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SEGURANÇA ALIMENTAR: EVOLUÇÃO CONCEITUAL E AÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA AMÉRICA LATINA NIEMEYER ALMEIDA FILHO (1) ; WALTER BELIK (2) ; ANTONIO CÉSAR ORTEGA (3) ; EBENÉZER PEREIRA COUTO (4) ; CARLOS EDUARDO VIAN (5) . 1,3,4.UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA, UBERLÂNDIA, MG, BRASIL; 2.ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA LUIZ DE QUEIROZ, PIRACICABA, SP, BRASIL; 5.UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, CAMPINAS, SP, BRASIL. [email protected] APRESENTAÇÃO ORAL REFORMA AGRÁRIA E OUTRAS POLÍTICAS DE REDUÇÃO DA POBREZA Título Segurança alimentar: evolução conceitual e ação das políticas públicas na América Latina Grupo de Pesquisa: Reforma Agrária e Outras Políticas de Redução da Pobreza Resumo O artigo trata da evolução do conceito de segurança alimentar a partir do processo histórico de enfrentamento por parte de governos nacionais e organismos multilaterais das condições de insuficiência alimentar. Há uma síntese da natureza das políticas decorrentes deste processo, particularmente aquelas adotadas na América Latina. Ao final, há uma breve avaliação dos principais resultados dessas políticas. Palavras-chave: segurança alimentar; políticas públicas; pobreza; desenvolvimento sócio- econômico; equidade. Abstract This article deals with the evolution of the food security concept from the historical process perspective of confronting alimentary insufficiency conditions by national governments and multilateral organisms. There is a synthesis of the nature of policies derived from this process, particularly those adopted in Latin America. At the end, there is a brief evaluation of the main results of these policies.

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SEGURANÇA ALIMENTAR: EVOLUÇÃO CONCEITUAL E AÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA AMÉRICA LATINA

NIEMEYER ALMEIDA FILHO (1) ; WALTER BELIK (2) ; ANT ONIO CÉSAR ORTEGA (3) ; EBENÉZER PEREIRA COUTO (4) ; CARLOS

EDUARDO VIAN (5) .

1,3,4.UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA, UBERLÂNDI A, MG, BRASIL; 2.ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA LUIZ D E

QUEIROZ, PIRACICABA, SP, BRASIL; 5.UNIVERSIDADE EST ADUAL DE CAMPINAS, CAMPINAS, SP, BRASIL.

[email protected]

APRESENTAÇÃO ORAL

REFORMA AGRÁRIA E OUTRAS POLÍTICAS DE REDUÇÃO DA

POBREZA

Título Segurança alimentar: evolução conceitual e ação das políticas públicas na América Latina

Grupo de Pesquisa: Reforma Agrária e Outras Políticas de Redução da Pobreza

Resumo O artigo trata da evolução do conceito de segurança alimentar a partir do processo histórico de enfrentamento por parte de governos nacionais e organismos multilaterais das condições de insuficiência alimentar. Há uma síntese da natureza das políticas decorrentes deste processo, particularmente aquelas adotadas na América Latina. Ao final, há uma breve avaliação dos principais resultados dessas políticas. Palavras-chave: segurança alimentar; políticas públicas; pobreza; desenvolvimento sócio-econômico; equidade. Abstract This article deals with the evolution of the food security concept from the historical process perspective of confronting alimentary insufficiency conditions by national governments and multilateral organisms. There is a synthesis of the nature of policies derived from this process, particularly those adopted in Latin America. At the end, there is a brief evaluation of the main results of these policies.

XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro"

Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

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Key Words: food security; public policies; poverty; social economic development; equity 1. INTRODUÇÃO

Segurança Alimentar é um conceito que vem sendo construído ao longo das últimas décadas, na medida em que o enfrentamento do problema da fome exigia amplitude de ações de governos, organismos multilaterais, ONGs e movimentos sociais organizados. A expressão “segurança alimentar” ganhou destaque no Pós-Segunda Guerra, particularmente na Europa, traduzindo à idéia de que, para fazer frente à fome, era preciso aumentar a oferta de alimentos de maneira auto-suficiente. Portanto, além de atender às necessidades de sua população, assegurar a segurança alimentar demandava ações que tivessem em conta a balança comercial dos países.

Este foco na oferta deveu-se aos efeitos deletérios de duas grandes guerras sobre a base produtiva das principais agriculturas européias. Difundiu-se, assim, a chamada Revolução Verde, criando-se um forte aparato de apoio aos agricultores (crédito e assistência técnica) para elevação da produção e da produtividade1. Podemos concluir, pois, que a questão da segurança alimentar naquele momento estava ligada exclusivamente à capacidade de produção de alimentos por parte dos diversos países.

A forte crise da oferta de alimentos do inicio da década de 1970, com sucessivas quebras de safras devido a problemas climáticos, particularmente na África, fez disparar novamente o sinal de alerta e motivou a realização da I Conferencia Mundial de Alimentação, promovida pela FAO, em 1974. Como resultado dos debates e acordos, o objetivo estabelecido era de que: ... ao término de uma década, não haja nenhuma criança que tenha que se conformar sem ter satisfeito sua fome, nenhuma família que tema pelo pão do dia seguinte, e que nem o futuro nem a capacidade de nenhum ser humano sejam prejudicados pela má nutrição. (FAO/WFS/TECH96/7:1996/32)

As prioridades estabelecidas foram as seguintes: ampliar a pesquisa agronômica; intensificar a produção de alimentos e a utilização de insumos modernos; melhorar as atividades de extensão e capacitação aos agricultores; desenvolver políticas e programas para melhorar a nutrição; implementar a carta mundial dos solos e de avaliação do potencial de produção das terras; ordenamento científico das águas, irrigação, armazenamento e luta contra as inundações; ampliar o papel da mulher; equilíbrio entre a população e oferta de alimentos; fomento da indústria de sementes; redução dos gastos militares para aumentar a produção de alimentos; ajuda alimentar às vítimas de guerras coloniais na África; criação do Sistema Mundial de Informação e Alerta sobre a Alimentação e a Agricultura; melhoria das condições de acesso ao comércio internacional de alimentos. (FAO/WFS/TECH96/7:1996/32-34). Portanto, pode-se perceber que os resultados da Conferência ainda refletiam o entendimento de que a segurança alimentar estava estritamente ligada à produção agrícola.2

1 Nos países desenvolvidos estas políticas geraram um aparato de incentivos e instrumentos que levaram à superprodução de alimentos, reserva de mercado interno e fizeram destes países exportadores de alimentos subsidiados. 2 Deste modo, os compromissos e as resoluções acordados na Conferência, proclamados na Declaração Universal sobre a Erradicação da Fome e Má Nutrição voltam-se basicamente para o aumento da oferta alimentar e para as atividades de socorro alimentar.

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Mas a persistência da fome levou a discussão sobre a segurança alimentar a novos rumos. Pois, ainda que a existência de significativos estoques de alimentos fosse um fato, particularmente nos países desenvolvidos, o problema estava longe de ser resolvido. Com isto, o foco do debate desloca-se para a garantia do acesso da população aos alimentos, e o tema da segurança alimentar deixa de ser visto pela ótica estritamente produtiva agregando-se a questão da distribuição. É precisamente neste contexto que o conceito de segurança alimentar é ampliado e, na XII Conferencia Mundial, em 1989, a FAO propôs que: O objetivo final da Segurança Alimentar Mundial é assegurar que todas as pessoas tenham, em todo momento, acesso físico e econômico aos alimentos básicos de que necessitam (...) a segurança alimentar deve ter três propósitos específicos: assegurar a produção alimentar adequada; conseguir a máxima estabilidade no fluxo de tais alimentos e garantir o acesso aos alimentos disponíveis por parte dos que os necessitam. (Menezes:2001:55)

Em 1996 foi realizada nova Conferência Mundial da Alimentação, reafirmando-se o direito de todos ao acesso a alimentos seguros e nutritivos. Chefes de Estado e membros de governo presentes à conferência comprometeram-se a realizar esforços permanentes para erradicar a fome em todos os países. O objetivo era reduzir pela metade o número de pessoas subalimentadas e erradicar a fome até 2015. Deste debate, originou-se a Declaração de Roma sobre a Segurança Alimentar Mundial e o Plano de ação da Cúpula Mundial da Alimentação (CMA), que estabeleciam as bases para diversas trajetórias. A meta era atingir um objetivo comum: - segurança alimentar a nível individual, familiar, nacional, regional e mundial. De acordo com o documento: Existe segurança alimentar quando as pessoas têm, a todo o momento, acesso físico e econômico a alimentos seguros, nutritivos e suficientes para satisfazer as suas necessidades dietéticas e preferências alimentar, a fim de levarem uma vida ativa e sã. (Conferencia Mundial da Alimentação, 1996: 40)

Na Declaração final da Conferência reconhece-se que a pobreza é a maior causa da insegurança alimentar3 e que os Governos signatários da Conferência, com colaboração da sociedade civil, deveriam assumir os seguintes compromissos:

