segundo ciclo estudos do lazer

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    O SEGUNDO CICLO DOS ESTUDOS DO LAZER NO BRASIL (1968-1979)

    Prof. Dra. Elza Margarida de Mendona Peixoto

    Prof. Dra. Maria de Ftima Rodrigues Pereira

    Resumo:

    O levantamento, catalogao, compilao e anlise da produo do conhecimento referente aosestudos do lazer no Brasil vm permitindo a organizao desta produo em cinco ciclos. Estetexto dedicado ao estudo das mltiplas determinaes histricas da produo do conhecimentono segundo ciclo. Este se compe de um conjunto de 83 obras produzidas entre 1968 e 1979dedicadas s temticas prticas, polticas, formao e produo de conhecimento. Recorre-se anlise da conjuntura histrica caracterizada pelo crescimento da populao, pela migrao paraos centros urbanos com conseqente inchao populacional para se entender o significativo

    aumento dos trabalhos referentes a polticas sobre o tempo livre, contextualizada na expansodo trabalho intensivo e expropriao do trabalhador brasileiro e no regime poltico da DitaduraMilitar Civil. Aponta-se o surgimento, ainda tnue, da temtica da era do lazer, tratada j comintensidade pelos socilogos do primeiro adeus ao trabalho, na Frana, Inglaterra, Alemanha,Estados Unidos e que no Brasil, em tempos de "uma sociedade do trabalho", comeam a serconhecidos e seguidos. Questiona-se se a defesa da era do lazer no se constitui no ataque aotrabalho por parte do capital e negao da luta de classes.Palavras-chave: estudos do lazer, produo do conhecimento, modo de produo, histria,

    trabalho e tempo livre.

    Introduo

    O levantamento, catalogao, compilao e anlise da produo do

    conhecimento referente aos estudos do lazer no Brasil vm permitindo a organizao

    desta produo de acordo com (1) os perodos histricos nos quais ocorre; (2) as

    temticas e problemticas predominantes (prticas, polticas, produo do

    conhecimento, histria, formao); (3) os autores que produzem conhecimento; (4) os

    referenciais que so adotados; (5) os meios nos quais esta produo disseminada.

    Consideramos que esta organizao acompanhada de anlise, central para o (a)mapeamento do estgio de desenvolvimento da produo, para (b) a identificao de

    problemticas significativas ainda no abordadas, e para (c) a explicao das

    motivaes histricas que a justificam.

    No processo de organizao e estudos desta produo, temos dado ateno

    especial sua localizao histrica, perguntando-nos: o que caracteriza esta produo,

    em qual movimento histrico ocorre e a qual realidade responde? Orienta-nos o

    entendimento de que a produo do conhecimento deve ser explicada luz dascondies objetivas nas quais produzida: e estas condies esto no prprio modo

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    como os homens produzem sua existncia. Assim, consideramos, em primeiro lugar, as

    caractersticas gerais da produo, para, em seguida, localiz-la e situ-la no contexto

    das relaes de produo, explicveis, por sua vez, nos embates e disputas decorrentes

    do estgio de desenvolvimento das foras produtivas.

    O levantamento bibliogrfico, sua organizao cronolgica e a anlise das

    principais temticas e problemticas, realizados at o momento, permitem afirmar a

    existncia de 04 grandes ciclos da produo do conhecimento, localizados entre 1891 e

    2006. O primeiro entre 1891 e 1969, o segundo entre 1969 e 1979/80, o ciclo entre

    1979/80 e 1990, e o quarto entre 1990 e 2006. possvel afirmar, ainda, que o eixo da

    produo do conhecimento em todo o sculo XX e no incio do XXI tem sido a

    preocupao com a ocupao do tempo livre da classe trabalhadora.

    1. Os estudos do lazer no segundo ciclo

    O ciclo localizado entre 1969 e 1979, marcado pela publicao de 83 trabalhos

    em 10 anos, em uma mdia de 8,3 trabalhos/ano, apresenta fluxo e volume de trabalhos

    ao ano superiores ao primeiro ciclo, como perceptvel no grfico abaixo:

    Nesta dcada temos a primeira exploso na produo do conhecimento

    referente aos estudos do lazer, com 83 publicaes. O marco do segundo ciclo da

    produo do conhecimento dos estudos do lazerno Brasil o clssicoAs dimenses do

    lazer(REQUIXA, 1969). um ciclo marcado por intensos debates quantos aos usos do

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    tempo livre, quanto distino entre lazer e cio e a relao entre estes e o trabalho,

    com supervalorizao do primeiro termo (REALE, 1980; SANTANNA, 1994), dando-

    se continuidade ao projeto de conformao da classe operria no Brasil.

    Entre os trabalhos, os autores e as temticas presentes na produo nesteperodo, encontramos:

    Autores Ttulo/Ano

    ABERASTURY, Arminda A criana e seus jogos (1972)

    ACHO, Angel Walter Bernal e AKEL,Ornar

    Por uma viabilizao de espaos urbanos de lazer (1974)

    A exploso recreativa dos jogos (1977)ALMEIDA, Paulo Nunes de.

    Dinmica ldica, tcnicas e jogos pedaggicos (1974)

    ALVES, Sandra Maria da Cunha. Brincar - o trabalho da criana (1979)

    AUGRAS, Monique. O carter subjetivo do lazer (1975)

    BRANDAO, C. R. A Festa do Santo de Preto (1978)

    BRANDO, Theo. Artesanato e turismo (1978)BURLE MARX, Roberto. reas verdes e lazer (1974)

    CACCIA-BAVA, Augusto O tempo de lazer no espao urbano (1975)

    Lazer e preservao do patrimnio cultural (1978)CAMARGO, Luiz Otvio de Lima.

    Recreao pblica (1979)

    CASTELLO BRANCO, Alpio Pires. Educao, lazer e vida urbana (1973)

    CAVALCANTI, Katia Brando. A dinmica produtora do lazer segundo Dumazedier(1978)

    COSTA, Maria Helosa Fnelon. H lazer entre os carajs? (1975)

    CUNHA, Maria Antonieta Antunes Educao e lazer (1979)

    A feira nacional de cultura popular (1977)

    Os clubes de So Paulo (1977)

    CUNHA, Newton.

    Cavalhadas, uma festa popular? (1977)

    DA COSTA, Lamartine Pereira O esporte para todos (1975)ESCOBAR, Gleide Carolina ndio e. O lazer como preveno da anomia (1976)

    Um assunto atualssimo: os tempos sociais (1971)FREYRE, Gilberto.

    Tempo, cio e arte: reflexes de um latino-americano emface do avano da automao (1970)

    Lazer: beno ou maldio? (1970)

    Recreao (1979)

    Recreao Pblica em Porto Alegre: evoluo histrica(1975)

    O recreio na escola de primeiro grau (1979)

    GAELZER, Lenea.

    As atividades de grupo na recreao: formao de clubes(1978)

    GOMES TUBINO, M.J. Colnia de Frias (1973)

    GREINER, Ernst. Tempo livre e liberdade (1977)

    GUIDI, J. Juventude e lazer: O lazer no contexto scio-cultural deBraslia, na faixa etria de 18 a 20 anos (1975)

    LINSON, Emile Derlon O lazer um problema nos pases em desenvolvimento?(1975)

    Educao Fsica, recreao e jogos (1971)

    Razes etmolgicas, histria e jurdica do lazer (1979)

    MARINHO, Inezil Penna

    Introduo a Lazer: beno ou maldio? (1979)

    Sistema urbano de recreao: necessidade de pesquisa(1970)

    Play: the joy of learning. Children at Play (1978)

    L jeu dans ls tablissements humains (1978)

    Training leadership for leisure programs as a significantpart of development projects (1978)

    The needs for planning for leisure in developing countries(1976)

    MEDEIROS, Ethel Bauzer

    O municpio e a recreao (1976)

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    Lazer", "recreao e "principais tipos de atividadesldicas infantis" (1975)

    Recreao (1975)

    O lazer no mundo atual (1974)

    O educador e a atividade criadora (1972)

