schenberg feynman e a fisica no brasil a. o. bolivar

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I. A Essência da Física Galileu, Descartes, Leibniz, Newton, Boltzmann,Einstein, Planck, Heisenberg, Pauli, Bohr, Born, Dirac, etantos outros, nos revelaram facetas da essência da

Física, qual seja, a criatividade científica em que aimaginação criadora guia a descoberta científica emdireção à compreensão dos fenômenos físicos daNatureza. Como conseqüência desse processo criativo,conceitos científicos, tais como o de espaço, tempo,matéria e probabilidade, emergem em Física Clássica,Física Quântica e Física Relativística, dotando a Ciênciade uma vigorosa e rigorosa estrutura teórica capaz deinterpretar e também de modificar o mundo. O ladoluminoso da Física jaz nas idéias prolíficas sobre opapel das matemáticas nas ciências. O lado obscuro éque a Matemática não é tão abstrata e pura comoaparece aos ingênuos. Em certo sentido, somente combase nas idéias de Galileu e Einstein foi possível tantoo desenvolvimento do mundo maravilhoso datecnologia moderna, como também a fabricação e olançamento de bombas atômicas no Japão, porexemplo.Mas concentremo-nos na vertente reluzente da Físicaa fim de nos lançarmos, em primeira aproximação, àobra científica do físico brasileiro Mário Schenberg-também conhecido como Mário Schönberg.

II. Perfil científico de Mário schenberg: criatividade

em vez de produtividade

Entre sua primeira publicação internacional em 1936,com 22 anos, e sua última publicação em 1977, aos 63

anos, Schönberg publicou cerca de 90 artigoscientíficos nas áreas da Física Clássica, da FísicaQuântica, da Teoria da Relatividade Especial e Geral,como também da Física-Matemática (álgebras deGrassmann aplicadas a fenômenos físicos, por

exemplo).Na Il Nuovo Cimento, Schönberg publicou 23 artigosentre os anos de 1936 e 1957, período em que estarevista de Física detinha um grande prestígio nacomunidade de físicos européia:1. Sull´ interazione degli elettroni (1936);2. Mechanism of the loss of energy by collisions in amaterial medium (1951);3. Sur la theorie des perturbations en mecaniquequantique (I): Spectrus discontinus (1951);4. Sur la theorie des perturbations en mecaniquequantique (II): Spectrus continus et mixtes (1951);

5. Physical applications of the resolvent operators (I):On the mathematical formalism of Feynman´s theoryof the positron (1951);6. On the general theory of damping in quantummechanics (1951);7. The theory of ionization and the emission of Cerenkov radiation (1952);8. Ionization loss at relativistic energies andpolarization effects (1952);9. Ionization at relativistic energies and polarizationeffects (1952) [com M. Huybrechts];10. Possible example of a new mode of disintegration

of the neutral meson (1953) [com S. Goldsack e G.Vanderhäghe];

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“uma das razões por que ensinar Ciência é

gerar cientistas que não apenas contribuam

 para o desenvolvimento da indústria, mas

também contribuam para o desenvolvimento

do conhecimento, alegrando outros nesta

grande aventura dos nossos tempos” 

(Feynman).

11. Application of second quantization methods to theclassical statistical mechanics I. (1952);12. Application of second quantization methods to theclassical statistical mechanics II. (1953);13. Generalization of the quantum mechanics (1953);14. A general theory of the second quantizationmethods (1953);15. Generalization of the classical field formalism bymeans of functional (1953);

16. A statistical generalization of the quantummechanics I (1953);17. A non-linear generalization of the Schrödinger and Diracequations I (1954);18. A non-linear generalization of the Schrödinger and Diracequations II (1954);19. On the hydrodynamical modelof the quantum mechanics (1954);20. Simple solutions of thegeneralized Schrödinger equations (1954);

21. Simple solutions of the generalized Schrödingerand Dirac equations (1954);22. Vortex motions of the Madelung fluid (1955);23. Quantum kinematics and geometry (1957).

