scliar-cabral - sistema scliar de alfabetização, fundamentos 2012

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SISTEMA SCLIAR DE ALFABETIZAÇÃO Fundamentos Leonor Scliar-Cabral Florianópolis, 2012 Editora Lili

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O que é alfabetizar? Por que alfabetizar? Como alfabetizar? Um método não supera uma prática intensiva e apaixonada de quem faz, o que faz, da melhor forma, visando maior produtividade e interesses de aprendizado do aprendiz.

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  • SISTEMA SCLIAR DE

    ALFABETIZAO

    Fundamentos

    Leonor Scliar-Cabral

    Florianpolis, 2012

    Editora Lili

  • SISTEMA SCLIAR DE ALFABETIZAO -

    FUNDAMENTOS

    Leonor Scliar-Cabral

    Florianpolis, 2012

    Editora Lili

    Ficha tcnica / ficha catalogrfica

  • Professor e professora,

    Apesar de todos os esforos e empenho, o ndice de analfabetismo funcional no Brasil

    ainda muito alto. Voc est consciente disso e mais ansioso do que ningum para que

    seus alunos aprendam a ler de modo a compreender os textos que circulam a sua volta,

    sejam eles o material escolar, jornais, livros, poemas, avisos, instrues ou informaes

    no computador; e a tambm redigir para que se faam entender quando tiverem que

    enviar uma carta ou prestar um exame para conseguir um emprego, ou para entrar na

    universidade.

    Uma das explicaes para estes altos ndices de analfabetismo funcional que o pas

    carece de materiais alinhados com as descobertas avanadas das neurocincias. O

    Sistema Scliar de Alfabetizao vem prencher esta lacuna. Ele foi desenvolvido para

    ajudar a prevenir o analfabetismo funcional, na convico de que isso s ser possvel

    se a batalha comear no incio da aprendizagem da leitura e da escrita, mais

    precisamente, na alfabetizao.

    Voc, caro professor, e os educadores envolvidos com este desafio encontraro nos

    Fundamentos informao slida e atualizada nos tpicos que se referem linguagem

    verbal oral e escrita e seu processamento, bem como as bases para a alfabetizao para o

    letramento. O material pedaggico fundamentado em tais tpicos compreende o livro do

    aluno Aventuras de Vivi (SCLIAR-CABRAL, 2012) e o livro do professor Sistema

    Scliar de Alfabetizao Roteiros para o professor: 1 Ano (SCLIAR-CABRAL, 2013). Os livros do aluno e respectivos roteiros para o professor, para o segundo e

    terceiro anos, quando se completa a alfabetizao, estaro disponveis at o final de

    2013.

    Afinal, bom saber o que se faz, por que se faz e como se faz! Com tal fundamentao,

    voc estar mais seguro para realizar as prticas em classe e organizar com eficincia

    seu plano de aulas.

    Ao ler e refletir sobre os fundamentos, voc:

    1. obter melhores resultados com seus alunos. Eles se sentiro mais confiantes,

    desenvolvendo o gosto pela leitura e pela escrita;

    2. entender melhor as dificuldades de seus alunos e saber como contorn-las;

    3. saber em que foi baseado o material de qualidade com o qual trabalhar em sala aula

    e quais as mais recentes teorias e pesquisas sobre leitura, conhecendo para o que serve

    cada atividade e como deve ser aplicada;

    4. desenvolver sua capacidade de aproveitar todas as oportunidades para consolidar a

    unidade que ser trabalhada, bem como enriquecer o aprendizado com suas prprias

    contribuies.

    5. entender por que, na presente etapa, a nfase para com a leitura, sem descurar a

    produo textual.

    Todo o material j foi testado e aprimorado. Gostaria de registrar as valiosas

    contribuies de Ana Cludia de Souza, Marilia Silva dos Reis e Otilia Lizete de

    Oliveira Martins Heinig, que muito ajudaram no aperfeiamento dos conceitos e

    prticas aqui desenvolvidos.

  • Boa leitura!

    Leonor Scliar-Cabral

  • Sumrio

    1. Introduo

    2. Analfabetismo funcional, desafio para a escola

    3. As neurocincias na alfabetizao e leitura

    4. Desenvolvimento da lngua verbal oral

    5. Fundamentos da alfabetizao integral e integrada

    6. Mtodos de alfabetizao

    7. As principais dificuldades na alfabetizao

    8. Outras dificuldades na alfabetizao

    9. A leitura e o sistema alfabtico do portugus brasileiro

    10. Critrios para a introduo dos grafemas

    11. Como escolher o grafema para as atividades de ensino-aprendizagem

    12. Quadro fonmico das consoantes e das vogais do PB

    13. Valores atribudos aos grafemas, independentes do contexto grafmico

    14. Valores dos grafemas, dependentes do contexto escrito

    15. Letras M m - N n em final de slaba interna para nasalizar a vogal precedente e, em final de vocbulo, depois de E e - A a, nasalizando e ditongando 16. Valores de C c - G g - Q q antes das vogais posteriores 17. Os dois valores do grafema R r dependentes do contexto grafmico - o nico valor do grafema RR rr 18. Valores previsveis e imprevisveis do grafema X x

    Anexos

    Gabarito das avaliaes de aprendizagem, com comentrios

    Referncias Bibliogrficas

    Figuras e Quadros

    Figura 1. Viso moderna das redes corticais da leitura (adaptao a partir de

    DEHAENE, 2012, p. 78)

    Quadro 1. Quadro fonmico das consoantes do PB

    Quadro 2. Quadro fonmico das vogais do PB

    Quadro 3. Valores dos grafemas, independentes do contexto

    Quadro 4. Valores dos grafemas em incio de vocbulo e de slaba interna, entre letras

    que representam vogais

    Quadro 5. Valores em incio de slaba dos grafemas s depois de n, l, r; de r depois de n, l, s; de x depois de n, ei, ou, ai Quadro 6. Valores dos grafemas em final de vocbulo e de slaba interna

    Quadro 7. Letras que nasalizam as vogais em final de slaba interna e de vocbulo (com

    ditongao opcional)

    Quadro 8. Exemplos dos valores dos grafemas c, g, q, seguidos de grafemas que representam as vogais posteriores ou a semivogal /w/ Quadro 9. Exemplos dos valores dos grafemas c, sc, xc, g e grafemas (dgrafos) gu e qu, seguidos de grafemas que representam as vogais no posteriores

  • 1. Introduo

    cone objetivos

    Neste captulo voc conhecer de forma resumida os fundamentos do Sistema Scliar de

    Alfabetizao que explicam as diferenas entre a aquisio da variedade oral da lngua e

    a aprendizagem da lngua escrita, bem como as bases neuropsicolgicas dessa ltima,

    em particular, a dificuldade para os neurnios aprenderem a dissimetrizar os sinais

    visuais e a segmentar a cadeia da fala. Aborda-se, tambm rapidamente, a questo

    sociolingustica e a educao integral e integrada. Tais contedos sero aprofundados

    em captulos especficos.

    O Sistema

    O Sistema Scliar de Alfabetizao est baseado no que h de mais avanado na teoria e

    prtica das cincias que se ocupam da linguagem verbal. Estes fundamentos podem ser

    resumidos nos pontos a seguir.

    Diferena entre aquisio oral e escrita

    A aquisio do sistema oral se d de forma natural e espontnea nas crianas que no

    apresentem nenhum impedimento sensorial ou cognitivo para processar a fala. As

    primeiras palavras ocorrem por volta de um ano de idade. O sistema escrito, no entanto,

    construdo no contexto do ensino-aprendizagem de forma sistemtica, intensiva,

    quando a criana j atingiu certa maturidade cognitiva, lingustica e emocional.

    Enquanto a comunicao oral questo de sobrevivncia do ser humano, datando um

    dos fsseis mais antigos (Lucy) h aproximadamente trs milhes e meio de anos, a

    escrita, entendida como um modo secundrio, distinta da pintura, do desenho ou de

    outros meios de memorizao, apareceu muito recentemente (aproximadamente h

    5.000 anos a.C.). Essa evidncia da paleontologia demonstra que a comunicao oral

    adquirida espontanea e compulsoriamente por determinantes biopsiclogicos da espcie,

    enquanto os sistemas de escrita so uma inveno tardia: na maioria dos casos, a criana

    precisa vir escola, principalmente, para aprender a ler e a escrever.

    Foto com legenda. A escrita apareceu muito recentemente.

    cone dicionrio:

    Maturidade Cognitiva: Ao nascer, o crebro do beb no est com os circuitos que o

    constituem inteiramente prontos, nem com todos os conhecimentos lingusticos e do

    mundo j armazenados em suas vrias memrias. O amadurecimento gradativo e

    depende, tambm, da experincia.

    Primeiro compreender, depois produzir

    Em toda a aprendizagem, para saber produzir, deve-se saber compreender, isto , antes

    de falar, a criana deve compreender o que os adultos dizem para ela e assim comear a

    dominar a lngua, para depois poder dizer suas primeiras palavras. A mesma coisa

    acontece com a lngua escrita: sem saber ler, a criana no poder compreender nem o

    que ela prpria escreveu.

    Na prtica

  • No comece a alfabetizao pelo ensino isolado da escrita. Voc pode at comear

    quase simultaneamente com a escrita, desde que a criana aprenda a reconhecer as

    diferenas entre as letras e os seus valores na leitura.

    Reciclagem neuronal

    Uma das grandes descobertas das neurocincias a de que os neurnios que processam

    as imagens visuais so programados para simetrizar a informao. No entanto, para o

    reconhecimento das letras, isto , das diferenas que apresentam entre si, necessrio

    reciclar os neurnios para que eles aprendam a distinguir a direo dos traos das letras.

    A proposta de Montessori, uma importante pedagoga italiana, cuja abordagem seguida

    por centenas de escolas ao redor do mundo, j preconizava tal enfoque. Introduza cada

    letra com comandos para que a criana a trace com o dedo, ao mesmo tempo em que diz

    o som que ela representa. As informaes sensoriais processadas pela viso, pela

    audio, pelo tato e pela propriocepo se reforam mutuamente.

    cone dicionrio

    Simetrizar Informaes: Os neurnios da viso foram biologicamente programados para simetrizar a informao. Cada vez que um hemisfrio aprende uma informao

    visual nova, este trao de memria imediatamente transmitido ao outro hemisfrio (DEHAENE, 2012, cap. 7).

    Propriocepo: a percepo do prprio corpo, sua postura, movimentos, mudanas

    no equilbrio, bem como a de suas respectivas sensaes de movimento e posies.

    O sistema escrito do portugus alfabtico

    A maior dificuldade para uma criana se alfabetizar a de que ela percebe a fala como

    um contnuo, isto , no h separao entre as palavras, nem entre consoantes e vogais.