    Prefcio (1972)

    Atividades ldicas populares (1971)O lazer no planejamento urbano (1971)

    Brincar: uma das ocupaes mais srias da infncia (1979)

    Valor da recreao nos pases em desenvolvimento (1974)

    Lazer: necessidade ou novidade? (1975)

    MERQUIOR, Jos Guilherme. Lazer na sociedade: da tribo automao (1975)

    MIRA, Maria Helena Novaes. Lazer na educao dos bem-dotados (1975)

    MOREIRA, Berenice Fialho &MEDINA, Carlos Alberto de

    Lazer e educao infantil em conjunto habitacional (1977)

    MORI, Klara Kaiser Urbanizao e Tempo Livre (1973)

    OMENA, Carmen Lucia Barbosa de. Uma experincia em feira de lazer (1977)

    OTO, Jos. A educao permanente e o lazer (1973)

    PARENTE FILHO, Jos Incio de S. Lazer e psicologia preventiva (1978)

    PATLAJAN, Thema. Urbanizao e Lazer (1978)PEREIRA, Jesus Vazquez Lazer e educao permanente (1979)

    O lazer e a civilizao urbana (1976)

    O lazer e a civilizao urbana (1974)

    O lazer no Brasil (1977)

    Lazer e ao comunitria (1973)

    REQUIXA, Renato

    O lazer na grande cidade e os espaos urbanizados (1977)

    RIOPARDENSE, Francisco de Macedo O uso do tempo e o equipamento urbano de recreao(1970)

    RODRIGUES, Mrio Amaral eLUBACHEWSKI, Jlio

    Lazer (1974)

    ROSAMILHA, Nelson. Psicologia do jogo e aprendizagem infantil (1979)

    SAIO, Silvia. Os bares como Lazer (1977)

    Bibliografia (1978)Bibliografia (1977)

    Bibliografia bsica de Lazer (Europa e Estados Unidos)(1977)

    Sem autor

    Bibliografia (1979)

    SILVA, E. Pithan Recreao (1971)

    STRAMANDINOLI, Ceclia Torreo. Aspectos psicolgicos do lazer (1971)

    Perspectivas do lazer na prxima dcada (1977)TEIXEIRA, Gilberto.

    O potencial de campismo como atividade de lazer (1978)

    TORRES, J. C. de Oliveira. A trplice raiz do lazer coletivo (1972)

    TOTTA, Zilah Mattos. Pedagogia do lazer (1977)

    Encontro de Varna - um congresso da UIA sobre o lazer(1972)

    Para uma arquitetura do lazer (1973)

    Triste tempo livre (1974)

    YURGEL, M

    Anhangaba: o vale do lazer (1974)Quadro 1 Autores, Ttulos dos Trabalhos e ano, e temticas

    A anlise dos trabalhos permite afirmar que as temticas presentes neste ciclo

    so Prticas, Polticas, Formao, Produodo ConhecimentoeHistria. O volume de

    produo por temtica apresenta-se da seguinte forma:

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    Grfico 2 Volume de Produo por temtica durante o Segundo Ciclo dos Estudos do Lazer no Brasil

    possvel observar a predominncia de polticas e prticas (84,1%), sendo que

    43,9% para polticas e 40,2% para prticas, em relao s outras temticas. No primeiro

    ciclo polticas compunha 20,51% do total de trabalhos enquanto prticas alcanavam

    47,44%. O aumento da produo do conhecimento sobre polticas sugere interesse

    crescente de interveno no tempo livre.

    2. A oferta de servios e a produo do conhecimento:

    O significativo aumento das preocupaes com o tempo livre levou, durante a

    Ditadura Militar Civil(1964-1985) : (1) consolidao da rede nacional de prestao de

    servios sociais (e, em especial, de ocupao do tempo livre) o Sistema S fundado

    no ciclo anterior; (2) preocupao com a formao de profissionais voltados ao

    atendimento dos objetivos desta rede de prestao de servios; (3) apropriao dos

    referenciais europeus e americanos no campo da sociologia do lazer; (4) conseqente

    apropriao dos embates tericos travados entre os referenciais europeus,

    principalmente, no campo da sociologia, essencialmente, no que toca crtica marxista

    sociologia do lazer; (5) crtica produo do conhecimento referente aos estudos dolazer(FALEIROS, 1980; OLIVEIRA, 1986; CUNHA, 1987); (6) expanso das polticas

    para a ocupao tempo livre e organizao dos espaos urbanos.

    Renato Requixa (1977, p. 89-111) apesar de reconhecer a existncia de

    trabalhos sobre o tema publicados j nas dcadas de 50 e 601, estabelece como marco

    1 O autor refere-se aos trabalhos de Oswald de Andrade (A crise da filosofia messinica, 1950); de Accio Ferreira (Lazer

    Operrio, 1959); de Gilberto Freyre (1966); Jos Vicente de Freitas Marcondes (Trabalho e lazer no Trpico, 1966); JooCamilo de Oliveira Torres (Lazer e Cultura, 1968). O autor entende que estes trabalhos surgem em decorrncia da percepodos cientistas acerca de um problema emergente: o lazer nos centros urbanos, mas o evento do SESC que projeta o problemaem todo o Brasil (REQUIXA, 1977, p. 89-92).

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    para a conscincia social sobre a problemtica do lazer no Brasil o ano de 1969 quando

    pela primeira vez aconteceu um seminrio sobre o lazer:

    A importncia social do lazer, como necessidade de criao de recursos para sua prtica,ou como relevncia de seu estudo, emergiu conscincia social brasileira em 1969, na

    cidade de So Paulo. Nessa data, a Secretaria do Bem-Estar do Municpio de So Paulo, eo Servio Social do Comrcio SESC, de So Paulo, promoveram um congressointitulado Seminrio sobre Lazer, cujo subttulo era Perspectiva para uma sociedadeque trabalha. Buscavam legitimar-se face ao trabalho e buscar um novo consenso?Humanizar a cidade e o capitalismo? (REQUIXA, 1977, P. 89-111).

    O Crescente interesse pelo tema passava a estar relacionado com o processo de

    crescimento e urbanizao da populao brasileira e com a necessria ateno por parte

    do Estado atravs de formulao de polticas para o lazer:

    Tal fato no significa a inexistncia anterior de estudos e trabalhos sobre o lazer. Alguns,do mais alto valor cientfico, antecederam de muito o referido Seminrio. Esses estudosforam provocados pela situao vivida pelas cidades brasileiras, que comeavam aapresentar altas taxas de crescimento demogrfico, e cujos servios pblicos noofereciam uma resposta adequada demanda. Os trabalhos em referncia, de notvelpioneirismo, tambm representavam uma anlise crtica da poca (REQUIXA, 1977, p.89).

    O Seminrio sobre Lazer: Perspectiva para uma sociedade que trabalha foi

    realizado na cidade de So Paulo, entre os dias 27 e 30 de outubro de 1969.

    Dessa forma, a anlise crtica da situao do lazer, no Brasil, que partiu da preocupaode alguns cientistas e pensadores brasileiros, com o Seminrio de 1969, ganharessonncia social mais ampla, pois o assunto passa a ser tratado de forma institucional. Oagravamento manifesto da qualidade de vida na cidade de So Paulo colocaria em foco oproblema do lazer. Naquele momento surge o brado de alerta institucionalizado. Discute-

    se a carncia do lazer dos milhes de habitantes de uma cidade lotada, de forma quaseunidirecional, para a valorizao da moral do trabalho e, ao mesmo tempo, busca-sesolues, para a criao de recursos para a prtica do lazer e para a continuadapreocupao intelectual atravs de pesquisas e estudos sobre o tema.As duas entidades promotoras do Seminrio estavam ligadas rea do social, na cidadede So Paulo: uma, de natureza pblica: a Secretaria do Bem-Estar Social, da Prefeiturade So Paulo: e, a outra, de natureza particular: o Servio Social do Comrcio SESC,Administrao Regional no Estado de So Paulo.Mais uma vez confirmava-se a proposio de que o lazer produto do prprio processode desenvolvimento industrial. na cidade de So Paulo, a mais industrializada cidade dopas, onde o aspecto trabalho apresenta ntima conexo com a prpria vida da cidade, queo lazer como tema haveria de impor-se, como aconteceu, com significativa importncia.Assim, o lazer, como problema geral, emerge conscincia social brasileira nessemomento, e vai adquirindo progressiva importncia social e poltica no pas.

