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SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL NOS CRIMES CONTRA O MERCADO
DE CAPITAIS (LEI Nº 6.385/76)
CRIMINAL SYSTEM SELECTIVITY ON THE STOCK MARKET CRIMES
Eduardo Ribeiro Faria de Oliveira
Thiago Bottino
RESUMO O presente artigo apresenta os resultados da pesquisa empírica realizada pelos autores
sobre o funcionamento do sistema penal nos crimes contra o mercado de capitais.
Foram levantados dados das punições administrativas no âmbito da Comissão de
Valores Mobiliários, dos inquéritos instaurados pelo Ministério Público Federal e das
ações penais em curso perante o Poder Judiciário, capazes de indicar se as agências
formais de controle são capazes de identificar, investigar, processar e punir as condutas
lesivas ao mercado de capitais e ao patrimônio dos investidores. A partir dos dados
obtidos, foram apresentados os novos crimes contra o mercado de capitais sob o
enfoque do funcionamento seletivo do sistema penal e, por fim, propostas linhas de
discussão para o enfrentamento do tema pela sociedade.
PALAVRAS-CHAVES: Crimes contra o mercado de capitais – Seletividade do
sistema penal – Eficiência da lei penal nos crimes corporativos – Comissão de Valores
Mobiliários – Ministério Público Federal.
ABSTRACT This article presents the results of an empirical research conducted by the authors on the
functioning of the criminal justice system for crimes against the stock market. The data
were collected from administrative penalties imposed by the Securities and Exchange
Commission, investigations initiated by federal prosecutors and criminal cases pending
before the Judiciary, which can indicate whether the formal law enforcement agencies
are able to identify, investigate, prosecute and punish conduct detrimental to the stock
market and equity investors. From the data obtained, the article presents the new stock
market crimes under the approach of selective functioning of the criminal system and,
finally, discussion proposals for confronting the issue by Brazilian society.
KEYWORDS: Crimes against the stock market – Selectivity of criminal system –
Efficiency of criminal law in corporate crimes – Securities and Exchange Commission.
– Public Prosecution Service.
Sumário: Introdução. 1 – A seletividade do sistema penal, em especial nos crimes
econômicos. 2 – Os novos crimes contra o mercado de capitais. 3 – Os crimes contra o
mercado de capitais e as infrações administrativas subjacentes. 3.1) Manipulação de
mercado. 3.2) Uso de informação privilegiada. 3.3) Exercício irregular de profissão. 4 –
Os dados coletados. Conclusão.
Introdução
Em 1998, a Sub-Procuradora Geral da República Ela Wiecko Volkmer de
Castilho publicou o livro “O Controle Penal nos Crimes contra o Sistema Financeiro
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 905
Nacional” (Belo Horizonte: Del Rey) no qual apresentava as conclusões da sua tese de
doutorado sobre o funcionamento do sistema penal nos crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional (Lei nº 7.492/86) entre 1986 e 1995.
De acordo com a pesquisa, o Banco Central (BACEN) exercia um papel muito
importante na seleção dos casos que eram comunicados ao Ministério Público Federal
(MPF). Apesar de fiscalizar e punir administrativamente condutas lesivas ao SFN, o
BACEN não realizava as representações com fins criminais na mesma proporção das
punições que aplicava, o que levou a autora a apontar essa ausência de comunicação
desses fatos ao MPF como fator determinante para o pequeno número de casos
relacionados a esses crimes levados a julgamento pelo Poder Judiciário.
“A descrição do processo de definição e seleção acaba por revelar que, na
criminalidade contra o sistema financeiro, o controle penal caracteriza-se pela
exclusão, confirmando o sentimento comum da impunidade. (...)
Mas, também, revela que a impunidade se deve menos às instâncias formais
tradicionais (Polícia, Ministério Público e Judiciário) e mais ao Banco Central.
A chave do cofre que abriga a enorme cifra oculta dessa criminalidade é uma
instituição não-penal, que faz a seleção básica, utilizando-se de parâmetros
pouco transparentes e dificilmente submetidos a fiscalização. Sua importância
fundamental na configuração do que é crime ou não passa ao largo do público
e mesmo dos criminólogos e penalistas que concentram suas críticas à polícia,
ao Ministério Público e, sobretudo, ao Judiciário, justamente o que tem menos
condições de reverter a lógica de exclusão. Essa conclusão provavelmente
pode ser aplicada a outros setores da criminalidade econômica, como a
dos crimes contra ordem tributária e, nessa hipótese, outro será o órgão
efetivamente encarregado de promover a imunização de certos indivíduos,
grupos ou classes ao controle penal”1. (grifos nossos)
Inspirados naquela iniciativa inovadora, os autores se propuseram a realizar
estudo semelhante2, examinando agora os crimes contra o mercado de capitais. A
hipótese de trabalho era verificar se, passados dez anos do alerta de Wiecko, ainda
ocorreria fenômeno semelhante, agora na atuação da Comissão de Valores Mobiliários3
1 CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de: O Controle Penal nos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 23. 2 Uma diferença marcante da presente pesquisa é seu âmbito mais reduzido, pois embora compreenda os
sete anos de vigência dos crimes introduzidos pela Lei nº 10.303/2001 (março de 2002 a março de 2009),
a pesquisa ficou restrita aos fatos ocorridos no Estado do Rio de Janeiro. A opção por um recorte tão
pequeno se deveu a dois fatores: em primeiro lugar, o limite de um ano para conclusão da pesquisa; e, em
segundo lugar, a dificuldade de obter dados relativos à instauração de inquéritos e processos em outros
Estados da Federação. 3 A CVM está legalmente obrigada a reportar ao Ministério Público todos os fatos que possam constituir,
em tese, crime, como se vê do art. 12, da Lei nº 6.385/76: “Quando o inquérito, instaurado de acordo com
o § 2º do art. 9º, concluir pela ocorrência de crime de ação pública, a Comissão de Valores Mobiliários
oficiará ao Ministério Público, para a propositura da ação penal”.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 906
(CVM), e se os autores de crimes econômicos continuariam excluídos do rol de
criminosos reconhecidos e punidos pelo sistema judiciário penal.
Os dados foram obtidos por meio de requerimentos formais apresentados ao
Superintendente-Geral da CVM, ao chefe da Procuradoria da República no Estado do
Rio de Janeiro e ao Juiz Federal Diretor do Foro da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
Os requerimentos protocolados deram ensejo à instauração de procedimentos
administrativos que culminaram com a expedição das certidões que servem como base
para as análises realizadas.
Não obstante haja tipos penais cuja fiscalização e punição administrativa já
fosse realizada pela CVM4, optou-se por analisar apenas os crimes contra o mercado de
capitais criados pela Lei nº 10.303/2001 (artigos 27-C, 27-D e 27-E, acrescentados à Lei
nº 6.385/76), conhecidos como “uso de informação privilegiada”, “manipulação de
mercado” e “exercício irregular de profissão”.
Tais crimes prejudicam a eficiência e a transparência na formação do preço
dos títulos negociados no mercado de capitais, trazendo riscos e diminuindo a confiança
dos investidores no mercado mobiliário, violam a igualdade de acesso às informações,
afetam o interesse social consubstanciado na exigência legal de que as operações sejam
realizadas exclusivamente por agentes autorizados e registrados junto aos órgãos
competentes e, em última análise, colocam em risco o patrimônio dos investidores.
O presente artigo resume o trabalho de pesquisa realizado. Nas três primeiras
partes, o artigo tratará de conceitos básicos relativos ao sistema penal, aos crimes
econômicos e aos tipos penais e infrações administrativas ligadas ao mercado de
capitais. Em seguida, são apresentados os dados coletados e explicitadas as limitações
vivenciadas para sua obtenção e, finalmente, apresentadas hipóteses para uma
investigação mais profunda das causas do pequeno número de processos criminais
relacionados a esses crimes.
1 – A seletividade do sistema penal nos crimes econômicos
O sistema penal compreende o conjunto das regras relativas à definição das
condutas criminosas, identificação, persecução e julgamento de seus autores e, ainda, a
execução das penas eventualmente impostas em decorrência de uma decisão judicial5.
4 Como, por exemplo, os crimes previstos no art. 177, do Código Penal e no art. 7º, da Lei nº 7.492/86. 5 “Devemos distinguir entre direito penal e sistema penal. Provisoriamente, diremos que o direito penal é
o conjunto de normas jurídicas que prevêem os crimes e lhes cominam sanções, bem como disciplinam a
incidência e validade de tais normas, a estrutura geral do crime, e a aplicação e execução das sanções
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Trata-se da institucionalização do controle social6 em sua forma mais intensa, já que as
normas jurídicas são aquelas às quais o grupo social recorre após frustradas as regras de
convivência não formalizadas.
Dentre as normas jurídicas, as de natureza penal são subsidiárias, previstas
somente para casos específicos em que é preciso exercer o mais intenso grau de coação
sobre o indivíduo. Com efeito, o Direito Penal constitui a mais violenta expressão do
poder estatal sobre a liberdade individual e por isso tem sua aplicação justificada
unicamente quando caracterizada a imperiosa necessidade.
Por sua vez, o Direito Processual Penal tem como finalidade dotar o indivíduo
de garantias por meio do estabelecimento de regras para que esse exercício da violência
estatal não seja arbitrário e permita, de alguma forma, que o indivíduo confronte o poder
do Estado no curso de um processo.
Essas características do sistema penal estão diretamente conectadas à
exigência de estrita observância aos princípios decorrentes do Estado de Direito e da
Democracia. Um exemplo de limitação democrática à soberania popular é a exigência
de que uma condenação esteja baseada na verdade processual (alcançada no curso do
processo). Nem mesmo o consentimento da maioria da comunidade ou mesmo de sua
totalidade autoriza que se aceite como válida uma decisão que não tenha sido submetida
à comprovação e efetivamente comprovada de acordo com as regras processuais
penais7.
cominadas. Há outros conjuntos de normas que estão funcionalmente ligadas ao direito penal: assim, o
direito processual penal, a lei de organização judiciária, a lei de execução penal, os regulamentos
penitenciários, etc. Criadas por esses conjuntos, ou a ele subordinadas, existem instituições que
desenvolvem suas atividades em torno da realização do direito penal”. (BATISTA, Nilo: Introdução
Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990, p. 24). 6 Na visão da criminologia crítica, o controle social tem como finalidade a manutenção de um
determinado sistema de valores, sendo certo que as instâncias formais (agências administrativas, polícia,
Ministério Público, Judiciário) desempenham um papel fundamental nessa estrutura de controle,
sobrepondo-se em larga escala às instâncias informais (família, igreja, comunidade). “As análises críticas
revelam como a disciplina social é um elemento essencial e funcional ao modo capitalista de produção.
