schutz alfred sobre fenomenologia e relacoes socias

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Introdução A abordagem fenomenológica da Sociologia Helmut R. Wagner I. A obra de Alfred Schutz Buscando uma síntese entre sociologia e fenomenologia Os escritos de Alfred Schutz constituem o quadro geral de uma so- ciologia baseada sobre considerações fenomenológicas. Schutz não foi o primeiro pensador a tentar realizar essa síntese, mas foi o primeiro a Iazê-Io de modo sistemático e abrangente. A realização dessa tarefa es- teve sempre calcada sobre seu metódico conhecimento da filosofia de Edmund Husserl, que representa um afastamento radical em relação aos modos de filosofar que existiam anteriormente. Ele confrontou essa filosofia não com a Sociologia como um todo, mas com uma abordagem sociológica particular que também é caracterizada por um ponto de partida igualmente radical, embora à sua própria manei- ra: trata-se da sociologia compreensiva da ação de Max Weber. ------------~~--~-------------------------- A primeira e mais fundamental obra de Schutz, publicada em 1932, foi chamada de Der sinnhafte Aufbau der Sozialen Welt, "A construção significativa do mundo social". Ela poderia ter tido como subtítulo "Husserl e Weber". A obra desses dois autores cons- titui a pedra angular do pensamento de Schutz. Os estímulos poste- riores foram oriundos de diversas fontes. Dentre os mais proemi- nentes, em seu período inicial, estão as obras de Henri Berg~n, ~iamJames e Max Scheler; e no período mais tardio destacam-se aquelas de John R. Dewey, George Herbert Mead, Charles Horton Cooley e William I. Thomas. Schutz atuou simultaneamente no campo da Filosofia e da Socio- logia. Mas ele não desenvolveu uma "sociologia filosófica", como 11

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Introdução

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Page 1: Schutz Alfred Sobre Fenomenologia e Relacoes Socias

IntroduçãoA abordagem fenomenológica da Sociologia

Helmut R. Wagner

I. A obra de Alfred SchutzBuscando uma síntese entre sociologia e fenomenologiaOs escritos de Alfred Schutz constituem o quadro geral de uma so-

ciologia baseada sobre considerações fenomenológicas. Schutz não foio primeiro pensador a tentar realizar essa síntese, mas foi o primeiro aIazê-Io de modo sistemático e abrangente. A realização dessa tarefa es-teve sempre calcada sobre seu metódico conhecimento da filosofia deEdmund Husserl, que representa um afastamento radical em relaçãoaos modos de filosofar que existiam anteriormente. Ele confrontouessa filosofia não com a Sociologia como um todo, mas com umaabordagem sociológica particular que também é caracterizada porum ponto de partida igualmente radical, embora à sua própria manei-ra: trata-se da sociologia compreensiva da ação de Max Weber.------------~~--~--------------------------A primeira e mais fundamental obra de Schutz, publicada em1932, foi chamada de Der sinnhafte Aufbau der Sozialen Welt, "Aconstrução significativa do mundo social". Ela poderia ter tidocomo subtítulo "Husserl e Weber". A obra desses dois autores cons-titui a pedra angular do pensamento de Schutz. Os estímulos poste-riores foram oriundos de diversas fontes. Dentre os mais proemi-nentes, em seu período inicial, estão as obras de Henri Berg~n,~iamJames e Max Scheler; e no período mais tardio destacam-seaquelas de John R. Dewey, George Herbert Mead, Charles HortonCooley e William I. Thomas.

Schutz atuou simultaneamente no campo da Filosofia e da Socio-logia. Mas ele não desenvolveu uma "sociologia filosófica", como

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um campo de um sistema sociológico mais amplo, como o fizeramantes dele Georg Simmel e Max Scheler. Em vez disso, ele transcen-deu todas essas tentativas e dedicou toda sua vida a criar os funda-mentos de um sistema sociológico de pensamento e de procedimen-to completo e autossuficiente.

Nota. biográficaAlfred Schutz nasceu em Viena, em 1899, e faleceu em Nova

York no ano de 1959. Ele serviu no Exército Austro-Húngaro durantea Primeira Guerra, e estudou Direito e Ciências Sociais em Viena.Seus professores mais notáveis foram Hans Kelsen (Direito), Lud-wing vori Mises (Economia), Friedrich von Wieser e Othmar Spann(Sociologia). Durante seus anos de estudo ele interessou-se profun-damente pela obra de Max Weber e Edmund Husserl. Após a publi-cação de Der sinnhafte AuJbau der sozialen Weltele travou relaçõespessoais com Edmund Husserl, a quem visitou diversas vezes. Acorrespondência entre os dois cessou apenas com a morte de Hus-serl. Este o convidou para tornar-se seu assistente na Universidadede Freiburg, um convite que Schutz declinou de forma relutante,em virtude de outras obrigações.

Em 1938, diante da iminente ameaça da ocupação da Áustriapor Hitler, Schutz emigrou para Paris. Um ano depois ele chegouaos Estados Unidos, onde passou a atuar na University in Exile, deAlvinJobnson, posteriormente chamada de Graduate Faculty of theNew School for Social Research. Com exceção dos últimos anos desua vida, Schutz sempre dividiu suas atividades entre seus empreen-dimentos acadêmicos e sua atuação no campo dos negócios, ondeexercia Um cargo em tempo integral. Durante os anos em que viveuem Nova York, ele teve contato com estudantes de Husserl, taiscomo Dorion Cairns, Aron Gurwitsch, Marvin Faber e Felix Kauf-man, e COm representantes da tradição sociológica alemã, tais comoCarl Ma)"er, Albert Salomon e Kurt Wolff. Junto com Marvin Farberele fundo.u a International Phenomenological Society, e passou a fa-zer parte do conselho editorial da revista Philosophy and Phenomeno-logical Re-search já em seu início, em 1941. Ele ainda contribuiu paraessa reviSta com vários artigos, assim como para a Social Research,editada p'Úr AlvinJohnson na New School, e também para outras re-

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-s-

vistas e simpósios. Sua morte prematura interrompeu seus prepara-tivos para uma apresentação definitiva e sistemática daquilo que eleconsiderava como sendo as estruturas do mundo da vida cotidiana eas consequências dessas estruturas.

Os escritos de SchutzDer Sinnhafte AuJbau der Soziales Welt, recentemente traduzido

como The Phenomenology of the Social World, foi o único estudo deSchutz publicado enquanto ele ainda vivia na Europa.. Nos EstadosUnidos ele iniciou sua carreira como escritor com o ensaio "Pheno-menology and the Social Sciences". No total ele publicou trinta edois textos, a maioria em inglês, e alguns em francês, alemão ou es-panhol. Outros quatro ensaios foram publicados postumamente.Entre 1962 e 1966 surgiram os três volumes dos Collected Papers,contendo a maior parte de seus textos escritos a partir de 19401

.

Quando este volume estava sendo preparado, havia um ensaiode Schutz que ainda não havia sido publicado integralmente. Escri-to em 1940 sob o título "Parson's Theory of Social Action", trata-sede uma revisão crítica do livro The Structure of Social Action, de Tal-cott Parsons. Após uma série de discussões e de trocas de cartas comParsons, Schutz decidiu abster-se de publicar esse ensaio, mas a par-te da conclusão apareceu um ano após sua morte com. o título "TheSocial World and the Theory of Social Action".

O Professor Thomas Luckmann, da Universidade de Frankfurt,preparou uma edição da obra final de Schutz com base em suas es-quematizações, anotações e instruções escritas. Ela tem o título deDie Strukturen der Lebenswelt. Uma parte grande desse estudo, cujaforma final foi dada pelo próprio Schutz, é chamada de "The Problernof Relevance".

Conteúdo eforma da obra de SchutzEnquanto um pensador, Schutz era dominado pelo único propó-

sito de ~abelecer os fundamentos de uma sociologia fenomenológi-

1. No final desta obra são apresentadas referências completas dos escritos deSchutz.

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ca. No que se refere ao conteúdo, seus escritos constituem um todointer-relacionado. Sua primeira publicação já delineou completa-mente os objetivos que perseguiria durante toda sua vida; ela conti-nha os temas básicos e estabeleceu os problemas a serem discutidosna maior parte de seus escritos posteriores. Estes constituem basica-mente elaborações, com modificações muito ocasionais, clarificaçõesou desenvolvimentos de sua posição iniciaL Essa consistência internaé algo realmente notável, especialmente quando se considera que aobra de Schutz fincou suas bases na cultura intelectual e acadêmicaaustro-germânica anterior à Segunda Guerra, e afirmou-se durante eapós seu processo de aculturação à vida cotidiana, às atividades em-presariais e ao trabalho acadêmico nos Estados Unidos.

Em sua forma, os escritos americanos de Schutz consistem emensaios que gozam de independência uns em relação aos outros.Alguns são mais sistemáticos e vão direto ao cerne das preocupa-ções do autor; outros contêm demonstrações empíricas de algumasconcepções fenomenológicas selecionadas; alguns justapõem ideiasde outros autores àquelas de Schutz; e há também aqueles que cons-tituem explicações dos fundamentos filosóficos de sua obra. A au-sência de uma coerência externa desse corpo de textos deve-se àspróprias condições sob as quais Schutz realizou seu trabalho. O exi-gente cargo administrativo que ele ocupava permitia-lhe ser um fi-lósofo apenas durante seu tempo livre. Esse fator já basta para expli-car o caráter fragmentário de seus escritos americanos. Os inconve-nientes desse procedimento, que ele escolheu como única alternati-va possível ao seu completo silêncio, foram agravados pelo fato deque não podia escrever para um público específico. Em diversasocasiões ele esteve diante de fenomenólogos consagrados, de filóso-fos, de grupos mais amplos de intelectuais, de cientistas sociais emgeral e de sociólogos em particular. Schutz nunca imaginou quesuas palestras e artigos, tomados individualmente, pudessem exer-cer alguma influência cumulativa sobre alguém em particular, ape-nas sobre um círculo bastante pequeno de intelectuais e estudantesque já possuíam ideias parecidas com as dele. Portanto, ele não po-dia evitar as inúmeras repetições que são encontradas em seus arti-gos. Dado que a maior parte de seu público não era familiarizadacom os fundamentos da fenomenologia, Schutz se sentia compelidoa resumi-los antes de falar sobre qualquer tópico específico. Como

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um todo, a reunião de seus escritos dá a impressão de que ele estavaconstantemente engajado com a divulgação da abordagem fenome-nológica. Apenas assim ele podia ter a esperança de ser ouvido semser grosseiramente incompreendido.

Diretrizes para a seleção dos textosO objetivo deste volume é oferecer uma representação sistemáti-

ca das ideias de Schutz, na medida em que elas são relevantes para aSociologia. Foram selecionadas sequências coerentes de seu livroThe Phenomenology of the Social World e de cerca de vinte ensaios.Essas sequências foram organizadas e combinadas de forma temáti-ca, a despeito de suas fontes, de modo a evitar ao máximo as repeti-ções, para reunir temas semelhantes que figuram originalmente deforma dispersa e para oferecer uma representação abrangente dopensamento do autor'.

Aqui não estão incluídos os artigos mais técnicos sobre o senti-do verdadeiro da fenomenologia ou suas críticas a escritos filosófi-cos de autores como Max Scheler, Jean-Paul Sartre, dentre outros.Os textos selecionados a partir de Der sinnhafte Aujbau der SozialenWelt são apresentados a partir da tradução realizada por GeorgeWalsh e Friedrich Lehnert; os trechos dos ensaios foram extraídos apartir das publicações originais.

11. Pontos de partida

A linha de base fenomenológicaEm seu primeiro estudo, Schutz confrontou Max Weber com

Edmund HusserL Dado que seria difícil compreender Schutz semconhecer um pouco esses dois autores, suas posições serão aqui dis-cutidas brevemente.

O objetivo último de Husserl era a criação de uma filosofia sempressupostos. Seu ponto de partida irredutível seria as experiênciasdo ser humano consciente que vive e age em um "mundo" que ele

2. A versão integral da maior parte dos ensaios de Schutz pode ser conveniente-mente encontrada nos três volumes dos Collected Papers. Cf. Referências.

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percebe e interpreta, e que faz sentido para ele. Ele lida com ess~mundo segundo o modo intelectualmente espontâneo. e ativo da in-tenclOnalidade: pão há gualguer fase ou aspecto da consciênçgjm-mana que apareça em si mesma ou por si mesma~ a consciência ésempre a consciência de alguma coisa. As formas da consciência sãovinculadas ao conteúdo das experiências. A experiência é a atenÇão"voltada" para os objetos, sejam estes reais õu imaginários, materiaispu ideais; e todos esses objetos são "intenciOllãdõs". Esse é um "pro-cesso imanente a toda experiência"; o objete é construído por umprocesso de apercepção medIante a síntese de diferentes "perspecti-vas" a partir das quais o objeto é realmente visto ou lembrado poste-riormente de l!!Qdo tipificado.

Isso ode ser compreendido reflexivamente; e a fenomenolo.gi?~ extraída a partir dessa re e~o. 5..e!l primeiro ~sso é a eliminaçãodJ:.toda noção preconcebida a respeit9 da natureza últ~ dos.obje-tos em Questão e çom a qual se preocupã ~ consciência human~Husserl sempre insistiu que se tivesse como ponto de partida uma"suspensão da crença" ~m um "mundo exterior", seja o mundo talcomo concebido ingenuamente pelo indivfdUo, seja aquele inter-pretado de forma sofisticada pelos filósofos ou cientistas. ~ali-dade" desse mundo exterior não é nem confirmada nem negada; .:!aé apenas "colocada entre parênteses" ~m um ato de "redução fel1o-menolóêca". Aquilo que permanece após a eliminação de todos ospressupostos ontológicos são os processos da consciência humana eseus "opjetos intencionados". Estes não são mais entendidos comoohíetos do mundo exterior, mas:como "unidades" de "s~ oude. "significado" no "mundo interior" da consciência individual.Portanto, a redução psicológica preserva integralmente o "mundã'""da experiência humana como um ll!!!!ldo de "aparências" apercepti-vas dos objetos na mente humana CQ1Jl seus significados intencion\l-dos concomitantes. Essa preocupação central com a experiências~va é bipaillda: ela confere atenção aos processos conscientesda própria experiência, isto é, ao ~o; e ela lida com aquilo que éo objeto da experiência, isto é, o n~co.

Husserl não confina a redução fenomenológicapsicológico. Os resultados obtidos nesse nívelsegundo processo de redução; eles são "purifernpírico e psícofrsíco". Â-º-dcsconsidcl'nl:!l"~unu.:.llii

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nõmeno", o eidos das formas a priori da experiência é então desco-..,..-berto. Com isso se constitui a "fenomenologia eidética": "a redução[enomenológica revela o f~nômeno da verdadeira experiência ínter-l}a; a redução eidética revela as formas essenciais que constituem aexperiência empírica".

Finalmente, Husserl acrescentou o último nível de uma "feno-menologia transcendental", colocando entre parênteses não apenaso mundo exterior, mas também a própria consciência individual.Portanto, ele esperou c21ocar-se "face a face com a estrutura maisfundamental da consciência". Contudo, aqui não precisamos nospreocupar com essa sua tentativa. Sua relevância para a sociologiafenomenológica de Schutz é bastante remota. Por outro lado, a im-portância da psicologia fenomenológica de Husserl também nãopode ser exagerada.

A psicologia fenomenológica de Husserl estende suas frontejjas~ara além da conSCIência individua! . .êa concerne tanto à intersub-jetividade quanto à subjetividade. Portanto, ele sugere que "a mes-ma operação de colocação entre parênteses do objetivo e de descri-ção daquilo que então aparece (noema em noesis) pode ser realizadoem relação à vida de outro eu que representamos a nós mesmos, ~método "redutivo" pode ser estendido de nossa experiência para aéxperiência de outros eus". Ele fala até mesmo de uma "redução in-t~-;::subjetiva" de uma "co~iência comum" àgUllo "que une- asconsciências individuais na unidade feno~enológica da vida so-cial". Para evitar ser malcompreendido, ele enfatiza que "o 'inter-subjetivo', reduzido fenomenologicamente e apreendido concreta-mente é então concebido como uma 'sociedade' de 'pessoas') Q.ue-compartilham uma vida consciente". Nossa consciência dos outroseus "oferece-nos mais do que uma duplicação daquilo que encon-tramos em nossas próprias consciências, uma vez que estabelece adiferença entre a 'própria' e a do 'outro' que experienciamos, e apre-senta a nós as características da 'vida social" .•O fenomenólogo n:3,pdeve apenas examinar "a própria experiência. de si mesmo", mastambém "a experiência derivativa dos outros eus e da sociedade','.-Aquilo que Husserl deixou indicado aqui foi a própria tarefaque Alfred Schutz estabeleceu para si mesmo ao tentar encontrarum fundamento fenomenológico para aquela "sociologia da ação e

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Page 5: Schutz Alfred Sobre Fenomenologia e Relacoes Socias

da compreensão" que Max Weber enunciou em suas últimas déca-aas de vidaJ

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A linha de base sociológica

Weber esquematizou sua abordagem particular em um conjun-to de afirmações paradigmáticas, publicadas em sua forma final ape-nas após sua morte 4. gle começou por definir a Sociologia como "u~aciência que busca compreender a ação social ~e forma interpretativa e,portanto, explicar causalmente sua realização' e SellSefeitos". A ação éa conduta humana que pode consistir em atividades fisicamente tan-gíveis, em atividades mentais, em abster-se deliberadamente de agirou em tolerar intencionalmente as ações dos outros. Em cada caso,contudo, a conduta humana é considerada propriamente ação ~e-nas quando e n-ª medida em que a pessoa que age atribui significadoà sua ação e dá a eEt !!!!!.::a~d:::e~te:::r:.:m:;::I·n.:.:a::.:d:::a::..d:::I:.:·r.;;;:e-",ç",-a-o~qL.:::;ue,por sua vez, podeser entendida como sendo significativa. Essa conduta intencionadae intencional torna-Se social se for dirigi da à conduta de outros. D~forma resumida, essa é a concepção de Weber a respeito elo sígnífí-cago subjetivo como critério crucial da ação humana. Foi em yirtlJ.-de dessa concepção que Schutz viu na teoria da ação de Weber umaPonte que poderia permitir-lhe atravessar o domínio da fenomeno-logkpara chegar ao da Sociologia.

