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SAÚDE E SERVIÇO SOCIAL: processo de trabalho, desafios, novas demandas e possibilidades do trabalho profissional Prof. Dra Kathleen Elane Leal Vasconcelos (UEPB)

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SAÚDE E SERVIÇO SOCIAL:

processo de trabalho, desafios, novas demandas e possibilidades do trabalho

profissional

Prof. Dra Kathleen Elane Leal Vasconcelos (UEPB)

• Questões que norteiam reflexão:

1. O que faz o Serviço Social ser considerado profissão de saúde?

2. Como vem se dando a tessitura do trabalho profissional na área?

3. A que necessidades e demandas estamos respondendo, nos diversos espaços ocupacionais?

4. Como, no cotidiano profissional, avançar na direção do PEP e do MRS dos anos 1980?

Desafio e amplitude do tema

Surgimento e desenvolvimento de profissões - duplo movimento:

demandas socialmente atribuídas

X

reservas próprias de forças (relacionadas à teoria e às práticas de cada profissão), que

podem estar competentes ou não para responder às requisições (NETTO, 1992)

Considerações sobre as profissões (1)

Considerações sobre as profissões (2)

Profissões de saúde: surgem como formas de resposta a determinadas necessidades sociais (variações ao longo da historia).

Relação com a divisão sócio-técnica do trabalho, com as configurações do Estado, das políticas sociais, as lutas sociais, bem como dos modelos de atenção adotados em cada sociedade.

Necessidades: resultantes das determinações contraditórias e

simultâneas decorrentes da relação dialética entre capital e trabalho (TEIXEIRA, 1989, p.19).

Historicamente: necessidades das classes dominantes como

necessidades da sociedade em geral (LAUREL, 1982)

Demandas: “requisições técnico-operativas que, através do

mercado de trabalho, incorporam as exigências dos sujeitos

demandantes” (MOTA; AMARAL, 1995).

Demandas das classes populares: distantes de

serem percebidas em seu caráter de classe – arsenal heurístico (GUERRA, 2005).

Demandas individuais x necessidades coletivas Exemplo: demanda de consulta e atendimento médico para criança (que

mora em área sem saneamento básico) adoecida com verminose

Considerações sobre as profissões (3)

• Espaço institucional: terreno denso de tensões e contradições sociais no qual os profissionais, regidos por seus referenciais teórico, éticos e políticos, constroem respostas às demandas colocadas.

Considerações sobre as profissões (4)

Modelo biomédico – necessidades em saúde

individualizadas, biologizadas

Serviço Social na Saúde (1)

Soares (2010): trabalho em saúde mediado por:

Demandas institucionais

Demandas d@s

usuári@s

relativa autonomia

do profissional

Serviço Social na Saúde (2)

Demandas

atreladas ao modelo

assistencial privatista

(atuação junto às contradições do

sistema)

Inserção na alta e média

complexidade - raramente nas de

saúde pública

Respostas profissionais:

atuação paramédica: abordagens individuais,

burocráticas, focalistas

Mudanças na totalidade da

vida social +

mudanças no modelo de atenção à

saúde

Ultrapassagem da lógica

medicalocêntrica – trabalho em

equipe

Determinação social da saúde -

Intersetorialidade

Universalidade

Integralidade

Participação social

Foco: necessidades das classes populares

Movimento de Reforma Sanitária brasileira

SUS e ressignificação do estatuto do Serviço Social na saúde (1)

OBS: objetivo da Resolução do CNS

Resolução CNS 218/1997 (retificada na Resolução 287/1998): Serviço Social entre as 14 profissões de

saúde

(justificativa: conceito ampliado de saúde, integralidade,

interdisciplinaridade, contribuições para assistência à saúde)

Resolução CFESS nº 383/99 -

reconhece o assistente

social como profissional de

saúde

1) Particularidades do Serviço Social na saúde

• não atua na assistência direta à enfermidade;

• não é exclusivo da saúde - atua nas diversas políticas sociais, inclusive a da saúde.

2) Polêmicas

• assistente Social ser ou não profissional de saúde;

• Serviço Social Clínico;

• Posição do Serviço Social frente às demais profissões sanitárias

SUS e ressignificação do estatuto do Serviço Social na saúde (2)

Existência de tais polêmicas explicita a necessidade de adensamento do arcabouço teórico-metodológico do Serviço

Social em relação aos seus objeto e objetivos na saúde.