Como este se apresenta historicamente fases diversificadas, em cada uma delas há uma particular manifestação disciplinar ou de controle social”. (CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de: O Controle Penal
nos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 37) 7 “Não se pode sacrificar a liberdade de um homem, de quem não se tenha verificado a responsabilidade
penal, no interesse e na vontade de todos. Este é, como se verá, um postulado político fundamental do
liberalismo penal, que exclui tanto a justificação meramente instrumentalista ou utilitarista quanto a
consensualista ou democrática das decisões punitivas. No direito penal, a única justificação aceitável das
decisões é representada pela verdade de seus pressupostos jurídicos e fáticos, entendida a „verdade‟
precisamente no sentido da „correspondência‟ mais aproximada possível da motivação às normas e aos
fatos julgados. Só se referidos à verdade como correspondência podem os critérios da coerência e da
aceitabilidade justificada impedir, de fato, a prevaricação punitiva pelo único interesse ou vontade mais
ou menos geral e vincular o juízo à estrita legalidade, ou seja, aos fatos empíricos previamente denotados
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De igual forma, o respeito ao Estado de Direito implica no reconhecimento de
que toda intervenção na liberdade individual deve ocorrer de forma segura, o que
acarreta, inexoravelmente, uma resposta sub-ótima da legislação às demandas sociais.
O Estado está sempre um passo atrás na sua tarefa de identificar condutas consideradas
danosas e torná-las criminosas, e também não pode lançar mão de todos os expedientes
disponíveis para obter provas que levariam à condenação (como a utilização de provas
ilícitas, por exemplo).
Inobstante essa “ineficiência” ser inerente ao sistema penal, os meios de
comunicação e a sociedade em geral têm a percepção de que o sistema penal opera de
forma que essa ineficiência seja seletiva, privilegiando os autores de crimes econômicos
e atuando de forma mais grave e intensa sobre a população sem recursos econômicos.
Pesquisas recentes têm se debruçado sobre dados que permitam averiguar se esse
sentimento corresponde à realidade brasileira.
No ano de 2008, o Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena da Escola de
Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas publicou a pesquisa “A aplicação da
Lei nº 7.492/86 nos Tribunais Regionais Federais e no Superior Tribunal de Justiça”8
na qual é apresentado um estudo estatístico dos julgamentos envolvendo crimes
econômicos. De acordo com os dados levantados pela pesquisa, a taxa de condenação
por crimes contra o Sistema Financeiro Nacional no Superior Tribunal de Justiça é de
66,7% dos casos em que o indivíduo já fora condenado em primeira e segunda
instância. Se considerados também os casos em que houve absolvição em primeiro ou
segundo grau, a taxa de decisões condenatórias no Superior Tribunal de Justiça alcança
a o percentual de 94,4%. Quando instado a se manifestar sobre o prosseguimento, ou
não, de inquéritos investigando crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, o Superior
Tribunal de Justiça decidiu em 75% das vezes que as investigações deveriam
prosseguir.
Tais números indicariam que o sistema criminal estaria operando de forma
especialmente intensa sobre os acusados de crimes econômicos. No entanto, como
mostrava o estudo de Wieko nos anos 80, talvez essa alta taxa de condenação decorra da
pela lei como puníveis” (FERRAJOLI, Luigi: Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. São Paulo:
RT, 2002, p. 56). 8 Disponível em http://virtualbib.fgv.br/dspace/handle/10438/2857. Acesso em 29 de dezembro de 2009.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 909
grande cifra negra9 dos crimes econômicos que não é levado ao conhecimento do Poder
Judiciário.
Uma outra referência é importante. Nesse mesmo ano de 2008, uma equipe de
pesquisa envolvendo professores da UFRJ e da UNB que estudou a aplicação da Lei nº
11.343/2006 (Lei de Drogas) constatou que “De acordo com a pesquisa e análise das
sentenças judiciais coletadas no Rio de Janeiro e em Brasília, somente os
‘descartáveis’ pequenos e microtraficantes, que representam os elos mais fracos da
estrutura do comércio de drogas ilícitas sofrem a intensidade da repressão, e ainda
recebem penas desproporcionais”10
. As conclusões dessa pesquisa tornam a reforçar o
argumento de que o sistema penal opera de forma seletiva privilegiando os segmentos
com maior poder econômico e estimulam pesquisas que possam revelar em que
momento essa seletividade ocorre.
No presente trabalho, optou-se por examinar a atuação das agências formais de
controle no âmbito administrativo e judicial na seleção dos casos que serão levados a
julgamento após a a identificação e punição administrativa (CVM), a investigação
(polícia), persecução penal (Ministério Público) e julgamento (Poder Judiciário).
O processo de criminalização é resultado da reação que a sociedade tem a
determinada conduta. Essa reação é responsável pela definição de determinados
comportamentos como crime (processo de etiquetamento penal ou labelling approach)
na criminalização primária e, de igual forma, na atuação dos atores encarregados pela
criminalização secundária. Também as agências formais de controle realizam processos
de etiquetamento ou estigmatização na definição de quais comportamentos serão
investigados, processados e punidos. Essa constatação explica a existência de uma cifra
oculta da criminalidade que cria uma diferenciação não-legislada entre criminosos e
não-criminosos, sendo estes últimos os que não passam pelo processo de criminalização
secundária.
9 A cifra negra pode ser definida como a diferença entre a criminalidade real – todos os delitos praticados
em um determinado espaço de tempo e em determinado local – e a criminalidade aparente – considerada
o número de casos que são efetivamente levados ao conhecimento das agências formais de controle. “É
absolutamente certo que nestes casos encontram-se aquelas atividades delitivas que não são facilmente
perceptíveis. Assim, aquelas condutas que não se dirigem diretamente contra uma vítima concreta, como
ocorre nos delitos contra o meio ambiente ou em outros que envolvam interesses menos difusos. Tais
delitos têm grande possibilidade de permanecer no campo obscuro da criminalidade (...)” (CERVINI,
Raul: Os processos de descriminalização. 2ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 196). 10 Disponível em http://www.mj.gov.br/main.asp?Team=%7B7393FACA%2DF9C1%2D42B0%2DBE
43%2D8F8756A587C8%7D. Acesso em 29 de dezembro de 2009.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 910
O fenômeno do etiquetamento na criminalização secundária está na raiz dos
processos de seletividade do sistema penal, cujo funcionamento diferenciado nos crimes
econômicos já fora identificado pelo sociólogo estadunidense Edwin H. Sutherland na
primeira metade do século passado11
. Sutherland explicava que a aplicação diferenciada
da lei poderia ser debitada a diversos fatores:
(1) status: o poder imuniza os “homens de negócio” em relação aos crimes, já que
incriminá-los poderá trazer problemas para o incriminador no futuro;
(2) homogeneidade cultural: juízes, administradores, legisladores e homens de negócios
possuem a mesma formação cultural, muitas vezes partilham as mesmas origens sociais
e essa homogeneidade faz com que não seja uma tarefa fácil caracterizar os criminosos
econômicos dentro do estereotipo do criminoso comum;
(3) a tendência ao abandono das sanções penais: as instituições tradicionais (Estado,
igreja e família) tinham abandonado a prática dos castigos;
(4) a relativa desorganização na reação aos crimes de colarinho branco: Sutherland
destacava que as violações das leis pelos homens de negócios são complexas e
produzem efeitos difusos. Não se tratam de agressões simples e diretas de um indivíduo
contra outro. Além disso, podem permanecer por muitos anos sem serem descobertas; e,
(5) a baixa reprovação social dessas condutas: as pessoas adotavam comportamentos
semelhantes em suas práticas cotidianas e mesmo os veículos de comunicação de massa
(normalmente acostumados a fiscalizar e denunciar às autoridades a prática de crimes)
não exprimiriam uma expressiva reprovação moral da coletividade a respeito dos crimes
do colarinho branco, em parte porque são fatos complexos, de difícil colocação
jornalística, mas, sobretudo, porque também os jornais pertencem a homens de
negócios, que às vezes são responsáveis por ilícitos análogos.
Sutherland chamou atenção para uma categoria de ilícitos que até então era
solenemente ignorada nos estudos conduzidos pelos sociólogos e criminólogos: os
crimes praticados por diretores das grandes corporações. De acordo com a pesquisa de
Sutherland, determinadas práticas adotadas na gestão do negócio empresarial
lembravam práticas semelhantes às de organizações criminosas. E mais: na opinião de
Sutherland, esse tipo de criminalidade era conseqüência do cinismo e do egoísmo dos
seus autores, afetando as bases sobre as quais se estrutura uma sociedade de forma
muito mais danosa do que simples crimes patrimoniais sem violência.
11 SUTHERLAND, Edwin H.: White collar crime – the uncut version. New Haven: Yale University
Press, 1983
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As causas da criminalidade econômica e as causas do funcionamento seletivo
do sistema penal não são objeto de estudo nesse trabalho. Nesse trabalho optou-se por
trabalhar exclusivamente com a face aparente da criminalidade econômica e o processo
de criminalização secundária, já que os meios de comunicação e a sociedade em geral
têm a percepção de que o sistema penal opera de forma seletiva, privilegiando os
autores de crimes econômicos e atuando de forma mais grave e intensa sobre a
população sem recursos econômicos. Nesse diapasão, considerou-se pertinente a análise
de dados que poderiam indicar se o sistema está funcionando para determinada classe de
crimes e, a partir daí, propor hipóteses de estudo que possam ser desenvolvidas em
outros estudos.
2 – Os novos crimes contra o mercado de capitais
A opção do legislador em transformar determinadas condutas relacionadas ao
mercado de capitais em crimes é produto de vários fatores dentre os quais, certamente, o
mais importante é a transformação social iniciada no final do século XX decorrente da
forte expansão nos processos de integração econômica, social e cultural. As grandes
distâncias geográficas foram demolidas pelo avanço da tecnologia de comunicação, pelo
acesso irrestrito à informação disponibilizada na rede mundial de computadores e por
vários outros avanços científicos. Essa nova ordem social trouxe consigo a valorização
de novos bens jurídicos e a conseqüente expansão do poder punitivo estatal, sobretudo
no tocante à punição de condutas lesivas (ou simplesmente que levem perigo) à
economia, ao meio-ambiente, às relações de consumo, à genética, às redes de
informática etc.
Esses novos bens jurídicos se caracterizam por seu caráter supraindividual e,
na maioria dos casos, pela sua estrutura como crimes de perigo, assim entendidos os
crimes em que não se exige a efetiva lesão para a consumação do delito, bastando
simplesmente que haja a exposição do bem jurídico a um perigo de dano12
.