Na Physical Review, quando esta publicação começavaa se despontar como uma das mais influentes revistascientíficas do século XX, Schönberg publicou 11 artigosentre 1940 e 1948:1. Possible role of neutrinos in stellar evolution (1940)[com G. Gamow];2. Ray selection rules and the meson theory (1939);3. Possible role of neutrinos in stellar evolution (1940);4. Angular momenta of gravitational fields (1941);5. On the theory of integer spin mesons (1941);6. Neutrino theory of stellar collapse (1941) [com G.Gamow];7. The electron´s self energy (1945);8. The radiation field of the point electron (1945) [comJ. Leite Lopes];9. Classical theory of the point electron (1945);10. Quantum theory of the point electron (1948);11. Elimination of divergence in the meson theory(1948);Na Physica, revista holandesa de certo prestígio

internacional, publicou dois artigos:1. Relativistic commutation rules in the quantumtheory of fields I. (1938);1. Relativistic commutation rules in the quantumtheory of fields II. (1938).Na Astrophysical Journal-- com o ganhador do PrêmioNobel de 1983, S. Chandrasekhar, por seus estudossobre a estrutura e evolução das estrelas-- publicouSchönberg, em 1942, o artigo: On the Evolution of themain sequence stars.

Na Nature, um artigo visando ao grande público veio

a lume no ano de 1949, escrito juntamente com M.Cosyns, C. C. Dilworth e G. Occhialini: Double starswith relativistic particles from cosmic rays.Na Rendiconti della R. Acad. Naz. Dei Lincei, forampublicados 3 artigos sobre física-matemática:

1. Sulla funzione di Dirac I. (1937);2. Sulla funzione di Dirac I. (1937);3. Sopra una clase di equazoni funzionali (1937).

Em outras revistas européias, como a italiana RicercaScientifica, publicou-se um artigo sobre radiaçãocósmica: Processi moltiplicative della radiazonicósmica nell´atmosfera (1938); na francesa ComptesRendus Academie de Sciences (Paris), o artigo

Equation relativistes du premier ordre en mecaniquequantique (1939); na outrafrancesa Journal dePhysique et le Radium:Regles relativistes decommutation dans latheorie quantique deschamps (1940). Ao passoque na revista belgaAcademie Royale deBelgique (Bulletin de la

Classe de Sciences) apareceram dois artigos sobre a

resolução da equação de Fredholm:1. Sur La methode d´interation de Wiarda et Bücknerpour la resolution de l´equation de Fredholm I.(1951);2. Sur La methode d´interation de Wiarda et Bücknerpour la resolution de l´equation de Fredholm II.(1952).Por fim, na Acta Physica Austriaca foi publicado Timeand mass in relativity (1973).Com um artigo convidado Quantum theory andgeometry, Schönberg participou do Max PlanckFestschrift em 1958, ao passo que no InternationalConference of Physics, em Kiev, contribuiu com umartigo sobre a extensão do princípio de exclusão dePauli: On a super exclusion principle (1959). Já nosProceedings of the International Conference onElementary Particles, em Kyoto, no Japão, o artigointitulado On the geometric nature of the electriccharge and isospin (1965) foi apresentado. NosProceedings of the Physical Society apareceu apublicação conjunta: The decay and capture of-mesons in photographic emulsions [com M. Cosyns,C.C. Dilworth e G. P. S. Occhialini].Em revistas brasileiras e sul-americanas, Schönbergdepositou a confiança de quase 50% de sua publicação

científica. Talvez por sua visão ingênua de que seriapossível fazer despontar na América Latina uma físicaque pudesse ombrear aos grandes centros da Europa edos EUA. Nos Anais da Academia Brasileira deCiências, Schönberg publicou:1. Sobre uma componente ultra mole da radiaçãocósmica (1939);2. Equações inhomogêneas de movimento emmecânica quântica (1939);3. Sobre a existência de monopolos magnéticos(1939);4. Equações relativistas de movimento de primeira

ordem em mecânica quântica (1939);5. Sobre uma componente ultra mole da radiaçãocósmica I (1939) [com G. Occhialini];6. Origem da componente dura da radição cósmica(1940);

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7. Sobre a equação dos dielétricos reais (1940) [comAbrahão de Morais];8. Sobre uma componente ultra mole da radiaçãocósmica II (1940) [com G. Occhialini];9. On the theory of multiplicative showers (1940);10. Princípios de uma teoria das funções de Green I.(1941);11. Sobre uma extensão do cálculo espinorial. I (1941);12. Sobre uma extensão do cálculo espinorial. II

(1943);13. Sobre o invariante integral de Cartan.(1944);14. Sobre um princípio variacional da dinâmica. I(1944);15. Teoria do elétron puntiforme (1944);16. Sobre um princípio variacional da dinâmica. II(1945);17. A ‘self-energy’ do elétron (1945);18. Condições para a existência do potencial I. (1945).[com W. Schützer];19. Condições para a existência do potencial II. (1945)

