c o n t o s d e uma telha s o l i t á r i a · 4 fear afinal, o que é a vida? o medo e a morte...
TRANSCRIPT
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Contos de Uma Telha Solitária é uma coletânea de textos
escritos pelo autor Carlos Knoll em seus mais profundos
momentos de intensidade emocional.
Nesta coletânea apresentam-se textos que abrangem variadas
sensações do cotidiano, partindo de decepções amorosas e
crises existenciais à descoberta do valor da vida e eventuais
recaídas.
Carlos Daniel, 29 de Julho de 2016, 07:57 PM
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Sumário
Fear................................................................................................................... 4
Sensações .......................................................................................................... 6
Talvez ............................................................................................................... 9
Colapso ........................................................................................................... 11
Sentença ......................................................................................................... 12
Farol, parte 2 ................................................................................................. 15
Fragmentos de Erros .................................................................................... 16
Superação....................................................................................................... 18
Analogia ......................................................................................................... 20
Corujas ........................................................................................................... 24
Dúvidas........................................................................................................... 26
Frieza .............................................................................................................. 28
Existência ....................................................................................................... 30
Dois Minutos de Descaso .............................................................................. 34
Panorama ....................................................................................................... 35
Máscaras ........................................................................................................ 38
Composições de um Cenário Deslumbrante ............................................... 40
Ventre ............................................................................................................. 43
Promessa ........................................................................................................ 44
Anjo ................................................................................................................ 46
Fuga ................................................................................................................ 47
Despedida ....................................................................................................... 54
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Fear
Afinal, o que é a vida?
O medo e a morte são irmãos. Viver com medo é como viver
sem vida, é como não viver.
Nós nascemos sem saber nada, e adquirimos o conhecimento
que nos é passado durante a vida. Porém o único ensinamento
que é realmente verídico é que iremos morrer.
Tudo tem um fim, a vida também.
Então o que nos motiva a levantar todo dia e buscar um
futuro melhor? Se sabemos que o fim vai ser o mesmo para
todos? O que nos faz ter esperança, ter fé? O que nós vamos
ser amanhã? O que você vai ser quando crescer? Qual o
sentido da vida?
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Talvez esta seja uma segunda certeza: Não há sentido na vida.
Afinal, nascemos, crescemos, trabalhamos, constituímos uma
família, buscamos a felicidade, temos anseio pela alegria,
desejamos deixar algo de bom para o mundo. E então, no
leito da morte nos arrependemos por não ter feito tudo que
quisemos.
E porque não fazemos? Se é incerto nossa estadia aqui. Não
devemos ter medo de viver, não devemos ter medo do
amanhã, ele pode nem existir! Não devemos viver
acorrentados ao nosso passado, nem esperando por nosso
futuro. Devemos aproveitar o agora, enquanto podemos,
devemos aprender e entender que nosso mundo nada mais é
que um ponto ínfimo e azul em meio a um conjunto
imensamente negro, o universo. E, de que adianta se
preocupar? Problemas, pra que? Seja feliz agora.
Olhe em volta. Olhe para sua família, e veja que essas
pessoas estão ao teu lado. Imagine então, que em menos de
um segundo elas podem sair do seu lado. Em questão de uma
piscada de olhos, quem você mais ama pode te deixar para o
resto de tua vida.
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Sensações
O cheiro de frituras invade minhas narinas com uma potência
inigualável. Nem mesmo o som alto de minhas músicas
favoritas podem combater os ruídos do lado de fora. O som
de grande quantidade de objetos mecânicos se movendo é
alto o suficiente para transpor-se sobre meu fone de ouvido.
O fluxo de pessoas que enxergo para uma janela suja é
intenso, assim como a solidão que sinto. Em meus ouvidos
soam as palavras do meu artista inspirador, estas ditas antes
de tocar a música principal do show. Música esta, que apenas
na melodia já equivale a minha imensa tristeza. Enquanto
escrevi estas palavras, converso com uma amiga, que sequer
imagina que dentro de minhas palavras confortantes existe
uma alma implorando por salvação. E a cada frase cantada
em meus ouvidos, mais pareço isolar-me das pessoas. Mesmo
sendo triste, a música me transmite uma paz especial. As
portas do ônibus se fecham, e aos poucos sinto o cheiro de
fritura esvair-se. O fluxo de ônibus é superior a capacidade de
vazão da saída deste terminal, pouco o ônibus desloca-se
antes de parar novamente para esperar sua vez de deixar o
terminal.
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A música acaba, dando lugar a outra música que faz-me
lembrar de sentimentos dolorosos que há muito tempo senti
pela garota com quem falo. As luzes amareladas dos postes
da cidade passam pelos meus olhos da mesma forma que
sinto a vida escorrer das minhas mãos. Olho para as pessoas
do ônibus e não enxergo nada além de almas carregadas pelo
destino que a sociedade as impõem. O coro do público
ressoando em meus ouvidos fazem-me imaginar a emoção de
cantar uma música e ouvir todos cantando a mesma em uma
só voz. Meu coração parece não saber o que fazer com o
buraco que agora se encontra nele. Riffs pesados quebram
esse cenário de emoção e me fazem retornar ao mundo
material. O ônibus, que há pouco parara em um sinal fechado
agora já movimentava-se novamente. Agora já não mais via
as luzes, ou talvez apenas não me importava mais. Meu olhar
se perdia no horizonte escuro enquanto o refrão da música
iniciava. Minha amiga sequer nota a imensidão de tristeza
que carrego em minhas palavras, e enquanto falamos sobre
coisas fúteis, o ônibus curva-se à esquerda, entrando em uma
via movimentada. Apesar dos brilhos fortes das luzes desta
avenida, o que me encanta é a amarelada e fosca luz da lua
em um estágio inicial da crescente, antes fora do meu campo
de visão. Lembrar que nem mesmo a lua tem sua própria luz
faz-me ampliar minha dor. Olho disfarçadamente para o lado
e enxergo uma garota com lágrimas nos olhos, tentando ser
forte e não chorar. Mal sabe ela que próximo a ela estou eu,
acarretado de tristezas e solidão.