Nesse sentido, a criminalização de condutas relativas ao mercado de capitais
(que até 2001 constituíam meras infrações administrativas) revela sua valorização no
sistema econômico e financeiro brasileiro. Na realidade, ao contrário do que ocorre nos
12 Afirma Claus Roxin que “os delitos de perigo concreto requerem que no caso concreto haja produzido
um perigo real para um objeto protegido pelo tipo respectivo”. Já os delitos de perigo abstrato são
"aqueles em que se castiga a conduta tipicamente perigosa como tal, sem que no caso concreto tenha de
ocorrer um resultado de exposição a perigo" (CLAUS, Roxin: Derecho Penal: Parte General.
Fundamentos. La Estructura de la Teoría del Delito. Madrid: Civitas, 1997, pp. 404 e 407,
respectivamente)
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 912
EUA, cujo sistema de financiamento direto das empresas por meio das negociações em
bolsa é prática disseminada há bastante tempo, a importância do mercado de capitais
brasileiro no desenvolvimento nacional acentuou-se a partir dos anos 1990, com a
abertura da economia depois de quase 30 anos de protecionismo econômico13
.
A partir dos anos 90 do século XX, a abertura da economia brasileira
impulsionou o desenvolvimento do sistema financeiro nacional, os investimentos
externos, a abertura de capital das empresas nacionais – tradicionalmente companhias
de capital fechado e de controle familiar – e, especialmente, a participação do pequeno
investidor no mercado de ações.
A constatação de que o mercado de capitais representa uma peça fundamental
para o desenvolvimento econômico brasileiro recente está diretamente ligada às funções
que essa ferramenta desempenha em uma sociedade capitalista de mercado. A
negociação de ações em bolsas de valores aumenta as alternativas de financiamento para
as empresas e reduz o custo do financiamento porque elimina a intermediação da
instituição financeira14
. Por outro lado, o crescimento do mercado de capitais deve vir
acompanhado de maior proteção ao investidor (seja por meio de mecanismos de
governança corporativa, seja pelo maior controle estatal).
É nesse contexto de rápido crescimento e do grande desenvolvimento do
mercado financeiro no Brasil que se constatou a necessidade de tutela penal das
infrações praticadas no mercado de capitais. A edição da Lei nº 10.303/2001,
adicionando os artigos 27-C, 27-D e 27-E à Lei nº 6.385/76 e criando os tipos penais de
manipulação de mercado, uso de informação privilegiada e exercício irregular da
profissão, constitui a mais recente modalidade de delitos ligados ao Direito Penal
13 É importante lembrarmos que o Brasil passou por um processo de industrialização e modernização
acelerado. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira
quadruplicou entre 1940 e 2000, passando de 41,2 milhões para 169,8 milhões de habitantes. No mesmo
período, a parcela da população que vivia nas cidades pulou de 31,3% da população para 81,2%. O êxodo
rural coincidiu com o desenvolvimento da indústria e do comércio. (IBGE. Tendências demográficas - Uma análise da população com base nos resultados dos Censos Demográficos 1940 e 2000. Disponível
em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/analise_populacao/1940
_2000/default.shtm. Acesso em 29 de dezembro de 2009.) 14 Para negociar ações em bolsa, é preciso que a empresa seja uma sociedade anônima de capital aberto. A
abertura do capital por meio do lançamento de ações em bolsa permite que uma empresa adquira mais
sócios, que contribuirão com investimento na sociedade, permitindo a expansão dos negócios em razão da
capitalização promovida. É uma forma de captação de recursos para a empresa. Além de se financiar, a
emissão de ações em bolsa oferece a possibilidade do empresário de obter mais liquidez em seu
patrimônio, podendo vender parte de suas ações quando precisar de dinheiro e recomprá-las
posteriormente. As empresas de capital fechado são aquelas em que a compra de ações não está
disponível a qualquer pessoa.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 913
Econômico, reforçando por meio do Direito Penal o controle estatal que já era exercido
pela CVM no âmbito administrativo.
A CVM tem atribuição de fiscalizar permanentemente as atividades e os
serviços do mercado de valores mobiliários e as companhias abertas, sendo ainda
responsável pela supervisão da organização, funcionamento e operações das bolsas de
valores, zelando pelo bom funcionamento do sistema de mercado de capitais. Os
poderes de fiscalização da CVM permitem examinar registros contábeis, livros ou
documentos das companhias abertas, das sociedades de investimento, dos consultores e
analistas de valores mobiliários, dos auditores independentes e ainda de outras pessoas
quaisquer, naturais ou jurídicas, que participem do mercado, ou de negócios no
mercado, quando houver suspeita fundada de fraude ou manipulação, destinada a criar
condições artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários. De modo a
prevenir ou corrigir situações anormais do mercado, a CVM tem ainda poder de
suspender a negociação de determinado valor mobiliário ou decretar o recesso de bolsa
de valores e proibir a prática de determinados atos considerados prejudiciais ao
funcionamento regular do mercado.
Se, no curso de sua atividade fiscalizatória, a CVM constatar comportamentos
que possam constituir infrações administrativas, ela deverá identificar seus autores,
comprovar as práticas e impor sanções (Art. 9º, V, da Lei nº 6.385/76), observadas as
regras do processo administrativo sancionador (PAS)15
. O Inquérito Administrativo (IA)
é a etapa investigativa que precede o PAS e se destina à apuração de indícios de atos
ilícitos no mercado de valores mobiliários (Art. 9º, § 2º, da Lei nº 6.385/76)16
.
Concluído o IA, deverá ser elaborado um relatório17
. Se estiverem presentes elementos
suficientes quanto à autoria e materialidade da infração será apresentado Termo de
Acusação (TA).
15 Caso constate infração das regras administrativas, a CVM impor as seguintes penalidades: advertência;
multa; suspensão do exercício de cargo de administrador de companhia aberta ou de entidade do sistema de distribuição de valores; inabilitação para o exercício dos cargos referidos no inciso anterior; suspensão
e cassação da autorização ou registro para o exercício das atividades de mercado. 16 O inquérito administrativo não é obrigatório. Caso já haja elementos suficientes de autoria e
materialidade da infração, as Superintendências da CVM poderão apresentar Termo de Acusação (TA),
providência que também poderá ser determinada pelo Superintendente Geral. 17 Desse relatório deverão constar: (1) nome e qualificação dos acusados; (2) narrativa dos fatos
investigados que demonstre a materialidade das infrações apuradas; (3) análise de autoria das infrações
apuradas, contendo a individualização da conduta dos acusados, fazendo-se remissão expressa às provas
que demonstrem sua participação nas infrações apuradas; (4) os dispositivos legais ou regulamentares
infringidos; e, (5) proposta de comunicação a órgãos públicos, se for o caso (art. 6º da Deliberação CVM
nº 538/08).
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 914
O Processo Administrativo Sancionador (PAS) constitui a fase do
procedimento administrativo em que há contraditório, e se inicia com a intimação do
acusado para apresentar defesa (§ 1º do art. 8º da Deliberação CVM nº 538/08) em face
do TA, e sua condução também compete à Superintendência de Processos
Sancionadores (Art. 20 do Decreto nº 6.382/08 e Deliberação CVM nº 538/08).
Formulado o TA, será facultada a manifestação prévia do investigado para que preste
esclarecimentos. Com ou sem a manifestação do acusado, o PAS estará pronto para ser
submetido a julgamento (arts. 27 e seguintes da deliberação CVM nº 538/08), o que será
feito pelo Colegiado da CVM, em sessão pública. Se o inquérito constatar a prática de
crime de ação pública, a CVM oficiará ao MPF, para a propositura da ação penal.
Um dispositivo que merece especial atenção na análise das regras
procedimentais de apuração de fatos no âmbito do direito administrativo sancionador
ligado ao mercado de capitais é o Termo de Compromisso (TC), previsto no Art. 11,
§ 5º, da Lei nº 6.385/76. O TC consiste em um acordo firmado entre o investigado e a
CVM, a critério exclusivo desta, para suspender o procedimento administrativo
instaurado para a apuração de infrações da legislação do mercado de valores
mobiliários. Nessa hipótese, o investigado se obriga a cessar a prática de atos
considerados ilícitos, corrigir as irregularidades e indenizar os prejuízos. Caso aceite as
condições desse TC, o investigado ou acusado não estará confessando a prática
imputada, nem reconhecendo a ilicitude da conduta analisada.
O TC poderá ser firmado em qualquer fase do PAS (mesmo depois do
oferecimento do Termo de Acusação) e impede que se prossiga na investigação. A única
exceção à celebração do TC é quando a conduta investigada puder constituir crime de
Lavagem de Capitais (§ 1º do art. 1º da Deliberação CVM nº 390/01). A previsão legal
da utilização do Termo de Compromisso para encerrar uma investigação institui o
princípio da disponibilidade da apuração administrativa. Em outras palavras, a CVM
não está obrigada a investigar todas as infrações administrativas de que tomar
conhecimento, ainda que elas possam caracterizar crimes.
Pesquisa recente divulgada em maio de 2009 pela Escola de Direito de São
Paulo da Fundação Getúlio Vargas (Direito GV) demonstrou que o termo de
compromisso é a forma de resolução de procedimentos administrativos mais utilizada
pela CVM18
. Foram analisadas 40 decisões da CVM envolvendo uso de informação
18 Disponível em http://www.direitogv.com.br/subportais/publicaçõe/NECP%20-%20crimes%20
financeiros%20_12jun2008_.pdf. Acesso em 29 de dezembro de 2009.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 915
privilegiada entre 2000 e 2009 (abrangendo, portanto, casos anteriores à criminalização
da prática do insider trading) verificando-se que em 57,5% dos casos foi celebrado
Termo de Compromisso (desse total, 8 termos de compromisso foram posteriormente
rejeitados pelo colegiado da CVM) e que entre 2008 e 2009 houve aumento do uso
desse instrumento de solução consensual. Dos 17 casos que foram transformados em
PAS, houve punição de todos os indiciados em 30% dos casos e punição parcial (com
alguns indiciados absolvidos) em 35% dos casos, sendo utilizada majoritariamente a
pena de multa (15 aplicações).
Uma das premissas mais importantes da negociação no mercado de capitais é o
princípio da transparência, segundo o qual todos aqueles que têm interesse em realizar
investimentos no mercado de capitais devem dispor das mesmas informações, a fim de
evitar que alguns sejam beneficiados em detrimento dos demais19
. Os crimes contra o
mercado de capitais são assim classificados porque afetam a transparência de
informações (acesso fácil, tempestivo e fidedigno) e a credibilidade nas operações20
.
Entretanto, passados mais de seis anos da edição da Lei nº 10.303/2001 (com
entrada em vigor em março de 2002), a pesquisa nos repositórios eletrônicos de
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça indicava,
no mês de julho de 2008 (quando se iniciou a pesquisa), a inexistência de qualquer
julgamento pelos tribunais superiores de casos criminais relacionados aos crimes contra
o mercado de capitais. A pesquisa realizada nos repositórios eletrônicos dos Tribunais
Regionais Federais indicava a mesma resposta: nenhum caso julgado em segunda
instância relacionado aos crimes criados pela Lei 10.303/2001.