Weber insistiu que a Sociologia é, ou ao menos deveria ser, preo-cupada especialmente com o significado sub'etiv ta sociaLMas e e uti izou a expressão si ificado subjetivo em mais de umaacepção: ela designa tanto o sÜ;nificado que o ator atri Ul a sua pró-piia conduta como o significado que a Sociolo~ta à condüiadeum ator que ela observa. No último caso, ele também contempladuas possibilidades: ou o sociólogo tenta descobrir qual seria o tipo

3. Para uma exposição do próprio Husscrl a respeito de sua filosofia, cf seu artigo"Phenomenology" na Encyclopedia Brilta/1i.ca. Vol. J 7. 14. cd. Chicago: ChicagoEd., 1947, p. 699-702. As passagens supracitadas foram extraídas desse artigo.

4. Wirtschaft und Gesellschaft, 3. ed. Tübingen: ).C.B. Mohr, 1947, pane. 1, capo 1:"Sozíologische Grundbegriffe", p. 1-30. Decidimos utilizar a edição alemã em vezda tradução de Henderson-Parsons ou qualquer outra disponfvel, já que em todaselas há alguma alteração ocasional do significado original.

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médio do significado que numerosas pessoas atribuiriam ao mesmotipo de ação, ou ele construiria um tipo extremo, ou ideal, para carac-terizar tal conduta, apresentando suas características sob condições"puras". çssencialmente, qualqller tipo ideal de ação é baseadq so-brc o pressuposto da conduta estritamente racional por parte doator típicO-IdeaL Weber estava articularmente preocupado com a"ação racional", não porque considerasse esse o tipo mais requentecl~ ação humana, mas porque se tratava do tipo mais facIlmente

. ---acessível a partir de uma análise exterior. Contudo, ele acrescentouainda outros dois tipos: a ação em relação a valores, que segueasprescrições dos costumes; e a ação não racional, uma categoria resi-dllal O)le ele falhou em analisar devidamente.

O famoso conceito weberiano de Verstehen, ou compreensão, éestreitamente vinculado à sua teoria a respeito da conduta subíen-"-I -vamente significativa, que designa basicamente a compreensão dosignificado subjetivo de-tar conduta por parte de outra pessoa, parti-cularmente por um sociólogo. A compreensão pode ser empática ouracionaL Como sociólogo, porém, ele estava particularmente preo-cupado com a compreensão racionaL Tal co,mpreensão pode se dara partir da observação direta de um ator e constitui uma "compreen-são real". Ou ela pode ser baseada nas motivações subjacentes daação observada, constituindo uma "compreensão explicativa".JJwmotivo não é nada mais do gue um "contexto de significado" gueiQarece como a "razão" da conduta humana, primeiramente para o•próprio ator, e em segundo lugar para o sociólogo que observa ..,Â.Qwestar atenção aos motivos, o sociólogo passa a estar envolvido emuma interpretação motivacional.

Segundo Weber, há dois sentidos em que o sociólogo pode consi-derar válidos os seus achados a respeito do sentido e da motivaçãosubjetivos. i~.)nteIJ2retação motivacional de uma ação é "significati-vamente evidente", mas não é causalmente certa. No entanto, ela se~orna "causalmente- adequad~' quando o sociólogô convence a simesmo quanto à existência da pos;bilidade de que certa sucessão de'~omportamentos significativos, guando performados por numerosas'pessoas dIversas vezes, ocorrerá sempre ou frequentemente do mes-'mo modo N.ão é possível estabelecer qualquer tipo de lei causal paraa conduta humana; o sociólogo lida, na melhor das hipóteses, com

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" robabilidades típicas" de que certas constelações factuais, acessíveisà observa ão, evarão a etermina os cursos aeãÇãOWcia1~

De acordo com esse postulado, Weber definiu um7re'laçã03-0-~l como a conduta de diversas pessoas ffile, dado certo contexto designificados, dirigem-se e orientam-se em relação umas às outras;ela depende "completa e exclusIvamente" de que a ação socTãIõCõr-'ra de modo significativamente previsível. -

Síntese crítica

Schutz percebeu rapidamente a importância das abordagens deHusserl e de Weber, e nunca titubeou em sua convicção de que cadaum deles apresentava questões cruciais em seus campos de atuação.Não obstante, ele submeteu suas concepções e soluções específicasa um longo e trabalhoso escrutínio, apontando a ingenuidade e aimportância de algumas, a necessidade de revisão e de desenvolvi-mento de outras e a insuficiência de outras tantas".

Portanto, após longos anos de estudo intensivo das últimas pu-blicações de ~rl, S~utz chegou à conclusão de que as r~astentativas daquele em resolver o "problema da intersubjetividade"n'; nível da fenomenologia transcendental haviam fracassª,ª-o. Alémdisso, conclui que Husserl "não era familiarizado com os problemasconcretos das ciências sociais", um fato que o prejudicava sempreque lidava com questões relativas aos grupos e relações sociais",Enquanto sociólogô, Schutz estava melhor preparado não apenaspara identificar, mas também para superar essas falhas, e para trans-formar os conceitos rudimentares de Husserl nas pedras fundamen-tais de uma teoria sociológica do mundo social. No curso dessa em-preitada ele realizou diversas contribuiçÕes iui'põrnwtes, ~_mente seu tratamento do fenômeno de tipificação nas esferas.-davida cotidijma. Finalmente, ele desatou o nó gordío do problema da..

5. A teoria da ação de Weber foi apresentada em um esquema paradigmático, utili-zando um mínimo de informações; as concepções de Husserl foram desenvolvidascom mais esforço, em análises minuciosas, bastante técnicas, mas sem chegar aqualquer conclusão definitiva.

6. Cr. item 1959c das Referências, p. 88.

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IIlcrsubjetividade, apresentando-o de forma ao mesmo tempo sim-plcs e engenhosa.

Em seu primeiro estudo Schutz já tratou da obra de Weber demodo profundo e definitivo, reconhecendo o brilhantismo do soció-logo alemão, assim como suas falhas, e apresentando o caráter funda-mental e demasiadamente condensado de sua teoria da ação social.Weber nunca levou muito adiante o desenvolvimento de seus proble-mas teóricos e metodológicos, avançando somente na medida em queeu trabalho substantivo lhe mostrava ser necessário. Portanto, ele

sempre operou com certos pressupostos tácitos, que também deman-davam uma investigação sistemática, e, além disso, ele utilizava ter-mos cruciais em múltiplos sentidos sem analisar as diferenças de suaaplicação a diferentes níveis do raciocínio sociológico.

A crítica de Schutz a Weber não resultou na refutação de ne-nhum de seus postulados fundamentais. Em vez disso, ele preocu-pou-se em clarificá-los e expor seus significados latentes, em desen-volver os conceitos para além do ponto no qual Weber interromperasua análise e em estabelecer os diferentes significados que esses con-ceitos possuíam em seus diferentes contextos. Desse modo, Schutzapenas desenvolveu os conceitos de Weber no sentido indicado poreste. Mas ~.adicionar seus próprios insights orj;undos da..:psicologiaknomenológica, Schutz fez com que as análises de conceitos comoQS de ação subjetivamente significativa ou interpretação sub~~oQjetiva já fossem em si mesmas contribuições para aquela sociolQ-~ interpretativa que possui em Weber suas raízes, mas que se es-tendeu para muito além dele?

No que se refere aos seus pontos de partida mais fundamentais,a obra de Schutz pode ser considerada uma síntese de Husserl e We-ber. Mas essa síntese resultou de um longo processo de seleção, deadaptação e de modificação de componentes relevantes de ambas asteorias, resultando não apenas em uma simples recombinação des-ses componentes, mas em sua transformação em pedras angularesde uma teoria fenomenológico-sociológica autossuficiente.., . . .. . ---

7. O elogio crítico de Schutz a Weber encontra-se em The Phenamenalagy af the So-cial Warld, part. nos capo 1,4 e 5.

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Ill. a quadro geral da sociologia fenomenológica de SchutzA seleção de textos que compõe o presente volume já fala por si

mesma. No entanto, eles são apenas partes de ensaios ou capítulosmais longos, e os conteúdos que são apresentados sob um mesmo tí-tulo podem ser oriundos de diferentes fontes. Eles nem sempre sãosuficientes para oferecer uma introdução apropriada deles próprios;tampouco são seleções individuais necessariamente vinculadas àsdemais mediante um elo explícito. Para auxiliar o leitor é apresenta-do a seguir um guia sobre o pensamento básico de Schutz, e que se-gue uma ordem que reproduz aquela segundo a qual seus escritossão apresentados neste volume.

o âmbito do pensamento de Schutz

Em relação a seu conteúdo, as ideias e as concepções de Schutzpodem ser resumidas em cinco tópicos centrais: os fundamentos fe-nomenológicos do tipo de sociologia que ele pretendia realizar (par-te I deste volume); a estrutura e o funcionamento da consciênciahumana e de suas ramificações sociais (partes II e III); a estrutura eo funcionamento do mundo social enquanto um conjunto de COilS-

trutos mentais e suas raízes duais, finca das na experiência indivi-dual e nos padrões preestabelecidos das relações sociais (parte V); eos fundamentos teórico-conceituais e metodológicos de-uma socio-logia fenomenologicamente orientada (parte VI).

a seguinte esquema esboça esses tópicos e seus principais sub-temas, segundo a forma e a sequência utilizada neste volume.

r. Fundamentos jenomenológicos

1 Exposição e avaliação de um amplo volume das concepçõesfenomenológicas de Husserl, especialmente daquelas rele-vantes para as ciências sociais.

2 Exposição e desenvolvimento da concepção de mundo da~a, central para a abordagem feno~ológica da Sociologia.

lI. O quadro cognitivo do mundo da vida

3 Discussão da experiência subjetiva da vida cotidiana e dainterpretação do mundo que surge a partir disso.

4 Análise dos meios socialmente dados de orientação e interpre-tação que estão à disposição dos indivíduos na vida cotidiana.

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5 Investigação dos fatores que constituem uma atenção sele-tiva em relação aos aspectos do meio que são experienciados,e, por conseguinte, das esferas e sistemas de relevãncia, queincluem de modo proeminente o processo de tipificação e deaplicação dos conceitos-tipo.

lII. A ação no mundo da vida6 Desenvolvimento de uma teoria subjetiva da ação humana,que lida com a ação enquanto um processo ancorado nas fun-ções motivacionais tais como as "razões" e os "objetivos", e ori-entada segundo a antecipação sob a forma de planos e projetos.7 Clarificação dos problemas da volição, da escolha, da liber-dade e do determinismo no contexto da ação humana.

IV. O mundo das relações sociais8 Análise das relações interacionais que resultam dos proces-sos intersubjetivos tais como expressas nas relações-do-Nós?"9 Investigação dos processos intersubjetivos que ocorremnos contextos de comunicação face a face entre sujeitos seme-lhantes, considerando particularmente as formas linguísticasdesses processos.10 Exposição das características das relações sociais indiretasentre sujeitos anõnimos contemporâneos e as ligações entreos contemporâneos e seus predecessores de um lado, e comseus sucessores de outro.11 Tratamento dos problemas da distribuição social do co-nhecimento.

V. Reinos da experiência12 Desenvolvimento da concepção de Williarn james de uni-versos e realidades múltiplos e de uma teoria compreensivadas múltiplas províncias de significado, focando sobre a jus-

*0 termo original é "We-relationship". Diante da impossibilidade de uma traduçãoliteral dessa expressão, optou-se aqui por traduzi-Ia como relação-da-Nós, levandoem consideração o significado pretendido por Schutz, para exprimir as relações reali-zadas por uma coletividade constituída por pelo menos dois sujeitos em interaçãodireta. O sentido literal do termo é exposto de forma bastante sintética no glossárioapresentado ao final do livro [N .T.].

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taposição da realidade suprema da vida cotidiana às provínciasde significado dos sonhos e fantasias, de um lado, e ao conheci-mento científico, de outro.

VI. A província da Sociologia

13 Exposição das raízes do raciocínio sociológico e do méto-do sociológico no mundo da vida cotidiana. Desenvolvimen-to dos procedimentos metodológicos básicos para os sociólo-gos, com foco na formação de conceitos em geral, de procedi-mentos de tipificação em particular, t sobre a combinação deambos na constituição de tipos ideais.

14 Aplicação da abordagem fenomenológica a tópicos e áreasde pesquisa específicos.

(i) Fundamentos fenomenológicos

A enomenolo ia reocu a-se com aquela realidade cognitivaue está incorporada nos processos das experiências humana;'~~b-

j..etiva§.Ao estabelecer os quadros referenciais de sua filosofia, Hus-serl desenvolveu um número considerável de conceitos. A maiorparte deles apresenta dificuldades ao leitor não familiarizado com omodo pouco convencional do raciocínio fenomenológico. Dessemodo, Schutz sempre se preocupou em realizar uma cuidadosa ex-plicação daqueles conceitos de Husserl que eram relevantes paraseus próprios estudos. O grupo de excertos que abre este volume"consiste em uma apreciação geral da importância de Husserl para aSociologia, seguida de uma exposição dos conceitos fenomenológi-cos ue são sociolo icamente mais relevantes, tais como os de cor:s-ciência, ex eriência, si nificado, conduta, "atenção à vida" e ."açãono mundo exterior".

Nesse contexto, Husserl não figura como o único criador daspedras angulares da fenomenologia; Henri Bergson e William]amesaparecem como contribuidores independentes. Ainda em 1899 Berg-son publicou suas primeiras investigações sobre a natureza da expe-riência do tempo: a duree, ou "tempo interior", da experiência sub-jetiva, em contraste com o "tempo exterior" ou "tempo cósmico",

8. Cf. capo 1 desta obra.

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VI ~til\~ ~ ~(~ - c,t( O\QQbG::. (Y) \-w.. '(n cOv ç;;>çf'?,(' i ~ (..«.

uu-nsurado pelos relógios. Um ano depois]ames ofereceu uma con-ülhutção não menos importante, com seus estudos sobre o "fluxolil consciência", o fluxo dos pensamentos, das noções e das expres-

~sinternas junto com suas "orlas" ou "halos" associativos e emo-rtonais; o verdadeiro processo de experimentação da consciênciaque é tão distante da precisão de uma proposição silogística quantoO é a durée de Bergson do tique-taque de um metrõnomo".

Dado qne a experiência é sempre uma experiência de algo, nosdeslocamos do experienciar para o conteúdo da experiêncialO.~acordo com Husserl, todas as experiências humanas são experiência"elo e no "mundo da vida"; elas o constituem, orientam-se segundoele e são testadas nele. O.mundo da vida constitui a esfera de todasas experiências, orientações e ações cotidianas, mediante as quais osjndivíduos buscam realizar seus interesses e seus negócios a partirda manipulação de objeto~, da interação com as pessoas, da elabora-ção de planos e da efetivação destes.

Schutz focou esse mundo da vida a partir de diversos ângulos.Primeiramente, ele analisou a "atitude natural" que todo homem uti-liza para operar no mundo da vida:. trata-se de uma postura assumidadiante dos fatos objetivos, que dizem respeito às condições para suaação que são impostas pelos objeto~ que o circundam, bem como avontade e as intenções dos outros atores com os quais ele deve coope-rar ou negociar, as imposições dos costumes e as proibições legais, eassim por diante. Essa é uma instância essencialmente pragmática,predominantemente utilitarista e supostamente "realista".

Em segundo lugar, Schutz lidou com os principais fatores quecircunscrevem a conduta de qualquer indivíduo particular no mundoda vida. Em qualquer momento de sua vida prática um homem en-contra-se não apenas em uma situação específica que impõe limita-

9. O Essai sur les données immédiates de Ia conscience, de Henri Bergson, foi publica-do em 1899. Os volumes do livro de William]ames (The PrincipIes ofPsychologie)foram publicados em 1890, e ali se encontra o capítulo "The Stream ofThought". Oprimeiro estudo de Husserl que pode ser considerado verdadeiramente Ienomeno-lógico é o segundo volume deseu Logische Untersuchungen, que data de 1901. Essestrês estudos gozam de igual importância para uma abordagem fenomenológica noterreno da Sociologia.10. Cf. capo 2 deste livro.

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Page 9: Schutz Alfred Sobre Fenomenologia e Relacoes Socias

ções, condições e oportunidades para a consecução de seus objetivos;essa situação constitui um episódio do curso de sua vida. Ele colo-ca-se diante dela como uma pessoa que já percorreu a longa série deexperiências que antecederam aquele momento. Tanto o conteúdoquanto a sequência desses acontecimentos são algo peculiar à suaprópria trajetória. A todo momento o indivíduo encontra-se em uma"situa ão bio raficamente determinada". Do onto vista sub'etivo, éim ossível ue dois indivíduos ex erimentem a mesma situa ão damesma maneira. Acima de tudo, cada um entrou na presente situaçãoinvestido de seus próprios propósitos e objetivos, e aquela será avalia-da sempre a partir destes; e esses propósitos e essa apreciação são en-raizados em seu passado, qri sua história de vida singular.

E ar Schutz trata dos meios se undo os uais umi divíduo orienta sua conduta nas diversas situa ões, isto é, seu "es-to ue de ex eriência" e seu "esto ue de conhecimento dis onível".Ele não pode interpretar suas experiências e suas observações, nemdefinir a situação na qual se encontra, tampouco fazer planos paraos próximos dez minutos sem antes consultar seu próprio estoquede conhecimento. Schutz mostrou que esse estoque se estrutura dediversos modos. Em qualquer situação particular alguns de seus ele-mentos são bastante relevantes, enquanto outros são majs margínaís,outros ainda são completamente irrelevantes. Por outro lado, algunsitens em seu estoque de conhecimento podem ser precisos e bem de-finidos, enquanto outros são vagos e obscuros. Como um todo, ume to ue individual de conhecimento não é nunca lenamente coe-rente e livre de contradiçõ~s. Enquanto os elementos incoerentes econtraditórios não são mobilizados em uma mesma situação, o indi-víduo pode perfeitamente permanecer alheio a esse fato. ~ssa mes-

tendência pragmática, no que se refere ao campo da atitude na-UlT~l, evita que o indivíduo busque o con~ec::~istemático e10gICamenteclaro a respeIto de qualquer COIsa u t scenda os re-quisitos necessários de seus planos e operações práticos, os guaisgeralmente tendem a assumir um caráter rotineirct..

