scliar-cabral - sistema scliar de alfabetização, fundamentos 2012
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O que é alfabetizar? Por que alfabetizar? Como alfabetizar? Um método não supera uma prática intensiva e apaixonada de quem faz, o que faz, da melhor forma, visando maior produtividade e interesses de aprendizado do aprendiz.TRANSCRIPT
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SISTEMA SCLIAR DE
ALFABETIZAO
Fundamentos
Leonor Scliar-Cabral
Florianpolis, 2012
Editora Lili
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SISTEMA SCLIAR DE ALFABETIZAO -
FUNDAMENTOS
Leonor Scliar-Cabral
Florianpolis, 2012
Editora Lili
Ficha tcnica / ficha catalogrfica
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Professor e professora,
Apesar de todos os esforos e empenho, o ndice de analfabetismo funcional no Brasil
ainda muito alto. Voc est consciente disso e mais ansioso do que ningum para que
seus alunos aprendam a ler de modo a compreender os textos que circulam a sua volta,
sejam eles o material escolar, jornais, livros, poemas, avisos, instrues ou informaes
no computador; e a tambm redigir para que se faam entender quando tiverem que
enviar uma carta ou prestar um exame para conseguir um emprego, ou para entrar na
universidade.
Uma das explicaes para estes altos ndices de analfabetismo funcional que o pas
carece de materiais alinhados com as descobertas avanadas das neurocincias. O
Sistema Scliar de Alfabetizao vem prencher esta lacuna. Ele foi desenvolvido para
ajudar a prevenir o analfabetismo funcional, na convico de que isso s ser possvel
se a batalha comear no incio da aprendizagem da leitura e da escrita, mais
precisamente, na alfabetizao.
Voc, caro professor, e os educadores envolvidos com este desafio encontraro nos
Fundamentos informao slida e atualizada nos tpicos que se referem linguagem
verbal oral e escrita e seu processamento, bem como as bases para a alfabetizao para o
letramento. O material pedaggico fundamentado em tais tpicos compreende o livro do
aluno Aventuras de Vivi (SCLIAR-CABRAL, 2012) e o livro do professor Sistema
Scliar de Alfabetizao Roteiros para o professor: 1 Ano (SCLIAR-CABRAL, 2013). Os livros do aluno e respectivos roteiros para o professor, para o segundo e
terceiro anos, quando se completa a alfabetizao, estaro disponveis at o final de
2013.
Afinal, bom saber o que se faz, por que se faz e como se faz! Com tal fundamentao,
voc estar mais seguro para realizar as prticas em classe e organizar com eficincia
seu plano de aulas.
Ao ler e refletir sobre os fundamentos, voc:
1. obter melhores resultados com seus alunos. Eles se sentiro mais confiantes,
desenvolvendo o gosto pela leitura e pela escrita;
2. entender melhor as dificuldades de seus alunos e saber como contorn-las;
3. saber em que foi baseado o material de qualidade com o qual trabalhar em sala aula
e quais as mais recentes teorias e pesquisas sobre leitura, conhecendo para o que serve
cada atividade e como deve ser aplicada;
4. desenvolver sua capacidade de aproveitar todas as oportunidades para consolidar a
unidade que ser trabalhada, bem como enriquecer o aprendizado com suas prprias
contribuies.
5. entender por que, na presente etapa, a nfase para com a leitura, sem descurar a
produo textual.
Todo o material j foi testado e aprimorado. Gostaria de registrar as valiosas
contribuies de Ana Cludia de Souza, Marilia Silva dos Reis e Otilia Lizete de
Oliveira Martins Heinig, que muito ajudaram no aperfeiamento dos conceitos e
prticas aqui desenvolvidos.
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Boa leitura!
Leonor Scliar-Cabral
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Sumrio
1. Introduo
2. Analfabetismo funcional, desafio para a escola
3. As neurocincias na alfabetizao e leitura
4. Desenvolvimento da lngua verbal oral
5. Fundamentos da alfabetizao integral e integrada
6. Mtodos de alfabetizao
7. As principais dificuldades na alfabetizao
8. Outras dificuldades na alfabetizao
9. A leitura e o sistema alfabtico do portugus brasileiro
10. Critrios para a introduo dos grafemas
11. Como escolher o grafema para as atividades de ensino-aprendizagem
12. Quadro fonmico das consoantes e das vogais do PB
13. Valores atribudos aos grafemas, independentes do contexto grafmico
14. Valores dos grafemas, dependentes do contexto escrito
15. Letras M m - N n em final de slaba interna para nasalizar a vogal precedente e, em final de vocbulo, depois de E e - A a, nasalizando e ditongando 16. Valores de C c - G g - Q q antes das vogais posteriores 17. Os dois valores do grafema R r dependentes do contexto grafmico - o nico valor do grafema RR rr 18. Valores previsveis e imprevisveis do grafema X x
Anexos
Gabarito das avaliaes de aprendizagem, com comentrios
Referncias Bibliogrficas
Figuras e Quadros
Figura 1. Viso moderna das redes corticais da leitura (adaptao a partir de
DEHAENE, 2012, p. 78)
Quadro 1. Quadro fonmico das consoantes do PB
Quadro 2. Quadro fonmico das vogais do PB
Quadro 3. Valores dos grafemas, independentes do contexto
Quadro 4. Valores dos grafemas em incio de vocbulo e de slaba interna, entre letras
que representam vogais
Quadro 5. Valores em incio de slaba dos grafemas s depois de n, l, r; de r depois de n, l, s; de x depois de n, ei, ou, ai Quadro 6. Valores dos grafemas em final de vocbulo e de slaba interna
Quadro 7. Letras que nasalizam as vogais em final de slaba interna e de vocbulo (com
ditongao opcional)
Quadro 8. Exemplos dos valores dos grafemas c, g, q, seguidos de grafemas que representam as vogais posteriores ou a semivogal /w/ Quadro 9. Exemplos dos valores dos grafemas c, sc, xc, g e grafemas (dgrafos) gu e qu, seguidos de grafemas que representam as vogais no posteriores
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1. Introduo
cone objetivos
Neste captulo voc conhecer de forma resumida os fundamentos do Sistema Scliar de
Alfabetizao que explicam as diferenas entre a aquisio da variedade oral da lngua e
a aprendizagem da lngua escrita, bem como as bases neuropsicolgicas dessa ltima,
em particular, a dificuldade para os neurnios aprenderem a dissimetrizar os sinais
visuais e a segmentar a cadeia da fala. Aborda-se, tambm rapidamente, a questo
sociolingustica e a educao integral e integrada. Tais contedos sero aprofundados
em captulos especficos.
O Sistema
O Sistema Scliar de Alfabetizao est baseado no que h de mais avanado na teoria e
prtica das cincias que se ocupam da linguagem verbal. Estes fundamentos podem ser
resumidos nos pontos a seguir.
Diferena entre aquisio oral e escrita
A aquisio do sistema oral se d de forma natural e espontnea nas crianas que no
apresentem nenhum impedimento sensorial ou cognitivo para processar a fala. As
primeiras palavras ocorrem por volta de um ano de idade. O sistema escrito, no entanto,
construdo no contexto do ensino-aprendizagem de forma sistemtica, intensiva,
quando a criana j atingiu certa maturidade cognitiva, lingustica e emocional.
Enquanto a comunicao oral questo de sobrevivncia do ser humano, datando um
dos fsseis mais antigos (Lucy) h aproximadamente trs milhes e meio de anos, a
escrita, entendida como um modo secundrio, distinta da pintura, do desenho ou de
outros meios de memorizao, apareceu muito recentemente (aproximadamente h
5.000 anos a.C.). Essa evidncia da paleontologia demonstra que a comunicao oral
adquirida espontanea e compulsoriamente por determinantes biopsiclogicos da espcie,
enquanto os sistemas de escrita so uma inveno tardia: na maioria dos casos, a criana
precisa vir escola, principalmente, para aprender a ler e a escrever.
Foto com legenda. A escrita apareceu muito recentemente.
cone dicionrio:
Maturidade Cognitiva: Ao nascer, o crebro do beb no est com os circuitos que o
constituem inteiramente prontos, nem com todos os conhecimentos lingusticos e do
mundo j armazenados em suas vrias memrias. O amadurecimento gradativo e
depende, tambm, da experincia.
Primeiro compreender, depois produzir
Em toda a aprendizagem, para saber produzir, deve-se saber compreender, isto , antes
de falar, a criana deve compreender o que os adultos dizem para ela e assim comear a
dominar a lngua, para depois poder dizer suas primeiras palavras. A mesma coisa
acontece com a lngua escrita: sem saber ler, a criana no poder compreender nem o
que ela prpria escreveu.
Na prtica
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No comece a alfabetizao pelo ensino isolado da escrita. Voc pode at comear
quase simultaneamente com a escrita, desde que a criana aprenda a reconhecer as
diferenas entre as letras e os seus valores na leitura.
Reciclagem neuronal
Uma das grandes descobertas das neurocincias a de que os neurnios que processam
as imagens visuais so programados para simetrizar a informao. No entanto, para o
reconhecimento das letras, isto , das diferenas que apresentam entre si, necessrio
reciclar os neurnios para que eles aprendam a distinguir a direo dos traos das letras.
A proposta de Montessori, uma importante pedagoga italiana, cuja abordagem seguida
por centenas de escolas ao redor do mundo, j preconizava tal enfoque. Introduza cada
letra com comandos para que a criana a trace com o dedo, ao mesmo tempo em que diz
o som que ela representa. As informaes sensoriais processadas pela viso, pela
audio, pelo tato e pela propriocepo se reforam mutuamente.
cone dicionrio
Simetrizar Informaes: Os neurnios da viso foram biologicamente programados para simetrizar a informao. Cada vez que um hemisfrio aprende uma informao
visual nova, este trao de memria imediatamente transmitido ao outro hemisfrio (DEHAENE, 2012, cap. 7).
Propriocepo: a percepo do prprio corpo, sua postura, movimentos, mudanas
no equilbrio, bem como a de suas respectivas sensaes de movimento e posies.
O sistema escrito do portugus alfabtico
A maior dificuldade para uma criana se alfabetizar a de que ela percebe a fala como
um contnuo, isto , no h separao entre as palavras, nem entre consoantes e vogais.