[com W. Schützer];20. Estados de energia negativa do elétron (1946);21. Sobre a teoria do elétron puntiforme (1946);22. Quantum theory of the point electron (1946);23.Classical theory of charged point particles withdipole moments (1947) [com C. Lattes e W. Schüter];24. Quantum theory of the point electron. IIa (1948);25. Quantum theory of the point electron. IIb (1948);26. On the Grassmann and Clifford algebras. I (1956);27. Quantum mechanics and geometry. I (1957);28. Quantum mechanics and geometry. II (1958);29. Quantum mechanics and geometry. III (1958);

30. Quantum mechanics and geometry. IV (1958);31. Quantum mechanics and geometry. V (1958);32. Formal series and distributions (1959) [comCarmen L. R. Braga];33. On the Grassmann and Clifford algebras. II (1960);

Na revista Summa Brasiliensis Mathematicae:Classical theory of the point electron. I (1946);Classical theory of the point electron. II (1946);enquanto na Summa Brasiliensis Physicae: TheHamiltonian formalism of relativistic dynamics (1947).Na Revista Brasileira de Física (hoje, Brazilian Journalof Physics): Electromagnetism and gravitation (1972);

Causality and Relativity (1977).Finalmente, na Revista Unión Matemática Argentina,os seguintes artigos apareceram: Las funciones deGreen de las ecuaciones de Klein—Gordon (1947);Onthe Clifford and Jordan—Wigner algebras (1960) [comA. L. Rocha Barros].

Durante suas estadas na Europa e nos Estados Unidos,esteve Mário Schönberg em contato científico comeminentes físicos do século passado, tais comoWolfgang Pauli (Prêmio Nobel de Física em 1945),Subramanyan Chandrasekhar (Prêmio Nobel de Física

em 1983), Ilya Prigogine (Prêmio Nobel de Química em1977), Enrico Fermi (Prêmio Nobel de Física em 1938),Joliot-Curiè (Prêmio Nobel de Química em 1935), JeanBaptiste Perrin (Prêmio Nobel de Física em 1926), e onão menos importante físico russo George Gamow.

Vale ressaltar que durante seus mais de 40 anos devida científica, Schönberg publicou apenas 16 artigos(16%) com colaboradores: com M. Huybrechts (1),com S. Goldsack e G. Vanderhäghe (1), com G. Gamow(2), com J. Leite Lopes (1), com Chandrasekhar (1),com M. Cosyns, C. C. Dilworth e G. Occhialini (2), comG. Occhialini (2), com Abrahão de Morais (1), com W.Schützer (2), com C. Lattes e com W. Schützer (1), comA. L. Rocha Barros (1), e com Carmen L. R. Braga (1).

Sozinho, publicou a maioria de seus artigos (84%),desenvolvendo linhas de pesquisa própria nas áreas daFísica (Físicas Quântica e Clássica e RelatividadeEspecial e Geral) e da Matemática (álgebras e análisefuncional). Embora suas idéias não tenham sedestacado, como as de Pauli, Fermi, Einstein,Heisenberg, Bohr, Born—os expoentes da física doséculo XX-- Schönberg visou durante sua vida científicaa contribuir de modo original para o avanço daCiência, em particular da Física. Seu brilho científico foimanter acesas as labaredas da essência da Física,segundo a qual a verdadeira contribuição à Física é

aquela que tem o propósito de desenvolver acriatividade científica por meio de idéias férteis:“Fermi não era muito favorável à publicação de

trabalhos. Achava que a pessoa devia publicar muito

 pouco. Devia, sim, ter muitas idéias e guardá-las,

escritas, em sua gaveta, e não publicá-las à toa. Devia

 publicá-las apenas quando fossem ajudar o

desenvolvimento da Ciência” (Schönberg).O importante, portanto, é ser criativo e não produtivo.Primeiro vem a qualidade da produção científica e nãoa quantidade de artigos publicados.Em linhas gerais, a atividade científica de Mário

Schönberg manifestou-se na ênfase dada àcriatividade que se materializa na procura pelaoriginalidade, autonomia e independência científicas.Queremos registrar que, apesar de ser inevitávelassumir um certo grau de arbitrariedade aoestabelecer critérios de avaliação e de julgamento,sustentamos o  posicionamento de que talarbitrariedade possa ser diluída associando-a a noçõesde objetividade, realismo e racionalidade.Devemos, pois, avaliar a obra científica de Schönbergsegundo parâmetros racionais, objetivos e realísticos.Apenas critérios baseados na essência da Física

(criatividade científica), a originalidade e o alcance desuas idéias poderão emergir, ser devidamenteanalisadas e servir de fonte de insights para a novasgerações de físicos. Este empreendimento,pretendemos realizar em futuras publicações, tendocomo base a recente publicação de sua obra científicapela Editora da USP.

