seleção de poemas de carlos drummond de andrade por livro

40
Drummond - Poemas selecionados divididos por livro - ainda em construção O Sobrevivente – Alguma poesia A Cyro dos Anjos Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade. Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia. O último trovador morreu em 1914. Tinha um nome de que ninguém se lembra mais. Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples. Se quer fumar um charuto aperte um botão. Paletós abotoam-se por eletricidade. Amor se faz pelo sem-fio. Não precisa estômago para digestão. Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta muito para atingirmos um nível razoável de cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto. Os homens não melhoram e matam-se como percevejos. Os percevejos heróicos renascem. Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado. E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio. (Desconfio que escrevi um poema.) Poesia – alguma poesia Gastei uma hora pensando um verso que a pena não quer escrever. No entanto ele está cá dentro inquieto, vivo. Ele está cá dentro e não quer sair.

Upload: eduardo-freitas

Post on 05-Nov-2015

10 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Seleção própria de poemas de Carlos Drummond de Andrade, divididos por livro.

TRANSCRIPT

Drummond - Poemas selecionados divididos por livro - ainda em construoO Sobrevivente Alguma poesia A Cyro dos AnjosImpossvel compor um poema a essa altura da evoluo da humanidade.Impossvel escrever um poema uma linha que seja de verdadeira poesia.O ltimo trovador morreu em 1914.Tinha um nome de que ningum se lembra mais.H mquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.Se quer fumar um charuto aperte um boto.Palets abotoam-se por eletricidade.Amor se faz pelo sem-fio.No precisa estmago para digesto.Um sbio declarou a O Jornal que ainda faltamuito para atingirmos um nvel razovel decultura. Mas at l, felizmente, estarei morto.Os homens no melhorame matam-se como percevejos.Os percevejos hericos renascem.Inabitvel, o mundo cada vez mais habitado.E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilvio.(Desconfio que escrevi um poema.)Poesia alguma poesia Gastei uma hora pensando um versoque a pena no quer escrever.No entanto ele est c dentroinquieto, vivo.Ele est c dentroe no quer sair.Mas a poesia deste momentoinunda minha vida inteira.Boca Brejo das AlmasBoca: nunca te beijarei.Boca de outro que ris de mim,no milmetro que nos separa,cabem todos os abismos.

Boca: se meu desejo impotente para fechar-te,bem sabes disto, zombasde minha raiva intil.

Boca amarga pois impossvel,doce boca (no provarei),ris sem beijo para mim,beijas outro com seriedade.Coisa Miservel Brejo das AlmasCoisa miservel,Suspiro de angstiaEnchendo o espao,Vontade de chorar,Coisa miservel,MiservelSenhor, piedade de mim,Olhos misericordiososPousando nos meus,braos divinoscingindo meu peito,coisa miservelno p sem consolo,consolai-meMas de nada valeGemer ou chorar,De nada valeErguer mos e olhosPara um cu to longe,Para um deus to longeOu, quem sabe? Para um cu vazio. melhor sorrir(sorrir gravemente)e ficar caladoe ficar fechadoentre duas paredessem a mais leve cleraou humilhao.SEGREDO Brejo das Almas

A poesia incomunicvel.Fique quieto no seu canto.No ame.

Ouo dizer que h tiroteioao alcance do nosso corpo. a revoluo? o amor?No diga nada.

Tudo possvel, s eu impossvel.O mar transborda de peixes.H homens que andam no marcomo se andassem na rua. No conte.

Suponha que um anjo de fogovarresse a face da terrae os homens sacrificadospedissem perdo.No pea.

Sentimento do mundo Sentimento do mundoTenho apenas duas mose o sentimento do mundo,mas estou cheio de escravos,minhas lembranas escorreme o corpo transigena confluncia do amor.Quando me levantar, o cuestar morto e saqueado,eu mesmo estarei morto,morto meu desejo, mortoo pntano sem acordes.Os camaradas no disseramque havia uma guerrae era necessriotrazer fogo e alimento.Sinto-me disperso,anterior a fronteiras,humildemente vos peoque me perdoeis.Quando os corpos passarem,eu ficarei sozinhodesfiando a recordaodo sineiro, da viva e do microscopistaque habitavam a barracae no foram encontradosao amanheceresse amanhecermais noite que a noite.Poema da Necessidade Sentimento do mundo preciso casar Joo, preciso suportar Antnio, preciso odiar Melquades preciso substituir ns todos. preciso salvar o pas, preciso crer em Deus, preciso pagar as dvidas, preciso comprar um rdio, preciso esquecer fulana. preciso estudar volapuque, preciso estar sempre bbado, preciso ler Baudelaire, preciso colher as floresde que rezam velhos autores. preciso viver com os homens preciso no assassin-los, preciso ter mos plidase anunciar O FIM DO MUNDOCongresso Internacional do Medo Sentimento do Mundo Provisoriamente no cantaremos o amor,que se refugiou mais abaixo dos subterrneos.Cantaremos o medo, que esteriliza os abraos,no cantaremos o dio porque esse no existe,existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,o medo grande dos sertes, dos mares, dos desertos,o medo dos soldados, o medo das mes, o medo das igrejas,cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,depois morreremos de medoe sobre nossos tmulos nascero flores amarelas e medrosas.Os Ombros Suportam o Mundo Sentimento do Mundo Chega um tempo em que no se diz mais: meu Deus.Tempo de absoluta depurao.Tempo em que no se diz mais: meu amor.Porque o amor resultou intil.E os olhos no choram. E as mos tecem apenas o rude trabalho.E o corao est seco.