A simples constatação de que em seis anos não houvera nenhum julgamento
em segunda instância relacionado a esses crimes indicaria, com maior probabilidade,
que o fenômeno da seletividade do sistema penal está ocorrendo nessa matéria. A
19 Em razão do fluxo de oferta e procura de cada ação, obtém-se o preço de mercado de determinado
papel. Além da oferta/procura por determinada ação, outros fatores influenciam a forma pela qual ocorre
o processo de valorização ou desvalorização de uma ação como, por exemplo: (1) as expectativas com relação ao futuro da empresa emissora da ação (se historicamente determinada empresa vem crescendo,
suas ações tornam-se mais valorizadas); (2) o desempenho financeiro em um determinado exercício (a
divulgação do balanço da empresa com dados favoráveis é fator que eleva o preço das ações, e vice-
versa); além de (3) outros episódios que possam influenciar o desempenho da empresa emissora da ação
(fusão de companhias, mudanças tecnológicas, enfraquecimento de empresas concorrentes etc.). 20 “A incriminação do abuso de informação pretende, por um lado, tutelar a confiança dos investidores
no correcto funcionamento do mercado e, por outro, proteger a decisão economica individual no sentido
de que esta seja tomada em situação de igualdade de informação para todos os potenciais intervenientes
no mercado. Criando-se, assim, as condições de livre concorrência entre os investidores” (COSTA, José
de Faria e RAMOS, Maria Elisabete: O Crime de Abuso de Informação Privilegiada (insider trading).
Coimbra: Coimbra Editora, 1008, p. 37/38.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 916
proposta da pesquisa iniciada em 2008 era justamente dar o primeiro passo para que
esse panorama fosse esclarecido.
3 – Os crimes contra o mercado de capitais em espécie.
A primeira tarefa para avaliar o funcionamento das instâncias de controle
formal dos crimes contra o mercado de capitais consistiu no estudo da atuação da CVM.
Por conseguinte, foram identificadas as infrações administrativas que correspondem
aos crimes contra o mercado de capitais. Isso permitiu a verificar a taxa de ocorrência
dessas infrações e utilizar esse número como parâmetro para a taxa provável de crimes.
A identidade terminológica entre o tipo penal e a infração administrativa indica de
forma precisa que a criação dos novos crimes contra o mercado de capitais consistiu no
mero reforço de punição da mesma conduta já sancionada pelo direito administrativo e
não na proteção de um bem jurídico distinto21
.
3.1) Manipulação de mercado ART. 27-C, LEI Nº 6.385/76: “Realizar operações simuladas22 ou executar outras manobras fraudulentas23, com a finalidade de alterar artificialmente24 o regular funcionamento dos
mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado
de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou
lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros: Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito)
anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do
crime.”25
O crime de manipulação de mercado compreende as condutas que se traduzem
em operações aparentemente regulares, mas que são controladas por agentes de forma a
violar o livre jogo da oferta e da procura. Essas ações podem ocorrer por meio de
simulação ou fraude, sendo certo que essas ações não estão definidas em lei. A
21 “Apesar da inserção no ordenamento jurídico de tipos penais em tudo similares às infrações
administrativas que os inspiraram, estabelecendo penas bastante graves aos infratores, inclusive
pecuniárias, é certo que a administração, no caso a CVM, e, em segundo grau, o Conselho de Recursos do
SFN, não deixará de exercer suas atividades disciplinadoras e sancionadoras, continuando a aplicar, no
âmbito de suas respectivas atribuições, sempre que verificar aquelas infrações, as penalidades previstas
nas suas instruções normativas, acarretando, não raras vezes, duplicidade de punição” (CASTELLAR,
João Carlos. Insider trading e os novos crimes corporativos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 33). 22 O conceito de simulação está na instrução CVM nº 08/79: “utilização de qualquer processo ou artifício
destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário,
induzindo, terceiros à sua compra e venda”. 23 Operação fraudulenta é “aquela em que se utilize ardil ou artifício destinado a induzir ou manter
terceiros em erro, com a finalidade de se obter vantagem ilícita de natureza patrimonial para as partes na
operação, para o intermediário ou para terceiros” (instrução CVM nº 08/79). 24 A alteração artificial de mercado está definida na instrução CVM nº 08/79: “condições artificiais de
demanda, oferta ou preço de valores mobiliários [são] aquelas criadas em decorrência de negociações
pelas quais seus participantes ou intermediários, por ação ou omissão dolosa provocarem, direta ou
indiretamente, alterações no fluxo de ordens de compra ou venda de valores mobiliários”. 25 O ilícito administrativo correspondente está disposto na Instrução CVM nº 08/79.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 917
integração dos elementos normativos “operação simulada” e “operação fraudulenta” é
feita utilizando-se as regras administrativas.
A primeira constatação que se faz ao comparar o tipo penal com a infração
administrativa é a de que a lei penal, justamente aquela que deveria estar mais
fortemente amarrada pelo princípio da legalidade, deixou de descrever com precisão os
elementos que integram o tipo, ao contrário da norma administrativa. Conseqüência
dessa opção é a obrigação de que o intérprete da lei penal integre os elementos
normativos do crime a partir da norma administrativa.
Outra importante constatação é que, ao contrário da infração administrativa, o
tipo penal possui como elemento subjetivo o “fim de obter vantagem indevida, ou lucro
para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros”. Essa característica do tipo penal
impõe que se faça uma escolha acerca da natureza desse crime para efeito da sua
consumação. Se se considera que o crime é de perigo – como faz José Carlos Tórtima26
–, basta a realização de operações simuladas ou fraudulentas, sem que seja necessária a
obtenção do resultado (vantagem, lucro ou prejuízo) para a consumação do crime.
No direito português, Alexandre Brandão da Veiga27
conceitua operações
fictícias como sendo aquelas em que a) não se pretende que o contrato seja cumprido
(há um dever de entrega ou transferência de valores e pagamento de preço, mas desde o
princípio não se pretende que os valores sejam entregues e o preço pago; ou, b) quando
há um desvio funcional na operação (quando há efetivamente a transferência de valores
e pagamento de preço, mas não há realmente translações patrimoniais. Já a operação
fraudulenta é aquela “que acarreta perigo abstrato de enganar terceiros, de os induzir
em erro”28
.
A própria definição que se dá aos conceitos de “ficção” e “fraude” já seria
elemento suficiente para que se afirmasse que o autor português acredita que esse tipo
penal é de perigo, mas não é excessivo transcrever a passagem em que ele faz tal
afirmação de forma expressa:
26 TORTIMA, José Carlos: Crime contra o mercado de capitais. In Discursos sediciosos, nº 12. Rio de
Janeiro: Revan, 2002. 27 Crime de Manipulação, defesa e criação de mercado. Coimbra: Almeidina, 2001, p. 51/52. “Com
efeito, fictício é aquilo em que a aparência não traduz a realidade. Ora uma expressão de um nexo
genético diversa do que vem a ser o nexo funcional de um negócio encobre a substância mesma do
negócio. Em última análise, o que temos aqui presente é uma situação de opacidade. Ora, como iremos
verificando ao longo do presente trabalho, neste caso é em última análise a transparência que está aqui em
causa, a sua colocação em perigo”. 28 Crime de Manipulação, defesa e criação de mercado. Coimbra: Almeidina, 2001, p. 61/62
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 918
“Uma informação falsa divulgada pode não trazer perigo concreto nenhum
para o mercado, na medida em que todo ele já conhece entretanto a verdade
dos factos. De igual modo, uma operação fictícia pode não gerar perigo
concreto de engano, na medida em que todo o mercado já conhece a sua
natureza fictícia. O que releva é a natureza abstracta do perigo. De igual
forma, por práticas fraudulentas tem de se entender práticas que geram
perigo abstracto de induzir terceiros em erro”29
.
Por outro lado, se o tipo penal for interpretado como de resultado – opção de
João Carlos Castellar30
– é preciso, além da comprovação da conduta do agente, a
demonstração que ela se mostre capaz de afetar o bem jurídico “patrimônio”. Se não
houver a efetiva alteração no regular funcionamento do mercado, não é possível falar-se
no crime do art. 27-C, sendo preferível classificar a conduta como um dos crimes da Lei
nº 7.492/8631
ou como uma das fraudes tipificadas no Código Penal, conforme o caso.
Com efeito, na opinião dos autores somente se pode dizer que uma
determinada operação com valores mobiliários é capaz de alterar o funcionamento do
mercado de capitais com finalidade de obter lucro ou gerar prejuízo quando isso
efetivamente ocorre, não sendo lícita, em nossa opinião, a simples presunção de que
qualquer operação fraudulenta tenha esse potencial32
.
Mesmo a análise a posteriori, que caracteriza o perigo concreto sustentado por
Tórtima, nos parece perigosa. O mercado de capitais é extremamente sensível e, ao
mesmo tempo, altamente capaz de se adaptar e responder a diferentes estímulos, o que
nos permite afirmar que uma determinada operação, mesmo capaz, em tese, de alterar o
funcionamento do mercado, talvez não gerasse esse efeito.
29 VEIGA, Alexandre Brandão da: Crime de Manipulação, defesa e criação de mercado. Coimbra:
Almeidina, 2001, p. 61/62. 30 CASTELLAR, João Carlos. Insider trading e os novos crimes corporativos. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. 31 “Art. 7º Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários: I - falsos ou
falsificados; II - sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições divergentes
das constantes do registro ou irregularmente registrados; III - sem lastro ou garantia suficientes, nos
termos da legislação; IV - sem autorização prévia da autoridade competente, quando legalmente exigida”;
“Art. 9º Fraudar a fiscalização ou o investidor, inserindo ou fazendo inserir, em documento
comprobatório de investimento em títulos ou valores mobiliários, declaração falsa ou diversa da que dele deveria constar”. 32 “Se levarmos em consideração que no cotidiano do mercado de valores mobiliários se realizam uma
infinidade de operações e manobras, identificar quais delas provocam dolosamente alterações no fluxo de
ordens de compra ou venda de valores mobiliários ou se constituem em ardil ou artifício destinado a
induzir ou manter terceiros em erro, com a finalidade de se obter vantagem ilícita de natureza patrimonial
para as partes na operação, para o intermediário ou para terceiros e, ainda, com a finalidade de alterar
artificialmente o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários em bolsa de valores, de
mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, será tarefa
extremamente difícil, sobretudo porque a pura e simples especulação com os títulos ali transacionados é
algo perfeitamente legítimo aos operadores” (CASTELLAR, João Carlos. Insider trading e os novos
crimes corporativos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 71/72).