8
O mundo é cruel, de fato. Tentamos cada dia mais não deixar
transparecer nossas fraquezas mais profundas. Mas este é o
jogo da vida, fingimos saber viver, fingimos que sabemos o
que fazemos, fingimos para o mundo que somos inabaláveis,
mas na escuridão de nossas almas, sabemos que não
passamos de um ponto azul no céu. Essa reflexão há de durar
por mais algumas horas, até eu poder voltar em paz para o
aconchego do lar, onde pessoas hipócritas e sem sensibilidade
me aguardam. Então, eu poderei por fim deitar minha cabeça
e fechar meus olhos, para então acordar e viver outro dia em
profunda solidão, aceitando o fato de não poder fazer nada
para mudar o meu mundo.
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Talve z
O que mais dizer?
Absolutamente nada...
O que causa minha estadia aqui? Se a monotonia forçada já
tomou as minhas horas o que ainda faço aqui? Se durante o
trajeto de todo o dia eu olho para um lugar qualquer e penso
"o que eu estou fazendo aqui?", não seria melhor partir? Mas,
e porque então não concretizo? O que me impede de jogar
fora toda a angústia e o vazio que me consola?
Seria o amor, talvez, que tenho por todos que me cercam. O
zelo pela felicidade de todos. Para mim é impossível uma
raiva constante. O amor pelos outros é maior e mais forte que
qualquer mal que pudesse e quisesse me atingir ou sequer
mudar-me. Mas, se mesmo com todo esse afeto a vida ainda
parece vazia, o que me aflige?
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Talvez a hipocrisia, a falsidade, a incapacidade de um grande
número de pessoas de ser feliz sem precisar humilhar
ninguém. Pra que pisar, pra que agredir, pra que? Pra ser
feliz? Não, claro que não. A felicidade não se cria a partir de
uma tristeza alheia. Será que ninguém mais se importa com
os outros? Será que as pessoas chegaram a tamanho ápice do
individualismo? Se sim, porque então fazer a minha pessoa e
minha mente serem atacados por estas ideias babacas? Não
seria simples desistir? O que me leva a progredir e a
continuar aqui?
Talvez a esperança. De que as pessoas mudem? De que um
dia, por decisão de um destino ou de um Deus minha mente
não mais se importe ou sequer perceba a hipocrisia ao redor?
Não sei. Talvez então o fato da insegurança. O mundo nos
torna inseguros. Quem é aquela pessoa de preto do outro lado
da rua, agora a noite? Um ladrão? Ou então uma pessoa cheia
de tristeza e dor, a caminho de um velório de um ente
querido? O mundo nos das ideias traçadas. Devemos sempre
seguir de uma mesma maneira. Mas, será que não é apenas
um traçado que convém as pessoas? E qual seria o principal
motivo da insegurança? Talvez esta ideia traçada e
politicamente correta, talvez a falta de afeto e de
compreensão, talvez as dúvidas da mente, talvez a falha entre
a razão e a emoção, talvez as questões geradas por essa falha,
ou então talvez o talvez...
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Colapso
Fraqueza?
Tu deixar teu sorriso falso e hipócrita de lado e dar lugar as
belas e cristalinas lágrimas em lugar algum significa fraqueza.
Significa cansaço, significa que você tem que deixar escorrer
o que te aflige.
Vivendo diariamente em um turbilhão de sensações e
emoções. Diariamente com uma alegria vazia e um sorriso
falso. Diariamente escondendo seus problemas para não
transparecer sua inocência, sua fé, sua ilusão, sua crença no
lado bom da vida.
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Sentença
"Este texto é minha sentença"
Nós somos um pequeno pedaço de nada em meio a imensidão
negra e vazia do universo. Nossa vida pode parecer cheia,
turbulenta. Mas ao comparar o que julgamos ser problema
com o tamanho do universo, tudo, todo e qualquer coisa
torna-se nada.
Somos seres insignificantes perante a grandeza do mundo.
Você pode ter seu nome conhecido na rua de sua casa, ou até
mesmo de seu bairro, mas dificilmente sua cidade o
reconhecerá por algo. Se nem mesmo sua cidade te reconhece,
quem dirá seu estado, ou mesmo sua nação. Mas sua nação
não chega a somar grande importância ao mundo, e o mundo
que hoje conhecemos não chega a ser nem como uma célula
para tamanha grandeza em que consiste o verdadeiro mundo.
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Em meio a tamanha insignificância, como pode você achar
que teve a pior sensação existente? Será você uma criatura
ignorante o suficiente para achar que não existe dor maior
que perder um ente querido, em meio a tamanha imensidão
desconhecida?
A nuvem negra persiste sobre minha mente. Tão negra que
parece sugar toda positividade existente não somente em mim,
mas em todos que me cercam. Essa sucção é sua sentença,
você há de conviver com ela. E então...
A chuva cai. Pequenas gotas de água atingem minha pele
como projéteis que me foram atirados. Apenas a dor é
diferente. A dor física não existe, mas a dor que a frieza das
gotas me causa é tão intensa quanto uma real. Me traz a
sensação de solidão.
Essa imensidão é minha sentença, hei de viver eternamente
com ela.
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Agora, parado em meio a essa tempestade, confronto minha
solidão. Não importa quão grande seja o número de pessoas
que me cercam, a solidão se faz presente em mim. Não
importa quão grande seja esse mundo, ele não se compara a
imensidão do universo. Não importa quão grande e brilhante
seja o Sol, há de existir um buraco negro que absorverá toda
sua luz e toda sua massa. Toda a sua vida. Não importa quão
grande sejam as boas novas desse mundo, sempre há de
existir uma tímida e profunda repressão dentro de mim.
Sempre haverá essa depressão, sempre haverá essa solidão.
Essa solidão é minha sentença. Viverei com ela eternamente.
Em meio a essas gotas gélidas me pego questionando qual
seria a razão pela qual vivo. Existe uma razão, de fato? Ou
seria eu apenas uma criatura de uma espécie que se
desenvolveu o suficiente para questionar questões estúpidas
como essa? Seria eu apenas mais um de uma espécie
extremamente burra que quis se desenvolver para questionar
sobre coisas que são apenas a ordem da vida?