III. Feynman

Richard Feynman (1918-1988)-- ganhador do PrêmioNobel de Física em 1965, juntamente com Sin-ItiroTomonaga (1906--1979) e Julian Schwinger (1918--

1994), por seus trabalhos fundamentais emeletrodinâmica quântica tendo profundasconseqüências para a física das partículas elementares— passou o ano de 1951 em licença sabáticapesquisando no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas

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“Deve-se procurar estudar em livros escritos

por grandes cientistas. Os livros didáticos, em

geral de autores norte-americanos, contêm

informações esgotadas. O conceito científico é

uma idéia viva, tem uma certa dinâmica

própria, impossível de ser passada através doslivros didáticos. Criar também requer uma

certa audácia: pensar por conta própria e não

simplesmente imitar o que está na moda e

fazer o que todos os outros estão fazendo. 

(CBPF), no Rio de Janeiro, a convite de José LeiteLopes, um dos fundadores desse instituto de pesquisaem 1949.Em 1963, Richard Feynman arrolou algumas razõespor que é importante ensinar Física. Dentre elas,destacou que“uma das razões por que ensinar Ciência é gerar 

cientistas que não apenas contribuam para o

desenvolvimento da indústria, mas também

contribuam para o desenvolvimento do conhecimento,

alegrando outros nesta grande aventura dos nossos

tempos” (Feynman).

Com base nisso, o diagnóstico de Feynman foi de quena América Latina (no Brasil, em específico) não seensinava Física.

IV. A decoreba:

Feynman aponta a decoreba como a principal causaque desvirtua a finalidade do ensino das Ciências nosistema educacional brasileiro. Decoreba significa,

simplesmente, o fato de o aluno estudar para fazerprovas. Faz muito tempo que o vestibular é o símboloda decoreba. É fácil constatar que tanto escolaspúblicas quanto particulares, como também oschamados “cursinhos de pré-vestibular”, são especializadosem transmitir táticas e macetesdestinados a facilitar o ingressode alunos nas universidades.Uma vez na universidade, oestudante é obrigado asubmeter-se a váriosvestibulares internos a fim depassar em uma miríade dedisciplinas estéreis (Física I, II, IIIe IV; Cálculo I, II e III, etc).Para termos uma idéia, emmédia um estudante nagraduação submete-se a cercade 120 avaliações escritas. Nãobastasse essa enxurrada de provas, o Governo Federalinstitui vários sistemas artificiais de avaliação como oEnade (o antigo Provão) e o Enem.O mais importante a ser questionado é o que subjazabscôndito a essa cultura de avaliação no sistema

educacional brasileiro. O que é decorado? “Oconhecimento livresco” de baixa qualidade que sepropala nas universidades brasileiras (USP, UnB, UFRJ,Unicamp, por exemplo) é baseado em livros deautores com pouca ou nenhuma expressão na Física,tais como a dupla country Halliday&Resnick,Goldstein, Jackson e outros. Esses apresentam umafísica em que se privilegia o adestramento para aresolução de exercícios (já resolvidos) a seremposteriormente cobrados pelos nossos professores emsuas “LISTINHAS DE EXERCÍCIOS” ou em suas“PROVINHAS”. Assim, é fácil constatar que não se

estimula a criatividade científica em nossosestudantes. Schönberg, por sua vez, destaca que oautêntico ensino de Física deve ser guiado pela leituradas obras originais dos grandes físicos, que são fonteinesgotável de criatividade científica:

“Deve-se procurar estudar em livros escritos porgrandes cientistas. Os livros didáticos, em geral deautores norte-americanos, contêm informaçõesesgotadas. O conceito científico é uma idéia viva, temuma certa dinâmica própria, impossível de ser passadaatravés dos livros didáticos. Criar também requer umacerta audácia: pensar por conta própria e nãosimplesmente imitar o que está na moda e fazer o quetodos os outros estão fazendo.

