seleÇÃo s notÍcias culturais · ... o setor audiovisual brasileiro vive o boom ... não discuto...

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SELEÇÃO SEMANAL DE NOTÍCIAS CULTURAIS Edição 180 [06/03/2014 a 12/03/2014]

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SELEÇÃO SEMANAL DE

NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 180 [06/03/2014 a 12/03/2014]

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Sumário

CINEMA E TV ............................................................................................................ 3 VALOR ECONÔMICO - Audiovisual reage, mas está longe das metas ................................................ 3 VALOR ECONÔMICO - A TV Cultura na roda-viva ............................................................................... 4 CORREIO BRAZILIENSE - Tensão no morro ......................................................................................... 6 O ESTADO DE S. PAULO - Fábula caipira ............................................................................................ 8 O ESTADO DE S. PAULO - ‘Não aguento o período em que nada acontece na história’ / Entrevista / Luiz Fernando Carvalho ................................................................................................................... 9 O GLOBO - Documentário sobre curador que fez história na Cinemateca do MAM abrirá festival no Rio em abril .................................................................................................................................... 10 LUSOJORNAL (FRANÇA) – Hommage d’autres Brésils à Eduardo Coutinho ..................................... 11

TEATRO E DANÇA ................................................................................................. 12 O GLOBO – Troca de papéis / Da tela ao palco .............................................................................. 12 O ESTADO DE S. PAULO - 'Elis - A Musical' chega a São Paulo depois de ser aplaudida por 80 mil ........................................................................................................................................................ 13 FOLHA DE S. PAULO – Massa de corpos dança em palco-ringue .................................................... 14

ARTES PLÁSTICAS ................................................................................................ 16 VALOR ECONÔMICO - Pagu, a musa radical ..................................................................................... 16 FOLHA DE S. PAULO – Galerias de NY descobrem nova onda de brasileiros .................................. 18 FOLHA DE S. PAULO – Feira americana se reinventa com foco nos emergentes ............................ 20 O ESTADO DE S. PAULO - Desafio inicial .......................................................................................... 21 O ESTADO DE S. PAULO – A pintura pura Lorenzato em exposição ................................................ 22 CORREIO BRAZILIENSE - A solidez do metal ..................................................................................... 23 FOLHA DE S. PAULO– Livro reúne as cinco décadas de carreira do multiartista Aguilar ................. 24 FOLHA DE S. PAULO– Obra antecipou a arte de rua e o sonho de uma vanguarda global ............. 26

MÚSICA ................................................................................................................... 27 THE WASHINGTON POST (EUA) – Emy Tseng’s lively spirit shines through at Bethesda Blues & Jazz Supper Club ................................................................................................................................... 27 O GLOBO - Com sede nova, Orquestra Sinfônica Brasileira inicia sua temporada 2014 no dia 15 27 NOVO JORNAL (ANGOLA) - A Vida Tem Sempre Razão ................................................................... 29 THE GUARDIAN (REINO UNIDO) – Villa-Lobos: get to know Brazil's greatest composer ................... 29 THE GUARDIAN (REINO UNIDO) – Total Immersion: Villa-Lobos review – 'Sakari Oramo is in his element' .......................................................................................................................................... 30 O ESTADO DE S. PAULO – Há 40 anos, quando o novo baiano saiu da toca ................................... 31

LIVROS E LITERATURA ......................................................................................... 32 CULT – Ricardo Ramos Filho / Sem Fronteiras – Literatura Infantil .............................................. 32 VALOR ECONÔMICO - Tanto em Lisboa quanto no Rio .................................................................... 33 O ESTADO DE S. PAULO - Estreia de Bernardo Kucinski em romance traz páginas de dor e denuncia ......................................................................................................................................... 36 O ESTADO DE S. PAULO - Cinquenta anos depois do Golpe, livros trazem olhar crítico sobre feridas ainda abertas .................................................................................................................................. 37

MODA ...................................................................................................................... 39 BRASIL ECONÔMICO – É bacana ser do Brasil / Paulo Borges / Artigo ............................................ 39

OUTROS .................................................................................................................. 40 O GLOBO - Instituto de Museus nomeia conselho que avaliará obras de arte............................... 40 FOLHA DE S. PAULO - Mesmo sem a lei, produtores já reduzem oferta de meia-entrada ............... 41

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CINEMA E TV

VALOR ECONÔMICO - Audiovisual reage, mas está longe das metas João Bernardo Caldeira

(07/03/2014) Embora ainda distante das metas fixadas pelo governo, o setor audiovisual brasileiro vive o boom propiciado pela Lei nº 12.485, que estabeleceu cotas obrigatórias de conteúdo nacional na TV paga. A demanda explodiu em 2013, revelando uma oferta de mão de obra ainda insuficiente. Para responder a esse cenário, Manoel Rangel foi reconduzido ao terceiro mandato como diretor-presidente da Agência Nacional de Cinema (Ancine), até 2017. Por meio dos cerca de R$ 400 milhões de orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual, Rangel espera responder com um novo salto no volume de produção e fortalecer ainda mais as distribuidoras brasileiras. O foco não é investir em cineastas ou criadores, mas em processos coletivos e empresas: "Essa mistificação do autor leva muitas vezes a obras completamente irrelevantes e desconectadas da sociedade".

Valor: Qual é a avaliação do impacto da Lei da TV Paga?

Manoel Rangel: Trata-se de uma revolução. Pela primeira vez, um conjunto de filmes foi veiculado na TV, onde sempre deviam estar. Esse quadro exige transformações da indústria, houve uma demanda repentina, revelando limites: mão de obra escassa. Faremos um sistema de monitoramento da programação e também um balanço. Haverá, eventualmente, ajustes no regulamento. Precisamos examinar questões como a ausência de limite para reprises, o que gerou excessos.

Valor: Se deu certo na TV, a cota nos cinemas pode ser mais ostensiva?

Rangel: A cota da TV paga estabelece 3h30 em 42 horas de programação em horário nobre por semana. É relativamente pequena. Nos cinemas, é ainda maior, pois corresponde a 13,8% da disponibilidade das salas. Por que temos a sensação contrária? Porque são mais de 80 canais, em horário nobre, de obras que nunca tinham chegado à televisão. A simples presença de uma produção nacional no cinema não lhe garante visibilidade, pois não fará que o cidadão saia de casa para assistir a ela.

Valor: Como pretende atingir metas estabelecidas pelo governo para o cinema nacional até 2015, como 42 milhões de ingressos vendidos, renda bruta de R$ 465 milhões e participação de mercado de 24%, se, no ano passado, foram 27,8 milhões de espectadores, receita de R$ 296 milhões e market share de 18,6%?

Rangel: A cota de tela não é capaz de dar conta de todos os fatores nem é o nosso principal instrumento. Em países como Alemanha, Reino Unido e França, onde o cinema local possui forte participação, não há cota. Desde 2005, nos dedicamos a fortalecer as distribuidoras brasileiras independentes, que passaram a responder por 80% do cinema nacional. Parece uma obviedade, mas até 2009 as "majors" controlavam o cinema estrangeiro e o brasileiro. Outros vetores importantes são a expansão do mercado de salas e o contínuo estímulo à produção.

Valor: Qual é o objetivo das novas linhas do Fundo Setorial do Audiovisual, como desenvolvimento e financiamento automático?

Rangel: Com orçamento de R$ 40 milhões, o suporte automático vai encurtar os tempos do processo de produção. Os investimentos em desenvolvimento, que totalizam R$ 33 milhões, vão viabilizar entre 200 e 250 roteiros. Desses, serão investidos R$ 18 milhões em núcleos criativos, R$ 10 milhões em laboratórios e R$ 5 milhões em roteiristas. É a base para um salto no volume de produção.

Valor: Cineastas reclamam que se um recente edital de roteiro da Prefeitura de São Paulo no valor de R$ 3,9 milhões nem sequer abarcou os paulistanos, R$ 5 milhões são insuficientes para atender ao Brasil.

Rangel: Não discuto o choro, porque é livre. Não é relevante investir dinheiro em uma pessoa, mas em processos de criação. Não existe este criador, isolado do mundo, sem processo de reflexão, que

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não submete seu projeto ao debate antes de sua realização. Essa mistificação do autor leva muitas vezes a obras completamente irrelevantes e desconectadas da sociedade. O melhor da produção autoral na história do cinema mundial foi feito em ambientes coletivos, como o Cinema Novo e a "nouvelle vague".

Valor: A pedido da ministra da Cultura, o senhor foi reconduzido ao terceiro mandato, enquanto o sindicato de servidores da Ancine fez campanha pela alternância. Houve desconforto?

Rangel: Encaro o convite como uma preocupação com este momento estratégico de implementação da nova lei. As críticas pontuais são normais em uma democracia. Nestes nove anos que completo em maio à frente da Ancine, não houve um único momento de paz de cemitério. Ainda bem. Não é o tipo de ambiente propício para construção de política pública.

Valor: Não é muito tempo sem renovação?

Rangel: Temos uma diretoria completa e renovada. Estamos aprovando uma reestruturação que vai dinamizar um conjunto de áreas internas, buscando aprimorar os processos da agência. Procuro ouvir o setor, ler os dados da economia e as tendências internacionais. O esforço tem sido sistemático de renovação. São muitos os desafios, como as questões regulatórias do vídeo por demanda, da distribuição e da exibição cinematográfica, o monitoramento da televisão e dos cinemas e a capacitação profissional. Vivemos um momento-chave na história do país, no limiar de um salto. O Brasil terá uma presença expressiva na cena internacional e o audiovisual terá papel preponderante. Sou feliz por seguir nessa missão.

Valor: A meta do governo é consolidar um parque exibidor de 3.250 salas até 2015, distribuídas em 565 municípios. Em 2013, o total de salas foi de 2.679 e o número de municípios com cinemas passou para 392, ante 391 no ano anterior. Faltam investidores para o Programa Cinema Perto de Você deslanchar?

Rangel: É um problema que a gente já conhecia. Nenhuma dessas metas pode ser executada sem o empreendedor privado. Na Ancine não fazemos os filmes nem dizemos quais devem ser feitos. O papel do Estado é regular e investir no desenvolvimento. Mas vamos conseguir chegar a 3.250 cinemas. Número de municípios com salas não é o nosso principal fator de monitoramento e sim a ocupação por regiões. No Sul, chegamos a 454 salas, no Nordeste, 351, no Norte, 136, e no Centro-Oeste, 241. Neste ano serão abertos entre 200 e 250 cinemas.

VALOR ECONÔMICO - A TV Cultura na roda-viva Daniel Salles (07/03/2014) Marcos Mendonça está feliz da vida. Na segunda semana do mês passado, o presidente da Fundação Padre Anchieta, que administra a TV e a Rádio Cultura, além do canal a cabo Rá-Tim-Bum, voou a Nova York para acompanhar a entrega do prêmio anual Emmy Kids. Voltou com um troféu para o seriado "Pedro e Bianca", exibido pela Cultura desde novembro de 2012 e considerado o melhor do ano passado. Idealizado pelo cineasta Cao Hamburger, de "O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias", o programa é fruto de uma parceria com a produtora Coração da Selva e a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), ligada à Secretaria da Educação do Estado. Em 31 de janeiro, outra boa notícia: em uma pesquisa encomendada pela emissora britânica BBC, a programação da TV Cultura foi apontada como a segunda melhor do mundo. O canal 1 da BBC aparece na dianteira do ranking, batizado de International Perceptions of TV Quality, feito com base em questionários on-line. "Nossa qualidade é invejável. Nenhuma outra televisão no Brasil tem uma programação similar", comemora Marcos Mendonça. Ele reconhece, no entanto, o que não é segredo para ninguém: "O que não temos? Audiência".

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Mendonça assumiu o cargo em junho, em substituição ao economista João Sayad. Ex-secretário estadual da Cultura por duas vezes - a inauguração da Sala São Paulo, a reforma da Pinacoteca do Estado e a transformação do prédio do antigo Deops na Estação Pinacoteca são creditadas a ele -, Mendonça já havia presidido a Fundação Padre Anchieta entre 2004 e 2007. Assumiu o novo mandato empenhado em popularizar a programação. Parece estar dando certo. De lá para cá, os índices de audiência melhoraram um pouco. O "Jornal da Cultura", por exemplo, tem marcado em média 2,4 pontos de audiência, o dobro do ano passado - cada ponto representa 65.201 televisores ligados. "O maior desafio é aproximar nossas atrações das classes C, D e E, que ascenderam socialmente, mas ainda estão carentes de informação", diz. A empresa de consultoria Data Popular foi contratada por R$ 90 mil para auxiliar na missão. O novo formato do programa "Caçadores de Mitos", exibido pela Cultura às 20 horas, é um exemplo de como Mendonça planeja tornar os programas mais acessíveis. Para apresentar a atração criada pelo Discovery Channel nos Estados Unidos, foi contratado o ex-VJ da MTV Luiz Thunderbird, que grava com um figurino semelhante ao de Walter White, protagonista do seriado "Breaking Bad". "Continua sendo uma atração importada, mas com cara brasileira", acredita. Outras mudanças recentes: a criação de um jornal ao meio-dia e de um programa de debates, o "JC Debate", a extinção do diário "Quem Sabe, Sabe!", que havia estreado em maio, e uma série de demissões. A mais comentada foi a do âncora do "Roda Viva", Mario Sergio Conti, substituído por Augusto Nunes, também jornalista. "Nessa rodada de demissões, a fundação abriu mão de um patrimônio humano que ela própria formou. Foi um desperdício de recursos públicos", afirma um dos desligados, o jornalista Ricardo Paoletti. Parte dessas mudanças se deve, claro, a outro problema crônico da fundação: a escassez de recursos. De acordo com um relatório da consultoria BDO, contratada no início da atual gestão, 2013 terminaria com um déficit de R$ 43 milhões. Segundo Mendonça, as providências tomadas permitiram uma redução para R$ 17 milhões, cobertos pelo governo do Estado. "Fizemos um verdadeiro milagre", sustenta o executivo. "Não devemos nada a ninguém, mas precisamos continuar economizando." Os núcleos da rede fazem o que podem com a verba disponível. No jornalismo, 12 equipes de reportagem se desdobram para produzir material para os dois jornais diários. Como o pagamento de horas extras não é permitido, as equipes podem ficar na rua por no máximo seis horas. "Não podemos mandar ninguém para além da Penha, na Zona Leste, porque não dará tempo de ir e voltar", afirma um editor, que pediu para não ser identificado. Uma rotina matinal dos jornalistas da casa: sair à cata de cadeiras, desproporcional ao número de funcionários. Segundo Mendonça, o atual orçamento da fundação, de aproximadamente R$ 200 milhões por ano, está muito abaixo do necessário. Metade desse montante é custeada pelo governo estadual e a outra fatia é fruto de patrocínios e parcerias. A que viabilizou a série "Pedro e Bianca" serve de exemplo (estimada em R$ 20 milhões, a atração deverá ganhar nova temporada). O orçamento ideal, nos cálculos de Mendonça: R$ 50 milhões a mais por ano, desembolsados pelo governo estadual. "Com a verba atual, que só dá para custeio, a TV Cultura está congelada no tempo", diz o crítico de televisão Daniel Castro. O preço da renovação é alto. Uma atração semanal inédita de meia hora não custa menos de R$ 1,2 milhão por ano. "É por isso que são raras as novidades na programação, em geral preenchida com reprises de programas de 20 ou 30 anos atrás." Como exemplo, Castro cita o "Castelo Rá-Tim-Bum", também de Cao Hamburger, "reciclado tanto quanto o 'Chaves' no SBT". Os anúncios são insuficientes e custam pouco. Uma inserção de 30 segundos durante o "Roda Viva", por exemplo, o horário mais caro da emissora, sai por R$ 23 mil; no intervalo do "Jornal da Cultura", o segundo da lista, a inserção custa R$ 17,5 mil. Uma propaganda com a mesma duração na TV Globo pode custar dez vezes mais. O departamento comercial da Cultura, confiante, espera receber ligações de novos anunciantes. É a eles que se destinam os anúncios que a fundação tem publicado, alardeando a conquista do Emmy e o resultado da pesquisa encomendada pela BBC.

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Enquanto os telefones não tocam, a emissora procura novas fontes de renda. Negocia, por exemplo, a venda para o Metrô de um terreno na Zona Norte, avaliado em R$ 64 milhões, que no passado abrigava uma antena de TV. A ideia é aplicar o dinheiro em um fundo de investimentos. Destino para os eventuais dividendos não faltam. A exemplo da TV Rá-Tim-Bum, presente em 11 milhões de pacotes por assinatura, 5 milhões a mais que em 2007, a Rede Cultura almeja criar três novos canais pagos. Um deles, dedicado à música, exibiria concertos, shows e videoclipes. O segundo seria voltado para documentários e o terceiro teria foco na saúde, para incentivar a atualização de médicos e enfermeiros de regiões remotas do país. Também estão nos planos investimentos nos dois canais que a fundação mantém no ar, em caráter experimental desde 2009, pelo sistema digital, o Univesp e o Multicultura. O primeiro é destinado a estudantes e professores e o segundo reprisa o que há de melhor no acervo da Cultura. A conclusão da digitalização da emissora está estimada em R$ 30 milhões. Esse valor é uma fortuna se comparado ao que o governador Roberto de Abreu Sodré pagou ao empresário Assis Chateaubriand pela TV e a Rádio Cultura: 3,5 milhões de cruzeiros. O negócio foi fechado em dezembro de 1967. A Fundação Padre Anchieta havia sido criada dois meses antes, na mesma época em que a marginal do rio Pinheiros começou a ser asfaltada. A primeira transmissão televisiva completa 45 anos em 2014. Ocorreu no dia 15 de junho de 1969, um domingo. Começou às 19h30, com um panorama da capital tomado de um helicóptero, e terminou com um concerto da Orquestra Sinfônica Municipal. "A emissora foi colocada no ar em 17 meses, um recorde", comemorou um jornal na época. "Custou 70 centavos a cada paulista." No início, a programação se encerrava às 23 horas e atingia só a Grande São Paulo e a Baixada Santista. Passaram-se dois anos até o sinal chegar ao interior do Estado. O horário das 20 às 21 horas era reservado para cursos. A concorrência era pequena. Uma pesquisa daquele período mostrou que 48% das televisões ficavam desligadas no horário nobre. O motivo: a população não gostava do que as outras emissoras exibiam. O objetivo da Cultura era o mesmo de hoje: ensinar o telespectador sem que ele perceba que está sendo ensinado, de maneira divertida. "O governo do Estado de São Paulo inaugura um milhão e quinhentas mil salas de aula", lia-se em anúncios de jornais da época. "Cada aparelho ligado será uma sala de aula, um teatro, um cinema de nível, uma escola de arte, um local de diversão de primeira qualidade." A TV Cultura conquistou fãs logo de início. E até mesmo antes. Cerca de 350 pessoas enviaram cartas à Fundação Padre Anchieta elogiando o som e a recepção da emissora ainda antes da estreia. Isso porque durante o período de testes ela volta e meia veiculava música clássica e exibia seu logotipo para quem estivesse sintonizado no canal. Passados 45 anos, o prestígio da TV Cultura chega a outras partes do mundo.