Essa evolução é nossa sentença. Viveremos eternamente com
ela.
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Farol, parte 2
"A luz desse Farol da Solidão"
Eis-me aqui, perdido em meio a imensidão de água pura e
cristalina. Jamais achei que deixaria de viver por mim, jamais
pensei que pudesse sentir tamanho vazio. Não imaginei que
poderia esta ser minha sina.
Dediquei incontáveis minutos da minha vida para esta causa,
para saciar meus desejos em uma busca egoísta e solitária.
Mas nunca pensei desta forma, com esse egoísmo. Jamais
houve excesso de ego, orgulho ou mesmo ira de minha parte.
E, mesmo assim, deixastes teu posto na minha vida, e ao
mesmo tempo um vazio que me consome.
Hoje estou aqui, como um farol que guia os barcos até o cais.
A lanterna dos afogados. Sou uma alma pensante, inquieta
em construção. Em meio a minha solidão, construo a
salvação de quem me pede auxílio. Busco encontrar nova
inspiração, algo que desperte determinação, encontro apenas
ilusões, numa selva de leões. Na alma, sensação mais pura,
de completa solidão.
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Fragmentos de Erros
Serenidade escura... e dolorosa...
Nada mais eu enxergo. Tudo está escuro, e frio. Sequer sei
dizer onde estou. Sinto algo saindo de mim. Estaria eu
sangrando? Se sim, hei de morrer em breve.
Sinto não poder fazer nada mais que tentar reconstruir minha
própria ordem. Tenho estado ocupado coletando fragmentos
de uma alma enegrecida e corrompida. Nada mais será do
jeito que já foi um dia, e isto é uma lástima.
Sentenciado a esta imensidão de águas negras, cumpro meu
destino só. Destino este traçado no momento em que decidi
partir.
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Não havia ideia de que deixar-te à deriva levaria minha alma
a este estado de calamidade irreparável. Encontro-me agora
no Umbral? Eu morri?
Sim, eu morri. No momento em que deixei um pedaço de
mim eu morri. Quando te deixei eu morri por dentro. Passei o
resto de minha vida negando o remorso, negando o
arrependimento, negando a continuar vivendo.
E agora, estou preso eternamente em meu Umbral, para
eternamente reconstruir minha alma despedaçada, para só
então poder buscar um recomeço.
De nada adianta, eu sei, mas não mais deixarei minhas
vontades em segundo plano. Preciso pedir perdão, não apenas
por ter lhe deixado, mas por, junto disto, ter sentenciado
minha alma a períodos de amargura e dor neste lugar. Agora,
com uma leve e rápida sensação de paz, encontro forças para
continuar neste mar de sofrimento e escuridão.
18
Superação
É quando podemos perceber que mesmo em um mar de
problemas, o que nossa alma mais anseia é um segundo de
tranquilidade. E isso faz-nos entender que buscamos por paz,
e buscamos desesperadamente. Mas no final, o mundo corrói
esta busca, corrompe nossos corações.
Os problemas chegam, se apresentam e nos cobram atitudes.
Um ser vazio pode facilmente deixar-se levar pelo primeiro
pensamento que lhe vem à cabeça e tomar uma atitude
randômica. É uma atitude extremamente irresponsável e de
valor nenhum, concordamos? Talvez não, pois mesmo que
precipitada, mesmo que totalmente equivocada, este ser vazio
soube agir, soube lidar com o problema. De nada adianta ser
uma alma pensante, se deixar a sombra do conforto lhe
engolir. Mesmo uma atitude equivocada tem valor não só
significativo, mas maior que qualquer cadeia de pensamentos
se os mesmos não adquirirem formato físico. É preciso deixar
evanescer todo o temor, todo o pavor, todo o horror ao
desconhecido, ao incontrolável.
19
É fácil justificar um medo, expelir centenas de informações
notáveis. Porém, mesmo com todas as justificativas, um
medo continua sendo nada além de seu fracasso pessoal em
suprimir seus limites impostos por ninguém menos que você
mesmo.
20
Analog ia
Se para cada noite em claro, o dia após não fosse iluminado, a
ausência de luz assustaria cada alma bem-aventurada.
Jamais pensaria que algo tão nobre e puro pudesse trazer
tamanho devaneio em meu destino.
A recessão de um sentimento tão grande, por tanto tempo, é
devastadora. Como uma linda rosa, em seu ápice de saúde era
admirável, mas nada é para sempre e toda linda flor apodrece.
E como lidar com uma podridão interna?
Se para cada feixe de luz que refletem em seus olhos fosse
perfurado um metro a fundo sobre as resistentes rochas
terrestres, seria ainda assim difícil chegar a profundidade com
a qual esta dor intransponível percorre cada segundo que vivo.
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E como mudar? Se já sou consciente de minhas incertezas, se
já sou consciente da causa do envenenamento de minha alma,
o que me faz seguir com a dor?
Um desejo mundano de viver. Palpita meu peito ao imaginar
uma vida com a solene e pura paz como o núcleo do conjunto
Eu. A grande esfera pútrida ao lado do meu espírito
demonstra a liberdade imaginária que tanto desejo. Vejo
nesta esfera todo este sentimento, tão puro, tão grande, tão
nobre. E como este sentimento celestial se tornaria este caos?
Se para cada gota de orvalho em uma manhã fria de inverno
fosse removido um grão de areia do deserto de meu desalento,
ainda sim se faria necessário milênios para que a vida fosse
devolvida ao meu peito.
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Tudo em exagero se torna um problema. Nem mesmo
sentimentos generosos e solidários são exceções. O mais puro
amor, o mais doce carinho, quando em exagero, se torna
repugnante. Pessoas precisam do seu tempo, cada ser
pensante precisa digerir o tsunami de informações que o
mundo moderno deposita sobre sua consciência a cada dia
vivido. O mais puro amor, o mais doce carinho, exagerados e
reprimidos, então, se tornam uma poderosa onda explosiva. O
mundo é traiçoeiro demais. Nada se mantém intacto de todo o
caos humanitário. Nem mesmo seus mais profundos
sentimentos.