Se alguém deseja saber sobre a Mecânica Quântica,por que não ir diretamente ao livro de Dirac, ao invésde começar a ler introduções à Mecânica Quântica depessoas que não a entenderam? Esses livros contêmpura Matemática.Questões, por exemplo, de como se encontram osauto-valores da Equação de Schrödinger têm, emgeral, nesses compêndios, destaque especial. Isso nãoé Física, é Matemática. Mas se se quer obter o espíritoda Mecânica Quântica, como ela se formou, seriamelhor que se lesse Dirac. Lendo os originais econhecendo esses grandes cientistas, descobrimos

aspectos interessantes.É fabuloso estudar a História da Ciência a partir dosescritos originais de grandes cientistas. Os compêndiossão sofríveis e chegam até a alterar o pensamento do

cientista, para adequá-lo auma apresentação didática.Tive um professor deMatemática que sempre medizia: quer saber Matemática,vá ler os trabalhos originais deMatemática. Não leia oscompêndios. Nas obras

originais se compreende o queé incompreensível noscompêndios, que castram opensamento, vulgarizando-o. Anão ser que o compêndio sejacomo o livro de Dirac, sobreMecânica Quântica, em que,da primeira à última página

relata suas vivências, pois ele realmente vivenciou oscálculos e participou da criação da Mecânica Quântica.Se estudarmos profundamente, e não nos compêndiosde Física, a História da Ciência, Teremos as maiores

surpresas. Eu sempre recomendo na História daCiência que se procure verificar quais foram realmenteas idéias germinais. “É preciso ler, sempre quepossível, os escritos originais” (Schönberg).A tentativa de se compreender os artigos originais dosimportantes físicos, aqueles que fizeram realmentecontribuições originalmente criativas à Física, comotambém o contato com a física fenomenológica, sãoos verdadeiros meios para fazer aflorar a criatividade ea formação de uma mentalidade autenticamentecientífica. Infelizmente, é fácil notarmos recém-formados, e mesmo professores, que nunca leram e

 jamais compreenderam os artigos e livros originais emque se encontra a verdadeira Física. De fato, para queserve ler, entender e compreender os artigos deEinstein, Planck, Bohr, Heisenberg, se eles não sãoadequados ao esquema de estudar para fazer provas?

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Esse tipo de ensino, baseado na decoreba, rejeita aimportância dos aspectos históricos e filosóficossubjacentes ao pensamento dos grandes físicos. Poroutro lado, não revela a utilidade da Física emaplicações técnicas e tecnológicas a serem criadas edesenvolvidas por brasileiros. Essas preocupações sãodeixadas para os países do chamado Primeiro Mundo.Não é apressado concluirmos que na graduação oestudante vê a Física como uma pseudociência. Por

conseguinte, uma vez no Ensino Médio, o que cadaprofessor ensina? Simplesmente, segue-se o ritual damediocridade: estuda-se para fazer provas. Forma-se,dessa forma, o seguinte círculo vicioso: professoresruins das universidades gerando professores ruinspara o Ensino Médio que, por sua vez, reproduzemalunos meros fazedores de provas.  Dessa forma,concluímos que o ensino atual de Física consiste em“instrumentos de massificação, desestimulantes da

inteligência. Substitui-se o trabalho criativo pelo não-

criativo” (Schönberg).Em uma nota, feita no final da década de 1980, sobre

a sua experiência de ensinar Física no Brasil, Feynmanresumiu o nível do sistema educacional brasileiro: “Oprincipal objetivo da minhaconferência é que no Brasil não seensina nenhuma ciência! (...) nãoconcebo que alguém possa sereducado num sistema deautotransmissão, no qual as pessoaspassam em exames e ensinam outrasa passar em exames, mas ninguémsabe nada” (in Está a brincar, Sr.Feynman? Gradiva, 1988, pp.203--

211).

V. A estrutura burocrática das

universidades brasileiras

Uma outra razão, dada por Feynmane Schönberg, por que não se ensinaFísica no Brasil é a excessiva estruturaburocratizante inerente às universidades, tais como oamericanizado sistema de créditos e as avaliações, quedão origem a um ambiente universitário pobre eestéril em que ocorre um lamentável fenômeno: aseparação do ensino da pesquisa. A Graduação é

destinada ao ensino, ou a algo parecido com isso, aopasso que o Mestrado é visto como uma preparaçãopara a pesquisa (defende-se aqui uma meradissertação de mestrado). O Doutorado, por sua vez,visa à pesquisa enquanto o Pós-doutorado serve comoum catalisador para amenizar o problema daquantidade de recém-doutores que não possuememprego.Nas universidades, de um lado, encontram-seprofessores que dão aula copiando no quadro o que jáestá escrito nos livros-textos, usando métodos antigos(giz e saliva) ou dispositivos eletrônicos de última