Em vo mulheres batem porta, no abrirs.Ficaste sozinho, a luz apagou-se,mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.s todo certeza, j no sabes sofrer.E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que a velhice?Teu ombros suportam o mundoe ele no pesa mais que a mo de uma criana. As guerras, as fomes, as discusses dentro dos edifciosprovam apenas que a vida prosseguee nem todos se libertaram ainda.Alguns, achando brbaro o espetculo,prefeririam (os delicados) morrer.Chegou um tempo em que no adianta morrer.Chegou um tempo em que a vida uma ordem.A vida apenas, sem mistificao.Mos Dadas Sentimento do Mundo No serei o poeta de um mundo caducoTambm no cantarei o mundo futuroEstou preso vida e olho meus companheirosEsto taciturnos mas nutrem grandes esperanasEntre eles, considero a enorme realidadeO presente to grande, no nos afastemosNo nos afastemos muito, vamos de mos dadasNo serei o cantor de uma mulher, de uma histriaNo direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janelaNo distribuirei entorpecentes ou cartas de suicidaNo fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafinsO tempo a minha matria, o tempo presente, os homens presentesA vida presente.Mundo Grande Sentimento do Mundo No, meu corao no maior que o mundo. muito menor.Nele no cabem nem as minhas dores.Por isso gosto tanto de me contar.Por isso me dispo,por isso me grito,por isso freqento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:preciso de todos.Sim, meu corao muito pequeno.S agora vejo que nele no cabem os homens.Os homens esto c fora, esto na rua.A rua enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.Mas tambm a rua no cabe todos os homens.A rua menor que o mundo.O mundo grande.Tu sabes como grande o mundo.Conheces os navios que levam petrleo e livros, carne e algodo.Viste as diferentes cores dos homens,as diferentes dores dos homens,sabes como difcil sofrer tudo isso, amontoar tudo issonum s peito de homem sem que ele estale.Fecha os olhos e esquece.Escuta a gua nos vidros,to calma, no anuncia nada.Entretanto escorre nas mos,to calma! Vai inundando tudoRenascero as cidades submersas?Os homens submersos voltaro?Meu corao no sabe.Estpido, ridculo e frgil meu corao.S agora descubrocomo triste ignorar certas coisas.(Na solido de indivduodesaprendi a linguagemcom que homens se comunicam.)Outrora escutei os anjos,as sonatas, os poemas, as confisses patticas.Nunca escutei voz de gente.Em verdade sou muito pobre.Outrora viajeipases imaginrios, fceis de habitar,ilhas sem problemas, no obstante exaustivas e convocando ao suicdio.Meus amigos foram s ilhas.Ilhas perdem o homem.Entretanto alguns se salvaram etrouxeram a notciade que o mundo, o grande mundo est crescendo todos os dias,entre o fogo e o amor.Ento, meu corao tambm pode crescer.Entre o amor e o fogo,entre a vida e o fogo,meu corao cresce dez metros e explode. vida futura! Ns te criaremos.O Lutador - Jos