    So Paulo apresentou institucionalizadamente, pela primeira vez, a idia de se procurarampliar o conhecimento das possibilidades que as horas livres oferecem para milhares detrabalhadores (REQUIXA, 1977, p. 91-92).

    Por sua vez, Denise SantAnna vai atribuir destaque especial ao perodo 1969-

    1979 para a compreenso do interesse pelo lazer. Na introduo ao seu O pazer

    justificado (1994), que optamos por citar longamente, a autora dir:

    Este estudo fruto de nossa perplexidade diante da crescente problematizao que asquestes relativas aos usos do tempo livre frias, finais de semana e de todo o tempodestinado por lei ao descanso e diverso, do trabalhador alcanaram na cidade de SoPaulo entre os anos de 1969 e 1979.

    Tal problematizao atravessou diversas instncias e segmentos sociais, contribuindopara relacionar mais sistemtica e assiduamente o domnio do ldico, das relaes sociais

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    informais, dos encontros e atividades no necessariamente ligados ao trabalho, esferapoltica econmica.Em meio paisagem endurecida da ditadura militar dos anos 70, que inscreveu emnossos corpos as marcas da represso poltica e do arrocho salarial, que deixou suasmazelas no campo social, cultural, econmico e poltico de todo o pas, irrompeu umaproliferaao discursiva das vantagens e da importncia de determinadas atividadesldicas, de certos espaos de descanso e de diverso que, gradativa e desigualmente,

    imps suas mltiplas vozes e ganhou novos espaos na imprensa, nas discussesinstitucionais, na fala de polticos e empresrios.A primeira impresso que temos ao lanar nossas atenes sobre esta poca a de quevivamos simufneamente dois movimentos distintos e opostos; por um lado, a exaltaoa uma srie de contedos do tempo livre permeads~de ludicidade e, por outro, a nfaseno trabalho preconizada pelo Governo Militar e fortalecida com a poltica econmica do"Milagre Econmico", que contribuiu para reduzir drasticamente o tempo livre da maiorparte dos assalariados. Assim; poder-se-ia imaginar que a exaltao a determinados usosdo tempo livre, a recomendao e a legitimao de certas atividades e espaos dediverso consistiam num lado a salvo do rosto plido da ditadura militar.No entanto, ao longo deste estudo, percebeu-se que a preocupao com as questes dotempo livre, principalmente na cidade de So Paulo, no emergiu de posiesdescompromissadas com a manuteno dos valores ecnmicos vigentes, nem foiimplementada em funo de interesses contrrios ao desenvolvimento da poltica

    institucional dominante.O que a pesquisa deixou transparecer, em meio promoo de certos usos do tempo livre,foi o carter de urgncia que investiu as questes relacionadas de algum modo, ludicidade e ao descanso do trabalhador. Um nmero maior de instituies privadas esetores da administrao paulistana se voltava para o conhecimento dos usos do tempolivre da populao e, ao mesmo tempo, buscava produzir tcnicas, parmetros e todo uminstrumental destinado a administrar estes usos; o que contribuiu para retir-los dasombra do mundo domstico e explicit-los luz dos questionamentos cientficos eracionais, traduzindo-os sob a direo institucional, em espaos coletivos, como colniasde frias, centros recreativos, ruas de lazer, etc.[...]... na dcada de 70, alastraram-se por setores at ento pouco permeveis sua influnciauma preocupao com o lazer e um movimento de inspeo dos usos do tempo livre dotrabalhador, especialmente nos grandes centros urbanos. Foi produzida uma concepo delazer mais aberta a intervenes mdicas, polticas e institucionais diferentes. Tcnicos e

    estudiosos erigiram um conceito de lazer que visava a tornar til e valoroso o ldico e odescanso a interesses dos mais diversos: indstria da moda, aos meios de comunicaode massa, disciplina do trabalho, aos objetivos governamentais, etc. Nesta poca, no seinventou o lazer mas, certamente, foi nela que inmeras prticas ldicas tenderam a serexaminadas e mais assiduamente segundo mtodos cientficos especficos e a sertransformadas numa disciplina racional, num conceito, capaz de operar diferentes formasde administrao e promoo do ldico, que se chamou de lazer (SANTANNA, 1994, p.9-10).

    Os dois autores, no sem razo conforme demonstrado no Grfico 1, vo dar

    destaque ao aumento do volume do interesse pela problemtica do lazer na dcada 70.

    Cabe acentuar, no entanto, que as afirmaes que vo atribuir ao perodo em discusso o

    momento da institucionalizao da preocupao com o lazer perdem sua fora ante os

    estudos de Gomes (2003) e Marcassa (2002) que demonstram, juntamente com nosso

    levantamento, a existncia de preocupaes com a ocupao do tempo livre no incio do

    sculo XX, com grande probabilidade de ser localizado j no sculo XIX. O que

    Requixa, SantAnna, Gomes e Marcassa nos provocam a dizer que a dcada 70, nos

    estudos do lazer, apresenta, sem dvida, um salto quantitativo e qualitativo com relao

    ao perodo anterior. Este salto quantitativo e qualitativo, como bem o descreve

    SantAnna, caracteriza-se pelo nmero expressivo de trabalhos e, sobretudo, pela

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    conotao cientfica e racionalizada que vai acentuar-se na produo do conhecimento.

    No longo trecho citado acima, SantAnna apresenta as bases objetivas que

    explicam e justificam o aumento da produo do conhecimento nesta dcada. Neste

    segundo ciclo, prioriza-se o aprimoramento terico conceitual e a ampliao dos estudosempricos sobre o lazer de modo a permitir o conhecimento dos usos do tempo livre,

    configurando-se planos, pesquisas e programas incentivadores de novas formas de

    praticar o ldico, de aproveitar o tempo livre e nele ter prazer (SANTANNA, 1994, p.

    38).

    A produo do conhecimento neste segundo ciclovai ser impulsionada pelo

    CELAR (1973-1978, Porte Alegre) e pelo CELAZER/SESC de onde saem os autores

    que vo deflagrar a produo deste segundo ciclo e formar os quadros que seroresponsveis pelos terceiro e quarto ciclos da produo do conhecimento brasileira2.

    Observa-se, ainda, que alm da produo oriunda do SESC e da PUCRS, intelectuais de

    projeo nacional pronunciam-se acerca do problema (FREYRE, 1970; 1971).

    A contribuio destes dois centros de estudos bastante diferenciada. O

    CELAR Centro de Estudos do Lazer (1973-1978) foi criado em um processo de

    ampliao das polticas pblicas voltadas para o lazer implementadas pela

    Administrao Pblica de Porto Alegre, atravs da Secretaria Municipal de Educao e

    Cultura para, entre outras atribuies, administrar os Centros de Comunidade

    segundo um contrato de prestao de servios entre a prefeitura de Porto Alegre e a

    PUC. A inteno era gerar um terceiro setor que viabilizasse a operacionalizao dos

    Centros de Comunidade sem os entraves oriundos da estrutura burocrtica das

    prefeituras3. Tratava-se de um projeto integrado de pesquisa, formao e prtica

    profissional. As aes do CELAR comeam com um Encontro Estadual sobre Lazer

    (1974) e com o Curso de Especializao em Lazer(1975-1976), com carga horria de465h. Ktia Brando Cavalcanti participa deste curso, produzindo a monografia O

    Semilazer no Trabalho do Animador (19764). Atuaram no CELAR Zillah Totta, Liz

    Cintra Rolim, Lenea Gaelzer (convidada), Luiz Oswaldo Leite, Lcia Castilho, Wilmar

    Figueiredo de Souza (GOMES, 2003).

