos imersos na escuridão desta

floresta, imediatamente recorda-me da tua doce voz. Como

uma supernova que atravessa o ar, seu rosto rasga a

imensidão da minha subconsciência e atinge a minha alma.

Como a das bromélias alojadas nestes arenitos, sua beleza é

exótica e fenomenal. Minha alma se carrega de alegria.

A alegria, na verdade, não instalou-se por inteira. O misto de

alegria, paz, tristeza e guerra corrói a plenitude de minha

consciência. Daria a tudo que tenho, e até o que um dia

poderia conquistar, para tê-la aqui, agora, comigo.

Vejo no céu uma rápida luz rasgar a escuridão.

Supersticiosamente, faço um desejo. Porém, enquanto este

não se realiza, permaneço desempenhando meu papel. Sou, e

eternamente serei como uma estrela, que nunca deixa de te

guiar, mesmo que muitas vezes não percebas minha presença.

38

Máscaras

O que foi visto ontem, se repete neste instante e amanhã

novamente.

Em poucas horas, tudo o que se construiu irá se desmanchar.

São palavras ao vento, incertezas excomungadas, atitudes

irracionais. Tudo para construir está fachada. Mas bastam

algumas horas, e tudo desaparece.

Sentado em meio a confortante solidão desta noite, aprecio

cada segundo enquanto remonto seus devaneios. Cada

mentira, cada golpe, cada ilusão agora são peças da minha

coleção. E admiro-as, da mesma forma com que aprecio

tamanho esforço em esconder-se.

Bastaram algumas horas, e todo seu jardim apodreceu. Foi

fácil desvendar o que se escondia por trás das máscaras. De

uma simplicidade agonizante e um descuido imoral, seu falso

império foi derrubado sem esforço algum. Todas as palavras,

atitudes e pedidos visando sempre si mesma e nada mais. Tão

fácil foi enxergar tua alma, que já interpretei-a e conheço-a

como a palma de minha mão.

39

E agora aqui, olhando para os céus, peço em silêncio ao

destino que te tire desta enfermidade que tu chama de vida.

Não, não lhe peço morte. Peço salvação. Visto a sua máscara,

e absorvo esta experiência enquanto, em tristeza, aguardo que

faça o mesmo.

40

Composições de um Ce nário Des lumbrante

Ensurdecedor é o despertar da consciência. A imensidão de

água enegrece aos poucos. Os últimos raios de luz esvaem-se

no céu.

A escuridão fortalece o vento que com tanta força atinge meu

corpo. Lentamente levanto meu olhar. As ondas calmamente

chegam a orla.

Tão suave é a sensação que o mar transmite, que torna-se

inevitável lembrar da tua existência. O som das ondas se

formando ecoam pela praia. Som este único, onipotente e

memorável. A solidão instala-se sem obstar-se. O anseio por

tua companhia é algo presente a todo momento.

41

Escuros como o mar sob a luz do Luar são teus olhos negros

envoltos por tua macia e tênue pele branca. Nem mesmo o

mais forte brilho da maior estrela poderia substituir a

ausência do brilho do teu olhar tão penetrante. Nem mesmo o

mais belo canto do mais lindo pássaro poderia ocupar o lugar

da tua suave e doce voz. Nem mesmo um navio, que tão

longinquamente corta as águas negras do oceano poderia

ocupar o teu lugar no meu coração inundado de saudade.

Eternamente seria grato eu se pudesse desfrutar de um

segundo ao teu lado. Tão puro é o que sinto que mesmo uma

criatura divina tornar-se-ia um mar de pecados se comparados.

Mesmo com a fraca luz amarela da Lua Cheia posso enxergar

no horizonte uma embarcação a todo vapor. Deslumbrante,

desfila por entre as águas do mundo. Tão focada, tão

intimidante... Tão distante, assim como tu.

42

Uma única lágrima corre por meu rosto e mistura-se às gotas

do oceano. Tão forte é este sentimento que suprimi-lo ao

encontrar-te torna-se cruel. Fico estático, com o olhar vazio,

enquanto acompanho a longínqua embarcação sumir no

horizonte. A escuridão novamente cai sobre as águas

tranquilas, juntamente com a tristeza que vem assolar a minha

tão triste alma.