Por exemplo, por que a criana, ao comear a escrever, coloca uma sucesso de sinais
numa linha, sem espaos em branco entre as palavras? Por que, mais adiante, escrever
zio, zoreia? Porque assim que percebe a fala. Para aprender a ler, a criana dever compreender, aos poucos, que:
a escrita representa a fala, porm no exatamente tal como percebida;
na escrita, as palavras so separadas por espaos em branco;
uma ou duas letras (para o professor, um grafema) tm o valor de um som (para o
professor, um fonema); s vezes, uma letra poder ter sempre o mesmo valor, como f, mas outras vezes poder ter mais de um valor como c, que antes das letras u, o, a tem o valor de /k/, como em cubo, cor, cola e antes de i, e tem o valor de /s/, como em cip, cera.
cone Ateno!
Para reconhecer a palavra escrita, alm de saber atribuir os valores a cada grafema (uma
ou duas letras), a criana dever saber onde cai o acento mais forte (acento de
intensidade), pois, no portugus, o acento pode cair na ltima (oxtonas), penltima
(paroxtonas) ou antepenltima slaba (proparoxtonas).
Sendo a maior dificuldade para uma criana se alfabetizar o fato de ela perceber a fala
como um contnuo, preciso que voc a ajude a analisar conscientemente a fala,
desmembrando a cadeia em palavras, essas em slabas e, o que mais difcil, separar as
consoantes das vogais. Essa aprendizagem, que se chama conscincia fonolgica, s
possvel, num contexto ldico, associando cada fonema a um grafema (uma ou duas
letras), mostrando que, mudando um fonema por outro (igualmente seu grafema por
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outro), as palavras mudam de significado. Assim, a estratgia do ensino-aprendizagem
est baseada sobre um trip de conceitos:
1. Reconhecer a direo dos traos que diferenciam as letras entre si;
2. Dominar os valores dos grafemas, associando-os aos fonemas que representam;
3. Utilizar as letras que realizam os grafemas dentro de palavras e estas em um texto.
cone dicionrio
Grafema: Unidade de um sistema de escrita que, na escrita alfabtica, corresponde a
uma ou mais letras para representar um dado fonema (no portugus, uma ou duas letras,
somente, com ou sem acentos grficos); na escrita silbica, corresponde a uma slaba.
Fonema: Classe de sons, com a funo de distinguir significados. Por exemplo, o
fonema /R/, no portugus, engloba diferentes sons praticados em diferentes regies do
Brasil, como no Rio de Janeiro, na fronteira do Rio Grande do Sul, no interior de Minas
Gerais ou de So Paulo, na Bahia, e assim por diante.
Dica (pode ser um ballon, com um professor; professora falando):
Trabalhar apenas com sons isolados, ou com os nomes das letras, no suficiente para
preparar a criana para a alfabetizao. Trabalhe sistematicamente onde cai o acento de
intensidade.
Variao sociolingustica A fala apresenta variao determinada por vrios fatores: quando l, a criana converte
o que l a sua variedade sociolingustica, quando escreve, d-se o inverso: o sistema
escrito um s em todo o territrio nacional. Assim, em virtude da mobilidade social,
h alunos que vm de regies diferentes e, mesmo, de famlias que praticam em casa
outras lnguas, como o italiano, o alemo ou o japons. Tambm h diferenas
determinadas pelo nvel de escolaridade e de educao dos pais. Por isso, na escola,
deve ser ensinado o respeito diferena, evitando que essas crianas sejam
ridicularizadas quando falam ou leem em voz alta. Para ensinar a escrever, o professor
deve estar atento, porque as regras de converso no so as mesmas. Assim como no se
escreve num ao invs de no, o professor deve mostrar, aos poucos, que quando se diz [fumu], se escreve fomos.
cone Na prtica
Respeite a variedade sociolingustica da criana na leitura em voz alta.
Educao integral e integrada
A alfabetizao integral parte do pressuposto de que o alvo a educao plena do
indivduo: cognio, afetos, sociabilidade, o fsico e o esttico, em vasos comunicantes,
devero lev-lo ao exerccio da cidadania e realizao pessoal, com a capacidade para
entender os textos escritos que circulam em sociedade e para produzir os de que
necessita. Isto significa que no se podem divorciar as cincias humanas das cincias
biolgicas: o cultural no pode ser pensado sem o biolgico, nem a especializao
cerebral sem ser plasmada pelo ambiente. A alfabetizao integrada aquela que
aproveita todos os espaos e tempos disponveis para o ensino-aprendizagem da direo
dos traos que diferenciam as letras entre si, da constituio dessas em grafemas
associados aos seus respectivos valores (os fonemas). Ambos tm a funo de distinguir
significados, portanto, devem estar inseridos em palavras e estas em textos
significativos para o educando, ou seja, a alfabetizao integrada utiliza as disciplinas
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de matemtica, cincias, estudos sociais, educao fsica, artes, lazer, e as atividades de
socializao, todas coerentemente entrosadas em torno de uma temtica, com um
objetivo comum.
cone Na prtica
Todas as unidades do livro Sistema Scliar de Alfabetizao Roteiros para o professor: 1 Ano possuem sugestes de atividades ldicas como jogos, dramatizao, msica,
dana, poesia, desenho, narrativas e esportes para o desenvolvimento cognitivo
(matemtica e demais linguagens), lingustico, fsico, emocional, esttico e social. Para
o livro do aluno Aventuras de Vivi, foi elaborada uma histria, a fim de estabelecer a
empatia entre a criana e os personagens. Os temas ajudam a promover a integrao
entre a escola, famlia e comunidade, a qual essencial para o seu xito como
alfabetizador. Lembre-se de explorar, tambm, os aspectos ecolgicos.
Professor, voc, com sua criatividade e engajamento, parte fundamental para que o
Brasil acabe com o analfabetismo funcional!
cone Pontos importantes
Nesta unidade, voc tomou conhecimento, de forma resumida, sobre os fundamentos do
Sistema Scliar de Alfabetizao que so:
a aquisio do sistema oral se d de forma natural e espontnea nas crianas que no
apresentem nenhum impedimento sensorial ou cognitivo para processar a fala, enquanto
o sistema escrito construdo no contexto do ensino-aprendizagem de forma
sistemtica, intensiva, na maioria dos casos;
em toda a aprendizagem, para saber produzir, deve-se saber compreender: sem saber
ler, a criana no poder compreender nem o que ela prpria escreveu;
para o reconhecimento das letras, isto , das diferenas que apresentam entre si,
necessrio reciclar os neurnios para que eles aprendam a distinguir a direo dos traos
das letras, isto , necessrio ensin-los a dissimetrizar;
as informaes sensoriais processadas pela viso, pela audio, pelo tato e pela
propriocepo se reforam mutuamente. Aplicam-se, pois, os ensinamentos de
Montessori sobre aprendizagem;
alm de saber atribuir os valores a cada grafema (uma ou duas letras), a criana dever
saber onde cai o acento mais forte;
na escola, deve ser ensinado o respeito diferena, evitando que as crianas sejam
ridicularizadas quando falam ou leem em voz alta;
a alfabetizao integral parte do pressuposto de que o alvo a educao plena do
indivduo;
a alfabetizao integrada aquela que aproveita todos os espaos e tempos disponveis
para o ensino-aprendizagem da direo dos traos que diferenciam as letras entre si e da
constituio dessas em grafemas associados aos seus respectivos valores (os fonemas).
(bloco de anotaes)
Sugestes para reflexo e pesquisa
O que so atividades multissensoriais?
O que simetrizao?
Por que no se deve comear a alfabetizao pela escrita isoladamente?
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cone Avaliao de aprendizagem
1. Uma das maiores dificuldades na alfabetizao ensinar os neurnios a
dissimetrizar. Por que isto ocorre?
a ( ) Porque os neurnios humanos no tm plasticidade para novas aprendizagens.
b ( ) Porque os neurnios s aprendem atravs do estmulo-resposta-recompensa.
c ( ) Porque os neurnios, por uma questo de sobrevivncia, foram programados para
descartar as diferenas de direo para a esquerda e para a direita e, por isto, devero ser
reciclados.
d ( ) Porque a noo de esquerda e direita depende da internalizao do esquema
corporal.
e ( ) Porque perceber a direo dos traos para a esquerda ou direita no interessa para o
reconhecimento das letras.
2. Analfabetismo funcional, desafio para a escola
cone sntese
No primeiro captulo, voc tomou conhecimento sobre os fundamentos do Sistema
Scliar de Educao que explicam as diferenas entre a aquisio da variedade oral e a
aprendizagem da lngua escrita, bem como as bases neuropsicolgicas, em particular, a
dificuldade para os neurnios aprenderem a dissimetrizar os sinais visuais e a segmentar
a cadeia da fala. Abordou-se, tambm, a questo sociolingustica e a educao integral e
integrada. Como explicado, tais contedos sero aprofundados em captulos especficos.
cone objetivo
Neste captulo voc conhecer dados alarmantes sobre o analfabetismo funcional no
Brasil e em outros pases considerados desenvolvidos, como os EUA e o Reino Unido.
Voc descobrir quais so os conceitos de analfabetismo funcional e os vrios nveis
estabelecidos pela UNESCO. Ver, tambm, como a Esccia conseguiu combater o
analfabetismo funcional com um programa exitoso, fonte de inspirao para o Sistema
Scliar de Alfabetizao.
Breve histrico
Embora o Instituto Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF) aplique suas pesquisas
domiciliares a uma populao entre 15 e 64 anos de idade, residente em zonas urbanas e
rurais de todas as regies do pas e, portanto, no se restrinja quela que esteja
frequentando a escola, oferece-nos dados sobre o alfabetismo dos que nela ainda esto
e/ou seus egressos.
Como pr-requisito, necessrio entender a classificao de alfabetismo adotada pelo
INAF (2009) de acordo com suas habilidades em leitura/escrita (letramento) e em
matemtica (numeramento).
Analfabetos funcionais
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Analfabetismo - Corresponde condio dos que no conseguem realizar tarefas
simples que envolvem a leitura de palavras e frases, ainda que uma parcela destes
consiga ler nmeros familiares (nmeros de telefone, preos etc.).
Alfabetismo rudimentar - Corresponde capacidade de localizar uma informao
explcita em textos curtos e familiares (como um anncio ou pequena carta), ler e
escrever nmeros usuais e realizar operaes simples, como manusear dinheiro para o
pagamento de pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita
mtrica.
Alfabetizados funcionalmente
Alfabetismo bsico - As pessoas classificadas neste nvel podem ser consideradas
funcionalmente alfabetizadas, pois j leem e compreendem textos de mdia extenso,
localizam informaes mesmo que seja necessrio realizar pequenas inferncias, leem
nmeros na casa dos milhes, resolvem problemas envolvendo uma sequncia simples
de operaes e tm noo de proporcionalidade. Mostram, no entanto, limitaes
quando as operaes requeridas envolvem maior nmero de elementos, etapas ou
relaes.