1. Garantir um ambiente político, social e econômico propício, destinado a criaras melhores condições para erradicar a pobreza e para uma paz duradoura, baseada numa participação plena e igualitária de homens e mulheres, que favoreça ao máximo a realização de uma segurança alimentar sustentável para todos;

2. Implementar políticas que tenham como objetivo erradicar a pobreza e a desigualdade e melhorar o acesso físico e econômico de todos, a todo o momento, a alimentos suficientes e, nutricionalmente adequados e seguros, e sua utilização efetiva;

3. Adotar políticas e práticas participativas e sustentáveis de desenvolvimento alimentar, agrícola, da pesca, florestal e rural, em zonas de alto e baixo potencial, as quais sejam fundamentais para assegurar uma adequada e segura provisão de alimentos tanto a nível familiar, como nacional, regional e global, e também para combater as pragas, a seca e a desertificação, tendo em conta o caráter multifuncional da agricultura;

4. Assegurar que as políticas de comércio internacional de alimentos e outros produtos contribuam para fomentar a segurança alimentar para todos, através de um sistema comercial justo e orientado ao mercado;

5. Prevenir e estar preparados para enfrentar as catástrofes naturais e emergências de origem humana e atender às necessidades urgentes de alimentos de caráter transitório, de modo a encorajar a recuperação, reabilitação, desenvolvimento e capacidade de satisfazer necessidades futuras;

3 Donde, as políticas públicas deveriam ser dirigidas a “erradicar a pobreza e a desigualdade, melhorar o acesso físico e econômico de todos, e a todo o momento, a alimentos suficientes, nutricionalmente adequados e seguros, assim como à sua utilização eficiente” (Cúpula Mundial de Alimentação,1996:3).

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6. Promover uma distribuição e uma ótima utilização de investimentos públicos e privados para promover os recursos humanos, os sistemas alimentares, agrícolas, pesqueiros e florestais sustentáveis e o desenvolvimento rural em áreas de alto e baixo potencial;

7. Executar, monitorar, e dar prosseguimento a este Plano de ação, a todos os níveis, em cooperação com a comunidade internacional;4

Entretanto, diagnósticos posteriores da FAO apontaram para o atraso no cumprimento

dos objetivos traçados pelo Plano de Ação da Cúpula Mundial da Alimentação (CMA) e propuseram a realização de uma nova Cúpula Mundial de Alimentação – 5 anos depois (CMA –5ad) com o objetivo central de obter dos governos uma reafirmação de seu compromisso com relação ao cumprimento das metas originais. Ainda que muitos governos tenham manifestado disposição a participar do esforço, o fizeram sob a restrição de que o debate sobre a Declaração e o Plano de Ação de 1996 não fosse reaberto (VALENTE 2002).

A análise da conjuntura mundial na década de 1990 deixa evidente que ações contraditórias foram sendo implantadas pelos diferentes governos. Vários dos compromissos assumidos na Conferência Mundial de 1996 têm sido usados de forma a obstruir a construção de um aparato adequado de Segurança alimentar no âmbito mundial.

Por outro lado, as políticas de comércio internacional dos países desenvolvidos continuam a impor restrições às exportações de alimentos das nações em desenvolvimento, causando assim problemas de geração de emprego e renda nas áreas produtoras de alimentos para a exportação.5 Já com relação aos itens de qualidade dos alimentos, materializados no Codex Alimentarius, muitos dos países em desenvolvimento ainda não estão capacitados para atender aos padrões. Estes, na pratica, terminam se transformando em novas restrições comerciais no âmbito internacional.

Pode-se dizer que a crescente preocupação dos consumidores das nações desenvolvidas com a alimentação de qualidade, sem agrotóxicos, que não agride o meio-ambiente, etc., está se transformando em uma forma de diferenciar produto, atendendo a nichos de mercado específicos e de alta renda. Os impactos destas novas técnicas nas regiões produtoras ainda precisam ser mais bem estudados, mas alguns trabalhos têm indicado que os agricultores e suas famílias têm tido benefícios reduzidos. As grandes redes de supermercado e as certificadoras são os grandes ganhadores até agora.

Pode-se concluir, para fechar esta introdução ao tema, que ainda existe uma distância muito grande entre o discurso dos governantes e os reais interesses de cada país. Os compromissos assumidos na Conferência Mundial estão longe de serem cumpridos e, como foi discutido, muitos são contrários aos interesses de nações ou de grupos econômicos específicos.

É preciso estudar mais profundamente essas questões de qualidade, valorização, sustentabilidade, entre outras que têm sido utilizadas apenas como armas de concorrência, tanto no mercado interno como no externo. Esses temas, e as ações que deles decorrem, impendem o acesso das pessoas a alimentos de qualidade e comprometem a geração de renda. 2. Programas Sociais6

4 Outros elementos específicos foram incorporados ainda ao conceito de segurança alimentar: a qualidade (física, química, biológica, nutricional); o direito à informação e a valorização das opções culturais; utilização de recursos de maneira sustentável. 5 Um exemplo são os problemas que o Brasil vem enfrentando com a conjuntura do mercado de soja e carne bovina. 6 Esta parte foi extraída, com alterações, do artigo “Políticas Públicas, Pobreza Rural e Segurança Alimentar” de autoria de Walter Belik publicado na Revista Eletrônica Carta Social e do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp, número 4, dezembro de 2006.

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De modo geral, as políticas sociais são apresentadas pelos governantes ou em trabalhos acadêmicos como “compensatórias” visando, por definição, re-estabelecer a igualdade de condições entre todos os cidadãos. Por princípio ético, considera-se que o destino não deu oportunidades iguais a todos os indivíduos e que cabe ao Estado compensar aqueles desafortunados. Em tese, o Estado deve amparar todos os cidadãos, sem discriminação, embora a natureza da proposta de política social seja diferenciadora, assumindo que os indivíduos não são iguais, e que os mais necessitados devem ter uma atenção relativamente maior do Estado.

Esse padrão de política social surgiu nos países desenvolvidos no século XX como resposta a necessidade de garantir direitos. A garantia de direitos como educação e saúde levou a universalização de determinados serviços que passaram a ser oferecidos pelo Estado. Vale lembrar que esses direitos sociais apareciam em diversos países como uma extensão dos direitos civis e políticos proclamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, cuja inspiração remonta a 1789.

No Brasil, a introdução desses direitos ocorreu historicamente com o Estado Novo. Silva (2004) chama a atenção para o fato de que a implementação e expansão dos direitos do cidadão no Brasil se deram pela inserção do indivíduo no mercado de trabalho, dentro da ótica das corporações tuteladas pelo aparelho de Estado.Vanderborght & Van Parijs (2006) destacam que no caso dos Estados Unidos a mobilização da sociedade em torno da questão dos direitos civis nos anos 1960 levou a ampliação e reforma das políticas sociais7.

Contudo, com a crise financeira do Estado a partir dos anos 1970, parte importante dos chamados serviços públicos que visavam suportar o exercício desses direitos passaram a ser explicitamente tratados como mercadoria. Educação, saúde universal e outros direitos foram sendo paulatinamente cortados das atribuições elementares do Estado, introduzindo-se a perspectiva das políticas “compensatórias”. Todavia, diante da persistência da situação de pobreza na maior parte dos países, em um período de crescimento do comércio internacional e disseminação de novas tecnologias como foi o das duas últimas décadas, os órgãos de fomento internacionais lançaram uma nova agenda reformadora. Com isso foram incluídas novas atribuições para as políticas sociais, que além de compensatórias passaram a ser também emancipatórias. Segundo Gimenez (2005), o objetivo colocado pelas agências multilateriais nos anos 1980 era “articular a dinâmica dos mercados nacionais de trabalho e uma política social compatível com os imperativos econômicos” (p. 19). É interessante mencionar que, nesse mesmo período, uma visão mais abrangente das causas e encaminhamentos para a questão da pobreza estava sendo apresentada por Amartya Sen. As propostas de Sen influenciaram o desenvolvimento de políticas sociais nacionais e terminaram por se constituir como pilares de sustentação das estratégias de combate à pobreza das agências multilaterais. Segundo Sen, para entender a pobreza seria necessário entender as relações de titulação (“entitlement relations”), entendendo essas como um conjunto de direitos encadeados - partindo dos direitos mais simples sobre a propriedade de terras e sobre o seu próprio trabalho e chegando a relações mais complexas como o acesso a crédito, por exemplo.

Para o autor, o que garante aos trabalhadores desempregados nos Estados Unidos ou na Grã Bretanha não morrer de fome não é a riqueza desses países, mas sim a titularidade que esses indivíduos têm em relação à seguridade social. Da mesma forma, na China a eliminação

7 Abrindo espaço para as propostas de instituição de um Imposto Negativo como aquele proposto por Milton Friedman e sua evolução para a renda mínima ou renda básica.