(ií) O quadro cognitivo do mundo da vida

De acordo com a teoria fenomenológica. cada indiyídl!~trói seu próprio "mundo". Mas ele Q faz com o auxilio dos materiag;

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c métedos ql:lg lh,g li~O oferecidos por outros: o mundo da vida é um 1Inundo social que aparece ao indivíduo de forma pré-estruturada.Portanto, podemos passar agora para a análise de Schutz a respeito(desse jogo entre o esforço de um indivíduo para compreender o

rl -' - - d _. d 1]rnun o a sell reuar e a pre-estruturaçaoesse propno mun o '.O índízidno toma o mundo social a seu redor como algo dado,

no qual a existência, o uso ou a recusa de determinados objetos na-turais ou animais já estão dados em seu ambiente natural. Portanto,esse mundo já lhe aparece como dado. E junto com ele também jásão dadas as interpretações sobre os fenômenos e as relações domundo social que foram desenvolvidas por seu "grupo cultural in-terno", e assim por diante. Essas interpretações, tomadas como umtõCIõ:constituem a "concepção relativamente natural do mundo",que, por sua vez, baseia-se sobre um "mito central" 12. Essa visão demundo contém não apenas as interpretações mais gerais a respeit9do lugar que sua comunidade ocupa em relação às demais comuni;dades humanas e em relação aos reinos da natureza, ao cosmos e aomundo sobrenatural, mas também sobre os costumes e as normas~----~------~~'-------17--'---~------~~--~~/que regulam a conduta humana, além das várias prescrições práti-cas para o comportamento social e de questões de natureza técnica..:Contudo enquanto sociólogos como Sumner e Durkheim viam tod~essa superestrutura cultural como sendo um mecanismo determinis-ta e coercitivo, Schutz enfatizava o significado subjetivo da participã~ção da pessoa em sua comunidade. Esse significado brota dos esfor-ços de um indivíduo para alcançar uma definicão de seu próprio lu-gar e de seu papel dentro dessa comunidad~ e, em particular, dent~odos subgrupos dos quais ele participa. Portanto, Schutz mostr0l!que até mesmo as ideias culturais mais estereotipadas existem s0'mente na mente dos indivíduos que as absorvem, e que as interpre-tam com base em suas próprias situações de vida, dando a elas uma

ll. Cf. capo 3 deste livro.

12. A primeira expressão foi tomada de empréstimo de William Grahan Surnner,enquanto a terceira foi de Robert M. MacIver. A segunda é do filósofo alemão MaxScheler, que usou o termo relative-natürliche Weltanschaaung, uma expressão algoequivalente ao ethos ou "visão de mundo" dos antropólogos americanos. Schutztraduziu essa expressão ora como "concepção de mundo", ora como "aspecto domundo". Nesta introdução só se utiliza a primeira versão.

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coloração pessoal, fato geralmente ignorado pelos antropólogos queas descrevem.

Portanto, a questão é como as múltiplas interpretações privadasdos componentes da concepção de mundo relativamente natural,em qualquer comunidade cultural, combinam-se de modo a formaruma visão de mundo comum. Schutz enfatizou que tal unidade de-pende, em primeiro lugar, da rença dos me s da c munidadede que eles compartilham suas visões sobre o mundo. Em segundolu ar, de ende do uso das mesmas ex ressõb e formula~_niz.adas @ando aplicam ou explicam agDe as visões. Nesse sentido,tal como afirmou Schutz, os grupos internos chegam a uma auto-compreensão coletiva sobre a comunidade e a sustentam no decor-rer do tempo. Os membros de qualquer comunidade cultural vizi-nha, tendo suas próprias concepções de mundo relativamente natu-rais, enxergam a primeira comunidade estritamente a partir de umponto de vista externo. E sua própria comunidade, em contrapartí-da, também aparece para as demais apenas a partir dessa perspectivaexógena. Desse modQ., a visão exterior dessas outras comunidadess~a parte constitutiva de qualquer concq>ção de mundg rel"ti-~e natural de qualquer grupo endógeno..,.

Mais uma vez Schutz trouxe essas considerações para o nível dosignificado subjetivo. Em seu revelador estudo intitulado "TheStranger?" ele analisou os problemas de adaptação e de orientaçãoque afetam uma pessoa que, tendo sido criada em uma dada comu-nidade cultural, é transferida para uma outra. Ele chega com umaimagem (exterior) já fixada a respeito da comunidade que o recebe,e descobre que isso não evita que se sinta desorientado, na medidaem que suas antigas noções a respeito de como deve ser a condutana vida cotidiana se mostram inúteis. Assim, ele é forçado primeira-mente a se tornar um observador dos modos de vida dessa nova co-munidade, e, em segundo lugar, a reconstruir, peça por peça, ao me-nos as regras básicas da conduta cotidiana, sem as quais esta se tor-naria impraticável para ele. Sua recepção pelos membros da comu-nidade reflete, por sua vez, sua tentativa de adaptação a partir defora. De um lado, sua posição é tida como de não envolvimento. Por

13. Americanjoumal of Sociology, 49, 1944, p. 499-507.

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outro, sua aceitação do comportamento rotineiro carece daquele"espírito" característico daqueles que são nativos da comunidade.Portanto, ele permanece como o homem em quem não se pode con-fiar; sua lealdade ao grupo permanece dúbia.

~eguinte observação possui uma relevância sociológica e.spe-'{ficanesse contexto. Se o desapego é uma característica do "estran-

geiro", enquanto observador ele se torna apto a oferecer uma visão~" dessa comunidade: não há significado objetiYo de partici-pação em um grupo a não ser aguela estabeleci da por uma pessoaque vê a comunidade cultural a partir de fora.

Até esse ponto, a seleção dos escritos de Schutz indica, sobretu-do, que o indivíduo, em suas orientações no interior do mundo davida, é incitado e guiado por instruções, exortações e interpretaçõesque lhe são oferecidas pelos outros. Se ele constrói sua própria visãoa respeito do mundo que o circunda, ele não o faz sem a ajuda damatéria-prima que os outros lhe oferecem nessa constante exposi-ção diante de seus semelhantes. Tanto seu contato com esses mate~riais culturais quanto sua interpretação e aceitação seletiva press]1-põem uma linguagem comum enquanto meio de comunicação en-tre as pessoas, e enquanto um instrumento de cognição por parte 40próprio indivíduo"..L.-..!o..- ~/

Em seu tratamento da linguagem como um meio universal dacultura, Schutz estava particularmente interessado na linguagen::vernacular, que as pessoas utilizam cotidianamente em seus grupose comunidades./ Ele tratou disso não em termos de seus aspectosmeramente técnicos, mas do significado mais amplo de seu conteú-do. Por um lado, seus termos, frases e formas sintáticas, em si mes-mos, remontam a um tipo de interpretação prévia do mundo nomea-do nesses termos, caracterizado por essas frases e descrito com o au-xílio de suas formas sintáticas e gramaticais. De outro, esses termos,frases e formas são investidos de significados particulares, e são cir-cundados por apêndices associativos e emotivos. Alguns desses sig-nificados adicionais e superpostos são essencialmente privados,particulares à pessoa ou grupo mais íntimo de pessoas: outros sãocaracterísticos de grupos ocupacionais, etários ou mesmo de gêne-

f

14. Cf. capo 4 deste livro.

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ros; outros ainda pertencem à comunidade linguística como umtpdo, embora não possam ser aprendidos por um estrangeiro apenasa partir de um dicionário ou livro de gramática.

Schutz também se preocupou com outros aspectos da expressãoe da comunicação. Tendo cQJ1l..o_ponto-Eleparnda o trabalho pionei-ro de Husserl, ele lidou especificamen.t~ com os conceitos de marca,indicação, ci~ e símbõlÕ. Ê típico das formas concretas de todase5sãscãtegorias qu~çam somente sob uma forma física: elasprecisam ser coisas para que sejam vistas; sons, para que sejam ou-vidas, ou outros objetos que possam ser percebidos pelos sentidoshumanos. Além disso, é também típico que a forma física que assu-mem em cada caso particular seja mais ou menos acidental. Cadamarca, signo etc. assume uma aparência física, mas nenhuma d~asa~Clas é em si mesma umãlnarca ô1:rstgItb etc.E:ssa aparênci~émeramente um veícu o potencial de signi ica o..Qualquer que seLaa forma assumida, uma aparência física torna-se ~Q.u~ig-n9 somente em virtude do significado gue um homem ou gru.:PQde~ atribui a ela. ~~ marcas ou signos enguanto tai§",Jl1as.*, élpenas mªr.caS~QII.5igIJ..Q.U;!araalg~m.

Os textos selecionados nesse tópico não incluem a discussão deSchutz sobre os símbolos, o que pressupõe certas considerações queserão apresentadas em um contexto posterior. As outras três catego-rias assumem as seguintes características específicas nos escritosdesse autor.

Marcas são lembretes pessoais, subjetivos, que os indivíduosutilizam para simplificar a retomada de uma tarefa previamenteabandonada, ou para lembrá-Ios de alguma coisa. Elas devem serdistinguidas da...ê._indicações,que são objetos, fatos ou eventos quenão são configurados como símbolos, mas cuja presença é tomadapor alguém para indicar outros objetos, fatos e eventos não percep-tíveis. O evento indicado pode ser considerado simultâneo à apa-rência da indicação, assim como no caso do fogo e da fumaça; ou elepode seguir-se a este, tal como a chuva vem logo depois da apariçãode um halo em torno da lua. Signos, por sua vez, podem ser tanto ar-tefatos feitos ou u~ados por ~lguém ~ modo a to!nar Eossível a C9-

municação de alguma ideiaa outra_pes~0!l, ou ações expressi;:§.s queservem ao ~ prop6~ito. Um signo, portãiüõ, reme1e a al8JJma

30 S \J rYlo -) A~ ( kY7~~)

urcnção eX2..!eâ?ivae c0J.IU1..I}icativade seu l,;1tiliza-ªºl,.L?ugere a al-11I~111 que "leia" o signo e apre~nda sua menseg~. Quando algumu'[elato serve como veículo para um signo, tal como as placas de[,'(lnsüo ou pedaços de papel com algum texto escrito, é possível que11111 interstício se imponha entre o dado imediato do signo e sua re-cepção. No entanto, ~m cada caso o reconhecimento do signo en-quanto tal, e a correta apreensão de seu significado pretendido, de-,\)cndem da utilização ae um n::tesmosis~ma õ6'JeE~vogesignos E§rumbas as partes. Assim, um signo que indica uma direção adquire'ignificado a partir do contexto geográfico no qual ele está inserido

que compreende, no mínimo, o local em que ele está situado e olugar para o qual ele aponta. Do mesmo modo, as palavras usadas nalinguagem verbal adquirem significado somente no contexto lin-guístico que constitui sua matriz objetiva.

O uso, a definição e a discussão dos conceitos de marcas, indica-ç.ges~sigD_05~e~símq,,01;S-fo;a_~;-c-;.dos_P9I.:.q;~!g;idade~" E~ ;uacontribuição ao Fourteenth Symposium in Science, PhilosophyandReligion, em 1954, Schutz expôs essa confusão e ofereceu uma im-portante clarificação dessas questões". A mais importante foi a J2!:Q-posta de separação entre signo e símbolo, termos frequentementemados como sinônimos, tal como o Wr..rioSchutz USQMm..l93216

.

Nessa nova ocasião ele mostrou que seria imperativo fazer uma dis-tinção terminológica onde há uma diferença factualmente relevan-te. S~gundo el~ símbolos são signos de segunda ordem,~Qu_signos~k~signQ.s, tal como vamos mostrar mais tarde. As clarificações deSchutz evidenciam que a aplicação do termo "simbólico" no concei-to de "interação simbólica" presente na psicologia social de HerbertMead é uma escolha infeliz. Isso não se deve ao fato de que ele utili-za o termo "símbolo" onde Schutz teria usado "signo", mas porqueele ignora a distinção entre duas categorias distintas que são subs-tantivamente diferentes de veículos de significado expressivos e co-municativos. Isso seria de pouca importância não fosse o fato de queMead lidou não apenas com a comunicação ordinária, mas também

15. As contribuições e discussões dessa conferência foram publicadas no ano se-guinte. Cf. texto 1955b das Referências.

16. Cf. 1967, p. 118s5.

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V<Hl'O!.u:>~ -7 P'robre('YY@5~ C06f"Y'Vl'çQ) ~ AtE) \'" :-1~)làJ ~."}..,'*\VO(D·I .\n'l -J r\I\1~LJ1U~~c,,\ 4ci""""'.~\••-\rj\,it..lKli.,e\J.I>>)'-1 "lí"V'l")

com os problemas da expressão artística e, portanto, avançou da es-fera dos signos para aquela do simbolismo mais genuíno17.

A seleção dos escritos de Schutz que se encontra na última parteda seção sobre o ,ÇQntexto cognitivo do m11lli;l&.da.vida, depois de terpassado pelas características gerais dos veículos de expressão e co-municação, volta-se para alguns aspectos pertinentes de seu usoreal, que é sempre seletivo". dguilo que é formulado, comunicado eentendido em uma dada situação é apenas um fragmento daggilouue se poderia ter R~rc~bids>.Ne~üdo aqüilo gue está R;;s~~muma situação é relevante para as pessoas gela envolvidas. ~ali-dade, alguns fatores em uma situação se il1lpõem ;-os atores, c~i-rlxinao uma relevância que é imE,o:;te,.Outr;;-sãõselecionâdos peloipdivíduo por sgem~importantes p~ra~k)_e~tes assumem uma rele-vãncia volínva".---------

Durante os últimos dias de sua vida, Schutz devotou tempo e es-forços consideráveis a explorar mais profundamente os "problemasde relevância", indo muito mais além de seu tratamento inicial des-se problema

2°·Ao lado dessa distinção entre relevâncjas-impQS.~

volitivas, bastante importante em si mesma, ele anéllisolurês_tip-Osdistintos de relevâncias: motivacional, temática e interpretativa.' - -- -Dado que não era possível incluir neste volume um texto suficiente-mente condensado de Schutz a esse respeito, nesta introdução é ofe-recida uma breve caracterização desses três tipos de relevância.

17. A posição geral de Mead pode ser encontrada em seu livro Mind, Self and Society.Chicago: The University of Chicago Press, 1934, p. 147-149, passim. O autor dapresente introdução espera ter sido bem-sucedido em demonstrar sua posição emum artigo crítico sobre as semelhanças e diferenças básicas entre as teorias de Meade Schutz.

18. Cf. capo 5 deste livro.

19. Em um manuscrito inédito até a presente data, Die Strukturender Lebenswelt,Schutz falou sobre auJerlegte Reievamr eJreiwillige Relevanz. A tradução mais literaldo segundo objetivo seria "voluntária", mas consideramos o termo "volítíva" comosendo mais próximo ao sentido pretendido pela expressão.

20. Em um ensaio editado postumamente (1966a), Schutz apresentou uma versãocondensada de sua concepção de relevância. Um tratamento mais aprofundado doproblema está presente nos longos manuscritos que ainda aguardavam publicaçãona época que esta introdução roi escrita.

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~\~ 'JQ..r0ÚQ • ~-\ ~.....•o...lJ.i:rtl~

• '{',~\\Ol• VO \, ~\. '\J.;L.

f\relevâ_ncia motívacíonalé gaverngdg pçj um illteresse da pes--- -.,)U, que prevalece em um momento particular de uma situação es-

pecífica. Assim, o indivíduo isola aqueles elemen!~ E~e~ept~ ~a si-(lillção 91l~~J?~a ~fini-}a à luz de seus propósi!2,s. Essa rde-vância motivacional i!::.E~e-se na medida em que ele deve concederatenção a certos elementos situaeionais de modo a ser possível com-preendê-los; ou ela também pode brotar espontaneamente de sua--~-~vida volitiva: ele se sente livre, isto é, sem constrangimentos, paradefinir a situação de acordo com seus planos e intenções. A relevân-cia motivacional de ambos os tipos opera satisfatoriamente somenteem situações cujas características e ingredientes gerais são suficien-temente familiares.

Se esse não é o caso, a situação não pode ser definida de modopragmático, isto é, mediante a recombinação de elementos suficien-temente conhecidos. Portanto, a tendência motivacional a uma de-terminada ação deve ser suspensa, ao menos temporariamente. A si-tuação tornou-se problemática. bg91a~cz...in_~víd~oprecisa pr~g.cu-

2 J)ar-se em reconhecer o problema que tem em suas mãos. Ele devedeixar d'Zser ~~ ~t~ cpot~neiaLpara tornar-s~ ~ol~cion;dQr ~eproblemas. Para tanto, ele deve definir qual é o problema. Isso ad-quiriu uma relevância central para ele; torn-c;;.:se otem~ Prind2ald~ seus esfQIç.Q.?cognitivos. A~i:!: Schutz desig~ou·a.!~:levi~c~oproblema de.relevância tematica. E claro que a definição de quais e-lementos produzem um problema para um indivíduo específico emuma dada situação é algo que depende de seus interesses preexisten-teso O desconhecido ou problemático em uma situação torna-se re-levante somente na medida em que ele bloqueia o processo de for-mação de uma definição da situação de acordo com as intenções eplanos presentes da pessoa em questão. Portanto, em vez de proce-der com seus planos, ? indivíduo deve concentrar-se em atividadescognitivas e investigativas. Resolver o problemapassa a ter priorida-de em relação ao projeto original.