Alfabetismo pleno - Classificadas neste nvel esto pessoas cujas habilidades no mais
impem restries para compreender e interpretar elementos usuais da sociedade
letrada: leem textos mais longos, relacionando suas partes, comparam e interpretam
informaes, distinguem fato de opinio, realizam inferncias e snteses. Quanto
matemtica, resolvem problemas que exigem maior planejamento e controle,
envolvendo percentuais, propores e clculo de rea, alm de interpretar tabelas de
dupla entrada, mapas e grficos.
Fonte: Inaf - evoluo do indicador (2012)
Em pleno 2013, ficamos estarrecidos, ao constatar as cifras alarmantes de analfabetos
funcionais no Brasil e os baixos escores obtidos pelos alunos brasileiros, na faixa dos 15
anos, conforme o Relatrio PISA (OCDE, 2011), que avalia as competncias em
linguagem, em matemtica e em cincias e constatados tambm pelo INAF, o Indicador
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de Alfabetismo Funcional, conduzido pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG
Ao Educativa. Apesar do aumento significativo da matrcula escolar e dos anos de
escolaridade (FERNANDES, 2012), a porcentagem de analfabetos funcionais no pas,
ainda alarmante: conforme o Boletim INAF (2012), em 2012, na faixa etria dos
brasileiros de 15 a 64 anos, encontram-se 6% de analfabetos absolutos; no nvel rudimentar, 21%; no nvel bsico, 47% e apenas 26% conseguem o nvel pleno.
Decididamente, 27% dos brasileiros no tm as condies mnimas para o exerccio da
cidadania, nem para refazer a leitura de mundo, a partir da leitura da palavra (FREIRE,
2002, p. 54). Pode-se afirmar que 47% o fazem de forma precria e apenas 26% esto
aptos a compreender e refletir sobre os textos necessrios ao exerccio da cidadania de
forma plena e ampliao da sua aptido para competir no mercado de trabalho, com
auto-aprendizagem e educao continuada. Tais cifras tambm nos alertam para o fato
de que a desigualdade social no pode ser efetivamente combatida quando a maioria dos
indivduos no domina a ferramenta que os habilite qualificao profissional. Os
ltimos dados apontam para discreta melhora.
O ltimo relatrio PISA, o Programa de Avaliao Internacional de Estudantes
realizado pela OCDE (2011), mostra que o Brasil teve uma pequena melhora nos
resultados, mas ainda ocupa uma das ltimas posies quando se trata de proficincia
em leitura, ficando em 53 lugar dentre os sessenta e cinco pases participantes, obtendo
412 pontos no quesito leitura, contra 393 de 2006. Dentre os pases latino-americanos o
Brasil s ficou acima da Argentina e da Colmbia, sendo superado pelo Mxico,
Uruguai e Chile. Pela primeira vez, o relatrio levou em conta a capacidade de os
alunos lerem, compreenderem e utilizarem textos digitais.
Foto: (crianas e/ou papeis/escrita/ ou pessoa perdida no meio de placas/livraria)
Legenda: Mas o que o analfabeto funcional?
Definies de analfabeto funcional
Existem muitas definies de analfabeto funcional.
(3 boxes, lado a lado?)
O conceito de analfabeto funcional, como o prprio adjetivo indica, deve, contudo, repousar sobre a falta de competncia do indivduo para ler e escrever os textos dos
quais necessita em sua vida cotidiana familiar, social e de trabalho (SCLIAR-CABRAL, 2003a).
funcionalmente letrada a pessoa que puder engajar-se em todas as atividades, nas quais o letramento for condio para o desempenho efetivo no seu grupo e comunidade,
e tambm para permitir-lhe que continue a utilizar a leitura, a escrita e o clculo para o
seu prprio desenvolvimento e o de sua comunidade (UNESCO, 2007).
Na leitura, ser letrado entender, usar e refletir sobre textos escritos, a fim de alcanar as prprias metas para desenvolver o conhecimento e as potencialidades e participar na
sociedade (OCDE, 2007, trad. da autora).
cone dicionrio
Analfabeto funcional: o indivduo que, apesar de ter frequentado a escola, no
consegue compreender, nem produzir os textos de que necessita.
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Convm, neste passo, retomar a reflexo sobre letramento. Na definio de letrado
funcional da UNESCO infere-se que o letramento efetivo pressupe que a pessoa saiba
ler, isto , compreenda os textos que circulam socialmente, permitindo o engajamento
do indivduo em todas as atividades nas quais tais competncias sejam necessrias.
Infere-se, igualmente, no haver uma oposio entre alfabetizao e letramento,
porquanto s se torna efetivamente letrado quem estiver alfabetizado, havendo,
portanto, uma complementaridade entre ambos e no excluso mtua. Magda Soares
(2004) discute em profundidade tais questes.
H vrios nveis de analfabeto funcional: o mais grave aquele em que, por no ter sido
alfabetizado, o indivduo no reconhece a palavra escrita. Ao ver uma sucesso de
caracteres ao lado de uma gravura de um gato diante de um prato com leite, adivinha: O bichinho est lambendo o prato, ao invs de ler o que est escrito: O gato est
tomando leite.
Foto/desenho gato com leite e legenda: O gato est tomando leite.
o que sucede com aqueles que foram alfabetizados pelo mtodo global, ou aqueles que foram alfabetizados, emparelhando uma palavra a uma figura e adivinham o que
est escrito. Segue-se aquele que consegue decifrar algumas letras, mas, ou foi
alfabetizado pelo nome das letras, ou no aprendeu que uma ou duas letras (os
grafemas) tm o valor de uma classe de sons (os fonemas), o qual, em alguns casos, vai
ser diferente conforme a letra que vem depois. Nesse segundo caso, tal aluno titubeia
diante das letras e sua leitura penosa: no s o esforo tal que ele perde qualquer
gosto pela leitura, como tambm a memria de trabalho no consegue processar as
palavras com fluncia e a pessoa acaba no entendendo o que leu.
Uma classificao mais operacional em cinco nveis a utilizada pelo LAMP (Literacy
Assessment and Monitoring Programme), programa de testagem e monitoria da
UNESCO (2007):
(fazer como uma escada ao lado, com destaque para os nmeros. Colocar o nvel um no
degrau mais baixo, e o 4 e 5 no mais alto)
Nveis 4 e 5: Os entrevistados demonstram domnio das habilidades para processar
informao mais complexa.
Nvel 3: Mnimo adequado para dar conta das demandas dirias e de trabalho, numa
sociedade complexa. o nvel requerido para completar a escola secundria e entrar na
universidade.
Nvel 2: Os entrevistados s conseguem operar tarefas e material escrito simples,
disposto com clareza. Conseguem ler, mas se saem mal nos testes de compreenso.
Podem ter desenvolvido habilidades de cpia para dar conta das demandas de escrita
mais corriqueiras, mas acham difcil enfrentar novos desafios como os exigidos no
trabalho.
Nvel 1: O indivduo possui habilidades muito pobres e pode nem ser capaz de
determinar a dose correta do remdio para dar ao filho, a partir do rtulo da embalagem.
(trad. da autora)
Dados alarmantes
O Departamento de Educao do Reino Unido em seu relatrio de 2006 informou que
47% das crianas deixam a escola aos 16 anos sem ter adquirido o nvel bsico em
matemtica funcional e 42% falham em alcanar o nvel bsico no ingls funcional
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(Guardian Unlimited, 10/07/2007). A cada ano, 100.000 alunos deixam a escola como
analfabetos funcionais no Reino Unido. Embora a taxa de letramento, nos Estados
Unidos, seja muito elevada, mensurada por no mnimo oito anos de escolaridade,
estatsticas recentes indicam a existncia de aproximadamente 30 milhes de
analfabetos funcionais, cifra que vem aumentando (Civilliberties, 2007).
Foto aluno na escola:
Legenda: Frequentar a escola at completar o ensino fundamental no garante que o
indivduo consiga entender e usar os textos escritos, nem refletir sobre eles.
Somente as instituies que investiram pesado na formao do magistrio e adotaram
mtodos e materiais advindos das pesquisas avanadas conseguiram resultados
satisfatrios no domnio da leitura e escrita por parte da populao. A China, a
Finlndia, a Coreia, Hongkong, cidade-estado e Singapura, pases que investiram
pesado em educao de qualidade, tm conseguido os melhores escores, ao contrrio de
pases como Azerbaijan ou Kyrgyzstan, nas ltimas posies.
Outros dados preocupantes se referem aos anos de escolaridade da populao, em
virtude das altas taxas de evaso escolar no Brasil, particularmente no nvel mdio, com
10% de abandono, em 2006, passando para 11% em 2008, enquanto pases como o
Chile, Paraguai e Venezuela ostentam 3% (GOMIDE, 2010).
Como as Neurocincias, a Psicolingustica e a Lingustica podem contribuir para
reverter o quadro? Uma das possibilidades conhecer quais as medidas que foram
tomadas em cenrios que apresentavam taxas alarmantes de analfabetismo funcional e
que conseguiram baix-las consideravelmente. o que voc ver a seguir.
O programa Inciativa de Interveno Precoce
O programa Inciativa de Interveno Precoce (Early Intervention Initiative, EII) foi
desenvolvido pelo Conselho do Condado Oeste de Dunbartonshire, na Esccia, que, em
junho de 2007, recebeu o prestigioso prmio do Municipal Journal pela maior conquista
em assistncia criana no Reino Unido (West Dunbartonshire Council, 2007). um
bom exemplo a ser seguido!
Confira como se deu a implantao do progama.
(fazer estilo linha do tempo)
1997 - Incio do programa. Somente 5% das crianas que frequentavam a primeira srie
da escola primria, que equivale ao Ensino Fundamental no Brasil, conseguiam escores
altos em leitura. Meta: acabar em 10 anos com o analfabetismo funcional.
1998 - Com um ano de aplicao, 45% das crianas conseguem escores altos em leitura.
2001 - Um em cada trs alunos do secundrio (28%) era analfabeto funcional. Depois
de ter frequentado sete anos do ensino fundamental, seu nvel de leitura era o
equivalente ao de uma criana de nove anos e meio.
2005 - As crianas do programa comeam a ingressar na escola secundria. O ndice de
analfabetismo funcional cai para 6%.