    2 Esta informao est disponvel em Requixa (1982); em Mascarenhas (2005a, p. 4); Werneck (2002). Alguns resultados dostrabalhos desenvolvidos no CELAZER podem ser obtidos com a leitura dos Cadernos de Lazer publicados em uma parceria

    entre o SESC e a Editora Brasiliense (1977, 1978)3 Para mais detalhes, ver Werneck (2002)4 Orientador: Suzana Kilpp. Fonte: Currculo da Plataforma Lattes.

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    O SESC, por sua vez, para alm da atuao na prestao de servios em lazer,

    tambm estruturou o CELAZER Centro de Estudos do lazer e da Recreao (1979),

    atuando na dcada de 70, especialmente a partir de 1974, como editor. Publica o

    Boletim de Intercmbio; os Cadernos de Lazer; a Srie Lazer da Biblioteca Cientfica

    SESC entre outras obras dos intelectuais a ele ligados. Volta-se principalmente para a

    formao do pessoal que atua nas vrias unidades do SESC espalhados pelo Brasil, mas

    suas produes so enviadas para as Bibliotecas Universitrias5. Compunha os

    Cadernos de Lazeruma seo nomeadaBibliografiana qual eram listados os principais

    trabalhos produzidos no exterior sobre a temtica (CADERNOS DE LAZER, 1, 2, 3, 4,

    1977 e 1978). Alguns dos quadros formados pelo Servio Social do Comrcio viro,

    principalmente na dcada de 90, a participar da formao de profissionais graduados e

    ps-graduados pelas Universidades Brasileiras. Atuaram profissionalmente no Sistema

    S, profissionais e professores renomados como Nelson Carvalho Marcellino (SESC,

    1975-1983); Ktia Brando Cavalcanti (SESC, 1977-1979)6; Luiz Octvio de Lima

    Camargo (SENAC, 1995-2005; SESC Coordenao do CELAZER, 1979)7. Paulo de

    Salles Oliveira (SESC, 1980-1983, Assistente do Coordenador do Centro deEstudos do

    lazer)8; Luiz Wilson Pina (08/1975 a 06/2003 SESC So Paulo atualmente encontra-

    se no SESC Rio de Janeiro)9. Newton Cunha funcionrio do SESC no momento10.

    Victor Andrade de Melo (03/1994 a 2/1995 SESC-Pompia - 3 meses como temporrio

    e o restante como efetivo concursado)11. Luiz Gonzaga Godi Trigo (1994/2004, vrias

    atribuies)12.

    Neste segundo ciclo, alm do encontro j referido em 1969, encontramos o I

    Encontro Nacional sobre Lazer (Cultura, Recreao e Educao Fsica)13, realizado

    pelo SESC e patrocinado peloMinistrio do Trabalho, que ocorre no Rio de Janeiro de

    24 a 29 de agosto de 1975 com trabalhos disseminados em ANAIS. Em 1976, o SESC

    promove o I Encontro Nacional de Recreao, tambm realizado pelo Departamento

    Nacional da entidade no Rio de Janeiro, reunindo as experincias de seus

    5 Localizamos os Cadernos de Lazer entre os peridicos da Biblioteca Otavio Ianni do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas daUNICAMP.

    6 Fonte: Currculos da Plataforma Lattes, 23 de Janeiro de 2006

    7 Fonte: Currculos da Plataforma Lattes, 23 de Janeiro de 2006; Cadernos de Lazer do SESC, N. 4, P. 29, 1979.

    8 Fonte: Boletim de Intercmbio, vol. 1, n. 4, 1980. Boletim de Intercmbio. Vol. 10, N1, P. 5, 1982.9 Fonte: informaes prestadas por correio eletrnico.

    10 Fonte: informaes prestadas por correio eletrnico.

    11 Fonte: depoimento pessoal por correio eletrnico.

    12 Fonte Currculo da Plataforma Lattes, 27/02/2006.13 Participaram deste evento Zilah Tota, Lamartine Pereira da Costa, Lenea Gaelzer, Jofre Dumazedier, Renato Requixa, Ruth

    Gouva.

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    Tabela 1: Evoluo da Populao Urbana no Brasil - 1940 a 2000

    Ano Populao Total (emmilhares)

    Total de crescimentoPopulao total %

    Populao urbana(em milhares)

    ndice de urbanizao

    1940 41.326 - 10.891 26,351950 51.944 2,3 18.783 36.161960 70.191 3,1 31.956 45,521970 93.139 2,9 52.905 56,80

    1980 119.099 2,5 82.013 58,861991 150.400 2,1 115.700 77,132000 169.555 1,6 137.700 82,0

    Fonte: IBGE

    O pacto entre trabalho e capital para a realizao da industrializao tinha

    comprido o seu papel. No fazia mais sentido lutar por ela(SAVIANI, 2007, p. 360).

    O rompimento do consenso entre o capital e trabalho, costurado sob o manto da

    ideologia do nacional desenvolvimentismo sinalizou a contradio de interesses no

    processo.

    Efetivamente, se os empresrios nacionais e internacionais, as classes mdias,

    os operrios e as foras de esquerda se uniram em torno da bandeira da industrializao,

    as razes que os moveram na mesma direo eram divergentes. Enquanto para a

    burguesia e as classes mdias a industrializao era um fim em si mesmo, para o

    operariado e as foras de esquerda, tratava-se apenas de uma etapa. Por isso atingida a

    meta, enquanto a burguesia buscava consolidar seu poder, as foras de esquerda

    levantavam nova bandeira: a nacionalizao das empresas estrangeiras, controle da

    remessa de lucros, royalties e dividendos e as reformas de base (tributria, financeira,

    bancria, agrria, educacional). Esses objetivos propostos pela nova bandeira de luta

    eram decorrncia da ideologia poltica do nacionalismo desenvolvimentista que,

    entretanto, entrava em conflito com o modelo econmico vigente(SAVIANI, 2007, p.

    360) prprio do capital na sua fase monopolista que no conhece fronteiras nem

    bandeiras.

    Entretanto, enquanto na Europa j se discutia o fim do trabalho, aqui se

    expandia trabalho intensivo e educao para tal. A burguesia, nesta fase de capital

    monopolista, associada estrangeira (final da dcada de 1950) ps, a seu servio, os

    frutos do trabalho e o incremento da expropriao do trabalho.

    A ditadura, 1964-1985, veio para consolidar, em favor do capital, o

    rompimento do consenso estabelecido para a expanso da industrializao e substituio

    de importaes.

    Em 1964, e na dcada de 1970 houve oferta de compra de trabalho, mas, aocusto que o capital quis, tratava-se, face s demandas, continuar a histrica acumulao

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    e expropriao do valor trabalho. A ideologia do Brasil-Potncia e do Milagre

    Econmicoapregoadas, sobretudo, a partir do I Plano Nacional de Desenvolvimento(I

    PNED), lanado em 1969, no governo Mdici, e seu ministro Delfim Neto, o mais duro

    da ditadura militar pelo uso da violncia institucionalizada, no se confirma para o

    trabalho quando levamos em conta o real valor do salrio mnimo, que diminui para

    metade entre 1960 e 1974, como podemos analisar na tabela que segue:

    Tabela 2 Evoluo real do salrio mnimoAno Valor Real Salrio Mnimo1940 100,001957 122,651960 100,301974 54, 801981 63,34

    Fonte: Dieese (AQUINO et ell, 2007, p. 740).