    Por exemplo, por que a criana, ao comear a escrever, coloca uma sucesso de sinais

    numa linha, sem espaos em branco entre as palavras? Por que, mais adiante, escrever

    zio, zoreia? Porque assim que percebe a fala. Para aprender a ler, a criana dever compreender, aos poucos, que:

    a escrita representa a fala, porm no exatamente tal como percebida;

    na escrita, as palavras so separadas por espaos em branco;

    uma ou duas letras (para o professor, um grafema) tm o valor de um som (para o

    professor, um fonema); s vezes, uma letra poder ter sempre o mesmo valor, como f, mas outras vezes poder ter mais de um valor como c, que antes das letras u, o, a tem o valor de /k/, como em cubo, cor, cola e antes de i, e tem o valor de /s/, como em cip, cera.

    cone Ateno!

    Para reconhecer a palavra escrita, alm de saber atribuir os valores a cada grafema (uma

    ou duas letras), a criana dever saber onde cai o acento mais forte (acento de

    intensidade), pois, no portugus, o acento pode cair na ltima (oxtonas), penltima

    (paroxtonas) ou antepenltima slaba (proparoxtonas).

    Sendo a maior dificuldade para uma criana se alfabetizar o fato de ela perceber a fala

    como um contnuo, preciso que voc a ajude a analisar conscientemente a fala,

    desmembrando a cadeia em palavras, essas em slabas e, o que mais difcil, separar as

    consoantes das vogais. Essa aprendizagem, que se chama conscincia fonolgica, s

    possvel, num contexto ldico, associando cada fonema a um grafema (uma ou duas

    letras), mostrando que, mudando um fonema por outro (igualmente seu grafema por

  • outro), as palavras mudam de significado. Assim, a estratgia do ensino-aprendizagem

    est baseada sobre um trip de conceitos:

    1. Reconhecer a direo dos traos que diferenciam as letras entre si;

    2. Dominar os valores dos grafemas, associando-os aos fonemas que representam;

    3. Utilizar as letras que realizam os grafemas dentro de palavras e estas em um texto.

    cone dicionrio

    Grafema: Unidade de um sistema de escrita que, na escrita alfabtica, corresponde a

    uma ou mais letras para representar um dado fonema (no portugus, uma ou duas letras,

    somente, com ou sem acentos grficos); na escrita silbica, corresponde a uma slaba.

    Fonema: Classe de sons, com a funo de distinguir significados. Por exemplo, o

    fonema /R/, no portugus, engloba diferentes sons praticados em diferentes regies do

    Brasil, como no Rio de Janeiro, na fronteira do Rio Grande do Sul, no interior de Minas

    Gerais ou de So Paulo, na Bahia, e assim por diante.

    Dica (pode ser um ballon, com um professor; professora falando):

    Trabalhar apenas com sons isolados, ou com os nomes das letras, no suficiente para

    preparar a criana para a alfabetizao. Trabalhe sistematicamente onde cai o acento de

    intensidade.

    Variao sociolingustica A fala apresenta variao determinada por vrios fatores: quando l, a criana converte

    o que l a sua variedade sociolingustica, quando escreve, d-se o inverso: o sistema

    escrito um s em todo o territrio nacional. Assim, em virtude da mobilidade social,

    h alunos que vm de regies diferentes e, mesmo, de famlias que praticam em casa

    outras lnguas, como o italiano, o alemo ou o japons. Tambm h diferenas

    determinadas pelo nvel de escolaridade e de educao dos pais. Por isso, na escola,

    deve ser ensinado o respeito diferena, evitando que essas crianas sejam

    ridicularizadas quando falam ou leem em voz alta. Para ensinar a escrever, o professor

    deve estar atento, porque as regras de converso no so as mesmas. Assim como no se

    escreve num ao invs de no, o professor deve mostrar, aos poucos, que quando se diz [fumu], se escreve fomos.

    cone Na prtica

    Respeite a variedade sociolingustica da criana na leitura em voz alta.

    Educao integral e integrada

    A alfabetizao integral parte do pressuposto de que o alvo a educao plena do

    indivduo: cognio, afetos, sociabilidade, o fsico e o esttico, em vasos comunicantes,

    devero lev-lo ao exerccio da cidadania e realizao pessoal, com a capacidade para

    entender os textos escritos que circulam em sociedade e para produzir os de que

    necessita. Isto significa que no se podem divorciar as cincias humanas das cincias

    biolgicas: o cultural no pode ser pensado sem o biolgico, nem a especializao

    cerebral sem ser plasmada pelo ambiente. A alfabetizao integrada aquela que

    aproveita todos os espaos e tempos disponveis para o ensino-aprendizagem da direo

    dos traos que diferenciam as letras entre si, da constituio dessas em grafemas

    associados aos seus respectivos valores (os fonemas). Ambos tm a funo de distinguir

    significados, portanto, devem estar inseridos em palavras e estas em textos

    significativos para o educando, ou seja, a alfabetizao integrada utiliza as disciplinas

  • de matemtica, cincias, estudos sociais, educao fsica, artes, lazer, e as atividades de

    socializao, todas coerentemente entrosadas em torno de uma temtica, com um

    objetivo comum.

    cone Na prtica

    Todas as unidades do livro Sistema Scliar de Alfabetizao Roteiros para o professor: 1 Ano possuem sugestes de atividades ldicas como jogos, dramatizao, msica,

    dana, poesia, desenho, narrativas e esportes para o desenvolvimento cognitivo

    (matemtica e demais linguagens), lingustico, fsico, emocional, esttico e social. Para

    o livro do aluno Aventuras de Vivi, foi elaborada uma histria, a fim de estabelecer a

    empatia entre a criana e os personagens. Os temas ajudam a promover a integrao

    entre a escola, famlia e comunidade, a qual essencial para o seu xito como

    alfabetizador. Lembre-se de explorar, tambm, os aspectos ecolgicos.

    Professor, voc, com sua criatividade e engajamento, parte fundamental para que o

    Brasil acabe com o analfabetismo funcional!

    cone Pontos importantes

    Nesta unidade, voc tomou conhecimento, de forma resumida, sobre os fundamentos do

    Sistema Scliar de Alfabetizao que so:

    a aquisio do sistema oral se d de forma natural e espontnea nas crianas que no

    apresentem nenhum impedimento sensorial ou cognitivo para processar a fala, enquanto

    o sistema escrito construdo no contexto do ensino-aprendizagem de forma

    sistemtica, intensiva, na maioria dos casos;

    em toda a aprendizagem, para saber produzir, deve-se saber compreender: sem saber

    ler, a criana no poder compreender nem o que ela prpria escreveu;

    para o reconhecimento das letras, isto , das diferenas que apresentam entre si,

    necessrio reciclar os neurnios para que eles aprendam a distinguir a direo dos traos

    das letras, isto , necessrio ensin-los a dissimetrizar;

    as informaes sensoriais processadas pela viso, pela audio, pelo tato e pela

    propriocepo se reforam mutuamente. Aplicam-se, pois, os ensinamentos de

    Montessori sobre aprendizagem;

    alm de saber atribuir os valores a cada grafema (uma ou duas letras), a criana dever

    saber onde cai o acento mais forte;

    na escola, deve ser ensinado o respeito diferena, evitando que as crianas sejam

    ridicularizadas quando falam ou leem em voz alta;

    a alfabetizao integral parte do pressuposto de que o alvo a educao plena do

    indivduo;

    a alfabetizao integrada aquela que aproveita todos os espaos e tempos disponveis

    para o ensino-aprendizagem da direo dos traos que diferenciam as letras entre si e da

    constituio dessas em grafemas associados aos seus respectivos valores (os fonemas).

    (bloco de anotaes)

    Sugestes para reflexo e pesquisa

    O que so atividades multissensoriais?

    O que simetrizao?

    Por que no se deve comear a alfabetizao pela escrita isoladamente?

  • cone Avaliao de aprendizagem

    1. Uma das maiores dificuldades na alfabetizao ensinar os neurnios a

    dissimetrizar. Por que isto ocorre?

    a ( ) Porque os neurnios humanos no tm plasticidade para novas aprendizagens.

    b ( ) Porque os neurnios s aprendem atravs do estmulo-resposta-recompensa.

    c ( ) Porque os neurnios, por uma questo de sobrevivncia, foram programados para

    descartar as diferenas de direo para a esquerda e para a direita e, por isto, devero ser

    reciclados.

    d ( ) Porque a noo de esquerda e direita depende da internalizao do esquema

    corporal.

    e ( ) Porque perceber a direo dos traos para a esquerda ou direita no interessa para o

    reconhecimento das letras.

    2. Analfabetismo funcional, desafio para a escola

    cone sntese

    No primeiro captulo, voc tomou conhecimento sobre os fundamentos do Sistema

    Scliar de Educao que explicam as diferenas entre a aquisio da variedade oral e a

    aprendizagem da lngua escrita, bem como as bases neuropsicolgicas, em particular, a

    dificuldade para os neurnios aprenderem a dissimetrizar os sinais visuais e a segmentar

    a cadeia da fala. Abordou-se, tambm, a questo sociolingustica e a educao integral e

    integrada. Como explicado, tais contedos sero aprofundados em captulos especficos.

    cone objetivo

    Neste captulo voc conhecer dados alarmantes sobre o analfabetismo funcional no

    Brasil e em outros pases considerados desenvolvidos, como os EUA e o Reino Unido.

    Voc descobrir quais so os conceitos de analfabetismo funcional e os vrios nveis

    estabelecidos pela UNESCO. Ver, tambm, como a Esccia conseguiu combater o

    analfabetismo funcional com um programa exitoso, fonte de inspirao para o Sistema

    Scliar de Alfabetizao.

    Breve histrico

    Embora o Instituto Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF) aplique suas pesquisas

    domiciliares a uma populao entre 15 e 64 anos de idade, residente em zonas urbanas e

    rurais de todas as regies do pas e, portanto, no se restrinja quela que esteja

    frequentando a escola, oferece-nos dados sobre o alfabetismo dos que nela ainda esto

    e/ou seus egressos.

    Como pr-requisito, necessrio entender a classificao de alfabetismo adotada pelo

    INAF (2009) de acordo com suas habilidades em leitura/escrita (letramento) e em

    matemtica (numeramento).

    Analfabetos funcionais

  • Analfabetismo - Corresponde condio dos que no conseguem realizar tarefas

    simples que envolvem a leitura de palavras e frases, ainda que uma parcela destes

    consiga ler nmeros familiares (nmeros de telefone, preos etc.).

    Alfabetismo rudimentar - Corresponde capacidade de localizar uma informao

    explcita em textos curtos e familiares (como um anncio ou pequena carta), ler e

    escrever nmeros usuais e realizar operaes simples, como manusear dinheiro para o

    pagamento de pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita

    mtrica.

    Alfabetizados funcionalmente

    Alfabetismo bsico - As pessoas classificadas neste nvel podem ser consideradas

    funcionalmente alfabetizadas, pois j leem e compreendem textos de mdia extenso,

    localizam informaes mesmo que seja necessrio realizar pequenas inferncias, leem

    nmeros na casa dos milhes, resolvem problemas envolvendo uma sequncia simples

    de operaes e tm noo de proporcionalidade. Mostram, no entanto, limitaes

    quando as operaes requeridas envolvem maior nmero de elementos, etapas ou

    relaes.