Objetivo do trabalho do(a) assistente social na saúde:“(...) passa pela compreensão dos

determinantes sociais, econômicos e culturais que interferem no processo saúde-doença e na busca de

estratégias político-institucionais para o enfrentamento dessas questões” (CFESS, 2010,

p.28).

SUS e ressignificação do estatuto do Serviço Social na saúde (3)

Demandas: requisições tradicionais + contradições do SUS relacionadas ao confronto entre cultura institucional

tradicional e o desafio de reorganização dos serviços (COSTA , 1998)

Contraditoriamente, necessidades do novo

modelo de atenção também se anunciam no

cotidiano profissional

Demandas ao Serviço Social na saúde

1. Demandas do modelo assistencial privatista reatualizado

• Contradições do SUS - confronto entre a cultura institucional tradicional e o desafio de reorganização dos serviços para adaptar-se às exigências legais de garantia do acesso universal e integral (COSTA, 2000).

• Demandas da contrarreforma (SOARES, 2010):

1. Assistência fragmentada, precarizada e focalizada da política e à emergencialização da vida e contenção da demanda

2. Relacionadas à tecnificação/assessoria à gestão

3. Demandas socioeducativas e politizadoras que reproduzam a racionalidade hegemônica do sistema

Mobilização e organização popular

+ articulação com movimentos sociais

Ações socioeducativas

coletivas

Socialização dos direitos

sociais

Educação popular em

saúde

Promoção da Saúde

Intersetorialidade

SERVIÇO SOCIAL

2. Demandas relacionadas ao MRSB

• Em todos os níveis de atenção à saúde e em contextos multiprofissionais (MIOTO, NOGUEIRA, 2009).

• Trabalho não se restringe à execução da política sanitária: gestão, planejamento e avaliação, assessoria e consultoria.

• Inserção profissional ocorre de forma bastante diferenciada nas várias redes de atenção à saúde

Espaço ocupacional do Serviço Social na saúde (1)

REDE Quantidade de assistentes sociais

%

Rede de APS 5.304 23

Rede secundária e terciária 14.457 61

Rede de Atenção à Saúde Mental

2.309 10

Outros 1.435 06

TOTAL 23.505 100

Quantidade de Assistentes Sociais no SUS, por Rede de Atenção - BRASIL/2012

Fonte: DATASUS (BRASIL, 2012), acesso em 25/12/2012.

Espaço ocupacional do Serviço Social na saúde (2)

"Tais dados são expressivos das contradições do SUS

e de sua racionalidade hegemônica, tendo em vista

que a política de saúde mesmo tendo como uma de

suas principais diretrizes a centralidade da atenção

básica e, dentro desta, a Estratégia Saúde da Família,

a maior parte dos assistentes sociais encontra-se na

média e alta complexidade" (SOARES, 2010, p.123).

Espaço ocupacional do Serviço Social na saúde (3)

Respostas profissionais

Avanços na produção

do conhecimen

to

Construção dos

“Parâmetros para

atuação de assistentes sociais na

saúde

Experiências que

ultrapassam abordagens conservado

ras

Existência de fortes

traços conservado

res e/ou tradicionais

Trabalho do/a Assistente Social na Saúde (1)

Foco ainda na demanda espontânea (lógica do plantão) - ações assistenciais, burocráticas, individuais,

assistemáticas

Risco de reprodução do discurso do MS + trabalho com grupos fatiados

“Ações” intersetoriais isoladas, a depender individualmente d@s profissionais (COSTA, 2010).

Grupos, salas de espera, palestras: lógica ainda centrada, muitas vezes, no repasse de informação (grupos fatiados pelo MS)

NASF – Pressão por produtividade, grande quantidade de equipes, demanda pelo trabalho de tipo “bombeiro”

A que necessidades e demandas estamos respondendo, nos diversos espaços ocupacionais?

Trabalho vem sendo voltado para a determinação social da Saúde?

Serviço Social e determinação social da Saúde (1)

• Costa (2010): assistentes sociais - preocupação e reconhecimento acerca dos determinantes sociais.

• Contudo, conjunto das respostas profissionais não resulta de reflexões aprofundadas sobre o tema.

