revista boom - edição nº 1

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Boom! Revista Edição 1 Ano 1 Eu sou gay Baladas Guarapuava Rolando dados

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Edição Nº 1, ano 1, da Revista Boom da Unicentro!

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Edição 1 Ano 1

Eu sou gay Baladas Guarapuava

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Ocaso sobre a Pedra p.48

Só Protejo o que é “meu” p.24

Eu Sou Gay p.40

Futuro Incerto p.43

Aquilo que o Tempo Não Apaga p.34

Sair a Noite em Guarapuava, sim! p.28

Rolando Dados p.20

Há algo de novo no Rock? p.14

Moda Bechó p. 09

Gostos jovens p.06

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Foram meses de trabalho, pesquisa e empenho, mas agora, finalmente, a primeira edição da Boom! está pronta. Buscamos produzir uma revista leve e colorida, com pautas voltadas ao público jovem guarapuavano que está prestes a enfrentar a vida adulta e decidir qual rumo tomar. Nosso diferencial é que tam-bém estamos nessa fase da vida, logo, entendemos e possuímos os mesmos anseios e desejos dos nossos leitores.

Incertezas são muito constantes em toda a nossa vida, mas na juven-tude elas aparecem de forma muito mais intensa. Precisamos tomar importantes decisões e, de forma precoce, decidir o nosso futuro. São dúvidas sobre qual curso fazer na faculdade, sobre qual área seguir e, principalmente, sobre quais prioridades devemos ter. Se você tem muitos questionamentos sobre o que deve fazer, não pense que é a única pessoa nesse dilema. Entrevistamos alguns jovens e vimos que essas sensações são mais constantes do que pensamos.

Para escrever a edição deste mês visitamos algumas baladas da cidade, des-de as mais célebres até as que sofrem certo preconceito, e mostramos o que vocês podem encontrar em cada uma delas. Existe gosto para tudo e não adianta dizer que não existem lugares para sair em Guarapuava porque comprovamos o contrário. E no passado, como eram as opções de lazer aqui? Conversamos com algumas pessoas que viveram a juventude na década de 60 e descobrimos como as coisas mudaram (ou não).

Muito se questiona sobre os estilos de rock que têm surgido nos últimos tem-pos. Será que essas bandas realmente são originais ou elas são meras cópias do que já foi feito antes? No rock’n roll as coisas não funcionam muito diferentes de como funcionam na vida: por mais que coisas novas surjam, que a tecnologia impere, alguns elementos, tanto sonoros quanto visuais, sempre são resgatados do passado.

Tomamos como base o drama encontrado no romance Dom Casmurro, de Macha-do de Assis, para mostrar que alguns sentimentos, como o ciúme, são atemporais e, quando exagerados, podem até mesmo chegar ao status de doença.

Nos últimos tempos muito tem se discutido sobre a homossexualidade depois que o Superior Tribunal Federal decidiu reconhecer a união homoafetiva no país. Mas será que agora ficará mais fácil para os homossexuais se assumirem? Não é nada fácil declarar sua opção sexual e enfrentar o preconceito da sociedade, mas algumas pessoas preferem tomar essa atitude para se sentirem mais perto da felicidade.

Enquanto algumas pessoas consideram que roupas de brechó são fora de moda e possuem procedência duvidosa, outras costumam frequentar esses lu-gares e garantem que encontram ótimas peças lá. Visitamos alguns estabeleci-mentos da cidade e mostramos como se pode montar ótimos looks com roupas do brechó.

Nossa matéria de capa é sobre o RPG, jogo de interpretação que, geralmente, é encarado de forma negativa por quem não tem conhecimento real sobre o uni-verso que o cerca. Jogado de forma consciente e controlada, ele pode servir como uma ótima ferramenta para o aprendizado e o desenvolvimento da criatividade.

É nosso desejo que, ao ler a Boom!, vocês se identifiquem com o conteúdo da revista, sintam-se representados e que ela faça jus ao seu nome: que o barulho da Boom! repercuta em suas vidas e que possamos contar com vocês na nossa próxima edição.

Boa e prazerosa leitura a todos! Anita Hoffmann

Experimentando

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O que eu mais gosto de fazer?

Danielli Pontarollo - Yoga

Matheus Schran - Tocar bateria

João Ovitzke - desenhar

Carolina Teles

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Foto: Anita Hoffm

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Foto: Anita Hoffm

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Foto: Anita Hoffm

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Roberto Corrêa - Tocar Guitarra

Alane Marie de Lima- Estudar

Moda Brechó

Se o que você sempre so-nhou foi comprar roupas originais e fazer a sua própria moda, já demo-rou para sair em busca

de bazares e brechós. Em um rápido passeio pelo centro de Guarapuava foi possível encontrar quatro brechós dos mais diferentes tipos. Mas há muito mais. Neles, podem ser encontradas roupas dos mais diversos estilos e qua-lidades; basta ter paciência e um bom olho para achar peças que valem a pena. São casacos, camisas, vestidos, de boa qualidade, originais e baratos.

Entre os jovens, a moda está cres-cendo. Luiz Fernando Santos, 21 anos, acadêmico de Publicidade de Propa-ganda, iniciou o hábito de comprar em brechós há uns três anos e conta que

hoje em dia a maioria de suas roupas são de lá. “Eu tenho vários paletós que eu comprei em brechó, tem um paletó cinza xadrez que eu gosto muito dele, eu sei que em qualquer outra loja seria difícil de achar. Além de ter camisas de flanela xadrez, listradas, pulôver de lã, suéter de lã”. Luiz afirma que compra as roupas pela exclusividade que elas possuem “Eu sempre gostei de coisas mais antigas, coisas que você não en-contra em lojas comuns. Um dia eu fui num brechó e encontrei mais ou menos o tipo de roupa que eu procurava. E ser barato também compensa.”, afirma.

Carol Gualdessi, 24 anos, acadêmi-ca de serviço social, começou a com-prar em brechó há uns seis anos atrás. E Ela possui algumas peças de dar inveja, como o vestido de alta costura

azul (foto página 20) encontrado em um brechó famoso da cidade, no qual pa-gou R$ 10,00 e usou no casamento de uma de suas melhores amigas. “Mas tem que dar sorte”, afirma. Ela também nos conta um pouco da arte de garim-par, que é imprescindível na hora de comprar. “A gente tem que garimpar; na verdade, você tem que ir com muita pa-ciência né, porque muita coisa não dá. Tem que garimpar.” Assim como Luiz, Carol vai a brechós para encontrar rou-pas mais alternativas “Eu vou por diver-são, porque é legal, acha umas coisas diferentes do convencional.” Foi com a Carol que demos um passeio pela cida-de em busca de peças interessantes, confira!

Por: Carolina Teles

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Carolina Teles

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Foto: Anita Hoffm

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Foto: Anita Hoffm

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Comprando camisas e casacos, você tem mais chances de acertar

Carolina Teles

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Se você busca o xadrez, não perca tempo. Os brechós estão cheios deles!

Além de variedades...

Moda Brechó

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Carolina Teles

... e raridades. Carol pagou R$ 10 neste vestido novinho e de alta costura

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Há algo de novo no rock?