    Alfabetismo pleno - Classificadas neste nvel esto pessoas cujas habilidades no mais

    impem restries para compreender e interpretar elementos usuais da sociedade

    letrada: leem textos mais longos, relacionando suas partes, comparam e interpretam

    informaes, distinguem fato de opinio, realizam inferncias e snteses. Quanto

    matemtica, resolvem problemas que exigem maior planejamento e controle,

    envolvendo percentuais, propores e clculo de rea, alm de interpretar tabelas de

    dupla entrada, mapas e grficos.

    Fonte: Inaf - evoluo do indicador (2012)

    Em pleno 2013, ficamos estarrecidos, ao constatar as cifras alarmantes de analfabetos

    funcionais no Brasil e os baixos escores obtidos pelos alunos brasileiros, na faixa dos 15

    anos, conforme o Relatrio PISA (OCDE, 2011), que avalia as competncias em

    linguagem, em matemtica e em cincias e constatados tambm pelo INAF, o Indicador

  • de Alfabetismo Funcional, conduzido pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG

    Ao Educativa. Apesar do aumento significativo da matrcula escolar e dos anos de

    escolaridade (FERNANDES, 2012), a porcentagem de analfabetos funcionais no pas,

    ainda alarmante: conforme o Boletim INAF (2012), em 2012, na faixa etria dos

    brasileiros de 15 a 64 anos, encontram-se 6% de analfabetos absolutos; no nvel rudimentar, 21%; no nvel bsico, 47% e apenas 26% conseguem o nvel pleno.

    Decididamente, 27% dos brasileiros no tm as condies mnimas para o exerccio da

    cidadania, nem para refazer a leitura de mundo, a partir da leitura da palavra (FREIRE,

    2002, p. 54). Pode-se afirmar que 47% o fazem de forma precria e apenas 26% esto

    aptos a compreender e refletir sobre os textos necessrios ao exerccio da cidadania de

    forma plena e ampliao da sua aptido para competir no mercado de trabalho, com

    auto-aprendizagem e educao continuada. Tais cifras tambm nos alertam para o fato

    de que a desigualdade social no pode ser efetivamente combatida quando a maioria dos

    indivduos no domina a ferramenta que os habilite qualificao profissional. Os

    ltimos dados apontam para discreta melhora.

    O ltimo relatrio PISA, o Programa de Avaliao Internacional de Estudantes

    realizado pela OCDE (2011), mostra que o Brasil teve uma pequena melhora nos

    resultados, mas ainda ocupa uma das ltimas posies quando se trata de proficincia

    em leitura, ficando em 53 lugar dentre os sessenta e cinco pases participantes, obtendo

    412 pontos no quesito leitura, contra 393 de 2006. Dentre os pases latino-americanos o

    Brasil s ficou acima da Argentina e da Colmbia, sendo superado pelo Mxico,

    Uruguai e Chile. Pela primeira vez, o relatrio levou em conta a capacidade de os

    alunos lerem, compreenderem e utilizarem textos digitais.

    Foto: (crianas e/ou papeis/escrita/ ou pessoa perdida no meio de placas/livraria)

    Legenda: Mas o que o analfabeto funcional?

    Definies de analfabeto funcional

    Existem muitas definies de analfabeto funcional.

    (3 boxes, lado a lado?)

    O conceito de analfabeto funcional, como o prprio adjetivo indica, deve, contudo, repousar sobre a falta de competncia do indivduo para ler e escrever os textos dos

    quais necessita em sua vida cotidiana familiar, social e de trabalho (SCLIAR-CABRAL, 2003a).

    funcionalmente letrada a pessoa que puder engajar-se em todas as atividades, nas quais o letramento for condio para o desempenho efetivo no seu grupo e comunidade,

    e tambm para permitir-lhe que continue a utilizar a leitura, a escrita e o clculo para o

    seu prprio desenvolvimento e o de sua comunidade (UNESCO, 2007).

    Na leitura, ser letrado entender, usar e refletir sobre textos escritos, a fim de alcanar as prprias metas para desenvolver o conhecimento e as potencialidades e participar na

    sociedade (OCDE, 2007, trad. da autora).

    cone dicionrio

    Analfabeto funcional: o indivduo que, apesar de ter frequentado a escola, no

    consegue compreender, nem produzir os textos de que necessita.

  • Convm, neste passo, retomar a reflexo sobre letramento. Na definio de letrado

    funcional da UNESCO infere-se que o letramento efetivo pressupe que a pessoa saiba

    ler, isto , compreenda os textos que circulam socialmente, permitindo o engajamento

    do indivduo em todas as atividades nas quais tais competncias sejam necessrias.

    Infere-se, igualmente, no haver uma oposio entre alfabetizao e letramento,

    porquanto s se torna efetivamente letrado quem estiver alfabetizado, havendo,

    portanto, uma complementaridade entre ambos e no excluso mtua. Magda Soares

    (2004) discute em profundidade tais questes.

    H vrios nveis de analfabeto funcional: o mais grave aquele em que, por no ter sido

    alfabetizado, o indivduo no reconhece a palavra escrita. Ao ver uma sucesso de

    caracteres ao lado de uma gravura de um gato diante de um prato com leite, adivinha: O bichinho est lambendo o prato, ao invs de ler o que est escrito: O gato est

    tomando leite.

    Foto/desenho gato com leite e legenda: O gato est tomando leite.

    o que sucede com aqueles que foram alfabetizados pelo mtodo global, ou aqueles que foram alfabetizados, emparelhando uma palavra a uma figura e adivinham o que

    est escrito. Segue-se aquele que consegue decifrar algumas letras, mas, ou foi

    alfabetizado pelo nome das letras, ou no aprendeu que uma ou duas letras (os

    grafemas) tm o valor de uma classe de sons (os fonemas), o qual, em alguns casos, vai

    ser diferente conforme a letra que vem depois. Nesse segundo caso, tal aluno titubeia

    diante das letras e sua leitura penosa: no s o esforo tal que ele perde qualquer

    gosto pela leitura, como tambm a memria de trabalho no consegue processar as

    palavras com fluncia e a pessoa acaba no entendendo o que leu.

    Uma classificao mais operacional em cinco nveis a utilizada pelo LAMP (Literacy

    Assessment and Monitoring Programme), programa de testagem e monitoria da

    UNESCO (2007):

    (fazer como uma escada ao lado, com destaque para os nmeros. Colocar o nvel um no

    degrau mais baixo, e o 4 e 5 no mais alto)

    Nveis 4 e 5: Os entrevistados demonstram domnio das habilidades para processar

    informao mais complexa.

    Nvel 3: Mnimo adequado para dar conta das demandas dirias e de trabalho, numa

    sociedade complexa. o nvel requerido para completar a escola secundria e entrar na

    universidade.

    Nvel 2: Os entrevistados s conseguem operar tarefas e material escrito simples,

    disposto com clareza. Conseguem ler, mas se saem mal nos testes de compreenso.

    Podem ter desenvolvido habilidades de cpia para dar conta das demandas de escrita

    mais corriqueiras, mas acham difcil enfrentar novos desafios como os exigidos no

    trabalho.

    Nvel 1: O indivduo possui habilidades muito pobres e pode nem ser capaz de

    determinar a dose correta do remdio para dar ao filho, a partir do rtulo da embalagem.

    (trad. da autora)

    Dados alarmantes

    O Departamento de Educao do Reino Unido em seu relatrio de 2006 informou que

    47% das crianas deixam a escola aos 16 anos sem ter adquirido o nvel bsico em

    matemtica funcional e 42% falham em alcanar o nvel bsico no ingls funcional

  • (Guardian Unlimited, 10/07/2007). A cada ano, 100.000 alunos deixam a escola como

    analfabetos funcionais no Reino Unido. Embora a taxa de letramento, nos Estados

    Unidos, seja muito elevada, mensurada por no mnimo oito anos de escolaridade,

    estatsticas recentes indicam a existncia de aproximadamente 30 milhes de

    analfabetos funcionais, cifra que vem aumentando (Civilliberties, 2007).

    Foto aluno na escola:

    Legenda: Frequentar a escola at completar o ensino fundamental no garante que o

    indivduo consiga entender e usar os textos escritos, nem refletir sobre eles.

    Somente as instituies que investiram pesado na formao do magistrio e adotaram

    mtodos e materiais advindos das pesquisas avanadas conseguiram resultados

    satisfatrios no domnio da leitura e escrita por parte da populao. A China, a

    Finlndia, a Coreia, Hongkong, cidade-estado e Singapura, pases que investiram

    pesado em educao de qualidade, tm conseguido os melhores escores, ao contrrio de

    pases como Azerbaijan ou Kyrgyzstan, nas ltimas posies.

    Outros dados preocupantes se referem aos anos de escolaridade da populao, em

    virtude das altas taxas de evaso escolar no Brasil, particularmente no nvel mdio, com

    10% de abandono, em 2006, passando para 11% em 2008, enquanto pases como o

    Chile, Paraguai e Venezuela ostentam 3% (GOMIDE, 2010).

    Como as Neurocincias, a Psicolingustica e a Lingustica podem contribuir para

    reverter o quadro? Uma das possibilidades conhecer quais as medidas que foram

    tomadas em cenrios que apresentavam taxas alarmantes de analfabetismo funcional e

    que conseguiram baix-las consideravelmente. o que voc ver a seguir.

    O programa Inciativa de Interveno Precoce

    O programa Inciativa de Interveno Precoce (Early Intervention Initiative, EII) foi

    desenvolvido pelo Conselho do Condado Oeste de Dunbartonshire, na Esccia, que, em

    junho de 2007, recebeu o prestigioso prmio do Municipal Journal pela maior conquista

    em assistncia criana no Reino Unido (West Dunbartonshire Council, 2007). um

    bom exemplo a ser seguido!

    Confira como se deu a implantao do progama.

    (fazer estilo linha do tempo)

    1997 - Incio do programa. Somente 5% das crianas que frequentavam a primeira srie

    da escola primria, que equivale ao Ensino Fundamental no Brasil, conseguiam escores

    altos em leitura. Meta: acabar em 10 anos com o analfabetismo funcional.

    1998 - Com um ano de aplicao, 45% das crianas conseguem escores altos em leitura.

    2001 - Um em cada trs alunos do secundrio (28%) era analfabeto funcional. Depois

    de ter frequentado sete anos do ensino fundamental, seu nvel de leitura era o

    equivalente ao de uma criana de nove anos e meio.

    2005 - As crianas do programa comeam a ingressar na escola secundria. O ndice de

    analfabetismo funcional cai para 6%.