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 919
Outra questão delicada na interpretação do tipo penal de manipulação de
mercado está na definição do que seria “alterar artificialmente o regular funcionamento”
do mercado. Embora o direito administrativo indique o que se deve entender por
“artificialmente” (art. I, da Instrução CVM nº 08/79), não há nenhuma definição do que
consiste o “regular funcionamento”, passível de ser alterado de forma artificial. Trata-se
de questão importante porque se o funcionamento não for irregular não estará presente
um dos elementos do tipo tornando a conduta criminalmente atípica.
No direito português, Alexandre Brandão da Veiga destaca a existência de
quatro teses para a definição do funcionamento regular do mercado33
:
1) a tese da regularidade estatística, que é medida a partir dos dados estatísticos sobre o
funcionamento do mercado: Alexandre Brandão da Veiga discorda do uso dessa tese
para avaliação do funcionamento irregular, já que o funcionamento do mercado de
capitais tem natureza caótica e regularidade estatística seria aferível apenas olhando um
passado que não se repetiria necessariamente. Além disso, “os agentes do mercado não
são guardiães da harmonia de curvas do comportamento financeiro enquanto tais”34
.
2) a tese da regularidade típica: baseado na regularidade estatística é elaborado um
modelo ideal de mercado que leva ainda em consideração outros fatos sociais. De
acordo com essa tese, o funcionamento irregular seria a variação desse mercado de
modo que os operadores o considerassem anormal.35
3) a tese da regularidade jurídica: o simples descumprimento de regras configuraria o
funcionamento irregular do mercado36
.
4) a tese da regularidade causal: aferida a partir da análise de cada operação, de cada
instituto e da sua função relativamente ao mercado, sem descurar da verificação do
elemento subjetivo.
33 VEIGA, Alexandre Brandão da: Crime de Manipulação, defesa e criação de mercado. Coimbra:
Almeidina, 2001, p. 68/71. 34 VEIGA, Alexandre Brandão da: Crime de Manipulação, defesa e criação de mercado. Coimbra:
Almeidina, 2001, p. 68/69: “A idéia é que o mercado se forma coerente e equlibradamente pela actuação
de vários egoísmos que têm o direito de ignorar os interesses alheios. Exigir a regularidade estatística seria exigir que o agente não se determinasse pelo seu interesse (princípio do hedonismo), mas estivesse
limitado na expressão e realização dos seus interesses pelos movimentos passados do mercado”. 35 Alexandre Brandão da Veiga questiona essa tese porque “muitas crises de mercado mais não foram do
que o ajustamento do mesmo à realidade, verificando-se que a sua regularidade típica, vista como normal
e aceite pela consciência comum como evidente, era meramente aparente. Muitas crises bolsistas são
disto exemplo”. VEIGA, Alexandre Brandão da: Crime de Manipulação, defesa e criação de mercado.
Coimbra: Almeidina, 2001, p. 70 36 Mais uma vez é útil citar a discordância de Alexandre Brandão da Veiga: “Esta posição pecaria pelo
excesso, alargando os limites típicos para além do que seria admissível segundo o princípio da tipicidade
e o Estado de Direito”. VEIGA, Alexandre Brandão da: Crime de Manipulação, defesa e criação de
mercado. Coimbra: Almeidina, 2001, p. 70
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 920
Por sua vez, o ilícito administrativo considera puníveis, separadamente, as
práticas de (1) criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores
mobiliários, (2) manipular preços, (3) realizar operações fraudulentas e, (4) usar práticas
não eqüitativas. Ao contrário do tipo penal, que reuniu essas locuções verbais em um
único tipo, o ilícito administrativo pune as condutas isoladamente, sem que se manifeste
qualquer relação entre elas.
Também diferentemente do que fez a lei penal, a norma administrativa
descreve com precisão exatamente o que significam as expressões “condições artificiais
de demanda”, “manipulação de preços” e “operação fraudulenta”.
No que tange ao sujeito ativo do crime, o ilícito administrativo se refere
expressamente aos administradores e acionistas de companhias abertas, aos
intermediários e aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, ao
contrário do tipo penal, que não faz menção ao sujeito ativo.
Em conclusão, a análise comparativa dos ilícitos penal e administrativo indica
que o tipo penal abrange um número maior de sujeitos ativos, facilitando a
responsabilização penal. Contudo, verifica-se a maior facilidade de incriminação no
plano administrativo em decorrência da punição de condutas separadamente, ao invés de
conjugadas como no tipo penal. Além disso, outra dificuldade de aplicação da lei penal
estaria na ausência de definição do conceito de “regularidade” do mercado, ausência
que, no âmbito do processo judicial, poderia ser considerada uma violação ao princípio
da tipicidade estrita.
A constatação de que o tipo penal é aberto ao passo que o tipo administrativo é
taxativo pode gerar maior ou menor facilidade de imposição de punições, conforme se
considere que o princípio da legalidade estrita deve ser respeitado – o que acarretaria a
impossibilidade de punição de condutas não descritas no tipo penal – ou não – caso em
que, além das condutas descritas na norma administrativa, outros comportamentos
poderiam ser considerados típicos.
3.2) Uso de informação privilegiada ART. 27-D, LEI Nº 6.385/76: “Utilizar informação relevante37 ainda não divulgada ao
mercado38, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo39, capaz de propiciar, para
37 A definição de ato ou fato relevante está prevista no art. 2º na Instrução CVM nº 358/2002: “Ato ou
fato relevante - decisões societárias ou eventos que sejam capazes de repercutir de modo ponderável: (1)
na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia; (2) na decisão dos investidores de comprar,
vender ou manter tais valores mobiliários; ou (3) no exercício de qualquer direito inerente à condição de
titular desses papéis”.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 921
si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro,
com valores mobiliários: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três)
vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.”40
O uso de informação privilegiada significa a realização de operações no
mercado de capitais por pessoas que, em razão de sua relação com a companhia, por
exemplo, possuem informações que o público não dispõe. Ao utilizar uma informação
antes que os demais dela tomem conhecimento, o insider antecipa-se à reação do
mercado àquela informação (impacto que se seguirá à divulgação da informação) e pode
comprar ou vender valores mobiliários em condições mais vantajosas do que os demais
investidores41
.
Há quem veja nisso uma prática inerente às características do próprio mercado
de capitais42
, mas tal prática gera, indiscutivelmente, um desequilíbrio nas condições de
igualdade de oportunidade que caracterizam o mercado. Com efeito, a confiança que os
investidores depositam não somente no funcionamento do mercado (expectativa de
igualdade de oportunidades negociais), mas principalmente nos administradores que
gerem as companhias cujos papéis são negociados, fica diminuída diante da
38 O dever de divulgar informação relevante está previsto no art. 157, §4º, da Lei nº 6.404/76 “Os
administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a
divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da
companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na
decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia” e arts. 3º a 7º da Instrução CVM nº 358/2002. O art. 157, da Lei nº 6.404/76 prevê exceções ao dever de
divulgar a informação relevante: “§ 5º Os administradores poderão recusar-se a prestar a informação, ou
deixar de divulgá-la, se entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da companhia,
cabendo à CVM, a pedido dos administradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir
sobre a prestação de informação e responsabilizar os administradores, se for o caso”. 39 O dever de sigilo recai sobre as pessoas abrangidas pelo art. 155, Lei nº 6.404/76 e art. 8º da Instrução
CVM nº 358/2002. 40 Os ilícitos administrativos correspondentes estão previstos nos seguintes dispositivos: Art. 155, Lei nº
6.404/76 e Instrução CVM Nº 358/2002. 41 “What is illegal is when an insider trades on information that is confidential or not available to the
general public, such as advance knowledge regarding a new product or unanticipated profits or losses. Trading on nonpublic information, or tipping other people who then trade is said to undermine the fair
and honest operation on our securities markets” (SZOCKYJ, Elizabeth: Insider Trading. In GEIS,
Gilbert; MEIER, Robert F.; SALINGER, Lawrence: White-Collar Crime – Classic and Contemporary
Views. 3a ed., Nova York: The Free Press, 1995, p. 228). 42 É o caso de Antonio Monroy Anton (El abuso de informacion privilegiada em el mercado de valores.
Madri: Dijusa, 2006), citado por Castellar (CASTELLAR, João Carlos. Insider trading e os novos crimes
corporativos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, PP. 114/115), para quem a atuação do insider não gera
prejuízo para investidores, evita oscilações bruscas no preço dos papéis pois antecipa a variação real que
advirá quando a informação for de conhecimento público, estimula a atividade empresarial dos gestores
das companhias que vêem nisso um potencial maior de ganho financeiro e, ainda, porque essas
desigualdades são inerentes ao próprio conceito de mercado.
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possibilidade de que seu patrimônio (ou suas oportunidades de negócio) seja afetado em
razão da ação do insider43
.
Verifica-se, portanto, que o uso de informação privilegiada é um tipo oposto
ao da manipulação de mercado. Neste, o agente faz uso de uma informação falsa ou cria
uma simulação de fatos que não ocorrem na realidade com o intuito de obter lucro no
mercado de capitais; já no crime de insider o agente utiliza uma informação fidedigna
para essa mesma finalidade, porém de forma exclusiva e antes que tal informação venha
a público.
Ao punir a conduta do agente que se vale de uma informação privilegiada para
obter lucro, o legislador pretendeu desestimular a prática que viola o princípio da
transparência no mercado de capitais e cria empecilhos à livre concorrência, ou seja, o
livre acesso à informação e a igualdade de oportunidades na negociação dos valores
mobiliários44
.
Uma situação delicada é o exercício, pelos administradores de companhias, do
direito de aquisição de ações da própria companhia (instrumento de remuneração dos
administradores bastante comum devido à vantagem de associar o interesse do gestor ao
interesse dos acionistas – já que ele próprio é acionista45
).