geração (notebooks). Do outro lado, os estudantesficam assistindo, geralmente inertes, às tediosas aulase copiando o que já está escrito nos livros-textos.Verifica-se, assim, que o ambiente universitário épermeado de procedimentos artificiais e inúteis, em

que geralmente não se transmite nenhuma Ciência,como já constataram Feynman e Schönberg.As discussões entre os estudantes versam sobre asquestões das ‘’LISTINHAS DE EXERCICÍOS’’ que valemalguns pontinhos na nota final ou sobre as questõesque caíram ou vão cair nas provas. Ademais, as aulassão ministradas, em geral, para uma multidão dealunos, como se estivéssemos assistindo a um cultoevangélico. Esse é, lamentavelmente, o ambiente

universitário.Textos valiosos de Einstein, Feynman, Bohr, Bohm,Prigogine, Schönberg, Feynman simplesmentepermanecem ignorados e intocados nas bibliotecaspela maioria dos estudantes e professores.Schönberg nos dá testemunho de quão mediocrizanteé o ambiente universitário, baseado em professoresque reduzem a arte de ensinar à mera atividade de daraula: “Dizem que o Herman Weyl aprendeu maisMatemática com Hubert, passeando nos bosques, doque nas salas de aula. Em conversas informais, os doistransmitiam um ao outro seus conhecimentos.

Preocupa-me muito a força que esse sistemamediocrizante vem tomando aqui no Brasil. E não

dava aula. Achava que não valia apena. Para ele, eram maisimportantes os contatosindividuais que mantinha com osalunos”(Schönberg).Infelizmente, esse tipo deambiente em que a pesquisa estásempre voltada a descobertascientíficas não faz parte daessência do conceito de

universidade implantado no Brasil.Schönberg também propõemedidas que visam a diminuir amediocridade reinante nasuniversidades brasileiras:“Aqui no Brasil, precisava-se lutarmais contra a castração

intelectual. Talvez, se nos cursos de pós-graduação oprofessor conversasse livremente com os alunos, orendimento fosse maior. Isto, logicamente, se oprofessor for um cientista. Aprender-se-ia muito maissobre Ciência do que nas cansativas aulas tradicionais.

Um professor, por exemplo, deveria poder ensinar nauniversidade, poder dar cursos, mas sem perder oobjetivo de estabelecer contatos com certos alunos. Oimportante é testar a capacidade científica. Fermiestava fazendo isso no fim de sua vida. Lá nos EstadosUnidos, ele só dava aulas para alunos do primeiro ano,ainda não contaminados pela mentalidade dauniversidade americana, e encaminhava alguns delespara a pesquisa. Pode ser que haja outras pessoasfazendo o mesmo. Acho muito sufocante o ambientegeral no Brasil. Precisamos alterar tal situação”(Schönberg).

VI. A falta de alternativas

Uma outra grave situação presente na área da Físicano Brasil é a ausência de alternativas para aquelesque querem realmente Ensinar e Pesquisar fora do

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ambiente burocratizante das universidades. Em maisde meio século, enquanto o número de universidadescresceu assustadoramente, não houve a criação deinstitutos de física além do Centro Brasileiro dePesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, em 1949, edo Instituto de Física Teórica (IFT), em São Paulo, em1952. Este último acabou sendo fagocitado pelaUniversidade Estadual Paulista (Unesp), em 1987.

VII. O tipo de pesquisa em Física que se faz no Brasil:publicação ou publicagem? 

Diante de um Ensino Médio paupérrimo e de umaGraduação ruim, somos imediatamente impelidos aquestionar sobre o efeito dessa situação de indigênciamental, por que passa o sistema educacionalbrasileiro, sobre a Pesquisa realizada no País: que tipode pesquisa em Física, enfim, se faz no Brasil?É inegável que existem pequenos grupos que realizampesquisa de alta qualidade e que são reconhecidosinternacionalmente. Contudo, devemos nos perguntarse essas pesquisas são pioneiras ou apenas de

participação de atividades que acontecem no exterior.Não é difícil reconhecer que trabalhos pioneirosrealizados por físicos brasileirossão exíguos, ao passo que sãonumerosos aqueles que sededicam como coadjuvantes depesquisas realizadas na Europa enos Estados Unidos. Um casohistórico é do físico César Lattesque em 1947 obteve resultadosexperimentais originais nadetecção do méson. No entanto,