• Fragilidades teóricas: não distinção entre DSS e determinação social da saúde

Termos tem identidade e CPF

(Mota)

Determinantes Sociais da Saúde

Determinação Social da Saúde

Promoção da Saúde

1. Determinantes Sociais da Saúde (1)

• Percepção das limitações da História Natural das Doenças : considera condições de vida

• Conferência de Alma Ata (1978)

• Interfaces com: intersetorialidade, APS, Promoção da Saúde

• Retomada da Medicina Social do século XIX

• Comissão Mundial dos Determinantes Sociais da Saúde (OMS, 2005) – CNDSS (2006)

• I Conferência Mundial dos DSS (RJ, 2011 )

1. Determinantes Sociais da Saúde (2)

• “Determinante”: “Em Epidemiologia, diz-se de qualquer fator, acontecimento, característica ou outra entidade definível que causa mudança nas condições de saúde ou em outro processo definido” (REY, Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde, 1999).

DSS: fatores relacionados ao adoecimento - Abordagem funcionalista

• Conceito dos mais importantes na história do pensamento que originou o MRS (classista)

2. Determinação Social da Saúde (1)

A saúde humana deve ser compreendida e analisada a partir das formas de organização da sociedade, ou seja, de sua estrutura econômica e social, na medida em que

esta dimensão subordina ou subsume as dimensões naturais (atinentes ao ambiente físico e à constituição

genética e fisiológica dos indivíduos) (CEBES, s/d).

DSS: abordagem funcionalista - cruzamento de diversas variáveis abstratas para expor o óbvio (pobres têm pior saúde que os ricos) – ausência de

teoria da sociedade de caráter crítica /explicativa (CEBES, s/d, p.2).

DSS: conceito puramente empírico - voltado para fatores causais de morbidade e mortalidade (CEBES, s/d).

DSS: evidenciam causas imediatas do adoecimento, sem se voltar para estruturas que as criaram (GARRAFA, CORDON, 2009, p.389).

Relatório da OMS: “convocatória asséptica do tema da injustiça social” - Mobilização ética restrita à saúde (CEBES, s/d).

2. Determinação Social da Saúde (2)

Concepção de DSS ou Determinação: influência na configuração da Política e na tessitura do

processo de trabalho em saúde

Apropriação do debate sobre a determinação social da saúde: condição essencial para que o Serviço Social possa ampliar sua contribuição ao debate junto à equipe de saúde, à gestão do SUS, aos

espaços de controle social e ao movimento sanitário, na perspectiva de construir argumentos

que possam colaborar para desenvolver alternativas metodológicas e técnico-operativas alinhadas à

construção de práticas contra-hegemônicas (COSTA, 2010, p.218)

É necessário ir além da ação emergencial, burocrática, e desvelar as reais necessidades

dos(as) usuários(as), que envolvem a determinação social da saúde.

Eixo do trabalho d@ Assistente Social seria a PREVENÇÃO e a EDUCAÇÃO EM

SAÚDE????

Prevenção - Críticas de Arouca - Tem ainda como

referencial a DOENÇA

- Não implica intersetorialidade

- Não atenta para a DETERMINAÇÃO

Educação em saúde - importância na construção da consciência sanitária, mobilização e organização popular, controle social -Necessidade de ações multiestratégicas

Necessidade de ir além da prevenção: avançar para a produção social da

saúde ou a promoção da saúde (na perspectiva do MRS)

Termo polissêmico e polifônico

(distintos interesses políticos)

Movimento Internacional

(NPS) -

Interfaces com Cidades Saudáveis, Intersetorialidade, Desenvolvimento Sustentável, APS

Influência na saúde pública de

vários países (especialmente na

APS), na saúde suplementar e nos

programas de saúde do

trabalhador, etc

Promoção da Saúde (1)

Princípios da NPS

concepção “holística” de

saúde Equidade Intersetorialidade

Empoderamento Participação

social Ações multi-estratégicas

Sustentabilidade

NPS e MRS (1)

MRS e NPS: trilhas

sinuosas, de aproximações

ou diferenciações entre marcos

teórico-conceituais -

confluências e dissonâncias

Pontos em comum:

questionamentos ao modelo

biomédico; conceito

ampliado de saúde

Resistência inicial –

necessidade de integralidade; totalidade de

mudanças; NPS formulada em

países centrais; risco de

culpabilizar indivíduos –

pouca produção

teórica

Concepção presente na 8ª

CNS aponta para promoção

da saúde - radicalidade

política ausente no discurso da

NPS.