3- º terceiro tipo de relevância, chamado por. Schutz de interpre-tativa, ocorre como uma exten~ãQ.da..se.guudoJip>o. O pI9.pÜo-reco-nhecimento do problema, sua formulação enquanto.jal, necessitade uma interpretação mais aprofundada. No entanto, uma nova in-terpretação só pode ser obtida ao se colocar o problema no contexto

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f\e.\e-VQrTlú0... j~s~

R.-e.\~I/Q::IY)~_ \fYl-\''':(Y]'t-e;(ÁJ.J ~ ~'b __\foC·-I-- 'v~mais ampla do conhecimentO' da ator frustrado, a que deve ampliarseu entendimenro da problema. Se a tema da problema pode ser sufi-cientemente explicado pela canhecimenta que ele tem à sua dísposí-ção de forma rotineira, a interpretaçãO' pode ocorrer rapidamente e aação pode finalmente acontecer. Mas st9 pes~a1.:Ul.Qll~tãa n~~seguir obter [a.çilmentt <U.ºluçãa~dOIprablema, então ela terá de f~zeresforços deliberadas~para chegar a uma interpretação satisfató.ria ~n-[es que P<2ss'!J~_maver na sentida de sua saluçãa ~L Tudo aq!!l!aque ele cansiderar cama senda patencial,mente.impDItante para esseesfarço canstitui a domínio da relevância interpretativa.-. _. -- - - .. ....• - - •.•.....:

Os textos aqui selecionados das primeiras escritas de Schutzcontém essas distinções de forma rudimentar. ç,le se refer:.eª rele-Yâ,ncias iillJ.2Qs.tas.ejntrínseys, swda_qpe a última é definida .,Sg!Ilo

(- a~resultada de nas~as interesses.fscalhidos" e.resulta de umaJivreqecisãa de resalver um p,rablern,a, e assim par diante. ~ta~~~etermO' expressa alga muita próxima da relevância valitiya. AlémdISsD,""encantramos também pistas sabre as relevâncias mativacia-nal, temática e vclitíva. Mas, em sua substância, as textos aqui sele-cionadas tornam a assunta da relevância apenas na cantexta da aná-lise de outras diferenciações. AO' falar do reina da..vichu:D.tidia.na,S~hutz afirmau gue 91:!algu_er~resse específico ÇIueleza aa~ta-belecimenta de um problema ~õe a divisãO' da canhecimen!.Q..gueüi1'i1runvruua passúi errt dIferentes zanas au regiões de relevânciadecrescente.-Háu~ma tana de relevânciãl2iiill~, imediata-:quecampreende as elementos da conhecimentO' que precisam~e..r clara-mente caillpreendidos para que seja l2ossÍ'v:elàpessaa administrar asituaçãn em cursa. Essa é a região do saber I2rá~ica, das técnicas ef"~.--...,-~- - '"-......,.._ ...lõo

habilidades em um sentida mais amEla. Uma segunda zona é conec-auã de forma meufaaa com éSsáprimeira, par exemplo, na medida

em que aferece ferramentas ou outro tipo de ajuda para a realizaçãodo objetivo projetada: eu precisa saber quais são as ferramentas dis-paníveis, mas náo é necessária que eu saiba cama elas são produzi,das. E eu precisa saber que especialista cansultar sem que seja preci-sa passuir a canhecimenta deste ..J.lma tercejrª-.Z.OJ:1.a..derelevânciaç..ompreende que, "mamentaneamente", nãO'passui qualguer çQne-xãa cam a abjetiva primária. Schutz as chamau de relativamente ir-?elevantes; no entanro, ela~ podem tornar-se relevâncias mediadaspasteriarmente. Filli!1I1leJlte,5chutz_sJ~_J:eferiua...uma..zo.p.ade absa-

1Q.hQ"..34 ...<. ,p~:, ÔIl.- ~!l.\Q\J~01v.:Q.,"),ore.~Q"~'__/ ~-..["Y-I'

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~ Sr':,\ViYW-- ~L\.'uZàQ... WR.V~~~~ -,6.; c<.o IWI-I' (Y\ l<o.s. "'-t' (.V1c,;(' "~'-"\ a~ \~ \~vQ (

11111\ lrrclevância, que diz respeito a um canhecimenta que acredita-IllIlS1[ue_uâO_posstli.ng.m-jamais_PQssuirá 9.!!ªJ~r relevância para 6piuhlcrna em questão. Ele ressaltau queessas zan;; ~sãaregiões11'I'hadas,mas cõ:nfig~rações diversifica das e com formas estranhas.

Adentrando a terreno da sociologia propriamente dita, SchutzInncedeu mais atenção ao sistema sacial de relevância, istO'é, rele-vüncías que sâo parte da heransa sacial em qual~uer camunidaderull ural. Elas são ensinadas às navas gerações. Qada a hiera,r,g,uiaQlltural das valores, todo grupO' sacial e cultural estabelece seus- - ..• -próprias "domínios de relevância". Esses domínios canstituem uma,,'rdem hierárquica específica. Em geral, ~l~s sãO'heteragêneos:-cnrÍ-iério para estabelecer a que é' meritória em determinada damínianão é idêntica àquele presente em outros domínios. Se, por exem-plo, realizações técnicas e preacul2asões religiEsas c9~nem_aõis damínias de relevância diferentes, pademas assumir que as ha-

biÍidades de um engenheiro s;;;-i~rclevantes aas prapósitas religia-50S, e vice-versa. Isso permanece verdadeiro a despeito de um ououtro domínio ser cansiderada a mais impartante. Na primeiracasa, as princípias técnicas vão da minar a concepção de mundo re-lativamente natural da camunidade; na segunda casa, são as princí-pias religiosos. É claro gue a indivíduo cam tadas as seus_12rÇlbje-mas pessaais e suas relevâncias reais age em um muda iacial"ÇLuejálhe afereceu esses damínias de relevância mais amplas, e ele irá ori-- ..• --- -- -- -- - ----enta!"-se segugda estes.

Esse tratamento do problema das relevâncias c9mY3xas, pa.!m-bito das quais tada homem está inserido em sua vida cotidiana, le-va-nas à consideração de significados adicianais que tornam esseli1ünêl.acagnitiVamen~teãalrlinistrávé1. Suas miríades de fenômen"ós,

\

cada gual um acanteçiJp..eutQ..única, são distribuídas segunda um nú-ri,íera limitacia~b.ss...e;;: .!inô~~na'"s simihges são ~.~~erada~ ~smesmas, passueIl2; 2.~.ma name, e suas gractg&tLcas f~Q1~n-t~ã;fu:QJlsider<l.das as l!,lesl'l!as.º munQQ..tYm..U;1Unda~tiplficªdq,afirmou Schutz, e ele lidau com essas tipificações de forma extensiva.Os textos aqui selecianadas viabilizam a acesso a esse tópica median-te a discussão da tipificaçãa das abjetas, animais, e assim 2,.ardiante.Es;e tema é·seguida par ~a breve elucidação a respeito do p-ªl2elde-sempenhado pela linguagem na tipificação. Depois disso vem autra- -

ttI\l!n(P-q~~\~t0 ])~Jf\j~C0(,.:Q(Grn. f'~X0( 35

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~J.<:f::;\ '? (!AÇ)c;s.r;;~~7f

breve discussão em que o autor afirma que.Eil1gl!.'€~.~e.ri~glJ.2af..çldescrever suas próprtls...~xperi~nciasselJl,.r.e~orrer a~pifi~ções.

As tipificações individuais possuem implicações sociais. Schutzdestacou que vários dos nomes preferidos dos sociólogos, tais comosistema, papel, instituição etc., remetem a tipificações feitas e usa-das por indivíduos. E, no sentido inverso, ~gior parte dessas tipi-u,cEZs é socialmente_pLeestahele.cida. Na seleção de textos finatSchutz se ref~n~.M>~treito vínculo e.ntre ti ificação e relevância: os

(

homens seriam incapazes de reconhecir aquilo que é re evante e oque pertence a determinado domínio de relevância se antes não ti-vessem se familiarizado com "o sistema de tipificações e relevâncias

~ ~ocialmente aprovado". Tomadas em seu conjunto, essas passagensdevem demonstrar em que sentido Schutz concebeu a mediação en-tre a esfera primária da experiência humana imediata e as esferas de-rivadas das interpretações culturais preestab.elecidas, seja na formado sistema linguístico dado, seja na forma das hierarquias de rele-vâncias que são prescritas.

Schutz beneficiou-se imensamente da famosa definição de situa-ção concebida por William I. Thomas. Seguindo este autor, ele utili-zou-a tanto para descrever as idiossincráticas tentativas de um indi-víduo de orientar-se em situações atípicas quanto sua aceitação dadefinição culturalmente preestabelecida de situações típicas. Poroutro lado, a teoria de Schutz sobre as relevâncias contribui para re-forçar a concepção de Thomas; ela a convida a uma expansão emuma direção que promete abrir novas possibilidades para sua apli-cação sociopsicológica.

(iii) A ação no mundo da vida

Até o momento, concentramo-nos sobre o tratamento de Schutzsobre os aspectos cognitivos do mundo da vida. Agora já estamos emcondições de enfocar seu tratamento dos aspectos ativos e dinâmicosdesse mundo da vida cotidiana". O grupo seguinte de textos selecio-nados é voltado aos problemas da ação humana, incluindo aqueles damotivação em geral e do planejamento específico. Inicialmente, é ex-

21. Cf capo 6 deste livro.

36

1~1J','s d<L \Vl.o-\-\Ij~\\~~'DS ~~\k)S)

líUWII li definição de Schutz a respeito de três termos-chave: conduta,. . .... .......--.1\111 Il'rl110 reservado às ações realmente ou potenêialmente significa-ji",! ••de modo geral;~CI.@."um termo que designa a conduta que foi'illvlsnda antecipadamente"; e tratg.lho,~que se refere à ação que foi1,IIIIll'jadade modo a promover uma mudança no estado de coisas ex-II I lnr eom o auxílio de movimentos corporais.

1\0 passar para a discussão sobre os impulsos subjetivos que es-1110 por trás da açãoJlu.m~a, d~'par.a~o-nos.êom a tCóiia.da m.oUva-

110 de Schutz. Aqui estamos em dívida com ele em virtude de suaI. nntribuição altamente relevante: a exposição do duplo caráter da~_-.z:.- ,~motivação. De um lado, os h2111ensªgmt_s~glJndoJl!.otivos dirigidosplIra a obtenção de _me~as._5lue.!:lpo!}!amp~a...Q Lu~~Sch!JtJ.cga-IIIOU-OS de "motivos .com-a-fínalídade-de". Por outro lado, os ho-mcns possuem "razões" 'p;r~ s~~·açõ~;-Essa~Ia~õ~.s ~~~das(;111 experiências passadas, na persC;;;-alidag~que um homen; cjg.sen-volveu no decorrer de sua vida. Schutz denominou-os de "motivos~ . ~--porque". Ele ressaltou ~o.sigwfi.ç~_(L~ul;Ü~tjvo clQ~l]Jotiv~eveser claramente dtstinto~de seu significadoobjenvo. No curso da expe-riência de realizar uma ação conforme seu plano preconcebido, o atorvivencia seus "motivos com-a-fínalídadesde". Portanto, eles são es-

ncialmente sub]~tivos. Em contraste, quando o indivíduo age, elellão está consciente de seus "motivos porque". Ele pode apreendê-losomente de forma retrospectiva, após a ação ter sido concluída. Porutro lado, até mesmo um observador pode ser capaz de reconstruir

seus "motivos porque" a partir do ato realizado. Portanto, afirmouchutz, esse tipo de motivo é essencialmente objetivo.

'll?"artir ~cr~Los t~o:Jele~~o!.:ados r:ferem-:~~o_ tra~m.~ntode Schutz à conduta "consciente" em contraste com o comporta-mento "não consciente". Uma ação, enquanto conduta consciente,dÍstingue-se de todos os outros tipos de conduta,-primeiramente...em

______ o _~_ '_ _----

função da existência de uma ojientação, de um "projeto", de, ump!a;o-;;-pz;;cionat.~ ~~~ Rr-ojeto-:-afirlJl.QuSchutz junto.com.Iohn R.D~wey,~ um "ensaio dramaturgico da ação futura'z.é.uma.ímagína-ç~o ou fantasia da ação rlanejada tal cQ,!E0 esta seria a~_concl':l!da.Os projetos, é claro, são baseados nos diversos graus de conheci-mento dos fatores envolvidos; eles podem ser precisos e detalhados,ou podem existir sob a forma de um esboço relativamente vago. Em

~ç(.,.:~..IR... \ Ç;rvuo\'Cle.6~) ~~~+oCoíYJ tl.M 1..0-, <: \

N (;0,"",,)\ :O"">~ (" ~vo,,\J/ ~a'<'l0l.-) 37

Page 15: Schutz Alfred Sobre Fenomenologia e Relacoes Socias

Á <.ÕeS {'D-CAjO~~'--::' /)., ~~ ~oJ~~.'\·S:J \/"I"/)D o«: c.o4' ikoJT'<:> ( 5c,~ t e ')

qualquer caso, eles são diferentes do resultado real da ação: a execu-ção de qualquer ação sempre soma algo ao projeto ou o modifica.

Sempre que a ação é baseada em um planejamento consciente,ela costuma ser chamada de racional..A s.fle0Q,__.••~~e..:.t;;;e~x_to;;;;s:...;:.su:::,b=-.se-q~ntes mostra como Schutz 12er.?-eg!lilJos equívocos que circun-dam o termo ação racionq.l. D_lªEte da~ ambiguidad.es~existente.â..Sleconsiderou o conceiro_~eb~~no d~ ação racionaLumjd~)natin-~a conduta cotidiana. É claro qu~ ele não negou que os h;-

mens fazem escolhas racionais em termos do conhecimento rele-vante de que eles dispõem. NãD obstante, ele preferiu chamar essas

\

ªçõe~ cotidianas caracterizadas.por tais escolhas de_"razoáve~s';:;m11 yez_ d~ras:ionai~, jazendo c0.E.cessõ~sàs inevitáveis fal~as do co-

n.b~Í1ngnt9 .R!~tiç.o. E provável que nenhum indivíduo possa terum pleno conhecimento de todos os fatores relevantes, reais e po-tenciais, que estão implicados nas situações nas quais ele "trabalha"para a realização de seus planos.

Planejar é antecipar eventos futuros. A tipificação desempenhaum papel central em todas as antecipações. Baseando-se em Husserl,Schutz explicou que isso depende de duas "ídealízações'' típicas;aquela do "assim foi, assim será": aquilo que aconteceu no passadopode e irá acontecer no futuro; e aquela do "eu posso fazer isso nova-mente": eu posso repetir minhas ações. Com essas idealizações, oshomens expressam sua confiança na estrutura básica do mundo davida: ele permanece imutável, e pode-se confiar nele futuramente.Isso permanece verdade mesmo quando a experiência possui um"horizonte índetermínado", tornando impossível uma certeza abso-luta. Indo além de Husserl, Schutz explicou a incerteza remanescenteem termos de dois fatores. Primeiro, as antecipações são necessaria-mente baseadas em expectativas típicas em contextos típicos. A con-duta efetiva, contudo, no máximo aproxima-se desse caráter típico;seus resultados são sempre desvios, se comparados à antecipação. Emsegundo lugar, durante a execução de um projeto, o sistema de rele-vãríéias do aiOr1ãffioem passa po'Tiiiüaaüças.""Consequentemente~ ~vê o resültado fiiÍal em retrospecto, s~b uma luz dif;r~me c!êg~a dequando o Fesultado ~i:..-pla~J~gÂmevisão difere do re~Recto.

Em três textos dentre os últimos quatro da presente seção,Schutz especificou o caráter do projeto. Não se trata simplesmente

38

C:duQfV~ -~. \:'r,JQci0- VfpV'~-ç- ~ ~ ..- --- ---1IIII\ginarou fantasiar um estaclQ...decoisas futuro. T!ata-sÇ.,smdisso, de uma "fantasia motivada~'. C_om2.ta], el~ é guia<igyor

IIII-.tderaçõespragmáticas: a,-~..!asia é de ~g~prática e EI~usí-I I, l' é concebida com a intenção de ser efetivamente realizada.1111\ disso, uma fantasia motivada ocorre no contexto mais amplo

dll'4Interesses e objetivos de longo prazo. Q.lli!.kllM~X:.p..r.a,j.e.LQ..C.a.n.cre-1'1 (\ apenas u~ ~g~nto da 1.rt~arqui~ d~aI}.o~ .ffil~_o índízíduollil'isui: há planos para o momento, para o dia, para I2Fíodos}ongost pnra a vida; e há também os planos para o lazer, para a subsistênciaIl'l.,sim por-diante. '

A apresentaç~ çk..~ua tsgria.daAç,ãQ, c.!a!pottyaç-ª-º- eda proje-1\1) seria incomph~ta.se não se trouxesse a sua posiçã~o..Jl.J.espeitoda

11' Icstã-;-e~o;no do livre-arbítrio e do cieternrinisrp.Opa condutaItllmana22• Tal como todos os expoentes da sociologia interpretativa,1,1l' considerava o homem como um ser que, em princípio, é livrepura decidir o curso de sua ação, ou para decidir não agir. Isso seriaválido especialmente para as ações consideradas voluntárias, isto é,que pertencem à esfera das relevâncias volitivas, e não das relevân-'Ias impostas. O significado de tais ações brota apenas da "liberdadede se comportar de um modo em vez de outro". É claro que a açãoem si mesma é irreversível. Uma vez concluída, ela está "fechada e

ICLerminada".Mas mesgto nOJeino_da.-s-r.eley.âncias imp~s"jl~ ~ç2es huma-

nas não são compJetamente predetermiJEl.2.as. ~e.?mo _na_situaç}omais coercitiva um homem pode decidir agir ou não confor!ll.~.%l'J.i-

CLuelhe ~õIcre2.ã~desd~ q~e e~teJª-dks.PQstQ_a..aceitaras con-quênclas de sua desobediência

23

- -,Segundo uma opinião bastante difundida, a liberdade de esco-

lha implica a existência de pelo menos duas possibilidades, e que oator decida aceitar ou uma, ou outra. Com base nas primeiras invés-ügações de Bergson, posteriormente desenvolvidas por Husserl,

22. Cf. capo 7 deste livro.23. Esse é um prolongamento direto da concepção de ação humana formulada porWeber, que inclui a possibilidade de não agir, bem como contempla a caracteriza-ção da relação de dominação: " ... ela não significa nada senão a probabilidade deque uma ordem seja obedecida" (WEBER, M. WiJ'tschaft und Gesellschaft, p. 29).

39

Page 16: Schutz Alfred Sobre Fenomenologia e Relacoes Socias

Schutz demonstrou que isso não é necessariamente verdadeiro. Emvez disso, as escolhas ocorrem em processos que se dão passo a pas-so. Em cada nível alternativas imediatas e de pequena escala sãoconsideradas e então escolhidas ou rejeitadas. Mais tarde, decisõedesse tipo podem ser remontadas a passos anteriores, possibilitandosua revisão. Pprtanto, é possível acrescentar que a liberdade de es-f..olha é aquela que se dá no momento de .c..Qng~..I~çãodo I2rojet..Q"jsto

f Ehantes da realização da ação, c:_ql!e~e dá em um pro.cesso fle~vel ecoerenle, gue é composto por diversas ;c.§ldeiasd; decisões par~~lEm alguns casos, esse processo pode ser caracterizado por uma con-siderável oscilação entre alternativas de pequena escala. Em retros-pecto, esse mesmo processo pode aparecer ao ator como um atounitário de escolha entre duas alternativas de larga escala. Ou ainda,para utilizar a expressão de Husserl, uma vez completado o proces-so politético de construção de um projeto, este se ta ma um ata deescolha sintético.