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da fome foi garantida não por uma elevação extraordinária da oferta de alimentos, mas sim pela titulação das pessoas em alguma forma de seguridade social: um sistema de emprego garantido e salários que possam providenciar o necessário contra a fome (Sen, 1982). Ele afirma ainda que o que deve ser igualado são as capacidades de transformação de cada indivíduo. Alerta também que a idéia de que todos devam ser tratados igualmente pode resultar num tratamento bastante desigual em favor dos que estão em desvantagem (Sen, 2001:30).

Como resultado dessas idéias foram estabelecidos, por financiamento de agências como o Banco Mundial, programas focalizados de transferência de renda para famílias pobres visando acomodar direitos sociais e garantir um tratamento desigual aos que estão em desvantagem. Dessa maneira, programas de transferência de rendas ou de recursos tendo como base o controle da própria comunidade (empoderamento), passando por cima de autoridades locais viciadas pelo clientelismo e populismo e com a instituição de condicionalidades, passaram a ser a regra de ouro para a sua eficiência e sucesso.

Oakley & Clayton destacam que “...do ponto de vista dos processos e das ações associadas com a promoção do desenvolvimento e transformação, vivemos atualmente na era do empoderamento” (2003: 9). Mobilizando-se o pobre pretende-se aproveitar o capital social dessas comunidades, inserindo-as competitivamente no mercado. Nas palavras de Ivo (2006:77) “essa é a estratégia voltada para os pobres viáveis (ou “bons” pobres, aqueles capazes de se transformarem em cidadãos-consumidores, integrar-se à sociedade de mercado e consumo)”(grifos da autora). No que se refere à eficiência das políticas sociais vale mencionar recente estudo realizado pela OCDE (2005) que aponta o gasto social no Brasil como elevado e mal distribuído. Partindo-se da necessidade de se eliminar a regressividade bem como de focalizar-se os públicos mais vulneráveis, os pesquisadores mostram que esse gasto corresponde a “duas terças partes de todo o gasto do governo e que o orçamento da seguridade social (incluindo pensões), sozinho, representa 50% de todo o gasto social federal” (2005: 123). Na comparação com outros países, os diversos níveis de governo no Brasil gastam 24,4% do PIB em programas sociais, acima de países como a Espanha, Canadá, Estados Unidos ou México.

Interessante mencionar que a recente abordagem introduzida nessa “nova geração” de programas sociais, que combinam direitos sociais com focalização, se faz de uma forma truncada. “Enquanto no Norte os direitos sociais estão sendo descartados como relíquias de uma superada Era Keynesiana, no Sul, a linguagem desses direitos vem sendo estrategicamente aplicada em defesa da luta dos movimentos sociais incluindo os indígenas. Mas isso não significa necessariamente que os direitos sociais estejam sendo acolhidos como um componente substantivo dos direitos humanos” (DEAN, 2006: 47).

O Quadro 1, na pagina seguinte, ilustra a significativa quantidade de programas de transferência de rendas na América Latina. Estão listados 17 países que implementaram programas semelhantes entre si, com a assessoria de agencias multilaterais como o Banco Mundial, BID, FAO, PNUD, FMI, ou mesmo de agências de cooperação internacional ou ONGs de países desenvolvidos. O quadro ilustra a nova abordagem adotada por esses organismos, tornando-se uma “política oficial” da maior parte das agencias a partir de 19998. Em todos os programas analisados são realizadas transferências em dinheiro para permitir a manutenção da família cuja renda se encontra abaixo da linha da pobreza. Em alguns países,

8 O ponto de mudança é a divulgação de novas normas no Banco Mundial exigindo a preparação do chamado PRSP – Poverty Reduction Strategy Paper que deveria ser produzido em cada país como condição para a obtenção dos recursos demandados.

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essa transferência está vinculada à compra de alimentos ou material escolar; em outros, o uso dos recursos é livre. Normalmente o responsável pelo recurso é a mãe, esposa ou chefe de família mulher. Em praticamente todos os casos exige-se contrapartidas como a manutenção de crianças na escola e, freqüência em cursos de capacitação para desempregados e acompanhamento médico dos filhos.

Em uma avaliação mais recente sobre o resultado da implementação de programas sociais em vários países do Terceiro Mundo, Sachs (2005) demonstra que o problema maior, muito além das transferências de rendas para famílias pobres é a falta de equipamentos sociais e de infra-estrutura que possam permitir que esses pobres saiam dessa situação econômica. Segundo o autor, os resultados desse esforço são ainda insuficientes e investimentos prioritários deveriam ser feitos naquilo que ele denomina “seis tipos de capital” para escapar da pobreza que são: 1)capital humano (saúde, nutrição e treinamento); 2)capital empresarial (máquinas, instalações, transporte motorizado e indústrias); 3)infra-estrutura (estradas, energia, água, etc.); 4)capital natural (terras cultiváveis, solos saudáveis, biodiversidade); 5)capital público (leis comerciais, sistemas jurídicos, serviços públicos de qualidade); 6)capital de conhecimento (know-how científico e tecnológico). Um projeto global de erradicação da pobreza deveria ser baseado no desenvolvimento dessas potencialidades, que poderiam ser viabilizadas através de uma política de mão dupla: os países ricos financiariam os mais pobres e esses, por sua vez, reforçariam as instituições de combate à corrupção e de garantia da democracia.

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Quadro 1 Programas de Transferência de Rendas na América Latina País Plano Valor mensal da

Transferência Público Beneficiário

Contrapartidas

Argentina Plan Familias / Jefes y Jefas

150 a 275 pesos Famílias de baixa renda com dois ou mais filhos menores;

As crianças devem estar na escola e com a vacinação em dia

Bolívia PLANE n.d. Desempregados Participação em “frentes de trabalho”

Brasil Bolsa Família R$ 50 a R$ 95 por família Famílias co renda per capita abaixo de R$120

Freqüência escolar, vacinação

Chile Chile Solidário 10.500 pesos no início por 6 meses e redução gradativa até os 18 meses. Bolsa mensal a partir de 18 meses até 3 anos.

Famílias carentes e idosos Crianças na escola, vacinação, cursos de capacitação para os país, documentação.

Colombia Familias en Acción 14 mil pesos para cada filho no ensino fundamental e 28 mil pesos para o ensino médio mais 46,5 mil para cada filho abaixo de 7 anos de idade

Famílias carentes de cidades com menos de 100 mil habitantes

Crianças na escola e acompanhamento nutricional

República Dominicana

Solidariedad Comer es primero

Através de cartão de compra para alimentos, até RD$ 600 por família

Famílias com crianças de 6 a 16 anos e pessoas sem documentos

Crianças na escola

El Salvador Red Solidária Ajuda Nutricional Mulheres carentes com crianças

Crianças na escola, vacinação, cursos de capacitação para os pais, programas de desenvolvimento comunitário

Equador PROLOCAL em combinação com outros programas (Bono de Desarrollo Humano)

US$20 por família 1,1 milhões de famílias carentes

Crianças na escola

Honduras PRAF II LPS$ 80 por criança para famílias até 3 filhos por 10 meses letivos

Famílias carentes em espaço geográfico definido

Educação, saúde e nutrição

Jamaica PATH US$ 10 a cada dois meses Grávidas, Idosos e outros grupos de risco

Acompanhamento por administradores de paróquias

México Oportunidades 145 pesos bimestrais + Bolsas Educativas de 95 a 620 pesos + Material escolar

Famílias carentes em espaço geográfico definido

Educação, Saúde e Alimentação

Nicaragua Red de Protección Social

US$ 30 por família 22.500 famílias de baixa renda

n.d.

Peru Juntos US$30 por família Famílias Pobres Educação, saúde e Alimentação

República Dominicana

Solidaridad RD $ 550 ajuda para alimentação e ajuda escolar RD$ 300 (1 ou 2 filhos) RD$ 450 (3 filhos) RD$ 600 (4 ou mais filhos); documentos gratuitos

Famílias com crianças e pessoas sem documentos

Cursos de capacitação para os pais, acompanhamento médico para crianças, freqüência escolar

Uruguai PAN –Plano Alimentário Nacional

Transferências para a compra de alimentos

Famílias Pobres n.d.

Venezuela Bono de Alimentación para Trabajadores; Bolsa Bolivariana, Bolsa Revolucionaria MERCAL

Venda subsidiada ou doação de Produtos

Famílias Pobres, âmbito regional

n.d.

Fonte: Belik (2006)

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3. Salada de Conceitos

Sabemos que a fome é a manifestação mais crítica da falta de renda. Entretanto fome não é sinônimo de pobreza. Da mesma maneira, os conceitos de desnutrição, má nutrição e fome não devem ser confundidos com a segurança alimentar. Na acepção de Castro (2001), em seu prefácio da primeira edição da Geografia da Fome de 1946, podemos ter certeza apenas que “(...) ao retratarmos a fome no Brasil estávamos evidenciando o seu subdesenvolvimento pois fome e subdesenvolvimento são a mesma coisa”.