quem ganhou o Prêmio Nobel foio inglês Cecil Powell por ter sidoo responsável pelo grupo do qualparticipava Lattes. Esse exemploilustra o tipo de pesquisa que serealiza no Brasil: faz-se pesquisapara que seja reconhecida pelospaíses do Primeiro Mundo. Além disso, nasuniversidades brasileiras, um dos critérios depromoção e vaidade acadêmica é o número depublicações em revistas de circulação internacionalcom parâmetro de impacto alto. Esses periódicos se

assemelham muito às vitrines das lojas em ShoppingCenters, onde os produtos (os “papers”) são colocadosà disposição de seus consumidores (os poucos leitoresque trabalham na área).Tendo como referencial a essência da Física e as idéiasde Schönberg e Feynman sobre Ciência, podemosavaliar criticamente o tipo de Física que se faz noBrasil. A Dissertação de Mestrado não visa à algumacontribuição original à Física; constitui-se em um meroexercício de matemática que poderia muito bem servirde dissertação de conclusão do curso de Graduação,ao passo que a Tese de Doutorado, além de ser

meramente acadêmica, reforça os laços de amiguismoque permeiam as escolhas dos integrantes das bancasde avaliação. Leva-se cerca de 4 anos para se defenderuma tese, que é lida apenas por uma meia dúzia de

professores. Quando muito, de uma tese publica-seum artigo científico.Já na década de 1980, Schönberg denunciava a faltade qualidade científica das teses de doutoradodefendidas no Brasil. Em geral, elas são voltadas aproblemas meramente de interesse acadêmico,ignorando o intuito de contribuir com idéias originaispara o desenvolvimento da Física:“No Brasil, a questão do doutoramento é uma das

coisas mais terríveis que está acontecendo. A maiorparte das teses de doutoramento não são realmenteobjetivas. Quando me mandavam, na Europa, fazerum trabalho, com um seminário, era um trabalhoobjetivo, sem divagações, voltado para oesclarecimento de um determinado problema. EmRoma, Fermi me encarregou de fazer um estudobastante concreto e objetivo: pesquisar a passagemdos raios cósmicos através da atmosfera e refazer umprolongamento das integrações das Equações deSchrödinger. Ainda não se sabia muito bem o que éque acontecia quando os raios cósmicos atravessavam

a atmosfera. Quer dizer, os trabalhos sempre eramsobre problemas concretos. Tratava-se, realmente, de

fazer Ciência” (Schönberg).Por outro lado, no contextobrasileiro, a publicação servecomo meio de obter umaditivo salarial (a famosabolsa produtividade,estabelecida pelo CNPq).Ademais, os artigospublicados são lidos porpoucas pessoas; as que lêem,

lêem apenas o título do artigoou, quando muito, o resumo(abstract). Para completar asituação, em geral, as citaçõessão feitas apenas porconveniência.Vale ressaltar, ainda, que, na

maioria das vezes, os artigos são escritos em grupo. Édifícil saber quem escreve e quem faz as contasmatemáticas, quem checa a grafia e quem corrige oserros de impressão. Enfim, é indistinguível saberquando um artigo consiste em verdadeira publicação

científica ou está voltado apenas à publicagem.Schönberg denuncia essa irracionalidade da ditapesquisa científica brasileira ao deixar implícito que apesquisa em Física é reduzida a uma física de “faz-de-conta”, calcada no anseio da publicagem:“O Brasil se lançou no mundo da Ciência quandopredominavam essas idéias. Por volta de 1949, W.Pauli me disse que não lia mais trabalhos de físicosbrasileiros, pois nada havia que se aproveitasse. Háuma massa muito grande de publicações, mas aspessoas publicam mais para ter o nome citado poroutrem. Há uma espécie de inflação do número de

trabalhos e uma deflação de idéias científicas. Éincrível número de trabalhos que são publicados naárea da Física. Mas, se formos verificar o número deidéias novas que surgiram nela, vamos constatar que

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5/16/2018 Schenberg Feynman e a Fisica No Brasil A. O. Bolivar - slidepdf.com

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são bem poucas. Há uma diferença muito grandeentre fazer tese e fazer Ciência. Nós fazíamos Ciência.Muitas vezes os trabalhos nem eram publicados. Ferminão era muito favorável à publicação de trabalhos.Achava que a pessoa devia publicar muito pouco.Devia, sim, ter muitas idéias e guardá-las, escritas, emsua gaveta, e não publicá-las à toa. Devia publicá-lasapenas quando fossem ajudar o desenvolvimento daCiência” (Schönberg).