Imaginemos um administrador cujo plano de bonificação preveja o direito de
optar por receber sua remuneração em ações ao invés de dinheiro e que o prazo para
essa opção seja entre os meses de novembro e dezembro. Esse administrador está
obrigado a fazer a divulgação de um fato relevante que causará a diminuição do valor
43 “Poder-se-á, ainda, questionar se a sociedade envolvida (emitente das acções que foram objecto da
transacção) foi afectada em seu prestígio – „reputational harm’, nas palavras de Clark – e até no seu
património. A falta de confiança dos investidores – gera-se a suspeita de que aquele título é alvo de
insider trading – pode conduzir à depreciação de seu valor de mercado. Não é de se afastar ainda que a
entidade emitente sofra prejuízos porque os administradores estão motivados para capturar os ganhos
próprios do insider trading, em vez de se empenharem na missão de diligente e construtiva gestão da
sociedade”. (COSTA, José de Faria e RAMOS, Maria Elisabeth: O crime de abuso de informação
privilegiada (insider trading) – A informação enquanto problema jurídico-penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006, p. 36). 44 “A incriminação do abuso de informação pretende, por um lado, tutelar a confiança dos investidores no
correcto funcionamento do mercado e, por outro, proteger a decisão econômica individual no sentido de que esta seja tomada em situação de igualdade de informação para todos os potenciais intervenientes no
mercado. Criando-se, assim, as condições de livre concorrência entre os investidores” (COSTA, José de
Faria e RAMOS, Maria Elisabeth: O crime de abuso de informação privilegiada (insider trading) – A
informação enquanto problema jurídico-penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 37). 45 “Neste ambiente de assimetria informativa entre administradores e accionistas – que o direito a
informação destes últimos permite atenuar – os planos de aquisição de acções apresentavam-se como o
incentivo adequado e eficaz para conseguir o alinhamento dos interesses dos administradores com o dos
accionistas. Nos últimos anos, os planos de aquisições de acções têm sofrido ataques que põem em crise a
eficácia destes instrumentos de remuneração dos administradores” (COSTA, José de Faria e RAMOS,
Maria Elisabeth: O crime de abuso de informação privilegiada (insider trading) – A informação enquanto
problema jurídico-penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 97).
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das ações e deverá fazê-lo no início de novembro; por outro lado, já é possível antever
que em dezembro será divulgado o melhor resultado da empresa em vários anos, o que
elevará o preço das ações novamente. O exercício do direito de aquisições das ações
entre um e outro fato relevante constituiria o uso de informação privilegiada? Estaria o
gestor obrigado a adquiri-las antes da divulgação do primeiro fato? Se o fizesse o a
queda fosse muito menor do que a posterior elevação, haveria crime? Será que o gestor
deveria aguardar a divulgação dos lucros para exercer seu direito de aquisição? E se
esse direito expirasse antes da data prevista para a divulgação dos resultados do ano?
Como se vê, são muitas as zonas de interseção entre o direito legítimo de remuneração
do administrador e o abuso das informações inerentes a esse cargo.
A efetiva aplicação do tipo penal apresenta algumas outras questões delicadas,
como a definição de quem pode praticar o crime. Comparando-se o tipo penal com o
administrativo, o que se constata é a maior amplitude de sujeitos ativos e situações em
que se aplica o tipo administrativo. Uma interpretação restritiva do tipo penal (como
deve ser sempre a interpretação dos crimes) indica que somente pode ser sujeito ativo
do crime a pessoa que estiver submetida ao dever legal de sigilo.
Aqui cabe uma distinção entre aqueles a quem a lei determinou um dever de
sigilo46
e àqueles que a lei proíbe de negociar ações47
. Embora o tipee (aquele que
recebeu a dica do tipper) não possa fazer as operações, está sujeito apenas às sanções
administrativas, já que a lei penal exige que o autor do crime esteja submetido ao dever
de sigilo, algo que as normas administrativas não impuseram a todos que recebem a
informação privilegiada.
A punição de quem não é sujeito ativo poderá ocorrer se houver participação
de alguém que ostente essa condição, situação em que se aplica a regra do art. 29 do
Código Penal (como, aliás, ocorre com a pessoa estranha à administração e pratica
crime próprio de funcionário público por meio do concurso de pessoas).
Também é importante investigar se o crime de uso de informação privilegiada
constitui um tipo penal de dano, de perigo concreto ou de perigo abstrato. Para José
46 Art. 155, § 1º da Lei 6.404/76: “Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar
sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado,
obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-
lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou
venda de valores mobiliários”. 47 Art. 155, § 4º da Lei 6.404/76 “É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por
qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem,
no mercado de valores mobiliários”.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 924
Carlos Tórtima48
basta a realização de operações simuladas ou fraudulentas, sem que
seja necessária a obtenção do resultado (vantagem, lucro ou prejuízo) para a
consumação do crime. Já João Carlos Castellar entende que “a conduta do agente só se
realiza integralmente com a efetiva obtenção da vantagem ilícita, quando se realiza o
resultado que vulnera o bem jurídico, qual seja, a confiança que inspira os investidores
a aplicarem seu capital no mercado de valores mobiliários” 49
. Seguindo essa linha de
raciocínio, o agente que adquire ações de posse de informação privilegiada, divulga-a
aguardando uma valorização no preço para vendê-la, mas a valorização não ocorre por
motivos alheios à sua atuação, praticaria o crime na modalidade tentada.
Discorda-se de ambos os posicionamentos. Inicialmente, é preciso reconhecer
que o tipo está redigido de forma a punir a mera utilização, pois o núcleo do tipo é
“utilizar” informação “capaz de propiciar” a vantagem. Logo, a obtenção da vantagem
seria mero exaurimento do crime. Por outro lado, também é forçoso reconhecer que a
mera “potencialidade” de uma informação não pode servir para embasar um decreto
condenatório, que se fundaria em simples presunção. E presunção estabelecida sob
bases muito frágeis. A dinâmica das negociações do mercado e os múltiplos fatores que
influenciam a cotação dos valores mobiliários não permite que se afirme com certeza
que a divulgação de um fato relevante efetivamente impactará o preço das ações. O
potencial de uma informação para influenciar na cotação de uma ação só pode ser
aferido a posteriori50
.
Logo, o crime de uso indevido de informação privilegiada deve ser entendido
como um crime de resultado, sendo certo que somente se consumará se o insider obtiver
vantagem patrimonial decorrente da valorização das ações em seguida à divulgação da
informação que ele detinha no momento da realização das operações.
A “capacidade de propiciar vantagem” – elemento do tipo – só é aferível após
o uso da informação, devendo ser avaliado: (1) se houve obtenção de vantagem para o
agente que se utilizou da informação privilegiada, ou; (2) se, mesmo não obtendo a
48 TORTIMA, José Carlos: Crime contra o mercado de capitais. In Discursos sediciosos, nº 12. Rio de
Janeiro: Revan, 2002. 49 CASTELLAR, João Carlos. Insider trading e os novos crimes corporativos. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008, p. 123. 50 Em sentido oposto sustenta Faria Costa, para quem “(...) a valoração da idoneidade [da informação para
influenciar de maneira sensível o preço dos valores mobiliários] deverá ser feita por intermédio de um
juízo ex ante, ou seja, deve tal juízo reportar-se a momento anterior ao da publicação da informação
privilegiada” (COSTA, José de Faria e RAMOS, Maria Elisabeth: O crime de abuso de informação
privilegiada (insider trading) – A informação enquanto problema jurídico-penal. Coimbra: Coimbra
Editora, 2006, p. 53).
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 925
vantagem, isso decorreu de intervenção de terceiros por motivo alheio a sua vontade; ou
ainda, (3) se da utilização da informação privilegiada não adveio nenhuma vantagem.
No primeiro caso, haverá a consumação do crime; no segundo caso, haverá a
tentativa (na hipótese, por exemplo, de a CVM, constatando a rápida valorização do
papel e a anterior realização de operações por pessoa ligada à companhia, bloquear a
transação); e, no terceiro caso, haverá uma conduta atípica, já que se tratava de
informação destituída de relevância.
3.3) Exercício irregular de profissão ART. 27-E, LEI 6.404/76: “Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores
mobiliários, como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador de carteira
coletiva ou individual51, agente autônomo de investimento52, auditor independente53, analista
de valores mobiliários54, agente fiduciário55 ou exercer qualquer cargo, profissão, atividade ou
função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2
(dois) anos, e multa.”
Ao contrário dos tipos penais anteriores, que constituem inovações em nosso
ordenamento jurídico, o delito de exercício irregular da profissão é um “velho
conhecido” do direito penal brasileiro. O exercício irregular da profissão nada mais é do
que uma variação da tradicional contravenção de exercício irregular de profissão,
prevista na Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei 3.688/41): “Art. 47. Exercer
profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as
condições a que por lei está subordinado o seu exercício. Pena – prisão simples, de
quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.”
Esse tipo de delito, que já contava com algumas variações56
, tem por
finalidade coibir a atividade profissional que depende de determinada autorização ou
51 A definição de administrador de carteira coletiva ou individual está prevista no art. 23, da Lei nº
6.385/76 e no art. 3º na Instrução CVM nº 306 de 05 de maio 1999. 52 A definição de agente autônomo de investimentos está prevista no art. 16, da Lei nº 6.385/76 e no art.
2º na Instrução CVM nº 434, de 22 de junho de 2006 (que substituiu o art. 4º da Instrução CVM nº
355/01). 53 A definição de auditor independente está prevista art. 26, da Lei nº 6.385/76 e nos arts. 1º e 35 da
Instrução CVM nº 308, de 14 de maio de 1999 (que substituiu os arts. 1º, 2º e 32 da Instrução CVM nº
216/94). 54 A definição de analista de valores mobiliários está prevista no art. 7º na Instrução CVM nº 388, de 30
de abril de 2003. 55 A definição de agente fiduciário está prevista nos arts. 1º e 21 da Instrução CVM nº 89/88. 56 Veja-se, por exemplo, o Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica, previsto no Art.
282, do Código Penal “Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou
farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites. Pena - detenção, de seis meses a dois
anos” e o exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado, previsto no art. 324, também do
Código Penal “Entrar no exercício de função pública antes de satisfeitas as exigências legais, ou continuar
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 926
habilitação e proteger os cidadãos que são ludibriados por pessoas que desenvolvem a
atividade sem possuírem os requisitos legais.
No caso específico do mercado de capitais, as atividades atualmente
regulamentadas são expressamente mencionadas no caput do art. 27-E, sem embargo de
que outras atividades venham a ser definidas e reguladas e, assim, agregadas ao tipo
penal em razão da expressão genérica contida no artigo “qualquer cargo, profissão,
atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado”. A pena
diferenciada – mais elevada do que a da simples contravenção – decorre da maior
valoração que se dá a esse tipo de atuação, resultante do risco para a confiança dos
investidores que uma operação em mercado realizada por profissional não autorizado
possa causar.
4 – Os dados coletados.
A pesquisa realizada teve por objetivo obter as seguintes informações:
Identificar o número total de fatos que ensejaram instauração de IA, PAS ou
celebração de TC pela CVM relacionadas às infrações administrativas subjacentes aos
crimes objeto de estudo, verificando se tais fatos foram objeto de representações
encaminhadas ao Ministério Público Federal no Estado do Rio de Janeiro pela CVM;
Identificar quantas representações ensejaram a instauração de inquérito, quantas
permitiram o imediato oferecimento de denúncia e quantas foram arquivadas.
Analisar os processos criminais iniciados, indicando quantos resultaram em
sentenças condenatórias e quantos resultaram em absolvições.