Em um mês você escuta uma música insistentemente na rádio, vê a banda aparecer em todos os programas de TV, mas bastam poucos dias para

ela desaparecer e perder seu lugar para outra banda do momento. Se você pen-sar um pouco, vai lembrar de muitas bandas que viraram “febres do verão”, mas logo desapareceram como em um passe de mágica ou ficaram relegadas ao triste mundo das sub-celebridades. Não somos videntes e nem temos uma bola de cristal para prever quais bandas atuais serão influências no futuro, mas uma coisa é certa: por mais que ban-das com pouco talento façam sucessos momentâneos, apenas as que têm um som de boa qualidade permanecem na memória. E essa constatação não foi in-ventada agora; basta olharmos para o passado para termos essa certeza.

Por mais distante que possam pare-cer as décadas de 60, 70 e 80, bandas de rock dessa época têm uma influên-cia enorme na música atual. E quando dizemos enorme, é porque realmente

essas sonoridades estão ainda bas-tante vivas no nosso cotidiano. Alguns jovens gostam tanto do rock mais an-tigo que se negam a escutar coisas mais novas; outros buscam bandas do passado justamente para encontra-rem as referências feitas pelas bandas atuais que curtem. Talvez Chacrinha tenha sido fatalista demais ao dizer que “nada se cria, tudo se copia”, mas ele não estava totalmente errado. Se-ria mais adequado dizer que “nada se cria, tudo tem influência do passado”. O próprio rock’n roll, apesar de inova-dor e transgressor, bebeu da fonte de estilos como o blues e o jazz.

Será que os fãs do happy rock fa-zem ideia de que existiram bandas de hard rock na década de 80 que tam-bém utilizavam visuais exagerados e bastante coloridos? Os fãs do emocore sabem que o estilo se originou dentro do hardcore punk na década de 80 e tem bastante influência do visual do rock gótico? E os fãs de bandas de me-talcore têm consciência de que

Por :Anita Hoffmann

Bandas atuais são repletas de influências do passado em suas músicas. Mas por onde andam as novidades?

- A música tem mais elementos do pop do que do rock- Gênero inventado no Brasil- Músicas alegres e com temas amenos- Roupas coloridas e visual mais infantil-Bandas: Cine e Restart

Happy Rock

- Gênero mais pesado que o rock convencional- Tem influências do rock psicodélico e do rock de garagem- Em alguns momentos, assemelha-se com o heavy metal- Costuma ter guitarras pesadas e vocais agudos ou roucos-Bandas: Bon Jovi, Cinderella e Mötley Crüe

Hard rock

Twisted Sister

Restart

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Foto: Divulgação

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o estilo nasceu como uma fusão do peso do heavy metal com o protesto do hardcore? Talvez nem todos saibam so-bre as influências que suas bandas fa-voritas têm e, por isso, a Boom! explica um pouco sobre isso para vocês.

O que se denomina como happy rock nem ao menos se pode ao certo considerar como rock. Apesar de ter a palavra “rock” no nome, a música des-se estilo se parece muito mais com o pop do que com o transgressor rock’n roll. Roupas coloridas e músicas com letras felizes são características pe-culiares do estilo musical próprio do Brasil. Geralmente, o público do happy rock não ultrapassa a faixa etária dos 18 anos; são as adolescentes que fi-cam doidas e histéricas pelas bandas dos “bons meninos”. Por mais que al-

gumas pessoas se choquem com as roupas coloridas, as bandas de happy rock não são nada inovadoras nisso. Antes mesmo de os caras do Restart nascerem, já existiam bandas, prin-cipalmente nos Estados Unidos, que exageravam no visual e se vestiam, por vezes, como travestis. Bandas de hard rock como Twisted Sister, Cinderella e Mötley Crüe faziam um rock bastante pesado que contrastava com suas rou-pas e com seu visual andrógeno. Basta escutar o hard rock e o happy rock para perceber que não existe nada em co-mum na sonoridade das bandas, mas é inegável que o visual em muito se assemelha. Enquanto um estilo busca ser transgressor e afrontar a sociedade com letras sobre sexo, dramas e dro-gas, o outro se destaca por orgulhar-se

- Atmosfera gótica- Temas macabros, satânicos e /ou depressivos- Visual carregado de preto e de maquiagens fortes- Bandas: The Cult, Joy Division, e Suicide

Gothic Rock

- Influência do hardcore/punk- Roupas pretas, franja comprida e maquiagem bastante marcada- Bandas: My Chemical Romance, NxZero, Simple Plan

Emocore

das suas boas condutas e por tratar de temas mais amenos nas suas músicas.

A estudante Nataly Abdanur Nassar, 14 anos, é superfã do Restart. Ela con-ta que foi ao show deles aqui em Gua-rapuava e que conseguiu chegar bem perto dos seus ídolos; segundo ela, para sua felicidade total, um deles deu uma piscadinha para ela. “Eu até tenho roupas coloridas como as dos caras do Restart, mas nem costumo usar, o que me chama mais a atenção neles é a música mesmo”. Quando questionada sobre conhecer as bandas da década de 80 que possuíam visual colorido também, Nataly diz não ter nem ideia. “Não sabia que existiam bandas assim antes e também não lembro de ter es-cutado nada delas”.

Em relação ao metalcore, com o fã

Guilherme Rocha, 21 anos, o caminho aconteceu de forma inversa. Primei-ro, ele curtia as bandas de heavy me-tal que inspiraram o metalcore, como Pantera e Slayer, e só depois conheceu o estilo. O metalcore é um estilo que anda em bastante voga atualmente. Fã de bandas como As I lay dying, Kill-switch Engaged e Avenged Sevenfold, Rocha diz que o que mais o atrai no metalcore é a rapidez e agressividade do estilo. “Gosto do peso e da raiva que essas músicas me transmitem”. Ao mesmo tempo em que o metalcore possui vocais guturais e guitarras rápidas, em al-guns momentos vocais limpos e bastante melodiosos misturam-se à música.

Agora a “onda” diminuiu, mas há uns dois ou três anos atrás o emoco-

re era febre entre muitos adolescen-tes brasileiros. Era comum sairmos às ruas e vermos grupos de adolescentes vestidos de preto, com longas franjas no rosto e com maquiagens bastante fortes. Temas tristes dominavam as le-tras das músicas e um modo de vida depressivo era exaltado. Apesar de ter feito bastante sucesso em meados dos anos 2000, o emocore surgiu muito an-tes, no começo da década de 80, ins-pirado pelo hardcore e pelo punk rock. Já em relação ao visual, que valoriza bastante o uso do preto, percebe-se grande influência do rock gótico, mais conhecido como gothic rock. Mauro Co-elho, 20 anos, já escutou muito emoco-re na vida. Hoje em dia, ele admite não

escutar o estilo com tanta frequência, mas ainda sabe várias músicas de cor. “Gosto muito da atmosfera triste das músicas e, depois que conheci o emo-core, pesquisei outras bandas pareci-das. Me encantei profundamente com o gothic rock do Joy Division e do The Cure e depois disso acabei escutando menos o emo”.