Tendo como fundamento a premissa de que o Ensinoe a Pesquisa em Física devem gravitar em torno daCriatividade Científica, fomentando-a, transmitindo-ae desenvolvendo-a, passados mais de 40 anos,chegamos à mesma triste conclusão de Feynman eSchönberg: no Brasil, ainda não se ensina e nem sepesquisa Física. Se nos atermos a parâmetrosburocráticos do MEC e do CNPq, baseados no númerode artigos publicados, no número de citações e naquantidade de doutores formados, podemos grunhir enos iludir que no Brasil há pesquisa e ensino em Física.Isso acontece quando se perde a luminosidade da

essência da Física e se concentra no submundolúgubre dos seres cavernícolas, tal como denunciadohá quase 2500 anos por Platão (ver: A alegoria dacaverna de Platão, tradução de Eudoro de Sousa inDocumentação e Atualidade Política, Nº5,outubro/novembro 1977, UnB/Senado Federal, pp.5—8). Hoje, tartamudeamos e manquejamos no mundodas sombras da Ciência: quantos papers você publicapor ano? Quais as vitrines têm parâmetro de impactoalto? Com quantos colaboradores você publica seusartigos? Isso parece nortear a política científica etecnológica do Governo Lula: um pragmatismo de

seres rastejantes que habitam um submundobidimensional, tomando-o como a própria realidade,olvidando-se, dessa forma, da tridimensionalidade eda quadridimensionalidade do espaço-tempo.

VIII. Quando se ensinará e pesquisará realmente

Física no Brasil?

Depois de apontarmos os males que impedem oensino e a pesquisa em Física-- o primeiro reduzido adar aula e o segundo reduzido à publicagem de papers--,queremos, com base no artigos de Feynman eSchönberg, sugerir as seguintes alternativas:

• quebrar o monopólio das universidades em pesquisacientífica mediante a criação de institutos de pesquisafora da universidade, mas acoplados ao Ensino Médio(principalmente voltado para a produção detecnologia inovadora), de modo a elevar a qualidadede professores e alunos por meio do espírito dapesquisa, rompendo assim com a artificialidade de seestudar Física para fazer provas, comum no ambientede universidade.Aqui, é oportuno e racional nos inspirarmos nasexperiências extremamente positivas dos institutosMax Planck, na Alemanha, em que laços estreitos com

a chamada iniciativa privada podem ser levados emconta, adaptando-os, é claro, ao tipo de capitalismoque temos, e levando sempre em conta a essência daFísica e o estado de indigência educacional por quepassa a sociedade brasileira;• substituir os estéreis livros didáticos do EnsinoMédio por revistas de pesquisa e ensino, tais como aREVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE FÍSICA e OSCADERNOS CATARINENSES DE FÍSICA, como também

por periódicos estrangeiros;• aproximar os professores do Ensino Médio aosmelhores grupos de pesquisa e ensino do País, que porfalta de local mais bem apropriado, estão dentro daestrutura burocrática das universidades;• mudar a mentalidade científica das pessoas que sedizem professores pesquisadores por apenas teremum título de doutor e um certo número de artigospublicados;• erradicar a massificação e a mediocrização dapesquisa científica. Hoje, para que a pós-graduaçãoapresente números convincentes, o MEC (Capes) e o

CNPq têm aumentado desmesuradamente as metasquantitativas de formação de doutores, poucoimportando os parâmetros de qualidade, tais como aoriginalidade, a independência e a autonomiacientíficas.

Como nos ensina Feynman, no Brasil deve havertambém uma política científica de Estado que supereas políticas ocasionistas e oportunistas de grupelhospolíticos que se apossam da estrutura administrativo-financeira do Estado. Essa política deve agir à surdina,impessoalmente, objetivamente, racionalmente semestardalhaços politiqueiros.Esperamos que os artigos de Schönberg e Feynmansirvam de referencial para a implementação deulteriores políticas científicas por parte deimportantes instituições voltadas para o ensino, adivulgação e o fomento financeiro em Física.Esperamos também que cada professorindividualmente reconheça que é impossível ensinarFísica dentro de uma estrutura burocratizante como auniversidade. Por isso, urge sonharmos e formularmosalternativas para a Física no Brasil, desde queestejamos preocupados com a essência da Física e daCiência, e não com a idéia fantasiosa, não-realista,

irracional e pouco objetiva de Universidade paratodos.

 AUTOR

 A.O BOLIVAR é