Um lindo sentimento, em grande escala, reprimido, é uma
fábrica de um novelo de podridão. As águas negras da vida
hão de apodrecer o que é mantido em cativeiro no fundo da
tua alma.
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E o que lhe resta além do ódio e rancor? O que há de fazer, se
não ser humano, e culpar outros por seus próprios defeitos?
Como consequência de sua empatia, de sua boa índole, de
seus sentimentos restringidos, a aura negra começa a ser
alimentada. O ódio começa a surgir e o que um dia fora
aquele sentimento puro e belo, dá lugar a um lodo amargo e
sujo de podridão.
O que difere eu de você, é simples. O que faz você seguir em
frente em meio a este caos interno, em meio a este conflito de
emoções, é este ódio. Você odeia quem você amou, e isto te
faz viver, isto te faz deixar pra trás tudo o que é relacionado
ao cruel destino que viera a acontecer. O que me faz diferente,
é também este ódio. Este ódio que eu bebo, que eu tomo para
mim, que eu não deixo escapar. Este ódio que corrói a minha
própria vitalidade. Eu não odeio quem eu amei, eu odeio
quem amou. Eu enterro este ódio no mesmo peito em que
nasceu. Eu me martirizo com esta dor, para que a pessoa que
eu amei, viva em paz.
Se para cada molécula do ar fosse creditado um centavo a
qualquer pessoa do mundo, ainda sim esta pessoa jamais seria
tão rica quanto o meu desejo pela soberana paz.
24
Corujas
Penas douradas escondem-se nas entranhas da noite. O sol
deu lugar à escuridão. Nem mesmo uma solitária estrela
enfeita os céus desta noite.
Pupilas dilatadas, íris amarela. Nada escapa destes olhos tão
vivos e sorrateiros de beleza superior a qualquer estrela.
Profundos como os oceanos ainda inexplorados, nem mesmo
o mais veloz dos animais engana estes olhos. Uma coruja.
Apenas uma coruja, e o mundo enchera-se de pesares.
Comparável a sagacidade das corujas é a penetrante beleza do
teu olhar. Os sons que nem em sonhos escapariam dos
aguçados ouvidos das corujas são os mesmos que fazem da
tua voz a mais suave e delicada.
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O pio único e inconfundível das corujas faz-me sentir uma
sensação adorável. Mas nenhum pio tem sobre mim o mesmo
efeito que tem o teu diferenciado sotaque.
Um movimento brusco e se é perdido o encanto das corujas.
Com suas asas, cortam os céus escuros ao menor sinal de
perigo. Assim como a tua pessoa, que com a sua mera
angelical presença rasga a plenitude de minha solidão dia
após dia.
Penas de cor dourada esmaecem-se perante a ausência do Sol,
da mesma forma que teus fios dourados dão lugar à coloração
castanha, que tão encantadora torna-se sob a luz do luar.
Apenas uma coruja, e todo o pesar torna-se ínfimo. Apenas
uma coruja, e todo o encanto da vida pode ser admirado.
Apenas uma coruja, é o que anseio para minha vida.
Assim é você em minha vida: Uma coruja.
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Dúvidas
E quando as gotas desta chuva lavarem tua alma? E quando
tua fortaleza construída de areia for levada com o vento? E
quando já puder parar se fingir? E quando se esquecer de tuas
próprias virtudes? E quando se afogar em teu próprio
desalento? E quando for imerso na maré viva de tuas próprias
mentiras? E quando cair de joelhos perante seus pecados? E
quando seu orgulho já não couber dentro do teu corpo? O que
irá sobrar de ti?
Egocentrismo, arrogância, prepotência, orgulho,
superioridade, desdenha, soberba, ignorância, falácias.
Inúmeras são as fissuras de tua concepção. Ao mostrar ao
mundo o que o mundo quer ver, mantêm-se em cativeiro o
que o mundo precisa ver. Ao impor pro mundo o que o
mundo impôs a ti, impõe-se à tua essência um atestado de
impotência. Ao lutar para ser o que exigem que você seja, tu
acaba por ser tudo, menos o que nasceu pra ser.
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E se o mundo desabar? E se a esperança evanescer? E se o sol
não mais brilhar? Por quem você vai gritar? Em quem você
vai pensar? Por que você vai lutar? O que você vai salvar? E
se a escuridão chegar? E se tudo pelo que tu lutou se mostrar
errado? E se o teu coração já estiver afogado? E quando a luz
do sol se apagar? E se já tiver perdido o que não se pode
encontrar? Teria você vivido como queria? Teria você
seguido o que deveria? Teria você resolvido o que te
atormentava? Teria você amado alguém que te amava? Teria
você sido o alguém que desejava? Teria você sobrevivido ao
caos que ao teu redor se instalava? Ou teria você sucumbido
ao vazio que te rodeava? Teria você rejeitado o que aí dentro
de ti clamava? Teria você ignorado o que do fundo da alma
chamava? Teria você morrido enquanto viver tentava?
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Frieza
Incontáveis pensamentos atordoavam sua cabeça. Como
rajadas de vento provenientes de uma tempestade, sua
consciência forte e fria, aos poucos, sucumbia ao caos da
realidade. Não conseguia entender como as pessoas ao seu
redor chegaram a tal ponto de egoísmo e individualidade.
Sequer conseguia acreditar ter o mesmo sangue correndo em
suas veias.
Uma mente calculista, sagaz e altruísta via-se acuada diante
de tamanha deslealdade. Questionava-se qual seria o valor da
vida sem seguir seus próprios princípios. Esta alma tão
abalada se recusava a levantar a cabeça para olhar ao redor,
pois temia ver que nada mudou.
Aquela tempestade de pensamentos teve fim. Porém, mais
assombrosa que o cessar da tempestade foi o silêncio que
abrigou-se em sua paranoia. Sem um único pensamento era
como sua consciência se encontrava. O desespero era
inexorável.