Não importa qual seja o estilo mu-sical que você curta, pesquisar bandas do passado sempre é bom para au-mentar o seu repertório musical e para abrir sua visão sobre a própria música atual. Por mais que o tempo passe, que sucessos venham e vão, algumas bandas têm o poder de serem eternas.

- Música pesada e rápida- Letras que envolvem críticas sociais e religiosas- Influência do punk e do heavy metal- Bandas: Slayer, Pantera

Thrash Metal

Metalcore

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Killswitch Engage

The Cult

Simple Plan

Foto: Divulgação

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Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

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- Influência do metal e do hardcore- Guitarras pesadas e vocais guturais contrastan-do com vocais melodiosos- Bandas: Avenged Sevenfold, Killswitch Engage, As I lay dying

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As aparências às vezes enganam e os juízos precipitados também. Os jogos de RPG podem ter um papel bastante importante no desenvolvimento da criatividade e cognição.

Por: Anita Hoffmann

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Foto: Anita Hoffm

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Às vezes acabo ficando diante de certas situações em que preciso agir rápido, pensar em uma estratégia de uma hora para a outra

É a imaginação e os detalhes que deixam a história mais envolvente

Paulo exibe orgulhoso o livro do primeiro sistema de RPG que aprendeu, o 3D&T

Quando se fala em jogos de RPG (Role Playing Game), logo o senso comum asso-cia-os à violência e à alie-nação. Esse preconceito

geralmente surge pela falta de informa-ção e pela pouca divulgação dos jogos. Poucas pessoas, além dos jogadores, conhecem a fundo como funciona o universo dos Role Playing Games e ge-ralmente só se fala sobre eles na mídia quando acontece alguma coisa ruim en-volvendo-os. Muitos pais ficam com os cabelos em pé só de imaginar seus fi-lhos participando de jogos assim. É cla-ro que não dá pra aceitar que algumas pessoas levem tão a sério esses jogos de interpretação que acabem matando ou morrendo por eles, mas, o que preci-sa ficar evidente é que esses são casos de exceção e que a grande maioria de rp-gistas (como são denominados os joga-dores) não é formada por degenerados. Diferentemente da maioria das mídias que só mostra o lado negativo desses games, pretendemos, aqui na Boom!, mostrar como eles podem também ser ótimas ferramentas de aprendizado.

Os RPGs são jogos baseados na in-terpretação de personagens e criações

de histórias. Geralmente são jogados por no máximo cinco pessoas. Existem vários sistemas de RPG e cada um de-les possui suas regras determinadas. Quando um jogador escolhe certo sis-tema, age de acordo com os limites impostos. Em todas as mesas (nome dado ao grupo de RPG) é necessário que haja um mestre, pessoa que nar-ra e cria a história a ser jogada. É o mestre que costuma apresentar as si-tuações aos jogadores e a história vai se desenrolar de acordo com as atitu-des que cada um tomar. Os jogadores idealizam e criam seus personagens, dando-lhes características próprias, tre-jeitos e personalidade. Para analisar o sucesso ou fracasso de cada ação, ro-lam-se dados e os resultados serão de acordo com o que o livro de regras diz.

A publicitária Amanda de Oliveira, 24 anos, joga RPG há mais de 10 anos e também costuma “mestrar” de vez em quando para seus amigos. Para ela, um dos fatores mais interessantes do jogo é o fato de ter que pesquisar, ler e buscar muita referência histórica para compor os seus personagens ou para desenvolver uma trama. “É a imagina-ção e os detalhes que deixam a história

mais envolvente. E é tudo colaboração: o mestre não é contrário aos jogado-res, os jogadores também não estão em uma disputa; eles geralmente estão juntos em busca de um mesmo objetivo e os inimigos são os personagens ima-ginários da história”. Amanda acredita que os RPGs despertam nos jogadores um interesse natural pela literatura, pois, se eles não tiverem uma boa ba-gagem cultural, não conseguirão apro-veitar a história de forma adequada.

Paulo Henrique é um exemplo de quem descobriu a literatura por meio dos jogos. O estudante de 16 anos co-meçou a jogar quando era ainda uma criança, com apenas 11 anos. Por ver seu irmão mais velho e seus amigos jogarem, decidiu aprender também. No começo, sentia bastante dificuldade na interpretação de seus personagens, mas com o tempo foi percebendo que era exatamente essa interpretação que fazia tudo ficar mais divertido. “Para mim, o RPG é bastante legal em relação à improvisação. Às vezes acabo ficando diante de certas situações em que pre-ciso agir rápido, pensar em uma estraté-gia de uma hora para a outra. Tem que ter muita criatividade e jogo de cintura”.

A mestre em Educação, Christine Vargas Lima considera os jogos de RPG uma ferramenta lúdica de aprendizado. Ela não concorda com todos os aspec-tos do jogo, principalmente quando se fala em castigos e punições aos joga-dores, mas acredita que as estratégias cooperativas podem ser muito úteis na hora da troca de conhecimentos. Os jogos poderiam ser utilizados como ferramentas de ensino dentro da sala de aula, porém, falta interesse e até mesmo tempo de os professores de-senvolverem ações como essa. Além disso, os livros também costumam ser caros e é difícil imaginar como crianças de baixa renda poderiam ad-quiri-los. A maioria das publicações é estrangeira, mas também existem al-

guns livros nacionais como o O desa-fio dos Bandeirantes, Descobrimento do Brasil e O resgate dos retirantes.’

Afonso Henrique Ferreira Cunha tem 20 anos e cursa o terceiro ano de Ciên-cia da Computação. Assim como Paulo e Amanda, ele também se interessou pelos jogos ainda na adolescência, com apenas 14 anos. “Por gostar bas-tante de história, o RPG me encantou. Apesar de eu acreditar que seria difícil os professores ensinarem-no de forma completa, se adaptado, ele poderia ser uma boa opção para conquistar o in-teresse das crianças e adolescentes e desenvolver neles a criatividade”. Para Afonso, o grande problema nisso é a questão de tempo, pois os jogos de RPG duram horas ou até mesmo dias. “Eu

mestro para um grupo há dois anos, jogamos praticamente todos os domin-gos. Todas as pessoas do grupo se en-volvem bastante na história, estudam. Tem um cara do grupo que até mesmo aprendeu a falar algumas palavras em japonês para interpretar um samurai”.

Se você tem curiosidade em co-nhecer o mundo dos RPGs, pesquise, arrisque, chame alguns amigos e tente jogar. Mas lembre-se sempre que qual-quer coisa em exagero pode ser preju-dicial. Utilize os jogos de interpretação como um espaço lúdico, de entreteni-mento, como um momento de sociali-zação, e nunca esqueça que confundir a sua vida com a dos personagens sig-nifica alienação; por isso, saiba voltar à realidade quando o jogo terminar.

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”Afonso e seu colega Vinícius jogam RPG juntos há 2 anos

Vampiro: A Máscara é uma das aventuras que Amanda costuma mestrar

Foto: Anita Hoffm

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Só protejo o que é “meu”

Por Camila Souza

O ciúme é uma das principais causas dos términos de realcionamentos. Mas o que é e por que as pessoas sentem ciúmes?