CORREIO BRAZILIENSE - Tensão no morro Filme de José Eduardo Belmonte aborda a ocupação pela polícia de uma das áreas mais violentas do Rio

Cauã Reymond: "Queria fazer o personagem do homem mau. Queria porque sabia que não seria dado um tratamento caricato" Yale Gontij Enviada especial (11/03/2014) Rio de Janeiro — Com estreia prevista para a próxima quinta-feira, o novo longa-metragem dirigido pelo cineasta José Eduardo Belmonte será um híbrido entre ficção e documentário.

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Alemão, remonta os acontecimentos que marcaram a invasão e ocupação das favelas do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em 2010. Com uso de trechos de reportagens narrando a perseguição policial na Vila Cruzeiro, elabora-se a reencenação do momento em que a polícia e o Exército entraram nas favelas pelo ponto de vista de quem estava no morro. No momento da pacificação, cinco policiais infiltrados são descobertos pelos chefões do tráfico. Escondidos em um local isolado de comunicação, os cinco precisam encontrar uma maneira de sair do morro com vida. A coletiva de imprensa no Rio de Janeiro, realizada ontem, reuniu um elenco numeroso, com Milhem Cortaz, Otávio Muller, Cauã Reymond, Antônio Fagundes e a única mulher do elenco, a atriz brasiliense Mariana Nunes. Os atores Caio Blat e Gabriel Braga Nunes estavam gravando novelas no Projac e não conseguiram chegar a tempo da entrevista. Esta é a segunda parceria entre o produtor Rodrigo Teixeira e o diretor brasiliense José Eduardo Belmonte. O anterior é O gorila, ainda não lançado nos cinemas. “Nós queríamos fazer um filme de ação, com pouco orçamento e com rapidez de produção. Nós pensamos a ideia do roteiro com poucas locações e a maior parte do filme se passa dentro de um mesmo lugar. O filme foi feito em 18 dias em cinco comunidades, três deles no Alemão”, contabilizou Teixeira. Segundo Belmonte, apesar de abordar um evento que se passa no Rio, não havia a intenção de narrar uma história eminentemente carioca. “Não dirigi um filme regional, eu queria contar uma história humana. A gente não queria fazer uma questão política aprofundada. Nós queríamos fazer um filme sobre seres humanos. Nenhum dos policiais é herói. São pessoas comuns”, concluiu o cineasta. Negociações Alemão é feito de muitas parcerias que se repetem e nomes que voltam a se reencontrar. Milhem Cortaz, Otávio Muller e o próprio Cauã já haviam trabalhado juntos com o cineasta. No entanto, as relações estão mudando. Desta vez, o galã assinou como produtor associado. Para o ator global, a mudança de cargo pôde ajudá-lo nas negociações artísticas. “Claro, é bom trabalhar como produtor para sair um pouco da posição mais passiva do ator”, alegou. Uma das negociações possíveis foi ganhar o papel do traficante Playboy. “Desta vez, queria fazer o personagem do homem mau. Queria porque sabia que não seria dado um tratamento caricato. Pretendia ser desafiado como ator”, destacou Cauã.Atriz brasiliense radicada no Rio de Janeiro, Mariana Nunes acabou ganhando o papel da ex-esposa de traficante Playboy no último minuto. “Nunca tinha feito nada tão dramático. Fiz o teste para uma outra personagem e acabei mudando. Eu não imaginava o que me esperava. Ela acaba passando por momentos de muita tensão e opressão. Os moradores foram super carinhosos conosco, a recepção foi impressionante”, reconheceu Mariana. Perfil Cria de Brasília

Com uma sólida carreira no terreno dos curtas-metragens, o diretor José Eduardo Belmonte (foto) sempre se destacou pela linguagem concisa e pela exploração de narrativa arrojada. Dez dias felizes, 5 filmes estrangeiros, Tepê e Um trailer americano, até o início dos anos 2000, serviram de bom cartão de visitas. Aos 43 anos, vale a lembrança, Belmonte é cria da cidade, na qual se formou pela UnB e chegou depois dos quatro anos de idade. Depois de risco desmedido, em Subterrâneos (2003), filme de estreia nos longas, consolidou o talento, pelo desbunde em A concepção

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(2005), em torno das múltiplas possibilidades de caráter para uma trupe de gente inconformada. Com carga bastante autoral, seguiu um traçado de personagens impulsivos e situações limite, com os irmanados Se nada mais der certo (2008) — vencedor de melhor filme, no Festival do Rio — e Meu mundo em perigo (2010). Depois de um passeio inesperado, com uma comédia nada convencional (Billi Pig), veio O gorila (2012), filme anterior a Alemão. (Ricardo Daehn)

O ESTADO DE S. PAULO - Fábula caipira Novela ‘Meu Pedacinho de Chão’ volta com apenas 20 atores Luiz Fernando Carvalho fará adaptação de trama dos anos 1970 com apenas cem episódios

Cristina Padiglione (11/03/2014) Uma novela em tom de fábula, com narrativa de HQ, disposta a resistir às armadilhas impostas pelo processo industrial da televisão aberta: essa é a aposta de Luiz Fernando Carvalho para a releitura de Meu Pedacinho de Chão, novela de Benedito Ruy Barbosa que ocupará a faixa das 18 h a partir de 7 de abril, na Globo, e sobre a qual ele fala ao Estado pela primeira vez. Originalmente escrito em 1971/72 e exibido pela Globo e pela TV Cultura, o enredo de 185 capítulos será agora distribuído em apenas 100 episódios, uma pechincha perto do tamanho habitual dos folhetins atuais (que normalmente ultrapassam 150 edições) e somente 20

atores no elenco, número inferior até que muita minissérie. A releitura de Meu Pedacinho de Chão, antes de mais nada, reedita a feliz parceria de Renascer (1993) e O Rei do Gado (1996), duas das melhores produções que a Globo já exibiu em sua faixa nobre, cujos primeiros capítulos mereceram um raro tratamento cinematográfico para a época. Em Esperança (2002), a dupla também começou junta, mas questões de saúde afastaram o autor de sua obra, prejudicada então justamente pela premência industrial que demanda longos capítulos diários e à qual Carvalho não se acostuma. Assim, o diretor conta 12 anos afastado do gênero. A disposição em voltar ao folhetim, se é que a nova Meu Pedacinho de Chão pode ser classificada como tal, é obra de Benedito, a quem homenageará com a presença de um galinho de ferro, desses fincados em rosa dos ventos no alto de telhados. Fazendo jus à linguagem de fábula, o bichinho será animado por stop motion e funcionará como "uma espécie de testemunha ocular da história", diz Carvalho, que batizou o animalzinho como Bené, em homenagem ao autor da história. "A forma do Benedito escrever é muito gostosa de ler, é uma forma oral, como um contador de história, ele usa muito nas rubricas as interjeições –‘hã?’, ‘e agora?’. Esse tipo de subtexto, de reação vai ser todo do galinho", diz. Bené ficará na ponta mais alta do telhado do Coronel Epa, papel de Osmar Prado, o malvado da cena. Coronel Epa é o protagonista desse microcosmo, como define o diretor, que é Santa Fé, cidade fictícia localizada em lugar nenhum do interior do País. É uma posição que Prado nunca ocupou, a de ator principal, embora mereça "há muito tempo", lembra Carvalho. Se o lançamento de novos atores é marca na biografia do diretor, que prefere fugir de escalações viciadas da TV, a ideia aqui é endossada pela troca de papéis. "Gosto de mesclar atores consagrados com lançamentos, e eu sempre lanço muita gente, mas, nesse trabalho, como em Renascer ou até mesmo Hoje É Dia de Maria, pego alguns atores consagrados e mudo o registro deles, e coloco esses artistas fazendo papéis que não são tão costumeiros assim. Isso também dá um frescor incrível para aquele ator."

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O melhor exemplo disso está na foto que estampa esta página. "Fagundes vem fazendo Fagundes há algumas décadas", lamenta. "Aí você pega o Fagundes e coloca ele num papel que é praticamente um clown, um bufão, um dono de uma mercearia. É um descendente de italiano, mas é um clown. A caracterização, o corpo, as cores, tudo é totalmente diferente e novo pra ele. E para o espectador também vai ser divertido ver o Fagundes, brincar tanto." Nessa mesma linha, Rodrigo Lombardi também foge da condição de galã. A ele caberá o personagem de Pedro Falcão, sujeito rústico, da terra, um antagonista do Coronel Epa, com valores mais humanistas, E tudo vem com acento caipira, devidamente estudado. Sotaque. "Como é um elenco misturado, tem gente que já tem isso naturalmente, há tem quem tenha facilidade, mas tem gente que já precisa de uma vara de marmelo", brinca Carvalho. Para trabalhar a prosódia, o acento, termos e valores do universo caipira, o diretor convidou Renata Sofredini, filha de Carlos Alberto Sofredini, de Hoje é Dia de Maria. "Fizemos uma pesquisa da oralidade caipira muito grande. Trabalhamos com ela e ela unificou o elenco todo. Ficou muito bom, porque não é só tirar o ‘r’ cultural e entortar", fala, com acento de interior paulista, "mas é trazer também algumas interjeições e exclamações, que são tão reconhecíveis." Além de estar localizada em lugar nenhum do interior do País, Santa Fé põe seu Pedacinho de Chão num conceito absolutamente atemporal, o que motiva a diversão de misturar cores, conceitos e figurinos à vontade, sem desprezar a tecnologia de ponta. "Há uma ingenuidade presente, uma delicadeza do olhar infantil, sem ser infantilizada, é uma história lírica e se aproxima muito de uma dramaturgia de conto de fadas, com grandes personagens, com personagens opositores, moral da história, tudo isso. É como se fosse um texto naïf" Benedito Ruy Barbosa sempre se referiu a Meu Pedacinho de Chão como a primeira novela em que falou de reforma agrária, e o tema estará lá mais uma vez, representado por questões sociais normalmente presente em seus enredos. O foco agora passa por Serelepe, menino órfão, e se estende à abordagem de justiça, divisão e posse da terra, sem perder o tom de conto de fadas que tanto interessa ao diretor. "A forma que o opressor detém a terra, o latifúndio, é tão maniqueísta, tão simbólica, quase como um cartoon, ainda, infelizmente, para os dias de hoje, que me pareceu a forma mais direta, mais forte de passar essa mensagem é através de uma fábula, mostrando que essa figura é para o social um Darth Vader."

O ESTADO DE S. PAULO - ‘Não aguento o período em que nada acontece na história’ / Entrevista / Luiz Fernando Carvalho (11/03/2014) É num galpão, antes abandonado no extenso terreno do Projac, que Luiz Fernando Carvalho vem trabalhando em Meu Pedacinho de Chão e futuras produções da Globo. O espaço dispensa paredes, colocando cenógrafos no mesmo campo de visão de costureiras e atores. Cioso do processo de criação, o diretor justifica os seus princípios de trabalho. Até testes para a cor da terra a ser usada em cena foram feitos no seu galpão. Tudo é criado ali? Nessas duas últimas décadas de trabalho, sempre montei um processo de criação bastante colaborativo com meus departamentos, com cenógrafos, figurinistas, atores, e sempre precisei de um espaço que fosse de criação, onde todas essas pessoas trabalham juntas, do conceito à realização. Isso cria um outro envolvimento. Eu trabalho ao lado de uma costureira, não tenho a minha sala. Todo mundo sabe de tudo ao mesmo tempo. Não é um espaço hierárquico. Os atores fazem leitura ao lado da costureira, a costureira ouve uma música que nunca ouviu antes, ao mesmo tempo, ela está fazendo um bordado que eu nunca tinha visto. Como manter o ritmo artesanal depois que a novela está no ar, demandando ritmo industrial? Acho que isso é sempre uma sombra que ronda, mas eu aceitei fazer essa novela, primeiro porque se trata de um texto do Benedito Ruy Barbosa, que é um autor que significa muito pra mim, tanto do ponto de vista afetivo, como do ponto de vista profissional. Foi através das novelas do Benedito que eu fui exercitando o meu olhar na televisão. Depois, eu não sou um noveleiro. Qualquer jovem diretor da TV Globo, de 20 e poucos anos, já dirigiu cinco novelas mais que eu. Não me acostumo com esse período em que parece que nada acontece na história, quando a produção afrouxa um pouco o seu rigor artístico, isso me incomoda muito.

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Há como combater esse mal? Essa novela é completamente atípica. Não posso chamar de novela algo que tem 100 episódios, só 20 personagens e é atemporal. A tudo isso se junta o fato de a novela ser uma fábula. Isso faz com que a produção possa ser gerada a partir do olhar artístico. Não preciso montar e desmontar estúdios enlouquecidamente, cenários para 300 personagens, fazer 300 roupas, não tenho seis frentes de gravações, essa industrialização, no mau sentido do termo, é possível controlar.

O GLOBO - Documentário sobre curador que fez história na Cinemateca do MAM abrirá festival no Rio em abril Cosme Alves Netto foi um dos maiores responsáveis por moldar a cinefilia de gerações de brasileiros André Miranda (11/03/14) Todos os seus amigos sabiam, e o próprio Cosme Alves Netto repetia em entrevistas para quem quisesse ouvir: seu filme preferido era “Cantando na chuva”, de Stanley Donen e Gene Kelly, este último também o protagonista do musical sobre a passagem do cinema mudo para o sonoro. Mas daí a essa paixão se transformar numa dessas coincidências que a gente costuma ver em filmes, naturalmente ninguém esperava. Alves Netto morreu em 2 de fevereiro de 1996, mesmo dia, mês e ano de Gene Kelly. Ou talvez, considerando a relevância do trabalho deste amazonense que foi um dos maiores responsáveis por moldar a cinefilia de gerações de brasileiros, tenha sido Kelly que morreu no mesmo dia de Cosme Alves Netto. A história do curador, ativista político, diretor da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM) por cerca de 25 anos e até ator — no longa-metragem “Cinema de lágrimas” (1995), de Nelson Pereira dos Santos — é narrada em “Tudo por amor ao cinema”, de Aurélio Michiles, realizador de “Que viva Glauber!” (1991) e “Cineasta da selva” (1997). O filme foi escolhido para abrir no Rio a 19ª edição do festival É Tudo Verdade, evento exclusivo de documentários que será realizado entre os dias 3 e 13 de abril. — Nada melhor para abrir o festival no Rio do que um documentário que celebra uma personalidade tão marcante para a história da cinefilia na cidade e tão caloroso em sua paixão pelo cinema — diz Amir Labaki, diretor do É Tudo Verdade. — Cosme é uma referência em vários sentidos: de defesa do cinema em toda a sua pluralidade e em seu mais amplo espectro; de batalha pela preservação e difusão da história do cinema; e de militância democrática e social. A história de Alves Netto com o cinema começou no fim dos anos 1950, quando ele foi enviado pelo pai, o deputado constituinte Cosme Alves Filho, de Manaus para o Rio, para completar seus estudos. Alves Netto formou-se em Filosofia na UFRJ e em Comunicação Social na PUC-Rio, mas foi o cinema que despertou seu interesse. Entre 1959 e 1962, ele foi diretor do Grupo de Estudos Cinematográficos (GEC) da União Metropolitana de Estudantes (UME), um dos mais importantes cineclubes do período. — O Cosme adorava cinema, e era uma pessoa com um gosto muito eclético. Ele tinha alma mesmo de curador, aquele espírito do Langlois (o arquivista francês Henri Langlois, cofundador da Cinemateca Francesa). E guardava tudo — conta o jornalista e escritor Sérgio Augusto. — Ficamos amigos no fim dos anos 1950. Eu fazia críticas de cinema para o jornal “O Metropolitano”, da UME, e dei uma pichada numa retrospectiva sobre o cinema francês que o Cosme preparou no GEC. Aí ele veio falar comigo e ficamos amigos. Anos depois, chegamos a planejar um livro juntos, sobre ficção científica. Ele teria um nome pomposo: “O cinema da véspera atômica”. Felizmente não levamos adiante. Logo o GEC se destacou pelo teor político de sua programação, uma tendência que se repetiu três anos depois, a partir de 1965, quando Alves Netto assumiu a curadoria da Cinemateca do MAM. Em “Tudo por amor ao cinema”, o carioca Arnaldo Carrilho, diplomata que foi um disseminador do cinema brasileiro no exterior e morreu em junho do ano passado, foi preciso ao descrever Alves Netto: “O Cosme teve muita dificuldade política, porque ele tinha o negócio que os comunistas têm, que é a religiosidade do marxismo. E ele era cristão. Ser cristão e marxista dá um problema miserável porque ambos são messiânicos”.

