se o poeta mandasse no sertão

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1 HARLON HOMEM DE LACERDA SOUSA [ATELIÊ EDITORIAL NETLLI] 2012 SE O POETA MANDASSE NO SERTÃO: TRÊS POETAS DO CARIRI DE HOJE

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coleção estudos breves

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1

HARLON HOMEM

DE LACERDA SOUSA

[ATELIÊ EDITORIAL NETLLI]

2012

SE O POETA MANDASSE NO SERTÃO: TRÊS POETAS DO CARIRI DE HOJE

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HARLON HOMEM DE LACERDA SOUSA

SE O POETA MANDASSE NO SERTÃO: TRÊS POETAS DO CARIRI DE HOJE

CRATO EDSON SOARES MARTINS

2012

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FICHA CATALOGRÁFICA

S725 Sousa, Harlon Homem de Lacerda.

Se o poeta mandasse no sertão: três poetas do Cariri de hoje / Harlon Homem de Lacerda Sousa. Crato: Edson Soares Martins (Editor), 2012.

xx p. 14 cm.

ISBN

1. Literatura brasileira; 2. Literatura cearense. I. Título

CDD: B869.4 CDU: 821.134.3(81)

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI

REITORA: ANTONIA OTONITE DE O. CORTEZ PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO: CARLOS KLÉBER N. OLIVEIRA DIRETORA DO CENTRO DE HUMANIDADES: MARIA PAULA JACINTO CORDEITO DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LITERATURAS: EDSON SOARES MARTINS

NETLLI

COORDENAÇÃO-GERAL: EDSON MARTINS E FRANCISCO DE FREITAS LEITE COORDENAÇÃO DO SEMESTRE 2012.1: NEWTON DE CASTRO PONTES

ATELIÊ EDITORIAL DO NETLLI

EDITOR: FRANCISCO DE FREITAS LEITE CONSELHO EDITORIAL: EDSON SOARES MARTINS (URCA) FRANCISCO DE FREITAS LEITE (URCA) HARLON HOMEM DE LACERDA SOUSA (UESPI) NEWTON DE CASTRO PONTES (URCA) RIDALVO FELIX ARAUJO (UFMG)

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SUMÁRIO

“Que um dia mostrava serena” .......................... 10

“E este poema parece um diário” ................... 16 “Dichten” ............................................................. 22

Referências ...................................................... 32

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Se o poeta mandasse no sertão: três

poetas do Cariri de hoje

Lá teria de tudo com fartura

Todo ano seria bom de inverno

Tal costume que chamam de moderno

Não tomava o espaço da cultura

Toda gente tratava a agricultura

Dessa forma que vem da tradição

Respeitando o poder da criação

Que nos deu todo amor, toda beleza

Todo encanto que tem na natureza

Se o poeta mandasse no sertão

Os versos do Poeta Maranhão abrem caminhos para um mundo dionisíaco, regido pelas anti-leis da poesia. Se o poeta mandasse no sertão, seríamos seres humanos enfim. Mas, o “tal costume que chamam de moderno”, se o poeta mandasse no sertão, teria espaço garantido na cultura caso olhássemos com cuidado para textos de três poetas modernos caririenses. É o

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que propomos neste trabalho que ora vos apresentamos.

O Cariri cearense guarda uma “confusões de prosódia” citando trecho de uma canção de Caetano Veloso, estimada pela professora Claudia Rejane – aqui presente. As rimas e métricas do Cordel casam versos com os repentistas da feira que mesclam tradições com o côco, o reisado e a lapinha; e entre tudo, como que criando uma simbiose, cantam poemas modernos os professores, artistas e caminheiros da vida caririense. Nos últimos anos, essa poesia ganha destaque em iniciativas institucionais e particulares: incentivos do CCBNB, do SESC, dos próprios poetas através das Conexões Poéticas e do Roteiro Boêmio-Poético fazem com que voltemos nossa atenção para o quê se

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constrói de novo no Cariri; e como esse novo se constrói.