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Bentinho apaixona-se pela vizinha de infância, Capitu. Os dois se casam, mas não são felizes para sempre. O rapaz começa a ficar descon-

fiado e a sentir ciúmes exagerados da amada. Com o tempo, ele passa a acreditar que sua esposa realmente o traía. Bentinho transformara-se em Dom Casmurro.

Esse é o resumo do resumo de Dom Casmurro, o grande romance realista de Machado de Assis. Uma história em que o ciúme do protagonista colocou a felicidade de seu relacionamento em cheque. E, por mais que a obra do mestre Machado se passe lá do século XIX, o assunto não envelheceu nem um pouco. O ciúme romântico (que é diferente, por exemplo, do ciúme entre irmãos) é um tema que está sempre em

destaque. Desde as novelas mexicanas até ali na casa do vizinho. Os anos passam, mas o ciúme continua habi-

tando a cabecinha de muitos casais por aí. Mas o que é o ciúme romântico? E por que as pessoas

sentem ciúmes de seus namorados? Dentro da psicologia, o ciúme romântico pode ser divi-

dido em duas categorias: o patológico e o não-patológico. O primeiro é ciúme levado às extremas consequências. São aque-

les casos em que a pessoa se torna irracional e, mesmo sem ter provas de uma infidelidade, comete atos inaceitáveis e, às vezes

até crimes. Esses casos são os mais raros, como o do Dom Cas-murro.

Comum mesmo é o ciúme não-patológico. Aquele me-dinho de existir um(a) rival ou de pensar na possibilidade de uma traição. Esse sentimento não torna o ciumento em uma pessoa agressiva, como no caso do ciúme patológico. O que acontece é que a pessoa se sente insegura e tende a ter comportamentos de investigação e desconfiança. Fa-zer vistoria freqüente no Orkut ou Facebook do namorado ou da namorada já é um indício.

A antropóloga Helen Fisher, em seu livro Por que nós amamos: A natureza e a química do Amor Ro-mântico (Editora Record), explica que os dois maiores motivos para o término de relacionamentos são a trai-ção e o ciúme. E essas duas situações têm uma rela-ção íntima.

Mas isso não acontece por acaso, o ciúme é um ato instintivo. O psicólogo e neurolinguísta Steven

Pinker, em seu livro Como a mente funciona (Compa-nhia das Letras), aponta que, de acordo com as leis da

probabilidade, se uma pessoa estiver sempre a procura de alguém melhor do que seu companheiro atual, um dia

ela encontrará. É matemática pura. E o nosso cérebro sabe interpretar isso direitinho. É daí que vem o ciúme.

Emerson Shneider, 23 anos e Edicléia Ribas, 22 anos e entendem desse assunto muito bem. Namorando há quatro anos e meio, o casal já passou por muitas fases de ciúmes. No último ano, os namorados terminaram e, nesse período, ficaram com outras pessoas. Quando resolveram voltar, o ci-

úme bateu forte. Principalmente por parte do Emerson, que detesta lembrar-se desse tempo. “É difícil saber que a pessoa que você ama ficou com outro. Cla-ro que ela não fez nada de errado, porque a gente não estava junto, mas não posso dizer que gosto”, conta o namorado ciu-mento.

E não é que o menino é ciumen-to mesmo. Edicléia, a Edi, conta que o namorado já era ciumento antes, mas agora, depois desse “break”, Emerson fica sempre com o olho bem aberto. “Ah se eu passar na frente da Campo Real”, conta a garota explicando que é lá que es-tuda o menino com que ela ficou durante o tempo que houve no namoro. “Quando a namorada é bonita, a gente tem que cuidar, né?”, justifica Emerson.

André Zinco, 18, namora há um ano. Quando conheceu sua namorada, os dois moravam em Guarapuava. Era época de pré-vestibular e eles estuda-vam juntos, na verdade, fica-vam juntinhos o tempo todo. Os dois passaram na UFPR, em Curitiba, só que ela entrou no primeiro semestre e André vai entrar no segundo. Pela primeira vez, eles não se vêem mais todos os dias, a saudade aperta e o ciúme che-ga. André explica que, como ele continua na mesma cidade, a namorada não sente muito ci-úme. Mas ele, por outro lado, sabe que a amada está em um ambiente novo e diferente, com no-vas possibilidades. E são essas possibi-lidades novas que o deixam inconfortável. “Ela está conhecendo pessoas diferentes, fazendo novos amigos e eu continuo aqui. Não tem como não ficar pensando nisso”, conta André que já era ciumento antes da distância e agora ficou mais ainda.

A insegurança e a desconfiança são até normais. O importante é segurar a barra e não fazer tempestade em copo d’água. Ou seja, o caso não pode virar um quadro patológico. Não deixe que o doce Benti-nho que existe em você se transforme no carrancudo Dom Casmurro.

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Aôôô ButecoGente animada e muito

sertanejo. Esse é o Aôôô Buteco. Localizado nas redondezas do Cedeteg, o bar é frequentado por muitos jovens, na maioria estudantes. Além de sertanejo, o Aôôô Buteco

também toca pagode e até reggae. Mas o forte dessa balada é mesmo o bom sertanejo universitário.

Para os sertanejeiros de plantão, o Aôôô Buteco é uma ótima indicação de balada. Lis Freitas, de 21 anos (foto), estudante de veterinária, é fã do estilo e sempre vai ao Aôôô Buteco. “As du-plas são muitos boas e aqui está sem-pre cheio de gente bonita. Você pode aparecer até numa terça-feira e, além de estar lotado, o Aôôô Buteco não vai fechar antes das 5h”.

Sob a luz negra da balada e a música eletônica, o pessoal animado dança na pista. A música que toca na Free Way é o Eletro Funk, uma mistura dos elementos da música eletrônica tradicional com elemen-tos do funk; antigamente, esse estilo era mais conhecido como remix.

A Free Way é, muitas vezes, julgada por pessoas que não a co-nhecem. Porém, entre as quatro baladas que a Boom! visitou, a Free Way e o Dallas, são as que tem os maiores espaços físicos. Guarda--volume, dois bares e banheiros amplos, o espaço é muito bom. Sem contar a caipirinha de vários sabores que o bar oferece. E tem muitos sabores mesmo, até os inusitados creme e fogo paulista – uma mis-tura de chocolate com guaraná. Reinaldo Alves, de 19 anos (terceiro na foto), conta que adora as caipirinhas e

vai à Free Way porque gosta de dançar. “Quando eu danço ele-tro, eu me expresso. Aqui é o me-lhor lugar para isso”.

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Sair à noite em Guarapuava, sim!

Guarapuava é, muitas vezes, encarada como uma cidade sem muitas opções de diversão. Em relação a outras cidades maiores, podemos dizer

que realmente há menos lugares para sair. Mas isso não quer dizer que não haja opções. A Boom! visitou quatro lugares da cidade, desde os mais célebres e bem-vistos até aqueles que são considerados de forma negativa por

muita gente que não conhece.