Como isto foi obtido? Sem entrar em detalhes, que voc conhecer mais frente,
observe, de sada, que o programa prioriza a educao infantil, desenvolvendo a
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conscincia fonolgica na pr-escola e utilizando basicamente o mtodo fnico sinttico
e o enfoque multissensorial de Montessori, com material pedaggico elaborado a partir
de pesquisas da proposta Jolly Phonics (WERNHAM; LLOYD, 1993, 2007). Tambm
conta com atividades de interveno, com uma equipe de professores especialmente
treinados; avaliao e monitoria contnuas; tempo extra para a leitura no currculo,
assessoria s famlias e de quem cuida das crianas e a incrementao de um entorno de
letramento na comunidade (Guardian Unlimited, 2007).
cone Na Prtica
Fatos e Nmeros
Mais de 30 mil alunos foram individualmente testados.
Mais de 29 mil alunos foram testados em grupo.
As crianas com aproveitamento insatisfatrio na aprendizagem da leitura,
escrita e clculo so acompanhadas individualmente por especialistas at
superarem as dificuldades (Programa Toe By Toe/ Passo a Passo).
A vontade poltica da administrao do condado, que investiu no projeto de
erradicar o analfabetismo funcional em 10 anos, fez a diferena.
Foram convocados especialistas como assessores.
A famlia e a comunidade foram envolvidas, com um trabalho para suplementar
o chamado currculo escondido.
cone dicionrio
Currculo escondido: So os conhecimentos incorporados pela criana em lares em
que a informao escrita circula e por ter sido submetida a narrativas lidas, a jogos
educativos, mdia e ao prprio discurso de familiares que convivem diariamente com
tal informao.
A efetividade de tais medidas para erradicar o analfabetismo funcional no Reino Unido
vem confirmada pelo comentrio da Chefa dos Inspetores de sua Majestade, Christine
Gilbert (2007, p. 2) ao Relatrio Anual de 2006/07. O relatrio final, publicado em
2006, chamou a ateno para a importncia fundamental do desenvolvimento da fala
das crianas. Tambm fez inmeras recomendaes chave para as escolas, sobre o
ensino da fnica. Em especial, recomendou que o trabalho sistemtico com a fnica
fosse ensinado de modo destacado; em outras palavras, os professores deveriam destinar
um devido tempo todos os dias para que as crianas adquirissem o conhecimento, as
habilidades e a compreenso de modo a habilit-las a decodificar (a ler) e a codificar (a
escrever/ortografar) a escrita. Tambm recomendou que o trabalho fnico de alta
qualidade fosse o enfoque privilegiado para ensinar as crianas a lerem, de modo que
pudessem se deslocar mais suavemente de aprender para ler, para ler para aprender.
Reflexes sobre o programa Inciativa de Interveno Precoce
Dado o fato de que muitos projetos para a incrementao do letramento apresentaram
resultados to insatisfatrios, uma das primeiras tendncias copiar, sem reflexo ou
adaptao a cenrios diferentes, o que deu resultados noutros lugares.
evidente que algumas medidas so indiscutveis, por exemplo, a vontade poltica das
instituies responsveis pela educao de convocar os especialistas em ensino-
aprendizagem da leitura e escrita para assessorarem em larga escala os educadores do
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ensino pr-escolar e fundamental, bem como os autores do respectivo material
pedaggico. Isso implica a presena no s de pedagogos e psiclogos altamente
especializados, como o concurso de neurocientistas, linguistas, psicolinguistas e
fonoaudilogos, que devero se ocupar da reformulao dos currculos, da formao
continuada do magistrio, das prticas escolares, do material pedaggico, da avaliao
peridica e da recuperao dos alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem da
leitura e escrita.
A compreenso por parte dos professores das bases cientficas que fundamentam, por
exemplo, a fnica, impedir a prtica mecnica e inadequada dos exerccios, o que
redundaria no efeito inverso ao desejado. Neste livro, voc encontar tais fundamentos e
saber como vencer quatro grandes desafios.
Dica
Repetir mecanicamente os exerccios um caminho que deve ser abandonado.
Desafio 1: A fala percebida como um contnuo.
A razo primordial que fundamenta a fnica que a base dos sistemas alfabticos, ou
seja, os grafemas (formados por uma ou mais letras) representam um fonema (classe de
sons com funo de distinguir significados). Ora, isto vai contra a percepo que o
indivduo tem da fala antes de se alfabetizar. A fala percebida como um contnuo,
residindo a uma das maiores dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita.
Portanto, um trabalho sistemtico tem que ser desenvolvido para que o indivduo
reconstrua de modo consciente a percepo da fala e possa desmembrar a cadeia da fala
em palavras e a slaba em seus constituintes. Alm disto, at se alfabetizar, as imagens
visuais so processadas simetricamente, sem que a direo dos traos para a esquerda ou
direita seja diferenciada. Tanto os fonemas, quanto os grafemas que os representam, tm
a funo de distinguir significados. Lembre-se de que tanto a lngua oral, quanto a
escrita fazem parte dos sistemas semiticos e servem para comunicar pensamentos.
Desafio 2: impossvel articular isoladamente uma consoante oclusiva.
Outro risco decorrente da falta de conhecimentos de fontica para quem ensina fnica
pensar que possvel ouvir ou articular isoladamente uma consoante oclusiva. Ora,
existe uma impossibilidade articulatria para a produo de tais sons, se no se
apoiarem numa vogal ou som voclico precedentes e/ou subsequentes, uma vez que
necessrio romper o obstculo (assinalado pelo silncio) para que possa ser percebido
qualquer sinal.
Foto de boca
Legenda: Na lngua portuguesa, encontram-se seis consoantes oclusivas: /p/, /b/, , /d/,
/k/ e /g/: tente produzi-las isoladamente e vai ver que impossvel!
Desafio 3: O nome da letra no representa seu valor.
Outra questo terica desconhecer que a decodificao precisa ser aprendida pelos
valores que as letras tm, muitas vezes condicionadas pelo contexto, e no por seus
nomes. Isto particularmente grave no portugus com os grafemas c, g, h, m, n, q, s, x, z e todos os grafemas que representam as vogais, mas o princpio vale para todos os grafemas.
Foto de bola.
Legenda: Evidentemente, a palavra bola no se l como be--li-a.
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Desafio 4: Existncia de guetos lingusticos.
Finalmente, alm das questes que remontam educao pr-escolar e fundamental e ao
preparo dos professores, a exploso lexical e semntica e de universos especializados,
ocasionada pelas revolues cientficas e tecnolgicas aceleradas, determinou a
formao de verdadeiros guetos lingusticos, impermeveis mesmo para os
considerados bons leitores. Isto vem determinando o fracionamento do conhecimento e
a impossibilidade de se compreenderem os inmeros universos cognitivos: o ideal
humanstico se encontra cada vez mais distante. Talvez, um dos caminhos seja a
formao de um novo tipo de profissional capaz de traduzir o texto especializado para o
grande pblico, o que em parte vem sendo exercido pelo jornalista cientfico. Mas um
caminho, com certeza, alfabetizar bem, para desenvolver a competncia em leitura e,
assim, fazer com que as pessoas leiam cada vez mais universos de conhecimentos
diversificados e mais complexos.
Ora, voc vai ver que a competncia em leitura se desenvolve, medida que o indivduo
l e, para tanto, o reconhecimento dos traos que diferenciam as letras entre si e a
articulao deles em grafemas, associados aos valores sonoros que eles representam,
ambos com a funo de distinguir significados, tm que ser automatizados.
Foto: pessoa lendo livro.
Legenda. A automatizao do reconhecimento dos traos que diferenciam as letras entre
si e dos valores dos grafemas libera o leitor para o entendimento do texto.
No prximo captulo, voc ver como as descobertas das neurocincias podem ajudar a
desenvolver uma alfabetizao, leitura e escrita mais competentes.
(cone) Pontos importantes
Na segunda unidade foram examinados os seguintes pontos:
o conceito de analfabetismo funcional;
a classificao de alfabetismo adotada pelo INAF;
a evoluo do alfabetismo no Brasil;
os cinco nveis de competncia leitora;
dados alarmantes sobre analfabetismo funcional;
o programa Inciativa de Interveno Precoce;
os quatro grandes desafios alfabetizao.
(bloco de anotaes)
Sugestes para reflexo e pesquisa
Na sua avaliao, qual o problema mais grave no Brasil: o do analfabeto total ou o do
analfabetismo funcional? Realize na Internet uma pesquisa sobre o assunto, consultando
as estatsticas do IBGE.
O que o Relatrio PISA?
Consulte e reflita sobre o que
vem a ser competncia em linguagem, matemtica e cincias, e a importncia da
competncia em leitura para o desempenho em matemtica e cincias.
Por que o analfabetismo funcional fator de excluso social?
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(cone) Avaliao de aprendizagem
2. Analfabeto funcional :
a ( ) o indivduo que nunca frequentou a escola.
b ( ) o indivduo que no sabe o nome das letras.
c ( ) o indivduo que, mesmo tendo frequentado a escola, no compreende os textos
necessrios sua insero na sociedade.
d ( ) o indivduo que no fala corretamente.
e ( ) o indivduo que s frequentou a escola at o 3 ano do Ensino Fundamental.
3. As neurocincias na alfabetizao e leitura
cone sntese
No segundo captulo, voc verificou que alarmante o nmero de analfabetos
funcionais no Brasil e constatou que os alunos brasileiros tm obtido pssimos escores
na avaliao mais importante do mundo sobre competncias em linguagem, matemtica
e cincias. A reflexo foi encaminhada para a seguinte questo: por que no se aplicam
alfabetizao e ao ensino-aprendizagem da leitura e escrita as concluses a que
chegaram as pesquisas de ponta no assunto, realizadas pelas neurocincias, pela
psicolingustica e pela lingustica?
cone objetivos
Nesse captulo voc descobrir como as neurocincias esto contribuindo para que se
entendam os processos envolvidos na leitura e como se d a reciclagem dos neurnios
em uma regio especfica do crebro para o reconhecimento dos traos invariantes que
diferenciam as letras entre si. Tambm ver como a articulao de uma ou duas letras
(os grafemas), associados aos fonemas, possuem a funo de distinguir significados.
Perceber como o processamento da linguagem verbal e do significado se do em
paralelo, com entradas e sadas simultneas da informao.
Fundamentos
Graas imagem por ressonncia magntica (IRM), eletroencefalografia (EEG) e
magnetoencefalografia (MEG), pode-se rastrear como nosso crebro trabalha durante a
leitura.
As principais concluses de tais pesquisas so de grande valia para se repensarem os
mtodos de alfabetizao e o ensino-aprendizagem da leitura e escrita, alm de nos
esclarecerem sobre as dificuldades que os alunos apresentam, decorrentes de distrbios
de ateno ou da dislexia.
cone dicionrio
Dislexia: um distrbio de ordem gentica determinado pela migrao, no feto, dos
neurnios desde a zona germinal ao redor dos ventrculos at a posio final nas
diferentes camadas do crtex, de que resulta uma dificuldade em reconhecer a palavra
escrita.