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Contorceu-se para a direita, então, e buscou nova posição
confortável e com o silêncio avassalador, repousou sua
cabeça implorando em silêncio por alguns minutos de sono.
Ao acordar, deu-se conta de que nada é mais desolante que o
próprio nada. Seus pensamentos recusavam-se a retornar e até
mesmo o desespero já tornara-se irrelevante. A falta de
emoções petrificava seu coração e corroía sua alma. Movido
pela repetitiva rotina, executava suas tarefas sem interesse
algum. Olhava as gotas da chuva pela janela e sentia o frio vir
de encontro a sua pobre existência. Seus olhos pesados e
cansados embaçavam-se a medida que molhava-se mais. Nem
mesmo o frio pôde esboçar uma reação em seu rosto.
Não entendia como podia indagar sua falta de consciência
mesmo em tal estado. Não entendia como poderia uma série
de acontecimentos impactá-lo de tamanha forma. Não
conseguia aceitar o reflexo da sua queda, enquanto agia sem
razão ou determinação. Sentiu o golpe da vida, sentiu o peso
do mundo, e percebeu que ideologias não mais são postas em
prática. Deu-se conta que o mundo sucumbira a idiossincrasia,
e deu-se conta que sua forma de viver estava errada ao seu
tempo.
30
Existência
Qual é o valor de uma existência?
Como poderia ser possível um ser humano se dispor apenas
da utilidade de outro, e não de seu valor existencial? Como
pode ser real o oportunismo em meio a tamanho caos
apresentando-nos neste mundo?
É tão confortante acordar e saber que existem pessoas em tua
vida de grande valor. É tão desconcertante ir dormir e
perceber que metade destas pessoas, são ilusões.
Uma triste realidade é o fato de que uma massacrante maioria
de pessoas só estão ao teu lado enquanto tu, de alguma forma,
é útil. Poucas são as pessoas que conseguem enxergar teu
valor existencial. Poucas são as pessoas que conseguem
enxergar em ti mais do que tu realmente é. E como identificar
essas pessoas? Como distinguir elas do resto da escória
humana?
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Jamais fui capaz de concretizar esta distinção, porém sempre
dei meu melhor a fim de dar o devido valor a cada alma
perdida nesta imensidão.
Nos últimos dias, tive fortes dores de cabeça. As causas mais
prováveis são a decepção e a amargura. Noticiei
personalidades que gostaria de exonerar da minha memória.
Presenciei atitudes, no mínimo, repugnantes. Percebi que
algumas pessoas, que eu julgava absolutamente livres dessa
futilidade massiva, são tão venenosas quanto, ou mais. Jamais
cogitei a possibilidade de sentir esta amargura com origem de
atitudes destas pessoas supracitadas. Mas estava enganado.
Almas que eu julgava amigas apunhalaram-me e mostraram-
se tão superficiais quanto as outras.
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Mas nem tudo é um lamento sem fim, nem tudo é um mar de
lamúrias. Ao fim do dia, deito minha cabeça sobre um
travesseiro e sinto fortes dores no peito. Tive de conter
minhas emoções, e agora meu peito doía com a tamanha
tristeza que sentia. Começo a pensar em todos os momentos
irreais que vivi. Questiono ao vazio qual seria o sentido da
vida. Teria eu que permanecer aqui? E quanto tempo mais eu
aguentaria? Se é essa a vida, falta muito pra acabar a parte
ruim? Em meio a uma crise existencial associada a uma
depressão, eis que emerge do âmago de minha memória um
sorriso. Doce, suave e puro. Em questão de segundos, está
pacífica memória faz minhas dores evanescerem e transfere
para meu rosto um mesmo sorriso. Lágrimas surgem de meus
olhos, enquanto deleito-me em imensa paz interna.
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Foi naquele momento que tive a sensibilidade de perceber
que não importa o quanto o mundo queira me fazer desistir,
não importa o quanto as pessoas se mostrem vazias, não
importa quão grandes sejam as minhas dores. Se eu puder ver
aquele sorriso, se eu puder sentir aquela pele macia, se eu
puder contemplar aqueles fios de cabelo dourados e
compridos, e se eu puder derramar uma lágrima por toda a
eternidade ao lembrar daquela alma tão pura, nenhum
desastre do destino vai me derrubar. Não só me dei conta do
quão alto era o valor daquela existência para o meu coração,
mas também entendi que não posso me culpar pela ignorância
das pessoas. Se o mundo não consegue distinguir valor de
utilidade, eu não preciso e sequer devo me culpar por isso,
porque eu sei o valor de cada alma que me cerca, eu sei a
utilidade de cada uma e, acima de tudo, eu sei que o valor de
cada uma é mais importante que sua utilidade.
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Dois Minutos de Descaso
É junto da luz dos raios cortando o céu desta noite chuvosa
que sinto em meu peito latejar a cicatriz. Tentando ser um
exemplo de pessoa, esqueço-me que até Jesus, em sua
infância, amaldiçoou colegas por nada além de egocentrismo.
A ventania chacoalha as folhas das árvores lá fora, de mesmo
modo que a enxurrada de emoções abala minha consciência.
Com tamanhas experiências recentemente, o choque de
realidade é inevitável e acabo por dar conta da vida fútil que
tenho vivido.
Como se fosse em câmera lenta, cada gota desta chuva ecoa
retumbante em meus ouvidos, provocando uma aura de
insanidade enquanto me culpo por cada lágrima engolida,
cada grito silenciado, cada vontade evanescida, cada sonho
enterrado. Percebo agora o quão em vão tem sido minha vida.
Mesmo com todo o esforço feito para dar orgulho a quem não
devo nada, o resultado é incompreensível: Discursos de ódio,
pressão negativa e descaso.
Eu tenho vivido para os outros, e esquecendo que nossa vida
somos nós que vivemos. De que adianta viver em vão?
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Panorama
A forte e gélida brisa noturna vem de encontro a minha pele.
Deitado sobre estas rochas, olho para o céu e vejo o quão
bonito é o emaranhado de constelações. Apesar desta
sensação confortante, sinto como se faltasse um pedaço da
minha alma.