O primeiro passo foi identificar as infrações administrativas que
corresponderiam, em maior ou menor extensão, aos crimes objeto de estudo. A partir
daí, foram examinados os julgamentos do colegiado da CVM que tratavam das
infrações administrativas subjacentes aos crimes (mediante a leitura de seu inteiro teor)
para verificar se havia menção à expedição de comunicação ao MPF. Esses julgamentos
estão disponíveis para consulta pública no banco de dados da CVM na internet.
Posteriormente, verificou-se que tais dados não seriam suficientes, já que nem
todo julgamento menciona se houve remessa de ofício ao MPF e vice-versa (menção ao
ofício, sem comunicação efetiva). Além disso, vários casos que ainda não tivessem dado
a exercê-la, sem autorização, depois de saber oficialmente que foi exonerado, removido, substituído ou
suspenso. Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa”.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 927
ensejo à instauração de PAS poderiam ter sido objeto de comunicação ao Ministério
Público ainda na fase de inquérito administrativo.
Por todos esses motivos, protocolou-se pedido formal de expedição de certidão
dirigido ao Superintendente-Geral da CVM para que informasse todos os fatos
noticiados ao Ministério Publico Federal do Rio de Janeiro que, em tese, poderiam
constituir os crimes previstos nos artigos 27-C, 27-D e 27-E, da Lei nº 6.385/76. A
resposta da CVM é reproduzida na tabela abaixo.
Do universo de informações que poderia ser obtido, foram excluídos os fatos
ocorridos anteriormente à vigência da Lei 10.303/2001, que criou os novos crimes
contra o mercado de capitais. Verificou-se, ainda, a existência de 04 (quatro) casos em
que houve imposição de sanções administrativas e nos quais não consta a remessa de
representação ao MPF.
Crime em tese Nº do PAS / TA Julgamento pela CVM
Art. 27-D RJ 5627/2003 Aplicação de sanção sem expedição de ofício ao MPF. Não
houve recurso ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro
Nacional (CRSFN)
Art. 27-C RJ 2132/2004 Aplicação de sanção sem expedição de ofício ao MPF. Recurso
pendente de apreciação pelo CRSFN
Art. 27-E SP 0128/2005 Aplicação de sanção sem expedição de ofício ao MPF. Recurso
pendente de apreciação pelo CRSFN
Art. 27-E TA RJ 3618/2006 Arquivado por cumprimento de Termo de Compromisso (TC)
Art. 27-E TA RJ 4341/2006 Arquivado por cumprimento de TC
Art. 27-E TA RJ 4337/2006 Arquivado por cumprimento de TC
Art. 27-E TA RJ 4780/2006 Arquivado por cumprimento de TC
Art. 27-E TA RJ 5664/2006 Arquivado por cumprimento de TC
Art. 27-E TA RJ 5674/2006 Arquivado por cumprimento de TC
Art. 27-E TA RJ 3428/2007 Arquivado por cumprimento de TC
Art. 27-E TA RJ 3533/2007 Arquivado por cumprimento de TC
Art. 27-D PA 26/2006 Arquivado por cumprimento de TC
Art. 27-E TA SP 120/2007 Pendente de julgamento pela CVM
Art. 27-D PA 25/2003 SIM – Recurso pendente de apreciação pelo CRSFN
Art. 27-E; 27-C SP 445/2003 SIM – Recurso pendente de apreciação pelo CRSFN
Art. 27-D 04/2004 SIM – Recurso pendente de apreciação pelo CRSFN
Art. 27-D PAS 07/2004 SIM – Recurso pendente de apreciação pelo CRSFN
Art. 27-E RJ 4778/2006 SIM – Recurso pendente de apreciação pelo CRSFN
RESULTADOS NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO
Arquivamento em
razão de termo de
compromisso
47%
Pendente de
julgamento definitivo
32%
Aplicação de pena
sem remessa de
ofício ao MPF
21%
Aplicação de pena
sem remessa de
ofício ao MPF
Arquivamento em
razão de termo de
compromisso
Pendente de
julgamento
definitivo
PERCENTUAL DE OCORRÊNCIA POR TIPO DE CRIME
Manipulação de
mercado
10%
Uso de informação
privilegiada
24%
Exercício irregular
de profissão
66%
Manipulação de
mercado
Uso de
informação
privilegiada
Exercício
irregular de
profissão
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 928
A segunda etapa buscou identificar quantas representações ensejaram a
instauração de inquérito, quantas permitiram o imediato oferecimento de denúncia e
quantas foram arquivadas. Essa etapa apresentou duas dificuldades.
A primeira dificuldade consistia na fixação da competência territorial relativa
aos crimes contra o mercado de capitais. Embora não haja dúvidas acerca do critério
territorial para definição da competência criminal (competência ratione loci), há
dificuldade em se determinar, nesse tipo de crime, em que local foi praticada a infração.
O Código Penal considera como local do crime aquele local em que foi
praticada a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como o local onde se produziu o
resultado, ou ainda o local onde deveria produzir-se o resultado (art. 6º, do CP). Ocorre
que, conforme o tipo penal tratado, resultado de determinado não produz efeitos em um
único local. Como afirmar em qual local o crime de manipulação de um mercado
produz efeitos? Afinal, o mercado não tem existência física em um único local. E que
dizer do uso de informação privilegiada? Um agente que se vale da informação para
negociar valores mobiliários em outro Estado da federação pratica o crime em que
local?
Diante da multiplicidade de possibilidades para determinação do local do
crime (princípio da ubiqüidade), a CVM encaminha representações penais para
representantes do Ministério Público Federal em diferentes Estados da Federação,
tomando por critério o local em que estava sediada a companhia ou a corretora. Como
seria inviável, no curto espaço de tempo da pesquisa, levantar todos os fatos ocorridos
no Brasil, optou-se por restringir a pesquisa ao Rio de Janeiro.
A segunda dificuldade dizia respeito a incerteza sobre qual a jurisdição
competente para processar e julgar os crimes contra o mercado de capitais, se federal ou
estadual. A divergência (para fins dos dados objeto da pesquisa) foi solucionada pela
existência de um Termo de Cooperação Técnica assinado entre a CVM e o Ministério
Público Federal visando ao intercâmbio e à cooperação técnica e operacional
relacionados ao mercado de capitais e prevendo que as representações penais
relacionadas a crimes contra o mercado de capitais serão encaminhadas ao Ministério
Público Federal. Em outras palavras, tanto a CVM como o MPF consideram que é
competência da Justiça Federal processar e julgar os crimes contra o mercado de
capitais. Logo, foram utilizadas as informações constantes do banco de dados do
Ministério Público Federal do Rio de Janeiro.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 929
Finalmente, como os inquéritos policiais são procedimentos sigilosos, decidiu-
se formular pedido formal de expedição de certidão dirigido ao Procurador-Chefe do
Ministério Público Federal no Rio de Janeiro para que informasse quantos inquéritos
teriam sido instaurados para apurar fatos que pudessem os crimes previstos nos artigos
27-C, 27-D e 27-E, da Lei nº 6.385/76. A resposta do MPF é reproduzida na tabela
abaixo (reprodução do original como anexo nº 02).
Ano Inquéritos instaurados por representação da CVM Total de inquéritos
instaurados
2002 Nenhum Nenhum
2003 Nenhum Nenhum
2004 Nenhum Nenhum
2005 01 01
2006 01 01
2007 01 02
2008 01 02
TOTAL 04 inquéritos 06 inquéritos
A certidão expedida pelo MPF informa, ainda, que não houve nenhum
oferecimento de denúncia relativamente aos tipos penais da Lei nº 6.385/76, bem como
que há outros inquéritos que foram instaurados a partir de representações da CVM, mas
que não foi possível precisar de qual legislação é o referido tipo penal.
A terceira e última etapa identificaria quantos processos criminais foram
iniciados, indicando quantos resultaram em sentenças condenatórias e quantos
resultaram em absolvições. Não obstante a certidão expedida pelo MPF indicasse a
inexistência de ações penais, formulou-se pedido de certidão ao Diretor do Foro da
Seção Judiciária do Rio de Janeiro, solicitando que se informasse a quantidade de
inquéritos, medidas cautelares e ações penais relativas aos crimes contra o mercado de
capitais. Inicialmente, a Coordenadoria de Atendimento e Informações Processuais
expediu certidão informando a existência de 2419 inquéritos.
15
9
6 6
4
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Ofícios
expedidos pela
CVM
Arquivamento
por celebração
de TC
Aplicação de
punições
Inquéritos
policiais
instaurados
Inquéritos
instaurados a
partir de ofícios
CVM
Ofícios CVM x Inquéritos MPF
COMUNICAÇÃO DOS FATOS AO MPF
Remessa de
ofício ao MPF
83%
Aplicação de
pena sem
remessa de
ofício ao MPF
17%
Aplicação de
pena sem
remessa de
ofício ao MPF
Remessa de
ofício ao MPF
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 930
A enorme discrepância chamou a atenção dos pesquisadores que verificaram,
então, que a base de pesquisa fora o assunto 05.20.28 (crimes contra Sistema Financeiro
Nacional), código obtido na Tabela Única de Assuntos editada pelo Conselho da Justiça
Federal (CJF). Ora, a Lei 7.492/86 compreende vários outros crimes e não aqueles de
manipulação de mercado, uso de informação privilegiada e exercício irregular.
Solicitada a correção, foi expedida nova certidão posterior abrangendo o
assunto 05.20.26 (crimes contra o Mercado de Capitais), a qual, entretanto, trouxe
notícia da existência de apenas um inquérito. Essa segunda informação também era
discrepante com a informação prestada pelo MPF, o que levou os pesquisadores a
indagarem quais os tipos penais contidos no assunto 05.20.26. Verificou-se, então, que
o assunto 05.20.26 não abarca os tipos penais estudados na pesquisa, mas sim os crimes
previstos na Lei nº 4.728/65, os quais foram revogados pela Lei nº 7.492/8657
.
Conclusão
Desde o princípio da pesquisa, o fato de inexistirem ações penais versando
sobre crimes contra o mercado de capitais mesmo após seis anos de vigência da Lei que
criminalizou condutas que já constituíam infrações administrativas, intrigava os autores.
Essa constatação sugeria duas alternativas: (1) ou o mercado de capitais brasileiro é
habitado por investidores altamente éticos, que demonstram o maior respeito pelo
princípio da transparência, a despeito dos altos ganhos financeiros que as práticas
ilícitas podem propiciar; ou, (2) o sistema penal não tem sido capaz de detectar,
identificar, investigar, processar e julgar esses fatos.