-
A capacidade para aprender a ler e a escrever exclusiva da espcie humana. Ela se
deve, fundamentalmente, aos seguintes fatores de como est estruturado e funciona o
sistema nervoso central, que voc ver a seguir:
plasticidade dos neurnios para se reciclarem para novas aprendizagens, inclusive as
que vo de encontro programao biopsicolgica;
dominncia e especializao das vrias reas secundrias para a linguagem verbal no
hemisfrio esquerdo e integrao nas reas tercirias;
interconexo entre as vrias reas, mesmo distantes, inclusive as que processam a
significao, com as que processam em paralelo a linguagem verbal;
processamento das variantes recebidas nas reas primrias, atravs do emparelhamento
com formas invariantes mais abstratas que os neurnios reconhecem nas reas
secundrias;
arquitetura neuronal capaz de processar formas sucessivamente mais abstratas e
complexas. A funo semitica.
Mecanismos de retroalimentao simultneos para autocorreo.
Memria permanente para registro dos esquemas e padres aprendidos, o que garante o
acionamento do conhecimento prvio.
Complicado? Um pouco, mas examinando o crebro fica mais fcil entender.
-
Ao refazer, corrigir no quadro: occpito-temporal occipitotemporal
Figura 1. Viso moderna das redes corticais da leitura (adaptao a partir de
DEHAENE, 2012, p. 78).
Perceba que o crebro formado por muitas regies, e cada uma delas tem sua funo.
Nos processos de aprendizagem, vrias regies so utilizadas simultaneamente. Mas
como?
O que acontece quando nos deparamos com um texto escrito
Nossos olhos no abarcam uma linha inteira, em virtude das limitaes de a nica parte
da retina, realmente til para a leitura, chamada fvea, rica em clulas fotorreceptoras,
os cones, ocupar apenas 15 do campo visual. Por isso, nossos olhos correm pela linha,
em movimentos de sacada (quatro ou cinco por segundo). Durante estes movimentos,
no vemos nada. S ao parar em um ponto, a fixao, a fvea consegue abarcar 3 ou 4
caracteres esquerda do centro do olhar, e 7 ou 8 direita, nos sistemas de escrita com
direo da esquerda para a direita. Tais movimentos oculares so controlados pelos dois
colcolos superiores, situados abaixo do tlamo e rodeados pela glndula pineal do
mesencfalo.
preciso explicar que as regies do crebro que recebem a informao se dividem em
trs grandes blocos. As reas primrias, formadas por sensores sensoriais e
somestsicos, as reas secundrias, especializadas para processamentos refinados que
dependem da especializao dos neurnios, atravs da experincia, para reconhecer as
invarincias e as tercirias que fazem a integrao dos resultados dos vrios
processamentos. Com a viso a mesma coisa. A rea primria, para processar os sinais
luminosos, fica na parte posterior e central da regio occipital de ambos os hemisfrios.
Os sensores decompem os sinais luminosos em mirades de pontos que,
metaforicamente, vamos chamar de pxeis. S depois da recomposio em formas
invariantes que possam emparelhar com as dos respectivos neurnios estes sinais so
enviados para as reas especializadas: esse primeiro processamento dura
aproximadamente 50 milissegundos. A distribuio preferencial para a regio
especializada em reconhecer os traos das letras, isto , a regio occipitotemporal
ventral esquerda, j comprovada pelas pesquisas em neurocincias, coloca uma p de
cal nos mtodos globais ou similares de alfabetizao, pois o reconhecimento global ou
por configurao efetuado, preferencialmente, pela regio homolateral direita.
cone dicionrio
Somestesia: a capacidade que homens e animais tm de receber informaes sobre as
diferentes partes do seu corpo. Conjunto de sensaes corporais como tato, dor etc;
conscincia corporal.
Esquema (fazer com cones/iustraao esquemtica, dos trs pontos: rea de leitura,
movimento, fixao,conforme descrito a seguir)
Processo de Leitura
Olho marcando 15. Legenda: rea de leitura Olhos com movimento Legenda: movimento de sacada -\
-
Trecho de uma linha, com destaque para uma parte do texto, sendo que 3 ou 4 caracteres
esquerda do centro do olhar, e 7 ou 8 direita esto destacados em outra cor,
simulando um texto de jornal O professor muito importante. Legenda: Fixao na leitura
Reconhecimento dos traos invariantes
Os neurnios da regio occipitotemporal ventral esquerda reconhecem os traos
invariantes que compem as letras, cujos valores so os mesmos, independentemente de
seu tamanho, da caixa (MAISCULA ou minscula), da fonte (imprensa,
manuscrita, itlico, negrito ou sublinhado, etc.), da cor, ou da posio que
ocupam na palavra.
O reconhecimento das invarincias possvel e necessrio por duas razes,
fundamentalmente:
porque, como mecanismo adaptativo, o sistema visual dos primatas deve reconhecer as
formas bsicas do que se encontra na natureza, independentemente das variantes que o
olhar capta, conforme a distncia, o ngulo de viso, a incidncia da luz e sombra e a
parte em relao ao todo, etc.;
porque, e essa especificamente humana, s essa explica a capacidade dos neurnios da
regio occipitotemporal ventral esquerda em reconhecer os traos invariantes que
compem as letras: na espcie humana, os respectivos axnios esto ligados a todas as
regies que processam a linguagem verbal e simultaneamente regio que processa o
significado.
Icone dicionrio
Axnios: Prolongamentos dos neurnios que levam a informao a outros neurnios
atravs do mecanismo denominado sinapse.
Desde o incio do sculo XX que a lingustica props o conceito de fonema, a unidade
que cobria todas as realizaes possveis tanto em nvel da recepo quanto da
produo, com a funo de distinguir significados. Um exemplo o par mnimo /karu/
oposto a /kaRu/, independentemente do fato de /R/ poder se realizar como fricativa velar surda, vibrante pico-alveolar mltipla, uvular ou glotal aspirada. A noo de
fonema foi ampliada como sendo um feixe de traos distintivos (esses ltimos tambm
invariantes).
Somente agora, atravs das tcnicas de neuroimagem funcional (IRM), de
eletroencefalografia (EEG) e de magnetoencefalografia (MEG), mais conhecidas pelos
seus acrnimos, foi possvel verificar que h neurnios especializados na regio
occipitotemporal ventral esquerda para reconhecer os traos invariantes das letras e isso
possvel porque uma ou duas letras (os grafemas) esto associadas a um fonema,
ambos com a funo de distinguir significados. A mesma diferena que voc faz entre
/r/ e /R/, voc faz entre r e rr, R e RR, R e RR e isso porque, por exemplo, caro e
carro tm significados diferentes.
Foto de carro.
Legenda: Um carro pode ser caro - e voc no confunde carro com caro!
Icone dicionrio
-
Acrnimo: duas ou mais letras iniciais de palavras que constituem uma frase, que
passam a representar a respectiva referncia, como, por exemplo, UFSC Universidade Federal de Santa Catarina.
A verificao de que os neurnios na regio occipitotemporal ventral esquerda
reconhecem as invarincias dos traos que compem as letras e de que eles aprendem a
reconhec-las porque uma ou duas letras esto associadas aos fonemas, e os axnios de
tais neurnios se projetam em cadeias sucessivas at chegar regio que processa a
linguagem verbal, inclusive a que processa os significados, tem profundas implicaes
sobre a metodologia da alfabetizao, particularmente em sistemas alfabticos como o
do portugus brasileiro em que, para a leitura, o sistema apresenta muita transparncia.
cone na prtica.
Trabalhe o reconhecimento dos traos que diferenciam as letras entre si sempre com os
valores que uma ou duas letras (grafemas) tm para representar os fonemas, ambos para
distinguir significados. Por exemplo, ao acrescentar um trao vertical esquerda e outro
direita da letra V, voc distingue VALA de MALA. Ao mesmo tempo, sempre pronuncie a palavra e, quando possvel (o que o caso, no exemplo), produza o som
isolado de [v] e [m], associado aos respectivos grafemas v e m. Ative, tambm, outras regies de reconhecimento ttil, motor e cinestsico, acompanhando a direo do
movimento da letra, o que refora a aprendizagem dos neurnios. O corolrio desse
princpio o de que as letras no devem ser ensinadas isoladamente e, muito menos, por
seu nome. O mesmo se aplica a trabalhar com sons isoladamente, que no sejam a
realizao de fonemas, portanto, fora da funo de distinguir significados. Claro que
essa atividade muito necessria nas aulas de msica, mas no tem a ver com o
processo de alfabetizao.
Quanto mais associaes forem feitas com as diferentes regies cerebrais que
processam a linguagem verbal (sempre no hemisfrio esquerdo), tanto mais rpida e
profunda a aprendizagem. Esse princpio j havia sido compreendido por Montessori,
da porque os mtodos de alfabetizao que utilizam atividades multissensoriais
favorecem a aprendizagem: observe-se, porm, que para fixar as invarincias dos
traos que distinguem as letras. Por isso, voc deve tambm associar ao reconhecimento
visual da letra e ao seu valor sonoro gestos que acompanhem o traado da letra, por
exemplo, na letra V, fazer com que a criana acompanhe com o dedo o movimento de cima para baixo e, depois, de baixo para cima, pois, no s so quatro sensaes (a
visual, a ttil, a cinestsica e proprioceptiva) a reforar a aprendizagem dos neurnios,
como voc estar trabalhando com a direo espacial, outra propriedade essencial
leitura. A emisso simultnea do som (realizao do respectivo fonema) acresce s
quatro sensaes a auditiva e a proprioceptiva dos movimentos do aparelho fonador.
Foto de colar contas, ou criana enfiando contas em um fio.
Legenda: Uma coisa acompanhar com o dedo o traado da letra V de cima para baixo e, depois, de baixo para cima, produzindo o som correspondente ao fonema que ela
representa. Enfiar contas numa linha, para desenvolver a psicomotricidade, no tem
nada a ver com ensinar os neurnios a reconhecer tal letra e depois poder escrev-la!
Utilize um sistema cada vez mais complexo acompanhando o incremento das projees
sinpticas. A cada uma das projees sinpticas, cada vez mais distantes da regio
-
occipital primria, as unidades processadas vo se tornando mais complexas: slabas,
morfemas, palavras, frases, oraes, perodos e texto, graas ao que se denomina
arquitetura neuronal.