Lutar com palavras a luta mais v.Entanto lutamosmal rompe a manh.So muitas, eu pouco.Algumas, to fortescomo o javali.No me julgo louco.Se o fosse, teriapoder de encant-las.Mas lcido e frio,apareo e tentoapanhar algumaspara meu sustento num dia de vida.Deixam-se enlaar,tontas carciae sbito fogeme no h ameaae nem 3 h sevciaque as traga de novoao centro da praa.Insisto, solerte.Busco persuadi-las.Ser-lhes-ei escravode rara humildade.Guardarei sigilode nosso comrcio.Na voz, nenhum travode zanga ou desgosto.Sem me ouvir deslizam,perpassam levssimase viram-me o rosto.Lutar com palavrasparece sem fruto.No tm carne e sangueEntretanto, luto.Palavra, palavra(digo exasperado),se me desafias,aceito o combate.Quisera possuir-teneste descampado, sem roteiro de unha ou marca de dentenessa pele clara. Preferes o amorde uma posse impurae que venha o gozoda maior tortura.Luto corpo a corpo,luto todo o tempo, sem maior proveitoque o da caa ao vento.No encontro vestes,no seguro formas, fluido inimigoque me dobra os msculose ri-se das normasda boa peleja.Iludo-me s vezes,pressinto que a entregase consumar.J vejo palavrasem coro submisso,esta me ofertandoseu velho calor,aquela sua glriafeita de mistrio,outra seu desdm,outra seu cime,e um sapiente amorme ensina a fruirde cada palavraa essncia captada,o sutil queixume.Mas ai! o instantede entreabrir os olhos:entre beijo e boca, tudo se evapora.O ciclo do diaora se conclui 8e o intil duelojamais se resolve. O teu rosto belo, palavra, esplendena curva da noiteque toda me envolve. Tamanha paixoe nenhum peclio.Cerradas as portas,a luta prosseguenas ruas do sono.Jos JosE agora, Jos?A festa acabou,a luz apagou,o povo sumiu,a noite esfriou,e agora, Jos?e agora, voc?voc que sem nome,que zomba dos outros,voc que faz versos,que ama, protesta?e agora, Jos?Est sem mulher,est sem discurso,est sem carinho,j no pode beber,j no pode fumar,cuspir j no pode,a noite esfriou,o dia no veio,o bonde no veio,o riso no veio,no veio a utopiae tudo acaboue tudo fugiue tudo mofou,e agora, Jos?E agora, Jos?Sua doce palavra,seu instante de febre,sua gula e jejum,sua biblioteca,sua lavra de ouro,seu terno de vidro,sua incoerncia,seu dio e agora?Com a chave na moquer abrir a porta,no existe porta;quer morrer no mar,mas o mar secou;quer ir para Minas,Minas no h mais.Jos, e agora?Se voc gritasse,se voc gemesse,se voc tocassea valsa vienense,se voc dormisse,se voc cansasse,se voc morresseMas voc no morre,voc duro, Jos!Sozinho no escuroqual bicho-do-mato,sem teogonia,sem parede nuapara se encostar,sem cavalo pretoque fuja a galope,voc marcha, Jos!Jos, para onde?Viagem Na Famlia - JosNo deserto de Itabiraa sombra de meu paitomou-me pela mo.Tanto tempo perdido.Porm nada dizia.No era dia nem noite.Suspiro? Vo de pssaro?Porm nada dizia.Longamente caminhamos.Aqui havia uma casa.A montanha era maior.Tantos mortos amontoados,o tempo roendo os mortos.E nas casas em runa,desprezo frio, umidade.Porm nada dizia.A rua que atravessavaa cavalo, de galope.Seu relgio. Sua roupa.Seus papis de circunstncia.Suas histrias de amor.H um abrir de base de lembranas violentas.Porm nada dizia.No deserto de Itabiraas coisas voltam a existir,irrespirveis e sbitas.O mercado de desejosexpe seus tristes tesouros:meu anseio de fugir;mulheres nuas; remorso;Porm nada dizia.Pisando livros e cartas,viajamos na famlia.Casamentos; hipotecas;os primos tuberculosos;a tia louca; minha avtrada com as escravas,rangendo sedas na alcova.Porm nada dizia.Que cruel, obscuro instintomovia sua mo plidasutilmente nos empurrandopelo tempo e pelos lugaresdefendidos?Olhei-o nos olhos brancos.Gritei-lhe: Fala! Minha vozvibrou no ar um momento,bateu nas pedras. A sombraprosseguia devagaraquela viagem patticaatravs do reino perdido.Porm nada dizia.Vi mgoa, incompreensoe mais de uma velha revoltaa dividir-nos no escuro.A mo que no quis beijar,o prato que me negaram,recusa em pedir perdo.Orgulho. Terror noturno.Porm nada dizia.Fala fala fala fala.Puxava pelo casacoque se desfazia em barro.Pelas mos, pelas botinasprendia a sombra severae a sombra se desprendiasem fuga nem reao.Porm ficava calada.E eram distintos silnciosque se entranhavam no seu.Era meu av j surdoquerendo escutar as avespintadas no cu da igreja;a minha falta de amigos;a sua falta de beijos;eram nossas difceis vidase uma grande separaona pequena rea do quarto.A pequena rea da vidame aperta contra seu vulto,e nesse abrao difano como se eu me queimassetodo, de pungente amor.S hoje nos conhecermos!culos, memrias, retratosfluem no rio do sangue.As guas j no permitemdistinguir seu rosto longe,para l de setenta anos...Senti que me perdoavaporm nada dizia.As guas cobrem o bigode,a famlia, Itabira, tudo.Procura da Poesia A Rosa do Povo No faas versos sobre acontecimentos.No h criao nem morte perante a poesia.Diante dela, a vida um sol esttico,no aquece nem ilumina.As afinidades, os aniversrios, os incidentes pessoais no contam.No faas poesia com o corpo,esse excelente, completo e confortvel corpo, to infenso efuso lrica.Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuroso indiferentes.Nem me reveles teus sentimentos,que se prevalecem do equvoco e tentam a longa viagem.O que pensas e sentes, isso ainda no poesia.No cantes tua cidade, deixa-a em paz.O canto no o movimento das mquinas nem o segredo das casas.No msica ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto linha de espuma.O canto no a naturezanem os homens em sociedade.Para ele, chuva e noite, fadiga e esperana nada significam.A poesia (no tires poesia das coisas)elide sujeito e objeto.No dramatizes, no invoques,no indagues. No percas tempo em mentir.No te aborreas.Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,vossas mazurcas e abuses, vossos esqueletos de famliadesaparecem na curva do tempo, algo imprestvel.No recomponhastua sepultada e merencria infncia.No osciles entre o espelho e amemria em dissipao.Que se dissipou, no era poesia.Que se partiu, cristal no era.Penetra surdamente no reino das palavras.L esto os poemas que esperam ser escritos.Esto paralisados, mas no h desespero,h calma e frescura na superfcie intata.Ei-los ss e mudos, em estado de dicionrio.Convive com teus poemas, antes de escrev-los.Tem pacincia se obscuros. Calma, se te provocam.Espera que cada um se realize e consumecom seu poder de palavrae seu poder de silncio.No forces o poema a desprender-se do limbo.No colhas no cho o poema que se perdeu.No adules o poema. Aceita-ocomo ele aceitar sua forma definitiva e concentradano espao.Chega mais perto e contempla as palavras.Cada umatem mil faces secretas sob a face neutrae te pergunta, sem interesse pela resposta,pobre ou terrvel, que lhe deres:Trouxeste a chave?Repara:ermas de melodia e conceitoelas se refugiaram na noite, as palavras.Ainda midas e impregnadas de sono,rolam num rio difcil e se transformam em desprezo.Passagem do ano Rosa do Povo