Fotos Free Way: Cam

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Camila Souza

Free Way Sound and Dance“Não tem o que fazer em Guarapuava. Ô cidadezinha sem lugar para sair... Vamos para Curitiba?”

Por Camila Souza

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Dallas Country BarBailão: essa é a palavra que define o Dallas. Frequentado por

pessoas de todas as idades, o bar é famoso por tocar músicas es-tilo vanerão. Ao som de “Maria Chá Chá Chá”, conhecemos Taisa Krauss e Jeferson José Bilek, ambos de 22 anos (foto). Taisa conta que gosta muito de dançar e o Dallas é um dos poucos lugares em que os homens sabem dançar. Jeferson também aponta a dança como principal motivo para ir ao Dallas. “Gosto muito de vir ao baile. Dançar um fandango não faz mal a ninguém.”

O local tem o espaço interno e o estacionamento bastante amplos. E se bater a fome, no meio da noite, o Dallas tem uma lanchonete ao

lado do estacionamento.

Por muitos anos, Guarapuava não teve um local específico para tocar Rock. O London Pub foi inaugurado ano passado e é celebrado pelos apreciadores do estilo. Famoso por trazer covers de bandas im-portantes como Beatles e Metallica, o Pub tem uma elegante decora-ção temática com referências à Londres e ao próprio rock. Elizabete França, de 23 anos (com o marido Elias na foto), freqüenta o Pub justamente por gostar de rock. “Os preços não são os mais baratos, mas as bandas que o Pub traz são muito boas. Para quem ama rock, como eu, vale a pena”.

O local tem dois ambientes: na parte superior, funciona o bar e no porão, fica o palco onde as bandas se apre-sentam. Quando o Pub

fica cheio, geralmente nos sábados, o espa-ço se torna pequeno. Mas para todo bom ro-queiro, os inferninhos são os melhores luga-res para curtir o bom e velho rock’n’roll.

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Fotos Dallas: Camila Souza

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“Cheguei em Guarapuava em fevereiro de 1961, eu tinha 18 anos. Dia 11 de abril, uma terça-feira, do mesmo ano eu conheci a Vilma, eu já havia visto ela antes, mas nunca tínhamos conversado, nesse dia aconteceu e combinamos um cinema no domin-go, dia 16”. O brilho nos olhos e a precisão dos dados fazem com que o fato acontecido há 50 anos na vida de Ivo de Oliveira Rodrigues, de 68 anos, aparente ter sido vivido por ele há poucos dias. E como já diriam os mais velhos: aproveitem a juventude, ela acontece apenas uma vez na vida!

Muitos jovens de uma Guarapuava do século 21 sequer imaginam que gerações passadas, ao invés de irem ao London Pub, Pharol ou Aôô Buteco, iam para o Turvo fazer piquenique, marcavam presença no cinema todo o domingo, e não perdiam os bailes do Clube Guaíra, que por sinal, é o mesmo Guaíra que você está pensando, aquele onde acontecem as formaturas (mais para frente você verá que essas formaturas são tradição meeesmo). Isso significava diversão para toda a geração dos anos 60 em Guarapuava.

Nessa época, a cidade não era como hoje, nem em tamanho, nem em costume. Os tempos eram outros e as pessoas ti-nham outros pensamentos. Por ser peque-na, Guarapuava não dava muita opção de lugares para os jovens irem e a tradição da época fazia com que a concepção de diver-são que temos hoje fosse muito diferente.

“Rara e esporadicamente fazíamos um piquenique, mas o cinema era a diversão principal! Namorados, noivos, casados, todo mundo ia ao cinema, era a maior di-versão que tinha, até porque não existia televisão, então o cinema era a novidade”, conta Ivo, o marido da Dona Vilma de Je-sus Crissi Rodrigues. Sim, depois do cine-minha eles namoraram, noivaram e casa-ram. Estão juntos até hoje.

O cinema, que se chamava Cine Gua-íra, era o point da juventude guarapua-vana e ficava localizado onde hoje está a sede da Igreja Universal, na rua Senador Pinheiro Machado. Segundo Vilma, havia sessões durante a semana, mas ela e Ivo iam com mais frequencia aos finais de se-mana, já que, após a exibição do filme que

estava em cartaz, eram exibidos episódios de um seriado. “Muita gente ia só por cau-sa do seriado, já que o episódio terminava em um momento que fazia você querer voltar na próxima semana para ver o que ia acontecer. Passava Flash Gordon, Zor-ro...”, relembra dona Vilma, brincando com as palavras em inglês que aprendeu com os seriados.

Além do cinema, os meninos se diver-tiam nos times de futebol que formavam e nos campeonatos amadores que par-ticipavam. As competições eram sinal de rebuliço e sinônimo de reunião dos jovens. Enquanto os meninos jogavam, as namo-radas assistiam e aproveitavam para se divertir também, colocando o papo em dia.

Ivo conta que, antes de vir para Gua-rapuava, quando morava no município de São Carlos do Ivaí, no norte do Paraná, tra-balhava em um armazém até as 15 horas do domingo, logo depois ele tinha treino com o time no qual jogava lá. “Quando o pessoal descobriu que eu jogava futebol, quiseram que eu fosse jogar com eles. Eu

Aquilo que o tempo não apaga...

Lembranças sobre como foi viver a juventude em décadas passadas em Guarapuava

Ivo de Oliveira Rodrigues, jovem nos anos 60.

Vilma de Jesus Crissi Rodrigues, jovem da década de 60.

Por: Catiana Calixto

Vilma com o grupo de amigas no Turvo, onde se encontravam para fazer piquenique

Passeio em Vila Velha com o grupo de jovens que participava da liturgia na Catedral

A jovem Nelly (a primeira em pé a esquerda), com os pais e as irmãs sentados a mesa, na década de 40.

“A gente ia “piruá”! Quem não entrava no baile ficava em frente vendo o movimento. Mas eu não gostava muito. Papai não deixava a gente dançar com os moços”.

Nelly Crissi

“Namorados, noivos, casados, todo mundo ia ao cinema! Era a maior diversão que tinha, até

porque não existia televisão, então o cinema era a

novidade”. Ivo Rodrigues

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dá suas opiniões a cada assunto.Dona Vilma se manifesta para con-

tar sobre a sua vida de solteira, tempos que ia aos circos e parques que se ins-talavam em Guarapuava. Onde hoje lo-caliza-se o Terminal da Fonte havia uma espécie de praça, era ali que o circo se instalava. Dona Nelly Crissi, guarapua-vana de 81 anos, conta que quando o circo chegava, toda a cidade se agita-va. “Meu pai adorava! Mas como eu e minhas irmãs só podíamos sair de casa acompanhadas dele, sempre íamos ao circo”, conta a jovem dos anos 40. Ela nasceu em 1928!