Há uma extensa literatura sobre esses conceitos9, sendo que, em muitos casos, o debate se perde na associação da fome com a pobreza absoluta ou a indigência. Kageyama & Hoffmann (2006:82), citando Amartya Sen, lembram que a pobreza possui “uma irredutível essência absoluta” de tal forma que: “um de seus elementos óbvios são a fome e a inanição e, não importa qual seja a posição relativa na escala social, aí certamente existe pobreza”.

Para muitos a fome se traduz pela simples falta de alimentos, para outros a fome pode ser representada pela ausência dos principais nutrientes necessários à manutenção da vida. Costuma-se comparar também a fome com a má nutrição. Enfim, para cada um desses conceitos é possível trabalhar com indicadores com o objetivo de avaliar o público-alvo para o desenvolvimento de programas sociais. Dentro do espírito da focalização estabelecido pela nova geração de programas sociais torna-se necessário não apenas mensurar o público vulnerável à fome de forma indireta, através da (ausência de) renda como também diretamente através de medidas antropométricas ou clínicas.

Em certos casos, como o adotado pela FAO na sua estimativa de pessoas com fome no mundo, o critério adotado é o da disponibilidade per capita de alimentos no ano. Esse dado é ajustado pela distribuição de renda e pelas características físicas das populações em cada país. Em termos nacionais, o paradoxo é que os grandes bolsões de fome estão localizados justamente na área rural, onde os alimentos estariam mais ao alcance da população.

Segundo Von Braun (2006), tomando como base os dados do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, aproximadamente 80% das pessoas que passam fome, em nível mundial, vivem no campo e trabalham em atividades rurais ou na pesca. Compõem esse contingente: 50% de pequenos produtores rurais, 20% de trabalhadores rurais sem terra e outros 10% de pescadores e pastores de cabras.

Como vimos acima, a segurança alimentar é o conceito mais abrangente utilizado pela FAO e pressupõe três dimensões fundamentais: uma quantidade de alimentos suficiente para suprir o mínimo recomendado para cada país, a qualidade e a salubridade da alimentação e; finalmente, a garantia de acesso digno a esses alimentos.

No Brasil, esse conceito passou a ser utilizado pela primeira vez como uma medida a ser aferida no levantamento da PNAD de 2004. Entretanto, sua utilização já vem de mais de 30 anos nos Estados Unidos, tendo sido também aplicado na Jamaica,Venezuela e alguns países asiáticos.

Segundo Graziano da Silva et alli (2006:10): “Desde 1977, o país (Estados Unidos) levanta o número de domicílios em insegurança alimentar a partir de perguntas diretas (auto-relatadas). Mas, foi a partir do início da década de 1980 que a metodologia foi aprimorada e aplicada de forma inédita (Bickel e Andrews, 2002). Baseado em um estudo estatístico das respostas fornecidas pelas famílias com relação ao consumo de alimentos10, o levantamento concluiu que os

9 Ver a esse respeito Belik; Graziano da Silva & Takagi (2003), Monteiro (2004); Ford (2004) Belik (2005) entre outros. 10 As perguntas abrangem duas questões básicas: se os alimentos eram suficientes e se eram aqueles que as famílias realmente queriam consumir.

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chefes de famílias nos domicílios obedecem a uma ordem de comportamento segundo os seua recursos disponíveis, a saber: primeiro, economizam consumindo alimentos cada vez mais baratos, mas mantendo a quantidade, até chegarem a condição em que se esgotam as possibilidades de substituição por preços e passam a comer menos, atingindo o limiar da fome”.

A disseminação do conceito e os novos métodos de avaliação de segurança alimentar colocaram novamente em pauta a discussão sobre os programas de combate a pobreza, fome e segurança alimentar. Enfim, como estabelecer prioridades? O quadro 2 apresenta os impasses colocados pelas diferentes pesquisas realizadas no Brasil e as dificuldades que daí decorrem para a adoção de estratégias adequadas pelo governo.

Quadro 2 – Brasil: Estimativas de Públicos-Alvo para Programas Sociais

Levantamento Estimativa Comentários Linha da Pobreza de R$ 120,00 / per capita/ mês

25,4% da população ou 46,1 milhões de pessoas (PNAD 2004) entre aquelas que declararam renda

Condicionada às diferenças de valores de cestas de consumo regionais. Deve incluir a produção para o auto-consumo nas áreas rurais e a economia com casa-própria.

Linha da Indigência de US$ 1,00 / per capita/ dia

5,3% da população ou 9,6 milhões (PNAD 2004) entre aquelas que declararam renda

Idem, levando-se em conta também as dificuldades oferecidas pela flutuação do câmbio.

Déficit de Peso pelo Índice de Massa Corpórea

5,4% da população ou 3,8 milhões de pessoas com idade superior a 20 anos (POF 2003)

Não mede a pobreza e nem a segurança alimentar. Só pode ser aplicado à população adulta. Não leva em conta problemas de avitaminose. Não trata do acesso aos alimentos.

Disponibilidade de Alimentos inferior ao mínimo de 1.900 kcal/dia

Famílias com rendimento até 1 Salário Mínimo per capita, 44,1% ou 77,6 milhões de pessoas que consomem até 1.724 kcal per capita dia no domicílio (POF 2003)

Dificuldades de contabilização. Não leva em conta a questão do acesso aos alimentos.

Disponibilidade de Alimentos inferior ao mínimo de 1.900 kcal/dia

6% de crianças desnutridas e 9% da população em 2002 – 15,8 milhões de pessoas (FAO)

Estimativa com base em indicadores secundários de renda.

Insegurança Alimentar 39,8% da população ou 72,1 milhões. Com Insegurança Alimentar Grave: 7,7% da população ou 13,9 milhões de pessoas (PNAD 2004)

Indicador objetivo com o propósito de avaliar a vulnerabilidade da população à fome.

Fonte: Belik (2006). Com base no Quadro 2 observamos que, muitas vezes, um programa voltado para

determinado problema social não pode ser utilizado, a menos que se façam adaptações, para o atendimento direto de outro problema. Uma vez que a universalização das políticas sociais foi deixada para trás, em nome de uma maior eficiência estabelecida pela focalização, os públicos a serem atingidos e os “remédios” a serem utilizados não são coincidentes. A utilização de indicadores de pobreza para as estimativas da população vulnerável à fome pode representar um atalho interessante para o desenho de programas sociais, na ausência de informações diretas sobre segurança alimentar. Vale dizer, no entanto, que os programas de transferência de renda que visam minorar as seqüelas decorrentes da pobreza, podem não proporcionar impactos significativos na solução dos problemas da segurança alimentar. Segurança Alimentar na América Latina11

Há países latino-americanos que têm debatido a instituição de uma Política de Segurança Alimentar e que tomam como ponto de partida a preocupação com a oferta de alimentos e a proteção de seus agricultores.

Este é o caso do México, que também está debatendo a instituição de uma Lei Orgânica de Segurança Alimentar. Segundo a versão preliminar de novembro de 2005 da “Ley 11 Essa parte do artigo tem como base o texto “A Implantação da Política Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: entre a caridade e os gastos sociais” de Maya Takagi e Walter Belik apresentado na reunião da ALASRU – Associação Latino-Americana de Sociologia Rural que teve lugar em Quito em novembro de 2005.

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de Planeación para la Soberanía y Seguridad Agroalimentaria y Nutricional”, da Comisión de Agricultura y Ganadería do Palácio Legislativo, “es urgente y prioritario el establecimiento de un marco jurídico que dé certidumbre a las políticas agropecuarias y agroalimentarias de México, como base de la soberanía y seguridad alimentaria y nutricional de la nación mexicana”.

Os programas de segurança alimentar da Venezuela também têm um forte componente voltado para a oferta de alimentos. Segundo Llambí (2005), “el Plan Nacional de Desarrollo 2001-2007 ratificó como objetivo prioritario de la política de seguridad alimentaria la autosuficiencia del país en relación a la oferta de alimentos, y centró su atención en la creación de reservas para una lista de productos definidos como sensibles”.

Assim, verifica-se que a institucionalidade destes países acaba ficando fortemente centralizada nos respectivos Ministérios da Agricultura e Pecuária. No Brasil, a proposta institucional foi distinta. Avalia-se que os avanços ocorridos na implantação de ações que fortalecem a segurança alimentar foram possíveis devido à existência de um ministério setorial específico, que serve como formulador e executor de políticas antes inexistentes, com orçamento e autonomia que lhe conferiram maior agilidade.

A manutenção das políticas específicas foi possível em grande parte devido ao modelo inicial adotado, com recursos disponíveis de R$ 1,8 bilhão para o seu primeiro ano de vigência. Isto representou, em termos de recursos, o que houve de “novo” na área de SAN no governo. Vale lembrar a grande dificuldade que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) do Brasil de 1993 teve para a inclusão de recursos para Segurança Alimentar no orçamento e para a liberação orçamentária. A existência do novo CONSEA, neste contexto, foi fundamental para manter aceso dentro do governo o compromisso com a política de segurança alimentar e nutricional, compreendida como meta transversal e estratégica, ainda que em segundo plano, e também a cobrança constante em torno na manutenção de formas de controle social nos programas sociais, em especial, o Bolsa Família.