Falta falar ainda sobre o que as neurocincias nos dizem sobre dois problemas que
afligem os educadores. A leitura e escrita espelhadas no incio da alfabetizao e a
dislexia.
Leitura e escrita espelhada
Para que se entendam a leitura e escrita espelhadas, no incio da alfabetizao, que, s
vezes, perduram por longo tempo, necessria a explicao a seguir.
As projees visuais so cruzadas
Os sinais luminosos que se apresentam esquerda se projetam sobre a metade direita da
retina de cada olho, de onde a informao enviada em direo s reas visuais
primrias na regio occipital do hemisfrio direito; e os sinais luminosos apresentados
direita se projetam sobre a metade esquerda da retina de cada olho e so tratados na
regio occipital do hemisfrio esquerdo. Cada vez que um hemisfrio aprende uma informao visual nova, este trao de memria imediatamente transmitido ao outro
hemisfrio. Essa transferncia passaria, por certo, pelo corpo caloso,
esse vasto feixe de fibras que liga as reas correspondentes dos dois
hemisfrios. Supondo que esse feixe liga, ponto a ponto, as reas
visuais simtricas dos dois hemisfrios, ento a transferncia entre os
hemisfrios deveria inverter a direita e a esquerda (DEHAENE, 2012, cap. 7).
Para que os neurnios reconheam qualquer coisa como sendo a mesma, so
desprezadas, pois, as diferenas entre esquerda e direita, o que se denomina de
simetrizao, quando a informao provinda de ambas as retinas atravessa o corpo
caloso: tanto faz a ala de uma xcara estar para a direita ou para a esquerda, voc
reconhece a xcara como sendo a mesma.
Foto de uma xcara, em diferentes posies.
Legenda: Uma xcara uma xcara, no importa a posio!
Ora, essa percepo ter que ser refeita durante a alfabetizao, pois colocar as trs
pequenas retas horizontais paralelas s pode ser direita da reta vertical para formar a
letra E. Mais difcil, ainda, reconhecer a diferena entre d e b, ou entre q e p, a qual reside apenas no fato de as primeiras letras de cada par estarem com o semicrculo
esquerda da haste e as segundas, inversamente, com o semicrculo direita da haste
(espelhamento na horizontal). Outra diferena que os neurnios desprezam a inverso
vertical: se a mesa estiver com o tampo para baixo e as pernas para cima, ainda assim
ser reconhecida como uma mesa; o mesmo se pode dizer de um guarda-chuva ou de
um tomate. Mas com as letras isso no ocorre. A nica diferena entre M e W a direo vertical (espelhamento vertical), o que ocorre tambm com o que diferencia b -p; d - q;e a; u - n. Isso significa que, na alfabetizao, os neurnios da regio occipitotemporal ventral esquerda tero que se reciclar para reconhecer a diferena entre
direo esquerda e direo direita e entre direo para cima e para baixo.
-
Foto de uma mesa, com as pernas para baixo e para cima.
Legenda: Uma mesa continua sendo uma mesa, com as pernas para cima ou para baixo
- o mesmo no ocorre com as letras.
Trata-se de uma aprendizagem especfica e, lembre-se, s ocorrer se for ensinada com
a funo de distinguir significados, como em bote/dote; bote/pote; dado/dedo.
Fotos de bote e pote, dado e dedo, com as sublegendas: bote, pote, dado, dedo.
Legenda: O espelhamento, s vezes, a nica diferena na leitura.
Essa reciclagem muito difcil porque continua convivendo com o fato de que, para os
demais reconhecimentos, os neurnios que processam a viso continuam a desprezar as
diferenas entre esquerda e direita e entre em cima e embaixo. Por isso, as crianas
persistem na leitura e escrita espelhadas por algum tempo, em maior ou menor grau,
mas isso no significa que sejam dislxicas.
Icone dicionrio
Dislexia: A dislexia um distrbio de ordem gentica que se origina, segundo muitos
autores, quando se d, no feto, a migrao dos neurnios desde a zona germinal ao redor
dos ventrculos at a posio final nas diferentes camadas do crtex.
Alguns genes foram associados ao erro de migrao dos neurnios que caracterizam a
dislexia, como o gene DYX1C1 sobre o cromossoma 15 e os genes KIAA0319 e
DCDC2, sobre o cromossoma 6 e o ROBO1 sobre o cromossoma 3. Esse erro de
posicionamento dos neurnios determina que, futuramente, tais indivduos venham a ter
dificuldades no reconhecimento das letras, particularmente, quando est envolvido o
trao de espelhamento. Em consequncia, tais sujeitos falham nos testes de conscincia
fonolgica. Est registrado que os dislxicos apresentam uma diminuio de atividade
na regio temporal esquerda, responsvel pelo processamento dos fonemas.
Atualmente, alguns programas tm se mostrado eficientes na recuperao dos
dislxicos: trata-se da reeducao atravs de jogos no computador, uma vez que eles
fascinam o educando. Os programas se baseiam na proposta de Vygotsky sobre zona
proximal de aprendizagem.
Icone dicionrio
Zona proximal de aprendizagem: Trata-se de uma rea de desenvolvimento da
cognio, na qual, usando uma metfora espacial, define-se a distncia entre a
capacidade atual de a criana sozinha resolver problemas e o nvel de desenvolvimento,
avaliado pela resoluo de problemas com o auxlio de adultos ou de colegas mais
adiantados (VYGOTSKY,1991).
(cone) Pontos importantes
No captulo 3 foram abordados os seguintes assuntos:
As recentes descobertas das neurocincias, que podem ajudar na escolha do melhor
mtodo para a alfabetizao e para o desenvolvimento das competncias em leitura e
escrita;
-
Como os neurnios humanos so dotados de plasticidade para a aprendizagem de novos
reconhecimentos e que, no caso da leitura, esses neurnios se encontram numa regio
denominada regio occipitotemporal ventral esquerda;
Como a reciclagem possvel, pois porque tais neurnios aprendem a reconhecer os
traos invariantes das letras, inclusive o direcionamento para a esquerda ou direita e
para cima ou para baixo, que integram as letras, uma ou duas constituindo os grafemas,
associados aos fonemas, ambos com a funo de distinguir significados;
Dessa regio ocorrem projees para todas as regies que processam a linguagem
verbal, em nveis cada vez mais abstratos, at se chegar ao processamento do texto e
que esses processamentos ocorrem em paralelo, no unidirecionalmente, mas com
informaes transportadas pelos axnios e acolhidas pelos dendritos, num fluxo
contnuo.
Icone dica:
Aprofunde seus conhecimentos lendo o livro Os Neurnios da Leitura, de Stanislas
Dehaene, da editora Penso, 2012, em especial, as pginas 282-302.
Para visualizar os neurnios, acesse:
(bloco de anotaes)
Sugestes para reflexo e pesquisa:
O que voc entende por plasticidade e reciclagem neuronal?
O que voc entende por reas primrias, secundrias e tercirias no crebro?
O que espelhamento?
(cone)
Avaliao de aprendizagem
3. O processamento da linha impressa se d...
a ( ) durante os movimentos em sacada.
b ( ) abarcando a linha do incio, esquerda, at, o final direita.
c ( ) abarcando toda a pgina, da o xito da leitura dinmica.
d ( ) no momento da fixao, abarcando aproximadamente entre 10 a 12 letras.
e ( ) aleatoriamente.
-
4. Desenvolvimento da lngua verbal oral
cone sntese
No terceiro captulo, voc viu, fundamentalmente, que os neurnios humanos so
dotados de plasticidade para a aprendizagem de novos reconhecimentos e que, no caso
da leitura, esses neurnios se encontram numa regio denominada regio
occipitotemporal ventral esquerda. Agora, voc aprofundar como a criana adquire sua
variedade sociolingustica oral.
cone objetivo
Nesse captulo, voc ver os fatores que intervm na aquisio da lngua oral, mais
especificamente na sua variedade sociolingustica, uma vez que, sendo a aprendizagem
da leitura e da escrita secundria em relao aquisio de sua variedade
sociolingustica oral, deve-se ter clareza sobre como esta adquirida. Voc verificar
que trs fatores intervm para a aquisio da lngua oral: os inatos, os maturacionais e
os ambientais.
Fatores inatos
O que so fatores inatos? So os fatores biopsiquicamente determinados pela espcie,
em especial, a estrutura, o amadurecimento e o funcionamento do sistema nervoso
central, o qual, atravs de suas redes neurais, se coloca como o instrumento principal e
especfico de sobrevivncia. Dentre as vrias funes para as quais o sistema nervoso
central programado, sobressai a capacidade de operar com signos, principalmente os
signos verbais orais, que registram as informaes na memria permanente, sejam as
que o prprio indivduo vivencia, sejam as que lhes so transmitidas. A memria
cognitiva humana programada para registrar os episdios individuais e coletivos na
forma de narrativas factuais ou fictcias. A lngua verbal oral serve como moeda
corrente para a socializao e para a organizao das ideias (o pensamento lgico).
Serve tambm como meio de expresso das emoes e como matria para a produo
esttica.
Foto pessoas
Legenda: Na maioria dos indivduos, mesmo nos canhotos, o hemisfrio nos quais as
redes se especializam para a lngua verbal o esquerdo.
Para que esta programao compulsria da espcie humana seja ativada, necessria
uma alavanca, ou seja, a interao lingustica, cujos dados devero ser captados por um
canal de entrada e reconstrudos pela percepo.
cone Ateno
O canal de entrada privilegiado pela espcie humana para captar a lngua verbal oral o
auditivo, mas ele reforado pelas informaes do chamado canal proprioceptivo que
reconhece os movimentos do trato vocal e tambm pela viso que faz a leitura dos
gestos dos lbios e maxilar inferior, sincronizados com o que a criana escuta.
cone dicionrio
-
Canal Proprioceptivo: o canal que envia informaes ao crebro sobre os
movimentos realizados por nosso corpo, no caso, os realizados pelo aparelho fonador da
criana que est ensaiando suas primeiras falas.
O canal privilegiado para emitir a lngua verbal, isto , os gestos fonoarticulatrios, o
aparelho fonador: pulmes, laringe, faringe, trato bucal e fossas nasais.
Concluso: a criana que no apresenta nenhum impedimento sensorial ou cognitivo
para processar a fala nasce programada para operar com signos verbais, no devido
tempo, em virtude de como o sistema nervoso central est estruturado e funciona.
Problemas congnitos de m conformao e/ou que afetem os circuitos envolvidos no
processamento da lngua verbal requerem o atendimento de especialistas, pois
dificilmente podem ser tratados por leigos.