A luz do luar aos poucos dá lugar para raios mais fortes. O

sol começa a despertar, e as águas a agitarem-se. Um novo

dia começa, trazendo junto da luz, uma esperança. Uma

esperança para o mar, de não mais ser assolado pela

escuridão. Uma esperança para o vento, que não mais há de

cortar a solitária noite. Uma esperança para a embarcação,

que agora deve navegar confiantemente. Uma esperança para

a lágrima, que junto do oceano há de seguir para o mundo.

Uma esperança para mim, que hei de juntar-me a ti, para

sermos como as ondas, o mar, o vento, a lua e a noite:

composições de um cenário deslumbrante.

43

Ventre

E mais um dia termina, como todos os outros. Talvez não.

Hoje algo está diferente, em vez daquela sensação de vazio

imenso, sinto agora uma enorme sensação de esperança. Não

faz sentido, já que quanto mais perto estamos, mais confuso e

embolado tudo se torna. Talvez seja a fé. Meu desejo insano

por acreditar que tudo pode, deve e vai acabar bem é o que

proporciona essa sensação boa. Não sei se estou gastando fé

com algo que não tem futuro, mas isso é o de menos, afinal,

não é em vão. Eu amo ela, ela diz que não acredita, porém eu

acho que a maior prova de que é verdadeiro o que eu sinto é o

fato de ter suportado ela me contar, em tempos antigos, sobre

todos os caras de que ela gostava, e mais, ainda dar conselhos

à ela para tentar ajudá-la, mesmo estando completamente

contrariado. Para mim, não tem como não ser o mais simples

e extraordinário amor.

44

Promessa

Adorável...

O mundo é tão simples. As pessoas são tão previsíveis. O

tédio é tão onipresente. A vida é tão monótona. A não ser, por

uma exceção. Agradeço ao destino por ter colocado-a em

meu caminho.

Como pode uma pessoa ser tão simples, comum e previsível e

me manter fascinado mesmo assim? Suponho que sejam os

pequenos detalhes que me encantam cada dia mais. Olhos

castanhos claros, mágicos como a luz do luar. Cabelos

castanhos, num misto de tons loiros, sempre soltos ao vento e

também, sempre encantadores. Lábios pequenos, de perfeito

encaixe ao formato do seu rosto, que é mais pontudo que o

normal. Mais um encanto. Pele clara como a neve.

45

Eu poderia admirá-la por horas, em puro êxtase. E, certas

vezes, realmente o faço.

Mantenho pouco contato, o destino nos apresentou, mas não

permitiu convivência direta. Por conta disso, talvez, o

encanto aumente sempre. Afinal, pouco conversamos sobre

assuntos sérios. Pouco sei sobre sua visão em relação ao

mundo, a vida, a morte. Pouco sei sobre seu dia-a-dia, exceto

pelos males. Estes que também me afetam profundamente,

mesmo não sendo parte da minha rotina.

Eu sei que o encanto é forte, penso em você todos os dias. E

todos os dias, morro de preocupação. Sei de seus piores

problemas, e infelizmente não posso dar-lhe apoio real. Então,

fico com minhas boas energias e bons pensamentos. Tudo há

de melhorar, para ti, para mim, para nós.

E não importa qual seja o desfecho que o destino nos reserva.

A mais pura e linda amizade? O mais sagrado e bendito

amor? Não importa. Estarei junto a ti até o fim das nossas

vidas, e ninguém vai me desviar dessa única e verdadeira

promessa.

46

Anjo

Irradiante luz que radia alegria e diversão. Dona de um brilho

exuberante, alegra a minha alma com cada olhar. O mundo ao

meu redor me pressiona, corrompe e entristece, mas com teu

olhar sou levado para uma dimensão diferente, e eu não tenho

medo disto. Não somos responsáveis pelos obstáculos do

destino, mas somos responsáveis por nossos atos em relação

a estes obstáculos. E a cada toque, a cada olhar, a cada

carinho, enche meu mundo de alegria com sua doce voz, de

sotaque diferenciado. Como um anjo que entra em meu

Umbral para tirar-me do mesmo, é capaz de invadir minha

imensidão negra de pesares e quebrar toda a escuridão. Com

todo o brilho, transforma meu mundo com sua simples

presença.