É importante que se diga que a força política do CONSEA será tanto maior quanto mais independente ele for do governo, mais radicado nas demandas concretas da sociedade civil e mais propositivo e efetivo no sentido de balizar a ação do governo na área. A questão que esta alternativa não resolve é: como fica a articulação da segurança alimentar com as demais políticas sociais? Ela é subordinada ou subordina as demais? A importância desta questão reside no fato de que há um sombreamento quando se fala em políticas estruturais de superação da vulnerabilidade, que abrange toda a área social.

A alternativa institucional que resolve conceitualmente esta questão é privilegiar o tema do acesso à alimentação de qualidade como um aspecto específico e permanente da política social do governo. A justificativa para isto é a necessidade de tratar a alimentação como um direito social, ao lado da saúde, educação, trabalho e assistência social, retomando e completando, assim, a noção de seguridade social que foi estabelecida na Constituição de 1988. Isto significa que, assim como o acesso universal à saúde e à educação se dá por meio da oferta de serviços adequados para a população, o setor da alimentação também deve prover os serviços ligados à promoção da alimentação de qualidade. A questão da coordenação seria resolvida no âmbito mais amplo da política de seguridade social do governo, tendo a segurança alimentar como uma de suas metas transversais. No entanto, para esta proposta vingar, é necessário que os titulares das pastas da área da seguridade social tenham um entendimento de seu caráter complementar, atuando de forma pactuada, e não concorrente, o que é um desafio enorme quando de trata das disputas políticas.

O desafio maior, no caso do governo central, é enfrentar os dilemas e disputas apontadas, e definir claramente qual a posição de governo. Para que o governo seja condizente

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com a prioridade à segurança alimentar e nutricional são necessários: a) um posicionamento de que o combate à fome é estrutural e emergencial ao mesmo tempo; b) uma articulação interministerial em torno da segurança alimentar e nutricional, com a definição clara de quem deve coordená-la; e c) uma proposta clara para a política social, que é mais ampla do que um programa de transferência de renda. É fundamental, também, recuperar e fortalecer o discurso do direito à alimentação, das políticas estruturantes associadas às ações emergenciais e do controle social efetivo como forma de ampliação da cidadania. Caso contrário aumenta-se o risco de dar razão às críticas de que as políticas sociais têm objetivos eleitorais. Modelos de intervenção

É possível identificar pelo menos quatro modelos de desenho da política social em debate atualmente. Entre as propostas de corte liberal encontra-se aquela que institui a renda básica12, defendendo uma transferência de renda igual para todos os residentes do país, independentemente da condição social. Considera-se liberal porque prescinde do Estado para atuar como discricionário na seleção de públicos prioritários a propostas redistributivas; seu efeito distributivo caminha de nulo a negativo, pois além de aumentar igualmente a renda de todos, impede a alocação de recursos para programas redistributivos; e prescinde, também, de outras políticas voltadas para aumento do emprego e renda e acesso a bens públicos13.

Ainda no campo liberal, encontram-se os propositores da política social restrita basicamente à transferência de renda focalizada, nos moldes do programa Bolsa Família, mas com redução de recursos para programas de seguridade social, que garantem direitos sociais e trabalhistas, defendida pelo Banco Mundial e economistas como Barros (2000).

Fora do campo liberal, encontra-se a proposta que defende a centralidade das políticas de renda mínima focalizadas como forma de combater a pobreza, desde que associadas ao investimento em programas estruturantes voltados para o acesso a bens públicos, e ações de geração de emprego e renda.

Por fim, uma quarta proposição que retoma as propostas de implantar-se um sistema integrado de seguridade e proteção social, voltado para garantia de direitos, como a alimentação, a educação, a saúde, os direitos trabalhistas e a assistência aos grupos vulneráveis. Para ela, a redução da pobreza implica necessariamente na adoção de um modelo de crescimento sustentado com distribuição de renda, na recuperação do salário mínimo e na ampliação do acesso aos bens e serviços públicos, como moradia, saneamento, alimentação, educação e saúde.

Esta última proposição adota um modelo híbrido: está assentada nos direitos sociais universais, mas também é composta por políticas focalizadas às famílias vulneráveis pela renda, pela insegurança alimentar e pelo território14.

Essas propostas não esgotam o leque de opções existentes, porém caminham sobre uma linha de gradação de políticas que vão desde modelos menos intervencionistas até mais intervencionistas e discricionários. Todas as propostas estão em disputa. E mais curioso é que todas elas encontram espaço no cenário político atual, nacional e internacional.

12 Defendida pelo Senador Eduardo Suplicy (Suplicy, 2002). 13 Esta visão de que a renda básica encontra-se no arcabouço liberal não é consensual. Lavinas (2004) a considera uma proposta de universalização de direitos. Na visão dos autores, ela é liberal à medida que implicar na substituição ou diminuição das políticas universais, como direitos trabalhistas, previdência social e saúde. 14 Conforme proposto em Belik e Del Grossi, (2003).

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Análise do Programa de Educação, Saúde e Alimentação (PROGRESA)

Na referência perseguida neste texto, da Segurança Alimentar ( SAL ) como objetivo final dos países latino-americanos e do Caribe, foram desenhados e operacionalizados diversos tipos de Programas. Dentre eles, há o PROGRESA (Programa de Educação, Saúde e Alimentação) no México, programa que foi implantado como estratégia global da luta contra a pobreza naquele país. Atualmente denominado de Oportunidades, esse programa teve início em 1997 com vistas à superação da pobreza extrema em áreas rurais do país. Conquanto se propusesse a abarcar as três esferas – Educação, Saúde e Alimentação – em sua formulação inicial o programa se restringia a ações em alimentação e serviços de saúde. Sua característica distintiva foi que os benefícios efetivos de sua implantação fossem dirigidos às famílias pobres, sob o compromisso de matrícula dos filhos na rede escolar. Ademais, as famílias se comprometiam a visitar periodicamente as unidades de saúde.

No contexto sócio político mexicano, o PROGRESA representa uma mudança significativa nos programas sociais. Uma intervenção anterior de combate à pobreza – o PRONASOL (1988 a 1994) – era um programa descentralizado que se baseava na comunidade e na demanda. Apesar do sucesso de grande parte de suas metas, este programa era susceptível a influências políticas locais e não tinha efetividade quanto ao beneficio das pessoas em grau de pobreza extrema.

Diversamente, com o PROGRESA foram implementados métodos estatísticos rigorosos no ambiente das oficinas centrais da Cidade do México. A meta era identificar as famílias efetivamente em condições de pobreza extrema, garantindo-se dessa forma a objetividade do processo de seleção. Um ponto de destaque da estratégia de combate a pobreza do Progresa foi a diminuição progressiva dos subsídios gerais aos alimentos - caso do preço da tortilla . Efetivamente, tais subsídios tinham peso significativo no orçamento público em simultâneo a um débil efeito na realidade da pobreza.

A intervenção do Progresa se constituiu numa primeira expressão do enfoque de segurança alimentar onde o governo (Estado) tornou disponível (e acessível) o "alimento adequado". Aí se incluiriam as vitaminas e os controles de desenvolvimento infantil e de mulheres grávidas em territórios rurais com altos índices de pobreza extrema. Portanto, a segurança alimentar se manifesta como uma ação multidimensional ao considerar o alimento não necessariamente como provisão, mas como a adequação e complementariedade dos nutrientes vitamínicos necessários ao desenvolvimento físico, biológico e intelectual da pessoa humana. Com o Progresa privilegiou-se uma abordagem mais integral do problema, com ênfase nas co-responsabilidades familiares. Portanto, o PROGRESA apoiou-se nos seguintes fundamentos: 1.- Diferentemente de outros programas combinou simultaneamente, para cada família beneficiada, o apoio em três áreas críticas e complementares para a formação de capital humano básico: educação, saúde e alimentação; 2.- Foi o primeiro Programa no México de subsídio ao capital humano que utilizou mecanismos claros de focalização das localidades e famílias mais pobres do país e, ademais, aplicou desde seu inicio um projeto rigoroso e complexo de avaliação de impacto; 3.- Foi o primeiro programa no México que realizou transferências monetárias diretamente às famílias, sob condição de assistência escolar e controle da saúde familiar.

Cabe sublinhar que sempre haverá o risco de má utilização de recursos transferidos: mesmo em condições de pobreza, as pessoas podem utilizar os aportes econômicos para adquirir artigos não prioritários. Sem embargo, o mercado é extremamente cruel com aqueles que fruto da exclusão social encontram-se alijados de educação, saúde, cultura, apreciação pela vida, entre outros fatores. Seguramente, este tema comparecia nas

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preocupações centrais de Santiago Levy y José Gomez de León, importantes cientistas sociais mexicanos idealizadores do Progresa.