A luz do luar começa finalmente a chegar aos meus olhos,
dando origem às silhuetas das plantas ao redor, antes
escondidas na escuridão. Fecho meus olhos, e permito que o
calmo som das águas invada o meu coração e console-o por
sua ausência. De fato estou em um local de beleza estonteante,
mas nenhuma beleza, seja ela artificial ou natural, pode
equivaler-se ao brilho desorientador que posso enxergar nos
teus olhos. Nenhuma beleza que não a deles daria fim à
minha saudade.
36
Por um momento fico em silêncio, deixando que a natureza
ao redor me consuma por inteiro, enquanto sonho com sua
companhia.
Abro calmamente meus olhos, e vejo que não só seus raios,
mas a Lua por inteira já tornou-se visível. Sua forte coloração
amarela e seu brilho intenso consequentemente remetem-me
à coloração dourada que seus cabelos obtêm sob a luz do Sol.
Cada detalhe a minha volta faz-me lembrar você.
Levanto e contemplo os arenitos que enfeitam o panorama
que enxergo. A Lua brilha de forma tão intensa que torna a
visão completamente funcional, mesmo em âmbito noturno.
Uma destas formações arenosas me prende por um instante.
O formato desta pedra assemelha-se à um rosto. Um rosto de
uma índia, segundo estudiosos. Os olhos da índia facilmente
remetem-me ao teu olhar, tão penetrante. Pouco fechados,
transmitindo a sensação ora de tédio, ora de ódio. É
inevitável então lembrar dos momentos em que presenciei
suas fraquezas e vi seus olhos inundarem tanto de forma a
transbordar. Uma tristeza me corrompe quase que
instantaneamente. É injusto que anjos como você sofram com
este mundo caótico.
37
Agora, ouço um ruído de natureza desconhecida. Um pio. Ao
longe, minha visão por fim desvenda o mistério que instalara-
se neste cenário. Aquela coruja, que pude identificar no
horizonte, escondida nos galhos imersos na escuridão desta
floresta, imediatamente recorda-me da tua doce voz. Como
uma supernova que atravessa o ar, seu rosto rasga a
imensidão da minha subconsciência e atinge a minha alma.
Como a das bromélias alojadas nestes arenitos, sua beleza é
exótica e fenomenal. Minha alma se carrega de alegria.
A alegria, na verdade, não instalou-se por inteira. O misto de
alegria, paz, tristeza e guerra corrói a plenitude de minha
consciência. Daria a tudo que tenho, e até o que um dia
poderia conquistar, para tê-la aqui, agora, comigo.
Vejo no céu uma rápida luz rasgar a escuridão.
Supersticiosamente, faço um desejo. Porém, enquanto este
não se realiza, permaneço desempenhando meu papel. Sou, e
eternamente serei como uma estrela, que nunca deixa de te
guiar, mesmo que muitas vezes não percebas minha presença.
38
Máscaras
O que foi visto ontem, se repete neste instante e amanhã
novamente.
Em poucas horas, tudo o que se construiu irá se desmanchar.
São palavras ao vento, incertezas excomungadas, atitudes
irracionais. Tudo para construir está fachada. Mas bastam
algumas horas, e tudo desaparece.
Sentado em meio a confortante solidão desta noite, aprecio
cada segundo enquanto remonto seus devaneios. Cada
mentira, cada golpe, cada ilusão agora são peças da minha
coleção. E admiro-as, da mesma forma com que aprecio
tamanho esforço em esconder-se.
Bastaram algumas horas, e todo seu jardim apodreceu. Foi
fácil desvendar o que se escondia por trás das máscaras. De
uma simplicidade agonizante e um descuido imoral, seu falso
império foi derrubado sem esforço algum. Todas as palavras,
atitudes e pedidos visando sempre si mesma e nada mais. Tão
fácil foi enxergar tua alma, que já interpretei-a e conheço-a
como a palma de minha mão.
39
E agora aqui, olhando para os céus, peço em silêncio ao
destino que te tire desta enfermidade que tu chama de vida.
Não, não lhe peço morte. Peço salvação. Visto a sua máscara,
e absorvo esta experiência enquanto, em tristeza, aguardo que
faça o mesmo.
40
Composições de um Ce nário Des lumbrante
Ensurdecedor é o despertar da consciência. A imensidão de
água enegrece aos poucos. Os últimos raios de luz esvaem-se
no céu.
A escuridão fortalece o vento que com tanta força atinge meu
corpo. Lentamente levanto meu olhar. As ondas calmamente
chegam a orla.
Tão suave é a sensação que o mar transmite, que torna-se
inevitável lembrar da tua existência. O som das ondas se
formando ecoam pela praia. Som este único, onipotente e
memorável. A solidão instala-se sem obstar-se. O anseio por
tua companhia é algo presente a todo momento.
41
Escuros como o mar sob a luz do Luar são teus olhos negros
envoltos por tua macia e tênue pele branca. Nem mesmo o
mais forte brilho da maior estrela poderia substituir a
ausência do brilho do teu olhar tão penetrante. Nem mesmo o
mais belo canto do mais lindo pássaro poderia ocupar o lugar
da tua suave e doce voz. Nem mesmo um navio, que tão
longinquamente corta as águas negras do oceano poderia
ocupar o teu lugar no meu coração inundado de saudade.
Eternamente seria grato eu se pudesse desfrutar de um
segundo ao teu lado. Tão puro é o que sinto que mesmo uma
criatura divina tornar-se-ia um mar de pecados se comparados.
Mesmo com a fraca luz amarela da Lua Cheia posso enxergar
no horizonte uma embarcação a todo vapor. Deslumbrante,
desfila por entre as águas do mundo. Tão focada, tão
intimidante... Tão distante, assim como tu.
42
Uma única lágrima corre por meu rosto e mistura-se às gotas
do oceano. Tão forte é este sentimento que suprimi-lo ao
encontrar-te torna-se cruel. Fico estático, com o olhar vazio,
enquanto acompanho a longínqua embarcação sumir no
horizonte. A escuridão novamente cai sobre as águas
tranquilas, juntamente com a tristeza que vem assolar a minha
tão triste alma.