O ltimo dia do anono o ltimo dia do tempo.Outros dias viroe novas coxas e ventres te comunicaro o calor [da vida.Beijars bocas, rasgars papis,fars viagens e tantas celebraesde aniversrio, formatura, promoo, glria, [doce morte com sinfonia e coral,que o tempo ficar repleto e no ouvirs o [clamor,os irreparveis uivosdo lobo, na solido.

O ltimo dia do tempono o ltimo dia de tudo.Fica sempre uma franja de vidaonde se sentam dois homens.Um homem e seu contrrio,uma mulher e seu p,um corpo e sua memria,um olho e seu brilho,uma voz e seu eco,e quem sabe at se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do [acaso.Mereceste viver mais um ano.Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos [sculos.Teu pai morreu, teu av tambm.Em ti mesmo muita coisa j expirou, outras [espreitam a morte,mas ests vivo. Ainda uma vez ests vivo,e de copo na mo esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar. O recurso da dana e do grito,o recurso da bola colorida,o recurso de Kant e da poesia,todos eles... e nenhum resolve.

Surge a manh de um novo ano.As coisas esto limpas, ordenadas.O corpo gasto renova-se em espuma.Todos os sentidos alerta funcionam.A boca est comendo vida.A boca est entupida de vida.A vida escorre da boca,lambuza as mos, a calada.A vida gorda, oleosa, mortal, sub-reptcia.Rola mundo Rosa do Povo

Vi moas gritandonuma tempestade.O que elas diziamo vento largava,logo devolvia.Pvido escutava,no compreendia.Talvez avisassem:mocidade morta.Mas a chuva, mas o choro,mas a cascata caindo,tudo me atormentavasob a escureza do dia,e vendo,eu pobre de mim no via.

Vi moas danandonum baile de ar.Vi os corpos brandostornarem-se violentose o vento os tangia.Eu corria ao vento,era s umidade,era s passageme gosto de sal.A brisa na bocame entristeciacomo poucos idliosjamais o lograram;e passando,por dentro me desfazia.

Vi o sapo saltandouma altura de morro;consigo levavao que mais me valia.Era algo hediondoe meigo: veludo,na mole algidezparecia roubarpara devolver-mej tarde e corrupta,de to babujada,uma velha medalhaem que dorme teu eco.

Vi outros enigmas feio de floresabertas no vcuo.Vi saias errantesdemandando corposque em gs se perdiam,e assim desprovidasmais esvoaavam,tornando-se roxo,azul de longa espera,negro de mar negro.Ainda se dispersam.Em calma, longo tempo,nenhum tempo, no me lembra.

Vi o corao de moaesquecido numa jaula.Excremento de leo,apenas. E o circo distante.Vi os tempos defendidos.Eram de ontem e de sempre,e em cada pas haviaum muro de pedra e espanto,e nesse muro pousadauma pomba cega.

Como pois interpretaro que os heris no contam?Como vencer o oceanose livre a navegaomas proibido fazer barcos?Fazer muros, fazer versos,cunhar moedas de chuva,inspecionar os farispara evitar que se acendam,e devolver os cadveresao mar, se acaso protestam,eu vi: j no quero ver.

E vi minha vida todacontrair-se num inseto.Seu complicado instrumentode vo e de hibernao,sua clera zumbidora,seu frgil bater de litros,seu brilho de pr de tardee suas imundas patas...Joguei tudo no bueiro.Fragmentos de borrachaecheiro de rolha queimada:eis quanto me liga ao mundo.Outras riquezas ocultas,adeus, se despedaaram.