    A tendncia de diminuio do valor do trabalho foi acompanhada por: (1)

    aumento do tempo de trabalho para quase trs vezes mais, entre 1938 e 1973, para

    comprar a mesma quantidade de alimentos bsicos consumidos anteriormente; (2)

    precariedade das condies de trabalho que se tornaram-se cada vez piores, o Brasil

    tornou-se um recordista de acidentes de trabalho. Os inmeros casos registrados

    envolviam principalmente a engenharia civil, ficando famosos os relacionados com a

    construo da ponte Rio-Niteri, inaugurada em 1974 e considerada pelo governo como

    umMonumento Revoluo (AQUINO et all., 2007, p. 740); (3) aumento dos ndices

    de desnutrio que cresceram assustadoramente,

    [...] aspectos que os veculos de informao- ou desinformao- da ditadura fizeramtudo para ocultar. O pediatra Yvon Rodrigues, membro da Academia Nacional deMedicina, relatou ao jornal O Globo, em 1987, uma das faces que o regime a todo ocusto queria ocultar. Em 1974 um rgo do governo gastou 20 milhes de dlarespara investigar o que comiam os brasileiros. Foram entrevistadas 55 mil famlias, e oresultado foi to aterrador que se proibiu a divulgao dos resultados. Havia famliasque comiam ratos, crianas que disputavam fezes [...]. (CHIAVENATO, citado porAQUINO et al., 2007, p. 741).

    O Milagre Econmico para o capital foi acompanhado por subnutrio dapopulao, conforme demonstrado no quadro abaixo:

    Tabela 3 - Brasil: Condies de Vida: Desnutridos em Relao ao Conjunto da Populao

    Perodo Desnutridos % sobre populao1861 27 milhes 38%1974-75 72 milhes 67%1784 86 milhes 65%

    Fonte: IBGE (AQUINO et all., 2007, p. 74).

    O Estado com suas polticas de conteno do trabalho agiu, como se sabe,

    protegido pelos aparelhos repressores.

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    Portanto, o segundo ciclo 1968-1979 explica-se no contexto histrico dosAnos

    de Chumbo da ditadura militar (1964-1985), no perodo de maior represso

    correspondente ao fim do governo Costa Silva (1967-1969), ntegra do governo

    Garrastazu Mdici (1969-1975) o mais duro e repressor dos cinco governos militares

    e o governo Ernesto Geisel (1975-1980), j caracterizado por um abrandamento da

    atuao dos aparelhos de estado repressores, a anistia poltica em 1979.

    O golpe militar de 1964 consolidou um modelo de Estado marcado peloautoritarismo e caracterizado por uma dupla faceta: excludente no campo poltico assetores populares, mas defensor de um projeto de modernizao da economia comnuances nacionalistas, em que coube ao prprio Estado o gerenciamento eplanejamento desse modelo econmico.Para isso, o governo procurou, aps 1964, criar uma srie de planos que tinham porobjetivo delimitar as metas a serem seguidas. A partir da assistiu-se adoo dosseguintes planos governamentais: Programa de Ao Econmica do Governo(PAEG 1964-1966); Plano Decenal de Desenvolvimento e Social (1967-1976);programa Estratgico de Desenvolvimento(1968-1970);Metas e Bases para a AoGovernamental (1970-1972); alm dos trs Planos Nacionais de Desenvolvimento(1972-1985).A concretizao desta srie de propostas foi garantida pelo uso constante da LSN,que na prtica permitiu o cerceamento da sociedade brasileira atravs da censura dosmeios de comunicao, do atrelamento do Congresso Nacional aos interesses doExecutivo, alm da imposio de nova carta constitucional, que conferia umaexcepcionalidade de prerrogativas ao Poder Executivo.[...] o governo procurou ampliar a participao do capital internacional na economiabrasileira [...] o que configurou o predomnio de empresas estrangeiras no processode modernizao da economia. A conjuntura internacional marcada pelo aumento daacumulao de capital [...] favoreceu a expanso dos investimentos estrangeiros nopas (AQUINO et all, 2007, p. 697).

    Neste perodo, portanto, os militares promoveram um desenvolvimentoeconmico dependente do capital externo, com repercusses severas nas polticas

    sociais e, em especial, na poltica educacional. Estas novas diretrizes econmicas da

    ditadura militar contriburam para o fechamento de pequenas e mdias empresas, para

    a elevao dos ndices de desemprego e subemprego, para elevao do custo de vida e

    para a desnacionalizao da economia brasileira (AQUINO et all, 2007, p. 700).

    Frente a estas presses, a classe trabalhadora encontrava-se, em uma primeira fase,

    amarrada:

    O Estado Populista havia elaborado leis sociais regulamentando a relao entrecapital e trabalho, mas tambm podando a autonomia sindical, atrelando-as aosinteresses das classes hegemnicas, e diminuindo a capacidade de luta dostrabalhadores. Sob a ditadura militar, o operariado brasileiro passou a conviver comuma legislao restritiva no plano poltico. Esta legislao esvaziou seus mnimoscanais de participao poltica, ao mesmo tempo em que eram introduzidos novosmecanismos sociais implicando retrocessos diante da lei antes vigente (AQUINO etall, 2007, p. 694).

    Durante a ditadura, esta situao se agravou, pois a necessidade de garantir

    ao empresariado a existncia de mo de obra barata e disponvel resultou em um

    processo de destruio da estabilidade no emprego. O direito de estabilidade aps 10

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    anos de servio em uma mesma empresa foi substitudo pelo FGTS (Fundo de Garantia

    por Tempo de Servio) que, a partir da obrigatoriedade de o patro recolher 8% sobre o

    valor do salrio, capitaliza o sistema financeiro (AQUINO et all, 2007, p. 694).

    O projeto que orientou a instalao da Ditadura Militar de 1964 foi anecessidade de um Estado forte e poderoso como forma de alcanar o desenvolvimento

    econmico (GERMANO, 2005, p. 44). Este autor destaca essencialmente o pensamento

    de Ges Monteiro que sugeria um vasto elenco de medidas que iam desde a promoo

    da indstria nacional, especialmente de motores, avies, viaturas e siderurgias, at

    planos que envolviam a educao moral, cvica e fsica, a imprensa, a organizao

    sindical etc.. Enfatizava ainda o combate ao estadualismo, o reforo ao esprito de

    nacionalidade, a regulao da vida econmica, a reforma das instituies. Trata-se deum Estado autoritrio que aambarque mltiplas funes, desde a interveno e

    regulao da esfera econmica conduzindo o processo de industrializao at a

    educao cvica do povo. Germano destaca, ainda, a concepo de Ges Monteiro de

    que necessrio formar uma mentalidade nacional construtiva, estabelecendoem

    bases slidas, a segurana nacional, com o fim, sobretudo, de disciplinar o povo e

    obter o mximo de rendimentos em todos os ramos da atividade pblica (GERMANO,

    2005, p. 44-45).

    A Ditadura de 1964 tinha a tarefa de consolidar a ordem burguesa implantada

    entre 1930 e 1964, ameaada pelo avano democrtico.

    ... tem sido uma praxe das classes dominantes brasileiras, em diversas ocasies, bater sportas dos quartis, em momentos de crise, para salvaguardar seus interesses e afastar airrupo das classes subalternas da arena poltica. Os momentos polticos da histria dopas no se revestiam assim do carter de revolues autnticas, mas de manobras peloalto, de golpes que contaram com a efetiva interveno militar, configurando umaparticipao popular escassa ou mesmo ausente (GERMANO, 2005, p. 48).

    Os estudos de Antunes (1992, p. 13-38) destacam o confronto operrio na

    dcada de 70, no qual os trabalhadores, empurrados pela injuno superproduo nas

    fbricas, expostos a situaes de stress e risco de acidentes, tendo seus salrios

    fraudados, conforme denunciado em 1973, organizam-se lentamente em greves por

    local de trabalho em um amplo movimento de resistncia prevalncia de uma

    poltica salarial que subtraa de todas as formas o salrio operrio (ANTUNES, 1992,

    p. 18) culminando com a Greve Geral Metalrgica de Maro de 1978. Sob as

    presses da Ditadura Militar a Classe Operria organizava-se. E foi no seio dos

    conflitos que se deram no interior da estrutura que foi pensada para a modernizao e

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    industrializao racionalizada do Brasil que configurou-se a necessidade de atualizao

    dos estudos do lazer a estas demandas. Este segundo ciclo caracteriza-se pelo

    tratamento da problemtica pelos socilogos ligados, principalmente, ao Servio Social

    do Comrcio, com incumbncia, naquela entidade, de estruturar teorias e polticas de

    ocupao do tempo livre.