Caberia enfatizar a “co-responsabilidade” do mercado pela regulação daquilo que se compra, já que as pessoas podem criar necessidades fictícias sobre produtos de que na realidade não necessitam. Todavia, cabe lembrar que a lógica do mercado é estritamente contrária aos interesses reais dos consumidores, cabendo ao Estado desempenhar um papel de órgão regulador/ supervisor do processo. Mas, como visto antes, os Estados em geral implantam políticas com forte viés de combate à pobreza em detrimento de políticas de segurança alimentar de corte abrangente.

Como objetivo de longo prazo, o PROGRESA propôs o rompimento do círculo vicioso transmissor, de geração em geração, de fatores como a extrema pobreza, desnutrição, alta mortalidade infantil, alta fecundidade, elevado grau de evasão escolar e condições de vida insalubres. Para tanto, o programa adotou uma metodologia de dois passos na seleção das famílias beneficiárias: primeiro, uma focalização das localidades para, em seguida, dentro delas, selecionar a população objetivo. Portanto, o alvo final de atuação do programa era a família, que para ser incorporada teria que assumir os seguintes compromissos: 1.- Inscrição dos filhos menores de 18 anos na educação primária ou secundária, apoiando-os na assistência regular às classes e buscando atingir bons índices de aproveitamento; 2.- Registro na unidade de saúde mais próxima e cumprimento de calendário de consultas periódicas para seguimento das ações de um pacote básico de serviços de saúde; 3.- Assistência a aulas práticas mensais de educação para a saúde; 4.- Canalizar o apoio monetário recebido para a melhoria do bem estar familiar, especialmente a alimentação dos filhos e seu aproveitamento escolar.

Avaliações realizadas sugeriram que o PROGRESA teve vantagens comparativas que o diferenciaram de outros programas anteriormente efetivados no México (inclusive alguns contemporâneos): transparência, integralidade e eficiência distributiva na instrumentação de seus mecanismos de recursos e benefícios.

Ademais, tais avaliações destacaram que os gestores do programa submeteram-no a avaliações de seus resultados, com destaque para: I.- Impactos significativos: Melhoria da assistência escolar primária; Maior permanência no sistema escolar formal; Incremento importante no uso de clínicas; Aumento do gasto familiar em alimentos, principalmente carne, leite, frutas e verduras; Aumento dos gastos com vestuário e calçados, especialmente para crianças; Maior segurança para as mulheres; Incremento de cobertura em localidades marginalizadas e locais de extrema pobreza.

Por outro lado, foram levantados II.- Limitantes do programa: Classes de ensino primário muito grandes; Baixo nível de educação dos pais; Proximidade entre localidades e a capital do estado, com ocorrências de casos de trabalho infantil; Escolas secundárias muito distantes das comunidades; Falta de procedimentos adequados de registro das pessoas; Casos de má focalização em algumas comunidades devidos à má capacitação dos pesquisadores.

Todavia, há que se considerar que não é o simples atendimento de necessidades de educação, saúde e alimentação que garante a plena autonomia familiar. Importa que o Estado desenhe e operacionalize políticas macro/micro econômicas que propiciem suporte às famílias, ajudando-as a manter sua autonomia no tempo e promovendo acompanhamento dos objetivos e metas traçados bem como sua efetividade no tempo. Tudo isto, evidentemente, com apoio de instituições educativas, setor privado, universidades e outras instituições.

De modo idêntico, não basta apenas dar aporte econômico tipo bolsas e/ou subsídios. É preciso que o benefício vá acompanhado de toda uma infra-estrutura educativa, de reforço dos valores morais e de acompanhamento por parte dos entes específicos, de forma a garantir que tais aportes não sejam desviados, mas, sim, que cumpram os objetivos traçados.

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Particularmente em relação ao papel do Estado no plano das políticas econômicas conducentes à autonomia das populações no tempo, este é um aspecto crucial a se considerar quando se analisa de forma ampla o PROGRESA (ou qualquer outra experiência no domínio da segurança alimentar). Pois, quando se trata da questão relativa às transformações em prol do desenvolvimento sócio-econômico sustentável e, por suposto, pleno de equidade, haveria que se eleger a segurança alimentar como elemento a ser posicionado de modo prioritário no núcleo estratégico da política econômica. Este é o grande desafio a ser enfrentado em nossas combalidas sociedades latino-americanas, sem deixar de lado medidas mais emergenciais (ou de curto prazo), necessárias em função de nossos passivos históricos e estruturais.

O programa é considerado avançado internacionalmente, dada sua proposição de um enfoque integrador consolidado num conceito básico denominado capital humano. Igualmente, por priorizar os segmentos realmente pobres como beneficiários. No contexto da globalização, o PROGRESA resgata o capital humano como mediação para se superar as condições de pobreza e falta de oportunidades para formação individual e familiar básica. Para tanto, focaliza ações em educação básica no tocante à nutrição nos primeiros 6 anos de vida, bem como processos de vigilância e controle do desenvolvimento das crianças e mulheres grávidas. Tais desafios tornam o PROGRESA um programa que busca a integralidade requerida para a formação da pessoa e a melhoria de sua produtividade, processo este visualizado a partir de mudanças inter gerações.

Os componentes de Saúde, Educação e Nutrição, desenvolvidos com um método de focalização (seleção dos beneficiários) de acordo com índices de pobreza percebidos em nível territorial – ou em nível de comunidades – se apresentam como melhores opções para a melhoria da condição de vida daqueles que não tiveram a oportunidade de ter acesso a saúde, educação e nutrição alimentícia. Fome Zero: Desenho de um Programa Integrado15

Um programa integrado de segurança alimentar para o Brasil deve atentar para as especificidades colocadas sem deixar de lado os três elementos mencionados que dizem respeito ao acesso aos alimentos: quantidade suficiente, regularidade e qualidade. Dessa maneira, a questão não é apenas elevar a renda das pessoas pobres, mas também garantir que essa renda seja utilizada para o consumo de alimentos.

É interessante destacar que é possível fazer com que o próprio consumo de alimentos seja uma alavanca para a inserção social produtiva dos setores excluídos. Fazendo com que as famílias pobres consumam alimentos produzidos por agricultores e pequena agroindústria local é possível garantir que o aporte de renda proporcionado pelos programas sociais possa transbordar e gerar mais renda e emprego nas regiões deprimidas.

A estimativa de público beneficiário utilizada para o planejamento do Programa Fome Zero (PFZ), tomou como base dois elementos importantes do ponto de vista da renda das famílias. De um lado, trabalhou-se o dado de renda em termos de poder de compra, levando-se em conta os seus valores em termos regionais, da localização dessas famílias e de possíveis rendas não monetárias que poderiam influenciar no seu poder de compra16. De outro lado,

15 Essa parte do texto tem como base o documento “Políticas Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: Avanços e Descontinuidades”de autoria de Walter Belik, apresentado por ocasião do lançamento da Cátedra de Estudos contra a Fome da Universidade de Córdoba, Espanha, em 7 de fevereiro de 2006. 16 Como por exemplo, a produção agrícola para o auto-consumo ou mesmo o “não gasto” da renda com o pagamento de aluguéis.

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analisou-se o poder de compra em si com informações sobre o consumo de cestas básicas regionais e de deflatores de preços diferenciados para entender a evolução do preço dessas cestas ao longo do tempo.A tabela 1 apresentada em seguida descreve os resultados das estimativas feitas pelo Projeto Fome Zero em 2001 com base nas PNADs – Pesquisas Nacionais por Amostra Domiciliares de 1999 e depois corrigidas em 2003 com base nas PNADs de 2001.

A estimativa de beneficiários dos programas de combate à fome alça a 46 milhões de indivíduos ou quase 10 milhões de famílias representando 27,3% das pessoas e 21,4% das famílias brasileiras. Observa-se também que há uma grande concentração dessas famílias nas áreas urbanas não metropolitanas (pequenas e médias cidades) somando 51,1% do contingente de pessoas pobres estimadas. As áreas rurais reúnem 26,3% e as áreas metropolitanas 22,6% das famílias em situação de risco. (Fonte: Instituto Cidadania - Projeto Fome Zero)

Vale chamar a atenção para os valores médios das rendas de cada um dos contingentes. A média da renda entre os pobres para o Brasil é de apenas R$43,09 (US$18,34 per capita ao mês) o que, em comparação com a linha de separação entre pobres e ricos, mostra que a pobreza no Brasil tem um nível de profundidade elevado. Ou seja, a distância que separa a média da renda dos pobres com a linha da pobreza ainda é bastante elevada. Mais elevada ainda é a distancia dessas linhas nas áreas rurais onde a média dos rendimentos está em apenas R$39,11 (US$16,64 per capita ao mês).

No Gráfico 1, na próxima página, observa-se que o Nordeste é a região que concentra o maior número de pobres. O Nordeste apresenta um contingente de pobres de 23 milhões, sendo que 8,2 milhões em domicílios das áreas rurais e 8,2 milhões em áreas urbanas não metropolitanas, que concentra também 68,5% dos pobres das áreas rurais.