    Como isto foi obtido? Sem entrar em detalhes, que voc conhecer mais frente,

    observe, de sada, que o programa prioriza a educao infantil, desenvolvendo a

  • conscincia fonolgica na pr-escola e utilizando basicamente o mtodo fnico sinttico

    e o enfoque multissensorial de Montessori, com material pedaggico elaborado a partir

    de pesquisas da proposta Jolly Phonics (WERNHAM; LLOYD, 1993, 2007). Tambm

    conta com atividades de interveno, com uma equipe de professores especialmente

    treinados; avaliao e monitoria contnuas; tempo extra para a leitura no currculo,

    assessoria s famlias e de quem cuida das crianas e a incrementao de um entorno de

    letramento na comunidade (Guardian Unlimited, 2007).

    cone Na Prtica

    Fatos e Nmeros

    Mais de 30 mil alunos foram individualmente testados.

    Mais de 29 mil alunos foram testados em grupo.

    As crianas com aproveitamento insatisfatrio na aprendizagem da leitura,

    escrita e clculo so acompanhadas individualmente por especialistas at

    superarem as dificuldades (Programa Toe By Toe/ Passo a Passo).

    A vontade poltica da administrao do condado, que investiu no projeto de

    erradicar o analfabetismo funcional em 10 anos, fez a diferena.

    Foram convocados especialistas como assessores.

    A famlia e a comunidade foram envolvidas, com um trabalho para suplementar

    o chamado currculo escondido.

    cone dicionrio

    Currculo escondido: So os conhecimentos incorporados pela criana em lares em

    que a informao escrita circula e por ter sido submetida a narrativas lidas, a jogos

    educativos, mdia e ao prprio discurso de familiares que convivem diariamente com

    tal informao.

    A efetividade de tais medidas para erradicar o analfabetismo funcional no Reino Unido

    vem confirmada pelo comentrio da Chefa dos Inspetores de sua Majestade, Christine

    Gilbert (2007, p. 2) ao Relatrio Anual de 2006/07. O relatrio final, publicado em

    2006, chamou a ateno para a importncia fundamental do desenvolvimento da fala

    das crianas. Tambm fez inmeras recomendaes chave para as escolas, sobre o

    ensino da fnica. Em especial, recomendou que o trabalho sistemtico com a fnica

    fosse ensinado de modo destacado; em outras palavras, os professores deveriam destinar

    um devido tempo todos os dias para que as crianas adquirissem o conhecimento, as

    habilidades e a compreenso de modo a habilit-las a decodificar (a ler) e a codificar (a

    escrever/ortografar) a escrita. Tambm recomendou que o trabalho fnico de alta

    qualidade fosse o enfoque privilegiado para ensinar as crianas a lerem, de modo que

    pudessem se deslocar mais suavemente de aprender para ler, para ler para aprender.

    Reflexes sobre o programa Inciativa de Interveno Precoce

    Dado o fato de que muitos projetos para a incrementao do letramento apresentaram

    resultados to insatisfatrios, uma das primeiras tendncias copiar, sem reflexo ou

    adaptao a cenrios diferentes, o que deu resultados noutros lugares.

    evidente que algumas medidas so indiscutveis, por exemplo, a vontade poltica das

    instituies responsveis pela educao de convocar os especialistas em ensino-

    aprendizagem da leitura e escrita para assessorarem em larga escala os educadores do

  • ensino pr-escolar e fundamental, bem como os autores do respectivo material

    pedaggico. Isso implica a presena no s de pedagogos e psiclogos altamente

    especializados, como o concurso de neurocientistas, linguistas, psicolinguistas e

    fonoaudilogos, que devero se ocupar da reformulao dos currculos, da formao

    continuada do magistrio, das prticas escolares, do material pedaggico, da avaliao

    peridica e da recuperao dos alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem da

    leitura e escrita.

    A compreenso por parte dos professores das bases cientficas que fundamentam, por

    exemplo, a fnica, impedir a prtica mecnica e inadequada dos exerccios, o que

    redundaria no efeito inverso ao desejado. Neste livro, voc encontar tais fundamentos e

    saber como vencer quatro grandes desafios.

    Dica

    Repetir mecanicamente os exerccios um caminho que deve ser abandonado.

    Desafio 1: A fala percebida como um contnuo.

    A razo primordial que fundamenta a fnica que a base dos sistemas alfabticos, ou

    seja, os grafemas (formados por uma ou mais letras) representam um fonema (classe de

    sons com funo de distinguir significados). Ora, isto vai contra a percepo que o

    indivduo tem da fala antes de se alfabetizar. A fala percebida como um contnuo,

    residindo a uma das maiores dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita.

    Portanto, um trabalho sistemtico tem que ser desenvolvido para que o indivduo

    reconstrua de modo consciente a percepo da fala e possa desmembrar a cadeia da fala

    em palavras e a slaba em seus constituintes. Alm disto, at se alfabetizar, as imagens

    visuais so processadas simetricamente, sem que a direo dos traos para a esquerda ou

    direita seja diferenciada. Tanto os fonemas, quanto os grafemas que os representam, tm

    a funo de distinguir significados. Lembre-se de que tanto a lngua oral, quanto a

    escrita fazem parte dos sistemas semiticos e servem para comunicar pensamentos.

    Desafio 2: impossvel articular isoladamente uma consoante oclusiva.

    Outro risco decorrente da falta de conhecimentos de fontica para quem ensina fnica

    pensar que possvel ouvir ou articular isoladamente uma consoante oclusiva. Ora,

    existe uma impossibilidade articulatria para a produo de tais sons, se no se

    apoiarem numa vogal ou som voclico precedentes e/ou subsequentes, uma vez que

    necessrio romper o obstculo (assinalado pelo silncio) para que possa ser percebido

    qualquer sinal.

    Foto de boca

    Legenda: Na lngua portuguesa, encontram-se seis consoantes oclusivas: /p/, /b/, , /d/,

    /k/ e /g/: tente produzi-las isoladamente e vai ver que impossvel!

    Desafio 3: O nome da letra no representa seu valor.

    Outra questo terica desconhecer que a decodificao precisa ser aprendida pelos

    valores que as letras tm, muitas vezes condicionadas pelo contexto, e no por seus

    nomes. Isto particularmente grave no portugus com os grafemas c, g, h, m, n, q, s, x, z e todos os grafemas que representam as vogais, mas o princpio vale para todos os grafemas.

    Foto de bola.

    Legenda: Evidentemente, a palavra bola no se l como be--li-a.

  • Desafio 4: Existncia de guetos lingusticos.

    Finalmente, alm das questes que remontam educao pr-escolar e fundamental e ao

    preparo dos professores, a exploso lexical e semntica e de universos especializados,

    ocasionada pelas revolues cientficas e tecnolgicas aceleradas, determinou a

    formao de verdadeiros guetos lingusticos, impermeveis mesmo para os

    considerados bons leitores. Isto vem determinando o fracionamento do conhecimento e

    a impossibilidade de se compreenderem os inmeros universos cognitivos: o ideal

    humanstico se encontra cada vez mais distante. Talvez, um dos caminhos seja a

    formao de um novo tipo de profissional capaz de traduzir o texto especializado para o

    grande pblico, o que em parte vem sendo exercido pelo jornalista cientfico. Mas um

    caminho, com certeza, alfabetizar bem, para desenvolver a competncia em leitura e,

    assim, fazer com que as pessoas leiam cada vez mais universos de conhecimentos

    diversificados e mais complexos.

    Ora, voc vai ver que a competncia em leitura se desenvolve, medida que o indivduo

    l e, para tanto, o reconhecimento dos traos que diferenciam as letras entre si e a

    articulao deles em grafemas, associados aos valores sonoros que eles representam,

    ambos com a funo de distinguir significados, tm que ser automatizados.

    Foto: pessoa lendo livro.

    Legenda. A automatizao do reconhecimento dos traos que diferenciam as letras entre

    si e dos valores dos grafemas libera o leitor para o entendimento do texto.

    No prximo captulo, voc ver como as descobertas das neurocincias podem ajudar a

    desenvolver uma alfabetizao, leitura e escrita mais competentes.

    (cone) Pontos importantes

    Na segunda unidade foram examinados os seguintes pontos:

    o conceito de analfabetismo funcional;

    a classificao de alfabetismo adotada pelo INAF;

    a evoluo do alfabetismo no Brasil;

    os cinco nveis de competncia leitora;

    dados alarmantes sobre analfabetismo funcional;

    o programa Inciativa de Interveno Precoce;

    os quatro grandes desafios alfabetizao.

    (bloco de anotaes)

    Sugestes para reflexo e pesquisa

    Na sua avaliao, qual o problema mais grave no Brasil: o do analfabeto total ou o do

    analfabetismo funcional? Realize na Internet uma pesquisa sobre o assunto, consultando

    as estatsticas do IBGE.

    O que o Relatrio PISA?

    Consulte e reflita sobre o que

    vem a ser competncia em linguagem, matemtica e cincias, e a importncia da

    competncia em leitura para o desempenho em matemtica e cincias.

    Por que o analfabetismo funcional fator de excluso social?

  • (cone) Avaliao de aprendizagem

    2. Analfabeto funcional :

    a ( ) o indivduo que nunca frequentou a escola.

    b ( ) o indivduo que no sabe o nome das letras.

    c ( ) o indivduo que, mesmo tendo frequentado a escola, no compreende os textos

    necessrios sua insero na sociedade.

    d ( ) o indivduo que no fala corretamente.

    e ( ) o indivduo que s frequentou a escola at o 3 ano do Ensino Fundamental.

    3. As neurocincias na alfabetizao e leitura

    cone sntese

    No segundo captulo, voc verificou que alarmante o nmero de analfabetos

    funcionais no Brasil e constatou que os alunos brasileiros tm obtido pssimos escores

    na avaliao mais importante do mundo sobre competncias em linguagem, matemtica

    e cincias. A reflexo foi encaminhada para a seguinte questo: por que no se aplicam

    alfabetizao e ao ensino-aprendizagem da leitura e escrita as concluses a que

    chegaram as pesquisas de ponta no assunto, realizadas pelas neurocincias, pela

    psicolingustica e pela lingustica?

    cone objetivos

    Nesse captulo voc descobrir como as neurocincias esto contribuindo para que se

    entendam os processos envolvidos na leitura e como se d a reciclagem dos neurnios

    em uma regio especfica do crebro para o reconhecimento dos traos invariantes que

    diferenciam as letras entre si. Tambm ver como a articulao de uma ou duas letras

    (os grafemas), associados aos fonemas, possuem a funo de distinguir significados.

    Perceber como o processamento da linguagem verbal e do significado se do em

    paralelo, com entradas e sadas simultneas da informao.

    Fundamentos

    Graas imagem por ressonncia magntica (IRM), eletroencefalografia (EEG) e

    magnetoencefalografia (MEG), pode-se rastrear como nosso crebro trabalha durante a

    leitura.

    As principais concluses de tais pesquisas so de grande valia para se repensarem os

    mtodos de alfabetizao e o ensino-aprendizagem da leitura e escrita, alm de nos

    esclarecerem sobre as dificuldades que os alunos apresentam, decorrentes de distrbios

    de ateno ou da dislexia.

    cone dicionrio

    Dislexia: um distrbio de ordem gentica determinado pela migrao, no feto, dos

    neurnios desde a zona germinal ao redor dos ventrculos at a posio final nas

    diferentes camadas do crtex, de que resulta uma dificuldade em reconhecer a palavra

    escrita.