47

Fuga

Em meio a um turbilhão de luzes e reflexos sem sentido

algum, percebo que não há luz mais encantadora que a luz

das estrelas.

É uma noite escura, vazia e fria. Confortante é ter

sensibilidade para adorar as tão distantes luzes cósmicas. Tão

brilhantes, tão distantes, tão imersas num lago negro

chamado universo.

Sento-me agora em um penhasco. Mesmo sob a escuridão da

noite, este lugar conta com uma beleza exuberante. A gélida

brisa noturna vem de encontro ao meu rosto. Tão fria ela é

que causa dor, mas isto torna-se frívolo perante a exuberância

deste lugar.

48

Aquelas luzes distantes parecem mais brilhantes agora que

estou afastado da iluminação artificial. Sinto como se cada

ponto cintilante fosse uma divindade a sorrir para mim,

trazendo-me a leve sensação de esperança e conforto.

Imerso nesta doce ilusão, enxergo neste instante uma luz que

destacara-se. Penetrante e de tom azulado, sua intensidade

aumentava a medida que minha alma afundava na imensidão

das estrelas. Seu brilho agora era incomparável, claramente

destacava-se. Enquanto admirava aquela forte luz, minha

mente deixava meu corpo para retornar às mais distantes

memórias.

Memórias estasque refletem em meu alento. Lembranças

adormecidas no âmago de meu coração despertavam aos

poucos. Momentos estes que agora sugavam toda a paz que

eu sentira a pouco. Sinto como se minha alma fosse tragada

para a escuridão lenta e dolorosamente. Meu rosto, que

momentos atrás sorria em paz, encontrava-se agora triste e

perdido naquela luz, que a cada segundo parecia brilhar mais

forte.

49

Eis que então, aquela memória desperta. A memória que

havia tirado noites de sono, a ferida que demorou cicatrizar, o

inferno que eu fingia ignorar, o erro que eu não pretendia

consertar. Como o som do disparar de uma arma em meio a

uma calma floresta, esta memória faz-me remoer todos os

momentos de amargura, solidão, desespero e tensão que eu já

havia enterrado.

O penhasco parece clamar por meu nome. A solidão

assombrosa que instalou-se de forma abrupta parecia

empurrar meu corpo para o fundo do penhasco. Toda a razão

que eu tivera algum dia para continuar vivendo esvaiu-se

rapidamente. Todos os planos sociais e pessoais parecia não

mais fazerem sentido. De que adianta construir uma estrutura

nesta vida, se ao final de tudo voltaremos a ser o que a muito

tempo fomos: Poeira das estrelas?

Quando, já em pé, estava para realizar o pedido que

incessantemente escutava soar no fundo do penhasco, sinto

meu pescoço arrepiar levemente. Raramente minha intuição

tornava-se falha. Havia alguém junto a mim.

50

Olhos fixos em lugar nenhum, corpo paralisado e consciência

retornando a si com demora. Quem poderia ter encontrado

este lugar? Perdido em meio a uma boba intuição, busco em

meu fracasso o que resta da minha dignidade para virar o meu

corpo e encarar quem quer que fosse.

Quando finalmente o faço, como um furacão que destrói sem

piedade várias vidas, um silêncio atormentador expulsa

hostilmente o som da calma e gélida brisa que fizera-se

presente por todo esse período. Diante de mim estava a garota

causadora de todas as memórias que a luz, que continuava a

brilhar fortemente, trouxera a mim.

Pele clara, olhos azuis, cabelos prateados na altura do ombro.

Sua imagem era pacífica, angelical. Mas suas memórias eram

infernais. O desespero assolava a minha alma. O êxtase

emocional que corria em meu corpo tirara toda a minha

capacidade de reação. Ela sussurra algo.