    A Ditadura militar-civil garantiu, por todos os meios ideolgicos e repressivos

    (a represso foi institucionalizada), o controle da hegemonia como requisito de garantia

    de governabilidade. Na dcada de 70 a imprensa brasileira foi duramente controlada e

    censurada e vrios rgos de imprensa fechados. Jornalistas foram presos e seus direitos

    polticos caados (AQUINO et all, 2007,p. 686). Atravs daEscola Superior de Guerra

    (ESG), a Ditadura preconizava a necessidade de um Estado forte, centralizador eregulador da economia. Um Estado capaz de implementar um modelo autoritrio-

    modernizador(AQUINO et all, 2007,p. 693). Entretanto,

    Apesar da legislao coercitiva e da represso do Estado, criou-se o MovimentoIntersindical Antiarrocho (MIA), reunindo metalrgicos de So Paulo (1967),que chegou a organizar passeata em Santo Andr (SP) protestando contra apoltica salarial da ditadura (AQUINO et all, 2007,p. 706).

    Este movimento estende-se a Contagem, a Osasco. No mesmo ano de 1967,

    surgiu a Frente Ampla, composta por apoiadores do Golpe Militar (Carlos Lacerda,

    Juscelino Kubitscheck, Magalhes Pinto) que, constatando a disposio dos militaresem permanecer no Governo, rearticulou-se levantando a bandeira da restaurao da

    democracia, da anistia aos cassados pela Ditadura e do restabelecimento das eleies

    livres visando ocupar a Presidncia da Repblica (AQUINO et all, 2007,p. 706).

    Alm destes movimentos de contestao, houve aqueles que consideravam ser

    a luta armada a nica maneira de por fim ao regime militar. A dcada de 60 foi

    marcada pela formao de organizaes revolucionrias chegando a 43 em 1968 que

    se posicionaram em favor da luta armada como nico modo de superao da Ditadura.

    Estas orientaes levaram organizao das Guerrilhasdo Araguaia e Capara. Em 13

    de dezembro de 1968, a Ditadura reagiu ao crescente apoio da classe mdia s

    manifestaes estudantis e militncia dos trabalhadores publicando oAto Institucional

    N. 5. Com o Decreto Lei N. 477, de fevereiro de 1969, estudantes foram expulsos do

    Brasil e professores de Universidades Brasileiras foram aposentados. violenta

    represso ditatorial lastreada em prises sem acusao formal e sem mandado

    judicial, em tortura e desaparecimento de presos polticos os movimentos de

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    resistncia foram obrigados a responder com a luta armada (AQUINO et all, 2007,p.

    707-713).

    Nesta conjuntura histrica as polticas para o tempo dirigiram-se, fortemente,

    a: (1) organizar a vida nas cidades lotadas de trabalhadores, a quem era preciso direcionare conter para a no participao poltica, as reivindicaes trabalhistas, a luta por um

    regime socialista; (2). colaborar com a industrializao; (3) organizar os espaos urbanos

    (os parques de lazer) e as atividades a serem ali desenvolvidas; (4) a estabelecer prticas

    disciplinadoras e compensatrias, contribuindo moral e fisicamente para a produo e

    reproduo da fora de trabalho, como os autores destacados salientam nos seus escritos;

    (5) ainda uma nova modalidade de servio-mercadoria que exigia a formao de

    profissionais. As polticas para o lazer compuseram a atuao do Estado militar-civilinterventor.

    Entretanto, aparece, j, ainda que sutilmente, por conta da formao social

    brasileira, recente industrializao e expanso do trabalho intensivo, a exaltao do

    tempo livre, a era do lazer apregoada pelos defensores do fim do trabalho.

    Supostamente, a automao da produo tinha conduzido ao fim do trabalho e a uma

    era do tempo livre. Esta ideologia encontrava expresso na Inglaterra, Frana,

    Alemanha, Estados Unidos. Este tema e seus autores constituem o primeiro adeus aotrabalho

    4. Contexto histrico do segundo ciclo dos estudos do lazer: o cenrio geral e a

    ideologia do primeiro adeus ao trabalho

    Quando enfrentam o que seu passado no as preparou para enfrentar, aspessoas tateiam em busca de palavras para dar nome ao desconhecido,mesmo quando no podem defini-lo nem entend-lo. Em determinado pontodo terceiro quartel do sculo, podemos ver esse processo em andamento entreos intelectuais do Ocidente. A palavra chave era a pequena preposio

    aps, geralmente usada na forma latinizada ps ou post como prefixopara qualquer um dos inmeros termos que durante algumas geraes foramusados para assinalar o territrio mental da vida no sculo XX. O mundo, ouseus aspectos relevantes, tornou-se ps-industrial, ps-imperial, ps-moderno, ps-estruturalista, ps-marxista, ps-Gutenberg, qualquer coisa.Como os funerais, esses prefixos tomaram conhecimento oficial da morte semimplicar qualquer consenso, ou na verdade certeza, sobre a natureza da vidaaps a morte. Assim a transformao mais sensacional, rpida e universal nahistria humana entrou na conscincia das mentes pensadoras que a viveram(HOBSBAWM, 1995, p. 282).

    Para Hobsbawm, 1968 o ano que sinaliza o fim da Era do Ouro. A

    exploso do radicalismo estudantil em 1968era um sinal de que o equilbrio da Era

    do Ouro no poderia durar.

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    Economicamente, esse equilbrio dependia de uma coordenao entre o crescimentoda produo e os ganhos que mantinham os lucros estveis. Um afrouxamento naascenso contnua de produtividade e/ou um aumento desproporcional nos salriosresultariam em desestabilizao. Dependia do que estivera dramaticamente ausente noentreguerras, um equilbrio no crescimento da produo e a capacidade dosconsumidores de compr-la. Os salrios tinham que subir com rapidez suficiente paramanter o mercado ativo, mas no para espremer os lucros. Como, porm, controlar

    salrios numa era de demanda excepcionalmente florescente? Como, em outraspalavras, controlar a inflao, ou pelo menos mant-la dentro de limites? Por ltimo, aEra do Ouro dependia do esmagador domnio poltico econmico dos EUA, queatuavam s vezes sem pretender como o estabilizador e assegurador da economiamundial.Durante a dcada de 1960, tudo isso dava sinais de desgaste. A hegemonia dos EUAdeclinou e, enquanto caa, o sistema monetrio com base no dlar-ouro desabou.Houve alguns sinais de diminuio na produtividade da mo-de-obra em vriospases, e sem dvida sinais de que o grande reservatrio de mo de obra da migraointerna, que alimentara o boom industrial, chegava perto da exausto. Aps vinteanos, tornara-se adulta uma nova gerao, para a qual a experincia do entreguerras desemprego em massa, insegurana, preos estveis ou em queda era histria, e noparte de sua experincia. Eles haviam ajustado suas expectativas nica experinciade seu grupo etrio, de pleno emprego e inflao contnua (Friedman, 1968, p. 11).