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Por conta desse seu marxismo dogmático, Alves Netto foi preso duas vezes pela ditadura militar. A primeira ocorreu em 1964, quando ele estava de casamento marcado para dali a 15 dias. Ele ficou seis meses detido e, segundo depoimento de Carrilho, teve que presenciar a queima do negativo de “O encouraçado Potemkin” (1925), do soviético Sergei Eisenstein. — A Cinemateca do MAM era um polo de resistência intelectual, e o Cosme era sua liderança — lembra Alberto Shatovsky, consultor de programação do Grupo Estação. — Agora, tinha um detalhe curioso: o Cosme conhecia todos os filmes e todos os cineastas, mas ele não via tantos filmes assim. O que ele tinha de muito forte era o desejo de preservação tanto dos filmes quanto da cultura cinematográfica. “Tudo por amor ao cinema” mostra bem como Alves Netto buscava guardar todos os filmes possíveis na Cinemateca do MAM. Em entrevista ao documentário, Eduardo Coutinho, morto no início de fevereiro, lembra que as primeiras sequências de seu “Cabra marcado para morrer” (filme que começou a ser rodado nos anos 1960, mas só pôde ser finalizado e lançado em 1984) ficaram escondidas na Cinemateca. “Guardamos com o título ‘Rosa do campo’, para evitar que, caso batessem lá, alguém achasse que fosse subversivo.” O que não se conseguiu evitar, porém, foi o incêndio no MAM, em julho de 1978. A Cinemateca, por sorte, acabou não atingida, mas o documentário de Aurélio Michiles levanta a hipótese de a tragédia ter sido provocada por integrantes do governo militar, descontentes com a politização do museu. — Cosme teve a coragem de colocar em risco a sua vida durantes os anos terríveis da ditadura, quando escondeu filmes com nomes trocados e exibiu clandestinamente obras proibidas (como o próprio “O encouraçado Potemkin” e “Alexander Nevsky”, também de Eisenstein) — conta Michiles. — Por isso, “Tudo por amor ao cinema” não é somente uma homenagem a um importante personagem do cinema, mas também uma homenagem àqueles que, com amor, fizeram e fazem do cinema parte de nossas vidas. Amazonense como Alves Netto, Michiles entrevistou 67 pessoas para a realização de “Tudo por amor ao cinema”. O documentário teve imagens gravadas em Manaus, Rio, São Paulo, Salvador, Brasília, Mossoró, Havana e Lisboa. Para a montagem, o diretor utilizou cenas de 70 filmes em alternância aos depoimentos: no fim, as imagens de obras conhecidas servem como uma espécie de dramatização para as histórias em torno do protagonista. O próprio Michiles conheceu Alves Netto e, como muitos outros Brasil afora, foi incentivado por ele em sua carreira no cinema: — Depois que fiz o documentário “Que viva Glauber!”, o Cosme me ligou dizendo que eu tinha que fazer um filme sobre o Silvino Santos, que foi um pioneiro no cinema amazonense. E acabei formatando o “Cineasta da selva” por incentivo dele. Só que, quando eu estava prestes a começar a filmar, o Cosme morreu, e eu me senti meio órfão. Aí os anos se passaram e alguns amigos me “desafiaram” a fazer um filme sobre ele. Mas eu não queria fazer apenas um cinebiografia, e sim alguma coisa que revelasse o tempo em que o Cosme viveu e por que ele optou por fazer dos filmes a história da sua vida.

LUSOJORNAL (FRANÇA) – Hommage d’autres Brésils à Eduardo Coutinho

(12/03/2014) Février a accueilli une triste nouvelle pour le Brésil: la disparition d’un des plus grands cinéastes brésiliens, Eduardo Coutinho. Figure centrale du documentaire social, ce grand homme nous a quitté à 80 ans, laissant derrière lui de nombreux chefs d’oeuvre acclamés pour leur justesse, leur force et cet autre regard posé sur la société brésilienne. Invité de la première édition de Brésil en Mouvements, en 2005, Eduardo Coutinho, représente beaucoup pour Autres Brésils, c’est pourquoi l’association a décidé de lui rendre hommage autour de 2 événements: Le jeudi 13 mars au Cinéma La Clef avec la projection de «Edificio Master ». La projection sera suivie d’une rencontre avec Anna Glogowski. Le jeudi 20 mars, en collaboration avec le Cinéma du Réel, lors de la séance d’ouverture de l’édition 2014, dédiée au réalisateur. A cette occasion sera projeté «Cabra Marcado para Morrer», film clé dans le parcours du cinéaste.

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TEATRO E DANÇA

O GLOBO – Troca de papéis / Da tela ao palco 'Se eu fosse você, o musical' estreia no dia 21 no teatro Oi Casa Grande mesclando história bem-sucedida no cinema a grandes sucessos de Rita Lee Nani Rubin

(09/03/2014) De um lado, dois grandes êxitos do cinema brasileiro recente: os filmes "Se eu fosse você", 1 e 2, vistos por mais de nove milhões de pessoas. De outro, uma sucessão de hits de Rita Lee, como "Ovelha negra", "Doce veneno" e "Perigosa". A partir do próximo dia 21, essas duas histórias de sucesso estarão reunidas em "Se eu fosse você, o musical", que estreia no Teatro Oi Casa Grande. Com orçamento de R$ 8 milhões, o espetáculo tem uma missão maior do que a de adaptar para o palco a trama de Claudio e Helena, casal que vê, repentinamente, seus corpos trocados. Aqui, o desafio é o de garantir a organicidade do espetáculo, tornando harmoniosa a passagem das cenas faladas para as cantadas - e vice-versa. - Essa é a grande dificuldade - reconhece o diretor e coreógrafo Alonso Barros. - Diferentemente de um musical como "Mamma mia", em que a história foi criada para costurar as músicas, aqui já existia uma história - diz ele, que aposta no ritmo próprio da comédia e em cortes rápidos, inspirados no cinema, para fazer fluir o espetáculo.

Coreógrafo elogiado por seus trabalhos em "Hair" e "Como vencer na vida sem fazer força", Barros - cuja maior parte da carreira foi desenvolvida na Áustria, onde comandou também óperas -"herdou" a direção de Daniel Filho, que assina os dois longas, e que aqui faz a supervisão-geral. Foi de Daniel que veio a sugestão de usar como trilha as músicas de Rita Lee (são 26, incluindo o medley final). Na verdade, de uma das enteadas dele, Barbara Duvivier, filha da cantora Olivia Byington. Flavio Marinho adaptou o texto dos longas, usando basicamente a trama do segundo filme - em que a filha do casal anuncia que está grávida -, com alguns elementos do primeiro, intercalando as músicas. Na peça, que tem direção musical de Guto Graça Mello, Claudia Netto e Nelson Freitas interpretam os papéis defendidos no cinema por Glória Pires e Tony Ramos. - São duas escolas bem diferentes. A Claudia é muito rigorosa, o Nelsinho é supernaturalista. Mas eles estão trocando o tempo todo, a química entre eles está muito boa - diz Barros, que tem se preocupado em cortar os excessos. - Comecei deixando vir tudo, para ir filtrando depois. Nelson Freitas, que iniciou sua carreira pelo teatro musical e há 15 anos tem seu talento de comediante corroborado, a cada semana, no programa "Zorra total", da Globo, diz que o trabalho tem sido "um suplício": - Eu me coço para fazer o público rir, porque esse é o caminho mais fácil para mim, mas o espetáculo tem essa necessidade imperativa de que você acredite na possibilidade de eles terem trocado de corpo. Tenho então que ser contido, para chegar a uma mulher no corpo de um homem. E não qualquer mulher: a mulher que a Claudia faz. Claudia Netto, cria do teatro musical, com desempenhos louvados em "Avenida Q" e "Judy Garland", também destaca o trabalho de composição de sua personagem: - Estou apanhando aqui. Em 80% da peça sou um homem, então tenho que me desconstruir. No início dos ensaios eu fazia um gorilão, da mesma forma que o Nelson fazia uma bicha. Agora, estamos chegando lá, focando em pequenos detalhes - diz ela, que não esconde, como Freitas, o prazer com o repertório. - Cantar Rita Lee lava a alma.

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O ESTADO DE S. PAULO - 'Elis - A Musical' chega a São Paulo depois de ser aplaudida por 80 mil Dirigido por Dennis Carvalho e com roteiro de Nelson Motta, espetáculo estreia sexta, no Teatro Alfa Ubiratan Brasil

(09/03/2014) O espetáculo acompanha os quase 37 anos de vida de Elis Regina, uma mulher que amou intensamente e deixou rastros profundos na trajetória daqueles com quem conviveu. 'Elis – A Musical' estreia sexta-feira no Teatro Alfa, depois de uma vitoriosa e emocionante carreira no Rio de Janeiro. Um sucesso que não se explica apenas pela delicadeza da direção de Dennis Carvalho ou pelo engenhoso roteiro de Nelson Motta e Patrícia Andrade – o gerador de tanta paixão está no palco, na voz e na

interpretação de um elenco de 19 atores, notadamente sua protagonista, Laila Garin, uma baiana de olhos claros e sorriso aberto. “Quando essa moça começou a cantar, todos ficamos arrepiados”, lembra-se Dennis Carvalho no dia em que Laila fez o teste para o papel, no ano passado, quando interpretou 'Fascinação'. Ao lado do diretor, igualmente trêmulos, estavam, entre outros, Nelson Motta e Aniela Jordan, sócia da Aventura Entretenimento, empresa que vem apostando na criação de musicais brasileiros, como esse. “Habemus Elis!”, anunciou Motta a João Marcello Bôscoli, músico, produtor musical e filho de Elis. A emoção era justificada – depois de um longo período de testes com mais de 300 candidatas, a escolha de Laila representava uma primeira vitória em um projeto audacioso que retrata um mito da MPB, uma mulher de personalidade incandescente, complexa, repleta de aptidões e sentimentos contraditórios, como define João Marcello. E, não bastasse ter vivido uma trajetória tão intensa, Elis era dona de raras qualidades vocais – afinação impecável, timbre rico e maleável, senso de ritmo e dicção limpa, como bem define a pesquisadora Nubia Melhem Santos. Ou seja, um desafio para quem decidisse encarnar o personagem. Ciente disso, Dennis Carvalho decidiu não recriar Elis Regina no palco, mas prestar uma homenagem à cantora, de quem foi grande amigo. “Com esse cuidado, Dennis me protegeu e evitou comparações”, conta Laila, que conversou sexta-feira com o Estado. “Mas, ao mesmo tempo, ele me fornecia vídeos com imagens da Elis para eu melhor compreendê-la.” O resultado é uma interpretação única. Laila tanto confere seu toque pessoal como consegue criar momentos de rara identificação, em que reproduz com precisão o mesmo gingado de falar e de andar da cantora. Com isso, ela provocou reações passionais do público carioca, estimado em 80 mil pessoas durante toda a temporada. “Em São Paulo, sei que haverá outro tipo de expectativa, pois Elis viveu aqui momentos importantes de sua vida”, diz ela, que precisou adaptar sua voz de soprano para a de contralto da cantora. “Também é uma cidade marcante para mim.” Filha de mãe baiana e pai francês, Laila nasceu em Salvador e moldou sua carreira artística ao lado de grandes mestres. Em 2002, por exemplo, fez um estágio no Théâtre du Soleil, comandada por Arianne Mnouchkine. De volta ao Brasil no ano seguinte, trabalhou com grupos de sólida tradição

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dramática, como o de Luis Carlos Vasconcelos e o de Cacá Carvalho – com este, em São Paulo, participou das criações da Casa Laboratório, importante centro de experimentação e pesquisa teatral. Já a inspiração para criar o papel de Elis veio de dentro de casa. “Sou filha da geração de Elis, por isso, busco olhar o mundo retratado no espetáculo da mesma forma que minha mãe, Nadja Miranda, que viveu a ditadura militar, defendeu os direitos civis em maio de 68, foi presa e torturada. Uma mulher que soube lidar com política e drogas, ou seja, o mesmo ambiente de Elis.” Quando fala, Laila abre um sorriso que brinca em torno das bordas de sua boca, ameaçando materializar-se diante da mínima provocação. Quando finalmente se espalha por seu rosto, lenta e tranquilamente, transforma esse moça basicamente normal em uma mulher encantadora. Ciente da necessidade de empenho (“Quando escreveu o roteiro, Nelsinho Motta parece que se esqueceu que seres humanos iriam representar”, brinca), ela se cuida para as extenuantes 3 horas de espetáculo. Atualmente, participa de 8 horas diárias de ensaios para também ajudar Tuca Andrada, que assume o papel de Ronaldo Bôscoli, vivido no Rio por Felipe Camargo, que não pode continuar. “Eu não esperava entrar no espetáculo, pois pretendia passar três meses estudando nos EUA”, conta Tuca. “Mas, ao felicitar Dennis, ele me convidou para substituir o Felipe. Não pude recusar.” Familiarizado com o teatro musical (participou, entre outros, de 'O Beijo da Mulher Aranha' e 'O Rei e Eu'), Tuca terá, no primeiro momento, de reproduzir a atuação criada por Felipe Camargo. “Isso para não atrapalhar a representação do resto do elenco, que está habituado ao jeito do Felipe e até incorporou algumas de suas improvisações. Mas, já na segunda ou terceira semana, terei condições de interpretar ao meu estilo.” Primeiro marido de Elis (que também foi casada com César Camargo Mariano), Ronaldo Bôscoli teve grande importância no desenvolvimento de sua carreira. Mas, também era um virtuose da maledicência, como bem mostram os palavrões ditos na peça nos momentos mais engraçados.

FOLHA DE S. PAULO – Massa de corpos dança em palco-ringue Coreografia do piauiense Marcelo Evelin, com bailarinos nus pintados de preto, mobiliza reações do público Criação de inspiração política é influenciada por livro do escritor búlgaro Elias Canetti e pelas artes plásticas Iara Biderman (12/03/2014) O coreógrafo piauiense Marcelo Evelin, 51, define suas criações como obras políticas e diretas. "A dança saiu do lugar de mostrar o belo e o tecnicamente eficiente e se colocou na posição de abrir uma rachadura, um lugar de discussão", diz Evelin à Folha. É esse tipo de lugar que ele tenta criar no espetáculo "De Repente Fica Tudo Preto de Gente", apresentado hoje e amanhã na programação da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo.

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Cena da coreografia 'De Repente Fica Tudo Preto de Gente', de Marcelo Evelin O espaço onde coloca sua dança e o público é um ringue --literalmente. Dentro dele, um amontoado de corpos nus pintados de preto se movimenta contra e a favor do público. Uma das inspirações para a criação da coreografia é o livro "Massa e Poder", do escritor búlgaro Elias Canetti (1905-1994). Na obra, Canetti analisa as reações humanas em situações de poder, paranoia, medo e agressividade. "No espetáculo, discuto como as individualidades são dissolvidas em função da potência da massa. Mas também uso a ideia de que os corpos pressionados uns aos outros ajudam a vencer o medo do outro", diz Evelin. Para criar a sua massa, o coreógrafo juntou corpos de Teresina, Ipatinga, São Paulo, Amsterdã e Kyoto. Ele conta que os artistas só se conheceram no primeiro ensaio, há cerca de dois anos. "Foi um risco, poderia não ter dado certo. Mas hoje é realmente uma massa, não só coreográfica, eles criaram uma proximidade na vida." Já os espectadores são mobilizados pela movimentação dos bailarinos, aproximando-se e afastando-se de acordo com a ocupação do espaço pelos artistas. Como a iluminação está nas bordas do palco, isso faz com que o público mude a luz do espetáculo. Quando as pessoas se concentram sobre os corpos unidos dos bailarinos, fica tudo escuro mesmo. Quando os movimentos dos intérpretes ficam mais violentos e o público recua, a luz fica difusa pelo palco. O impacto visual explicita a influência das artes plásticas no trabalho de Evelin. "A maneira de se comunicar hoje está muito influenciada pelas artes visuais. Minha dança já foi muito ligada ao teatro, mas caminho cada vez mais para uma coisa plástica", diz o coreógrafo. Sem deixar a política de lado. Seu próximo projeto, "Batucada", é bastante influenciado pelas manifestações do ano passado no Brasil e movimentos como o Occupy. Ele vai levar 50 bailarinos de vários países do mundo às ruas de Bruxelas em 24 de maio, um dia antes das eleições para o Parlamento Europeu.

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ARTES PLÁSTICAS

VALOR ECONÔMICO - Pagu, a musa radical

Walnice Nogueira Galvão

De Pagu (Patrícia Galvão: 1910-1962) pouco se sabia até recentemente. Apenas uma vaga noção de que fizera parte dos fastos modernistas, de que dera a volta ao mundo, de que se dedicara à militância e à vida operária, de que passara longo anos na prisão, de que era uma pioneira do feminismo. De que era, enfim, uma grande e rara libertária.

Tudo isso é verdade. Pagu participou da "Revista de Antropofagia", de Oswald de Andrade, contribuindo com

desenhos, de traço inconfundível. Também com Oswald encarregou-se do jornal "O Homem do Povo", que tiraria oito números antes de ser empastelado pela direita e por isso fechado pela polícia a pretexto de proteger os jornalistas. Para essa folha, além de desenhar, escrevia. Criou uma história em quadrinhos em que a heroína se chamava Kabeluda, uma garota revolucionária dotada de luxuriante cabeleira: um autorretrato. A seção intitulada "A mulher do povo", mantida por Pagu, reservava suas invectivas às damas grã-finas, ociosas e alienadas.

Autorretrato

É fácil identificar o autorretrato porque, como muitos outros que dela restaram, encontra-se explicitado nos versos de Raul Bopp: "Pagu tem uns olhos moles/ Uns olhos de fazer doer (...)/ Passa e me puxa com os olhos/ Provocantissimamente/ Mexe-mexe bamboleia/ pra mexer com toda a gente".

Fora ele, que anteriormente já a conhecia, quem a apresentara com seus poemas de estreia aos companheiros modernistas. Pagu abala o cenário com seu comportamento inconvencional, a exuberância da cabeleira, a boca polpuda, os olhos derramados comprováveis em fotos e desenhos: seriam sua marca registrada.

Resgate tardio

Foi aos poucos, e apesar de um bom tempo ter-se passado, que Pagu começou a ser retirada do ostracismo em que mergulhou durante décadas após sua morte. A renovação do interesse por essa passageira do futuro data de poucos anos, quando começaram a ser publicados vários de seus inéditos. Para isso contribuiu a dedicação de seus dois filhos, os conhecidos intelectuais Rudá de Andrade e Geraldo Galvão Ferraz. Foram eles que pesquisaram, reuniram, resgataram, publicaram, filmaram, gravaram, editaram e montaram sites, inspirando outros estudiosos a fazer o mesmo.