Outro grupo de textos selecionados mostra a preocupação deSchutz com a experiência "da dúvida, do questionamento, da esco-lha e da decisão, em suma, da deliberação". Sem chegar a duvidar daadequação ou correção de alguns elementos de sua vida cotidiana,uma pessoa não se envolveria em um processo de deliberação e es-colha. Em sua discussão sobre a escolha, Schutz partiu das ideiasformuladas por john R. Dewey, embora não. tenha aceita suas con-cepções mais tardias sobre o hábito e os estímulos como ingredien-tes básicos da conduta humana. Em lugar disso ele introduziu a dis-tinção proposta por Husserl entre possibilidades abertas e proble-máticas. O primeiro tipo resulta da própria experiência: os fenõme-nos externos que são percebidos por um indivíduo podem ser expe-rienciados de formas ambíguas. Assim, surgem situações dúbiaspara os indivíduos; situações que aparentemente contêm tendênciasmutuamente exclusivas, cada qual igualmente plausível. Conse-quentemente, se uma pessoa enfrenta uma situação ambígua, ela os-cilará entre possibilidades e contrapossibilidades. Sua indecisão du-rará até o momento em que ele encontrar evidências adicionais emfavor de uma ou outra alternativa, ou ainda se seus interesses e mo-tivações o empurrarem em uma direção em vez de outra. Em contra-

40

li, po~sibi1idades abertas não são ambíguas, mas apenas índe-111111.11111'-1, Por exemplo, eu passo assumir que a parte traseira de1

11111

'10 r da mesma cor daquela da frente; mas dada que eu não

111,,1 I lI"lO verificar isso, minha suposição permanecerá uma "an-11'11\'110 vazia". Falta-lhe uma corroboração substantiva.

111 11., outros textos selecionados lidam-com as processos subjeti-"volvidos na "escolha entre objetos" e na "escolha entre PLoje-

11\11" Iais escolhas ocorrem em processos mais amplos de definiçãodtO "'\1 unções. Podemos dizer que a partir da seleção definitiva algu-111,1', dus múltiplas passibilidades contidas em uma situação são con-

I uldns em possibilidades problemáticas. Isto é, elas são. isoladas e11 ,11 .ulas coma um problema para o qual deve ser encontrada uma res-1111-,111 tentativa. A ,diferença entre escolhas entre objetas e escolhas\ 1111'(' projetos é simplesmente a seguinte: os objetos são dados exter-IllUllcntee, nesse se~~ p~rt~~fe~a das re~rrcias impostas;li', projetos, por ?u*trol~do,são parte do pOlenciatde Cl.çãoAapróprioIllIllvíduo;,poJtf!ntQ.,J1es são_controlada_s_129_uelevân.clls~valitivas.

Um último texto da presente seção versa sobre o "peso" que..ula indivíduo pode atribuir a cada item em um conjunto de possi-hllidades múltiplas. É claro que esse sapesar depende de seus inte-rcsses, tanto aqueles momentâneos quanto os de longo prazo. Eledecide não. apenas quais as alternativas devem ser preferidas em re-lação aos abjetivos imediatos, mas também quais dos cursos de açãopossíveis que levam a um mesmo destina podem ser adotadas.

Os textos selecionados no tópico "Ação. na mundo. da vida" li-dam com a motivação., com a "racionalidade", com o planejamento.~a projeção., com a liberdade de escolha e com a deliberação. Semlúvida, aquele que ler esses textos perceberá que todas essas con-epções aplicam-se à ação. humana em geral, seja ela individual ouocial. De acordo com Weber, e tal como confirmada por Schutz,

ambos os tipos de ação referem-se à ação de pessoas singulares. Adiferença entre eles diz respeito apenas ao. objeto da ação em ques-

\

lãO. A ação. individual dirige-.se a objetQ.?não sQci,.ais,s.ejam eles coi-sas da natureza, artefatos ou ideias. A ação soci.al ocorre quando, se-gunda a intenção da ator, a ação é dirigida a outras ~ssaas, que são.vistas par aquele como seres humanos canscientes. Assim, a própriaação permanece nnidirecional. J-

/

-J

..,c:.l~43

Page 17: Schutz Alfred Sobre Fenomenologia e Relacoes Socias

xo(fl...-;;:'''....,c)~n1.Q ~~SL.-:l' \.-'.\f \ . I ;4c", ~L(.o

~~ Irt~~~~. v \/ lm~cf~lLjpfL,~o (iv) o mundo das relações sociais

4s considerações de Schutz aos aspectos cogpitivos e ativos davida cotidiana em termos de experiências índivíduaís já m02,traram.§üe!:....orienfaçoes e a conauta aos indivíd'l0s no !!!.,und9da vi~oaltamente mfluenClaãas por formas linguísticas e orientações cultu-- - -----..-. "" - ~ -- ----rais preexistentes, selE:menciQJ.1ar...a~pLópria!:.xistência_de~ol!.tmsse_,esJl.Um.anQs..Schutz, é claro, partiu de uma perspectiva individualis-ta preliminar para então chegar a uma análise mais direta das relaçõessociais. A i~~cial envolve a ação so~ia~ d! p..,elom:nos~aspessoas que se oriental~,..u!].a em rel'!.Çli2.'L9l.!Jl.q,.Evíverrío muu.doáa' vidâ cà11êliãnãgeralmente significa vivenciar situações de intera-çã; c~~ pessoas, e~ complexas redes de !.elaçõe~0~s24.

Q.p.Joblema (enomenológico majs_b~§ico agui é o da intersubje-tividade. O próprio Husserl percebeu que a resposta a esse problemaérãêrucial para toda sua filosofia. Contudo, suas repetidas tentati-vas e seu profundo empenho em resolvê-Ia no último nível de suafenomenologia não foram bem-sucedidos. Depois de uma laboriosaanálise, Schutz decidiu que o modo de abordagem de Husserl estava---- - - -......-equivocado. Ele então sugeriu que a intersubjetividade deveria sertratàda-como""n-acategoria ontológica fundame~ntaLda~tênci~mana", uma condiçã~ toda eX]2eritncia_humana imediata no~do da vida", sendo acei~~algo inquestionavelmente'dadoc~ap;;::;;epção da aparição física de outros indivíduos.

No mundo da vida, argumentou Schutz, a intersubjetividadenão constitui um problema. O indivíduo toma como dada a existên-cia de outros indivíduos. Ele percebe seus corpos e seus movimen-tos corporais, incluindo os sons que produzem com sua fala; todosesses elementos são diretamente apresentados a ele. Simultãnea ees ontaneamente ele reconhece a configuração sensorial do outroantes q~eso~~ça su: vi~ psicológica. Ele toma como evi enteque essa vida exista dentro ou "por trás" dos movimentos observa-dos; esses movimentos são espontaneamente associados com essavida e são concebidos como expressão dela. Na experiência do indi---=------24. Cf. capo 8 deste livro.

25. Cf. o ensaio de Schutz: "The Problem of Transcendental lntersubjectivity inHusserl". Collected Papers, III: 82.

42

Wl-It.·,k ~\~'.d iç:;."" (~~.:Ql::L~o·, G-,t/.JC;;x:W~Q !n,.kl-\;" eo ~~+t ds (l&,~ d'Q ,,')J~

vuluo é~~çt? aos outros, a percepção e a pressuposição fun-Il, m-se em uíiia só c0.!2.a.A experiência sensorial de uma pessoa por1 uura é logo investida de consciência e sentimento, semelhantes àrunsciência e sentimento da pessoa que percebe. Nos termos t~qü-1 tiS da fenomenologia, a apresentaçãq, dada jla aparência física.do.nuro é. Uêcéssãriam~i. acompaphadada apresentação não dada;'l1sorialmente id. Glossario) de sua natureza humana.I _.... •••

Schutz cuidou de explicar que a_~experiências imediatas qos ,9E-III'OS emergem~!ll um "meio comunicativo comum"; um ambiente

ltuacional compartilhado por duas (ou maisj.pessoas capazes de serornunicar mutuamente. Embora esse meio (interativo) ,Rossa sert' xperienciado a partir de Merentes ~-;ntosde-vi~ia ~ubjetivo~ ele épreenchido por objetos e eventos percebidos Ror ambos. Conse-qúenternente.tas re1ãçóês interativas eComúüi'Zativ;s~e eles per-mitem a compreensão e consentimento mútuos: a~ilo que ocorre nas,i~ação comunicativa é ex:e.e~ado simultãnea e conjunta~e.: daro que essa situação é elíptica: ela Rossui dois focos subjetivos.-;(Ia uma das pessoas a vivencia m7(E~te sua própria experiê;ct; da

situação, da qual o outro também é parte ..Ma:?~la.Eão apenas experi-cl,!.ciaa ~ mesl!!~ na situação, mas também experiencia o experit;..nciarIa situação pelo outIÇ? E22aé a experiência do "Nós". Schutz conden-sou sua descrição desse fenômeno conectado com essa experiência 'do Nós em sua "tese geral do auer ego": "o alter eglL:.:....é aq.lJele flldXOie consciênci~_S.!lJª?-ªti'yjdades eu poss9 ~preç~me?ian~}pinh.§lsP!óprias atividades simultâneas". Schu~z ~nfatizou que essa ~ge-r~l constitui o guadro referencial fundamental t~nto da~Qgiaquanto da sociologia Ienomenológícas.

A feição cognitivamente mais conspícua da subjetividade é, evi-dentemente, a compreensão mútua. O conjunto seguinte de textosselecionados à-fcrece a análise que Schutz faz desse conceito. Inicial-mente, ele lidou com as ambiguidades ligadas ao uso comum do ter-mo "compreensão". Ele apresentou três modos segundo os quais sepode dizer que a ação de alguém é "compreendida" quando não.ha~9uer intençãid..~ se comunicar com outros; e cinco modos que

ocorrem quando ele usa signos linguísticos com intenção comuni-cativa. No entanto, "o único significado estrito do termo" s~e....aaE!eendg .~q~I0.92~ ~e p~ssa na mente d.9_oU,!ro. Assim, ~ "tu" se

~~:~~(J~ (C_-- ~\'é,k,~,.~(,~~ .b-~l

~\t-~~<-<-e... -------

43

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•• ~(_'Yf'v-Ç. _ ••• ,~.:0Ur ' (~"",;-0 I" •

.....:. k rr J~.,,.'"~-~ - /'~ r« ",,~,~.• f <:A\\}

t~..;oot-r..e.eu", Durante o processo de envolvimento de alguémem um meio comunicativo comum, o outro eu ocorre em uma vívidaexperiência imediata, I~so transcende a própria empatia na medidaem que o ou tro é experienciado como sendo ele próprio, e não umreflexo ao eú da própria pessoa que experiencia. A empana é reduzi-da a um mínimõqüanâo ãcompn~ensão da-~utra pessoa é tentadaretrospectivamente. Segundo Schutz, essa é a única via aberta a umapessoa que lida com a conduta de outras com quem não tem qual-quer iritenção de entrar em uma relação comunicativa. A com~~são do outro, nessas condições, pode ocorrer somente sob a formadaJ.mputação~gmfic~d.2 a~curso da ação ~~:~~ad;

Indo mais adiante, Schutz perguntou: o que é realmente com-preendido quando falamos de compreensão subjetiy'a? ~firlJlou

1:ÇLue-tal comE.!:een~ã2.Eão requer uma introspecção simpática; !l~I;Il

demanda que sejam apreendidas t~ as complexidad_e~ ~ perso-nãIldadêtOtãlão?U1fõindivíduo. 1;1asem todas as ci~n~nci~s_o

'....::lf que deve sg..c.g!llpreendido são as motivações dos outros: a compre-ensiFo"subjetiva é uma _compre.ensão_motÜracionaf.' Sua ~nsãopode ser limitada aos requisitos reais dos interesses concretos deoutros no ãmbito de situações específicas. çrn um nível mínimo,isto é, no caso de relações meramente factuais, um'"ãtQr ;Penas prã-c~ motivos típicos dõs-;t~es típicos, m~endo-se da esfera dacompreensão genuinamente subjetiva para aquela das concepçõesp~definid~s,Jip nívelmáximo, isto é, das relações 'pais p~~acompreensão subjetiva mútua afasta-se da quase completa tipifica-ção dos motivos e aproxima-se dos níveis mais elevados de intimi-dade humana.

Tal como Schutz mostrou posteriormente, o padrão dinãmicodo entendimento mútuo é aquele da "reciprocidade dos.motivqs".A~ dirigir-se a ~utra pessoa, um ator social espera fazer com que a@ra Pt:2.soacorresponda com uma determinada ação. A reação es-perada e_d_esej~daé, então,-õ"rllõtivo com-ã-linalidade-de" do _cifmeiro ator". Se o outro entende essa intenção e responde a ela, o, -motivõ com-a-finalidade-de do primeiro se torna seu "motivo por-que" . Se se trata primeiramente de responder por que uma pergunta

26. Isso lembra bastante a concepção de Mead sobre "provocar a reação do outro",

\ t ~(~ ';;V /1JiJJf..i~ : V/,J'-"'<2.._ 1(,<" "/~., .. ~ -« ;(j'.GL,44

~ R{jV-·'(Vh(;\cJJ)ck., cS ~ ~ ruÓ)

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"·.,,A'd.·~~ I

Itil I'lllll, num segundo momento o segundo ator pode dirigir-se aoPIIIIH'lro a partir de um interesse seu. Tendo estabelecido para si;111 •• 1110 um motivo com-a-finalidade-de, ele oferece um motivo por-'1111 para a primeira pessoa.

~chutz complementou essa tese da reejproeÜ;lade dos motivosiJuu aquela sobre a recWrocidade das ]2erspectivas. PQ.ÇlemosdizerII~\I'esta última funciona como o quadro gera!"p;ra a primeiiã.TalI limo m!!.lClonado anterlorn:lentt, o II.!.e!2sQmJJnicativUômi!m éI liptico: uma situaçãõ, duas perspeçjjvas. Cada uma das pessoas en-nlvícIãSlida com ess~ c~raç~ica da s.ilúaçã~se

\ Il1 ~ve~se -n~lugar da outra, el~e~perimentar~~ssa situaç~o apartir da perspectiva dela, e vice-versa. Ademais, ele afirma aindaque as relevãncias conectadas a seus pro12ósitos-G.oJIlunsou comple-mentar~~tevam as êITIcrenças individuais coexistentes nas duasperspectivas ao domínio da irrelevância relativa. '

De acordo com Schutz, o, envolvimento simultâneo em ummeio comunicativo comum constitui uma "relação-do-Nós" pelomenos temporária. De forma alternativa, ele especificou eSSetipo denvolvimento como se tratando de uma situação face a face. Portan-

to, ele inspirou-se nos escritos de Charles Horton Cooley, emboranão tenha seguido este no que se refere à restrição da expressão "re-lação-do-Nós" aos contatos face a face mais íntimos". No próximoconjunto de textos selecionados Schutz voltou-se para o desenvol-vimento das ações orientadas-pelo-Tu e para a emergência das "re-lações-do-Nós". Em sua forma "pura", uma ação orientada-pelo- Tuemerge da percepção da existência da outra pessoa em interaçõesface a face; ela se manifesta quando o ator volta-se intencionalmentepara o outro enquanto um ser humano ~iVente e consciente. Se aação orientada-pelo-Tu de uma pessoa encontra reciprocidade porparte da outra, se ambas referem-se uma à outra intencionalmente,resulta, então, uma "relação-do-Nós", que é experienciada enquan-to tal. Ela é expressa n~yercepção mútua do outro, e constitui uma

27. Nesse onto, tangenciamos a uilo ue aderia s ão da aborda-gem fenomenológica, tal como desenvolvida até a ui: sua forte inclinação raciona-lista. ara Sc utz, por exemplo, a distinção que coloca as relações primárias e se-Cundárias em dois palas extremos é tida como dispensável em termos conceituais.

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Page 19: Schutz Alfred Sobre Fenomenologia e Relacoes Socias

articipação simpática na vida c:!.Q..Qup:o,mesmo gue por ll.m petlD-do limitado de tempo. Outros textos que se enquadram nesse mes-mo contexto lidam com os complexos processos de conversação nasrelações do "Nós", e com as múltiplas formas de experienciação di-reta de outros indivíduos em relações face a face, como algo opostoà percepção reflexiva da experiência do "Nós" em retrospecro.

Ej!Y-olvil:peI.!.tosface a face com outros constituem a formadominante de enco-ntro -;oéial-:-Mas ocasiona[merite alguémJ:?Qde

- - - -- --~n~ontrar-se em situaçõesc00.Clianas das quais llãº-..particil.2flativa-~e: olndivíduõ....:nco_ntra-~~ap~de_obs~ador. O trata-mento concedido por SêFiutz à observação na vida cotidiana é acres-centado aqui como um aspecto de sua análise sobre o mundo davida, que adquire importãncia adicional para a discussão posteriorsobre o lllé_todo obs~rvacional na Sociologia.