    Qualquer que tenha sido a situao responsvel pela exploso mundial de salrios nofim da dcada de 60 escassez de mo de obra, crescente esforos dos patres paraconter os salrios reais, ou, como na Frana e na Itlia, as grandes rebelies estudantis tudo se assentava na descoberta, feita por uma gerao de trabalhadores a ter ouconseguir emprego, de que os regulares e bem-vindos aumentos h tanto negociadospor seus sindicatos eram na verdade muito menos do que se podia arrancar domercado. Detectemos ou no um retorno luta de classes nesse reconhecimento derealidades do mercado [...] no h dvida sobre a impressionante mudana de espritoentre a moderao e a calma das negociaes salariais antes de 1968 e os ltimos anosda Era de Ouro.Uma vez que era diretamente relevante para o modo como a economia funcionava, amudana no estado de esprito dos trabalhadores teve muito mais peso que a grandeexploso de agitao estudantil em 1968 e por volta dessa data, embora os estudantesoferecessem material mais sensacional para os meios de comunicao e muito maisalimento para os comentaristas. A rebelio estudantil foi um fenmeno fora da

    economia e da poltica. [...] Seu significado cultural foi muito maior que o poltico,que foi passageiro ao contrrio de tais movimentos em pases do Terceiro Mundo editatoriais. [...] Contudo, serviu como aviso, uma espcie de memento mori a umagerao que em parte acreditava ter solucionado para sempre os problemas dasociedade ocidental. Os grandes textos do reformismo da Era do Ouro [...] baseavam-se na presena da crescente harmonia interna de uma sociedade agora basicamentesatisfatria, se bem que aperfeiovel, ou seja, na confiana da economia de consensosocial organizado. Esse consenso no sobreviveu dcada de 60.Portanto, 1968 no foi nem um fim, nem um princpio, mas apenas um sinal.(HOBSBAWM, 1995, p. 279-280)

    Hobsbawm explica que o boom da Era do Ouroprovocou o abandono dos

    pases-ncleo da velha industrializao. Tal ocorre em razo da combinao fruto

    de um consenso poltico entre direita e esquerda keynesiana de crescimento

    econmico numa economia capitalista baseada no consumo de massa de uma fora de

    trabalho plenamente empregada e cada vez mais bem paga e protegida . Por este

    caminho, a extrema direita fascista-ultranacionalista e a extrema esquerda

    comunista so eliminadas, ocorrendo, ento um consenso ttico ou explcito entre

    patres e organizaes trabalhistas com a finalidade de manter as reivindicaes

    dos trabalhadores dentro de limites que no afetassem os lucros, e as perspectivas

    futuras de lucros, altos o suficiente para justificar os enormes investimentos sem os

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    quais o espetacular crescimento da produtividade da mo-de-obra da Era do Ouro no

    podia ter ocorrido. Tratava-se de um arranjo triangular no qual os governos

    presidiam as negociaes entre capital e trabalho convenientemente chamados de

    parceiros sociais(HOBSBAWM, 1995, p. 276). Esta tambm

    Tratava-se de um pacto aceitvel para todos os lados. Os patres, que pouco seincomodavam com altos salrios num longo boom de altos lucros, apreciavam aprevisibilidade que tornava mais fcil o planejamento. A mo-de-obra recebia salriosque subiam regularmente e benefcios extras, e um Estado previdencirio sempre maisabrangente e generoso. O governo conseguia estabilidade poltica, partidoscomunistas fracos (exceto na Itlia) e condies previsveis para a administraomacroeconmica que todos os Estados ento praticavam. E as economias dos pasescapitalistas industrializados se deram esplendidamente bem, no mnimo porque pelaprimeira vez (fora dos EUA e talvez da Australsia) passava a existir uma economiade consumo de massa com base no pleno emprego e rendas reais em crescimentoconstante, escorada pela seguridade social, por sua vez paga pelas crescentes rendaspblicas. [...]At fins da dcada de 1960, a poltica da Era do Ouro refletiu esse estado de coisas.

    [...]... o reformismo logo bateu em retirada, embora no o consenso. O grande boomdadcada de 1950 foi presidido, quase em toda parte, por governos de conservadoresmoderados. [...] a esquerda estava inteiramente fora do poder [...] No pode haverdvida sobre o recesso da esquerda. [...]. Todos, com exceo dos comunistas, eramconfiavelmente anti-russos. O clima da dcada de prosperidade era contra a esquerda.No era tempo de mudana.Na dcada de 1960, o centro de gravidade do consenso mudou para a esquerda; talvezem parte do crescente recuo do liberalismo econmico diante da administraokeynesiana, [...], talvez em parte porque os velhos senhores que presidiam aestabilizao e ressurreio do sistema capitalista deixaram a cena [...]. Verificou-secerto rejuvenescimento da poltica. Contudo, h um claro paralelismo entre a mudanapara a esquerda e os acontecimentos pblicos mais significativos da dcada, ou seja, oaparecimento de Estados de Bem-estar no sentido literal da palavra, quer dizer,

    Estados em que os gastos com a seguridade social manuteno de renda, assistncia,educao se tornaram a maior parte dos gastos pblicos totais, e as pessoasenvolvidas em atividades de seguridade social formavam o maior corpo de todo ofuncionalismo pblico [...]. Os primeiros Estados de Bem-estar, nesse sentido,apareceram por volta de 1970. [...] No fim da dcada de 1970, todos os Estadoscapitalistas avanados se haviam tornado Estados do Bem-estar desse tipo, com seisdeles gastando mais de 60% de seus oramentos na seguridade social.Enquanto isso, a poltica das economias de mercado desenvolvidas pareciatranqila, seno sonolenta. Que havia de excitante, a no ser o comunismo, os perigosde guerra nuclear, e as crises internas que as atividades imperiais no exterior traziam,como a aventura de Suez de 1956, na Gr-Bretanha, a Guerra da Arglia, na Frana(1954-61), e, depois de 1965, a Guerra do Vietn, nos EUA? Foi por isso que a sbitae quase mundial exploso de radicalismo estudantil em 1968 e por volta dessa datapegou to de surpresa os polticos e os intelectuais mais velhos (HOBSBAWM, 1995,p. 277).

    Na Europa, o capitalismo foi batizado pelo termo atrativo de Estado de Bem

    Estar Social. O trabalho estava protegido pelas lutas e conquistas dos trabalhadores e

    consentimento do capital. O mrito do termo Estado de Bem Estar Socialconsistiu em

    apagar as referncias ao capitalismo, profundamente desprestigiado pela crise de 1929,

    a Segunda Guerra Mundial e o sucesso econmico e social do regime sovitico. A partir

    de 1975 este equilbrio rompeu-se e o trabalho at ento protegido passa a ser alvo

    predileto da ofensiva do capital.

    O primeiro texto onde so feitos levantamentos sobre o trabalho e as novas

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    formas sociais o Prefcio que Bottomore faz, em 1955, a Classes em Modern Society

    (citado por LESSA, 2007, p. 37-38). Suas preocupaes giravam em torno: (1) do

    padro varivel de desigualdade social e implicaes para o desenvolvimento futuro; (2)

    a estrutura de classe nos pases capitalistas, que estaria sendo radicalmente

    transformada, se movendo para um tipo socialista democrtico de sociedade, com o

    Estado de Bem Estar Social; (3) Os pases socialistas estariam, depois da morte de

    Stlin, realmente, comeando a criar uma sociedade sem classe, menos totalitria e

    opressiva em seu sistema poltico? (4) Estariam se tornando mais importantes outros

    tipos de desigualdade, associados com a formao de novas elites, como gnero, a raa

    ou a nacionalidade? (5) Haveria enorme diferena entre pases industrializados e pases

    recentemente independentes como os do Terceiro mundo?

    Em 1957, Dahrendorf (citado por LESSA, 2007, p. 38) afirmava que as

    sociedades ps-capitalistas promoviam a disjuno entre o conflito econmico e o

    conflito poltico, desarticulado o poltico do econmico, o que seria um sinal da

    imploso da teoria marxiana. Paralelamente, haveria a defesa na China e na URRS,

    socialistas, da hierarquia entre quadros do controle e dos trabalhadores. A presena do

    trabalho assalariado e a hierarquia deviam ser convertidas em caractersticas do

    socialismo. O autor argumenta que, se o desenvolvimento das foras produtivas

    conduziria o capitalismo a um novo estgio que teria alcanado a lei do valor, bastaria

    permitir que este desenvolvimento tecnolgico continuasse para que tivesse lugar a

    transio para o socialismo. A superestimao do poder da tcnica, com modificaes

    comparece com fora no debate sobre o trabalho desde os anos de 1960.