Como resultado vieram à luz as memórias incompletas; o "Álbum de Pagu", com poemas e desenhos, de 1929; os croquis; o livro "Safra Macabra", contendo os contos policiais estampados em 1944 na revista "Detetive", dirigida por Nelson Rodrigues, e assinados por King Shelter. E também a edição fac-similar de "O Homem do Povo", o jornal que produziu com Oswald. Todos esses, de sua autoria. A seu respeito, várias biografias e uma bela fotobiografia.

Uma tardia e crescente popularidade acarretou estudos, teses universitárias, reedições, fundação de centros culturais e de pesquisa, filmes de ficção, documentários, espetáculos teatrais, programas de televisão, nomes de revistas e de escolas, uma canção de Rita Lee, enredos de desfile de Carnaval. E uma exposição mais do que completa no Museu Lasar Segall. Entre outras instâncias, a Universidade Estadual de Campinas abriu um centro de pesquisa sobre gênero que leva seu nome; e edita a revista "Cadernos Pagu". Textos seus figuram numa antologia do marxismo na América Latina e em dicionários da esquerda.

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Uma vida plena

Foi assim que gradualmente adquiriram contornos mais nítidos os passos da biografia dessa grande precursora das inúmeras mulheres que se tornaram presas políticas porque lutaram contra a ditadura Vargas ou contra a ditadura militar implantada em 1964. Vale lembrar que Pagu é contemporânea de outra extraordinária militante, Olga Benário Prestes, mulher de Luiz Carlos Prestes, a judia comunista que Vargas entregou, grávida, a Hitler, para ser assassinada na câmara de gás de um campo de concentração.

Um lance histórico foi decisivo para a definição tanto de Pagu quanto dos modernistas: a crise econômica de 1929, que abriu passo a uma reconfiguração de forças, com dissidências à direita e à esquerda entre os intelectuais e artistas. Encerra-se a década de eclosão e fastígio do modernismo. Nesse processo, o novo casal formado por Pagu e Oswald filia-se ao Partido Comunista, tornando-se ambos ativistas da revolução.

Sua primeira prisão deu-se em Santos - maior porto do Brasil e escoadouro de sua riqueza principal de então, o café - em 1931, quando, trabalhando como operária, participou de uma greve de estivadores.

Sob o pseudônimo de Mara Lobo publica "Parque Industrial" - romance proletário, cujo entrecho cuida de trabalhadoras pobres, que se deixam seduzir pela sereia dos dom-juans ricos, circulando por ali em seus enormes carros de luxo, e acabarão degradadas em prostitutas. Nada existe de comparável em nossa literatura enquanto ativismo comunista e feminista.

Logo encetaria seu périplo (1933-1934), lendário na tradição oral, até que fosse comprovado pela publicação das memórias, em 2005. Como correspondente de vários jornais, visitaria Estados Unidos, Japão, China, de onde consta que teria trazido as primeiras sementes de soja, Manchúria e Rússia. Depois iria para a Europa, detendo-se por algum tempo na França e militando no Front Populaire. No itinerário, contatos com Freud, o último imperador chinês Pu Yi, os surrealistas franceses.

Novamente presa na repressão que se seguiu ao levante comunista de 1935, ao ser libertada cinco anos depois estava exaurida pelos maus-tratos e pesava 44 quilos. Rompe com o partido. Desse mesmo ano data sua união com Geraldo Ferraz, escritor e jornalista, com quem viveria até o fim de seus dias.

Mais um livro, "A Famosa Revista", escrito a quatro mãos com Ferraz, seria publicado em 1945.

Últimos anos

Por essa altura retoma, para não mais abandoná-lo, o jornalismo, seu ganha-pão e canal de expressão. Entra para o corpo de redação da "Vanguarda Socialista", fundada por Mário Pedrosa, que congregaria a nata da intelectualidade de esquerda anti-stalinista.

Pagu transfere-se com seus ideais utópicos para o pequeno Partido Socialista, pelo qual seria candidata a deputada estadual em 1950. Na campanha, publica "Verdade e Liberdade", expondo os motivos que a levaram a romper com o Partido Comunista.

Mudando para Santos, continua acompanhando a cena cultural, frequentando exposições, teatros, concertos, lendo livros novos e velhos, água para o moinho de seus escritos. No jornalismo, permaneceria inconformista e fiel às vanguardas, exigente, sarcástica, adepta de fórmulas fulminantes. Como se não bastasse, sempre insubmissa na defesa dos avanços modernistas e contestatária na denúncia dos retrocessos, fossem estéticos, políticos ou comportamentais. Seu apego ao teatro, que se dedicou a organizar naquela cidade e onde se tornaria presidente da associação de amadores, daria a tônica nesses anos.

Depois da sua morte, em 1962, aos 52 anos, a cidade onde se fixou e tanto labutou na última fase de vida lhe fez uma justa homenagem, ao consagrar e batizar a Casa de Cultura Patrícia Galvão, da Prefeitura de Santos.

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Walnice Nogueira Galvão é professora emérita da FFLCH-USP. Autora de livros sobre Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, crítica literária e cultural. Seu último livro é "Sombras & Sons" (2011)

FOLHA DE S. PAULO – Galerias de NY descobrem nova onda de brasileiros Silas Martí Depois do sucesso de Lygia Clark e Oiticica, casas da cidade disputam 2ª safra de artistas consagrados Estrangeiros buscam os nomes mais caros, como Mira Schendel, Waldemar Cordeiro e Geraldo de Barros

Divulgação "O Beijo" (67), objeto de Waldemar Cordeiro (1925-1973). O artista foi o maior destaque da galeria Luciana Brito na última Armory Show e estará em mostra no Walker Art Center, em Minneapolis, nos EUA, no ano que vem

(10/03/2014) Na porta de uma galeria em Manhattan, o calor da conversa contrasta com as temperaturas abaixo de zero do inverno norte-americano. Fumando seus cigarros, dois galeristas da cidade esquadrinham o mercado brasileiro. "Estou louco para mostrar o Leonilson", diz Olivier Renaud-Clément, que inaugurou na semana passada uma mostra da artista Mira Schendel na

Hauser & Wirth, em Nova York. "Você deveria correr atrás da Lygia Pape", rebate Denis Gardarin, que em maio fará uma mostra de Geraldo de Barros na cidade.

Geraldo de Barros / Reprodução Fotografia de Geraldo de Barros incluída na exposição "Fotoformas", que reúne trabalhos realizados entre 1948 e 1951. Barros (1923-1998) terá em maio uma mostra individual na galeria Tierney Gardarin, em Nova York.

Essa conversa entreouvida na entrada da mostra de Schendel, com obras à venda por até R$ 2,8 milhões, reflete um momento de caça aos artistas mais caros do país pelas galerias estrangeiras.

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Depois do sucesso atingido por Hélio Oiticica e Lygia Clark, com obras que já bateram a marca dos R$ 5 milhões, galeristas procuram novas estrelas para alimentar o mercado fora do Brasil. Mira Schendel despontou com força nessa onda. Depois de sua mostra na Tate Modern, em Londres, no ano passado, a Hauser & Wirth, uma das casas mais fortes do mundo, fechou um acordo com os herdeiros da artista para representar seu espólio. Justin Tallis/AFP

Visitante em frente da obra "Ondas

Paradas de Probabilidade", da artista

plástica Mira Schendel (1919-1988), no

Museu Tate Modern, em Londres. A artista

vive o auge do reconhecimento

internacional depois de uma mostra no

MoMA, há cinco anos, e de uma

retrospectiva na Tate Modern, em

Londres, no ano passado.

Mas ela não está sozinha. Na mesma galeria, Anna Maria Maiolino terá uma mostra em maio. Geraldo de Barros também será representado por uma casa nova-iorquina a partir do mesmo mês, enquanto o espólio de Oiticica já tem representação na ilha. Segundo a Folha apurou, herdeiros de Lygia Pape negociam com a poderosa galeria Gladstone, e há uma forte procura por Waldemar Cordeiro, Sérgio Camargo, Alair Gomes e Judith Lauand por grandes casas de Nova York.

Obra com madeira pintada em relevo, do

artista plático Sérgio Camargo (1930-1990).

Representado pela galeria Raquel Arnaud, o

espólio de Camargo também vem chamando

a atenção de casas americanas.

"A economia brasileira está indo para o ralo", diz Denis Gardarin, ex-diretor da White Cube e hoje dono da própria galeria em Manhattan. "Sabemos que o mercado vai sofrer uma deflação, então é bom investir agora, quando ainda está quente." PREÇOS NAS ALTURAS Na entrada da Armory Show, feira de arte encerrada ontem e uma das mais tradicionais em Nova York, Glenn Lowry, diretor do MoMA, que em maio abrirá uma retrospectiva de Lygia Clark, foi mais conciso, dizendo que "as galerias sempre vão aonde há oportunidades".

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Esse novo foco do mercado, aliás, era bem visível na Armory, com obras de Lygia Clark, Waldemar Cordeiro e Sérgio Camargo ostentando preços nas alturas, de R$ 1,2 milhão por um relevo de Camargo a R$ 3,6 milhões pelo "Livro Sensorial" de Clark. "Está acontecendo um movimento de pegar os artistas brasileiros mais caros", diz Thiago Gomide, da galeria Bergamin. "Os estrangeiros estão correndo atrás para ver onde comeram bola, ver se não ficou um Oiticica para trás. Isso mostra a maturidade do mercado do país." Também revela a escassez de obras desse nível. Luciana Brito, que representa o espólio de Cordeiro e levou uma série de obras raras do pioneiro do concretismo paulista à Armory, conta que sua estratégia foi preservar as peças até agora para vender quando o mercado atingisse um momento de pico. "Todo mundo vendeu muito rápido seus acervos", diz Luciana Brito. "Essa arte de altíssimo nível, de

qualidade AA', está em falta agora." "Livro do Tempo", de 1953, de Lygia

Pape, parte da mostra da artista em

Madri (Espanha). Pape (1927-2004)

despontou no circuito internacional

depois de sua retrospectiva no

Reina Sofía, em Madri. Seus

herdeiros vêm sendo procurados por

galerias estrangeiras para fechar

uma representação da artista, entre

elas a Gladstone, de Nova York

(Paula Pape / Divulgação)

FOLHA DE S. PAULO – Feira americana se reinventa com foco nos emergentes (10/03/2014) Num cenário cada vez mais saturado, a Armory Show, mais tradicional feira nova-iorquina, vem tentando se reinventar. Desde que assumiu o comando do evento há três anos, Noah Horowitz conta que seu objetivo é "repensar e energizar" tudo. E a estratégia que encontrou foi apelar para os mercados emergentes, tendo já destacado galerias latino-americanas em edições passadas e, neste ano, criando uma ala só para a China. "Todo o cenário tem passado por abalos sísmicos, as mudanças são enormes", diz Horowitz. "O número de feiras e bienais aumentou tanto que há muito mais ruído." No caso do Brasil, a edição da feira que terminou ontem foi uma tentativa de limpar o caos e estabelecer alguns nomes que devem estar na lista de todo colecionador. Luciana Brito, galerista paulistana que está no comitê de seleção da Armory, levou obras do concretista Waldemar Cordeiro. A Bergamin, também de São Paulo, destacou alguns trabalhos raros de Lygia Clark e Mira Schendel, enquanto a Raquel Arnaud apostou em Sérgio Camargo. Essa foi uma das maiores representações brasileiras na feira, mas também chamou a atenção o fato de galerias estrangeiras também terem escolhido brasileiros como carros-chefe de suas seleções. Depois de fechar exclusividade na representação de Lygia Clark, a casa britânica Alison Jacques levou à Armory uma instalação inédita da mais nova integrante de seu time --Fernanda Gomes.

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"Não sei dizer por que a obra dela tem se tornado mais relevante agora", diz Charlotte Marra, diretora da Alison Jacques. "Mas achamos que esse seria o melhor momento para mostrar isso em Nova York. Estão percebendo a habilidade dela em trabalhar com texturas e sutilezas."

O ESTADO DE S. PAULO - Desafio inicial Museu de Arte do Rio comemora aniversário com rachaduras e sucesso de público Para diretor, danos não afetam a estrutura do prédio construído na zona portuária Roberta Pennafort - Rio (10/03/2014) Grande novidade carioca de 2013 na área museológica, junto com a Casa Daros, o Museu de Arte do Rio completou um ano no carnaval. Em meio à confusão dos blocos do centro da cidade, as portas não abriram. A comemoração, no entanto, havia começado em fevereiro, com a abertura da exposição Encontro de Mundos – uma seleção de obras doadas à instituição. Foi a forma que a direção do MAR encontrou de homenagear os mais de 100 benfeitores de todo o País que já propiciaram a criação de 50 fundos (conjuntos de obras de diversos gêneros e suportes). O primeiro ano foi de adequação ao prédio, na zona portuária do Rio, de formatação das coleções e de desenho das funções sociais do museu, que pertence à Prefeitura. Foi um ano de boas notícias e, também, de momentos tensos. A visitação bateu 330 mil pessoas de março a dezembro, o triplo do que se esperava. Segundo pesquisa, “68% dos cariocas já sabem da existência do MAR”, disse o diretor cultural, Paulo Herkenhoff. Causaram suspense a quase invasão do museu por manifestantes da linha Black Bloc em agosto passado, durante protesto contra o governador Sérgio Cabral (o grupo achou que Cabral estava lá e Herkenhoff teve de agir para que a polícia não interviesse violentamente, chegando a receber voz de prisão por isso) e o aparecimento de rachaduras no prédio em janeiro, apenas dez meses depois de ter sido inaugurado. “Eu não podia deixar que o museu fosse um espaço de repressão. Em nenhum momento me senti ameaçado pelos Black Blocs. Expliquei que eles não deveriam quebrar nossos vidros porque somos uma escola. Eles entenderam e fiquei comovido”, lembrou o diretor. Sobre as rachaduras, na área da bilheteria, além de fissuras numa rampa e do afundamento do piso na saída do prédio, provocadas pelo impacto das obras pesadas em seu entorno, que preveem escavações e explosões, não há o que temer, ele garante. “Foi na argamassa, nada estrutural. O museu foi barato, os materiais são simples, não tem mármore. Foram R$ 80 milhões, o custo de duas Bienais de São Paulo”, justifica. “Nada foi surpresa, estava tudo previsto. Você vai deixar de abrir um museu numa área em obras só por que vai ter uma rachadura no reboco?” Caminhos. Diferentes temas (os chamados “núcleos significativos”) do acervo do MAR estão representados na mostra Encontro de Mundos, que ficará em cartaz até maio. Do século 17 ao 21, foram selecionadas 160 obras de artistas bem distintos, como Aleijadinho, Taunay, Afonso Tostes, Vik Muniz e José Bento, e também objetos simbólicos das culturas africana, indígena e judaica, num diálogo transversal que passa por arquitetura, urbanismo, religião, natureza e cultura popular. São assuntos caros ao MAR e à anexa Escola do Olhar, dedicada a projetos de aprendizado e estudos da arte – estes e muitos outros assuntos, do intercâmbio com comunidades carentes, como o Complexo da Maré, à discussão de temas de interesse permanente, como o racismo, com a sociedade e a academia. É pouca verba disponível para aquisição de obras (o orçamento total é de cerca de R$ 13 milhões, acrescido do mesmo valor via Lei Rouanet), preço de um banco de madeira de Guignard e uma pequena tela de Tarsila do Amaral. Já a oferta de doadores (que, assim, garantem a conservação e a divulgação das peças) e de artistas (cujo trabalho passa a ser mais conhecido) é farta. E assim o acervo vai sendo enriquecido.

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Com passagens pelo Museu de Arte Moderna do Rio, o Museu Nacional de Belas Artes e o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), Herkenhoff estima que seja necessária uma década para que um museu se defina e se estabeleça. “Estamos engatinhando e vivemos em estado de porosidade. Temos que perguntar o que a sociedade quer do museu”, acredita o diretor. “Para esse ano, o desafio é avançar na educação, em especial no ensino fundamental. Fomos visitados por 64 coordenadoras de escolas com baixo desempenho pedindo ajuda. A líder dessas escolas disse que depois que os alunos vieram aqui, melhorou a autoestima e o interesse na aula”, conta o diretor. Ele também quer intensificar a divulgação do MAR em hotéis e guias de turismo, a fim de atrair mais turistas estrangeiros.

O ESTADO DE S. PAULO – A pintura pura Lorenzato em exposição Obras do artista mineiro, que sintetiza erudito e popular em sua produção, é apresentada em São Paulo Camila Molina

Raiz italiana. Domínio da história da arte na criação de pinturas de apelo perceptivo

(11/03/2014) Para o artista mineiro Lorenzato (1900-1990), o pintor renascentista Rafael Sanzio era "muito lambido". A definição foi feita, entre outras coisas, pela própria experiência, na década de 1930, de restaurar um afresco do italiano na Villa Farnesina, em Roma. Lorenzato dizia preferir a obra de outro grande da época, Masaccio, lia o histórico Vida dos Artistas, de Giorgio Vasari (1511-1574), falava cinco línguas, mas viveu por décadas na periferia de Belo Horizonte, sem alarde, com pouco dinheiro. Trabalhou, por muito tempo, como pintor de parede e pedreiro até aposentar-se, forçosamente, aos 51 anos, devido a um acidente. Mais ainda, desde jovem e até morrer, dedicou-se a criar sua arte, à escultura e ao exercício de uma "pintura pura".

Essa última definição é do professor Laymert Garcia dos Santos, curador da mostra Lorenzato, A Grandeza da

Modéstia, que será inaugurada nesta terça, dia 11, à noite na Galeria Estação com lançamento de livro sobre o pintor e escultor, de autoria de Maria Angélica Melendi. Nas 36 obras expostas, pictóricas, criadas entre as décadas de 1950 e 90, comprova-se o quanto tratou-se de "preconceito" chamar o artista de naïf ou primitivo. Quadros e até um afresco dos anos 80 trazem como motivos casarios, paisagens, árvores frutíferas; composições sempre figurativas porque "ele pinta o que vê", diz o curador, referindo-se àquela pureza da pintura de Lorenzato. Não se tratam de criações intuitivas, mas realizações de um artista com domínio de técnicas, do uso da cor e da luz. De família italiana, ele viveu na Europa entre os anos 1920 e 1948 e teve formação na Real Academia de Vicenza, além de percorrer museus do Velho Continente.