Depois de tantas visesj no vale concluirse o melhor deitar foraa um tempo os olhos e os culos.E se a vontade de vertambm cabe ser extinta,se as vises, interceptadas,e tudo mais abolido.Pois deixa o mundo existir!Irredutvel ao canto,superior poesia,rola, mundo, rola, mundo,rola o drama, rola o corpo,rola o milho de palavrasna extrema velocidade,rola-me, rola meu peito,rolam os deuses, os pases,desintegra-te, explode, acaba!Anuncio da Rosa Rosa do PovoImenso trabalho nos custa a flor.Por menos de oito contos vend-la? Nunca.Primavera no h mais doce, rosa to meigaonde abrir? No, cavalheiros, sede permeveis.

Uma s ptala resume auroras e pontilhismos,sugere estncias, diz que te amam, beijai a rosa,ela sete flores, qual mais fragrante, todas exticas,todas histrias, todas catrticas, todas patticas.

Vde o caule,trao indeciso.

Autor da rosa, no me revelo, sou eu, quem sou?Deus me ajudara, mas ele neutro, e mesmo duvidoque em outro mundo algum se curve, filtre a paisagem,pense uma rosa na pura ausncia, no amplo vazio.

Vinde, vinde,olhai o clice.

Por preo to vil mas pea, como direi, aurilavrada,no, cruel existir em tempo assim filaucioso,.Injusto padecer exlio, pequenas clicas cotidianas,oferecer-vos alta mercncia estelar e sofrer vossa irriso.

Rosa na roda,rosa na mquina,apenas rsea.

Selarei, venda murcha, meu comrcio incompreendido,pois jamais viro pedir-me, eu sei, o que de melhor se comps na noite,e no h oito contos. J no vejo amadores de rosa. fim do parnasiano, comeo da era difcil, a burguesia apodrece.

Aproveitem. A ltima rosa desfolha-se.Caso do Vestido Rosa do Povo Nossa me, o que aquelevestido, naquele prego?Minhas filhas, o vestidode uma dona que passou.Passou quando, nossa me?Era nossa conhecida?Minhas filhas, boca presa.Vosso pai evm chegando.Nossa me, dizei depressaque vestido esse vestido.Minhas filhas, mas o corpoficou frio e no o veste.O vestido, nesse prego,est morto, sossegado.Nossa me, esse vestidotanta renda, esse segredo!Minhas filhas, escutaipalavras de minha boca.Era uma dona de longe,vosso pai enamorou-se.E ficou to transtornado,se perdeu tanto de ns,se afastou de toda vida,se fechou, se devorou,chorou no prato de carne,bebeu, brigou, me bateu,me deixou com vosso bero,foi para a dona de longe,mas a dona no ligou.Em vo o pai implorou.Dava aplice, fazenda,dava carro, dava ouro,beberia seu sobejo,lamberia seu sapato.Mas a dona nem ligou.Ento vosso pai, irado,me pediu que lhe pedisse,a essa dona to perversa,que tivesse pacinciae fosse dormir com ele...Nossa me, por que chorais?Nosso leno vos cedemos.Minhas filhas, vosso paichega ao ptio. Disfarcemos.Nossa me, no escutamospisar de p no degrau.Minhas filhas, procureiaquela mulher do demo.E lhe roguei que aplacassede meu marido a vontade.Eu no amo teu marido,me falou ela se rindo.Mas posso ficar com elese a senhora fizer gosto,s pra lhe satisfazer,no por mim, no quero homem.Olhei para vosso pai,os olhos dele pediam.Olhei para a dona ruim,os olhos dela gozavam.O seu vestido de renda,de colo mui devassado,mais mostrava que escondiaas partes da pecadora.Eu fiz meu pelo-sinal,me curvei... disse que sim.Sai pensando na morte,mas a morte no chegava.Andei pelas cinco ruas,passei ponte, passei rio,visitei vossos parentes,no comia, no falava,tive uma febre ter,mas a morte no chegava.Fiquei fora de perigo,fiquei de cabea branca,perdi meus dentes, meus olhos,costurei, lavei, fiz doce,minhas mos se escalavraram,meus anis se dispersaram,minha corrente de ouropagou conta de farmcia.Vosso pais sumiu no mundo.O mundo grande e pequeno.Um dia a dona soberbame aparece j sem nada,pobre, desfeita, mofina,com sua trouxa na mo.Dona, me disse baixinho,no te dou vosso marido,que no sei onde ele anda.Mas te dou este vestido,ltima pea de luxoque guardei como lembranadaquele dia de cobra,da maior humilhao.Eu no tinha amor por ele,ao depois amor pegou.Mas ento ele enjoadoconfessou que s gostavade mim como eu era dantes.Me joguei a suas plantas,fiz toda sorte de dengo,no cho rocei minha cara,me puxei pelos cabelos,me lancei na correnteza,me cortei de canivete,me atirei no sumidouro,bebi fel e gasolina,rezei duzentas novenas,dona, de nada valeu:vosso marido sumiu.Aqui trago minha roupaque recorda meu malfeitode ofender dona casadapisando no seu orgulho.Recebei esse vestidoe me dai vosso perdo.Olhei para a cara dela,quede os olhos cintilantes?quede graa de sorriso,quede colo de camlia?quede aquela cinturinhadelgada como jeitosa?quede pezinhos caladoscom sandlias de cetim?Olhei muito para ela,boca no disse palavra.Peguei o vestido, pusnesse prego da parede.Ela se foi de mansinhoe j na ponta da estradavosso pai aparecia.Olhou pra mim em silncio,mal reparou no vestidoe disse apenas: Mulher,pe mais um prato na mesa.Eu fiz, ele se assentou,comeu, limpou o suor,era sempre o mesmo homem,comia meio de ladoe nem estava mais velho.O barulho da comidana boca, me acalentava,me dava uma grande paz,um sentimento esquisitode que tudo foi um sonho,vestido no h... nem nada.Minhas filhas, eis que ouovosso pai subindo a escada.Consolo Na Praia Rosa do PovoVamos, no chores.A infncia est perdida.A mocidade est perdida.Mas a vida no se perdeu.O primeiro amor passou.O segundo amor passou.O terceiro amor passou.Mas o corao continua.Perdeste o melhor amigo.No tentaste qualquer viagem.No possuis carro, navio, terra.Mas tens um co.Algumas palavras duras,em voz mansa, te golpearam.Nunca, nunca cicatrizam.Mas, e o humour?A injustia no se resolve. sombra do mundo erradomurmuraste um protesto tmido.Mas viro outros.Tudo somado, deviasprecipitar-te, de vez, nas guas.Ests nu na areia, no vento...Dorme, meu filho.A Ingaia cincia Claro Enigma A madureza, essa terrvel prendaque algum nos d, raptando-nos, com ela,todo sabor gratuito de oferendasob a glacialidade de uma estela,a madureza v, posto que a vendainterrompa a surpresa da janela,o crculo vazio, onde se estenda,e que o mundo converte numa cela.A madureza sabe o preo exatodos amores, dos cios, dos quebrantos,e nada pode contra sua cinciae nem contra si mesma. O agudo olfato,o agudo olhar, a mo, livre de encantos,se destroem no sonho da existncia.Memria Claro Enigma Amar o perdidodeixa confundidoeste corao.Nada pode o olvidocontra o sem sentidoapelo do No.As coisas tangveistornam-se insensveis palma da mo.Mas as coisas findas,muito mais que lindas,essas ficaro.Cantiga de Enganar Claro Enigma