    Em 1966, Gilberto Freyre publica Tempo, cio e arte: reflexes de um latino-

    americano em face do avano da automao (1966, 1970), vendo avizinhar-se uma

    poca de imensa preponderncia do tempo desocupado sobre o ocupado, e ante esta

    viso que partilha com diversos outros autores do perodo, a da transio da sociedade

    mecanicamente industrial para a sociedade supra-industrial (de arrojada automao), na

    qual o problema mximo comea a ser o da organizao do lazer entre as populaes

    das reas mais adiantadamente industriais. Dessa revoluo tecnolgica derivar uma

    revoluo tambm nos estilos de convivncia. O ardor excessivo pelo trabalho o

    af na conquista da fortuna sero considerados virtudes a pique de se tornarem

    defeitos. Entendendo que estamos de fato no fim de uma poca de que a motivao

    predominante de vida foi o trabalho e no incio de outra poca em que o gzo do lazer

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    que comea a ser o motivo central da vida. Uma revoluo.

    Mas revoluo que no parece implicar, como pretendem os retardatrios que seextremam na glorificao da figura do chamado proletrio sobre o chamado burgus,na extino do capitalismo e sim na sua provvel substituio pelo que se vemdenominando capitalismo ciberntico que, modificado pela automao e

    reinterpretado por Keynes, supera de tal modo a filosofia do laissezfaire (sic!), queaceita a presena do Estado nas atividades econmicas. Esta presena, porm, nopara dirigir mas para regular tais atividades, no intersse geral, visando menos a curaque a preveno de crises ou de desajustamentos entre produtores e mercados, j queas crises nas relaes entre o chamado Capital e o chamado Trabalho, tendem, com aautomao, a se tornarem quase impossvel com a crescente presena do trabalhador,sob o crescente aspecto de tcnico, nas organizaes industriais de produo e detransporte (FREYRE, 1970, p. 2).

    Esta revoluo promover um novo tipo de civilizao e um novo tipo de

    homem:

    Pode-se prever uma democratizao de nvo tipo nas relaes interpessoais quevenha a ser, seno trazida, favorecida, por sse crescente tempo, desocupado, oulivre, para todos os componentes de uma sociedade de tipo industrial cuja tcnica deproduo e cujo regimento de trabalho passem de mecanizados para automatizados,tendo por conseqncia a automao. Isto porque a tendncia em sociedades dssetipo vai ser provvelmente no sentido de cada sociedade suprir os seus componentesde espaos para recreao e para lazer e de facilidades recreativas ou ldicas dediferentes tipos, permitindo a mais ampla liberdade de escolha de recreaes da partedos mesmos componentes. Sendo assim, de esperar que, nesses espaosrecreativos, provveis substitutos, em escala mais larga, dos atuais clubes recreativose esportivos, misturem-se indivduos de procedncias diversas, quanto s suascategorias nos seus respectivos lugares de trabalho - a categoria empresarial, aburocrtica, a tcnica - e de vrios graus de qualificao. Tambm dos dois sexos ede diversas idades.Reunidos por gostos idnticos quanto ao modo, da sua livre escolha, de gozarem otempo livre, o lazer, o cio desprendido de negcio, nesses espaos recreativos, a

    associao dsses indivduos de procedncias, categorias e idades diversas e dos doissexos, possivelmente se verificar antes base de tais preferncias de carter ldicodo que do prolongamento, nos mesmos espaos, de categorias hierrquicas em vigornos espaos de tempo ocupado. Teramos, assim, a tendncia para um reajustamentode relaes interpessoais, nos espaos recreativos, capaz de retificar desajustamentoscausados por divises de carter hierrquico em espaos de trabalho. Uma tendnciasaudvelmente democrtica sem que, em tais casos, a democratizao de relaesinterpessoais importasse no desconhecimento de diferenas de aptides, deinteligncia, de capacidade de aprofundamento no estudo e no saber, dos diferentesmembros de um complexo industrial, sabido, como , que, no lazer e nas atividadesldicas que preencham o tempo ocioso, podem se verificar aproximaes e se definirafinidades entre indivduos desiguais no grau de inteligncia, no saber e na cultura.So clebres as amizades que se tm formado, entre indivduos assim desiguais - eessa espcie de desigualdade provvelmente irredutvel entre os homens, por

    motivos antes biolgicos do que sociolgicos - reunidos, durante meses ou semanas,para les memorveis, pelo mesmo gsto ou entusiasmo em trno de aventuras ouexperimentos de pesca, de caa, de navegao, de alpinismo, de colheita de plantasagrestes em matas ou florestas, de criao de canrios, de galos, de galinhas de raa.A tourada tem sido um dsses gostos ldicos, comuns a indivduos de camadassociais diversas, entre latino-americanos. (FREYRE, 1970, p. 3)

    Neste texto, evidencia-se a crtica ao chamado controle totalitrio do tempo

    reconhecido na experincia Russa que vem caminhando para a poca de automao

    preparando espectadores para espetculos, jogos e concertos dirigidos pelo Estado e

    sem cuidar de prepar-los para um diversificado uso do tempo livre(FREYRE, 1970,

    p. 8). Esta era de civilizao mais de lazer do que de trabalho pede uma educao

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    que prepare o homem ps-moderno mais para o lazer que para o trabalho, uma

    educao artstica que habilite o indivduo a encher o seu tempo desocupado com

    atividades ldicas ou criadoras criadoras e no apenas espectadoras de carter

    artstico. Nas reflexes de Freyre est claramente colocada a preocupao com a

    ocupao do tempo livre que vai marcar os estudos do lazer desde sua origem, gerando

    o projeto de educao para o lazer(FREYRE, 1970, p. 5).

    Em 1978, Clauss Offe abre o debate com o texto sobre a centralidade do

    trabalho: Trabalho como categoria sociolgica fundamental? (Citado por LESSA,

    2007, p. 64). A suposta reduo gradativa do trabalho necessrio para criao das

    condies de existncia humana abria espao pensava-se ento para outros tipos da

    atividade humana livre e criativa e para formas de distribuio de renda desvinculadasda compra venda da mercadoria fora de trabalho.

    Consideraes Finais

    Vimos ao longo deste trabalho que o crescente aumento das produes sobre o

    tempo livre principalmente as referentes s polticas para a ocupao do tempo livre

    se explica na reorganizao da formao social brasileira, na dcada de 1960, face

    ruptura do consenso entre trabalho e capital, para a expanso da industrializaocaracterizada pelo desenvolvimento e controle, com uso da violncia institucionalizada

    das demandas sociais, efetuada pelos aparelhos do regime de ditadura civil e militar. Na

    conjuntura dos anos de chumbo e do lento processo de abertura poltica (1968-1979) as

    polticas referentes ao tempo livre ganharam notria ateno. Tratava-se de, ainda, em

    uma sociedade que trabalha: (1) organizar a vida nas cidades lotadas de trabalhadores,

    a quem era preciso direcionar e conter para a no participao poltica, as reivindicaes

    trabalhistas, a luta por um regime socialista; (2) colaborar com a industrializao e aubanizao; (3) organizar os espaos urbanos (os parques de lazer) e as atividades a serem

    ali desenvolvidas; (4) estabelecer prticas disciplinadoras e compensatrias, contribuindo

    moral e fisicamente para a produo e reproduo da fora de trabalho, como os autores

    destacados salientam nos seus escritos; (5) ainda uma nova modalidade de servio-

    mercadoria que exigia a formao de profissionais.

    Entretanto, anunciava-se j, vagarosamente, em alguns escritos, a ideologia do

    fim do trabalho e da era do lazer. Em uma construo ideolgica, advinda principalmentedos estudos estrangeiros disseminados na dcada de 60, o trabalho estaria perdendo

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    centralidade como elemento estruturante das relaes sociais. Em seu lugar, em

    decorrncia de uma suposta expanso do tempo livre advinda com a automao, estaria

    o no trabalho, o lazer.

    Sabemos que sob as relaes de produo capitalista, a defesa da centralidadedo trabalho assume papel estratgico. A partir de 1975, temos a revoluo na base

    mecnica da produo, e comea a fase baixa das conquistas histricas do trabalho. A

    expanso da ideologia da sociedade do lazer do tempo livre faz parte do ataque

    centralidade do trabalho no modo de produo? Crise do movimento operrio,

    recomposio do capital? Ao atacar a centralidade do trabalho e afirmar a classe

    trabalhadora como classe em extino, no est entrando em cena a negao da

    existncia de uma classe revolucionria?

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