Mas, ao mesmo tempo, uma leveza floresce em suas composições de "apelo perceptivo e não-intelectual", feitas do "olhar sereno" para a natureza. Há, por exemplo, um momento fascinante na exposição, uma sequência de vistas de morros e céus de amanheceres e entardeceres ("paixões de Lorenzato") nas quais o pintor "reduz a figuração" – mas não chega à abstração. A terra está em primeiro plano (e numa das pinturas, ela está impregnada de formas de sombras de árvores). Depois vêm as áreas de azul – ou de vermelho, do firmamento.

É verdade que a mostra, com todas as obras à venda, tem razão mercadológica, mas é a oportunidade de se ver em São Paulo conjunto expressivo da produção de Lorenzato para além de Minas Gerais, onde, de certa forma, ele ficou relegado. Muitas de suas pinturas pertencem a coleções

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mineiras e uma das poucas instituições com suas peças é o Museu da Pampulha, de Belo Horizonte. Entre os preferidos do escultor mineiro Amilcar de Castro, Amadeu Luciano Lorenzato era um "marginal" das artes, não se prendeu a "ismos", prezava a liberdade de fazer, mas "estudou bem", afirma Laymert Garcia dos Santos. E trouxe frecor para a pintura, até mesmo por questão do ofício de artesão da vida simples.

Conta o curador da exposição que Lorenzato usava materiais advindos do trabalho na construção civil – como cal, cimento e massa de colar vitrôs – em suas telas (produzidas por ele próprio com madeira e tecido). O mineiro misturava também cera à tinta de seus quadros (inspirado por técnica de Leonardo da Vinci); desenvolvia, às vezes, a têmpera. Mas a experiência de pedreiro fez Lorenzato criar uma marca única em sua obra, o ato de "pentear" suas composições. "Só ele fez o pente, como o pintor de parede faz na imitação de madeira e mármore", afirma Laymert. A técnica – "como Van Gogh usava o pincel" – confere "vibração" às suas obras, é "vetor de respiração" no gesto pictórico.

CORREIO BRAZILIENSE - A solidez do metal Em catálogo virtual e exposição, obra gravada de Milan Dusek ganha mostra retrospectiva e homenagem no Beijódromo da UnB

Força e destreza para construir um emaranhado de linhas das figuras Nahima Maciel e Vanessa Aquino (11/03/2014) Milan Dusek é um soldado da prensa. Um soldado fiel. Aos 89 anos, ele mantém no ateliê, num quarto da casa em que mora, no Lago Norte, uma enorme prensa para imprimir suas gravuras em metal e faz questão de conduzir os visitantes ao local antes de começar a falar de arte. É que, nos tempos atuais, ele explica, ninguém mais sabe o que é uma gravura. É preciso enxergar o processo de produção para se ter uma ideia do quanto o domínio do traço, da força e da destreza são necessários para construir o emaranhado de linhas que dão forma aos babuínos, às bicicletas, aos pipoqueiros, às medalhas e às paisagens que o

artista consegue registrar. Foi no Rio de Janeiro que Dusek deu os primeiros passos na arte. Nascido em Praga na época em que era capital da Tchecoslováquia, ele emigrou para o Brasil em 1939. Em Brasília, fincou o pé para produzir uma obra que ajudou a construir a história da gravura no Brasil. Por isso, o sentido da exposição Milan Dusek — obra gravada, em cartaz a partir de hoje no Beijódromo da Universidade de Brasília (UnB), não é apenas o de uma retrospectiva (e poucas já foram feitas sobre a obra de Dusek), mas uma oportunidade de verificar todas as facetas de um artista que trouxe a cidade para sua obra sem deixar de fora reflexões universais sobre a arte e o homem. Para Oto Reifschneider, curador da exposição, a obra de Milan deveria figurar nos capítulos da história da gravura brasileira, mas ficou de fora por razões que combinam a própria personalidade do artista e sua localização geográfica. “Ao ver a obra de Milan, me perguntei a razão de ele não estar citado em qualquer um dos livros e mesmo artigos acadêmicos que tratam do assunto (gravura). As explicações são várias: é uma questão geográfica (Milan estava fora dos centros), uma questão de independência e desapego, uma questão de timidez e isolamento. Milan nunca procurou divulgar ativamente sua obra”, explica. A exposição celebra o lançamento do catálogo virtual raisonné (http://issuu.com/milandusek.obragravada/docs/milan_dusek_obra_gravada), no qual estão

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disponíveis imagens de toda a produção do artista dividida em temáticas trabalhadas ao longo de décadas. “O aspecto mais interessante em sua obra é o embate entre domínio da técnica e experimentação. Mesmo com suas temáticas mais ou menos constantes, Milan sempre se sentiu atraído por novos materiais, novas formas de gravar”, repara Reifschneider. “É um de nossos bons gravadores cuja obra não foi cooptada por modismos passageiros”.Artista incansável Milan Dusek chegou a Brasília em 1972, após desmontar seu próprio atelier no Rio de Janeiro — cidade que o acolheu quando chegou da Tchecoslováquia e onde conheceu a arte. Na capital federal, abriu espaço para que outros artistas desenvolvessem a gravura . Metódico, faz questão de explicar peça por peça que retira da pasta cinza sobre a mesa da casa onde mora sozinho, em Brasília. São imagens que identificam o imaginário, as percepções e o traço de um artista incansável. A história de Dusek se mistura à de muitos artistas europeus que fugiram da Segunda Guerra, em 1940. Um deles, o escultor polonês August Zamoyski, tornou-se mestre de Dusek em um velho casarão em Botafogo, que se transformou em atelier de escultura.

FOLHA DE S. PAULO– Livro reúne as cinco décadas de carreira do multiartista Aguilar Pintor, escultor, performer e líder de grupo musical, o paulistano acaba de dirigir um longa Fernanda Araujo Nova série de pinturas e tridimensionais, 'Rios Voadores', é inspirada nos cursos d'água de Alter do Chão, no Pará Úrsula Passos

O artista José Roberto Aguilar e sua cadela Nina, em seu ateliê na Bela Vista, em SP (12/03/2014) Amanhã será lançado no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, o livro "José Roberto Aguilar - 50 Anos de Arte", sobre a trajetória e a obra do multiartista paulistano. Pintor, escultor, videoartista, performer e líder de um grupo musical, Aguilar, 72, agora aguarda, "para depois da Copa do Mundo", o lançamento do filme "Anna K.", que ele dirigiu e roteirizou. Com a atriz Leona Cavalli no papel principal, o longa conta a história de uma mulher que às vezes é possuída por Anna Karenina.

"Ela é meio maluca, às vezes é tomada pelo personagem do romance de Tolstói, que quer levá-la ao suicídio outra vez", diz Aguilar à Folha, em entrevista no seu ateliê na Bela Vista. Há cerca de dez anos, o artista e sua mulher compraram uma casa em Alter do Chão, no Pará, e ali surgiu a inspiração para a sua nova série de pinturas e trabalhos tridimensionais, "Rios Voadores", que remete aos cursos d'água da região. "O que me atraiu foi a magia, as pessoas. Aquela região é como se fosse a gênese acontecendo naquele instante, e as pessoas são muito lindas, são paisagens maravilhosas as artérias dos rios." ENTRE LIVROS Quando apresentado por críticos de arte, Aguilar é comumente descrito como autodidata, por não ter frequentado escolas de artes. "Nunca separei artes plásticas da cultura em geral. A minha influência foi muito literária, sempre fui um devorador de livros", conta.

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Seus dois escritores favoritos do momento são o chileno Roberto Bolaño e o mestre americano da ficção científica, Philip K. Dick. "Toda minha pintura foi uma extensão da literatura. Até hoje, os caras me criticam muito porque escrevo nas telas. E me meto em todas, faço videoarte, tem a Banda Performática, tudo isso faz parte do mesmo caudal." Nos anos 1980, ele formou o grupo musical Aguilar e a Banda Performática, do qual faziam parte, entre outros, os cantores Arnaldo Antunes e Paulo Miklos. Como líder do grupo, Aguilar cantava e fazia performances no palco. "É a única banda em que o band leader' não sabe nada de música", brinca. O disco de 1982, com uma de suas pinturas na capa, tinha como carro-chefe a canção "Você Escolheu Errado Seu Super-Herói", mais tarde gravado pelas Frenéticas. Aguilar tem planos de voltar com a banda, sem a formação original, dessa vez com com "maior desconstrução sonora, sintetizadores". "Quando você está no palco você desaparece, parece iluminação, você é apenas movimento, ação." Cercado de telas de todos os tamanhos em sua casa e ateliê, Aguilar diz que hoje é mais difícil o artista iniciante expor do que era quando ele começou, nos anos 1960. "É uma tortura absurda, porque tem uma fórmula para entrar numa galeria que é altamente alienante."

O quadro 'Atração', 1963, em reprodução do livro 'Aguilar: 1960-1989' Já ele expôs em sua primeira Bienal em 1963, aos 22 anos. "A Bienal era democrática, você mandava seu trabalho e era julgado por uma comissão, foi assim que comecei minha carreira", diz. Para Aguilar, o artista faz porque não pode deixar de fazer: "É existencial. Você é escalado por algum gênio da lâmpada a fazer alguma coisa." Ele ainda não sabe como será a distribuição de "Anna K.". "A gente é meio cult', tenta ser, pelo menos", declara. "Cult' é um palavrão, uma armadilha, é não ser popular, não ser para a massa. Mas alguém há de ver. A gente não pode ser outra coisa, infelizmente. Cantar a gente não sabe, pintar a gente tenta, então, tem que ter um rótulo."

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FOLHA DE S. PAULO– Obra antecipou a arte de rua e o sonho de uma vanguarda global Silas Martí (12/03/2014) Da captura da "aura psíquica" das coisas, como diz o músico Jorge Mautner, a suas "orgias de cores", na descrição do também músico Arnaldo Antunes, a obra de José Roberto Aguilar parece atravessada por um eixo em mutação: a pintura. Suas primeiras telas, influenciadas pela literatura e marcadas por certo desdém pelo apuro técnico, nascem densas, carregadas de matéria e calcadas na representação de espaços fantásticos. São estranhos seres humanoides, que se fundem a flores e plantas ou ganham feições animalescas, sempre retratados em ambientes achatados, como se figura e fundo fossem moldados a partir da mesma energia cósmica. Da mesma forma que a pintura vai perdendo o fôlego na evolução da arte contemporânea, as pinturas de Aguilar também ensaiaram passos para se libertar do quadro. Ele se livra do peso da tinta acrílica, adota o esmalte sintético, usa pistolas de ar comprimido e aos poucos seus traços, mais diluídos, saltam dos quadros para estampar carros, banheiras e até painéis de alumínio. Sem qualquer relação com os neoconcretistas, Aguilar acabou trilhando a mesma rota, fundindo arte e vida ao criar uma espécie de proto-grafite, pinturas desgarradas que não se aguentavam dentro da tela. É como se prenunciasse a arte de rua, encarnando um Jean-Michel Basquiat tropical, macunaímico. Embora sua pintura não tenha ido às ruas e avenidas, Aguilar se multiplicou em várias frentes, da videoarte à performance e estridentes incursões musicais à frente de sua Banda Performática. Tanto que o artista chegou a se descrever como um dadaísta. Tocou piano com luvas de boxe na Pinacoteca, em São Paulo, fez uma bailarina sair de uma enorme melancia durante um show e atacou os demônios, entre eles o "bom gosto" e o "esnobismo" que assolavam a arte brasileira nos anos 1970. Mas podia ser hoje. Aguilar, num trânsito constante entre São Paulo, Londres e Nova York, realizou antes da globalização o sonho de uma vanguarda sem fronteiras, misturando Bukowski aos ensinamentos do hinduísmo. Mas essa fúria criativa vai perdendo força na última fase da carreira. Com o retorno à pintura nos anos 1980, Aguilar cria telas abarrotadas de grafismos, arabescos mergulhados num gestual que lembra os expressionistas abstratos americanos. Depois de experimentos mais livres, suas obras mais recentes parecem domesticadas, como se obedecessem a uma cartilha que ele mesmo desprezava de antemão. Aguilar não deixou de ancorar sua produção em referências fecundas, mas parece ter estacionado. Sua aversão ao mercado e a modismos talvez esteja por trás dessa atitude. Mas seus espasmos de outrora fariam bem à cena atual.

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MÚSICA

THE WASHINGTON POST (EUA) – Emy Tseng’s lively spirit shines through at Bethesda Blues & Jazz Supper Club Michael J. West

Kyle Gustafson/For The Washington Post - Emy Tseng at Bethesda Blues & Jazz Supper Club.

(06/03/2014) Born in Taiwan and raised in the United States, Emy Tseng now sings Brazilian jazz. In a sense, she embodies Dizzy Gillespie’s vision of a pan-global jazz. Put her on a stage, though, and she’s pure bossa nova. “I just returned from a trip to Brazil,” Tseng told the small crowd Wednesday night at Bethesda Blues & Jazz. “So hopefully I’ll be able to communicate some of that spirit to you.” She succeeded. Tseng’s opening number, Antônio Carlos Jobim’s “Agua de Beber,” put her best attributes front and center: fine rhythm, impressive grasp of harmony and a clear, attractive voice.

Even her Brazilian-Portuguese accent was good — a subtle but important component in the phrasing and rhythm of the music. Tseng was clearly in good spirits as she sang. Every syllable radiated joy, as did the light dance steps she did during the piano solos (by Wayne Wilentz) that followed her in nearly every tune. This was a bit of an obstacle when she took on Caetano Veloso’s melancholy ballad “Corazon Vagabundo”; there was some hint of sadness in her delivery (helped by the genuine pathos in David Jernigan’s bowed bass), but her pleasure was inescapable. That said, the following tune, the more uplifting “Corcovado,” brought a more emotionally nuanced performance from Tseng — helped by the precision of her rhythm and enunciation. It was also helped by the ensemble, whose power on the stage was hard to underrate. Wilentz was something of a partner in crime for Tseng, augmenting her happy singing with breezy, lilting performances of his own. (On “Deixa,” he came close to flat-out rocking.) Guitarist Alex Martin, who opened for Tseng and joined her for the latter half of her set, played delicate single-note lines. Drummer John Shepherd may have been the most powerful of all. This being bossa, he mostly stuck to gentle cymbal and rim shots, but it was his energy level that determined the songs’ personalities — especially on “Berimbau,” which he gave real teeth. (Indeed, his too-sharp accents on “Corazon Vagabundo” contributed to that tune’s unfocused mood.) Brought together, they provided the dance for Tseng, both in her singing and in her onstage movements. She added to these in the closing “Chega de Suadade,” using small, lithe hand movements that somehow seemed both innocent and seductive. It was a charming evening that channeled the Brazilian musical spirit, in a scene that sees entirely too little of that spirit.

O GLOBO - Com sede nova, Orquestra Sinfônica Brasileira inicia sua temporada 2014 no dia 15 Futuro da OSB Ópera & Repertório depende de reunião marcada para esta sexta-feira Debora Ghivelder (07/03/14) A temporada 2014 da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) começa no próximo dia 15, com concerto no Teatro Municipal para assinantes e parceiros da Fundação OSB (Fosb). O programa, festivo, inclui danças brasileiras na primeira parte e, na segunda metade, a interpretação de “West Side story”, de Leonard Bernstein, e “Porgy and Bass”, de George Gershwin. Esta última

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conta com a participação dos cantores norte-americanos Angela Brown e Kevin Deas. A regência é do maestro titular, Roberto Minczuk. O concerto será repetido no dia 17, com venda avulsa, na estreia oficial da OSB na Cidade das Artes, sua nova casa desde janeiro. Ao todo, a orquestra fará 12 espetáculos no Municipal pelas séries “Ametista”, “Topázio” e “Turmalina”; 14 apresentações na nova sede pela série “Cidades das Artes”; e quatro apresentações na Sala São Paulo, na capital paulista, pela série “Safira”. Nesta lista não estão incluídos os concertos “extras” da OSB nem a temporada da OSB Ópera & Repertório (O&R), grupo formado após a crise enfrentada pela instituição em 2011. A segunda orquestra nasceu para abrigar os 36 músicos afastados naquele ano porque se opuseram às avaliações de desempenho convocadas pelo maestro Roberto Minczuk e posteriormente reintegrados após um acordo. Em agosto, porém, terminou a vigência do acordo coletivo firmado entre as partes. E o futuro da O&R depende de negociações. Nesta sexta-feira, representantes dos músicos e da Fosb se reúnem na sede da fundação, no Centro, para discutir o assunto. A fundação apresentará uma nova proposta ao grupo. — Não há intenção demissional — adianta o diretor artístico da OSB, Pablo Castellar. — Mas tenho de esperar o acordo para seguir com o planejamento para a temporada da O&R. O conjunto, aliás, acaba de receber uma indicação ao prêmio internacional Opera Awards, por sua performance em “Sonho de uma noite de verão”, de Benjamin Britten, espetáculo realizado no Parque Lage, em 2013. Volta à obra de John Williams Castellar também explica a razão de a temporada 2014 da OSB contar com três séries de concertos a menos: — A “Jade” foi criada por causa do público da Cidade das Artes. Agora há uma série maior lá. A “Ônix” e a “Ágata” dependem do resultado das negociações e por isso não foram divulgadas. As conversas entre a Fosb e a O&R estão sendo intermediadas pelo Sindicato dos Músicos do Rio. — Estamos tratando da renovação do acordo coletivo. É uma prática comum — diz a presidente do sindicato, Deborah Cheynne, que, assim como Castellar, não detalha os itens em discussão. Em linhas gerais, comenta-se que os músicos reivindicavam a ampliação do quadro da orquestra e aumento salarial. Já a fundação, com dificuldades para manter os dois conjuntos (a OSB fechou 2013 no vermelho), sugeriu uma fusão, como explica Ricardo Levisky, superintendente geral da OSB: — A fundação propôs a fusão desde o início das negociações. Mas a Comissão dos Músicos da Ópera & Repertório não aceitou porque o conjunto se recusa a tocar com o maestro titular (Minczuk). Enquanto isso, o destino da orquestra-mãe segue certo. A agenda (veja detalhes ao lado) prevê seu reencontro com o respeitado maestro Lorin Maazel em três récitas em torno das sinfonias de Mozart e Tchaikovsky. A mezzo-soprano Jennifer Larmore também volta a se apresentar com a orquestra. Com sua voz aveludada, ela esteve por aqui em 2010. A temporada ainda reserva as presenças do regente Claus Peter Flor, que já se apresentou à frente da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp); da violinista alemã Arabella Steinbacher; do primeiro oboísta da Filarmônica de Berlim, Albrecht Mayer, considerado um dos grandes no instrumento; e do jovem e talentoso violoncelista Johannes Moser. — A temporada deste ano me deixa muito feliz. Estamos iniciando um novo capítulo, que se dá com essa nova casa. É a concretização de um sonho antigo — diz Minczuk. Sucesso de público, os concertos dedicados à obra de John Williams para o cinema também estão de volta, na série “Ametista”. Autor de músicas para “ET” e “Harry Potter e a pedra filosofal”, entre outras, ele será lembrado em apresentações no Municipal (30 de agosto) e na Sala São Paulo (31 de agosto).