A lista de poetas do Cariri é volumosa. Entre tantos, encontramos vários tipos de escritores em nossa região. Ezra Pound, no livro ABC da Literatura, tipologiza os poetas através de uma lista de características a fim de marcar aqueles que guardam as possibilidades de renovação da linguagem poética. Segundo o crítico inglês, os poetas podem ser: inventores, mestres, diluidores, bons escritores sem qualidades salientes, beletristas ou lançadores de modas. Os mestres “homens que combinaram um certo número de tais processos e que os usaram tão bem ou melhor que os inventores” são os poetas que garantem a manutenção da arte dentro de um sistema e que alimentam uma tradição poética viva, sempre em

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transformação. Não objetivamos levantar um mapa da produção e menos ainda uma bio-historiografia hodierna da poesia caririense, mas realizar uma analise textual mais fechada em alguns poemas, a partir dos procedimentos utilizados pelos autores. Nesse texto, escolhemos três deles: Ythallo Rodrigues, Daniel Batata e Edson Xavier.

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“Que um dia mostrava serena”

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Um procedimento comum à

literatura moderna, segundo Bakhtin, é o processo de romancização. Para o teórico russo “observam-se fenômenos particularmente interessantes na época em que o romance se estabelece como um gênero predominante” (p. 399). A predominância do romance fez com que os outros gêneros adotassem recursos estilísticos próprios a ele, pois

Eles se tornam mais livres e mais soltos, sua linguagem se renova por conta do plurilinguismo extraliterário e por conta dos estratos “romanescos” da língua literária; eles dialogizam-se e, ainda mais, são largamente penetrados pelo riso, pela ironia, pelo humor, pelos elementos de autoparodização; finalmente – isto é o mais importante –, o romance introduz uma problemática, um inacabamento semântico específico e o contato vivo com o inacabado,

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com a sua época que está se fazendo (o presente ainda não acabado) (p. 400)

Os poemas “O Vestido de Dormir” de

Daniel Batata e “Poema do Amanhecer” de Ythallo Rodrigues trazem este procedimento de duas maneiras diferentes. Primeiro, analisemos o “caso do vestido”.

Como fizestes pequena um estrago perfeito tua presença d´algum jeito minh´alma envenenava e o vestido de dormir

a sua maligna porção tirou-me a direção do que havia por vir

e a porção me consumindo na fibra óptica sumindo numa tarde ao cair

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Então perdi a pequena Que um dia mostrava serena Seu vestido de dormir

O tempo é mínimo: o momento no

qual a “pequena” mostra a alguém seu vestido de dormir. Mas a narrativa do eu-lírico entre o vislumbre do objeto de desejo (ou daquilo que reveste e torna a mulher um objeto de desejo) até a perda deste mesmo objeto é revestida por um discurso dotado de humor (um humor malandro semelhante, poderíamos dizer, ao de Vinícius de Moraes). A estilização romancizada ou o uso de uma seqüência narrativa (entre o olhar, o desejo, a excitação e a perda) remete ao plurilinguismo ou, num nível deste conceito bakhtiniano, ao uso das línguas da poesia e da narrativa. Outra “língua” utilizada pelo

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poeta pode ser percebida nas rimas: ABBC-DEED-FFD-AAD. O ritmo inscrito nesse esquema é próprio à poesia de cordel. A métrica dos versos varia entre o hexa o eneassílabo (este em apenas um verso), predominando o heptassílado (redondilha maior) que marca o ritmo do poema. O plurilinguismo caririense se estabelece na poesia romancizada de Daniel Batata como um procedimento caro à literatura moderna.

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“E este poema parece um diário”

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Poema do Amanhecer Uma noite vazia Na solidão da sala Poderia ser a pior das noites Deixa de ser A luz se abre O sono, este grave e solene demente Não veio Apenas espreitou ao longe Sentiu uma força estranha e boa Que me cobria como um halo.

Mas a noite foi fria Lágrimas de cafeína e nicotina Deixaram meu rosto marcado Mas essa aurora resplandescente Alivia a dor Limpa as marcas Subtrai o tempo. A música também finda Já é dia, dizia ela Eu, seguro de mim, obedecia E amanhecia. Tudo está recomeçando novamente E este poema parece um diário Daqueles adolescentes

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Até rima voltei a fazer Levanto da cadeira Que fica inerte Me olho no espelho Estou bem, Hoje é mais um dia E a vida passa Como pétalas de nuvens No céu que agora é só um clarão. Bom dia!