O mundo no vale o mundo, meu bem. Eu plantei um p-de-sono, brotaram vinte roseiras. Se me cortei nelas todas e se todas me tingiram de um vago sangue jorrado ao capricho dos espinhos, no foi culpa de ningum. O mundo, meu bem, no vale a pena, e a face serena vale a face torturada. H muito aprendi a rir, de qu? de mim? ou de nada? O mundo, valer no vale. Tal como sombra no vale, a vida baixa... e se sobe algum som deste declive, no grito de pastor convocando seu rebanho. No flauta, no canto de amoroso desencanto. No suspiro de grilo, voz noturna de correntes, no me chamando filho, no silvo de serpentes esquecidas de morder como abstratas ao luar. No choro de criana para um homem se formar. Tampouco a respirao de soldados e de enfermos, de meninos internados ou de freiras em clausura. No so grupos submergidos nas geleiras do entressono e que deixam desprender-se, menos que a simples palavra, menos que a folha no outono, a partcula sonora que a vida contm, e a morte contm, o mero registro de energia concentrada. No nem isto, nem nada. som que precede a msica, sobrante dos desencontros e dos encontros fortuitos, dos malencontros e das miragens que se condensam ou que se dissolvem noutras absurdas figuraes. O mundo no tem sentido. O mundo e suas canes de timbre mais comovido esto calados, e a fala que de uma para outra sala ouvimos em certo instante silncio que faz eco e que volta a ser silncio no negrume circundante. Silncio: que quer dizer? Que diz a boca do mundo? Meu bem, o mundo fechado, se no for antes vazio. O mundo talvez: e s. Talvez nem seja talvez. O mundo no vale a pena, mas a pena no existe. Meu bem, faamos de conta. de sofrer e de olvidar, de lembrar e de fruir, de escolher nossas lembranas e revert-las, acaso se lembrem demais em ns. Faamos, meu bem, de conta - mas a conta no existe - que tudo como se fosse, ou que, se fora, no era. Meu bem, usemos palavras. faamos mundos: idias. Deixemos o mundo aos outros j que o querem gastar. Meu bem, sejamos fortssimos - mas a fora no existe - e na mais pura mentira do mundo que se desmente, recortemos nossa imagem, mais ilusria que tudo, pois haver maior falso que imaginar-se algum vivo, como se um sonho pudesse dar-nos o gosto do sonho? Mas o sonho no existe. Meu bem, assim acordados, assim lcidos, severos, ou assim abandonados, deixando-nos deriva levar na palma do tempo - mas o tempo no existe -, sejamos como se framos num mundo que fosse: o Mundo.