• Anos 1990: incorporação acrítica da NPS

• NPS impregna PNS: APS, Pactos, Mais Saúde

NPS e MRS (2)

Críticas: 1.Concatenação com discurso social-liberal

2.Desconsideração das condições de vida e de trabalho

3.Foco nos “riscos” e normatização sobre estilos de vida

4.Equidade e focalização 5.Intersetorialidade e não enfrentamento dos problemas da assistência à saúde

6.interesses da “indústria do bem-estar”

NPS e MRS (3)

vertentes de PS subalternizantes: englobam a “promoção da saúde do mercado”; a PS “oficial” e outras perspectivas que

adensam uma abordagem culpabilizante do indivíduo

Vertentes voltadas para emancipação humana – PS

pode ser tomada no conjunto das lutas do MRS,

voltada para a determinação social da

saúde

Chapela e García (2010):

Serviço Social e PS

• Inserção nos programas e projetos norteados pela NPS

• Posição diante da NPS

• Necessidade de enfrentamento do debate e de inserir discussão sobre PS em parâmetros críticos

• Potencialidades: PS e determinação social da Saúde

Resistência ao debate internacional X

Canto da Sereia da NPS: termos progressistas, aparentemente concatenados ao MRS

Potencialidades do trabalho profissional: o enfoque da

Determinação Social da Saúde

• Considerar a determinação social da saúde: ir além da ação emergencial, burocrática

• “Dissecar” as reais necessidades subjacentes às demandas, bem como de construção de respostas que considerem as necessidades das classes populares.

• Releitura crítica das demandas, mediada pelos princípios que regem o PEP e o MRSB

Potencialidades do trabalho profissional: o enfoque da Determinação Social da Saúde (1)

Potencialidades do trabalho profissional: o enfoque da Determinação Social da Saúde (2)

“(...) não é o espaço de trabalho que irá

determinar o profissional como

sendo burocrático ou imediatista”

(AMADOR,2009, p.138)

“(...) A questão que se coloca não é a concentração nas

ações emergenciais, mas o ativismo que

as tem marcado” (COSTA, 2010, p.228) ou que elas sejam o

foco ou objetivo principal da atuação.

“(...) todos os níveis de atenção guardam

possibilidades salutares de

promoção da saúde enquanto qualidade de vida e direito do cidadão” (GUEDES; CASTRO, 2009, p.6).

Como isso vai se traduzir no trabalho profissional?

Considerar determinação social da saúde no trabalho em saúde: condições de vida (saneamento, educação, qualidade da água, resíduos sólidos, etc).

Acervo pessoal: Campina Grande/PB

Potencialidades do trabalho profissional: o enfoque da Determinação Social da Saúde (3)

Incentivo ao controle social é à

mobilização e organização popular

Acervo pessoal: Reuniões do Conselho Local de saúde/ Curso de Capacitação (Campina Grande/PB)

Potencialidades do trabalho profissional: o enfoque da Determinação

Intersetorialidade : - não apenas

“encaminhar”: publicizar, tensionar, construir propostas

(ver Costa, 2010) - sair dos muros das unidades de saúde

- Trabalho no território

Potencialidades do trabalho profissional: o enfoque da Determinação Social da Saúde (5)

- Prática reflexiva (Ana Vasconcelos) - Adoção da educação (popular) em saúde

- trabalho com temas “sociais” (ex: violências, saúde d@ trabalhad@r, saúde mental)

- “Busca-ativa”

Acervo pessoal: Grupo com mulheres Distrito de Catolé de Boa Vista, Campina Grande/PB

Potencialidades do trabalho profissional: o enfoque da Determinação Social da Saúde (6)

Elaboração de projetos voltados para necessidades coletivas (ex: orientação sobre

direitos previdenciários d@ trabalhador rural)

Acervo pessoal: Distrito de Catolé de Boa Vista, Campina Grande/PB

Potencialidades do trabalho profissional: o enfoque da Determinação Social da Saúde (7)

Tecer um exercício profissional com tonalidades distintas do conservadorismo requer a

consideração das contraditórias demandas colocadas nos serviços de saúde; a tentativa de apreensão das reais necessidades das classes

populares; a busca de qualificação e adensamento do referencial crítico em relação ao Serviço Social

e também à Saúde Coletiva (especialmente no que tange à determinação social da saúde, à PS, à

intersetorialidade), mas também sobre os conhecimentos instrumentais e sobre os

procedimentos operacionais, enfim, às várias dimensões que compõem a ação profissional.