Uma pessoa que aceita o papel de observador permanece de forada interação em curso que constitui a relação-do-Nós em questão.Mais especificamente, sua orientação em relação aos atores é unidire-cional. Ela permanece separada da experiêncía direta das inten~ emotivaçõE;reciProcas-ql.!~~ ...m.Q~ dos atores obse~ Eortan-to, ela pode interpretar seus motivos apenas indiretamente. Ela pode,l?yr exemplo imaginar-se no papel daqueles que participam. da.inte-ração e pensar em motivos que ela prógrií! Jeria....seestivesse em seus-......:......- _.~ - -- . ~ -- -- - - - . - --]ug'ifes. Mas ela também pode apenas recorrer a tipificações já estahe-lecidas, olhando para os indivíduos como atores típicos em situaçõestípicas. Finalmente, ela pode analisar os atos observados, tentandoinferir quais motivos poderiam explicá-Ios satisfatoriamente. Se o ob-servador desempenhar genuinamente essa função, ele permanece de-sapegado, sem tomar partido, sem apostar no resultado final do pro-cesso interativo em curso". Portanto, ele deve ser considerado objeti-vo ~r definiç~o. Iseo porqu;;;rnschutz, o poritã de vista objetivo ésempre aquele do observador não envolvido. .-

28. Essa atitude é completamente contrastante com a de outro tipo de observador:o espectador de uma competição esportiva. Este costuma tomar partido, torcer por"seu" time, ou por "seu" atleta, de modo que sequer pode-se considerá-Io um ob-servador, sendo mais correto dizer que se trata de um participante vicãrio da açãoem curso no estádio.

f..-vtL J~ \h~l<2 ro\~'\X; ~'cái1, iv(A~On=-.46 a

1\ discussão sobre a interação estaria incompleta se não se pas-e pela q~eiiàQjia Ül.~LCJlIl1.u!)i,ç.açã929.O grupo seguinte de tex-

I"" selecionados trata das considerações de Schutz sobre os modosq~\lnclo os quais os homens se fazem entender com o auxílio de tro-

111'1 verbais". Pensamentos são expressos por combinações de pala-I lIS. Para que as palavras sejam comunicadas, elas precisam de uml'lculo de transmissão: sons que podem ser ouvidos, gestos que .12.0-

Irl'm ser vistos, mensagens escntas q~odem serJj.das. Esses veícJ)-los são sig!}.os;eles são investidos d.uigllifi.çadQ]2cl.ª-~soa gue..QsI·li·()~z. Contudo, para que possam servir a seus propósitos comu-nicativos é preciso que sejam recebidos pela outra pessoa como por-(ndores do significado pretendido por aquele que lhes emitiu. A in---tcrcomunicação ocorre quando a resposta é dada da mesma manei-J'H, resultando e~~terêâmbio. - ---- - - ~- .. ,.,..

Enquanto a comunicação depende do uso de veículos, a utiliza-;<10 de um ou outro veículo em particular pode ser relativamente irre-levante. Isso ~da .!!1ai~d~ir9 quqndo o conteúdo $ls ideiasomunicadâs tende a ser racional e factual~ Tais ideias podem ser fa-ilmente transmitidas de forma correta em várias línguas Ceuropeias

modernas); em cada uma dessas línguas a mensagem pode ser falada,escrita ou impressa; e todo tipo de alfabeto pode ser utilizado. Talcomo mencionado anteriormente, na intercomunicação o utilizadordo signo o interpreta previamente em termos da interpretação espe-rada por parte da pessoa a quem ele se dirige. É claro que isso pressu----... _. ----põe a utilização de um esquema interpretativo conhecido por todas asp~ssoa? envolvidas; ele inc0i uill..Q).!.l1üntõC'ãr'npãrtill~o}~b~!}-ções, padronizações e tipificações que pertencem ao corpus da lingua-gem fôrmaI, mas tãriiliim a subcõummdádês liiiguísticãsespecític~s.

___ - ~ .t

Schutz concedeu particular atenção às características intersub-jetivas da intercomunicação indireta, que ocorrem na "vívida pre-sença" das relações face a face. A seleção de textos desse tópico en-

29. O termo intercornunicação pode até soar redundante. Contudo, insistimos emsua utilização para indicar com maior precisão aquilo que Schutz pretendia dizercom comunicação como uma via de mão dupla, um.verdadeiro intercâmbio ('.Jlão

uxos unidirecionais, tal como ocorre Com os meios de comunicª-窺~&JI!ass<L__ "JI -

O. Cf capo 9 deste livro.

47

Page 20: Schutz Alfred Sobre Fenomenologia e Relacoes Socias

X0~,-::,q"" __)~~n q &~~J2..I~\(:-" 'D;'í..:Go/ , 1"\ ( 11) I .! ti <..-

I~ ~~cre ~~ \.f jm~cf~tLhrLl~J (iv) O mundo das relações sociais

4,s considerações de Schutz aos aspectos cognitivos e ativos davida cotidiana em termos de experiências jndividuais já most!]gm~açoes e a conduta dos indivíduos !,.l2 !E.~mdo_davi~oaltamente mfluenCIaêIas por formas linguísticas e orientações cultu-rãis preexistentes, selE mencionar.~a_P~QPriãexistfuc~e~o_ütr_õ5.:S",e_t-~ftUU1anQS_.Schutz, é claro, partiu de uma perspectiva individualis-

ta preliminar para então chegar a uma análise mais direta das relaçõessociais. A il~~Ção social envolve a ação social de pelo menos duas

---.. - -----pessoas que se orientaI!!,-"~<:..em relaçã<Là outr,<t.E,viyer-.)lo lJl1!JlClocf{.vidâ có"tRfiã,"nageralmente significa vivenciar situações de intera-ção com muitas pessoas, emc~plexas rede~~~çõe~_29~s21.

Q.Rroblema fenom<:nológico mais básico agllil o da intersJillje-tividade. O próprio Husserl percebeu que a resposta a esse problema~cial para toda sua filosofia. Contudo, suas repetidas tentati-vas e seu profundo empenho em resolvê-Ia no último nível de suafenomenologia não foram bem-sucedidos. Depois de uma laboriosaanálise, Schutz decidiu ~ o modo de abordagem de Husserl estava---- -- -eq~vocado. Ele então sugeriu que a intersubjetividadt.Qever~tratada-como"'ã categoria ontológica fundamentaLda existência hu-mana", uma condição para toda eXl2Qiência_humana imediata no~do da vida"', sendo aceita como algo inquestionavelmented;doc~;percepção da aparição física de outros indivíduos.

No mundo da vida, argumentou Schutz, a intersubjetividadenão constitui um problema. O indivíduo toma como dada a existên-cia de outros indivíduos. Ele percebe seus corpos e seus movimen-tos corporais, incluindo os sons que produzem com sua fala; todosesses elementos são diretamente apresentados a ele. Simultânea ees ontaneamente ele reconhece a configuração sensorial do outroantes q~re..s0EI::ça_s2! vi,!ap...sic~. Ele toma como evi enteque essa vida exista dentro ou "por trás" dos movimentos observa-dos; esses movimentos são espontaneamente associados com essavida e são concebidos como expressão dela. Na experiência do indi-

24. cr capo 8 deste livro.

25. Cf. o ensaio de Schutz: "The Problem of Transcendenta[ Intersubjectivity inHusserl". Collected Papers, 1lI: 82.

42

j,nl[(l.."~ "Y.,-c (P.:?{P't ~~,:Q.Q. ..Cl:Á)O·&,"viCocoV~. <:) (rn.!.c,·L" eo c~ ~'+t J s 0' ~ c:RR ...;)4>

l ~lt~ - . - fvrc uo e;n re açao aos outros, a percepçao e a pressuposlçao un-tlcm-se em uma só co,i§.a.A experiência sensorial de uma pessoa poroutra é logo investida de consciência e sentimento, semelhantes à.onsciência e sentimento da pessoa que percebe. Nos termos técni-- -cos da fenomenologia, a apresent~ção_ dada da aparência física.doo'!ITrQ..LnecessãnãIpentêãcompanhaçlaAa apresentação não dadaensorialment~ (d. Glossário) de sua natureza humana.•... ....,- - -

Schutz cuidou de explicar que as experiências imediatas dos ou-I -- - --l~OS emergem em um "meio comunicativo comum", um ambientesiruacional compartilhado por duas (ou maisj.pessoas capazes de secomunicar mutuament~ .•Embo~~es~ meio .Qn~rativo) Jlossa serexperienciado a partir de diferentespontos de vista ~ubje.tjvos, ele épreenchido por objetos e eventos percebidos P2r ambos. Conse-qúentemente, as relãções ínterâtiêas e comunicativas entre eles per-mitem a compreensão e consentimento mútuos: aquilo que ocorre nasituação comunicativa é eXJlerienciado simultânea e conjuntamente.É claro que essa situação é~líptica: ela possui dois foco~subjetivos.Cãda uma das pessoas a viveí1c~i~te sua própria expe~ dasituação, da qual o outro também é parte.}:1a2 elanão aE~as experi-encia a si mes~a na situação, mas também experiencia o experienciar~ação pelo Õuq:.õ~~ experiência do "Nós". Schutz c~den-sou sua descrição desse fenômeno conectado com essa experiência 'do Nós em sua "tese geral do alter ego": "o alta ego... (aq.J.l~kJluxo~e conscjência c_uTasatiYidades e~ po~ apIe~nd~e~iant~inhasPE.ÓJlF~Satividades simultâneas". Sc.!:u~z~fatiz~ gue essa t~ge-r~lÇ,.OJ!~tituioquadro .:.eferenc01 fundamental tant~ da psicolQgiaquanto da sociologia fenomenológicas.

A feição cognitivamente mais conspícua da subjetividade é, evi-dentemente, a compreensão mútua. O conjunto seguinte de textosselecionados ~Terece a análise que Schutz faz desse conceito. Inicial-mente, ele lidou com as ambiguidades ligadas ao uso comum do ter-mo "compreensão". Ele apresentou três modos segundo os quais sepode dizer que a ação de alguém é "compreendida" quando.nãohã,!;lalquer iptençã9- d~ s~comJ)niçar com outros; e cinco modos que

ocorrem quando ele usa signos linguísticos com intenção comuni-cativa. No entanto, "o único significado estrito do termo" S~e.JI.aDTeen~er ~quilo ~~ se_p~ssa na mente cio_ou~ro. Assim,' o "tu" se

~ l2eóTc J\A~f-lte'>I \.

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Page 21: Schutz Alfred Sobre Fenomenologia e Relacoes Socias

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t,9Jna o';'Q.lll'r.Q..eu".Durante o processo de envolvimento de alguémem um meio comunicativo comum, o outro eu ocorre em uma vívidaexperiência imediata. Isso transcende a própria empatia na medidaem que o outro é experte'nciadõ cOmosêndo "fIe próprio, e não umreTIexoao eu da própria pessoa que experiencia. A empatia é reduzi-~ ao-.. __ __ - _ .....".J.

da a um mínimo quando a compreensão da outra pessoa é tentadaretrospectivamente. Segundo Schutz, essa é a única via aberta a umapessoa que lida com a conduta de outras com quem não tem qual-quer intenção de entrar em uma relação comunicativa.A com~são do outro, ~ições, pode ocon~:: ...~9.pen~_sob .~.Jol]Jlada~~EǪº g~UlI! slgm!icado ao _cyrso da ação observada.

Indo mais adiante, Schutz perguntou: o que é realmente com-preendido quando falamos de compreensão subjetiy.a? ~ afirmpu

l&uetal compreen~2... não requer uma introspecção simr.á!ica; n9;

d~da que sejam apree12didas todas ~mplexidac!.e~ da perso-n~idaaet:õtãlãoi5üTrõindivíduo. Mas em todas as cir~Qgãnci<!.s_o

-q que deve sg,..F.Q!TIpreendidosão as motivações dos o~ros: a c0l!!pre-ens?o"' subjetiva é uma ~~)Ippre_ensãoJnoti~acional. Sua extensãopode ser limitada aos requisitos reais dos interesses concretos deoutros no ãmbito de situações específicas. Em um nível mínimo,isto é, no caso de relações meramente factuaís, u~;rQrãpenas piO-~S-mothros típicos dõs-atores típicos, Il!o~-se da esfera dacompreensão genuinamente subjetiva para aquela das concepçõesp~definid~s ..tl.o nível máximo, isto é, das relações .!!}aisp~aR,.acompreensão subjetiva mútua afasta-se da quase completa tipifica-ção dos motivos e aproxima-se dos níveis mais elevados de intimi-

Idade humana.Tal corno Schutz mostrou posteriormente, o padrão dinâmico

dQ...entendimento mútuo é aquele da "reciprocidade dos.motivos".Ao dirigir-se a outra pessoa, um ator social espera fazer com que aóutra pessoa corresponda com uma determinada ação. A reação es-Perada ~_d_esêjada t, éütão~õ"riiõtivo com-á:Tliíãlidade-d~" do 2!f- 26 .- - --_.meiro ator . Se o outro entende essa intenção e responde a ela, orriõtivo com-a-finalidade-de do primeiro se torna seu "motivo por-que". Se se trata primeiramente de responder por que uma pergunta

26. Isso lembra bastante a concepção de Mead sobre "provocar a reação do outro".

\ ~ V~(~ ;;v I\jlJJf..i'-<L : v//-",Q..~ ,,<: "// '" ".~ .-r,'i)~~44

~ ~·~vé>\1)d.9~ cfo2 M~)

\-1' " l \.,.( 1. c-f .... (t a , \.-t.~ : \) /

\ I r'\".. \

..! _ :::""_ :'~;('1:~'l.I~~ I

Idl 11'1111, num segundo momento o segundo ator pode dirigir-se aoPIIIII('\ro a partir de um interesse seu. Tendo estabelecido para si;1\1",1\10 um motivo com-a-finalidade-de, ele oferece um motivo por-

'1'11 para a primeira pessoa.:hutz complementou essa tese ga reciprociçlade dos monzos

, 11111 aquela ~bre a ~ciprÕci-d;de das 12erspectiv~s. Pça.demos dizerq\\I' esta última funciona como o quadro geralP~ra a primeiiã.Tal1111110 menCionado antêriãr"mente~ o me!Q.sQmunicalivo çõm~m éI Ilptico:~a situaçãõ, duas peri~s. C~da uma das pe~-'1lIv1C[ãsh:!aco~ ess~ c,,!raç:~rística da situa.ç~o ~,~seI lu estivesse no lugar da outra, ela eXp'erimentaria essa situação al'oIrllrda perspectivadela, e vice-~a. Adem~e afirn~ aindaq\le as relevâncias conectadas a seus p.EQp.ósitos...co.IDunsouso_mple-1I1entar~levam as diferénçãSTridividuais coexistentes nas duasperspectivas ao domínio da irrelevância relativa.

De acordo com Schutz, O..snvolvimento simultâneo em ummeio comunicativo comum constitui uma "relação-do-Nós" peloJnenos tempOJ.ária. De forma alternativa, ele especificou eSSetipo deenvolvimento como se tratando de uma situação face a face. Portan-10, ele inspirou-se nos escritos de Charles Horton Cooley, emboranão tenha seguido este no que se refere à restrição da expressão "re-lação-do-Nós" aos contatos face a face mais íntimos". No próximo'onjunto de textos selecionados Schutz voltou-se para o desenvol-vimento das ações orientadas-pelo-Tu e para a emergência das "re-lações-do-Nós". Em sua forma "pura", uma ação orientada-pelo- Tumerge da percepção da existência da outra pessoa em interações

face a face; ela se manifesta quando o ator volta-se intencionalmentepara o outro enquanto um ser humano ~ivente e consciente. Se aação orientada-pelo-Tu de uma pessoa encontra reciprocidade porparte da outra, se ambas referem-se uma à outra intencionalmente,resulta, então, uma "relação-do-Nós", que é experienciada enquan-to tal. Ela é expressa na percepção I?útua do outro, e constitui uma

27. Nesse onto, tangenciamos a uHo ue oderia s ão da aborda-.em fenomenológica, tal como desenvolvida até a ui: sua forte inclinação raciona-

lista. ara Se utz, por exemplo, a distinção que coloca as relações primárias e se-runclárias em dois polos extremos é nda como dispensável em termos conceituais.

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45

Page 22: Schutz Alfred Sobre Fenomenologia e Relacoes Socias

~tidpação simpática na vida d.Q..QPlr:o, mesmo gue por umJ2giodQ limitado de tempo. Outros textos que se enquadram nesse memo contexto lidam com os complexos processos de conversação narelações do "Nós", e com as múltiplas formas de experienciação di-reta de outros indivíduos em relações face a face, como algo opostoà percepção reflexiva da experiência do "Nós" em retrospecto.

Enzolvímentos face a face com outros constituem a forma~ --- - -----dominante de encontro social. ~ ocasionalmente alg:9-émJ2.Qde!ncontrar-se em situações Cõtidianas das' quais não partjcipa ativa-m~rÜ~ndiVlduo encontra-se no papel de obserzador. O trata-mento concedido porSchutz-à observaçã~a vida cotidiana é acres-centado aqui como um aspecto de sua análise sobre o mundo davida, que adquire importância adicional para a discussão posteriorsobre o rqétodo observacional na Sociologia.

Uma pessoa que aceita o papel de observador permanece de forada interação em curso que constitui a relação-do-Nós em questâo.Mais especificamente, sua orientação em relação aos atores é unidire-cional. E~pen~nece separada daexperiência direta das intenções emotivações recíproQ!~~p'!.QRria dos atores obse~ Eortan-to, ela pode interpretar seus motivos apenas indiretamente. Ela pode,?r ~xemplo, imaginar-se no papel daqueles que participam da.inte-

ra,ção e l?er:.sa!~m m~ti~~ q,.?e~la pr2P.!ͪ'.Jeriª.se esti~e em seuslugares. Mas ela também pode apenas recorrer a tipificações já estabe-lecidas, olhando para os indivíduos como atores típicos em situaçõestípicas. Finalmente, ela pode analisar os atos observados, tentandoinferir quais motivos poderiam explica-los satisfatoriamente. Se o ob-servador desempenhar genuinamente essa função, ele permanece de-sapegado, sem tomar partido, sem apostar no resultado final do pro-cesso interativo em curso28.lJ?!tanto, el~deve ?e! c:.0E.sideradoobjeti-vo por definição. Is~o porque ,_paraSchutz, o ponto de vista objetivo ésempre aquele do observador não envolvido. --

28. Essa atitude é completamente contrastante com a de outro tipo de observador:o espectador de uma competição esportiva. Este costuma tomar partido, torcer por"seu" time, ou por "seu" atleta, de modo que sequer pode-se considera-lo um ob-servador, sendo mais correto dizer que se trata de um participante vicário da açãoem curso no estádio.

f...vtL, .I.L- \)., ~l~D\~\'\)i? _ ~,;ML- I'P/~D""...,46 "G

A-.iiscussãO sobre a interação estaria incompleta se não se p~-I\sse"pe~jnt!:LCJllRUw.caçg/9. O grupo seguinte de tex-

tos selecionados trata das considerações de Schutz sobre os modosl'gundo os quais os homens se fazem entender com o auxílio de tro-

cas verbais30 Pensamentos são expressos por combinações de pala-vras. Para que as palavras sejam comunicadas, elas precisam de umveículo de transmissão: sons que podem ser ouvidos, estos ue 0-cem ser "0stoS, mensagens escntas qU9~dem sgJjdas. Esses veicu-\os são sig!!,os; eles são investiºQ.~_Jluign.ifiçad<L~ª-p..essoa ~s-produz. Contudo, para que possam servir a seus propósitos comu---nicativos é preciso que sejam recebidos pela outra pessoa como por-Ladores do significado pretendido por aquele que lhes emitiu~ ip-tercomunicação ocorre quando a resposta é dada da mesma rnanei-- ~.- - ------ra, resultando em um intercâmbio. -.•... - --- ..;'"Enquanto a comunicação depende do uso de veículos, a utiliza-ção de um ou outro veículo em particular pode ser relativamente irre-levante. ls~ ~~a!!fais3er<iad~r9 qugndo o COI}t~d2 slas ideiascomunicadas tende a ser racional e factual Tais ideias podem ser fa-éilinente transmitidas de form'a cor;ct~ em ~;ias línguas (europeiasmodernas); em cada uma dessas línguas a mensagem pode ser falada,escrita ou impressa; e todo tipo de alfabeto pode ser utilizado. Talcomo mencionado anteriormente, na intercomunicação o utilizadordo signo o interpreta previamente em termos da interpretação espe-rada por parte da pessoa a quem ele se dirige. É claro que isso pressu-

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põe a utilização de um esquema interpretativo conhecido por todas as--- ------- - -~-~~p;ssoas en.~.<?b:.cl~;ele iP-cl}Üum...çonjunto compartilh.ado_ct.~a-ções, padronizações e tipificações que pertencem ao corpus da lingua-gem lôrmal, mas tãITiliém;Subcõmurndádeslinguístiéas especíÍlcas.. _ ~ _ __J

Schutz concedeu particular atenção às características intersub-jetivas da intercomunicação indireta, que ocorrem na "vívida pre-sença" das relações face a face. A seleção de textos desse tópico en-

29. o termo intercomunicação pode até soar redundante. Contudo, insistimos emsua utilização para indicar com maior precisão aquilo que Schutz pretendia dizercorn comunicação como uma via de mão dupla, um.verdadeiro intercãl1l~Q,.....c.JlãOluxos unidirecionais, tal cõ'ITioocorre com os meios dccomunicªção_de~5.sa.-- _.O. CL cap. 9 deste livro.