Oficina Irritada Claro Enigma Eu quero compor um soneto duroComo poeta algum ousara escrever.Eu quero pintar um soneto escuro,Seco, abafado, difcil de ler.Quero que meu soneto, no futuro,No desperte em ningum nenhum prazer.E que, no seu maligno ar imaturo,Ao mesmo tempo saiba ser, no ser.Esse meu verbo antiptico e impuroH de pungir, h de fazer sofrer,Tendo de Vnus sob o pedicuro.Ningum o lembrar: tiro no muro,Co mijando no caos, enquanto arcturo,Claro enigma, se deixa surpreender.Amar Claro Enigma

Que pode uma criatura seno,entre criaturas, amar?amar e esquecer, amar e malamar,amar, desamar, amar?sempre, e at de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,sozinho, em rotao universal, senorodar tambm, e amar?amar o que o mar traz praia,o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, sal, ou preciso de amor, ou simples nsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,o que entrega ou adorao expectante,e amar o inspito, o spero,um vaso sem flor, um cho de ferro,e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,distribudo pelas coisas prfidas ou nulas,doao ilimitada a uma completa ingratido,e na concha vazia do amor procura medrosa,paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a gua implcita, e o beijo tcito, e a sede infinita.

A Maquina do Mundo Claro Enigma E como eu palmilhasse vagamenteuma estrada de Minas, pedregosa, e no fecho da tarde um sino roucose misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no cu de chumbo, e suas formas pretaslentamente se fossem diluindona escurido maior, vinda dos montese de meu prprio ser desenganado,a mquina do mundo se entreabriupara quem de a romper j se esquivavae s de o ter pensado se carpia.Abriu-se majestosa e circunspecta,sem emitir um som que fosse impuronem um claro maior que o tolervelpelas pupilas gastas na inspeocontnua e dolorosa do deserto,e pela mente exausta de mentartoda uma realidade que transcendea prpria imagem sua debuxadano rosto do mistrio, nos abismos.Abriu-se em calma pura, e convidandoquantos sentidos e intuies restavama quem de os ter usado os j perderae nem desejaria recobr-los,se em vo e para sempre repetimosos mesmos sem roteiro tristes priplos,convidando-os a todos, em coorte,a se aplicarem sobre o pasto inditoda natureza mtica das coisas,assim me disse, embora voz algumaou sopro ou eco ou simples percussoatestasse que algum, sobre a montanha,a outro algum, noturno e miservel,em colquio se estava dirigindo:"O que procuraste em ti ou fora deteu ser restrito e nunca se mostrou,mesmo afetando dar-se ou se rendendo,e a cada instante mais se retraindo,olha, repara, ausculta: essa riquezasobrante a toda prola, essa cinciasublime e formidvel, mas hermtica,essa total explicao da vida,esse nexo primeiro e singular,que nem concebes mais, pois to esquivose revelou ante a pesquisa ardenteem que te consumiste... v, contempla,abre teu peito para agasalh-lo.As mais soberbas pontes e edifcios,o que nas oficinas se elabora,o que pensado foi e logo atingedistncia superior ao pensamento,os recursos da terra dominados,e as paixes e os impulsos e os tormentose tudo que define o ser terrestreou se prolonga at nos animaise chega s plantas para se embeberno sono rancoroso dos minrios,d volta ao mundo e torna a se engolfar,na estranha ordem geomtrica de tudo,e o absurdo original e seus enigmas,suas verdades altas mais que todosmonumentos erguidos verdade:e a memria dos deuses, e o solenesentimento de morte, que floresceno caule da existncia mais gloriosa,tudo se apresentou nesse relancee me chamou para seu reino augusto,afinal submetido vista humana.Mas, como eu relutasse em respondera tal apelo assim maravilhoso,pois a f se abrandara, e mesmo o anseio,a esperana mais mnima esse anelode ver desvanecida a treva espessaque entre os raios do sol inda se filtra;como defuntas crenas convocadaspresto e fremente no se produzissema de novo tingir a neutra faceque vou pelos caminhos demonstrando,e como se outro ser, no mais aquelehabitante de mim h tantos anos,passasse a comandar minha vontadeque, j de si volvel, se cerravasemelhante a essas flores reticentesem si mesmas abertas e fechadas;como se um dom tardio j no foraapetecvel, antes despiciendo,baixei os olhos, incurioso, lasso,desdenhando colher a coisa ofertaque se abria gratuita a meu engenho.A treva mais estrita j pousarasobre a estrada de Minas, pedregosa,e a mquina do mundo, repelida,se foi miudamente recompondo,enquanto eu, avaliando o que perdera,seguia vagaroso, de mos pensas.