Muito embora o Nordeste Rural seja apresentado como a área de maior população de risco, a pobreza vem avançando muito nas áreas metropolitanas do Sul e Sudeste do Brasil. Numa comparação entre as diversas PNADs verifica-se que enquanto a pobreza no campo está estancada em níveis elevados, a pobreza nas grandes cidades está crescendo em níveis alarmantes em função do desemprego e da falta de oportunidades econômicas. O estancamento da pobreza no campo se deve, em grande parte, a institucionalização do mecanismo de aposentadoria rural em caráter universal colocado em prática pela Constituição de 1988 (DELGADO e CARDOSO JR., 2000).

Considerando que 47,3% dos residentes das áreas rurais e 26,3% dos residentes das pequenas e médias cidades encontram-se abaixo da linha da pobreza, o impacto que pode ter uma política desse tipo é expressivo. Essa dinâmica keynesiana pode introduzir algo novo e diferente para o Brasil. Com isso, seria possível ter no país uma lógica em que a política social fosse capaz de alavancar o desenvolvimento econômico, e não o reverso, como tem sido ao longo da nossa história. Em resumo, na sua versão inicial o PFZ possuía um conjunto de 25 políticas e 60 programas apresentados em suas três dimensões: estruturais, específicas da alimentação e no âmbito das políticas locais. Entre as políticas estruturais17 propostas e que estão sendo implementadas pelo PFZ estão: a) Políticas de geração de emprego e aumento de renda (microcrédito, incentivos aos novos negócios, capacitação profissional, inclusão digital, primeiro emprego e outros); b) Intensificação da Reforma Agrária como forma de inclusão produtiva das famílias; c)

17 As políticas estruturais trabalham com as bases sociais e culturais das populações consideradas em situação de risco nutricional. Mediante o desenvolvimento de mecanismos que permitem o acesso a ativos de produção e educação torna-se possível garantir a melhoria de renda, em bases permanentes, para os excluídos.

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Simplificação dos procedimentos trabalhistas com a adoção de uma Previdência Social Universal visando trazer de volta para a formalidade os trabalhadores informais; d) Intensificação e ampliação da Bolsa Escola (transferências de rendas para famílias pobres com filhos em idade escolar) para garantir que as novas gerações tenham um nível educacional mais elevado; e) Renda Mínima para as famílias em situação mais crítica e; f) Incentivo à agricultura familiar com ampliação do crédito, compras governamentais, seguro-safra e outros mecanismos que possam garantir o escoamento da produção.

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Pobres, segundo Regiões e Áreas de Residência (exclusive Norte rural)

Brasil 2001

Metropolitana Urbana não metrop. Rural

Gráfico 1

Fonte dos dados brutos: Instituto Cidadania – Projeto Fome Zero

São denominadas políticas específicas aquelas que atuam diretamente sobre a questão

alimentar. Entre as principais podemos mencionar: a) o cartão alimentação (transferência de renda condicionada para famílias carentes) que tem a propriedade de conseguir ligar os consumidores sem poder aquisitivo com os pequenos produtores de alimentos; b) ampliação e redirecionamento do Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT com incentivos fiscais às empresas e subsídios aos trabalhadores na sua alimentação nos locais de trabalho; c) Combate à desnutrição materno-infantil ampliando a atenção básica de saúde além de garantir o fornecimento de produtos alimentares, como o leite, e de nutrientes básicos, como ferro e vitaminas, para as crianças inscritas nas redes públicas de serviços de saúde e de assistência social, visando universalizar os programas já existentes; d) Ampliação da Merenda Escolar para a pré-escola, abrangendo também o período de férias escolares e acrescentando outras refeições com melhor conteúdo nutricional e; e) Educação Alimentar com maior controle sobre a publicidade de alimentos f) Garantia de segurança e qualidade dos alimentos através da ampliação do controle preventivo com a implementação de um sistema de informações e vigilância da segurança dos alimentos e; g) Estoques de Segurança de Alimentos para regular a oferta e evitar as tradicionais oscilações nos preços dos alimentos. Ademais para a formação de estoques seria dada prioridade para a aquisição junto à pequena produção.

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Finalmente vamos fazer considerações no que tange às políticas locais, aquelas que estão ao alcance das organizações civis, prefeituras e consórcios de municípios. Entre essas políticas valeria a pena mencionar algumas, a saber: a) Restaurantes Populares para a população que vive e trabalha nas metrópoles cuja renda é baixa e são poucas as oportunidades de obter uma alimentação nutritiva e de qualidade; b) Banco de Alimentos e Colheita Urbana aproveitando sobras que seriam desperdiçadas pela indústria de alimentos, restaurantes, cozinhas industriais e pelo varejo para atender a instituições e organizações de apoio à grupos carentes cadastradas previamente; c) Parceria com varejistas para a modernização do sistema de distribuição e escoamento da produção agrícola e agroindustrial local; d) apoio a agricultura familiar através de abertura de linhas de crédito, assistência técnica e, inclusive, apoio a produção para o auto-consumo e; e) Agricultura urbana para as áreas urbanas não aproveitadas e terrenos baldios para a plantação de hortaliças por parte de associações ou cooperativas de desempregados. Essas ações podem ser facilitadas pelos poderes público e civil local através de cessão em comodato de áreas, crédito e abertura de sistemas de comercialização. Operacionalização e Resultados Alcançados do Programa Fome Zero

A avaliação geral do programa passa pelos ganhos obtidos em termos de organização e pelas metas alcançadas. Podem-se contabilizar também alguns recuos importantes decorrentes das necessidades impostas pela negociação política, rigidez dos orçamentos públicos ou mesmo inércia da máquina administrativa.

Em termos de organização foi possível recolocar o tema da segurança alimentar na agenda política e econômica. A sociedade brasileira rapidamente se mobilizou e foram organizados conselhos de segurança alimentar e nutricional por municípios e estados da federação. Esse movimento deu origem a uma grande conferência nacional de representantes no início do ano de 2004 que visou apresentar e discutir os rumos do Programa Fome Zero. Inicialmente o governo incentivou também a formação de Comitês Gestores do programa por município, com atribuições claras de fiscalizar e nos pequenos municípios e periferias das grandes cidades, organizar os beneficiários dos programas de transferência de renda. Mais tarde, tendo optado pela rapidez na implementação dos seus programas, o governo federal abandonou essa política para realizar as transferências de renda diretamente através do Cadastro Único, o que evidentemente trouxe distorções e também a emergência de um novo clientelismo político para a distribuição dos recursos.

No segundo ano de vigência do Fome Zero, todos os programas sociais federais voltados para a população de baixa renda foram unificados sob o comando do Programa Bolsa Família, inclusive o Bolsa Escola e o Cartão Alimentação mencionados anteriormente. Essa ação de governo foi positiva e permitiu uma enorme economia de recursos com maior eficiência na gestão e no acompanhamento das famílias beneficiadas. Desde então os repasses variam de acordo com o perfil da família18, que deve ser cadastrada e se submeter à execução de contrapartidas na área de saúde, educação e capacitação para o mercado de trabalho.

Desde 2006, o Bolsa Família está presente em todos os municípios do Brasil e atende a um contingente de 11,1 milhões de famílias com transferências mensais da ordem de mais de R$ 850 milhões (US$ 380 milhões) com uma cobertura sobre toda a pobreza estimada no Brasil19.

18 A transferência mensal é de R$ 50,00, podendo chegar a R$ 95,00 dependendo do número de filhos 19 Dados de dezembro de 2005. Taxa de Câmbio calculada de R$ 2,20.

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Como programa mais geral de transferência de renda, o Bolsa Família combate a pobreza reservando outros esforços para o combate à fome, especificamente. Nesse particular e na linha da proposta do Fome Zero, diversos programas de alimentação estão sendo implementados nas cidades, de parte do governo federal, estados, municípios ou iniciativa privada. Vale mencionar os restaurantes populares, bancos de alimentos, hortas comunitárias, programas de educação alimentar etc. Nas áreas rurais, outras ações foram implementadas visando o apoio à agricultura familiar e a comercialização, construção de cisternas para o abastecimento doméstico de água, formação de estoques públicos e apoio à populações específicas. Entretanto dois programas de maior impacto merecem um destaque: a ampliação do apoio à merenda escolar (PNAE) e o programa de aquisição de alimentos (PAA).

O PNAE atende todo o contingente de estudantes das escolas públicas até os 14 anos de idade. Em muitas localidades, a merenda servida para os estudantes nas escolas é a única refeição do dia. Com o Programa Fome Zero, houve um aumento de dos valores repassados às escolas de quase 100%, embora esse ainda seja insuficiente nas áreas mais pobres. Ao mesmo tempo, ampliou-se a fiscalização desses recursos visando a redução dos casos de desvio e também o cumprimento das exigências colocadas de complementação dos mesmos através de recursos municipais. Para casos especiais como de escolas indígenas e de comunidades negras (Quilombos) foram criados programas especiais com valores mais elevados.