A luz do luar aos poucos dá lugar para raios mais fortes. O
sol começa a despertar, e as águas a agitarem-se. Um novo
dia começa, trazendo junto da luz, uma esperança. Uma
esperança para o mar, de não mais ser assolado pela
escuridão. Uma esperança para o vento, que não mais há de
cortar a solitária noite. Uma esperança para a embarcação,
que agora deve navegar confiantemente. Uma esperança para
a lágrima, que junto do oceano há de seguir para o mundo.
Uma esperança para mim, que hei de juntar-me a ti, para
sermos como as ondas, o mar, o vento, a lua e a noite:
composições de um cenário deslumbrante.
43
Ventre
E mais um dia termina, como todos os outros. Talvez não.
Hoje algo está diferente, em vez daquela sensação de vazio
imenso, sinto agora uma enorme sensação de esperança. Não
faz sentido, já que quanto mais perto estamos, mais confuso e
embolado tudo se torna. Talvez seja a fé. Meu desejo insano
por acreditar que tudo pode, deve e vai acabar bem é o que
proporciona essa sensação boa. Não sei se estou gastando fé
com algo que não tem futuro, mas isso é o de menos, afinal,
não é em vão. Eu amo ela, ela diz que não acredita, porém eu
acho que a maior prova de que é verdadeiro o que eu sinto é o
fato de ter suportado ela me contar, em tempos antigos, sobre
todos os caras de que ela gostava, e mais, ainda dar conselhos
à ela para tentar ajudá-la, mesmo estando completamente
contrariado. Para mim, não tem como não ser o mais simples
e extraordinário amor.
44
Promessa
Adorável...
O mundo é tão simples. As pessoas são tão previsíveis. O
tédio é tão onipresente. A vida é tão monótona. A não ser, por
uma exceção. Agradeço ao destino por ter colocado-a em
meu caminho.
Como pode uma pessoa ser tão simples, comum e previsível e
me manter fascinado mesmo assim? Suponho que sejam os
pequenos detalhes que me encantam cada dia mais. Olhos
castanhos claros, mágicos como a luz do luar. Cabelos
castanhos, num misto de tons loiros, sempre soltos ao vento e
também, sempre encantadores. Lábios pequenos, de perfeito
encaixe ao formato do seu rosto, que é mais pontudo que o
normal. Mais um encanto. Pele clara como a neve.
45
Eu poderia admirá-la por horas, em puro êxtase. E, certas
vezes, realmente o faço.
Mantenho pouco contato, o destino nos apresentou, mas não
permitiu convivência direta. Por conta disso, talvez, o
encanto aumente sempre. Afinal, pouco conversamos sobre
assuntos sérios. Pouco sei sobre sua visão em relação ao
mundo, a vida, a morte. Pouco sei sobre seu dia-a-dia, exceto
pelos males. Estes que também me afetam profundamente,
mesmo não sendo parte da minha rotina.
Eu sei que o encanto é forte, penso em você todos os dias. E
todos os dias, morro de preocupação. Sei de seus piores
problemas, e infelizmente não posso dar-lhe apoio real. Então,
fico com minhas boas energias e bons pensamentos. Tudo há
de melhorar, para ti, para mim, para nós.
E não importa qual seja o desfecho que o destino nos reserva.
A mais pura e linda amizade? O mais sagrado e bendito
amor? Não importa. Estarei junto a ti até o fim das nossas
vidas, e ninguém vai me desviar dessa única e verdadeira
promessa.
46
Anjo
Irradiante luz que radia alegria e diversão. Dona de um brilho
exuberante, alegra a minha alma com cada olhar. O mundo ao
meu redor me pressiona, corrompe e entristece, mas com teu
olhar sou levado para uma dimensão diferente, e eu não tenho
medo disto. Não somos responsáveis pelos obstáculos do
destino, mas somos responsáveis por nossos atos em relação
a estes obstáculos. E a cada toque, a cada olhar, a cada
carinho, enche meu mundo de alegria com sua doce voz, de
sotaque diferenciado. Como um anjo que entra em meu
Umbral para tirar-me do mesmo, é capaz de invadir minha
imensidão negra de pesares e quebrar toda a escuridão. Com
todo o brilho, transforma meu mundo com sua simples
presença.
47
Fuga
Em meio a um turbilhão de luzes e reflexos sem sentido
algum, percebo que não há luz mais encantadora que a luz
das estrelas.
É uma noite escura, vazia e fria. Confortante é ter
sensibilidade para adorar as tão distantes luzes cósmicas. Tão
brilhantes, tão distantes, tão imersas num lago negro
chamado universo.
Sento-me agora em um penhasco. Mesmo sob a escuridão da
noite, este lugar conta com uma beleza exuberante. A gélida
brisa noturna vem de encontro ao meu rosto. Tão fria ela é
que causa dor, mas isto torna-se frívolo perante a exuberância
deste lugar.
48
Aquelas luzes distantes parecem mais brilhantes agora que
estou afastado da iluminação artificial. Sinto como se cada
ponto cintilante fosse uma divindade a sorrir para mim,
trazendo-me a leve sensação de esperança e conforto.
Imerso nesta doce ilusão, enxergo neste instante uma luz que
destacara-se. Penetrante e de tom azulado, sua intensidade
aumentava a medida que minha alma afundava na imensidão
das estrelas. Seu brilho agora era incomparável, claramente
destacava-se. Enquanto admirava aquela forte luz, minha
mente deixava meu corpo para retornar às mais distantes
memórias.
Memórias estasque refletem em meu alento. Lembranças
adormecidas no âmago de meu coração despertavam aos
poucos. Momentos estes que agora sugavam toda a paz que
eu sentira a pouco. Sinto como se minha alma fosse tragada
para a escuridão lenta e dolorosamente. Meu rosto, que
momentos atrás sorria em paz, encontrava-se agora triste e
perdido naquela luz, que a cada segundo parecia brilhar mais
forte.