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NOVO JORNAL (ANGOLA) - A Vida Tem Sempre Razão

(07/03/2014) Há cem anos, nascia um dos maiores poetas que o Brasil já conheceu. Vinicius de Moraes deixou a sua marca na MPB, sendo eternamente lembrado como um dos grandes letristas não apenas da Bossa Nova, como de toda a história da música brasileira. Os seus clássicos estão marcados no imaginário de todo o povo brasileiro e não há como falar de amor sem falar de Vinicius. Como forma de homenagear o centenário desse génio, o produtor musical Zé Milton reuniu os maiores nomes da música popular brasileira para interpretar os mais importantes clássicos do poeta. "O branco mais negro do Brasil", como se auto-definia, deixou, para quem não sabe, uma carreira diplomática confortável para escolher os caminhos da música, com parceiros como Toquinho, um banco, o violão e a eterna garrafa de whisky. Entre os convidados para este CD estão Chico Buarque, Seu Jorge, Raimundo Fagner, Nana Caymmi, João Bosco, Toquinho, Zeca Pagodinho, Ana Carolina, Arlindo Cruz entre outros. O resultado desses convites são regravações inéditas e surpreendentes. O CD "A Vida Tem Sempre Razão" é um disco obrigatório nas colecções de quem gosta de boa música e de poesia.

THE GUARDIAN (REINO UNIDO) – Villa-Lobos: get to know Brazil's greatest composer The BBC Symphony Orchestra are immersing themselves in Villa-Lobos this weekend. Tom Service dips a toe in the vast waters

Portrait of composer Heitor Villa-Lobos (1887-1959) at the piano. Photograph: Unknown/ Bettmann/CORBIS (07/03/2014) Villa-Lobos is one of those composers who is saddled by just the wrong amount of fame: what I mean is that thanks to the inimitable strains of his Bachianas Brasileiras no. 5, and that once-heard never-forgotten soprano soaring wordlessly, sumptuously, unforgettably above all those cellos, it's easy to think of him as a one-hit wonder. Yet nothing could be further from the truth, as the BBC

Symphony Orchestra's Total Immersion in Brazil's most famous composer on 8 March hopes to show. Mind you, they've set themselves an impossible task. Even more than every other composer whose music you can't completely represent in a single day of concerts, talks, and films, Villa-Lobos's output is so gigantic that anything apart from about a month of total immersion couldn't get you close to his real achievement as a musician. The common criticism is that Villa-Lobos simply wrote too much music, that he lacked a critical filter that allowed him to hone his craft, and instead gave full rein to his natural musical effulgence. There's some truth in that - if you're honest about the quality of Villa-Lobos's music. As guitarist John Williams told Radio 3's Music Matters, the Guitar Concerto (written towards the end of his life, in 1951) just isn't a very good piece, technically or musically, with its underdeveloped ideas, its sense of being written in a hurry, and its lack of a real relationship between the soloist and the orchestra. But such critical carping rather misses the point of a musician who, arguably more than any other composer of the 20th century, summed up an entire country in his music. Villa-Lobos said that his first harmony teacher was a map of Brazil, and his life in music is a reflection of the expansive, explosive cultural, geographical, and musical diversity of his home country. Consider this: Villa-Lobos was attempting to use music from the native Brazilian populations he visited in the Amazon, from the street-corner chorus bands he played in as a teenager, from the European traditions that he knew as a cello player, and from the modernisms he discovered in Paris, and to put them all together in a musical language that would be truly synoptic and representative of the totality

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of the Brazilian experience in the early decades of the 20th century. After becoming the country's most famous and most avant-garde composer in the 1910s and 20s, Villa-Lobos was happy to be used in Getulio Vargas's regime as the figurehead of the country's national music education project, and to shape the country's musical identity in its anthems and shared melodies. But it's the music that Villa-Lobos wrote for the concert hall, in the forms that he defined and made his own, especially his series of pieces called Choros (there are 14 numbered pieces in the series, ranging from a solo guitar piece to a double piano concerto, no 8, which the BBCSO will play on Saturday) and the Bachianas Brasileiras (nine of them, all for different combinations of instruments and voices) that really defines his output. In the best of these pieces, Villa-Lobos manages something that most of his European modernist colleagues couldn't. When Villa-Lobos uses melodies from the native populations of Brazil, or from the popular music he heard in Rio; when he turns his orchestra into a rainforest through some astonishing onomatopoeia, or uses some high-modernist dissonance, he's not doing so with irony, parody, or critical distance. And neither is he attempting to put them all together in a soup-like fusion: instead, he's allowing the different worlds of Brazil - its different peoples, its wildly divergent landscapes, its unknowable richness of forest, of animal and plant life - to coexist alongside and on top of one another, sometimes in harmony, but often in conflict and irresolution, too. If you want a 12-minute distillation of Villa-Lobos's project, you can't do better than his Choros no 10 (the climax of the BBCSO's concerts on Saturday); listen to it, and prepare for your jaw to hit the floor. The piece dramatises the relationship between the unspoilt wilderness of the Amazon and what happens when humans arrive. In Paris in 1927, a critic wrote that the piece is a "huge and alarming orchestral fresco … an art which we do not recognise but to which we must now give a new name". In a sense, we're still waiting; it's music that still does something that sounds contemporary. But don't stop there: as well as all those Choros and Bachianas Brasileiras, enjoy a journey of Brazilian discovery through Villa-Lobos's string quartets, symphonies, operas, guitar pieces, songs, and... There's enough out there for a month of Total Immersions, so to get you started, here are five pieces that I think will take you places in music that only Villa-Lobos saw. • Choros 10 • Rudapoêma • Choros 11 • Uirapuru • Bachianas Brasileiras no. 9 The BBC Symphony Orchestra's Villa-Lobos: Total Immersion day is at the Barbican on 8 March.

THE GUARDIAN (REINO UNIDO) – Total Immersion: Villa-Lobos review – 'Sakari Oramo is in his element' The BBCSO and chief conductor Sakari Oramo offered a compelling insight into the Brazilian composer's vast output Andrew Clements (09/03/2014) Even a whole weekend of concerts would hardly have been enough to do justice to the immense range and variety of Heitor Villa-Lobos's works, let alone to his significance to the history of Brazilian and Latin American music and music education, or to the larger-than-life, self-mythologising personality of the composer himself. The BBC gave itself just the one day: a Total Immersion event comprising three concerts, a talk and a film. After a lunchtime programme of Villa-Lobos's chamber music played by Guildhall School students, and early-evening vocal works from the BBC Singers, the BBC Symphony Orchestra and its Chorus and chief conductor Sakari Oramo offered something much more substantial. Oramo had selected his programme very carefully, including examples of the three series of pieces – the symphonies, the Bachianas Brasileiras and the Chôroes – that provide some kind of spine to what is such a vast and hugely divergent output. He began with two of Villa-Lobos's colourful Brazilian evocations, opening with the 15-minute Uirapurú, a symphonic poem-cum-ballet built around the song and call of the Amazonian musician wren. It was followed by the fourth of the suites from his score to Humberto Mauro's 1937 film Descobrimento do Brasil, about the first Portuguese settlers in Brazil, which includes a typical combination of a plainchant mass setting and rhythmic, wordless chanting.

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The Bachianas was the very well-known Fifth, for soprano (performed here by Anu Komsi) and eight cellos, while the symphony was the Ninth, composed in 1952 and a relatively well-behaved piece by Villa-Lobos's standards, in four compact neoclassical movements that are sometimes curiously reminiscent of Roussel. The two Chôroes from the mid-1920s, though, were thrilling to hear. The Eighth is among Villa-Lobos's greatest orchestral achievements, one of the pieces in which his music seems utterly original and impossible to pigeonhole. The two solo pianos (played heroically by Kathryn Stott and Martin Roscoe) are all but submerged by the teeming, tumbling orchestral textures around them, which constantly seem to be on the brink of disintegration and only stay bound together by the sheer force of Villa-Lobos's creative personality. The huge choral frieze of Choros No 10, Rasga o Coração, has its texts, in Portuguese and "Amerindian", to keep it together; it may build to a noisy Hollywood-style climax, but before that arrives the exuberant layers of voices and instruments display a Charles Ives-like wildness. Oramo is really in his element in music like this, which offers its own perspective on early 20th-century modernism, and he and his orchestra made sure every bar of it mattered. To be broadcast on Radio 3's Afternoon on 3 from 18 to 20 March.

O ESTADO DE S. PAULO – Há 40 anos, quando o novo baiano saiu da toca Caixa com quatro álbuns, lançados entre 1975 e 1979, documenta os primeiros passos solos de Moraes Moreira Renato Vieira

(11/03/2014) Há 40 anos, Moraes Moreira tomou uma decisão: sair do sítio onde morava com seus companheiros de Novos Baianos no Rio. Casado e com dois filhos, achou que era hora de conquistar um espaço para si e sua família, continuando no grupo. Os outros membros recusaram. Para eles, só a vida em comunidade caracterizava a união musical.

Com um pouco de medo, tristeza e algumas músicas no bolso, Moraes decidiu seguir seu caminho. Os primeiros passos dessa jornada estão documentados no box Moraes Moreira Anos 70, com os quatro álbuns iniciais de sua carreira. Lançados originalmente entre 1975 e 1979, evidenciam a formação da personalidade do cantor e compositor como artista solo.

"Foi um recomeço difícil. As pessoas com quem eu fazia música ficaram para trás. A solução era mostrar a minha cara", lembra Moraes, que incorporou em seu trabalho pitadas de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, ídolos ouvidos quando criança em Ituaçu, no sertão baiano. A cidade onde Gilberto Gil passou parte da infância e juventude, bebendo da mesma fonte.

Moraes decidiu fazer uma "declaração de afirmação" em seu primeiro disco solo, que chegou às lojas em 1975. Para acompanhá-lo, convocou músicos que futuramente formariam A Cor do Som: Dadi (baixo), também recém-saído dos Novos Baianos, Armandinho (bandolim, guitarra, craviola e guitarra baiana), Mu Carvalho (piano) e Gustavo Schroeter (bateria). O samba com toques roqueiros, um dos alicerces de seu antigo grupo, passou a dividir espaço com ritmos regionais e sons do trio elétrico de Dodô e Osmar.

Não por coincidência, o primeiro disco de Moraes leva apenas seu nome. A faixa de abertura, Desabafo e Desafio, reforça em versos a ideia de personalidade e desejo individual. "A foz do rio/ a minha voz/ a minha vez/ a vez de nós." Entre as faixas, a regravação de Se Você Pensa é a mais

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curiosa. O arranjo foi feito ainda nos anos 1960, quando o artista tocava em bailes na Bahia. Ouvida hoje, é possível identificar recados aos antigos companheiros, como "o seu orgulho não vale nada". Segundo ele, inconscientemente, pode ter sido essa a intenção, ainda que a ideia tenha sido simplesmente homenagear Roberto e Erasmo Carlos, os autores.

Moraes Moreira obteve uma repercussão modesta, passando a ser cultuado no decorrer dos anos. Possivelmente por conservar algo de Novos Baianos, já que inclui músicas feitas com Galvão no início do grupo, Chinelo do Meu Avô e Anda Nêga. "O disco ficou para a posteridade. Mas mostrei que podia continuar fazendo música, sem que o rótulo de ex-novo baiano me seguisse", afirma Moraes, que consolidaria sua personalidade solo em Cara e Coração (1977). É o álbum que traz Pombo Correio – tema instrumental de Dodô e Osmar letrado por Moraes que foi usado na abertura do Jornal Hoje e em propaganda dos Correios – e Davilicença. "Armandinho é a base do disco. Praticamente todas as músicas são conduzidas por ele. Sua sonoridade me segue até hoje", ressalta.

Reencontros e aproximações definitivas norteiam o disco seguinte, Alto Falante (1978), outro de pouco impacto comercial. Pepeu Gomes volta a tocar com seu colega de Novos Baianos, dando suporte a Armandinho, que no álbum fica "apenas" com o bandolim e a guitarra baiana. Espírito Esportivo, que fez parte da trilha da novela Pai Herói, é quase um duelo entre ambos. Abel Silva e Fausto Nilo, com quem Moraes iria compor futuramente Festa do Interior e Bloco do Prazer, respectivamente, ampliam o leque de parceiros. "Abel é um poeta carioca, vê a coisa urbana, enquanto Fausto, assim como eu, é do interior, se formou ouvindo artistas populares no serviço de alto-falante. Mas ambos sabem dar valor à palavra", analisa Moraes.

O último álbum do box foi o que obteve maior repercussão. Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira (1979) fez sucesso por conta da faixa-título e de Chão da Praça. De todos, é o mais carnavalesco dos três. No ano da anistia, Moraes extravasou ainda mais sua alegria. "Nos Novos Baianos, nem a ditadura nem os comunistas viam valor no que a gente fazia. Mas chegou uma hora em que achei que o Brasil ia mudar, com mais tolerância, e isso acabou se refletindo em mim", diz Moraes. Para ele, a caixa vai do início ao fim de sua maturação como artista solo. "Comecei com certo receio e, no final da década, já estava plenamente seguro. Mas isso só aconteceu porque havia boas pessoas junto comigo." Palavra de quem, desde o começo, soube o que é a vida – e a música – em comunidade.

LIVROS E LITERATURA

CULT – Ricardo Ramos Filho / Sem Fronteiras – Literatura Infantil O mundo cá tem fronteira. O meu entusiasmo com o livro é antigo, começou ainda antes de ser publicado, quando tive a felicidade de ler os originais. Eles me foram mostrados com timidez injustificada pelo amigo Paulo Rafael. Mereciam soberba impossível de ser demonstrada por pessoa de tão bom caráter. O texto é magnífico, e a Editora Melhoramentos acertou em cheio ao decidir publicá-lo. Mais do que isso, deu-lhe tratamento diferenciado, oferecendo cuidado extremamente profissional a cada um dos detalhes. Projeto gráfico impecável, ilustrações deslumbrantes de Graça Lima, tudo feito com extremo bom gosto. A história, e aí torna-se interessante a questão da existência inexistente de fronteira, permite que nos aventuremos em terras brasileiras e cabo-verdeanas ao mesmo tempo. Se o mundo ainda tem fronteiras, elas já não são tão evidentes. Os ecos das nossas leituras, ao se misturarem, formam um todo capaz de saltar as barreiras da nacionalidade. Se para Fernando Pessoa a pátria é a nossa língua portuguesa, nada mais natural do que encontrarmos América, África e Europa como um lugar só. Em O mundo cá tem fronteira, Graciliano Gozado, o menino Grapiúna, o Boi Beleza, Axir, Nêmus, Artis e Blimundo voam alto unindo Cabo Verde, Brasil e Portugal. Paulo Rafael, Jorge Amado, Saramago e Graciliano Ramos na mesma geleia geral, caldo cultural rico em que o professor parece um velho marinheiro. Quando Carol Crioula ouve "Um creo bô tcheu, um creo bô tcheu" e responde "Eu também te amo muito!", impossível não sentir saudade do canto de Cesária Évora, a "diva dos pés descalços".