Dona Nelly lembra que as festas que aconteciam na Paróquia Nossa Senho-ra de Belém também eram motivo para agitar a cidade, pois tinha churrasco, música, bingo e claro, pessoas. Todo jo-vem sempre gostou de um agito. Esse era um dos motivos para ela e as irmãs fugirem dos olhos do pai, à noite, para ir conferir o agito em frente ao tradicional Clube Guaíra. “A gente ia “piruá”! Quem não entrava no baile ficava em frente vendo o movimento. A gente só entrava quando papai entrava, mas eu não gos-tava muito, todo mundo dançava, mas papai não deixava a gente dançar com os moços”, revela a veterana no quesito juventudes passadas.

Os tempos eram outros, a cultura era outra, mas uma coisa não mudou: o jovem ainda quer se divertir e aprovei-tar enquanto é tempo, pois assim como a Dona Vilma, o Seu Ivo e a Dona Nelly, o tempo passou, mas as lembranças que estão mais vivas em suas memó-rias são esses: as da juventude!

era sinal de respeito com a moça e com a família dela. “O casal só podia sair so-zinho depois que tivesse namorando há algum tempo, caso contrário, sempre ia alguém junto. Na casa da namora-da, sentado na sala, bem bonitinho e alguém sempre por perto”, releva Ivo.

Três anos depois que Ivo e Vilma se casaram, em 1964, passaram a parti-cipar da equipe de liturgia da Catedral Nossa Senhora de Belém, que consistia em um grupo composto quase que intei-ramente por jovens. Claro, havia progra-mação com piqueniques e festas com danças que duravam a noite toda. “A gente se reunia na casa de um e de ou-tro e ficávamos dançando; nessa época tinha serenatas também, a gente não fazia muito, mas era bem comum. Essa época da liturgia era bem divertida, os passatempos, piqueniques, passeios... Era assim a vida!”, lembra com carinho Ivo, Dona Vilma, sentada do outro lado da mesa concorda com as histórias e

Dona Vilma quando moça, vestindo o uniforme do Colégio Nossa Senhora de Belém, onde estudava. A luva, a gravata e a boina também faziam parte do vestuário.

A jovem Vilma em sua formatura do colegial, no tradicional Clube Guaíra.

lembro que o time ia jogar nas fa-zendas das redondezas da cidadezi-nha. Então, ficavam alguns jogadores me esperando fechar o armazém den-tro de um jipe. Eu fechava o armazém e ia treinar, sempre era o último que chegava; às vezes o time já estava em campo. Ia trocando de roupa no meio do caminho, chegava lá e já começava a jogar! Todo o domingo era assim!”.

NAMORO RETRÔ E MARMELADA

Quem disse que naquela época os pais deixavam o namorado buscar a filha em casa e irem a algum lugar qualquer? Que nada! Se tivessem sor-te de conseguir a permissão para sair, alguém deveria ir junto, isso quando o próprio pai não acompanhava a meni-na. Caso não fossem sair, o casal se sentava na sala e ficava conversando. Nada de quarto trancado ou deitar em-baixo das cobertas. Comportar-se assim

Ivo e os colegas que serviram ao Exército na década de 60.

Ivo na Praça 9 de Dezembro, em frente a Catedral, no período em que servia ao- Exército.

Ivo (o mais alto de todos) e o time de futebol de São Carlos do Ivaí.

“A gente se reunia na casa de um e de outro e ficávamos dançando; nessa época tinha bastantes serenatas

também.Essa época era bem divertida, os passatempos, piqueniques, passeios... Era assim a vida!”,

Ivo Rodrigues*As fotos pertencem ao arquivo pessoal das fontes.

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Eu sou GAY!

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Vivemos em um mundo cada vez mais colorido, no melhor sentido da pa-lavra. A diversidade, que sempre esteve por ai, está

cada vez mais em foco. Você já deve ter percebido que assuntos envolvendo a homossexualidade estão em voga nas capas dos jornais ultimamente. No ano de 2010 o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) resolveu pela primeira vez contabilizar o número de casais gays, obtendo como resultado preliminar mais de 60 mil casais ho-mossexuais. Neste ano, o país também deu passos significativos ao reconhecer a união estável para casais do mesmo sexo.

Mas a luta contra o preconceito está longe de acabar. Grande parte da nossa população ainda é contrária à garantia de respeito, igualdade e liberdade aos homossexuais. Enquanto isso, eles es-tão por ai como todos nós, estudando, trabalhando, amando. São professores, engenheiros, esportistas, médicos, co-legas seus, que sofrem contra o precon-ceito de uma população que ainda não

garante o direito a liberdade do outro. Agora, imagine como é descobrir-se ho-mossexual em uma cidade tradiciona-lista como a nossa. Além da aceitação pessoal, como se apresentar perante à sociedade? Será que isso é mesmo ne-cessário? Afinal, os heterossexuais não precisam dizer e revelar pra família: “Gente, sou hetero!”. Foi para respon-der essa e outras perguntas que fomos atrás de relatos pessoais e profissionais que nos contaram mais sobre a aceita-ção e a revelação da homossexualidade.

Samilo Takara, natural de Tupã/SP, 22 anos, jornalista e mestrando em Educação, estudou em Guarapua-va nos últimos quatro anos. Ele é gay. “Ser homossexual ou gay não é algo que se descobre, assim como ser hete-rossexual. É uma constatação.” Samilo afirma que desde criança teve relações homoafetivas (homoafetivo é um termo recente que visa substitui o termo “ho-mossexual” e dá realce a um aspecto relevante quando se aborda um relacio-namento: o afeto existente na relação entre duas pessoas.) com os meninos

que conviveu, mas que raramente tinha afinidades com eles, ao contrário, sem-pre se relacionou melhor com as meni-nas. “Aos 16 anos comecei a ter uma amizade colorida com um menino e tive minha primeira relação homoafetiva.” Até então, porém, ele se dizia bissexu-al ou ficava com meninas para não ser excluído. Em 2007, em Guarapuava, Samilo conheceu uma colega de jor-nalismo e, durante uma conversa com ela, escutou que era gay. Ele ficou as-sustado com as palavras dela, mas fez o que a amiga o havia dito: olhou para o espelho e disse: ‘Eu sou gay!’. Porém, Samilo decidiu que não se assumiria, pois precisava saber apenas para ele. “Contar para a mãe que você não vai casar, que não terá filhos do seu san-gue porque você gosta de meninos não é simples. Mas, até então, concordando com duas grande amigas minhas, eu não me assumiria, porque eu não pre-cisava levantar bandeiras, eu precisava saber pra mim.”

Mateus* é guarapuavano. Estuda aqui, trabalha aqui e toda sua família e amigos são daqui. Ele é bissexual e desde cedo teve interesse por meninos e por meninas. “Com 12 anos, dei meu primeiro beijo que, por sinal, foi com um menino. Foi aí que eu criei uma ideolo-gia própria: Eu me apaixono por pesso-as, independente do sexo.”. Mesmo se percebendo bissexual, ele nunca con-

tou para amigos e foi atrás de pessoas com as quais se identificasse para po-der contar sua história a eles e não ser julgado. “Nesse meio tempo, eu procu-rei não amigos, mas pessoas que fossem iguais a mim, não sei se isso foi ou não uma boa tática, mas foi o que eu adotei pra suprir a falta dos amigos que eu mes-mo exclui dessa parte da minha vida.”