47

Page 23: Schutz Alfred Sobre Fenomenologia e Relacoes Socias

cerra-se com excertos da discussão do autor a respeito da expressãogestual e visual e da comunicação musical. A análise desta última é amais interessante e original de todas as análises de Schutz sobre a in-tercomunicação. Ele próprio era um talentoso musicista, e desen-volveu a partir dessa análise específica o conceito geral de "uma re-lação mútua de afinamento entre o comunicador e aquele a quemeste se dirige" em todas as outras formas de intercomunicação.

Assim como Cooley, Schutz viu nas relações face a face o protó-tipo de todas as relações sociais. ~esmo ássím, ele concede~_grangeatenção às realidades da vida moderna nas quais são formados mui-t~ncul~s de caráter apenas indireto". As relações que ~m~ --desses vínculos também são derivadas e.índiretas. Nessas relações a

oUtra pessoa é percebida apenas ;~; a origem algo remota de umato realizado num passado distante, tal como o escritor do livro queestou lendo neste momento. Relações desse tipo são de uma varie-dade quase infinita.

Todas as relações diretas estão vinculadas a uma situação es:p.e-cífic;:e tornam-se relações indiretas tão logo se encerra O.Qlvolri=.mento f~ face~A ,transição de urna experiênsia dir_~para urnae~ia ii1êl.iretapode ser..gradual: um-amigo queparte é lenta-~--rILt!].teapagado da memória,.ele não desaparece imediatamente.

Tal como Schutz discutiu mais detidamente, as relações indire-tas podem ser classificadas segundo padrões crescentes de anoni-mato. Elas abrangem desde aquelas pessoas que encontrei em al-gum momento e que posso voltar a encontrar até a existência de ar-tefatos que apenas testemunham a existência de seus fabricantesque permanecem desconhecidos.

Schutz chamou de "nossos semelhantes" aquelas pessoas comquem temos, tivemos ou teremos alguma relação face a face. Os se-melhantes são aqueles com quem temos experiência direta: presente,passada ou potencial. Pessoas que coexistem conosco no tempo, mascom quem não travamos relações diretas, são chamadas de nossoscontemporâneos. Nós lidamos com elas apenas em relações-do-Nósindiretas. Nós tomamos conhecimento de nossos contemporâneos

31. Cf capo 10 deste livro.

48

J.,~,,lÚúl., ~'7 ,..J I --

~~.,k-.:.'(ew~ ~\:c) '<, n.&-v? &j..J61_t-.,~_ [dr,. r-:

À-","~.('T·\r·""'t."')~ /

I ",pl'crficos de várias maneiras: lembramos de al~uém que conhece-uius no passado; ~lguém descreve alguma pessoa para nós; em uma

t uação extrema, inferimos a existência de ou tro s apenas a partir deIIhjelos culturais. ~e orientamos nossa condut.a segundo nos~os

011 iemporãneos rem()~os ~ mesmQ-arr§.llifílQS,reâhzamos aquilõ aque Schutz chamou de orientação-pelo-Eles.

Em muitos casos, tal como na utilização de produtos comerciaiso "Eles" permanece completamente nos bastidores. Se é que chega-mos a pensar sobre eles, é apenas em termos de tipos gerais: enge-nheiros da indústria de automóveis, operários da indústria de auto-móveis, e assim por diante. Portanto, tal como afirmou Schutz"quando estou numa relação orientada-pelo-Eles, tenho apl':nas.:ti~p~s' como parceiros". Essas relações consistem na percepção mútuaele "parceiros", ainda que gerais e completamente a~õnimQ.s, comquem temos conexões bastante remotas. -

Schutz designou a esfera total (potencial e real) de relações-do-Eles como o "universo dos contemporâneos". Esse universo é com-plementado pelo "universo de predecessores" e possivelmente tam-bém pelo de sucessores. Relações indiretas não sã-o necessariamentevinculadas à contemporaneidade. O autor do livro que estou lendoagora pode ter morrido há muito tempo; o objeto do qual me ocuponesse momento pode ter sido feito por uma pessoa desconhecida emalgum século passado. Ambos pertencem ao universo dos meus pre-decessores. Ao contrário, eu posso antecipar um universo de SUcesso-res. Assim, uma pessoa que escreve um testamento pode não apenassupor que seus herdeiros imediatos sobreviverão a ele, mas Pode de-cidir que parte de sua herança poderá ser destinada aos filhos ou ne-tos de seus herdeiros, mesmo que eles ainda não tenham nascido.

É claro que o universo dos predecessores é completamente de-terminado. Ele consiste em fatos irrevogáveis que influenciaramnosso presente. O universo dos sucessores, ao contrário, é "não his-tórico e absolutamente livre". Sua antecipação consiste em rnera es-peculação, e não em uma previsão: o futuro não transcorre segundoleis históricas imutáveis.

Ç,om a discussão das relações sociais indiretas adentramos o ter-r~no da macrossociologia',isto é, do "sistema" social de distÜb.mç"iodo trabalho e das funções, da coesão e da manutenção do ~odoe das

_ (F t) r I,· -r .,'_-1i~''''r~Q ) \~Jo:e> r.Q(~.,r.) .)"'17"~

)V\.u~iH? 49

Page 24: Schutz Alfred Sobre Fenomenologia e Relacoes Socias

/r». o /,'P '(.)\.1 ri,

l~íades de--ª.Ç..õ_e~nterações de inúmeros indivídu~. Schutz li-dou com esse aspecto da análise sociológica essencialmente a partirdo ângulo da cogniçâo. Assim, ele estava fundamentalmente preo-cupado com o groblema daS-diÜ;renciacões sociais do conhecimen-to que é parteda diferenciação estrutural da sociedage. Uma seleçãode textospêrtinente a este tópico forma a parte final da seção sobreas relações sociais".

Se rejeitarmos a ideia de que um sistema social é um mecanismogigante e autossuficiente no qual os indivíduos atuam apenas comopeças mecânicas, então vemos surgir a seguinte questão: <:..omoasde-ci.?ões e ações subjetivas dos indivíduos, ~as relações .Qiferencia-

, das, porém sempre limitadas, .Rodem produzir uma "sociedade",~om seu elevado grau de, por assim dizer, coesão eordem? Do pon-

I to de vista da fenomenologia a resposta deve ser buscada nas inten-" ,1 ções e orientações desses indivíduos, guiados por seus conhecimen-r I tos daquelas esferas da vida social que são relevantes para suas pró-

prias existências. Dado 9lle ningué!!!yo~~saber tudo, éj?reciso queexista um acordo e uma combinação do conhecimento ~cial, seg,-men.tãeio, e frequentep.ent&_~go Que 2s !ndt::ídu~po~uem isola-~am~te,""Eiü ~suma, isso é ~ue ~c~hamo~_~e distr~ui~-cialdo conhecimento,

Mesmo no âmbito de Ee91lenas unidades sociais, os~membrosP9sstI"eJJ:lconhecimentos diferentes egI E.el~Ç!~às esfe!:,asde vida dogmpo. AQuilo q~ eks_pªrti1ham..é..par.t~dQ~universQ qpe e_stádentrÕ-do alcance comum". Esse mundo é uma zona de relevâncias sYPy-p~stas:quecmantém fora de alcance uma parse do universo to~ecada indivíduo. Mas aquilo que está ao alcance de todos pressupõeum mínimo de concordância por parte dos indivíduos concernidos.No entanto, esse conhecimento "comum" não precisa ser idêntico emtoda sua extensão e em todos os seus detalhes: ele pode variar do co-nhecimento do senso comum pragmaticamente delimitado de quedispõe o "homem comum" até o conhecimento dos especialistas, Decerto modo, o "cidadão bem informado" ocupa uma posição interme-diária entre os dois. Aquilo que Schutz afirmou sobre as zonas de re-levância aplica-se aqui de uma nova maneira: cada homem, conside-

~

T-I

32. Cf. capo li deste livro.~_. __ .,

50 ~ ctL rv...&vâM(.,,~ 1'.)'tf"/f":lfJ» \,j _J.\ .,:;

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I.uulo sua situação de vida como um todo, aproxima-se da especiali-I'~'I'IOem alguma área; mas ele permanece um "homem comum" em

111\lltasoutras; finalmente, ele também pode esforçar-se para obter'1ll\hecimentos adicionais em algumas outras áreas.

As seções "Ação no mundo da vida" e "O mundo das relaçõesuciais" abrangem os textos mais importantes desta seleção dos es-

I ritos de Schutz. Elas contemplam suas considerações sociologica-l\lente mais relevantes. Juntas, elas oferecem ao mesmo tempo umalbordagem e um quadro interpretativo para o estabelecimento epara o tratamento de questões sociológicas a partir de consideraçõesIcnomenológicas. As duas últimas seções lidam com (1) a relação daprópria Sociologia com o objeto em questão, isto é, o mundo da vida(' (2) os instrumentos e procedimentos teóricos e metodológicos deuma Sociologia assim concebida,

(v) Reinos da experiênciaA força da abordagem fenomenológica reside em seu ponto de

partida: a experiência do mun® da vida Ç.,otidiang..Ao tornar essemundo o ob)etõbáSico da Sociologj-ª-, Schutz não negou a existênciade outros domínios da experiência humana; ele apenas afirmou suainescapável ascendência sobre eles. A própria análise sociológicatranscende essa experiência. Trata-se de um empreendimento me-tassocial enraizado em experiências do mundo da vida, embora otranscenda de alguma maneira.

A, Sociologia, bem como qualquer outra abordagem científicaou racional dos fenômenos da experiência humana comum, não ém~s do CWe uma forma e transcender as "realidades" do mundo <.Wv~. Mas há muitas outras formas. Por essa razão, Schutz estavapreocupado com os ..a~ectos gerais da transcendência da experiên-cia cotidiana33. Por um lado, ele considerou alguns dos meios e ins-trumentos mediante os quais essa realidade pode ser alcançada e ex-plicada. Por outro, a partir de sua análise de alguns reinos de trans-cendência específicos, ele derivou as características básicas de todosos domínios não pragmáticos da experiência, e estabeleceu seu vín-culo geral com o mundo da vida cotidiana.

33. Cf. capo 12 deste livro.s->:51

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Por transcendência Schutz não pretendia se referir a preorupções metafísicas, mas a experiências que vão além do contexto tisignificado total do mundo da vida, e cuja base repousa fora desuhomem aceita como uma verdade inquestionável que o mundo Iexistia antes que ele tivesse nascido, e que continuará a existir ap(sua morte. Ele está convencido da existência de um universo [fsltque é quase atemporal e cuja extensão é praticamente infinita. J\dma de tudo, ele aceita o mundo social como um todo, incluindoaquelas amplas regiões que estarão sempre fora de seu alcance e lisua experiência; e ele aceita sua historicidade, sua extensão no passado e no futuro. Ele geralmente enfrenta essas transcendêncíasconstruindo, ou ac~itando, sistemas ordenados de interpretaçãoacerca dos complexos de significado em questão - "nature~"sociedade" e assim por dIante. Esses "sistemas" interpretativos são emsi mesmos complexos de sig~ificados de uma ordem transcendente;eles possuem caracte~ de "realidades" em si mesmas; a refe-rência a tais realidades demanda a utilização de signos de apresenta-ção de uma ordem mais elevada. Schutz reservou o termo "símbolo"para designar esse tipo de signo.

Nesse caso ele seguiu o filósofo existencialista alemão Karl jas-pers". Qual o significado da concepção de símbolo de Schutz e jas-pers? Um signo comu.m., no sentido da definição apresentadas maisacima", é....wntermo de referência bipolar, formado pelo termo quenomeia a coisa ou evento etc., e a coisa que é nomeada: o nome evo-ca a ideia da coisa; a coisa ou evento evoca o nomi. O próprio nomeé um objeto ou evento no mundo exterior: uma combinação desons, uma palavra escrita, ou qualquer que seja o caso, que se referea outro objeto ou evento no mundo exterior. Contudo, em questõestranscendentais, a "coisa" significa da não está situada nas esferas darealidade experienciada do mundo da vida. O par nome-coisa agorase refere a um terceiro termo, qual seja, a ideia expressa pelo símbo-lo. Ora, como afirmou Schutz, um símbolo é um signo de um signo.

Os reinos do simbolismo podem ser de uma variedade infinita,abrangendo desde o simbolismo religioso até o simbolismo metalin-

34.jASPERS. Philosophie. VoI. 3. Berlim: julíus Springer, 1932, capo 4.

35. Cf. o item (ii), supra.

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Í'ltCilrtlilI"IIl'IonaLmenteconstruídos e estritamente logí-1"111't ,11\Matemática. Entre eles encontramos os reinos

hil ,\11d'l'4 ..•unhos, da poesia e muitos outros. Schutz ilus-I 11\.\1:1111Hlmbóllca entre o homem e o cosmos a partir do\tllll'l tio Yln c Yang, da relação entre sagrado e profano

IHI\hl 1',1l'f.\II,do dualismo entre homem e sociedade expressolIilllitll••lIl1lpotrlico, entre expressão artística e conteúdo na

li [111111knôl11enos da natureza e os "sistemas idealmenteI!I"" 011\I 1('lIda a partir de seus dispositivos metalinguísticos1IIIIIdlIIlt'S'", É característico desse e de outros reinos de sim-

111111"1'I~lvl'isque se refiram a experiências e ideias que não sãolí~I\'ltllll'llICevi.dentes e, portanto, não podem ser apreendidas,

pltl

111111''1ou cxpostas pela combinação nome-coisa que constitui oh&ll\I I 11'''1demandam um esquema de expressão mais complexo.

í h plllllciros textos selecionados oferecem uma exposiçãO maisI(II'IlvlI da concepção de símbolo de Jaspers e Schutz, e ilustram a1111,,\.) ent re áreas universais de simbolização enraizadas nas con-

110,111''0da própria experiência humana, bem como as variedades cul-tlllltl~ de suas expressões. A isto se segue outro conjunto de textos,\11It mia da variedade dos reinos da experiência. WilliamJames foiII 1IIII11CirOa oferecer um tratamento penetrante das "várias ordens,111I(Inlldade" nas quais o homem vive, isto é, sobre os "vários mun-dll~" ou "subuniversos" das experiências humanas

37• Schutz aceitou

I ••MtlSprolíficas sugestões, substituindo a expressão de James por'llllm mais apropriada, qual seja, "províncias finitas de significado",I levando a análise mais adiante, até aquilo a que ele chamou de rei-tIOS ela experiência social. Ele concordou com James que, do pontode vista da experiência individual, cada uma dessas províncias detdgnificado aparece como sendo inquestionavelmente real, mesmo.luando são incompatíveis umas com as outras. James afirmou que,.orno um todo e no longo prazo, os vários subuniversos da realida-de são subsumidos à "realidade suprema das sensações". Schutz

36. Na realidade, Sehutz se baseou nos trabalhos de Mareel Granel, Bruno Snell,Eric Voegelin, T.S. Elliot e Goethe, além de Philipp G. Frank e Herman WeyI. Cf.

1955b, p. 180-183, 190-193.37.]AMES. The PrincipIes ofPsychology. VoI. 2. Nova York: Holt, 1890, eap. 21,

"The Pereeption of Reality", p. 283-324.

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acrescentou que as "realidades múltiplas" das experiências nãopragmáticas são inferiores à "realidade suprema da vida cotidiana"e, em certo sentido, permanecem dependentes dela. Assim, o mun-do dos sonhos é sempre muito intermitente e extremamente diver-sificado; ao acordar, o homem retoma para o mundo da vida diária,que é muito mais contínuo, coerente e duradouro. De modo geral,os fatos e realidades concretos do mundo da vida tendem a se impore a penetrar nos reinos da imaginação, da arte e assim por diante. Noentanto, enquanto duram essas experiências, o seu "estilo" peculiarpredomina: nos sonhos, na imaginação e em todas as experiênciasdesse tipo, as leis, causalidades e contingências da vida cotidianasão suspensas, e enquanto sonhamos e imaginamos nunca desafia-mos essa suspensão. A província do raciocínio científico tambémpossui um estilo característico. Em contraste com os reinos da fan-tasia e da livre imaginação, a "ciência pura" almeja o conhecimentopor si mesmo, e opera segundo seu próprio princípio de racionali-dade. Ela consiste em ações intelectuais finalistas, ainda que nãopragmáticas, que seguem planos sistematicamente estabelecidos esujeitos a rígidos procedimentos e regras da lógica.