Diferente do “Vestido de Dormir”, o

poema de Ythallo Rodrigues apresenta o procedimento da romancização alicerçado pela ironia metalingüística e na mistura de narrativa com montagem fílmica. O princípio da montagem cinematográfica, de acordo com Eisenstein, sedimenta-se no poema de Ythallo nas imagens que ele narra. Uma sequencia de cenários que se sobrepõem entre o dia e próprio poeta que

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amanhecem, saem da “noite vazia” e da “escuridão da sala”. A ironia que Bakhtin destaca como marca estilística do romance aparece no poema do amanhecer numa autoparodização dos versos: “Tudo está recomeçando novamente / E este poema parece um diário / Daqueles adolescentes / Até rima voltei a fazer”. A rima que o eu-lírico voltou a fazer é como um retorno à adolescência de um homem que vê a chance do amor passar “no céu que agora é só um clarão”. A nós, fica a certeza de um “Bom dia!”

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“Dichten”

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Voltamos a Ezra Pound para

destacar outro procedimento percebido na poesia moderna. Na linha direta de Paulo Leminski, Chacal, Arnaldo Antunes, Millôr Fernandes entre outros, temos alguns poemas de Edson Xavier que se inscrevem na linha do poema curto, próximo ao hai-kai japonês. Escolhemos três poemas para apresentar:

Poema 01 Mais-valia Meu trabalho Na mão E a burguesia Voando Poema 02 Ai de mim

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Meu hai kai No fio Da lâmina ronin Poema 03 Já tracei a minha Meta Chova ou faça Sol De noite Vou ser poeta

O jogo do sonho proletário do poema 01 aliado ao devaneio sem senhor (ronin) debruça-se na meta dionisíaca do terceiro poema. Fica a forma poética condensada assumida dentro de uma construção logopaica, ou seja, segundo Pound, “a dança do intelecto entre as palavras”, a escolha das palavras pelo significado e o valor desse significado para quem lê ou no contexto em que é

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lida. Quando o poeta usa a expressão “mais-valia”, entendemos (através do senso comum) um conceito econômico discutido por Marx. Associando este termo a palavra trabalho e burguesia, o jogo político-econômico se estabelece na mente do leitor. O estranhamento é resguardado pela forma através da qual a expressão do primeiro verso ganha um segundo significado (advérbio junto ao verbo valer – no sentido de predileção, escolha – no passado). Permanecem os dois significados (dialogicamente e não dialeticamente) instaurando uma ironia relacionada ao ditado popular (melhor um pássaro na mão do que dois voando); o jogo dialógico permanece, com a palavra “kai” (no sentido japonês) e com o verbo (ainda aproveitando a forma “hai” como uma variação caririense do

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verbo vai), no segundo poema. E o hai-kai, que é poema, cai “no fio da lâmina” de um samurai errante, sem senhor, o ronin: um guerreiro livre, sem destino, sem dono. Isso explica o “ai de mim!” – irônico. O terceiro poema é como um fecho marcado pela vontade objetiva do herói (num devaneio cognitivo, podemos ler meta como uma espécie de anagrama da ate grega – o destino do herói). Uma narrativa condensada em seis versos cujo destino do protagonista é ser poeta, sair do mundo do sol (apolíneo) e, de qualquer maneira, tornar-se dionisíaco.

Edson Xavier demonstra em seus poemas que, se o poeta mandasse no sertão, a liberdade, a justiça e a beleza seriam os grandes valores da sociedade. Esses valores, como expressou o poeta Maranhão, estariam em consonância

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plena com a natureza, com a marca do sertanejo. A conjunção entre poesia e sociedade se estabelece no início e no fim deste texto. Entre o poeta que vê a necessidade de manutenção da tradição e o poeta que vê a necessidade de revolução e liberdade. A “confusões de prosódia” do Cariri, com seu plurilinguismo característico, apresenta-se na voz de poetas de cordel e de hai-kais, poetas que usam a viola e poetas que usam computadores e vídeos para apresentar sua literatura. Não há oposição entre tradição e modernidade no Cariri. Há a convivência enriquecedora entre os dois lados de uma mesma moeda. Resta, assim, o que nos escreve Pound: “literatura é novidade que permanece novidade”.

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O AUTOR

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REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética.

EISENSTEIN, Sergei. O principio da montagem e do ideograma.

http://cavaleirodetristefigura.blogspot.com

http://oficinadepoemas.blogspot.com

MARANHÃO. O poeta e o sertão.

POUND, Ezra. ABC da Literatura.