  • A capacidade para aprender a ler e a escrever exclusiva da espcie humana. Ela se

    deve, fundamentalmente, aos seguintes fatores de como est estruturado e funciona o

    sistema nervoso central, que voc ver a seguir:

    plasticidade dos neurnios para se reciclarem para novas aprendizagens, inclusive as

    que vo de encontro programao biopsicolgica;

    dominncia e especializao das vrias reas secundrias para a linguagem verbal no

    hemisfrio esquerdo e integrao nas reas tercirias;

    interconexo entre as vrias reas, mesmo distantes, inclusive as que processam a

    significao, com as que processam em paralelo a linguagem verbal;

    processamento das variantes recebidas nas reas primrias, atravs do emparelhamento

    com formas invariantes mais abstratas que os neurnios reconhecem nas reas

    secundrias;

    arquitetura neuronal capaz de processar formas sucessivamente mais abstratas e

    complexas. A funo semitica.

    Mecanismos de retroalimentao simultneos para autocorreo.

    Memria permanente para registro dos esquemas e padres aprendidos, o que garante o

    acionamento do conhecimento prvio.

    Complicado? Um pouco, mas examinando o crebro fica mais fcil entender.

  • Ao refazer, corrigir no quadro: occpito-temporal occipitotemporal

    Figura 1. Viso moderna das redes corticais da leitura (adaptao a partir de

    DEHAENE, 2012, p. 78).

    Perceba que o crebro formado por muitas regies, e cada uma delas tem sua funo.

    Nos processos de aprendizagem, vrias regies so utilizadas simultaneamente. Mas

    como?

    O que acontece quando nos deparamos com um texto escrito

    Nossos olhos no abarcam uma linha inteira, em virtude das limitaes de a nica parte

    da retina, realmente til para a leitura, chamada fvea, rica em clulas fotorreceptoras,

    os cones, ocupar apenas 15 do campo visual. Por isso, nossos olhos correm pela linha,

    em movimentos de sacada (quatro ou cinco por segundo). Durante estes movimentos,

    no vemos nada. S ao parar em um ponto, a fixao, a fvea consegue abarcar 3 ou 4

    caracteres esquerda do centro do olhar, e 7 ou 8 direita, nos sistemas de escrita com

    direo da esquerda para a direita. Tais movimentos oculares so controlados pelos dois

    colcolos superiores, situados abaixo do tlamo e rodeados pela glndula pineal do

    mesencfalo.

    preciso explicar que as regies do crebro que recebem a informao se dividem em

    trs grandes blocos. As reas primrias, formadas por sensores sensoriais e

    somestsicos, as reas secundrias, especializadas para processamentos refinados que

    dependem da especializao dos neurnios, atravs da experincia, para reconhecer as

    invarincias e as tercirias que fazem a integrao dos resultados dos vrios

    processamentos. Com a viso a mesma coisa. A rea primria, para processar os sinais

    luminosos, fica na parte posterior e central da regio occipital de ambos os hemisfrios.

    Os sensores decompem os sinais luminosos em mirades de pontos que,

    metaforicamente, vamos chamar de pxeis. S depois da recomposio em formas

    invariantes que possam emparelhar com as dos respectivos neurnios estes sinais so

    enviados para as reas especializadas: esse primeiro processamento dura

    aproximadamente 50 milissegundos. A distribuio preferencial para a regio

    especializada em reconhecer os traos das letras, isto , a regio occipitotemporal

    ventral esquerda, j comprovada pelas pesquisas em neurocincias, coloca uma p de

    cal nos mtodos globais ou similares de alfabetizao, pois o reconhecimento global ou

    por configurao efetuado, preferencialmente, pela regio homolateral direita.

    cone dicionrio

    Somestesia: a capacidade que homens e animais tm de receber informaes sobre as

    diferentes partes do seu corpo. Conjunto de sensaes corporais como tato, dor etc;

    conscincia corporal.

    Esquema (fazer com cones/iustraao esquemtica, dos trs pontos: rea de leitura,

    movimento, fixao,conforme descrito a seguir)

    Processo de Leitura

    Olho marcando 15. Legenda: rea de leitura Olhos com movimento Legenda: movimento de sacada -\

  • Trecho de uma linha, com destaque para uma parte do texto, sendo que 3 ou 4 caracteres

    esquerda do centro do olhar, e 7 ou 8 direita esto destacados em outra cor,

    simulando um texto de jornal O professor muito importante. Legenda: Fixao na leitura

    Reconhecimento dos traos invariantes

    Os neurnios da regio occipitotemporal ventral esquerda reconhecem os traos

    invariantes que compem as letras, cujos valores so os mesmos, independentemente de

    seu tamanho, da caixa (MAISCULA ou minscula), da fonte (imprensa,

    manuscrita, itlico, negrito ou sublinhado, etc.), da cor, ou da posio que

    ocupam na palavra.

    O reconhecimento das invarincias possvel e necessrio por duas razes,

    fundamentalmente:

    porque, como mecanismo adaptativo, o sistema visual dos primatas deve reconhecer as

    formas bsicas do que se encontra na natureza, independentemente das variantes que o

    olhar capta, conforme a distncia, o ngulo de viso, a incidncia da luz e sombra e a

    parte em relao ao todo, etc.;

    porque, e essa especificamente humana, s essa explica a capacidade dos neurnios da

    regio occipitotemporal ventral esquerda em reconhecer os traos invariantes que

    compem as letras: na espcie humana, os respectivos axnios esto ligados a todas as

    regies que processam a linguagem verbal e simultaneamente regio que processa o

    significado.

    Icone dicionrio

    Axnios: Prolongamentos dos neurnios que levam a informao a outros neurnios

    atravs do mecanismo denominado sinapse.

    Desde o incio do sculo XX que a lingustica props o conceito de fonema, a unidade

    que cobria todas as realizaes possveis tanto em nvel da recepo quanto da

    produo, com a funo de distinguir significados. Um exemplo o par mnimo /karu/

    oposto a /kaRu/, independentemente do fato de /R/ poder se realizar como fricativa velar surda, vibrante pico-alveolar mltipla, uvular ou glotal aspirada. A noo de

    fonema foi ampliada como sendo um feixe de traos distintivos (esses ltimos tambm

    invariantes).

    Somente agora, atravs das tcnicas de neuroimagem funcional (IRM), de

    eletroencefalografia (EEG) e de magnetoencefalografia (MEG), mais conhecidas pelos

    seus acrnimos, foi possvel verificar que h neurnios especializados na regio

    occipitotemporal ventral esquerda para reconhecer os traos invariantes das letras e isso

    possvel porque uma ou duas letras (os grafemas) esto associadas a um fonema,

    ambos com a funo de distinguir significados. A mesma diferena que voc faz entre

    /r/ e /R/, voc faz entre r e rr, R e RR, R e RR e isso porque, por exemplo, caro e

    carro tm significados diferentes.

    Foto de carro.

    Legenda: Um carro pode ser caro - e voc no confunde carro com caro!

    Icone dicionrio

  • Acrnimo: duas ou mais letras iniciais de palavras que constituem uma frase, que

    passam a representar a respectiva referncia, como, por exemplo, UFSC Universidade Federal de Santa Catarina.

    A verificao de que os neurnios na regio occipitotemporal ventral esquerda

    reconhecem as invarincias dos traos que compem as letras e de que eles aprendem a

    reconhec-las porque uma ou duas letras esto associadas aos fonemas, e os axnios de

    tais neurnios se projetam em cadeias sucessivas at chegar regio que processa a

    linguagem verbal, inclusive a que processa os significados, tem profundas implicaes

    sobre a metodologia da alfabetizao, particularmente em sistemas alfabticos como o

    do portugus brasileiro em que, para a leitura, o sistema apresenta muita transparncia.

    cone na prtica.

    Trabalhe o reconhecimento dos traos que diferenciam as letras entre si sempre com os

    valores que uma ou duas letras (grafemas) tm para representar os fonemas, ambos para

    distinguir significados. Por exemplo, ao acrescentar um trao vertical esquerda e outro

    direita da letra V, voc distingue VALA de MALA. Ao mesmo tempo, sempre pronuncie a palavra e, quando possvel (o que o caso, no exemplo), produza o som

    isolado de [v] e [m], associado aos respectivos grafemas v e m. Ative, tambm, outras regies de reconhecimento ttil, motor e cinestsico, acompanhando a direo do

    movimento da letra, o que refora a aprendizagem dos neurnios. O corolrio desse

    princpio o de que as letras no devem ser ensinadas isoladamente e, muito menos, por

    seu nome. O mesmo se aplica a trabalhar com sons isoladamente, que no sejam a

    realizao de fonemas, portanto, fora da funo de distinguir significados. Claro que

    essa atividade muito necessria nas aulas de msica, mas no tem a ver com o

    processo de alfabetizao.

    Quanto mais associaes forem feitas com as diferentes regies cerebrais que

    processam a linguagem verbal (sempre no hemisfrio esquerdo), tanto mais rpida e

    profunda a aprendizagem. Esse princpio j havia sido compreendido por Montessori,

    da porque os mtodos de alfabetizao que utilizam atividades multissensoriais

    favorecem a aprendizagem: observe-se, porm, que para fixar as invarincias dos

    traos que distinguem as letras. Por isso, voc deve tambm associar ao reconhecimento

    visual da letra e ao seu valor sonoro gestos que acompanhem o traado da letra, por

    exemplo, na letra V, fazer com que a criana acompanhe com o dedo o movimento de cima para baixo e, depois, de baixo para cima, pois, no s so quatro sensaes (a

    visual, a ttil, a cinestsica e proprioceptiva) a reforar a aprendizagem dos neurnios,

    como voc estar trabalhando com a direo espacial, outra propriedade essencial

    leitura. A emisso simultnea do som (realizao do respectivo fonema) acresce s

    quatro sensaes a auditiva e a proprioceptiva dos movimentos do aparelho fonador.

    Foto de colar contas, ou criana enfiando contas em um fio.

    Legenda: Uma coisa acompanhar com o dedo o traado da letra V de cima para baixo e, depois, de baixo para cima, produzindo o som correspondente ao fonema que ela

    representa. Enfiar contas numa linha, para desenvolver a psicomotricidade, no tem

    nada a ver com ensinar os neurnios a reconhecer tal letra e depois poder escrev-la!

    Utilize um sistema cada vez mais complexo acompanhando o incremento das projees

    sinpticas. A cada uma das projees sinpticas, cada vez mais distantes da regio

  • occipital primria, as unidades processadas vo se tornando mais complexas: slabas,

    morfemas, palavras, frases, oraes, perodos e texto, graas ao que se denomina

    arquitetura neuronal.