Nesse ponto preciso deixar bem claro que, embora a espcie humana seja programada
para a linguagem verbal, o alvo, naquilo que define sua essncia, , por um lado, a
compreenso das mensagens recebidas e, por outro, a produo de textos com sentido,
em situaes temporalmente sempre novas. A mera repetio mecnica de enunciados,
mesmo com articulao aceitvel, no se constitui em linguagem verbal conforme
definido.
Dica
Quando a criana nasce surda, se no houver comprometimentos nos centros do sistema
nervoso central envolvidos no processamento da lngua verbal, e se a criana estiver
exposta a sistemas que utilizem outros canais como o vsuo-gestual (a lngua brasileira
dos sinais, L.I.B.R.A.S., por exemplo), a lngua verbal, tal como definida, poder se
desenvolver.
Fatores maturacionais
Embora o feto possa ser gerado sem nenhum comprometimento, seu desenvolvimento
no deve sofrer nenhum acidente de percurso: enfermidades adquiridas pela gestante,
como a rubola, ingesto de drogas durante a gravidez e, o que exige medidas de
profundidade, alimentao deficiente em protenas durante os meses iniciais de
formao da criana, podem ter profundas repercusses.
Os circuitos que ligam os diversos centros do sistema nervoso central no nascem
prontos: os prolongamentos dos neurnios precisam ser recobertos por uma camada rica
em protenas, processo conhecido como mielinizao, para que se estabeleam as
ligaes de modo adequado e no momento certo.
Para produzir os primeiros enunciados, a criana vai calibrando, isto , comparando o
que diz com o que quer dizer (auto-regulao total ou total feedback): recebe
simultaneamente em seu crebro informaes proprioceptivas dos gestos do aparelho
fonador, bem como imagens acsticas dos sons que emitiu. Conforme se pode
depreender, os circuitos interligados desempenham papel decisivo no desenvolvimento
da lngua verbal.
Ateno!
A maturao dos circuitos envolvidos no processamento da lngua verbal depende da
ativao e funcionamento dos mesmos, para a chamada especializao das funes
neuronais.
Fatores ambientais
-
Uma vez que os programas inatos para o desenvolvimento da lngua verbal oral e sua
maturao precisam ser ativados pela interao verbal, sobressai a importncia dos
fatores ambientais, desde aqueles que cercam a gestante, os primeiros meses de vida do
infante, at o processo de socializao. A especializao dos neurnios nas reas
secundrias depende da experincia.
Foto: Me lendo para criana.
Legenda: O fato de uma criana ouvir desde cedo narrativas recontadas ou lidas ativa o
desenvolvimento dos esquemas mentais.
Os aspectos culturais, socioeconmicos e afetivos decidiro, definitivamente, sobre a
variedade sociolingustica do falante e sobre seu idioleto.
O que a variedade sociolingustica?
Apesar de o sistema alfabtico do portugus brasileiro ser o mesmo para os falantes em
todo territrio, a converso para os fonemas que uma ou mais letras (os grafemas)
representam no a mesma para todos os indivduos, isto por que eles no falam do
mesmo jeito.
As variedades sociolingusticas so determinadas por vrios fatores, dentre os quais se
destacam: o geogrfico (por exemplo, a variedade praticada no Rio de Janeiro, em Porto
Alegre, em Florianpolis); o socioeconmico e cultural, tambm conhecido como
diastrtico (por exemplo, na cidade de Florianpolis, filhos de pais que frequentaram a
universidade, que leem e convivem com pessoas das chamadas profisses liberais e, ao
mesmo tempo, tm amiguinhos no bairro e/ou na escola que pertencem ao mesmo
contexto, vo internalizar uma variedade sociolingustica distinta de crianas cujos pais
e/ou familiares no foram alfabetizados e cujos amiguinhos moram em bairros
perifricos); o profissional (em virtude da especializao, se estabeleceram verdadeiros
guetos lingusticos: mesmo que falem portugus, voc no consegue entender o discurso
de um grupo de bioqumicos, ou de surfistas quando esto reunidos); o de gerao (a
variedade praticada pelos jovens muitas vezes incompreensvel aos adultos) e assim
por diante.
cone Dicionrio
Idioleto: a variedade peculiar de um indivduo, determinada por preferncias
estilsticas, mas tambm por fatores de ordem emocional e biopsquica.
Diferena entre variedade e registro
Dadas as profundas repercusses que o tema suscita entre os educadores envolvidos
com linguagem, convm fazer uma distino entre variedades sociolingusticas e
registros.
As variedades sociolingusticas, conforme assinalei, decorrem das condies em que a
criana internaliza sua lngua materna. O professor em sala de aula deve estar
consciente de que, diante da mobilidade social vigente, ter alunos praticando as mais
diferentes variedades, quer geogrficas, quer socioculturais, para no falar dos filhos de
estrangeiros, que praticam um portugus influenciado pelos respectivos dialetos.
Quanto aos registros ou estilos, eles so determinados pelas condies do ouvinte ou
leitor para quem voc se dirige: englobam as caractersticas de vocabulrio, de sintaxe e
de tratamento, dependendes do suporte utilizado (oral ou escrito); do destinatrio
(privado ou pblico; familiar ou distante); do status; da situao de comunicao (casa,
-
trabalho, loja, delegacia etc.); do gnero (informativo, literrio, argumentativo); das
intenes pragmticas etc.
Na prtica
Respeite a variedade praticada pelo educando.
Explique aos alunos o respeito s diferenas lingusticas, mesmo por que o prprio
professor pratica sua variedade sociolingustica que, nem sempre, a norma
considerada de prestgio.
Lembre-se de que, como o aluno permanece em sala de aula trs ou quatro horas,
dificilmente perder os condicionamentos motores adquiridos no ambiente familiar.
Para tal, s se trabalhar conscientemente com este objetivo, ou se estiver profundamente
motivado: nunca por imposio e muito menos pelo ridculo.
Para a aprendizagem dos princpios do sistema alfabtico do portugus brasileiro, voc
dever estar atento s realizaes de seu aluno, pois os valores das letras (grafemas) no
sero os mesmos para todos: se uma criana de Florianpolis diz [situkEjS], o
professor ter que explicar pacientemente que ns no escrevemos como falamos
(escrever na lousa queres): (apontar para o qu) representa um som que no d para dizer isoladamente. Precisamos deste (apontar para e) que representa o som de [E];
(apontar para as trs letras que). Agora podemos pronunciar os dois primeiros sons que aparecem em [kEjS] antes do [E] o primeiro som se escreve (apontar na lousa para
qu, dgrafo, sem dizer o nome das letras); o [E] se escreve e; o [j] se escreve (apontar
na lousa re) e o [S] no final da palavra se escreve com (apontar na lousa s), na palavra
escrita queres. Apesar de as pessoas somente dominarem uma variedade sociolingustica, conhecem
vrios registros e estes podem e devem ser ampliados em sala de aula. Sendo assim,
quando falamos com uma criana, quanto menor for, usamos um registro que se chama
Fala Dirigida Criana (em ingls, Children Directed Speech, CDS, expresso que
substituiu as anteriores Baby talk e Motherese); quando proferimos uma aula, utilizamos
o registro adequado, diferente de quando estamos fazendo compras. Da mesma forma, o
registro utilizado numa conversa na Internet, nos chats, no o mesmo que o utilizado
num trabalho de concluso de curso.
, portanto, errneo afirmar que devemos escrever como falamos porque houve
mudanas lingusticas.
Mudanas houve, sim, e ningum vai pregar aos alunos que escrevam como Machado
de Assis (alis, sempre foi um grande equvoco tal proposta), mas volto a afirmar que
no escrevemos como falamos, nem isto possvel.
Foto de grupo diverso.
Legenda. A fala muda conforme a situao. No escrevemos como falamos.
Pontos Importantes
No captulo 4, voc constatou que:
os fatores que intervm no desenvolvimento da lngua verbal so o inato, o
maturativo e o ambiental;
a escola contribui com o fator ambiental para o desenvolvimento da lngua
verbal, em particular, para tornar o aluno competente na utilizao dos registros
ou estilos;
-
o desconhecimento das bases tericas e a m orientao por parte dos
professores podem atuar como fatores inibidores e at de bloqueio para a
comunicao lingustica;
as variedades sociolingusticas so determinadas por vrios fatores, dentre os
quais: o geogrfico, o socioeconmico e cultural, o profissional e o geracional;
a variedade lingustica deve ser respeitada;
no se escreve como se fala: o registro escrito deve ser ensinado em sala de aula
para que o aluno possa obter os fins desejados quando no futuro tiver que us-lo
para conseguir um emprego, para passar numa prova e at para escrever uma
carta de amor.
Dica
Leitura recomendada:
SCLIAR-CABRAL, L. Guia prtico de alfabetizao, baseado em Princpios do sistema
alfabtico do portugus brasileiro. So Paulo: Contexto, 2003b, cap. 2.
(cone bloco de anotaes)
Sugestes para reflexo e pesquisa
O que um fator inato?
O que so o fator maturativo e o ambiental?
Em quais dos fatores voc situa sua atividade como educador?
AVALIAO DE APRENDIZAGEM
4. A aquisio da lngua oral e a aprendizagem da leitura e da escrita...
a ( ) so a mesma coisa, portanto, deve-se usar tambm a expresso aquisio da leitura e da escrita. b ( ) no so a mesma coisa, pois, na criana que no apresenta nenhum impedimento
sensorial ou cognitivo para processar a fala, a aquisio da lngua oral espontnea e
at compulsria, enquanto a aprendizagem da leitura e da escrita sistemtica e
intensiva.
c ( ) so interdependentes porque a aquisio da lngua oral depende da aprendizagem
da leitura e da escrita.
d ( ) ocorrem no mesmo momento na criana.
e ( ) ocorrem em sequncia: primeiro a criana aprende a ler e a escrever.
5. Fundamentos da alfabetizao integral e integrada
cone Sntese
No captulo anterior, voc examinou os fatores que intervm na aquisio da lngua
oral, mais especificamente na sua variedade sociolingustica, uma vez que, sendo a
aprendizagem da leitura e da escrita secundria em relao aquisio de sua variedade
sociolingustica oral, deve-se ter clareza sobre como adquirida. Voc verificou que
trs fatores intervm na aquisio da lngua oral: os inatos, os maturacionais e os
ambientais, cabendo escola contribuir para a incrementao deste ltimo, atravs do
desenvolvimento da competncia no uso dos registros.