A psicóloga Larissa Cabreira afirma que hoje, com mais tecnologia e infor-mação, os jovens têm muito mais aces-so a tudo e, por isso, à percepção da sexualidade, se dá após a puberdade. “Com a falta de informação as pesso-as acabavam casando e tudo mais pra depois descobrir que eram gays. Isso mudou bastante, só que, como o preconceito ainda é muito forte, princi-palmente numa cidade tradicionalista como Guarapuava, eles têm uma gran-de dificuldade de se aceitar como gays”

Apesar da escolha inicial feita por Samilo, as coisas mudaram em 2008, quando ele afirma ter sofrido uma vio-lência homofóbica, na qual foi sufocado e quase perdeu os sentidos. “Para mim, foi algo muito marcante. Eu tinha medo de sair de casa e chorava muito. Então, comecei a pensar na minha vida e a co-nhecer outros homossexuais, suas his-tórias e perceber o quanto somos opri-midos pela sociedade e suas normas.” Ele resolveu que não queria que coisas parecidas continuassem acontecendo

Comecei a pensar na minha vida e a conhecer outros homossexuais, suas histórias e perceber o quanto somos oprimidos pela sociedade e suas normas

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Por: Carolina Teles

Samilo Takara

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Quando as decisões relacionadas a carreira profissional batem a portaSer jovem é viver uma fase da vida

repleta de aventuras e descobertas. Surgem os primeiros relacionamentos amorosos, a primeira transa, o primei-ro emprego, e mais uma lista repleta de primeiros-alguma-coisa de toda sua vida. Mas junto com essas descober-tas, vêm de brinde muitas dúvidas e incertezas, principalmente em relação à vida profissional.

Ao sair da adolescência e entrar na juventude, quando completamos 16 e 17 anos, as exigências da carreira pro-fissional batem a porta pela primeira vez: é hora de decidir o que cursar na faculdade. Bate o desespero com toda a pressão vinda da família, da própria escola e da sociedade, que exige do jovem logo cedo tomar uma decisão importante, que influenciará direta ou indiretamente toda a sua vida.

O jovem guarapuavanode 17 anos, Giancarlo Rodrigues Calixto, sonha com uma vaga na turma de 2012 do primei-ro ano de Medicina Veterinária da Uni-centro. “Me interessei em cursar Veteri

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e começou a lutar politicamente contra isso. Juntamente com o hoje assistente social, Rafael Ferrareze, instituciona-lizaram o Gadih - Grupo Acadêmico de Discussões Interdisciplinares Homocul-turais. E Samilo passou a produzir tex-tos para o site Maringay, Assim, seu pai e sua mãe acabaram descobrindo sobre sua sexualidade e Samilo se assumiu de vez. Para ele, assumir-se é uma questão política. “Nós, que nos mostramos, que-remos ser respeitados. Somos indivídu-os como todos os outros e cumprimos, como todos, com as nossas responsabi-lidades. Assumir pra si muda sua vida”.

Mateus ainda não conseguiu falar com a família abertamente, mas afir-ma que sente muita vontade disso. “Na família é aquela coisa, muitos descon-fiam, alguns sabem, mas todos fingem que nada acontece. Também pelo medo da rejeição eu nunca falei sobre o as-sunto com a minha família, eu sei que

eles me amam muito, mas contar é muito complicado” A psicóloga Larissa fala um pouco desse aspecto: “Na ver-dade eu acredito que não é o pai não vá aceitar ou mãe não vá aceitar, mas o quanto isso vai prejudicar na vida de-les. Tanto é que eles saem daqui e vão para as cidades grandes para serem eles mesmos né, vestir o que gostam, frequentar as boates que gostam e ficar com as pessoas que bem entendem.”

“É difícil assumir-se, mas o mais difícil é assumir-se pra si. Olhar para o espelho e dizer: ‘Eu sou!’ Depois dis-so, qualquer pessoa é outra pessoa e você começa a perceber que viver na mentira é horrível. É muito bom gostar de alguém e ser correspondido. Poder sair com o amor e saber que você e ele/a não estão presos ao fato de os outros falarem ou não de vocês”, afir-ma Samilo. Larissa também concorda com a opinião dele. “Se a gente vive

numa mentira a gente não é feliz, en-tão temos que enfrentar todo mundo, mesmo que seja difícil. Porque a hora que eu conseguir enfrentar os meus medos, eu vou conseguir ser feliz e se eu consigo ser feliz nada importa.”

Porém, esse é problema que vem mais de fora para dentro (sociedade/ indivíduo) do que de dentro para fora (individuo/sociedade). O grande pre-conceito ainda existente é o principal problema na hora de assumir-se. E a nossa cidade ainda precisa avançar muito nessa questão. Começando por você, jovem leitor. Desta maneira, quem sabe um dia pessoas como Mateus po-derão sofrer menos com as suas esco-lhas “Eu sinto que nunca serei 100% realizado se eu não puder expor pra todo mundo quem realmente sou, que eu gosto de meninos e meninas. O que falta da minha parte é coragem, e do mundo o que falta é respeito.”

Eu sou GAY!

Eu sou GAY! Eu sou GAY!

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O que falta da minha parte é coragem e do mundo o que falta é respeito.

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“A ideia de cursar engenharia mecâ-nica veio quando eu tive contato com esta área e percebi que poderia exercer uma profissão relacionada com uma das coisas que eu mais gosto: carros”. Yuri pretende prestar os vestibulares oferecidos pela Universidade Federal do Paraná, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Universidade Estadual de Maringá e a UTFPR, aqui em Guara-puava mesmo.

Mas a responsabilidade exigida do jovem que está no ensino médio não pára por aí. Ainda existe uma espécie de autocobrança e insegurança em re-lação ao que acontecerá no futuro. O que Yuri contou é o que sentem mui-tos jovens vestibulandos. “Assim como muitos outros jovens que estão prestes a prestar vestibular, tenho certo medo, incertezas e dúvidas. Será que vou ser feliz fazendo aquilo? Será que vou ter problemas para encontrar emprego? Mas o ingresso em uma faculdade vai depender da minha preparação, então, procuro me preparar da melhor forma possível, pois o mercado de hoje exige muito mais das pessoas do que elas

próprias exigem de si mesmas”, revela.Yuri se mostra preparado para en-

frentar os desafios que o aguardam lá na frente e mostra que tem conheci-mento do que o mundo universitário espera dele e de todos os calouros que chegam para essa, digamos, nova vida. “A carreira profissional vai exigir de mim e de todas as outras pessoas certa se-riedade, um compromisso maior, não permitindo espaço para erros e falhas. Então uma boa preparação, especiali-zações e algumas experiências no tra-balho, como o estágio, são a melhor op-ção para todos os que querem ter uma vida profissional bem sucedida”, diz, com maturidade Yuri. Mas quem acha que entrando na faculdade as dúvidas e indecisões acabarão, está muito enga-nado. Você acaba com novas perguntas mais uma vez.