O PAA, por sua vez, é um programa que visa a compra da produção de agricultores familiares para a formação de estoques públicos e repasse a programas de alimentação. A compra do produto é feita por um adiantamento do governo ao produtor, segundo o preço mínimo estabelecido, sendo esse produto utilizado na própria região na merenda escolar ou para entidades assistenciais. Do início de 2004 até junho de 2005 foram gastos R$400 milhões20 em compras sem licitação e sem burocracia de pequenos agricultores, movimentando a economia local e permitindo que os preços agrícolas nas regiões de atuação do governo experimentassem uma reação. Esse foi o caso, por exemplo, do leite fluido comprado em algumas regiões do Nordeste que atingiu o montante de 800 mil litros/dia. O programa atualmente atende um contingente de 130 mil produtores cadastrados fechando o circuito de produção e dinamizando a economia de algumas regiões.

Problemas e Necessidades

Embora o Programa de Segurança Alimentar e Nutricional brasileiro tenha avançado em todas as áreas e tenha mostrado resultados a partir das avaliações realizadas21, ainda existem diversos problemas a serem contornados. Em 2006, o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, responsável pelo PFZ, contabilizou o quinto maior orçamento do governo federal (logo atrás das áreas de saúde, defesa, trabalho e educação), embora esses valores sejam insuficientes para os programas de combate à fome. Estima-se que sejam necessários aproximadamente US$ 4 bilhões/ ano para atender as metas do Bolsa Família.

Segundo publicação recente da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, 2005), o Brasil gasta atualmente 22,3% (24,4% em 2001) do orçamento federal na área social, o que é bastante elevado em relação a outros países como a Japão (20,4%), Coréia (10,4%), Estados Unidos (19,5%) ou Canadá (23,4%)22. Esse elevado percentual não se traduz em grandes benefícios, principalmente para a população de

20 Aproximadamente US$174 milhões. 21 Conforme a PNAD – Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar de 2004 do IBGE 22 Dados de 2001

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renda mais baixa. No Brasil, aproximadamente 40% desse montante é dirigido para o pagamento de pensões. Há também um problema de focalização fazendo com que parte importante dos gastos sociais do governo seja apropriada pela parcela mais rica da população. Não há dúvida que o aumento do gasto em programas de segurança alimentar independe de outros gastos, que muitas vezes são direitos constitucionais obtidos por parcelas da população. Entretanto uma discussão mais geral sobre o destino dos recursos governamentais passa também, ao menos politicamente, por uma discussão sobre prioridades.

Assim, embora alguns ministérios sejam mais beneficiados que outros pela política de combate à fome, torna-se fundamental discutir a estratégia integrada de governo como um todo. Nesse particular, enquanto alguns programas fundamentais para a estratégia de segurança alimentar no Brasil nem saíram do papel, outros se encontram totalmente sem rumo. Esse é o caso dos programas na área de abastecimento de alimentos, sendo que o governo federal conta com uma rede de 31 Centrais de Atacado distribuídas pelo Brasil. Esse também é o caso da Educação Alimentar, elemento fundamental para a mudança e promoção de hábitos alimentares mais saudáveis entre a população. O programa de Educação Alimentar, até o momento se resumiu em algumas ações isoladas sem conteúdo e sem articulação. O mesmo pode ser mencionado quanto ao programa de ampliação do PAT – Programa de Alimentação do Trabalhador, representativo para a alimentação dos trabalhadores de baixa renda nos locais de trabalho.

Por último, temos que reforçar a necessidade de ampliar a participação social e o controle sobre os programas, inclusive os programas de transferência de renda. No Brasil há um evidente desgaste da atuação de conselhos municipais, locais, comitês etc., para a gestão de programas públicos23. Não seria, portanto, com a criação de mais um conselho que se poderia prover o verdadeiro sentido do “empoderamento”24 para o uso dos recursos destinados aos programas de segurança alimentar. O que falta nesse conjunto de programas é uma maior participação popular nas decisões quanto a prioridades de investimentos públicos e na avaliação dos resultados. Só a correta avaliação dos efeitos dos programas, sem o efeito distorcido causado pelos administradores e sem o viés tecnicista de empresas de consultoria com critérios artificiais, poderá apontar para as verdadeiras portas de saída para a pobreza e para os bons resultados em termos de combate à fome. Considerações Finais

Vimos nesse artigo que a abordagem da Segurança Alimentar e Nutricional permite ampliar o quadro estreito dos programas sociais tradicionais, reconhecendo que a população em situação de risco pode ser maior do que aquela normalmente identificada. Foi mostrado também que as políticas de Segurança Alimentar e Nutricional devem trabalhar a necessidade de dar acesso aos alimentos para os grupos inseguros atendendo as dimensões da quantidade, qualidade e regularidade no consumo de alimentos. Vale acrescentar que o consumo de alimentos deve ser feito de forma digna, isto é, assegurando que as pessoas possam se alimentar com cidadania sem que sejam tratadas com rações, pílulas e outras fórmulas muito utilizadas nos programas de combate à desnutrição.

Vimos que o PROGRESA resgata o capital humano como mediação para se superar as condições de pobreza e falta de oportunidades para formação individual e familiar básica. Para 23 Segundo Informação de Prof. Ricardo Abramovay no Workshop Internacional “Estratégias de Combate à Pobreza Rural: Situação e Perspectivas”, realizado na Unicamp, Campinas nos dias 21 a 23 de novembro de 2005, existiam no Brasil um total de 27 mil conselhos para um conjunto de 5.642 municípios, em 1999. 24 Ver a respeito Oakley & Clayton(2003)

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tanto focaliza ações em educação básica, no tocante à nutrição nos primeiros 6 anos de vida, bem como processos de vigilância e controle do desenvolvimento das crianças e mulheres grávidas. Tais desafios tornam o PROGRESA um programa que busca a integralidade requerida para a formação da pessoa a melhoria de sua produtividade, processo este visualizado a partir de mudanças inter gerações.

Em suma, PROGRESA é um programa inovador que poderia ser aplicado em outros contextos latino-americanos; a lacuna que haveria de se saltar diria respeito às limitações de caráter econômico, social e político nas quais operam as políticas de cada governo, limitações que se refletem no nível o orçamento destinado ao PROGRESA ou outros programas similares, evitando que sejam orçamentos fixos e limitados. A prioridade neste tipo de intervenção aponta no sentido de que os recursos sejam suficientes para eliminar por completo a pobreza nas áreas de influencia do programa. A proposta que se advoga no Programa, para atacar os problemas relacionados com a pobreza e a alimentação, abarca um cenário de curto, médio e longo prazos, seguramente elemento essencial para o México como outras latitudes da América Latina.

O diagnóstico da segurança alimentar apontou, ainda, que o problema brasileiro está assentado na absoluta falta de poder aquisitivo por parte de quase um terço da população para a manutenção da sua sobrevivência. Ao contrário de outros países pobres, o Brasil não tem problemas quanto à oferta de alimentos, esses estão disponíveis mas não são acessíveis à população de renda mais baixa. Por outro lado, estimou-se, com base nos dados de 2001, que se o contingente de 46 milhões de pessoas em situação de risco fosse incorporado imediatamente ao mercado de consumo haveria uma demanda extra de alimentos e áreas produtivas gerando emprego e renda justamente para as famílias mais vulneráveis. Isso quer dizer que um programa integrado como se propõem no Fome Zero promoveria não apenas o lado do consumo como o lado da produção dando origem a um círculo virtuoso de crescimento.

Do ponto de vista social, as ações propostas pelo Fome Zero também poderiam proporcionar chamado “empoderamento” da comunidade. Ou seja, através do sistema de transferência de renda condicionada, em que as famílias recebem diretamente os recursos através de um cartão magnético e não há interferência direta do poder público local, as famílias e representantes da sociedade civil poderiam decidir e controlar a situação dos beneficiários dos programas.

A implementação de um programa de tal ordem no Brasil representa uma grande ruptura com as políticas focalizadas e assistências que ocorriam no passado. Nesse particular, o Brasil está incorporando diversas inovações nos seus programas sociais, o que tem provocado um grande entusiasmo entre os técnicos das agências da ONU responsáveis pela viabilização dos “Objetivos do Milênio”25. Com a ampliação e massificação do Programa Bolsa Família, componente do Fome Zero, o número de domicílios sem renda se reduziu em 18,3% entre 2003 e 200426. Entretanto ainda existem muitos problemas a serem resolvidos – tanto do ponto de vista da gestão pública quanto dos recursos disponíveis necessários – para que se possa considerar o Programa Fome Zero do Brasil como um exemplo acabado de Política de Segurança Alimentar.

25 “Objetivos de Desarrollo del Milenio: una mirada desde América Latina y el Caribe” publicado pela CEPAL em julho de 2005. 26 Ver esse respeito as notícias veiculadas em 10/01/2006 na página http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=1722&lay=pde . Vale lembrar no entanto que ano de 2004 foi também um ano de crescimento e aumento da ocupação. Naquele ano houve um acréscimo de 2,7 milhões de trabalhadores ocupados o que pode também ter elevado a renda dos mais pobres.

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