Em um estudo ainda não publicado, Die Strukturen der Lebens-welt, Schutz expandiu a discussão sobre a dependência dos outros rei-nos de significado em relação à realidade suprema da vida cotidiana.Na medida em que a imersão em um reino secundário da vida socialé total e o retorno à realidade suprema da vida cotidiana se dá porum "sobressalto" acompanhado por um "choque" de intensidadevariável, qualquer expressão da experiência que acabou de aconte-cer precisa recorrer a meios simbólicos. E esses meios são objetos eeventos que fazem parte da vida cotidiana. Por exemplo, as ativida-des criativas de um artista ocorrem tecnicamente nessa esfera. Aque-le que pinta utiliza telas, tintas, pincéis etc.; aquele que escreve roman-ces ou artigos precisa utilizar papel e instrumentos de escrita. Portanto,ocorre uma espécie de simultaneidade entre os dois reinos de significa-do. Aquilo a ser realizado no reino artístico ou filosófico-científicodeve ser tecnicamente executado com os meios disponíveis no mun-do da vida. Enquanto a atividade criativa ou racional-intelectualestá em curso, a realidade do mundo da vida se impõe quase comoum "sotaque", mas praticamente não é percebida. No entanto, emalguns momentos ela se faz sentir: quando o escritor trabalha, seu

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corpo vai ficando cada vez mais cansado e faminto. Em determinadomomento, a condição física de seu corpo interfere em sua consciên-cia; ele então para e descansa ou come. Ou ele é abruptamente inter-rompido: acabou a tinta de sua caneta; a fita de sua máquina de es-crever ficou gasta; ele usou a última folha de papel que possuía; al-guém entra no ambiente fazendo barulho. Essas realidades do mun-do da vida impõem suas relevâncias, e o fazem sair de seu reino definalidades não pragmáticas. Assim, ele precisa voltar ao mundo davida.

Da mesma forma, outras províncias da realidade permanecem aoalcance da realidade suprema da vida cotidiana, sendo vulneráveis ainterferências, de modo que não podem ser completamente separa-das do mundo da vida. A análise de Schutz sobre os trabalhos dasciências sociais, como será mostrado mais adiante, demonstram queisso se aplica também a elas. Contudo, enquanto áreas de atividadesem curso, elas não possuem apenas o caráter dual descrito acima; elassão conectadas com o mundo da vida também de outros modos.

(vi) A província da SociologiaO último grupo de textos selecionados abrange a visão de

Schutz sobre a Sociologia como uma província de significados do-minada pelo estilo de pensamento filosófico-científico e governadapela busca do conhecimento a respeito de questões sociais".

Na esteira de Max Weber, Schutz foi um expoente da sociologiainterpretativa". No primeiro desses textos, Schutz formula para simesmo a seguinte questão: por que o ponto de vista subjetivo deve-ria ser aquele preferível nas ciências sociais? Ao tratar das escolas depensamento positivistas e behavioristas, que rejeitavam essa visão,le deixou claro que em apenas algumas áreas - não em todas - duas

questões precisariam ser respondidas: (1) O que esse mundo social

B. cr. capo 13 deste livro.9. A expressão sociologia interpretativa foi introduzida por Howard Becker, com o

huuito de caracterizar as várias formas de orientação social que demandavam umalntcrpretação subjetiva dos fenômenos sociais. (Alguns autores, inclusive os tradu-Iores de The Phenol11enology of the Social World, de Schutz, preferem a expressão so-I/%gia il1terpretadora).

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significa para mim, observador?, e (2) O que esse mundo social sig-nifica para o ator observado dentro de seu mundo, e o que ele quisdizer com sua ação neste mundo?

Schutz deixou claro que ele aceitava a ideia de que haveria umconjunto de princípios metodologícos que seriam válidos tanto paraas ciências sociais quanto para as ciências naturais. Mas ele afirmouque os positivistas lógicos não teriam razão em sua afirmação de queapenas os procedimentos específicos das ciências naturais poderiamconstituir métodos verdadeiramente científicos. Ele via o empreen-dimento sociológico como uma "exploração dos princípios geraissegundo os quais os homens organizam suas experiências na vidacotidiana, e especialmente aquelas relativas ao mundo social". Aoelaborar essa ideia, ele sugeriu o modo de utilização do método com-preensivo dentro do quadro geral de uma abordagem sociológicasubjetiva. A compreensão dos significados e motivos dos atores so-ciais observados oferece a matéria-prima para os sociólogos. Estesdevem construir seus conceitos objetivos com base nas tipificaçõesutilizadas por esses atores em suas tarefas cotidianas.

A consideração de elementos metodológicos específicos come-ça com a descrição da "atitude desinteressada do observador cientí-fico", uma parte crucial do estilo de investigação científica. Essemomento é seguido pelo tratamento da formação dos construtos so-ciológicos segundo regras de relevância sociológica, a maior partedas quais postula consistência lógica, interpretação subjetiva, ade-quação e racionalidade. Uma discussão acerca das razões e funçõesda adaptação de modelos de ação racional por parte da sociologia sesegue a isso.

Modelos de ação devem ser complementados por tipos ideais deconduta humana. Uma dentre as duas classes de tais tipos compre-ende (1) o significado objetivo preexistente dos contextos de ação;(2) os processos resultantes da ação; (3) os próprios cursos da açãoe (4) os objetos reais ou ideais, na medida em que sâo resultados daação humana. Esses são "tipos de curso de ação", e incluem tipos deresultados e produtos de cursos de ação finalizados. Uma segundaclasse de tipos de conduta humana compreende tipos ideais de ato-res, ou tipos ideais pessoais. Ambos são estreitamente relacionados.Mas, para certos propósitos, tipos de curso de ação podem ser utili-

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zados e construídos de forma independente dos tipos de atores sociais.Tipos ideais pessoais, por sua vez, permanecem vinculados aos ti-pos de curso de ação correspondentes.

Schutz descreveu os tipos ideais pessoais corno bonecos criadospelos sociólogos; eles possuem apenas aquelas características que osociólogo quer investigar. Os bonecos entram em açâo a partir deuma experiência do pensamento. Qualquer forma pura de motiva-ção pode ser estudada dessa maneira. Além disso, Schutz sugeriu acriação de tipos ideais habituais, nos quais as motivações pessoaissão substituídas por padrões de comportamento cristalizados social-mente. Finalmente, ele concedeu particular atenção aos tipos ideaisde coletividades, de línguas e de objetos culturais em geral. Portan-to, paralelamente a seu tratamento das relações sociais entre con-temporâneos, ele deslocou as fronteiras de sua tipologia do nívelmicro para o macrossociológico.

As principais preocupações de Schutz eram teóricas e metodo-lógicas. Mesmo assim, alguns aspectos de sua teoria se aproxima-ram da crítica literária, da interpretação sobre a música, da teoriapolítica, da sociologia do conhecimento, da pesquisa sociológica edos problemas sociais 40 É difícil categorizar esses ensaios. O profes-sor Arvid Brodersen (Oslo), editor do segundo volume dos CollectedPapers, reuniu-os sob o título de "Teoria aplicada". Brodersen apon-tou que esse termo poderia ser mal-interpretado, ou ainda podería-mos substitut-lo pelo termo "estudos emptricos''. Com essa expres-são ele quis designar "o uso da teoria para uma interpretação maisadequada da realidade social" e urna "aplicação do pensamento filo-sófico à interpretação da sociedade?". Essa descrição é adequada,mas deveria se acrescentar que os ensaios sob consideração variam

40. Cl. os seguintes itens apresentados nas Referências: 1955a, 1951b e 1956a,1952,1946,1944, 1945a e 1957a.

41. "Editor's Note", Collected Papers Il: ix. A segunda parte desse volume contémtodos os ensaios listados na nota acima, acrescido de dois outros itens. Um é umtexto bastante breve, "Some Equivocations in the Notion of Responsabiluy" e ou-tro ensaio chamado "Tiresias or Our Knowledge of Future Events" (1959). Essacontribuição parece ter sido mal-alocada. Ela contém investigações básicas sobre ascaracterísticas da previsão na vida cotidiana e, como tal, deveria pertencer à exposi-ção da estrutura cognitiva do próprio mundo da vida.

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enormemente no que diz respeito à sua aproximação com preocu-pações empíricas (o termo "ernpírico" tomado no sentido mais am-plo). No entanto, todos eles exemplificam procedimentos corretos.Enquanto todos utilizam quadros de referência construídos a partirde fragmentos da teoria sociofenomenológica de Schutz, eles simul-taneamente testam pressupostos teóricos e insights que, por sua vez,levam ao refinamento crítico e à ampliação da teoria.

O último grupo de textos selecionados" é oriundo de duas fon-tes. Uma delas é o ensaio "Equality and lhe Meaning Structure of theSocial World". Escrito em 1957, ele reflete a preocupação de Schutzcom os problemas da igualdade racial nos Estados Unidos. Essenci-almente, ele lida com os sigmficados atrelados aos slogans e objeti-vos dos esforços práticos para resolver o principal problema socialdo país, e com as possibilidades e limitações das soluções aspiradas.A outra é seu ensaio "The Hornecomer", uma fascinante elucidaçãodos problemas enfrentados por um soldado que volta da guerra.Sem dúvida, Schutz estava inspirado por sua experiência pessoal naÁustria após a Primeira Guerra; mas os soldados que voltavam aosEstados Unidos após ter lutado na Segunda Guerra encontravam-seem uma situação basicamente semelhante. O ensaio demonstra apossibilidade de uma psicologia fenomenológica voltada aos tiposde experiências humanas fundamentais sob condições variadas".

(vii) A Sociologia faz sentido

Ao contrário de algumas importantes figuras da teoria socioló-gica moderna, tais como Pitrim Sorokin ou Talcott Parsons, Schutznão desenvolveu um sistema teórico substantivo coerente. Ele subs-creveu à visão de Weber de que, em princípio, os processos da vidasocial e da história são inesgotáveis. Mas ele estava fundamental-mente preocupado com os "problemas" intelectuais - no sentidogenuinamente filosófico - que emergiam da e na atividade socioló-

42. Cf. capo 14 deste livro.

43. O recente trabalho de alguns psicólogos sociais americanos, tal como o de Ha-rold Garfinkel, possui alguma relação com a teoria de Schutz, abrindo caminhopara possibilidades empíricas mais amplas para essa abordagem como um todo.

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gica, OS quais geralmente repousavam sobre pressupostos não ques-tionados segundo os quais operam a maioria dos sociólogos.

Em grande parte, as contribuições de Schutz tratam dos funda-mentos da disciplina e atingem profundamente o reino metassocioló-gíco". Mesmo assim, ele não se considerava um especialista em me-tassociologia. Sua preocupação com os fundamentos levou-o direta-mente para áreas da metodologia sociológica. Finalmente, ele envol-veu-se em pesquisas substantivas, principalmente teóricas, mas tam-bém em algumas de caráter empírico. Assim, sua obra abrange contri-buições a essas três diferentes áreas da província das ciências sociais:metassociologia, metodologia e sociologia substantiva.

Seu grande interesse era voltado para o estabelecimento, defini-ção e interpretação do objeto da Sociologia. Trinta e cinco anos an-tes dele, Durkheim formulou a pergunta crucial: QBue é um fato so-cial? Inspirado por Husserl e Weber, Schutz reformulou essa per-gUÍita: Qual é a realidade social com a qual os socjólogos devem seocupar? ~ssim como Durkheim, ele buscou a resposta nas esferasda consciênCla humana, na mente do homem. Ao contrário deDurkhelm, ele nao tratou os fatos dessa realidade como "coisas" quepossuem um caráter coercitivo. Em vez disso, ele entendia essa rea-lidgde como algo criado pelo homem a partir de suas experiênciasintersubjetivas. É claro que tipificações linguísticas e normas e defi-nições culturais fazem parte da imagem do mundo social que o indi-víduo possui, e operam como tijolos para essa construção, além deconferir a ela coerência e uniformidade suficientes para possibilitaro entendimento mútuo e a interação significativa. No entanto, oselementos coletivos nas orientações humanas não ~liminam nem a

44. O termo Metassociologia possui diversas conotações. No contexto da presenteexposição, significa uma preocupação sistemática com questões anteriores à Socio-logia em termos lógicos, como, por exemplo, aquela que diz respeito aos interessessubjetivos e orientações valorativas preexistentes que motivam uma pessoa (1) aachar que a Sociologia é um empreendimento válido ao qual ela deve se engajar e(2) a selecionar áreas, tópicos e problemas específicos para seu trabalho sociológi-co. Essas preocupações subjetivas estavam muito presentes em Max Weber quandoele desenvolveu sua concepção de "neutralidade axiológica". Schutz focou sobreoutra área das decisões metassociológtcas, embora relacionadas a esta: a delineaçãodo objeto da sociologia.

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espontaneidade individual ou a volição, tampouco evitam interpre-tações IdlOssmcráticas das tipificações e defimçõeS culturais. Essaconcepção de realidade social oferece a mais radical e consistentejustificativa para considerar a sociologia como uma disciplina inte-lectual sui generis; com ela foi possível estabelecer uma linha de basebem definida para abranger todos os fenõmenos sociais.

As concepções metodológicas de Schutz são decorrentes de suadefinição de qual é o objeto da Sociologia. EnquaDto esta CQDs.tituiuma província de significado específicá, separada do mundo da vidacotidiana especialmente em virtude de seu estilo cognitiv~-dades que constituem seus procedimentos - que vão da obser~ãoà conceituação e tipificação - são em si mesma:; modeladas somente~a ocorrência de processos gue têm lugar nos reinos das expe-I!tncias imediatas do mundo da vida.

As contribuições mais substantivas de -Schutz são de naturezateórica e consistem essencialmente em quadros conceituais e dispo-sitivos tipológicos desenvolvidos a partir de sua análise dos proces-sos fundamentais que ocorrem no mundo da vida. Isso inclui, entreoutras coisas, seu tratamento da motivação e da projeção, bemcomo o decorrente refinamento do modelo weberiano de ação e in-~ial; sua exploração dos processos de tipificaçáo dentro devários conjuntos de relações sociais e das formas linguísticas conco-mitantes de sua expressão e estabilização; os vínculos entre estereó-tipos de atores sociais e a teoria dos papéis; sua fundamentação deuma ~ociologia do conhecimento que tem como ponto de ~ ocpubecimento do senso comum a respeito do mundo da vida cotigia-na e os processos cognitivos que são estabelecidos e aplicados, e queabrem ~pos de mvesngação ainda ínexplorados, tal c~o o dadistribuição social do conhecimento. Muitos dos escritos de Schutz~ .

possuem uma importância empírica direta. Neles ele aplicou váriasconcepções sociofenomenológicas a uma vasta gama de assuntos.Por conseguinte, mostrou que essas concepções podiam lançar umanova luz a fenômenos e experiências sociais bastante conhecidos.Ao mesmo tempo testou aspectos de sua teoria ao confrontá-Ioscom fatos. E, finalmente, essas confrontações contribuíram para orefinamento dos próprios conceitos.

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No passado, essas contribuições foram amplamente ignoradasou consideradas lunáticas ou ainda, na melhor das hipóteses, tidascomo sendo parte da periferia da disciplina sociológica. Mas Schutznão era sectário. Acima de tudo, ele avaliava os resultados de suaspróprias investigações com aquela reserva que é inerente a toda ati-rude verdadeiramente científica. Para ele, elas eram apenas "válidasaté que se mostre o contrário". Afirmou repetidamente a seus estu-dantes que, enquanto estivesse certo de ter feito as perguntas corre-tas, ele não estava certo de ter encontrado as respostas certas. Eleconsiderava a si mesmo como um sociólogo que fazia parte de umatradição sociológica mais ampla, tanto europeia quanto americana,ocupando um lugar entre os sociólogos contemporâneos.

Portanto, ele nunca negou sua dívida teórica para com Max We-ber e os primeiros expoentes das Geistwissenschaften alemãs. Domesmo modo, ele rendeu homenagens a Georg Simmel, a despeitode suas bases neokantianas; assim como a Émile Durkheim e seusalunos, embora não concordasse com suas inclinações positivistas.Dos funcionalistas ingleses, quem lhe interessou particularmentefoi Bronislaw Malinowky. Nenhum desses cientistas sociais eramfenomenólogos, e alguns deles eram indiferentes à própria aborda-gem subjetiva.

Os vínculos de Schutz com os pensadores americanos do passa-do ou do presente eram igualmente amplos. Tal como já mostradoaqui, ele aceitou várias contribuições oferecidas por figuras tão di-ferentes como William James, John R. Dewey, George H. Mead,William G. Sumner, Charles G. Cooley e William I. Thomas. Seuprimeiro empreendimento teórico após sua chegada aos EstadosUnidos foi investigar os fundamentos do estudo de Parsons, TheStructure of Social Action. Mais tarde ele iniciou um diálogo com ho-mens tais como Robert M. Maclver, Howard Becker e Edward Shils.Se ele não chegou a ter familiaridade com a obra de autores comoRobert E. Park, Florian Znaniecki e Pitrim Sorokin, não foi em vir-tude de qualquer atitude sectária, mas somente por causa de suaspesadas obrigações profissionais fora do mundo acadêmico.

A presente seleção dos textos de Schutz é oferecida com o mes-mo espírito com o qual ele as escreveu: não como as pedras funda-mentais de um sistema particular, mas como contribuições para

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uma tradição sociológica bem estabelecida, embora não universal.Essa tradição, incorporada em várias abordagens, toma como pontode partida os atores sociais que constituem a sociedade, em vez desistemas e instituições sociais que são produtos de suas atividades.Sem negar a importância das preocupações macrossociologjças,Schutz estendeu a abordagem de Weber ao reino sociopsicológic<?-'"especialmente nesse reino gue sua obra pode se tornar importantepara os expoentes das abordagens subjetivas recentemente revitali-zadas da sociologia e da psicologia social americanas, de_ntre~ointeracionismo simbólico. Espera-se que o presente volume inspirediscussões críticas e investigações sobre as principais questões colo-cadas por Schutz. Sua obra coloca-se diante de nós não como umcorpo de teoria acabado, mas como um incansável esforço de umamente excepcional. Ela constitui um desafio.

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IFundamentosfenomenológicos