Você passou no vestibular, come-morou, encheu a família de orgulho e satisfação, estudou um, dois, três anos na universidade, tudo parece estar sob controle até... chegar o último ano da faculdade e, mais uma vez, você se vê com milhares de escolhas a fazer, a maioria delas incerta. A pressão da

vez não é escolher uma carreira, agora você precisa se fixar como profissional do mercado de trabalho e, antes de se despedir da faculdade, há o receio e o medo de que as coisas não dêem cer-to. Não é? Acredite, não é só com você (maaaaaaais uma vez).

A recém formada em Jornalismo, Aline Fabiane de Oliveira Pinheiro, de 22 anos, conta que enfrentou muitas indecisões antes de chegar onde che-gou. Hoje, ela trabalha como jornalis-ta no jornal O Guarani, em Itararé, São Paulo, mas cursou os quatro anos do curso de jornalismo aqui em Guara-puava, na Unicentro. Mesmo durante o curso de Jornalismo, Aline pensou várias vezes em desistir. “Pensei em desistir do curso no primeiro ano, mas como já havia começado, decidi ir até o final. Achei as disciplinas teóricas bem chatas, mas hoje entendo a im-portância delas”.

A jornalista define essa fase de transição entre a vida de estudante e a vida de profissional como uma confu-são mental. “As incertezas, as dúvidas, o início de uma carreira profissional atordoam”. Aline ainda comenta que a

vida de estudante passa a ser vida de gente grande de verdade. “A gente per-cebe, próximo do final da graduação, que um diploma não é sinal de emprego. Isso é bem complicado. Você corre atrás a graduação toda, chega em dezembro e você não sabe como será. Eu, que mora-va em Guarapuava para estudar, me per-guntava: ‘Se eu não arrumar emprego eu tenho que voltar para a casa da mãe. E agora, o que faço?’ É muita pressão ao mesmo tempo”, confessa.

Outro rebuliço que acontece na ca-beça do jovem é que, quando conquista um lugarzinho no mercado de trabalho, percebe que muita coisa é diferente daquilo que aprendeu nos bancos da universidade. “Na academia nós apren-demos como produzir as notícias da maneira mais ética possível, mas no mercado de trabalho existem muitos interesses envolvidos”, conta Aline, na sua percepção sobre o Jornalismo.

Apesar de estarem em fases da vida diferentes, os jovens Aline e Giancarlo têm muita coisa em comum. Estão des-cobrindo novas fases e percebendo que o futuro como profissionais qualificados depende, além do estudo, da sua pró-pria força de vontade.

“As incertezas, as dúvidas, o início de uma carreira profissional atordoam”

Foto: Arquivo pessoal

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Aline Fop“O ingresso em uma faculdade vai depender da minha preparação. Procuro fazer isso da melhor forma possível, pois o mercado de hoje exige muito mais das pessoas do que elas próprias exigem de si mesmas” Yuri Kostiuk.

Foto: Catiana Calixto

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Depois das aflições de um dia de despedidas, alguém decidiu que era preciso beber. Havía-mos esperado por qua-

se duas horas no balcão da rodoviária até que o ônibus levasse um amigo querido para uma nova vida em um novo lugar. Cansara-se da cidade e das coisas da cidade. Quem sabe até cansara-se de nós, sem que qualquer um soubesse, até mesmo ele.

Para compensar a nostalgia que sempre fica depois de quaisquer despedidas, mesmo as menos expli-citamente sentimentais, concorda-mos que os que ficaram precisavam da suave ilusão de uns drinks. Todos compareceram. Uns trouxeram bebi-da, outros, a vontade de beber. Já en-tardecia enquanto rumávamos para a casa de alguém, mas repentinamente decidiu-se que pararíamos no lago para aproveitar o pôr-do-sol.

As mulheres sentaram-se sobre as pedras, falando sobre o tempo, enquanto nós disputávamos para ver quem fazia a pedra ricochetear mais longe sobre a superfície da água. De-pois sentamo-nos todos para ouvir a voz e o violão. A primeira música fa-lava de coisas tristes e adeuses para nunca mais, mas alguém protestou contra o repertório e então tons ale-gres e maiores começaram a soar, chamando a atenção de corredores e passarinhos que àquela hora peram-bulavam ao redor do lago.

Durante uma pausa para o violonis-ta bebericar seu copo, ouviu-se uma piada boba que fez todo mundo rir. E quando os sorrisos foram morrendo, sem que houvesse outra música para encobrir o silêncio, alguém apontou para o céu alaranjado agonizando so-bre nós. Seria uma noite quente, boa para se embebedar sem nenhuma ra-zão, ainda que houvesse tantas.

Atraído pelo som e pelas garrafas, um homem velho e triste parou e ficou olhando para nós. Ninguém lhe pres-tou muita atenção, até que depois de um tempo aproximou-se e pediu um trago. Seus trajes pareciam tão sur-rados quanto sua expressão. A barba manchada pela fumaça do cigarro em-prestava-lhe ares de ancião friorento, mas os olhos muito azuis e muito pro-fundos diziam que já vira mais do que qualquer um ali poderia imaginar.

Bebeu conosco duas canções e antes de se retirar, talvez encorajado pela vodka que preferiu pura, pergun-tou se poderia experimentar o violão. Suas mãos duras e grossas, de unhas sujas e maltratadas pareciam não se encaixar sobre as delicadas cordas de náilon. Desculpou-se dizendo que já fazia bastante tempo desde a última vez e bateu meio sem jeito em dois ou três acordes para certificar-se da afinação. Em seguida, pigarreou e per-guntou se conhecíamos aquela.

De início, olhávamos meio zom-beteiros, esperando que matasse a vontade do instrumento, como a uma

criança que ao ter o brinquedo logo en-joará dele e o esquecerá em um can-to. Entretanto, para nosso desconcer-to, assim que começou a cantar, sua voz rouca e desgraçada tirou de nós qualquer vontade de falar. Cantava de olhos fechados uma canção em inglês perfeito, à moda dos antigos blues que os negros criaram para aliviar suas noites de aflição. Cada nota parecia tão intensa que mesmo muito tempo depois não raro nos surpreendíamos com a melodia na cabeça.

Quando terminou, abriu os olhos e esboçou um meio sorriso sem jeito. Pedimos, talvez com demasiado en-tusiasmo, que tocasse outra música, mas ele respondeu que já estava tarde e que o vento não perdoa. Achamos a desculpa estranha, já que fazia bom tempo e a noite era agradável. Mesmo assim, tão repentinamente como veio, levantou-se, agradeceu a bebida e o violão e foi embora.

Permanecemos calados por alguns momentos até que aquela presença se fosse desvanecendo do lugar e de nós. Alguém reclamou do trabalho cedo no outro dia e de uma tímida brisa que co-meçava a se fazer notar. Sem qualquer discussão, como se um cansaço re-pentino nos invadisse os ossos, todos concordamos que era hora de cada um tomar seu rumo. E seguimos, cur-vados sob nossa própria solidão - até que a próxima despedida nos viesse unir outra vez.

Ocaso sobre a Pedra

Rogério [email protected]

Outros textos do autor em http://umcontoparanarciso.blogspot.com

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