Considerando que a segunda alternativa era passível de investigação e
comprovação, buscou-se mapear as infrações administrativas subjacentes aos crimes
57 A Lei nº 4.728/65 previa os seguintes crimes, revogados pelo artigo 7º, da Lei 7.492/86:
“Art. 72. Ninguém poderá gravar ou produzir clichês, compor tipogràficamente, imprimir, fazer,
reproduzir ou fabricar de qualquer forma, papéis representativos de ações ou cautelas, que os
representem, ou títulos negociáveis de sociedades, sem autorização escrita e assinada pelos respectivos
representantes legais, na quantidade autorizada. Art. 73. Ninguém poderá fazer, imprimir ou fabricar ações de sociedades anônimas, ou cautelas que as
representem, sem autorização escrita e assinada pela respectiva representação legal da sociedade, com
firmas reconhecidas.
§ 1º Ninguém poderá fazer, imprimir ou fabricar prospectos ou qualquer material de propaganda para
venda de ações de sociedade anônima, sem autorização dada pela respectiva representação legal da
sociedade.
§ 2º A violação de qualquer dos dispositivos constituirá crime de ação pública, punido com pena de 1 a 3
anos de detenção, recaindo a responsabilidade, quando se tratar de pessoa jurídica, em todos os seus
diretores.
Art. 74. Quem colocar no mercado ações de sociedade anônima ou cautelas que a representem, falsas ou
falsificadas, responderá por delito de ação pública, e será punido com pena de 1 a 4 anos de reclusão”.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 931
previstos nos artigos 27-C, 27-D e 27-E da Lei 6.385/76, levantar quantas vezes tais
condutas foram identificadas pela CVM, quantas vezes houve punição e, a partir desse
último número, descobrir qual o percentual de casos teria sido comunicado ao MPF.
Nesse ponto, a pesquisa constatou que a CVM encontrou indícios da prática desses
crimes em 19 casos, sendo 8 deles submetidos a punições (42,1%) e 11 objeto de termo
de compromisso (57,9%).
Em seguida, buscou-se identificar se tais fatos eram reportados ao MPF, a
quem competiria deflagrar inquéritos policiais para apuração dos crimes e ajuizar as
correspondentes ações penais. Constatou-se que a taxa de comunicação ao MPF é
bastante alta (83% dos casos), o que afasta a hipótese de Ela Wiecko mencionada no
início desse texto de que haveria um “filtro” na CVM que impediria que fatos que
poderiam constituir crimes contra o mercado de capitais chegassem ao conhecimento do
MPF. Por outro lado, verificou-se que a efetiva utilização dessas comunicações para
deflagrar a instaurações de inquéritos criminais é baixa (26,7%).
Ademais, a identidade entre o número de casos em que houve punições (6
casos) e instauração de inquéritos (6 casos) é bastante sintomático se considerarmos que
os casos restantes (9 casos) do universo identificado (15 casos), foi solucionado por
meio de Termo de Compromisso. Embora não seja possível afirmar que os inquéritos
instaurados pelo MPF no Rio de Janeiro sejam exatamente os mesmos casos ocorridos
no Rio de Janeiro e punidos pela CVM – devido à impossibilidade de exame dos
inquéritos policiais sigilosos – é possível supor essa relação, uma vez que celebrado o
Termo de Compromisso, cessam as investigações administrativas.
Caso esse paralelo seja efetivo, seria possível afirmar que a celebração do
Termo de Compromisso e a consequente finalização das investigações faz com que os
fatos levados ao conhecimento do MPF estejam desacompanhados dos elementos
mínimos que permitiriam a instauração de um inquérito policial. Outra possibilidade, é
que a celebração de acordo exerça um efeito dissuasório na formação da opinio delitci
do MPF, como se esse Termo de Compromisso indicasse que os fatos se limitam a uma
infração administrativa, sem os contornos típicos do crime. Diz-se “como se fosse”
porque não há como afirmar essa diferença. Ao contrário, como visto, o tipo penal é
basicamente a reprodução do tipo administrativo.
Outra possibilidade é que a opção da CVM na celebração do termo de
compromisso se dê em casos em que é menos provável o êxito na imposição de
penalidades. Já antevendo que determinadas provas serão de difícil obtenção e que só há
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 932
elementos indiciários ou circunstanciais da prática infracional, a CVM pode optar por
propor a celebração do termo de Compromisso. Em outras palavras, as dificuldades de
apuração dos fatos (no âmbito administrativo e, ainda mais, no âmbito penal58
) e de
efetiva imposição de penalidades podem indicar a preferência da CVM pela realização
de Termos de Compromisso nesses casos.
Veja-se, por exemplo, a recente celebração de Termos de Compromisso que
obrigava ao pagamento de R$ 18.600.000,00 (dezoito milhões e seiscentos mil reais)
envolvendo executivos da AmBev e que ensejou o arquivamento de um processo
administrativo que apurava a utilização de informação privilegiada. De acordo com
notícias veiculadas nos jornais do Rio de Janeiro59
, os executivos que controlavam a
AmBev teriam elevado sua participação no capital social da empresa, abusando do
poder de compra de ações, utilizando-se de informações que os acionistas minoritários
desconheciam.
Trata-se de uma situação delicada, já que a compra de ações da companhia é
justamente uma das formas de remuneração dos seus administradores. Essa política tem
como finalidade aproximar os interesses dos acionistas com os dos executivos
responsáveis pela gestão da empresa, já que a gestão do patrimônio alheio estará
vinculada à gestão do patrimônio do gestor60
. Por outro lado, haveria possibilidade de
um conflito de interesses, já que os administradores realizariam seus direitos de opção
de compra de ações em momentos mais oportunos em razão de informações a que eles
têm acesso justamente porque são os administradores da empresa. Ora, o crime de uso
de informação privilegiada não chega ao ponto de proibir que o administrador adquira
ações da companhia que ele gere. E não haverá, nunca, uma igualdade de informação
58 A condenação em um processo criminal exige um grau de certeza muito maior do que um processo
civil, seja relativamente às provas e evidências em que será baseado o convencimento jurisdicional, seja
relativamente ao rigor no exame de admissibilidade da petição inicial. Essa dificuldade decorre da
necessária observância de garantias processuais, as quais derivam da disparidade de poderes entre as
partes (Estado e indivíduo) e do potencial dano causado pela pena privativa de liberdade. 59 Jornal O Globo, de 26 de dezembro de 2009. Caderno de Economia, p. 20. Os fatos teriam ocorrido em
abril de 2004, ano em que a AmBev foi vendida a uma empresa belga. A mesma reportagem também cita a celebração de termo de compromisso no valor de 19,2 milhões de reais em outubro de 2009 em
operação realizada pelo Credit Suisse com ações da Embraer suspeitas de uso de informação privilegiada. 60 “Seguramente que os administradores dispõem, em razão das funções exercidas, de informação privada
(designadamente sobre os resultados futuros) que, entre outros aspectos, pode sustentar o exercício das
opções de aquisição de acções. Contudo, da análise das decisões de exercício de opções de aquisição de
acções resulta uma névoa de suspeita de que os administradores, no exercício de uma certa
discricionariedade na periodização de receitas e despesas, concentrariam num dado período tudo o que
pudesse influenciar positivamente os resultados (impulsionando a subida da cotação), sendo
anormalmente baixos os resultados no período pós-exercício dessas opções” (COSTA, José de Faria e
RAMOS, Maria Elisabeth: O crime de abuso de informação privilegiada (insider trading) – A informação
enquanto problema jurídico-penal. Coimbra: Coimbra editora, 2006, p. 97).
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 933
entre o gestor da companhia e qualquer outra pessoa, já que mesmo a publicidade de
todos os fatos relativos à situação financeira e econômica da empresa não esgotará o
universo de informações relacionadas ao futuro das suas atividades.
Nesse contexto, dependendo de como forem as regras de aquisição de ações da
companhia pelos seus administradores, é igualmente certo que o exercício dessa
aquisição será orientado pela obtenção do maior lucro possível (objetivo de qualquer
gestor) a decisão levará em conta, necessariamente, todo o universo de operações que se
desenham no futuro da companhia. Nesse sentido, o fato objeto da reportagem poderia
se arrastar por anos em tribunais sem que, ao final, houvesse a condenação de qualquer
pessoa61
.
Abortada a apuração que seria realizada pela CVM (normalmente logo após o
fato, quando são maiores as possibilidades de obtenção de provas), o material
encaminhado ao Ministério Público será muitas vezes incipiente. Como se viu, foram
celebrados Termos de Compromisso em 60% dos episódios reportados pela CVM ao
Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (9 em 15 casos).
Como conclusão da pesquisa, propõe-se como contribuição para o debate a
revisão das regras administrativas e penais relativas aos crimes contra o mercado de
capitais. No plano normativo, a sugestão seria a adoção de dispositivo semelhante ao
aplicável aos crimes contra a ordem econômica, prevendo que no caso de celebração de
termo de compromisso ficaria obstada a propositura de ação penal e uma vez
homologado o termo pelo colegiado da CVM, extinta a punibilidade (art. 35-B e 35-C,
da Lei nº 8.884/94).
Já no plano político, a sugestão é que se discuta a adoção de penalidades
exclusivamente administrativas. Com efeito, quando companhias (ou seus diretores)
violam as leis, que tipos de intervenções seriam mais eficazes para corrigir o
comportamento ilícito, penas corporais altas e pouco prováveis (e que hoje poderíamos
chamar de inexistentes) ou penas pecuniárias igualmente altas mas certas? A pesquisa
demonstrou que a CVM invariavelmente aplica penas, seja por meio dos termos de
compromisso, seja por meio de julgamento pelo Colegiado. A maior facilidade de
61 “Unlike a bank robbery, however, where the offense is not debated, the prosecutor in insider trading
cases must prove that an offense was indeed committed. The complexities of the definition of the offense
and the reliance on the circumstantial evidence are common problems that prosecutors of white-collar
crime must overcome. What looked like the strongest case for the government resulted in a non-guilty
finding, leaving jurors questioning the wisdom of allocating resources of the prosecution of this offense”.
(SZOCKYJ, Elizabeth: Insider Trading. In GEIS, Gilbert; MEIER, Robert F.; SALINGER, Lawrence:
White-Collar Crime – Classic and Contemporary Views. 3a ed., Nova York: The Free Press, 1995, p. 238)
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 934
imposição de penas administrativas é um fato positivo, já que contribui para uma baixa
taxa de impunidade (considerada um efeito colateral necessário no âmbito penal, já que
o sistema não toleraria condenações baseadas em meros indícios, sob pena de perda da
sua legitimidade para imposição de penas graves, como é a prisão).
Uma tese que a presente pesquisa permite colocar em discussão é a da
ineficiência e ineficácia do efeito de prevenção geral dos crimes contra o mercado de
capitais, ligada à potencial impropriedade do direito penal para lidar com esse tipo de
ilícito corporativo, já que esse efeito depende diretamente da certeza de imposição da
pena. Com a palavra, o Poder Legislativo.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 935