51

O silêncio é quebrado por seu sussurro. A brisa não retornara

e aquele brilho azul nos céus já tomava proporções

descomunais, mesmo que ainda passasse despercebido à

minha pessoa. Sem consciência dos meus atos, troco passos

em direção aquela figura que desolara minha vida. Como em

um transe, a doçura transmitida por sua doce e suave voz

fizera-me ignorar por completo a luz que incessantemente

crescia nas minhas costas. Mais alguns passos são trocados,

mas o sussurro ainda é incompreensível. Percebo que trocaria

tudo de concreto desta vida, e até mesmo o que viria um dia a

concretizar, apenas para poder decifrar este sussurro. Ela

recua.

Ao perceber o seu recuo, como em uma súbita transição dos

filmes de suspense, meu estado de transe aos poucos vai

evanescendo-se. Dou-me conta, por fim, que aquela luz azul

já tinha um brilho de proporções astronômicas. Se não

estivesse espantado, diria conscientemente que esta luz era

algo de origem sobrenatural. O brilho desta luz claramente

incomodava os não só a minha visão, como também a da

garota. O sussurro soa um pouco mais limpo desta vez.

Pare... Por favor.

52

Não pude compreender o sussurro por inteiro, mas julgando

pelas circunstâncias, concluí que ela implorava para que eu

parasse de alguma forma aquela luz. A tensão voltara ao meu

corpo. Como poderia parar uma luz sobrenatural como esta?

Antes que eu pudesse ter a resposta, a tensão foi expulsa do

meu corpo por um medo. Aquela garota estava sendo sugada

pela luz. Impulsivamente corri na direção dela. Estava

decidido a parar aquela luz, não importava como.

E, de alguma forma, realmente o fiz. A luz apagava-se aos

poucos, e junto com a luz a garota deixava este mundo. A

escuridão voltara para mim. Finalmente recuperei a

consciência, porém tarde demais. A garota não deixara este

mundo. Ela continuava sobre o penhasco. Eu, porém, havia

cegamente caído em seus encantos. Agora, só me restava

esperar o impacto que meu corpo sofreria no fundo daquele

penhasco. A escuridão finalmente me engoliu por inteiro.

53

Mesmo com o coração cheio de pesares, pude compreender

no último instante da minha vida que, na verdade, a garota de

instantes atrás era apenas meu destino. Ela em nenhum

momento foi real. Sempre foi criação da minha

subconsciência para suportar facilmente os devaneios da vida.

Porém, mesmo sendo apenas uma ilusão, ela me mostrou o

real sentido do que chamam de vida. Meus últimos passos em

vida foram em uma tentativa desesperada de ajudar este anjo.

Pude perceber então que a vida é o agora e nada mais. Pude

perceber então, que precisamos uns dos outros, e

desesperadamente. De que vale uma vida, se solitária? Se

nada fazemos para o próximo, qual o sentido de vivermos já

que voltaremos ao pó?

Vejo em terceira pessoa meu corpo no chão. Com um sorriso

leve no rosto, espero pacificamente pelo próximo passo.

Avisto aquela luz azul novamente nos céus. Olho uma última

vez para meu corpo, e parto em direção a luz para poder

novamente encontrar aquela garota. Para poder novamente

encontrar aquele anjo. Para poder novamente encontrar meu

destino.

54

Despedida

E mesmo o lindo efeito que a fraca luz amarela do poste ali

ao lado causava, eu não pude deixar de corromper um pouco

mais minha alma. Havia, a dois minutos atrás, deixado um

pedaço de mim, o meu ponto de paz. A tênue luz do luar

agora apenas engrandecia minha solidão.

Aquela voz suave, aquele rosto delicado e levemente pontudo,

aqueles olhos saltados e pretos, aqueles cabelos castanhos,

que à luz do sol adquiria cor dourada exuberante. Peças de

um quebra cabeça, que agora quebrava a minha cabeça.

E mesmo sendo linda como os jardins daqueles castelos

enormes, que são sempre projetados e feitos com todo o

cuidado estético, havia eu acabado de deixar ela sob os

cuidados de alguém desprezível. Por deslizes do destino, um

pedaço da minha alma havia ficado para trás. E ambos não

temos culpa.