    Falta falar ainda sobre o que as neurocincias nos dizem sobre dois problemas que

    afligem os educadores. A leitura e escrita espelhadas no incio da alfabetizao e a

    dislexia.

    Leitura e escrita espelhada

    Para que se entendam a leitura e escrita espelhadas, no incio da alfabetizao, que, s

    vezes, perduram por longo tempo, necessria a explicao a seguir.

    As projees visuais so cruzadas

    Os sinais luminosos que se apresentam esquerda se projetam sobre a metade direita da

    retina de cada olho, de onde a informao enviada em direo s reas visuais

    primrias na regio occipital do hemisfrio direito; e os sinais luminosos apresentados

    direita se projetam sobre a metade esquerda da retina de cada olho e so tratados na

    regio occipital do hemisfrio esquerdo. Cada vez que um hemisfrio aprende uma informao visual nova, este trao de memria imediatamente transmitido ao outro

    hemisfrio. Essa transferncia passaria, por certo, pelo corpo caloso,

    esse vasto feixe de fibras que liga as reas correspondentes dos dois

    hemisfrios. Supondo que esse feixe liga, ponto a ponto, as reas

    visuais simtricas dos dois hemisfrios, ento a transferncia entre os

    hemisfrios deveria inverter a direita e a esquerda (DEHAENE, 2012, cap. 7).

    Para que os neurnios reconheam qualquer coisa como sendo a mesma, so

    desprezadas, pois, as diferenas entre esquerda e direita, o que se denomina de

    simetrizao, quando a informao provinda de ambas as retinas atravessa o corpo

    caloso: tanto faz a ala de uma xcara estar para a direita ou para a esquerda, voc

    reconhece a xcara como sendo a mesma.

    Foto de uma xcara, em diferentes posies.

    Legenda: Uma xcara uma xcara, no importa a posio!

    Ora, essa percepo ter que ser refeita durante a alfabetizao, pois colocar as trs

    pequenas retas horizontais paralelas s pode ser direita da reta vertical para formar a

    letra E. Mais difcil, ainda, reconhecer a diferena entre d e b, ou entre q e p, a qual reside apenas no fato de as primeiras letras de cada par estarem com o semicrculo

    esquerda da haste e as segundas, inversamente, com o semicrculo direita da haste

    (espelhamento na horizontal). Outra diferena que os neurnios desprezam a inverso

    vertical: se a mesa estiver com o tampo para baixo e as pernas para cima, ainda assim

    ser reconhecida como uma mesa; o mesmo se pode dizer de um guarda-chuva ou de

    um tomate. Mas com as letras isso no ocorre. A nica diferena entre M e W a direo vertical (espelhamento vertical), o que ocorre tambm com o que diferencia b -p; d - q;e a; u - n. Isso significa que, na alfabetizao, os neurnios da regio occipitotemporal ventral esquerda tero que se reciclar para reconhecer a diferena entre

    direo esquerda e direo direita e entre direo para cima e para baixo.

  • Foto de uma mesa, com as pernas para baixo e para cima.

    Legenda: Uma mesa continua sendo uma mesa, com as pernas para cima ou para baixo

    - o mesmo no ocorre com as letras.

    Trata-se de uma aprendizagem especfica e, lembre-se, s ocorrer se for ensinada com

    a funo de distinguir significados, como em bote/dote; bote/pote; dado/dedo.

    Fotos de bote e pote, dado e dedo, com as sublegendas: bote, pote, dado, dedo.

    Legenda: O espelhamento, s vezes, a nica diferena na leitura.

    Essa reciclagem muito difcil porque continua convivendo com o fato de que, para os

    demais reconhecimentos, os neurnios que processam a viso continuam a desprezar as

    diferenas entre esquerda e direita e entre em cima e embaixo. Por isso, as crianas

    persistem na leitura e escrita espelhadas por algum tempo, em maior ou menor grau,

    mas isso no significa que sejam dislxicas.

    Icone dicionrio

    Dislexia: A dislexia um distrbio de ordem gentica que se origina, segundo muitos

    autores, quando se d, no feto, a migrao dos neurnios desde a zona germinal ao redor

    dos ventrculos at a posio final nas diferentes camadas do crtex.

    Alguns genes foram associados ao erro de migrao dos neurnios que caracterizam a

    dislexia, como o gene DYX1C1 sobre o cromossoma 15 e os genes KIAA0319 e

    DCDC2, sobre o cromossoma 6 e o ROBO1 sobre o cromossoma 3. Esse erro de

    posicionamento dos neurnios determina que, futuramente, tais indivduos venham a ter

    dificuldades no reconhecimento das letras, particularmente, quando est envolvido o

    trao de espelhamento. Em consequncia, tais sujeitos falham nos testes de conscincia

    fonolgica. Est registrado que os dislxicos apresentam uma diminuio de atividade

    na regio temporal esquerda, responsvel pelo processamento dos fonemas.

    Atualmente, alguns programas tm se mostrado eficientes na recuperao dos

    dislxicos: trata-se da reeducao atravs de jogos no computador, uma vez que eles

    fascinam o educando. Os programas se baseiam na proposta de Vygotsky sobre zona

    proximal de aprendizagem.

    Icone dicionrio

    Zona proximal de aprendizagem: Trata-se de uma rea de desenvolvimento da

    cognio, na qual, usando uma metfora espacial, define-se a distncia entre a

    capacidade atual de a criana sozinha resolver problemas e o nvel de desenvolvimento,

    avaliado pela resoluo de problemas com o auxlio de adultos ou de colegas mais

    adiantados (VYGOTSKY,1991).

    (cone) Pontos importantes

    No captulo 3 foram abordados os seguintes assuntos:

    As recentes descobertas das neurocincias, que podem ajudar na escolha do melhor

    mtodo para a alfabetizao e para o desenvolvimento das competncias em leitura e

    escrita;

  • Como os neurnios humanos so dotados de plasticidade para a aprendizagem de novos

    reconhecimentos e que, no caso da leitura, esses neurnios se encontram numa regio

    denominada regio occipitotemporal ventral esquerda;

    Como a reciclagem possvel, pois porque tais neurnios aprendem a reconhecer os

    traos invariantes das letras, inclusive o direcionamento para a esquerda ou direita e

    para cima ou para baixo, que integram as letras, uma ou duas constituindo os grafemas,

    associados aos fonemas, ambos com a funo de distinguir significados;

    Dessa regio ocorrem projees para todas as regies que processam a linguagem

    verbal, em nveis cada vez mais abstratos, at se chegar ao processamento do texto e

    que esses processamentos ocorrem em paralelo, no unidirecionalmente, mas com

    informaes transportadas pelos axnios e acolhidas pelos dendritos, num fluxo

    contnuo.

    Icone dica:

    Aprofunde seus conhecimentos lendo o livro Os Neurnios da Leitura, de Stanislas

    Dehaene, da editora Penso, 2012, em especial, as pginas 282-302.

    Para visualizar os neurnios, acesse:

    (bloco de anotaes)

    Sugestes para reflexo e pesquisa:

    O que voc entende por plasticidade e reciclagem neuronal?

    O que voc entende por reas primrias, secundrias e tercirias no crebro?

    O que espelhamento?

    (cone)

    Avaliao de aprendizagem

    3. O processamento da linha impressa se d...

    a ( ) durante os movimentos em sacada.

    b ( ) abarcando a linha do incio, esquerda, at, o final direita.

    c ( ) abarcando toda a pgina, da o xito da leitura dinmica.

    d ( ) no momento da fixao, abarcando aproximadamente entre 10 a 12 letras.

    e ( ) aleatoriamente.

  • 4. Desenvolvimento da lngua verbal oral

    cone sntese

    No terceiro captulo, voc viu, fundamentalmente, que os neurnios humanos so

    dotados de plasticidade para a aprendizagem de novos reconhecimentos e que, no caso

    da leitura, esses neurnios se encontram numa regio denominada regio

    occipitotemporal ventral esquerda. Agora, voc aprofundar como a criana adquire sua

    variedade sociolingustica oral.

    cone objetivo

    Nesse captulo, voc ver os fatores que intervm na aquisio da lngua oral, mais

    especificamente na sua variedade sociolingustica, uma vez que, sendo a aprendizagem

    da leitura e da escrita secundria em relao aquisio de sua variedade

    sociolingustica oral, deve-se ter clareza sobre como esta adquirida. Voc verificar

    que trs fatores intervm para a aquisio da lngua oral: os inatos, os maturacionais e

    os ambientais.

    Fatores inatos

    O que so fatores inatos? So os fatores biopsiquicamente determinados pela espcie,

    em especial, a estrutura, o amadurecimento e o funcionamento do sistema nervoso

    central, o qual, atravs de suas redes neurais, se coloca como o instrumento principal e

    especfico de sobrevivncia. Dentre as vrias funes para as quais o sistema nervoso

    central programado, sobressai a capacidade de operar com signos, principalmente os

    signos verbais orais, que registram as informaes na memria permanente, sejam as

    que o prprio indivduo vivencia, sejam as que lhes so transmitidas. A memria

    cognitiva humana programada para registrar os episdios individuais e coletivos na

    forma de narrativas factuais ou fictcias. A lngua verbal oral serve como moeda

    corrente para a socializao e para a organizao das ideias (o pensamento lgico).

    Serve tambm como meio de expresso das emoes e como matria para a produo

    esttica.

    Foto pessoas

    Legenda: Na maioria dos indivduos, mesmo nos canhotos, o hemisfrio nos quais as

    redes se especializam para a lngua verbal o esquerdo.

    Para que esta programao compulsria da espcie humana seja ativada, necessria

    uma alavanca, ou seja, a interao lingustica, cujos dados devero ser captados por um

    canal de entrada e reconstrudos pela percepo.

    cone Ateno

    O canal de entrada privilegiado pela espcie humana para captar a lngua verbal oral o

    auditivo, mas ele reforado pelas informaes do chamado canal proprioceptivo que

    reconhece os movimentos do trato vocal e tambm pela viso que faz a leitura dos

    gestos dos lbios e maxilar inferior, sincronizados com o que a criana escuta.

    cone dicionrio

  • Canal Proprioceptivo: o canal que envia informaes ao crebro sobre os

    movimentos realizados por nosso corpo, no caso, os realizados pelo aparelho fonador da

    criana que est ensaiando suas primeiras falas.

    O canal privilegiado para emitir a lngua verbal, isto , os gestos fonoarticulatrios, o

    aparelho fonador: pulmes, laringe, faringe, trato bucal e fossas nasais.

    Concluso: a criana que no apresenta nenhum impedimento sensorial ou cognitivo

    para processar a fala nasce programada para operar com signos verbais, no devido

    tempo, em virtude de como o sistema nervoso central est estruturado e funciona.

    Problemas congnitos de m conformao e/ou que afetem os circuitos envolvidos no

    processamento da lngua verbal requerem o atendimento de especialistas, pois

    dificilmente podem ser tratados por leigos.