-
cone objetivo
Nesse captulo, voc ser levado a refletir sobre os fundamentos filosficos, cientficos
e metodolgicos da alfabetizao integral e integrada. A principal integrao consiste
em no divorciar as cincias humanas das cincias biolgicas: o cultural no pode ser
pensado sem o biolgico, nem a especializao cerebral sem ser plasmada pela
experincia. A alfabetizao integral parte do pressuposto de que o alvo a educao
plena do indivduo: cognio, afetos, sociabilidade, o fsico e o esttico, em vasos
comunicantes devero lev-lo ao exerccio da cidadania e realizao pessoal, com a
capacidade para entender os textos escritos que circulam em sociedade e para produzir
os de que necessita. Ao final desse captulo, voc estar fundamentado para
compreender o Sistema e saber escolher melhor o material didtico e as estratgias em
sala de aula para alfabetizar.
Fundamentos filosficos e cientficos da alfabetizao integrada
O fundamento filosfico e cientfico que norteia a alfabetizao integrada a
inseparabilidade entre as cincias humanas e as cincias biolgicas: o cultural no pode
ser pensado sem o biolgico, nem a especializao cerebral sem ser plasmada pela
experincia. Traduzido alfabetizao, esse fundamento significa, por um lado, que,
embora a inveno da escrita tenha ocorrido h aproximadamente 5.000 anos, sob a
presso de condicionantes sociais, tal inveno e sua respectiva aprendizagem s foram
possveis porque o aparato biopsicolgico da espcie est apto produo cultural,
mecanismo de sobrevivncia, bem como aprendizagem dos sistemas escritos, mais
especificamente, a relativa plasticidade dos neurnios permite sua adaptao para
captarem as articulaes dos traos que diferenciam as letras entre si, organizando-as
em grafemas com seus respectivos valores (os fonemas), ambos com a funo de
distinguir significados.
Substituir algo (a referncia) por uma representao mental, ou seja, a funo semitica,
privilgio da espcie humana. Assim tambm aconteceu com a escrita propriamente
dita, que passou a representar os sistemas orais de comunicao.
Por outro lado, a cincia demonstra que a aprendizagem do sistema escrito esbarra com
enormes dificuldades, em resumo:
a) a percepo da cadeia da fala como um contnuo, uma vez que no h separao entre
as palavras, como os espaos em branco na folha impressa, nem contraste entre os
segmentos que constituem a slaba, condio para associ-los aos grafemas nos sistemas
alfabticos (tais fatos so atestados no incio da escrita numa cadeia contnua, ou na fase
silbica da escrita);
b) vocbulos tonos pouco perceptveis na cadeia da fala, que determinam reanlises
silbicas, toda a vez que terminarem por consoante e o vocbulo seguinte iniciar por
vogal, como nos exemplos zoiu, zovidu, zoreia; c) os neurnios que processam o sinal luminoso (neurnios da viso) so programados
para simetrizar a informao e desprezam as diferenas entre o que est direcionado
para a esquerda ou para a direita, para cima ou para baixo, conforme exemplifiquei com
o reconhecimento de uma mesa: tanto faz ela estar com as pernas para cima e o tampo
sobre o solo, ou vice-versa, sempre ser reconhecida como mesa; outro exemplo: tanto
faz a ala da xcara estar voltada para a esquerda ou para a direita, voc sempre a
reconhecer como uma xcara. Mas, para reconhecer as letras, os neurnios tm que
aprender a dissimetrizar, como, por exemplo, reconhecer a diferena entre b e d; entre b e p.
-
Outro fundamento da alfabetizao integrada diz respeito ao fato de que ela deveria
instrumentar o indivduo de tal modo que ele estaria apto a ler, compreender, refletir
sobre e incorporar os conhecimentos veiculados pelos textos escritos que circulam
socialmente, apropriando-se dos avanos filosficos, cientficos, literrios e culturais
que a humanidade produziu at hoje. Tal propsito de integrao recebe o nome de
cultura humanstica, ideal vigente na Renascena e durante o Iluminismo, quando
enciclopedistas, como Diderot, procuraram abarcar todos os conhecimentos da poca na
Enciclopdia Francesa. Novamente nos encontramos diante de um impasse: no sculo
XX, o desenvolvimento cientfico e tecnolgico foi de tal monta que ultrapassou a
massa de conhecimentos acumulados durante toda a passagem anterior do homem sobre
a Terra. Mais agravante foi a especializao, com subreas de conhecimento cada vez
mais pulverizadas e compartimentalizadas. Vou explicar o que isso significa como
impasse para uma cultura integrada. Parto do pressuposto de que no existe uma palavra
nova para cada novo conhecimento, embora muitas sejam inventadas, pois isto
significaria uma sobrecarga insuportvel para nossa memria de palavras. O
conhecimento estruturado em nossa memria atravs de esquemas cognitivos, seja
atravs da experincia direta (conhecimento de mundo), seja atravs das linguagens, em
especial, a lngua verbal oral e, com mais amplitude e profundidade, atravs da lngua
escrita. As palavras esto estruturadas, num dicionrio mental (no o Aurlio ou o
Michaelis, nem esto em ordem alfabtica!) e apontam para os seus vrios significados
bsicos, conforme o esquema cognitivo ao qual pertencem. Assim, a mesma palavra
ponte pode significar a ligao entre duas pontas de terra, como a ponte Rio-Niteri, ou pode significar trajeto areo, como a ponte area Rio-So Paulo, ou ainda a ligao
entre dois dentes, como a ponte dentria. J d para voc perceber que para
compreender um texto, voc ter que ter um esquema mental mnimo para poder atribuir
a significao bsica, depois de reconhecer uma palavra escrita.
O que est ocorrendo que, em virtude da especializao vertiginosa, nenhum de ns
possui todos os esquemas mentais necessrios compreenso de todos os textos que
circulam socialmente.
Tal dilema coloca as seguintes indagaes para a alfabetizao integrada:
Na atualidade, impossvel integrar os saberes acumulados, atingindo o ideal
humanstico?
Na atualidade possvel atingir o ideal humanstico, substituindo o conceito de erudio
pelo de apreenso e sntese dos avanos seminais na filosofia, nas cincias e nas artes?
Quais os caminhos?
Opto por uma resposta afirmativa segunda pergunta e sugiro alguns caminhos.
O primeiro deles e, a meu ver, prioritrio passa pela alfabetizao para o letramento.
A escola no pode continuar a fabricar analfabetos funcionais.
Mas a escola no est alfabetizando para o letramento. Para tal, necessrio buscar uma
nova metodologia de alfabetizao, baseada nas experincias que deram resultado na
erradicao do analfabetismo funcional, incorporando o que h de mais avanado nas
neurocincias da educao (DEHAENE, 2012), tal como defendo no presente livro.
Faz-se necessria a formao continuada de todo o pessoal envolvido com alfabetizao
e o ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, incluindo professores e autores do
material pedaggico para, em conjunto com familiares e a comunidade, fazer com que o
futuro leitor reconhea rapidamente qualquer palavra com a qual se defronte pela
primeira vez e, sem titubear, tenha uma leitura fluente, desenvolvendo o gosto pela
leitura e ampliando seus universos pela vida afora.
-
Papel importante neste Sistema cabe filosofia e ao jornalismo cientfico a fim de
sintetizar os avanos seminais das cincias, da tecnologia e das artes e de adequar o
vocabulrio ininteligvel ao nvel da compreenso do leigo.
preciso salientar, por fim, que a alfabetizao integrada aquela que aproveita todos
os espaos e tempos disponveis para o ensino-aprendizagem da direo dos traos que
diferenciam as letras entre si, da constituio dessas em grafemas associados aos seus
respectivos valores, os fonemas, ambos com a funo de distinguir significados,
portanto, inseridos em palavras e estas em textos significativos para o educando. Isto
significa a utilizao das disciplinas de matemtica, cincias, estudos sociais, educao
fsica, artes, lazer, e das atividades de socializao, todas coerentemente entrosadas em
torno de uma temtica, com um objetivo comum.
Fundamentos filosficos e cientficos da alfabetizao integral
Por serem mais difundidos entre os professores, reservei menor espao aos fundamentos
filosficos da educao (no caso, da alfabetizao) integral que remontam aos gregos,
conforme o aforismo latino mens sana in corpore sano. Tais fundamentos, porm,
devem ser especificados, desdobrando-se na alfabetizao que leve em considerao o
desenvolvimento harmnico da cognio e da linguagem, da percepo, do equilbrio
emocional, da socializao, do corpo, da sensrio-motricidade e da expresso esttica.
A forma como isto pode ser operacionalizado se encontra na concepo dos contedos
didticos e na sugesto das atividades a serem desenvolvidas em cada uma das unidades
do Sistema Scliar de Alfabetizao - Roteiros para o professor: 1 Ano.
(cone bloco de anotaes)
Pontos Importantes
No captulo 5, foram desenvolvidos os seguintes contedos:
o fundamento filosfico e cientfico da alfabetizao integrada a
inseparabilidade entre as cincias humanas e as biolgicas;
a aprendizagem do sistema escrito esbarra com enormes dificuldades: a) a
percepo da cadeia da fala como um contnuo; b) vocbulos tonos pouco
perceptveis e c) os neurnios que processam o sinal luminoso so programados
para simetrizar;
em conjunto com familiares e a comunidade, necessrio fazer com que o futuro
leitor reconhea rapidamente qualquer palavra com a qual se defronte pela
primeira vez e, sem titubear, tenha uma leitura fluente, desenvolvendo o gosto
pela leitura e ampliando seus universos pela vida afora;
papel importante no Sistema Scliar de Alfabetizao cabe filosofia e ao
jornalismo cientfico a fim de sntetizar os avanos seminais das cincias, da
tecnologia e das artes;
a alfabetizao deve levar em considerao o desenvolvimento harmnico da
cognio e da linguagem, da percepo, do equilbrio emocional, da
socializao, do corpo, da sensrio-motricidade e da expresso esttica.
Sugestes para reflexo e pesquisa
Como possibilitar que todos tenham acesso ao conhecimento produzido pelo
homem?
-
Por que se pode afirmar que a maior excluso atualmente a excluso da
informao?
Qual uma das principais causas do insucesso nas demais disciplinas que
integram o currculo do ensino fundamental?
(cone avaliao)
5. O fundamento filosfico essencial alfabetizao integrada :
a ( ) o mtodo hipottico-dedutivo.
b ( ) o mtodo indutivo.
c ( ) a interao completa entre as cincias humanas e as cincias biolgicas.
d ( ) a indissolubilidade entre a fsica e a qumica.
e ( ) ser contemplada s pelas cincias humanas.
6. Mtodos de alfabetizao
cone sntese
No captulo 5, voc foi levado a refletir sobre os fundamentos filosficos, cientficos e
metodolgicos da alfabetizao integral e integrada, sendo o princip