Nudez A vida Passada a Limpo No cantarei amores que no tenho,e, quando tive, nunca celebrei.No cantarei o riso que no rirae que, se risse, ofertaria a pobres.Minha matria o nada.Jamais ousei cantar algo de vida:se o canto sai da boca ensimesmada, porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,nem sabe a planta o vento que a visita.Ou sabe? Algo de ns acaso se transmite,mas to disperso, e vago, to estranho,que, se regressa a mim que o apascentava,o ouro suposto nele cobre e estanho,estanho e cobre,e o que no malevel deixa de ser nobre,nem era amor aquilo que se amava.Nem era dor aquilo que doa:ou di, agora, quando j se foi?Que dor se sabe dor, e no se extingue?(No cantarei o mar: que ele se vinguede meu silncio, nesta concha.)Que sentimento vive, e j prosperacavando em ns a terra necessriapara se sepultar moda austerade quem vive sua morte?No cantarei o morto: o prprio canto.E j no sei do espanto,da mida assombrao que vem do nortee vai do sul, e, quatro, aos quatro ventos,ajusta em mim seu terno de lamentos.No canto, pois no sei, e toda slabaacaso reunidaa sua irm, em serpes irritadas vejo as duas.Amador de serpentes, minha vidapassarei, sobre a relva debruado,a ver a linha curva que se estende,ou se contrai e atrai, alm da pobrerea de luz de nossa geometria.Estanho, estanho e cobre,tais meus pecados, quanto mais fugido que enfim capturei, no mais visandoaos alvos imortais. descobrimento retardadopela fora de ver. encontro de mim, no meu silncio,configurado, repleto, numa castaexpresso de temor que se despede.O golfo mais dourado me circundacom apenas cerrar-se uma janela.E j no brinco a luz. E dou notciaestrita do que dorme,sob placa de estanho, sonho informe,um lembrar de razes, ainda menosum calar de serenosdesidratados, sublimes ossuriossem ossos;a morte sem os mortos; a perfeitaanulao do tempo em tempos vrios,essa nudez, enfim, alm dos corpos,a modelar campinas no vazioda alma, que apenas alma, e se dissolve.Fazenda Lio de Coisas

Vejo o Retiro: suspirono vale fundo.O Retiro ficava longedo oceanomundo.Ningum sabia da Rssiacom sua foice.A morte escolhia a formabreve de um coice.

Mulher, abundavam negrassocando milho.Rs morta, urubus rasantes,logo em conclio.O amor das guas rinchavano azul do pasto.E criao e gente, em liga,tudo era casto.

Amar-Amaro Lio de coisas

Por que amou por que amou se sabia p r o i b i d o p a s s e a r s e n t i m e n t o s ternos ou desesperados nesse museu do pardo indiferente me diga: mas por que amar sofrer talvez como se morre de varola voluntria vgula evidente?

ah PORQUE AMOU e se queimou todo por dentro por fora nos cantos nos ecos lgubres de voc mesm (o, a) irm(,o) retrato espculo por que amou? se era para ou era por como se entretanto todavia toda via mas toda vida indagao do achado e aguda espostejao da carne do conhecimento, ora veja permita cavalheir(o,a) amig(o,a) me releve este malestar cantarino escarninho piedoso este querer consolar sem muita convico o que inconsolvel de ofcio a morte esconsolvel consolatrix consoadssima a vida tambm tudo tambm mas o amor car (o,a) colega este no consola nunca de nncaras.

Para Sempre Lio de Coisas

Por que Deus permiteQue as mes vo-se embora?Me no tem limite, tempo sem hora,Luz que no apagaQuando sopra o ventoE chuva desaba,Veludo escondidoNa pele enrugada,gua pura, ar puro,Puro pensamento.Morrer aconteceCom o que breve e passaSem deixar vestgio.Me, na sua graa, eternidade.Por que Deus se lembra- Mistrio profundo -De tir-la um dia?Fosse eu rei do mundo,Baixava uma lei:Me no morre nunca,Me ficar sempreJunto de seu filhoE ele, velho embora,Ser pequeninoFeito gro de milho.

Parolagem da vida - impurezas do branco

Como a vida muda.Como a vida muda.Como a vida nula.Como a vida nada.Como a vida tudo.Tudo que se perdemesmo sem ter ganho.Como a vida senhade outra vida novaque envelhece antesde romper o novo.Como a vida outrasempre outra, outrano a que vivida.Como a vida vidaainda quando morteesculpida em vida.Como a vida forteem suas algemas.Como di a vidaquando tira a vestede prata celeste.Como a vida istomisturado quilo.Como a vida belasendo uma panterade garra quebrada.Como a vida loucaestpida, moucae no entanto chamaa torrar-se em chama.Como a vida chorade saber que vidae nunca nunca nuncaleva a srio o homem,esse lobisomem.Como a vida ria cada manhde seu prprio absurdoe a cada momentod de novo a todosuma prenda estranha.Como a vida jogade paz e de guerrapovoando a terrade leis e fantasmas.Como a vida tocaseu gasto realejofazendo da valsaum puro Vivaldi.Como a vida valemais que a prpria vidasempre renascidaem flor e formigaem seixo roladopeito desoladocorao amante.E como se salvaa uma s palavraescrita no sanguedesde o nascimento:amor, vidamor!