    Nesse ponto preciso deixar bem claro que, embora a espcie humana seja programada

    para a linguagem verbal, o alvo, naquilo que define sua essncia, , por um lado, a

    compreenso das mensagens recebidas e, por outro, a produo de textos com sentido,

    em situaes temporalmente sempre novas. A mera repetio mecnica de enunciados,

    mesmo com articulao aceitvel, no se constitui em linguagem verbal conforme

    definido.

    Dica

    Quando a criana nasce surda, se no houver comprometimentos nos centros do sistema

    nervoso central envolvidos no processamento da lngua verbal, e se a criana estiver

    exposta a sistemas que utilizem outros canais como o vsuo-gestual (a lngua brasileira

    dos sinais, L.I.B.R.A.S., por exemplo), a lngua verbal, tal como definida, poder se

    desenvolver.

    Fatores maturacionais

    Embora o feto possa ser gerado sem nenhum comprometimento, seu desenvolvimento

    no deve sofrer nenhum acidente de percurso: enfermidades adquiridas pela gestante,

    como a rubola, ingesto de drogas durante a gravidez e, o que exige medidas de

    profundidade, alimentao deficiente em protenas durante os meses iniciais de

    formao da criana, podem ter profundas repercusses.

    Os circuitos que ligam os diversos centros do sistema nervoso central no nascem

    prontos: os prolongamentos dos neurnios precisam ser recobertos por uma camada rica

    em protenas, processo conhecido como mielinizao, para que se estabeleam as

    ligaes de modo adequado e no momento certo.

    Para produzir os primeiros enunciados, a criana vai calibrando, isto , comparando o

    que diz com o que quer dizer (auto-regulao total ou total feedback): recebe

    simultaneamente em seu crebro informaes proprioceptivas dos gestos do aparelho

    fonador, bem como imagens acsticas dos sons que emitiu. Conforme se pode

    depreender, os circuitos interligados desempenham papel decisivo no desenvolvimento

    da lngua verbal.

    Ateno!

    A maturao dos circuitos envolvidos no processamento da lngua verbal depende da

    ativao e funcionamento dos mesmos, para a chamada especializao das funes

    neuronais.

    Fatores ambientais

  • Uma vez que os programas inatos para o desenvolvimento da lngua verbal oral e sua

    maturao precisam ser ativados pela interao verbal, sobressai a importncia dos

    fatores ambientais, desde aqueles que cercam a gestante, os primeiros meses de vida do

    infante, at o processo de socializao. A especializao dos neurnios nas reas

    secundrias depende da experincia.

    Foto: Me lendo para criana.

    Legenda: O fato de uma criana ouvir desde cedo narrativas recontadas ou lidas ativa o

    desenvolvimento dos esquemas mentais.

    Os aspectos culturais, socioeconmicos e afetivos decidiro, definitivamente, sobre a

    variedade sociolingustica do falante e sobre seu idioleto.

    O que a variedade sociolingustica?

    Apesar de o sistema alfabtico do portugus brasileiro ser o mesmo para os falantes em

    todo territrio, a converso para os fonemas que uma ou mais letras (os grafemas)

    representam no a mesma para todos os indivduos, isto por que eles no falam do

    mesmo jeito.

    As variedades sociolingusticas so determinadas por vrios fatores, dentre os quais se

    destacam: o geogrfico (por exemplo, a variedade praticada no Rio de Janeiro, em Porto

    Alegre, em Florianpolis); o socioeconmico e cultural, tambm conhecido como

    diastrtico (por exemplo, na cidade de Florianpolis, filhos de pais que frequentaram a

    universidade, que leem e convivem com pessoas das chamadas profisses liberais e, ao

    mesmo tempo, tm amiguinhos no bairro e/ou na escola que pertencem ao mesmo

    contexto, vo internalizar uma variedade sociolingustica distinta de crianas cujos pais

    e/ou familiares no foram alfabetizados e cujos amiguinhos moram em bairros

    perifricos); o profissional (em virtude da especializao, se estabeleceram verdadeiros

    guetos lingusticos: mesmo que falem portugus, voc no consegue entender o discurso

    de um grupo de bioqumicos, ou de surfistas quando esto reunidos); o de gerao (a

    variedade praticada pelos jovens muitas vezes incompreensvel aos adultos) e assim

    por diante.

    cone Dicionrio

    Idioleto: a variedade peculiar de um indivduo, determinada por preferncias

    estilsticas, mas tambm por fatores de ordem emocional e biopsquica.

    Diferena entre variedade e registro

    Dadas as profundas repercusses que o tema suscita entre os educadores envolvidos

    com linguagem, convm fazer uma distino entre variedades sociolingusticas e

    registros.

    As variedades sociolingusticas, conforme assinalei, decorrem das condies em que a

    criana internaliza sua lngua materna. O professor em sala de aula deve estar

    consciente de que, diante da mobilidade social vigente, ter alunos praticando as mais

    diferentes variedades, quer geogrficas, quer socioculturais, para no falar dos filhos de

    estrangeiros, que praticam um portugus influenciado pelos respectivos dialetos.

    Quanto aos registros ou estilos, eles so determinados pelas condies do ouvinte ou

    leitor para quem voc se dirige: englobam as caractersticas de vocabulrio, de sintaxe e

    de tratamento, dependendes do suporte utilizado (oral ou escrito); do destinatrio

    (privado ou pblico; familiar ou distante); do status; da situao de comunicao (casa,

  • trabalho, loja, delegacia etc.); do gnero (informativo, literrio, argumentativo); das

    intenes pragmticas etc.

    Na prtica

    Respeite a variedade praticada pelo educando.

    Explique aos alunos o respeito s diferenas lingusticas, mesmo por que o prprio

    professor pratica sua variedade sociolingustica que, nem sempre, a norma

    considerada de prestgio.

    Lembre-se de que, como o aluno permanece em sala de aula trs ou quatro horas,

    dificilmente perder os condicionamentos motores adquiridos no ambiente familiar.

    Para tal, s se trabalhar conscientemente com este objetivo, ou se estiver profundamente

    motivado: nunca por imposio e muito menos pelo ridculo.

    Para a aprendizagem dos princpios do sistema alfabtico do portugus brasileiro, voc

    dever estar atento s realizaes de seu aluno, pois os valores das letras (grafemas) no

    sero os mesmos para todos: se uma criana de Florianpolis diz [situkEjS], o

    professor ter que explicar pacientemente que ns no escrevemos como falamos

    (escrever na lousa queres): (apontar para o qu) representa um som que no d para dizer isoladamente. Precisamos deste (apontar para e) que representa o som de [E];

    (apontar para as trs letras que). Agora podemos pronunciar os dois primeiros sons que aparecem em [kEjS] antes do [E] o primeiro som se escreve (apontar na lousa para

    qu, dgrafo, sem dizer o nome das letras); o [E] se escreve e; o [j] se escreve (apontar

    na lousa re) e o [S] no final da palavra se escreve com (apontar na lousa s), na palavra

    escrita queres. Apesar de as pessoas somente dominarem uma variedade sociolingustica, conhecem

    vrios registros e estes podem e devem ser ampliados em sala de aula. Sendo assim,

    quando falamos com uma criana, quanto menor for, usamos um registro que se chama

    Fala Dirigida Criana (em ingls, Children Directed Speech, CDS, expresso que

    substituiu as anteriores Baby talk e Motherese); quando proferimos uma aula, utilizamos

    o registro adequado, diferente de quando estamos fazendo compras. Da mesma forma, o

    registro utilizado numa conversa na Internet, nos chats, no o mesmo que o utilizado

    num trabalho de concluso de curso.

    , portanto, errneo afirmar que devemos escrever como falamos porque houve

    mudanas lingusticas.

    Mudanas houve, sim, e ningum vai pregar aos alunos que escrevam como Machado

    de Assis (alis, sempre foi um grande equvoco tal proposta), mas volto a afirmar que

    no escrevemos como falamos, nem isto possvel.

    Foto de grupo diverso.

    Legenda. A fala muda conforme a situao. No escrevemos como falamos.

    Pontos Importantes

    No captulo 4, voc constatou que:

    os fatores que intervm no desenvolvimento da lngua verbal so o inato, o

    maturativo e o ambiental;

    a escola contribui com o fator ambiental para o desenvolvimento da lngua

    verbal, em particular, para tornar o aluno competente na utilizao dos registros

    ou estilos;

  • o desconhecimento das bases tericas e a m orientao por parte dos

    professores podem atuar como fatores inibidores e at de bloqueio para a

    comunicao lingustica;

    as variedades sociolingusticas so determinadas por vrios fatores, dentre os

    quais: o geogrfico, o socioeconmico e cultural, o profissional e o geracional;

    a variedade lingustica deve ser respeitada;

    no se escreve como se fala: o registro escrito deve ser ensinado em sala de aula

    para que o aluno possa obter os fins desejados quando no futuro tiver que us-lo

    para conseguir um emprego, para passar numa prova e at para escrever uma

    carta de amor.

    Dica

    Leitura recomendada:

    SCLIAR-CABRAL, L. Guia prtico de alfabetizao, baseado em Princpios do sistema

    alfabtico do portugus brasileiro. So Paulo: Contexto, 2003b, cap. 2.

    (cone bloco de anotaes)

    Sugestes para reflexo e pesquisa

    O que um fator inato?

    O que so o fator maturativo e o ambiental?

    Em quais dos fatores voc situa sua atividade como educador?

    AVALIAO DE APRENDIZAGEM

    4. A aquisio da lngua oral e a aprendizagem da leitura e da escrita...

    a ( ) so a mesma coisa, portanto, deve-se usar tambm a expresso aquisio da leitura e da escrita. b ( ) no so a mesma coisa, pois, na criana que no apresenta nenhum impedimento

    sensorial ou cognitivo para processar a fala, a aquisio da lngua oral espontnea e

    at compulsria, enquanto a aprendizagem da leitura e da escrita sistemtica e

    intensiva.

    c ( ) so interdependentes porque a aquisio da lngua oral depende da aprendizagem

    da leitura e da escrita.

    d ( ) ocorrem no mesmo momento na criana.

    e ( ) ocorrem em sequncia: primeiro a criana aprende a ler e a escrever.

    5. Fundamentos da alfabetizao integral e integrada

    cone Sntese

    No captulo anterior, voc examinou os fatores que intervm na aquisio da lngua

    oral, mais especificamente na sua variedade sociolingustica, uma vez que, sendo a

    aprendizagem da leitura e da escrita secundria em relao aquisio de sua variedade

    sociolingustica oral, deve-se ter clareza sobre como adquirida. Voc verificou que

    trs fatores intervm na aquisio da lngua oral: os inatos, os maturacionais e os

    ambientais, cabendo escola contribuir para a incrementao deste ltimo, atravs do

    desenvolvimento da competncia no uso dos registros.