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As crianças que entrarem em contato com a obra e tiverem lido A terra dos meninos pelados, de Graciliano Ramos, terão a oportunidade de assistir a um diálogo extremamente rico. Ao conversar com o livro do autor alagoano, que evidentemente marcou a sua infância, Paulo Rafael cria um novo cenário, e aproveita para introduzir sua visão de realidade. A imaginação corre solta quando Graciliano Gozado, menino de cabelo crespo, com cara de índio e pele vermelha, começa a malucar. Ele diz algumas palavras gozadas: mandioca, urzela, purgueira, pariparoba, sabugueiro, milho, vosmecê. Encontra outro menino, Grapiúna, montado no seu Boi Beleza. Eles brincam de cabelão, bebem chá com mastruz, puxam bolandeira, sobem nas mangueiras, tomam banho de cachoeira, comem goiabas, pulam amarelinha, nadam no açude, ouvem o sanfoneiro. Brincam. Francis Drake, tribos guineenses, "não sou eu quem me navega", o índio que perdeu o navio era um pataxó. O corcunda Anchieta, Leandro Nunes (o padre voador) e Caminha. Este livro é um gol de "Plaka"! Outro achado é Ninguém aprende samba no colégio. Editado pela Globo, a obra de Christina Dias tem ilustrações em preto em branco de Dave Santana, o que acaba por recriar a sutileza narrativa da história. Amélia é uma adolescente comum. Mora com a avó, vai à escola, sai com os amigos, faz trabalhos em grupo no colégio e gosta de música. Um dia, no táxi, ouve uma samba de Noel Rosa e a canção não lhe sai mais da cabeça. Ela não sabe quando ou onde, mas tem certeza de que já ouviu aquela melodia antes e até se lembra de algumas palavras da letra. O texto seduz o leitor com uma história sensível e poética sobre o delicado relacionamento entre avó e neta. Christina Dias conduz habilmente o leitor pela narrativa enquanto contextualiza a vida, obra e importância de Noel Rosa para a cultura brasileira. No prefácio, e aqui não há como deixar de enaltecer o cuidado editorial presente no livro, o cantor Martinho da Vila destaca que o título do livro é um trecho de "Feitio de oração", uma canção apaixonada de Noel, e comenta a falta de informação sobre o samba nas escolas. A obra traz ainda uma biografia de Noel Rosa e a letra de todas as músicas citadas na história. São dez grandes sucessos do artista, entre eles "Conversa de botequim", "Com que roupa?", "Fita amarela", entre outras. O jovem que ler essa história aprenderá que quem suportar uma paixão, sentirá que o samba então nasce no coração. E finalmente eu gostaria de trazer Marcéu. A obra de Marcos Bagno venceu o prémio da Fundação Biblioteca Nacional na categoria juvenil. Publicado pela Editora Positivo, acaba de conquistar o Prémio Glória Ponde na categoria juvenil. Promovido pela Fundação Biblioteca Nacional, a distinção avalia autores, tradutores e projetistas gráficos de nove categorias - Poesia, Romance, Conto, Ensaio Social, Ensaio Literário, Tradução, Projeto Gráfico, Literatura Infantil e Literatura Juvenil. No texto, o personagem Marcéu é o caçula de dois irmãos que vivem à beira de um rio. O garoto é apaixonado por pássaros e jura entendê-los. Após uma forte chuva, Marcéu acaba sendo levado pelas águas que transbordaram do rio. A tragédia é encarada de forma sensível e poética, sem dramas, como uma experiência de amadurecimento. Com ilustração de capa de Andrés Sandoval e projeto gráfico de Daniel Cabral, a obra de ficção conta uma história de vida simples e dignificada por sua conexão com a natureza. Para conhecer mais sobre o livro acesse o book trailer: http://migre.me/hwolY

VALOR ECONÔMICO - Tanto em Lisboa quanto no Rio Matías M. Molina (07/03/2014) A recente obra de José Tengarrinha sobre a imprensa portuguesa nos revela a existência de jornais sobre o Brasil, lançados em Lisboa e Coimbra, pouco ou nada conhecidos aqui. Quando o Brasil declarou sua independência em 1822, a imprensa conservadora portuguesa culpou o

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governo liberal pela separação da antiga colônia, com o argumento de que num regime absolutista isso não teria sido possível. Um jornal contrário à independência do Brasil foi o "Brasileiro em Portugal", lançado em Lisboa em 1822 por Joaquim Manuel de Faria Lima e Abreu, que polemizou com as publicações liberais. Voz dissonante foi o "caso muito particular e muito curioso", segundo Tengarrinha, de "O Brasileiro em Coimbra", de 1823, a primeira folha em Portugal a defender a independência do Brasil. Provocou agitação na academia, onde encontrou grande apoio. Mas só circulou um número. Seu redator, o estudante baiano Cândido Ladislau de Figueiredo, foi processado, por iniciativa da universidade, acusado de abusar da liberdade de imprensa, preso e expulso da cidade. Houve um período em que as histórias da imprensa do Brasil e de Portugal se entrelaçavam e se sobrepunham. Os pontos de intersecção, aos quais nem sempre se deu a devida atenção, são vários. O primeiro jornal publicado no Brasil, em 1808, a "Gazeta do Rio de Janeiro", foi inspirado no formato, e até no nome, na "Gazeta de Lisboa" e retirava desta, ainda que com considerável atraso, uma boa parte das informações que publicava - e acompanhou sua linha editorial na defesa da Casa Real portuguesa e do poder absoluto do monarca. O "Correio Braziliense", lançado em Londres, também em 1808, por Hipólito José da Costa e que nos primeiros anos informou com detalhes sobre a guerra contra Napoleão na Península Ibérica, forma parte tanto da história da imprensa do Brasil como da de Portugal, que lhe dedica um espaço amplo. Jornais em língua portuguesa editados em Londres e em Paris na mesma época do "Correio Braziliense" são mencionados, embora timidamente e talvez sem o destaque que merecem, nos livros brasileiros sobre a imprensa; a principal exceção é Mecenas Dourado em sua biografia de Hipólito. Folhas como "O Investigador Portuguez" na Inglaterra, "O Portuguez" ou "Mercurio Politico", "O Campeão Portuguez", publicadas em Londres, tratavam extensamente de assuntos brasileiros, eram lidos no Brasil e influentes na Corte no Rio, o que não impedia que a censura tentasse ocasionalmente, e com pouco êxito, impedir sua circulação. Foi a época em que o Brasil deixava de ser colônia para formar parte, em condições de igualdade, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em que o Rio era de fato a capital do império português. Um debate, recorrente e áspero, entre esses jornais e o "Correio Braziliense", se desenvolveu durante vários anos sobre o futuro das relações do Brasil com Portugal. Essa imprensa em língua portuguesa publicada em Londres foi decisiva, pela divulgação das ideias liberais entre uma elite do Rio e Lisboa e Porto, na preparação do ambiente que levou à Revolução do Porto em agosto de 1820 e ao fim do absolutismo. Em 1821, com o fim da censura, surgiu um grande número de jornais de todas as tendências, tanto no Brasil como em Portugal, que tinham interesse nos eventos dos dois países, formando-se uma rede transatlântica pela qual as folhas de Lisboa e do Rio polemizavam e intercambiavam informações. Depois da Independência do Brasil, esse interesse informativo diminuiu, mas não desapareceu. A vida política dos dois países continuava entrelaçada. Com a morte de d. João VI em Lisboa, em 1826, seu primogênito, d. Pedro I, imperador do Brasil, herdou o trono de Portugal com o nome de d. Pedro IV e renunciou em nome de sua filha Maria da Glória, de 7 anos de idade. O jornal "Aurora Fluminense", de Evaristo da Veiga, criticou d. Pedro por envolver-se nos assuntos de Portugal e por trazer ao Brasil os liberais portugueses e dar-lhes apoio financeiro. Em 1831, depois de abdicar como imperador do Brasil, d. Pedro voltou a Portugal e retomou o trono que seu irmão, o absolutista d. Miguel, conquistara pela força. Grande parte da imprensa brasileira acompanhou seus passos no exterior e pediu o seu retorno. A maioria da população no Brasil, como escreveu Joaquim Nabuco, queria o imperador de volta. Somente a partir de sua morte, em 1834, é que nos jornais dos dois países diminui o interesse de um pelo outro. Mas, até então, a perspectiva de um futuro comum ou a luta por um destino separado esteve presente no jornalismo dos dois lados do Atlântico. Conhecer a história da imprensa portuguesa ajuda a compreender o passado da imprensa do Brasil. O mencionado livro de José Tengarrinha, lançado em Lisboa no fim de 2013, é uma excelente oportunidade. Tengarrinha, professor aposentado da Universidade de Lisboa e antigo professor visitante da Universidade de São Paulo, especialista em ciências sociais, é o mais conhecido

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historiador da imprensa portuguesa, assunto que vem estudando e pesquisando há várias décadas. Quase meio século atrás, em 1965, ele publicou a "História da Imprensa Periódica Portuguesa", muito elogiada; em 1989 saiu outra edição amplamente revista e aumentada. Agora, Tengarrinha lança a "Nova História da Imprensa Portuguesa - Das origens a 1865", livro esperado pela comunidade acadêmica de Portugal durante vários anos. Trata-se de uma obra monumental, com mais de mil páginas, certamente a mais ampla e exaustiva sobre esse tema publicada até hoje. O foco do livro é o jornalismo em Portugal; isto é, os jornais com notícias e comentários e as circunstâncias históricas e sociais em que foram publicados. Significa que, ao contrário de outras obras sobre a imprensa, não menciona a introdução da tipografia e das artes gráficas em Portugal. Da mesma maneira, nada diz sobre a implantação de tipografias e prelos na Índia, no Japão e na África nos séculos XVI e XVII, sob a égide da coroa portuguesa. Tengarrinha é meticuloso nas informações sobre a evolução da imprensa e menciona centenas de jornais dentro de um contexto histórico. Começa não com a primeira obra estampada em Portugal, o "Pentateuco", impressa em hebraico em Faro, no Algarve, em 1487, mas com a primeira folha de notícias em português de que se tem conhecimento, a "Notícia da Infelicidade da Armada de Sua Majestade Que Escreveu o Mestre de Santa Catarina", de 1588, quase um século mais tarde. É manuscrita e narra, em duas páginas, a destruição da Armada Invencível. O autor examina as primeiras folhas noticiosas impressas e os primeiros periódicos impressos. Dá amplo destaque às "Gazetas da Restauração", que surgiram para informar e estimular o patriotismo na guerra pela independência contra a coroa espanhola, um período de grande interesse para o jornalismo lusitano. Fica, também, evidente a precariedade das artes gráficas portuguesas e os efeitos de uma rígida censura que impediu a circulação de qualquer gazeta noticiosa no reino, durante quase duas décadas no fim do século XVII e em vários anos no XVIII. No capítulo "O dealbar da imprensa no Brasil", dirigido a um público português, Tengarrinha observa que a crescente importância comercial e política que o Brasil ocupou no espaço atlântico no século XVIII não teve expressão em sua imprensa periódica. Os motivos foram tanto o "condicionamento industrial", que afetava a criação de tipografias, como o impedimento ao debate de ideias políticas. Ele menciona com detalhes o impacto em Portugal e no Brasil do "Correio Braziliense" e dos jornais em língua portuguesa impressos em Londres e Paris. Devido ao foco da obra no jornalismo, com escassa menção aos primeiros tempos e à evolução da tipografia em Portugal, o livro dá poucos detalhes sobre a criação e o funcionamento da Impressão Régia de Lisboa, que serviu de modelo para a fundação da Impressão Régia no Rio em 1808, nem menciona a Casa Literária do Arco do Cego, em Lisboa, dirigida pelo frade mineiro Mariano da Conceição Veloso, onde se imprimiram dezenas de obras de alta qualidade, orientadas para o Brasil. A respeito de António Isidoro da Fonseca, que instalou uma tipografia no Rio, provavelmente a primeira do Brasil, e foi obrigado a fechá-la por determinação de Portugal, em 1747, a única referência no livro é que ele imprimira em 1740 "O Expresso da Corte e Emprego de Curiosidade nas Cidades da Lisboa Ocidental e Oriental", que durou apenas alguns meses. O leitor brasileiro gostaria de mais informações sobre as atividades de Isidoro como impressor em Lisboa. Mas Tengarrinha nos revela a existência de jornais sobre o Brasil que circularam em Portugal, assim como menciona diversas folhas brasileiras, sobretudo no Norte e Nordeste, que consideravam ilegal a Independência, depois que foi proclamada, e defendiam a continuidade da subordinação do Brasil a Lisboa e às cortes portuguesas, não ao Rio. Foi uma época em que as lealdades se encontravam numa área cinzenta. Quando em 1826 herdou o trono de Portugal, de novo sob uma monarquia absolutista, d. Pedro IV - no Brasil ainda d. Pedro I - outorgou aos portugueses uma Carta Constitucional que foi mal recebida por uma poderosa corrente conservadora instalada na administração, até o ponto de a "Gazeta do Rio de Janeiro" imprimir a carta três meses antes que a relutante "Gazeta de Lisboa". O "Telescopio Brasiliense nos Açores" ou o "Brasileiro Emigrado", jornal escrito realmente nos Açores, mas impresso no Porto, do qual só se conhece o primeiro número, apoiou a corrente liberal portuguesa e se mostrou pessimista em relação ao Brasil depois da abdicação do imperador em 1831. Um semanário, "O Brasileiro em Lisboa", de 1837, do qual circularam dez números, tinha como

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objetivo, segundo o prospecto, "pôr termo ao estado de ignorância em que até hoje havemos estado a respeito de um país que fez outrora parte deste reino". Essa obra de Tengarrinha termina em 1865, quando, com o nascimento do "Diário de Notícias", se inicia a época industrial da imprensa portuguesa. Menciona sumariamente centenas e centenas de jornais, mas o leitor esperava mais detalhes sobre alguns deles, como o "Astro da Lusitânia", o jornal mais popular da primeira fase liberal, no qual se desenvolveu um cálido debate sobre a transferência da capital do Reino Unido do Rio para Lisboa, do qual participaram também publicações do Brasil, ou "O Nacional do Porto" ou "O Comercio do Porto". E principalmente sobre "O Português, Diário Político, Literário e Comercial", lançado em 1826 e de vida curta. Segundo Tengarrinha, foi "o jornal de maior qualidade redatorial e gráfica da imprensa portuguesa até aí. Primeiro periódico de grande formato (...) inspirado na imprensa inglesa", foi também o "mais categorizado e influente jornal liberal" e "a primeira empresa jornalística organizada em moldes capitalistas, lançada por uma sociedade por ações". Foi dirigido pelo escritor e poeta Almeida Garrett, um ativo jornalista na época, que publicou e escreveu em vários periódicos políticos. O livro de Tengarrinha é uma fonte obrigatória para estudiosos e pesquisadores da imprensa de Portugal e de proveito para os interessados no jornalismo brasileiro. “Nova História da Imprensa Portuguesa - Das Origens a 1865” José Tengarrinha. Círculo de Leitores, 1.003 págs., € 24,40 Matías M. Molina é autor do livro "Os Melhores Jornais do Mundo", em segunda edição.

O ESTADO DE S. PAULO - Estreia de Bernardo Kucinski em romance traz páginas de dor e denuncia Em 'K' pai busca a filha que desapareceuna ditadura Alberto Dines O subtítulo – enxuto como o conteúdo – resume-se a Relato de uma Busca. Na verdade, trata-se de um feixe de buscas interligadas, históricas e íntimas, políticas e existenciais, recentes e ancestrais, todas pingando sangue ou empapadas de lágrimas.

Carolina Ribeiro/Divulgação

Bernardo Kucinski

(07/03/2014) Escrito na terceira pessoa, não disfarça a ruminação da primeira pessoa – o narrador, atento e ferido diante da inglória peregrinação empreendida pelo pai à procura da filha torturada e desaparecida nos desvãos da ditadura militar. K é uma vivência literária única. Singular e plural, a misteriosa inicial, remete ao protagonista, ao autor e ao objeto do relato, porém descobrimos que todos somos K. Conhecemos o desfecho e, mesmo assim, prosseguimos com a respiração presa até as derradeiras palavras. Teoricamente um romance, K nos enxota para a historiografia. Qualquer que seja a condição e o ânimo do leitor.

Tragédia e catarse, a brutalidade em estado puro e o absurdo de reinventá-la para torná-la real. Reportagem, denúncia, grito de vingança, pranto engolido, imersão no processo da criação literária. São 182 páginas de dor, um dos livros mais penosos e absorventes que li, ficção-verdade, imperiosamente compartida e partilhável. Letal, ninguém escapa ileso deste registro despojado, comedido, por isso arrasador.

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Quando o delegado do DOPS capixaba, Cláudio Guerra, matador profissional assumido, descreveu numa entrevista como deu sumiço nos corpos da professora de química da USP, Ana Rosa Kucinski, do marido, Wilson Silva, e de uma dezena de militantes no forno de uma usina de açúcar em Campos, norte fluminense, ainda não lera a primeira edição de K. Se lesse antes, talvez não conseguisse entrevistar o velhote arfante, agora pastor protestante. Ao ouvi-lo desfiar com a voz monótona as matanças das quais participou e os detalhes sobre o sumiço dos corpos impôs-se novamente a terrível e hoje corriqueira "banalidade do mal" identificada por Hannah Arendt. A guerra suja da qual participara com tanto empenho não havia terminado, Cláudio Guerra precisava falar, aparecer para que os antigos camaradas não o convertessem em novo desaparecido. "Tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu." Esta engenhosa duplicidade confessada na advertência inicial confere ao livro palpitação e pungência. O angustiante percurso do judeu errante, Meir Kucinski, para descobrir traços da filha e do genro é autêntico, o repórter Bernardo Kucinski dispensou-se de fabular, ouviu-o do pai, talvez em ídisch (o autor recusa a grafia iídiche adotada pelos dicionaristas) e o reproduziu em vernáculo. K é também um memorial de um idioma liquidado pela Solução Final. Outros episódios, evidentemente construídos com base em investigação jornalística, são ficcionais, porém tão magistralmente encaixados no relato que alcançam um paroxismo emocional difícil de encontrar na moderna literatura brasileira. Caso de A Terapia, em que Kucinski descreve o desabafo da faxineira da "Casa da Morte" em Petrópolis para uma psicoterapeuta do INSS. Naquela tranquila mansão serrana, os presos eram interrogados, torturados, mortos e depois "desaparecidos". Ana Rosa e o marido, certamente passaram por lá. Cláudio Guerra confirmou que os corpos incinerados em Campos eram originários do Rio de Janeiro. Os Kucinski, pai e filho, não poupam ninguém: políticos, rabinos, líderes comunitários judeus, sumidades acadêmicas da USP, não escapam sequer os cabeças da resistência armada que insistiram na insurgência suicida mesmo quando a repressão fechara todas as saídas. Só escapa o Arcebispo de S. Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, que carinhosamente recebeu o pai de Ana Rosa. Implícita, quieta, porém pulsante, K é uma indagação sobre a condição judaica. A única para a qual o autor oferece uma resposta. Não muito diferente da encontrada por Benedito Spinoza: ser judeu é buscar. K. - RELATO DE UMA BUSCA Autor: Bernardo Kucinski Editora: Cosac Naify (192 págs., R$ 29,90)

O ESTADO DE S. PAULO - Cinquenta anos depois do Golpe, livros trazem olhar crítico sobre feridas ainda abertas Período que deixou marcas profundas no País ainda rende reinterpretações Luiz Zanin Oricchio (07/03/2014) Como seria fácil de prever, a efeméride dos 50 anos do Golpe de 1964 constitui ocasião para uma série de lançamentos. Não se pode usar propriamente o termo "comemoração" neste caso, mas datas redondas dão motivo a balanço e reflexão sobre eventos históricos importantes ou traumáticos. 1964 foi as duas coisas. Alguns dos lançamentos mais significativos são 1964: o Golpe, de Flávio Tavares (L&PM), Ditadura e Democracia no Brasil - 1964: 50 anos Depois, de Daniel Aarão Reis (Zahar) e Ditadura à Brasileira: 1964-1985 - a Democracia Golpeada à Esquerda e à Direita, de Marco Antonio Villa (LeYa). Entre os relançamentos, um destaca-se pela importância: a tetralogia Ditadura (Envergonhada, Escancarada, Derrotada e Encurralada), do jornalista Elio Gaspari. Não se trata de reimpressão. Doze anos após a primeira edição, Gaspari incorporou bibliografia editada no período e documentação não disponível na época. Essa reedição, da Intrínseca (a primeira foi da Cia das