49
Eis que então, aquela memória desperta. A memória que
havia tirado noites de sono, a ferida que demorou cicatrizar, o
inferno que eu fingia ignorar, o erro que eu não pretendia
consertar. Como o som do disparar de uma arma em meio a
uma calma floresta, esta memória faz-me remoer todos os
momentos de amargura, solidão, desespero e tensão que eu já
havia enterrado.
O penhasco parece clamar por meu nome. A solidão
assombrosa que instalou-se de forma abrupta parecia
empurrar meu corpo para o fundo do penhasco. Toda a razão
que eu tivera algum dia para continuar vivendo esvaiu-se
rapidamente. Todos os planos sociais e pessoais parecia não
mais fazerem sentido. De que adianta construir uma estrutura
nesta vida, se ao final de tudo voltaremos a ser o que a muito
tempo fomos: Poeira das estrelas?
Quando, já em pé, estava para realizar o pedido que
incessantemente escutava soar no fundo do penhasco, sinto
meu pescoço arrepiar levemente. Raramente minha intuição
tornava-se falha. Havia alguém junto a mim.
50
Olhos fixos em lugar nenhum, corpo paralisado e consciência
retornando a si com demora. Quem poderia ter encontrado
este lugar? Perdido em meio a uma boba intuição, busco em
meu fracasso o que resta da minha dignidade para virar o meu
corpo e encarar quem quer que fosse.
Quando finalmente o faço, como um furacão que destrói sem
piedade várias vidas, um silêncio atormentador expulsa
hostilmente o som da calma e gélida brisa que fizera-se
presente por todo esse período. Diante de mim estava a garota
causadora de todas as memórias que a luz, que continuava a
brilhar fortemente, trouxera a mim.
Pele clara, olhos azuis, cabelos prateados na altura do ombro.
Sua imagem era pacífica, angelical. Mas suas memórias eram
infernais. O desespero assolava a minha alma. O êxtase
emocional que corria em meu corpo tirara toda a minha
capacidade de reação. Ela sussurra algo.
51
O silêncio é quebrado por seu sussurro. A brisa não retornara
e aquele brilho azul nos céus já tomava proporções
descomunais, mesmo que ainda passasse despercebido à
minha pessoa. Sem consciência dos meus atos, troco passos
em direção aquela figura que desolara minha vida. Como em
um transe, a doçura transmitida por sua doce e suave voz
fizera-me ignorar por completo a luz que incessantemente
crescia nas minhas costas. Mais alguns passos são trocados,
mas o sussurro ainda é incompreensível. Percebo que trocaria
tudo de concreto desta vida, e até mesmo o que viria um dia a
concretizar, apenas para poder decifrar este sussurro. Ela
recua.
Ao perceber o seu recuo, como em uma súbita transição dos
filmes de suspense, meu estado de transe aos poucos vai
evanescendo-se. Dou-me conta, por fim, que aquela luz azul
já tinha um brilho de proporções astronômicas. Se não
estivesse espantado, diria conscientemente que esta luz era
algo de origem sobrenatural. O brilho desta luz claramente
incomodava os não só a minha visão, como também a da
garota. O sussurro soa um pouco mais limpo desta vez.
Pare... Por favor.
52
Não pude compreender o sussurro por inteiro, mas julgando
pelas circunstâncias, concluí que ela implorava para que eu
parasse de alguma forma aquela luz. A tensão voltara ao meu
corpo. Como poderia parar uma luz sobrenatural como esta?
Antes que eu pudesse ter a resposta, a tensão foi expulsa do
meu corpo por um medo. Aquela garota estava sendo sugada
pela luz. Impulsivamente corri na direção dela. Estava
decidido a parar aquela luz, não importava como.
E, de alguma forma, realmente o fiz. A luz apagava-se aos
poucos, e junto com a luz a garota deixava este mundo. A
escuridão voltara para mim. Finalmente recuperei a
consciência, porém tarde demais. A garota não deixara este
mundo. Ela continuava sobre o penhasco. Eu, porém, havia
cegamente caído em seus encantos. Agora, só me restava
esperar o impacto que meu corpo sofreria no fundo daquele
penhasco. A escuridão finalmente me engoliu por inteiro.
53
Mesmo com o coração cheio de pesares, pude compreender
no último instante da minha vida que, na verdade, a garota de
instantes atrás era apenas meu destino. Ela em nenhum
momento foi real. Sempre foi criação da minha
subconsciência para suportar facilmente os devaneios da vida.
Porém, mesmo sendo apenas uma ilusão, ela me mostrou o
real sentido do que chamam de vida. Meus últimos passos em
vida foram em uma tentativa desesperada de ajudar este anjo.
Pude perceber então que a vida é o agora e nada mais. Pude
perceber então, que precisamos uns dos outros, e
desesperadamente. De que vale uma vida, se solitária? Se
nada fazemos para o próximo, qual o sentido de vivermos já
que voltaremos ao pó?
Vejo em terceira pessoa meu corpo no chão. Com um sorriso
leve no rosto, espero pacificamente pelo próximo passo.
Avisto aquela luz azul novamente nos céus. Olho uma última
vez para meu corpo, e parto em direção a luz para poder
novamente encontrar aquela garota. Para poder novamente
encontrar aquele anjo. Para poder novamente encontrar meu
destino.
54
Despedida
E mesmo o lindo efeito que a fraca luz amarela do poste ali
ao lado causava, eu não pude deixar de corromper um pouco
mais minha alma. Havia, a dois minutos atrás, deixado um
pedaço de mim, o meu ponto de paz. A tênue luz do luar
agora apenas engrandecia minha solidão.
Aquela voz suave, aquele rosto delicado e levemente pontudo,
aqueles olhos saltados e pretos, aqueles cabelos castanhos,
que à luz do sol adquiria cor dourada exuberante. Peças de
um quebra cabeça, que agora quebrava a minha cabeça.
E mesmo sendo linda como os jardins daqueles castelos
enormes, que são sempre projetados e feitos com todo o
cuidado estético, havia eu acabado de deixar ela sob os
cuidados de alguém desprezível. Por deslizes do destino, um
pedaço da minha alma havia ficado para trás. E ambos não
temos culpa.