  • cone objetivo

    Nesse captulo, voc ser levado a refletir sobre os fundamentos filosficos, cientficos

    e metodolgicos da alfabetizao integral e integrada. A principal integrao consiste

    em no divorciar as cincias humanas das cincias biolgicas: o cultural no pode ser

    pensado sem o biolgico, nem a especializao cerebral sem ser plasmada pela

    experincia. A alfabetizao integral parte do pressuposto de que o alvo a educao

    plena do indivduo: cognio, afetos, sociabilidade, o fsico e o esttico, em vasos

    comunicantes devero lev-lo ao exerccio da cidadania e realizao pessoal, com a

    capacidade para entender os textos escritos que circulam em sociedade e para produzir

    os de que necessita. Ao final desse captulo, voc estar fundamentado para

    compreender o Sistema e saber escolher melhor o material didtico e as estratgias em

    sala de aula para alfabetizar.

    Fundamentos filosficos e cientficos da alfabetizao integrada

    O fundamento filosfico e cientfico que norteia a alfabetizao integrada a

    inseparabilidade entre as cincias humanas e as cincias biolgicas: o cultural no pode

    ser pensado sem o biolgico, nem a especializao cerebral sem ser plasmada pela

    experincia. Traduzido alfabetizao, esse fundamento significa, por um lado, que,

    embora a inveno da escrita tenha ocorrido h aproximadamente 5.000 anos, sob a

    presso de condicionantes sociais, tal inveno e sua respectiva aprendizagem s foram

    possveis porque o aparato biopsicolgico da espcie est apto produo cultural,

    mecanismo de sobrevivncia, bem como aprendizagem dos sistemas escritos, mais

    especificamente, a relativa plasticidade dos neurnios permite sua adaptao para

    captarem as articulaes dos traos que diferenciam as letras entre si, organizando-as

    em grafemas com seus respectivos valores (os fonemas), ambos com a funo de

    distinguir significados.

    Substituir algo (a referncia) por uma representao mental, ou seja, a funo semitica,

    privilgio da espcie humana. Assim tambm aconteceu com a escrita propriamente

    dita, que passou a representar os sistemas orais de comunicao.

    Por outro lado, a cincia demonstra que a aprendizagem do sistema escrito esbarra com

    enormes dificuldades, em resumo:

    a) a percepo da cadeia da fala como um contnuo, uma vez que no h separao entre

    as palavras, como os espaos em branco na folha impressa, nem contraste entre os

    segmentos que constituem a slaba, condio para associ-los aos grafemas nos sistemas

    alfabticos (tais fatos so atestados no incio da escrita numa cadeia contnua, ou na fase

    silbica da escrita);

    b) vocbulos tonos pouco perceptveis na cadeia da fala, que determinam reanlises

    silbicas, toda a vez que terminarem por consoante e o vocbulo seguinte iniciar por

    vogal, como nos exemplos zoiu, zovidu, zoreia; c) os neurnios que processam o sinal luminoso (neurnios da viso) so programados

    para simetrizar a informao e desprezam as diferenas entre o que est direcionado

    para a esquerda ou para a direita, para cima ou para baixo, conforme exemplifiquei com

    o reconhecimento de uma mesa: tanto faz ela estar com as pernas para cima e o tampo

    sobre o solo, ou vice-versa, sempre ser reconhecida como mesa; outro exemplo: tanto

    faz a ala da xcara estar voltada para a esquerda ou para a direita, voc sempre a

    reconhecer como uma xcara. Mas, para reconhecer as letras, os neurnios tm que

    aprender a dissimetrizar, como, por exemplo, reconhecer a diferena entre b e d; entre b e p.

  • Outro fundamento da alfabetizao integrada diz respeito ao fato de que ela deveria

    instrumentar o indivduo de tal modo que ele estaria apto a ler, compreender, refletir

    sobre e incorporar os conhecimentos veiculados pelos textos escritos que circulam

    socialmente, apropriando-se dos avanos filosficos, cientficos, literrios e culturais

    que a humanidade produziu at hoje. Tal propsito de integrao recebe o nome de

    cultura humanstica, ideal vigente na Renascena e durante o Iluminismo, quando

    enciclopedistas, como Diderot, procuraram abarcar todos os conhecimentos da poca na

    Enciclopdia Francesa. Novamente nos encontramos diante de um impasse: no sculo

    XX, o desenvolvimento cientfico e tecnolgico foi de tal monta que ultrapassou a

    massa de conhecimentos acumulados durante toda a passagem anterior do homem sobre

    a Terra. Mais agravante foi a especializao, com subreas de conhecimento cada vez

    mais pulverizadas e compartimentalizadas. Vou explicar o que isso significa como

    impasse para uma cultura integrada. Parto do pressuposto de que no existe uma palavra

    nova para cada novo conhecimento, embora muitas sejam inventadas, pois isto

    significaria uma sobrecarga insuportvel para nossa memria de palavras. O

    conhecimento estruturado em nossa memria atravs de esquemas cognitivos, seja

    atravs da experincia direta (conhecimento de mundo), seja atravs das linguagens, em

    especial, a lngua verbal oral e, com mais amplitude e profundidade, atravs da lngua

    escrita. As palavras esto estruturadas, num dicionrio mental (no o Aurlio ou o

    Michaelis, nem esto em ordem alfabtica!) e apontam para os seus vrios significados

    bsicos, conforme o esquema cognitivo ao qual pertencem. Assim, a mesma palavra

    ponte pode significar a ligao entre duas pontas de terra, como a ponte Rio-Niteri, ou pode significar trajeto areo, como a ponte area Rio-So Paulo, ou ainda a ligao

    entre dois dentes, como a ponte dentria. J d para voc perceber que para

    compreender um texto, voc ter que ter um esquema mental mnimo para poder atribuir

    a significao bsica, depois de reconhecer uma palavra escrita.

    O que est ocorrendo que, em virtude da especializao vertiginosa, nenhum de ns

    possui todos os esquemas mentais necessrios compreenso de todos os textos que

    circulam socialmente.

    Tal dilema coloca as seguintes indagaes para a alfabetizao integrada:

    Na atualidade, impossvel integrar os saberes acumulados, atingindo o ideal

    humanstico?

    Na atualidade possvel atingir o ideal humanstico, substituindo o conceito de erudio

    pelo de apreenso e sntese dos avanos seminais na filosofia, nas cincias e nas artes?

    Quais os caminhos?

    Opto por uma resposta afirmativa segunda pergunta e sugiro alguns caminhos.

    O primeiro deles e, a meu ver, prioritrio passa pela alfabetizao para o letramento.

    A escola no pode continuar a fabricar analfabetos funcionais.

    Mas a escola no est alfabetizando para o letramento. Para tal, necessrio buscar uma

    nova metodologia de alfabetizao, baseada nas experincias que deram resultado na

    erradicao do analfabetismo funcional, incorporando o que h de mais avanado nas

    neurocincias da educao (DEHAENE, 2012), tal como defendo no presente livro.

    Faz-se necessria a formao continuada de todo o pessoal envolvido com alfabetizao

    e o ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, incluindo professores e autores do

    material pedaggico para, em conjunto com familiares e a comunidade, fazer com que o

    futuro leitor reconhea rapidamente qualquer palavra com a qual se defronte pela

    primeira vez e, sem titubear, tenha uma leitura fluente, desenvolvendo o gosto pela

    leitura e ampliando seus universos pela vida afora.

  • Papel importante neste Sistema cabe filosofia e ao jornalismo cientfico a fim de

    sintetizar os avanos seminais das cincias, da tecnologia e das artes e de adequar o

    vocabulrio ininteligvel ao nvel da compreenso do leigo.

    preciso salientar, por fim, que a alfabetizao integrada aquela que aproveita todos

    os espaos e tempos disponveis para o ensino-aprendizagem da direo dos traos que

    diferenciam as letras entre si, da constituio dessas em grafemas associados aos seus

    respectivos valores, os fonemas, ambos com a funo de distinguir significados,

    portanto, inseridos em palavras e estas em textos significativos para o educando. Isto

    significa a utilizao das disciplinas de matemtica, cincias, estudos sociais, educao

    fsica, artes, lazer, e das atividades de socializao, todas coerentemente entrosadas em

    torno de uma temtica, com um objetivo comum.

    Fundamentos filosficos e cientficos da alfabetizao integral

    Por serem mais difundidos entre os professores, reservei menor espao aos fundamentos

    filosficos da educao (no caso, da alfabetizao) integral que remontam aos gregos,

    conforme o aforismo latino mens sana in corpore sano. Tais fundamentos, porm,

    devem ser especificados, desdobrando-se na alfabetizao que leve em considerao o

    desenvolvimento harmnico da cognio e da linguagem, da percepo, do equilbrio

    emocional, da socializao, do corpo, da sensrio-motricidade e da expresso esttica.

    A forma como isto pode ser operacionalizado se encontra na concepo dos contedos

    didticos e na sugesto das atividades a serem desenvolvidas em cada uma das unidades

    do Sistema Scliar de Alfabetizao - Roteiros para o professor: 1 Ano.

    (cone bloco de anotaes)

    Pontos Importantes

    No captulo 5, foram desenvolvidos os seguintes contedos:

    o fundamento filosfico e cientfico da alfabetizao integrada a

    inseparabilidade entre as cincias humanas e as biolgicas;

    a aprendizagem do sistema escrito esbarra com enormes dificuldades: a) a

    percepo da cadeia da fala como um contnuo; b) vocbulos tonos pouco

    perceptveis e c) os neurnios que processam o sinal luminoso so programados

    para simetrizar;

    em conjunto com familiares e a comunidade, necessrio fazer com que o futuro

    leitor reconhea rapidamente qualquer palavra com a qual se defronte pela

    primeira vez e, sem titubear, tenha uma leitura fluente, desenvolvendo o gosto

    pela leitura e ampliando seus universos pela vida afora;

    papel importante no Sistema Scliar de Alfabetizao cabe filosofia e ao

    jornalismo cientfico a fim de sntetizar os avanos seminais das cincias, da

    tecnologia e das artes;

    a alfabetizao deve levar em considerao o desenvolvimento harmnico da

    cognio e da linguagem, da percepo, do equilbrio emocional, da

    socializao, do corpo, da sensrio-motricidade e da expresso esttica.

    Sugestes para reflexo e pesquisa

    Como possibilitar que todos tenham acesso ao conhecimento produzido pelo

    homem?

  • Por que se pode afirmar que a maior excluso atualmente a excluso da

    informao?

    Qual uma das principais causas do insucesso nas demais disciplinas que

    integram o currculo do ensino fundamental?

    (cone avaliao)

    5. O fundamento filosfico essencial alfabetizao integrada :

    a ( ) o mtodo hipottico-dedutivo.

    b ( ) o mtodo indutivo.

    c ( ) a interao completa entre as cincias humanas e as cincias biolgicas.

    d ( ) a indissolubilidade entre a fsica e a qumica.

    e ( ) ser contemplada s pelas cincias humanas.

    6. Mtodos de alfabetizao

    cone sntese

    No captulo 5, voc foi levado a refletir sobre os fundamentos filosficos, cientficos e

    metodolgicos da alfabetizao integral e integrada, sendo o princip