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Letras) vem também no formato digital. Os e-books têm a vantagem de remeter a vídeos e documentos. Em sua apresentação ao volume 1 de As Ilusões Armadas - a Ditadura Envergonhada, Gaspari nota que a atualização da obra se fazia necessária por dois motivos: a divulgação das atas de duas reuniões do Conselho de Segurança Nacional, em julho de 1968, e a evidência de que o golpe contra o governo de João Goulart já vinha sendo tramado no gabinete do presidente John Kennedy, desde 1962. Um áudio registrado em 7 de outubro de 1963, portanto 46 dias antes do seu assassinato em Dallas, mostra Kennedy como um "campeão desse projeto". Ou seja, a derrubada do governo brasileiro. A participação norte-americana no golpe é um dos destaques do livro de Tavares, o único que se ocupa exclusivamente da deposição de Goulart. Todos os outros – e Gaspari em quatro volumes – avançam pelo período da ditadura em suas diferentes fases e presidentes – Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo. De uma primeira fase, do golpe em 1964 a 1968, quando se decreta o AI-5 e a ditadura se escancara. Das trevas de1968 até 1978, quando os atos institucionais são revogados, vem a Anistia e a transição para a democracia, que para alguns se encerra em 1985, com o primeiro governo civil, e para outros se estende até 1988, com a Assembleia Constituinte. Por concentrada, a narrativa de Tavares é trepidante. Recria o período tenso vivido pelo País desde a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, passando pela posse do vice, Goulart, e seu governo atribulado e esgarçado por demandas e pressões à esquerda e à direita. Tavares, na época, era colunista do jornal Última Hora e privava da intimidade de políticos e gabinetes de Brasília. Foi testemunha dos fatos, o que empresta ao seu relato caráter diferenciado. Tavares destaca como Washington logo entrou no jogo da deposição de Jango pelo embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, e, mais adiante, com colaboração do seu adido militar, Vernon Walters, que deixou sua missão na Itália para conspirar contra o governo brasileiro. Detecta também a enxurrada de dólares despejada no Brasil após a reunião entre Kennedy e na Casa Branca em 1962. O dinheiro entrava pelo Royal Bank do Canadá e não pelo Bank of America para não despertar suspeitas. De acordo com o autor, mais de 200 candidatos ao Senado, Câmara Federal e Assembleias Estaduais, considerados amigos dos EUA e inimigos dos comunistas, foram beneficiados com verba generosa. Além disso, financiavam-se institutos como o IPÊS e o IBAD, que tinham função de propagar o receio ao "perigo vermelho" e preparar o clima do golpe. O fundamental era disseminar o medo, inclusive pelos filmes alarmistas. Há um livro fundamental sobre o assunto, de Denise Assis, Propaganda e Cinema a Serviço do Golpe: 1962-1964 (Mauad, 2001). O fato é que o golpe segue uma dinâmica implacável, quando visto em retrospecto. O comício da Central do Brasil, de 13 de março, no Rio, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em São Paulo, no dia 19, o clima terrível de tensão, com o governo apoiado por sindicatos e organizações populares, hostilizado pela classe média, alguns governadores de Estado, pelos meios de comunicação e por parte da hierarquia militar. A bomba só precisava de um estopim para explodir e ele veio no dia 25, na forma da rebelião dos marinheiros, liderados por José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, que depois se revelou um agente provocador. Os militares interpretaram a insurreição como insuportável quebra de hierarquia, que serviu de espoleta para o golpe já armado havia muito. Quando o general Olympio Mourão Filho começou a descer com suas tropas de Juiz de Fora para o Rio, Goulart ainda pensou que pudesse segurar-se no cargo. Mas seu dispositivo militar foi caindo peça por peça e, avesso à resistência armada, partiu para o exílio. Na véspera do golpe, Washington havia enviado à costa brasileira uma força-tarefa com a finalidade de apoiar os rebeldes. Chamou-a de Operação Brother Sam. Como não foi necessária, já que o governo se desmanchara como castelo de areia, a força-tarefa deu meia-volta e retornou à base. Havia outra alternativa? Não se sabe, e a história não trabalha sobre hipóteses. Mas, com tamanho radicalismo, uma polaridade que não comportava meios tons, o clima da Guerra Fria, os caminhos do entendimento pareciam fechados. Como escreve Elio Gaspari, "Tratava-se de buscar tamanha

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mudança no poder que, em última análise, durante o dia 31 de março tanto o governo (pela esquerda) como os insurretos (pela direita) precisavam atropelar as instituições republicanas". Jango ainda tentou um último discurso no Automóvel Clube, alternando radicalismo e conciliação. Era tarde. Precisava escolher um lado e não o fez. Pressionado pelos militares a abandonar a esquerda, negou-se. Alinhar-se radicalmente às forças populares, também lhe era demasiado. "Esse passo, de natureza revolucionária, Jango não deu", comenta Gaspari. Indeciso e abandonado, caiu. Essa narrativa é mais ou menos consensual, porque se atém aos fatos, porém as interpretações divergem em pontos específicos e ênfases são colocadas em lugares, pessoas e instituições diversas. Por exemplo, em Ditadura à Brasileira, Villa minimiza a participação norte-americana, ao contrário do que se lê em 1964 - o Golpe, de Flávio Tavares, que também foi correspondente do Estado. Este ainda acrescenta que o Secretário de Estado, Dean Rusk, chegou a mandar ao novo governo brasileiro a conta de US$ 20 milhões pelas despesas com a Operação Brother Sam. O embaixador Lincoln Gordon conseguiu convencer Rusk de que não ficava bem para os EUA cobrar pelo apoio a um golpe de Estado, mesmo que este viesse a pretexto de defender a democracia. No entanto, no último capítulo do seu livro, Villa garante que "a participação dos EUA nos acontecimentos de 1964 é ínfima". Sua tese é que os radicalismos de direita e de esquerda somaram-se para produzir esse monstrengo histórico e mantê-lo em pé. Quanto durou o período ditatorial é, também, matéria de debate. A cronologia consagrada vai de 1964 a 1985, 21 anos, ou seja, do golpe até quando toma posse o primeiro presidente civil, José Sarney, substituindo o eleito pelo Colégio Eleitoral, Tancredo Neves, que adoeceu e morreu sem assumir. Mas em seu livro, Daniel Aarão Reis entende que a ditadura brasileira durou 15 anos, de 1964 a 1979, seguindo-se um período de transição até a Constituinte de 1988. Marco Antonio Villa faz um abatimento ainda maior, considerando que o período de 1964-1968 não pode ser considerado ditatorial, mesmo que nele tenha havido uma série de atos institucionais, cassações e limitações à sociedade civil. Ditadura, para ele, só após o AI-5. A questão da cronologia não é neutra. De acordo com Aarão Reis, considerar ditadura da derrubada do governo Goulart ao momento em que um civil reassume a presidência equivale a limitar tanto o golpe como o regime exclusivamente ao âmbito de responsabilidade militar. Sua tese é de que houve um consórcio entre militares e civis que permitiu a vitória do golpe de Estado e o estabelecimento do regime, no qual os militares ocupavam o topo da pirâmide do poder, mas não eram seus exclusivos beneficiários e mantenedores. Em narrativa crítica e enxuta, Reis toca nesse ponto incômodo, o de que não existem ditaduras sem coniventes e colaboradores, tal como sucedeu na Alemanha nazista, na França ocupada ou no fascismo italiano. Aconteceu também aqui no Brasil. E se esse período traumático e recente ainda enseja tanta paixão e reinterpretações é porque deixou fundas marcas no Brasil, feridas abertas ainda hoje, com muitos dos seus protagonistas vivos e atuantes. Características de 1964, como a polarização sem trégua e o instinto golpista ainda sobrevivem entre nós, com outras roupas. Sente-se nesses livros, porém, que a pura paixão, ainda que presente em suas páginas, concede espaço à racionalidade, sem a qual não se compreendem os traumas e nem mesmo a ventura de um país. Como diz Reis no belo enganche final de sua obra, "não há como se libertar da ditadura sem pensar nela... e o pensamento crítico pode constituir a melhor defesa da democracia." Este poderia ser um ponto de consenso entre autores tão divergentes.

MODA

BRASIL ECONÔMICO – É bacana ser do Brasil / Paulo Borges / Artigo Paulo Borges é CEO da Luminosidade e criador do São Paulo Fashion Week e do Fashion Rio (06/03/2014) No final do ano passado, fui convidado para contar minha trajetória pessoal a jovens empreendedores em São Paulo, interessados em entender como surgiu a ideia de criar o São Paulo FashionWeek. Diante daquelas mil pessoas, foi curioso lembrar quando eu me perguntava por que o

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Brasil não tinha uma semana de moda e as pessoas do mercado me diziam: ‘não existe moda no Brasil’. Precisar convencer jornalistas, patrocinadores, investidores, designers que moda é relevante no Brasil soava como uma fábula para aquela plateia. Dois meses depois, a consultoria Euromonitor confirmou que o faturamento da indústria brasileira de moda - R$ 140 bilhões, em 2013 – quadruplicou nos últimos 10 anos, saindo da 14ª para a 8ª posição mundial. De acordo com levantamentos recentes do SEBRAE, empreendedores individuais, micro e pequenos empresários já representam 98% do setor. São mais de 271 mil pequenos negócios com faturamento anual entre R$ 60 mil e R$ 3,6 milhões. Eu não preciso mais dizer a eles que existe moda no Brasil. Eles são a prova disso. Então, o que eu teria a dizer sobre a moda brasileira? Não sou estilista, dono de marca, investidor. Mas fiz da moda a minha causa. Há mais de 20 anos, eu me dedico a conectar os gargalos do mercado por meio do SPFW. Olhando para minhas próprias descobertas nesse processo e o momento que o nosso país vive hoje, arrisco dizer que — para além de reivindicações por políticas públicas — tenho observado que nos falta orgulho. Ter orgulho é ter a habilidadede reconhecer conquistas, saber das dificuldades e identificar evolução, superação, que situações ou coisas já nos colocam ‘um nível acima’. Não preciso aprovar o complexo cenário atual do Brasil para ter orgulho de ser brasileiro. A postura da provocação, da inquietação, do questionamento é o que gera movimento, transformação, atitude. Ter uma postura de vítima — ‘nada está bom, nada tem jeito’ — é tão absurdo quanto dizer que tudo está bomda forma como está. Qualquer desafio que a moda, o design, a economia, o turismo, a indústria nacional enfrente, não desqualifica o que já foi conquistado. Reconheço que o brasileiro já é apaixonado por moda. Está na hora de sentir orgulho dela. Eu amo a moda, eu amo o Brasil. Por isso me é fácil perceber a grandiosidade que ela representa. E por que não usamos isso, a nossa criatividade, inovação, tecnologia, força de trabalho, raízes e tradições, agricultura, engenharia, cultura, design, para mostrar ao mundo a que veio o Brasil? Logo agora que tantos países, marcas, turistas, investidores parecem estar perguntando “o que é que a baiana, tem”? A nossa moda viabiliza isso. O Egito usa o algodão para levar o seu nome ao mundo como selo de qualidade. Os Estados Unidos consagraram o jeans como símbolo da cultura pop. Pois, a moda brasileira é uma das poucas no mundo que detém todos os elos da indústria - do plantio do algodão à criação do bicho da seda à geração do fio, do tecido, às tecnologias de confecção, acabamento, associado a um rico repertório cultural que estimula a criatividade, a inovaçãoe, por fim, é berço de designers consagrados internacionalmente, nomes de diversas gerações que inspiram e exportam nosso senso estético. Está na hora de aplicarmos o nosso softpower, nosso poder de atração. Passamos muito tempo tentando nos parecer com os outros. Agora, os outros querem se parecer com a gente. Na minha visão, não será simplesmente o sujeito indeterminado — criatividade brasileira —, mas, sim, o sujeito simples determinado — criativo brasileiro — que pode dar a resposta ao estrangeiro curioso. Esta aí a oportunidade das pessoas, da bordadeira ao engenheiro de processos, do stylist ao fotógrafo, da modelista ao crítico de moda, do designer ao consumidor, que transforma o produto em expressão, poder mostrar do que o Brasil é feito. Eu me visto de Brasil.

OUTROS

O GLOBO - Instituto de Museus nomeia conselho que avaliará obras de arte Ao todo, 21 representantes apontarão peças de ‘interesse público’ em coleções privadas Audrey Furlaneto (07/03/14) Depois de publicar, em outubro do ano passado, o polêmico decreto que lhe dá direito a indicar, em acervos particulares, obras de arte de “interesse público” — e que, assim, passam a ser monitoradas pelo governo —, o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) publica, até o final deste mês, no “Diário Oficial”, os nomes do conselho que fará valer o documento.

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Indicado pelo Ibram e pelo Ministério da Cultura, o chamado Conselho do Patrimônio Museológico terá ao todo 21 nomes, 13 deles divulgados nesta quinta pela “Folha de S.Paulo” e que incluem colecionadores, como José Olympio Ferreira, e curadores, como Paulo Herkenhoff. Os outros oito nomes são de representantes de entidades, como Andrey Rosenthal Schlee, do Iphan, Mariza Guimarães Dias, da Fundação Palmares, e José Carlos Levinho, da Funai. Segundo Ângelo Oswaldo, presidente do Ibram, o conselho deve se reunir neste mês ou em meados de abril, mas não há pauta definida. O grupo anterior reuniu-se duas vezes em quatro anos, lembrou Oswaldo. — Como não havia o decreto 8.124 (de outubro de 2013), ficava difícil o conselho fazer o que deveria. A ideia é que, agora, possamos nos reunir duas, três vezes ao ano — disse Oswaldo. O ponto mais polêmico do documento (o que permite aos conselheiros apontarem obras em coleções privadas), porém, deve ser motivo de preocupação mais adiante. Segundo Oswaldo, “não haverá processo de declaração de interesse público tão cedo, porque esse procedimento é demorado e requer estudos”.

FOLHA DE S. PAULO - Mesmo sem a lei, produtores já reduzem oferta de meia-entrada Juliana Gragnani (11/03/14) Casas de show e produtores culturais já estão reduzindo a oferta de meias-entradas antes mesmo de estarem valendo as leis que criaram a cota de 40% do total para a venda de ingressos mais baratos. Mas o governo ainda não soltou a regulamentação definindo como e por qual órgão será feita a fiscalização. O show do músico britânico Elton John, realizado dia 22 de fevereiro em Salvador, para 40 mil pessoas, limitou a venda das meias-entradas. "Da nossa parte jurídica, o entendimento é que está valendo. Adotei os 40% para planejar melhor o preço dos ingressos, mas deixei extrapolar esse limite em alguns setores", diz Aluizer Malab, da Malab Produções, responsável pelo evento. Segundo ele, o limite na venda de entradas pela metade do valor ajudou a reduzir o preço de todos ingressos. "Posso calcular a venda sem penalizar tanto quem não tem direito à meia", diz. Os ingressos para a apresentação custaram de R$ 60 a R$ 750. Entradas para o mesmo show, em Fortaleza, custaram de R$ 100 a R$ 800. "Trinta reais, que é o preço da meia-entrada do setor cadeira superior, é tão barato quanto o preço de um ingresso de futebol", afirma Malab. Segundo o Procon da Bahia, restringir meias-entradas para estudantes e idosos afronta a legislação estadual, que não impõe limite quantitativo aos ingressos. O órgão informa que notificará a produção do show para que esclareça, em dez dias, sobre a venda das entradas. O limite foi aprovado em uma lei sobre a meia-entrada em geral, sancionada em dezembro. É a primeira legislação federal sobre o tema, que hoje é regulado por meio de leis municipais e estaduais. O Estatuto da Juventude, sancionado em 2013, também estabelece limite de 40% de meias-entradas. Tecnicamente, as leis já estão em vigor. A restrição na venda da meia-entrada deveria estar valendo desde dezembro, mas falta a regulamentação.

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"A restrição não poderia estar sendo aplicada agora. Quem está aplicando não está acobertado pela lei", diz advogado Rodrigo de Mesquita Pereira, especialista em direito do consumidor. Também dois eventos de música sertaneja programados para março e abril em Vitória (ES) e Belo Horizonte (MG) já limitaram as meias-entradas a 40% das vendas. A BCG Eventos, que organiza o festival Villa Mix, em Vitória, com shows de Gusttavo Lima e outros, disse em nota ter sido orientada pelo Procon a aplicar a nova lei. Os preços dos ingressos variam de R$ 80 até R$ 400. O Procon do ES negou ter dado a recomendação. Informa por e-mail que apenas "enunciou tópicos" da lei, em "caráter meramente de esclarecimento". Informou ainda que iria fiscalizar a venda dos ingressos após o Carnaval. "A lei não está em vigência. Deve ter havido equívoco das casas de show", diz Denize Izaita, diretora jurídica do Procon do Espírito Santo. O Pedro Leopoldo Rodeio Show também anunciava no seu site a venda de acordo com a lei sancionada em 2013, até a reportagem da Folha entrar em contato, na semana passada, com a Rope Eventos, produtora do festival, em Belo Horizonte. A empresa não quis se pronunciar, mas retirou do site a política de venda de meias-entradas com a cota de 40%. Com cinco dias de duração, o festival inclui shows de Victor e Leo e Luan Santana. As entradas custam de R$ 40 a R$ 990. Em 2012, o público desse evento foi estimado em 110 mil pessoas. O Procon de BH disse não ter posição sobre as novas leis. Hoje, na maioria dos Estados e municípios, não há limite para meias-entradas. Eventos têm de vender entradas pela metade do preço a quem tem direito, caso de estudantes e idosos. Segundo o Ministério da Cultura, a restrição só passa a valer quando o texto da regulamentação, que será uma só para as duas leis, for publicado no "Diário Oficial da União". A pasta informa que o texto está pronto, em fase de consulta a outros ministérios e "aguardando reunião a ser convocada pela Casa Civil para fechar a versão final". RESTRIÇÃO NÃO VALE PARA COPA E OLIMPÍADA A cota de 40% para a venda de meias-entradas sobre o total de ingressos —assim como as novas regras sobre a emissão de carteirinhas estudantis não estão valendo para jogos da Copa do Mundo deste ano nem para a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro.