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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ensino do Português como Língua Segunda e Estrangeira, realizada sob a orientação científica da professora doutora Ana Maria Mão-de-Ferro Martinho.

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à

obtenção do grau de Mestre em Ensino do Português como Língua

Segunda e Estrangeira, realizada sob a orientação científica da professora

doutora Ana Maria Mão-de-Ferro Martinho.

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Dedico este trabalho à minha família, em especial a minha

filha recém-nascida Maria José Calembela Sasoma (Marizé).

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AGRADECIMENTOS

Desejo expressar os meus sinceros agradecimentos à professora Ana Maria Mão-de-

Ferro Martinho Gale por ter aceitado orientar este trabalho, mesmo estando

extremamente ocupada com outros assuntos de ordem académico-profissional;

A minha gratidão aos colegas do Departamento de Línguas, Culturas e Literaturas

Modernas António Lolino e Correia Domingos Kole Mukuambi da FACULDADE DE

CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS (FCSH) pelo encorajamento e ao Colega Márcio Edu da

Silva Undolo, recentemente Doutorado pela Universidade de Évora, por toda a

colaboração prestada;

Aos colegas da repartição de Português no Departamento de Letras Modernas do

INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO (ISCED) de BENGUELA Ismael Jafeth

Domingos Maurício, Josefina Francisca Bimbi, Natália Valentina Viti, Dinis Vandor

Sicala, pela sua colaboração na recolha de dados;

Eternos agradecimentos a toda gente que, de uma ou de outra forma, contribuiu para

o sucesso deste estudo.

Os meus agradecimentos a todos!

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RESUMO

Hoje, nenhuma língua está livre de influências de outra língua; fruto da facilidade com que os homens interagem. Uma das consequências desta interacção reside na influência da língua de uns sobre a de outros, o que geralmente ocorre com interferência da língua materna (LM) do indivíduo na sua segunda língua (LS).

Para abordar este fenómeno realizámos em Benguela um estudo que consistiu no levantamento e análise de algumas expressões activas no dia-a-dia dos Benguelenses para detectar elementos de interferência do Umbundu no Português, como resultado da coabitação das duas línguas e desta forma contribuir para estudos linguísticos que visem esclarecer os processos inerentes a coabitação entre linguas africanas e europeias. Para o efeito, levamos a cabo uma análise das expressões inventariadas para melhor compreender as razões que concorrem para ocorrência de tais interferências, as quais se converteram num dos principias elementos na caracterização do português falado naquela região de Angola. Assim, na nossa condição de docentes, se torna absolutamente necessário identificar estes fenómenos, já que eles constituem parte integrante da nossa tarefa quotidiana de orientação das aprendizagens em Português.

Palavras-chave: língua materna, língua não-materna, transferência positiva, transferência negativa, contacto linguístico, interlíngua, erro.

ABSTRACT

No language is free from the influence of another language. This results from the flow of interactions among people today. One of the consequences from this interaction is the influence of one language into another, which normally occurs with interference of one´s mother tongue into a second language.

To report this phenomenon, a study that consisted of an inventory of the most daily active expressions in Portuguese was carried out in Benguela to find out items of interference from Umbundu as a result of the interaction/ contact between the two languages and thus contribute to ongoing linguistics studies about the contacts between African and European languages. For that purpose, we carried out an analysis of those expressions to better understand the reasons of such interferences which, in practical terms, become one of the main features of Portuguese in that region in Angola. As teachers we are required to identify and understand phenomenon of this kind, since they are part of our daily job of guiding students in the Portuguese language learning.

Key words: mother tongue, second language, positive transfer, negative transfer, language contact, interlanguage, error.

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ÍNDICE

Introdução….……………………………………………………………………………………………………………….1

Capítulo I: Abordagem dos conceitos fundamentais…………………………………………………..3

I.1. Língua materna versus língua não materna ou segunda......…………………..………….3

I.2. Estrutura da língua versus função da língua……………………………………………………….5

I.3. Contacto linguístico……………………………………………………………………………………………6

I.4. Transferência positiva versus transferência negativa ……………………………………..…8

I.5. Interlíngua versus erro………………………………………………………………….…………………11

Capítulo II. Breve descrição da língua Umbundu no contexto Angolano.……..………….14

II.1. A língua Umbundu em Angola…………………………………………………………………………14

II.2. A língua Umbundu na região de Benguela …………………………….……………………….18

II.3. Estatuto da língua Umbundu em Angola…………………………………………………………19

II.4. Estatuto da língua Umbundu em Benguela…………………………………………………….21

Capítulo III: Descrição e análise das línguas em contacto………………………………..……….24

III.1. Caracterização da estrutura da língua Umbundu……………………………………………24

III.1.1. Classes nominais…………………………………………………………………………………………26

III.1.2. Marca do sujeito…………………………………………………………………………………………29

III.1.3. Marca do singular e o seu correspondente no plural……………………….…………30

III.1.4. Marcas do diminutivo e do aumentativo……………………………………….……………32

III.2. Formação do plural na língua Portuguesa………………………………………………………34

III.3. Paradigmas do diminutivo e do aumentativo…………………………………………………36

III.4. Algumas diferenças entre as duas línguas………………………………………………………38

III.4.1. Diferenças quanto à formação do plural…………………………………………………..…38

III.4.2. Diferenças quanto ao diminutivo e ao aumentativo…….………………………..……42

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III.5. Análise de algumas frases inventariadas……….………………………..…………………….44

Conclusões e recomendações …….…………………………………………………………………………….50

Bibliografia……………………………………………………………………………………….……………………….52

Anexos………………………………………………………………………………………………………………………….i

Anexo 1: Quadro de localização das variantes da língua Umbundu na província de Benguela……………………………………………………………………………………………………….i

Anexo 2: Continuação de exemplos sobre regras do plural dos substantivos em Umbundu e Português………………………..………………………………………………………iii

Anexo 3: Mapa administrativo de Angola……………………………………………………………………iv

Anexo 4: Mapa etnolinguístico de Angola……………………………………………………………….……v

Anexo 5: Outras ocorrências inventariadas………………………………………………………….……..vi

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LISTA DE ABREVIATURAS

AC → Análise Contrastiva

AE →Análise de Erros

CL→ Contacto Linguístico

CN→ Classe Nominal

EPB →Emissora Provincial de Benguela

ERL→ Emissora Regional do Lobito

FCSH→ Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

IL →Interlíngua

ILN→Instituto de Línguas Nacionais

LA→ Língua Alvo

LE →Língua Estrangeira

LU→ Língua Umbundu

LP →Língua Portuguesa

LM →Língua Materna

LNM→Língua Não Materna

L1 →Língua Primeira

L2 →Língua Segunda

LO →Língua Oficial

MS →Marca do Sujeito

MP →Marca do Plural

MD →Marca do Diminutivo

MS→ Marca do Substantivo

MPLA →Movimento Popular de Libertação de Angola

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TPA→ Televisão Pública de Angola

RNA→Rádio Nacional de Angola

UNITA→ União Nacional para a Independência Total de Angola

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1

Introdução

A existência e consequente coabitação de mais de uma língua num

determinado espaço trazem consigo o cruzamento de valores, crênças, atitudes e

comportamentos. Estes factores exercem influência directa sobre as línguas das

comunidades em questão. Uma das consequências previsíveis nestas circunstâncias é a

influência de uma língua sobre a outra, dependendo principalmente de factores como:

a) o número de falantes e b) o estatuto e o prestígio que uma língua ostenta na

comunidade. Entre os fenómenos mais conhecidos daí decorrentes figuram as

interferências.

Este trabalho reporta um estudo realizado em Benguela sobre interferências da

língua Umbundu no Português; um fenómeno que pudemos observar em virtude da

nossa vivência naquela região de Angola ao longo dos anos, durante os quais fomos

notando algumas especificidades nos diversos modos como os seus habitantes falam a

língua Portuguesa. A constatação frequente deste fenómeno suscitou em nós o

interesse e a necessidade de percebê-lo a fundo e em virtude disso fizemos um

levantamento espontâneo de expressões que mostravam alguma característica

distinta do Português Europeu (PE). Feita a recolha, procedemos a uma análise

contrastiva na base da estrutura das línguas Umbundu e Portuguesa. Desta pesquisa

resultou o presente trabalho que intitulamos ‘Interferências da Língua Umbundu na

Língua Portuguesa na Região de Benguela. Estudo descritivo’ e dividimo-lo em três

capítulos.

O capítulo I faz uma apresentação comparativa dos conceitos-chave do tema

central deste trabalho e vem composto por cinco secções. A primeira aborda as

terminologias língua materna versus língua não materna ou segunda língua; a que

segue faz uma análise dos conceitos estrutura de língua versus função de língua; a

terceira secção discute o contacto linguístico, ao passo que a quarta fala da

transferência positiva versus transferência negativa. O capítulo termina com uma

reflexão sobre interlíngua versus erro.

O capítulo II consiste numa breve descrição da língua Umbundu e está

constituído por quatro partes. A primeira fala da língua Umbundu em Angola de modo

geral enquanto a segunda trata desta língua na região de Benguela. As duas últimas

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2

partes fazem uma abordagem sociolinguística da língua em questão, falando do seu

estatuto em Angola e na região de Benguela.

O capítulo III presta particular atenção aos aspectos ligados ao contacto entre

as duas línguas e está dividido em três partes. A primeira faz a caracterização da língua

Umbundu, descrevendo o sistema de classes nominais, a marca do sujeito, a marca do

singular e seu correspondente no plural, assim como as marcas do diminutivo e do

aumentativo. A segunda parte trata dos paradigmas do plural, do diminutivo e do

aumentativo na língua Portuguesa, enquanto a terceira aborda as diferenças entre as

línguas Umbundu e a língua Portuguesa no que diz respeito aos paradigmas e marcas a

que acabamos de aludir acima. O capítulo termina com análises de algumas frases

levantadas no terreno.

À semelhança de qualquer estudo, este pretende chegar a determinados

objectivos. Portanto é nossa expectativa que, em virtude do que foi mencionado, este

trabalho possa:

a) Ajudar a ultrapassar algumas insuficiências no âmbito de estudos em linguística

comparada, essencialmente os ligados aos fenómenos decorrentes de

contactos entre a língua Portuguesa e as línguas bantu em Angola, e deste

modo abrir um vasto campo de debates nesta extensa área da linguística, no

sentido da valorização institucionalizada das línguas locais de Angola de modo

geral e da língua de Benguela em particular.

b) Se converter num instrumento capaz de ajudar a compreender as razões que

levam grande parte dos Benguelenses1 a usar certos itens da estrutura da

língua Portuguesa de forma claramente oposta à própria norma Europeia do

Português; uma vez que este fenómeno contribui bastante na configuração

bantu que a língua oficial de Angola vai tomando, na província de Benguela ao

longo do tempo e para que tal seja entendido como consequência natural da

sua coabitação com a língua Umbundu.

1 Em nosso entender, não é só Benguelense aquele que nasceu em Benguela, mas todo aquele que ali

reside e que, de um modo ou de outro, adquire habitos de realização da língua Portuguesa semelhantes aos dos nativos desta região.

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Capítulo I: Abordagem dos conceitos fundamentais

Para uma abordagem capaz de aclarar os argumentos suscitados ao longo deste

trabalho, neste capítulo inicial apresentaremos uma panorâmica geral dos seus

conceitos basilares. Para começar, passemos de imediato a tratar dos termos língua

materna e língua não materna ou segunda.

I.1. Língua materna versus língua não materna ou segunda

Logo à nascença, os seres humanos têm uma forma natural de comunicar entre

si. Porque a vida humana encerra um processo inevitável de aquisição cultural

permanente, os humanos são logo nos primeiros anos da sua existência levados a usar

a fala como instrumento principal de comunicação. Se concordarmos que o uso da fala

implica necessariamente o uso de uma língua, se torna igualmente consensual que,

precisamos de, em primeira instância adquirir uma língua para a nossa comunicação, a

qual é geramente chamada de língua materna entre linguistas e professores de língua.

Casanova (2009: 173) afirma;

Língua materna é aquela que o falante adquire durante a infância e que

constitui o instrumento com que a criança contacta com a comunidade

e forma a sua visão sobre o mundo. A língua materna é, pois,

geralmente a primeira língua2 a ser adquirida. Nunca é aprendida.

Em reforço a esta linha de argumentação, Duarte (2000:15) entende a língua

materna como língua natural de uma comunidade linguística, essencialmente quando

é ela [língua] que as crianças nascidas nesta comunidade desenvolvem de forma

espontânea, como resultado de aquisição da linguagem. Este é também o ponto de

vista de Mathews (2007: 23) que define de modo mais preciso a língua materna como

aquela que a pessoa adquire naturalmente quando criança. Portanto, achamos deste

ponto de vista que a língua materna não se restringe unicamente a um lugar em que o

indivíduo (criança) tenha uma estrutura familiar parental (um pai, uma mãe), mas sim

a todo um contexto de aquisição da linguagem que acontece no indivíduo, não sendo

2 No entanto, a denominação de primeira língua é por vezes ambígua, pois é também usada para inferir

a língua que o falante usa com mais conforto e segurança, podendo pois não ser a sua língua materna (Casanova, 2009: 173).

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necessariamente perante seus progenitores. É vital considerar que é nesta altura em

que o indivíduo tem a fala como o seu principal meio de comunicação, já que como

escreve Kukanda (2010: 4) a língua falada, diferente da língua escrita, começa a ser

adquirida pela criança desde que esta nasce, pois os seres humanos nascem com uma

predisposição natural para esta forma de comunicação. Ao contrário do processo de

aprendizagem que está basicamente ligado ao estudo formal, onde a atenção se volta

para a língua na sua forma escrita (Krashen 1988), aqui acontece aquisição que é um

processo que decorre na criança (indivíduo) em consequência da sua interacção com o

meio familiar; resultando em língua materna.

Considerando as reflexões acima, nos parece oportuno fazer distinção entre a

língua 1 ou materna e a língua não materna ou segunda. A questão que se coloca

diante desta situação prende-se com quando é que uma língua não materna se deve

considerar língua segunda e quando é que esta deve ser tomada como língua

estrangeira. Em Richards e Schimdt lê-se o seguinte;

In broad sense, [second language], is any language learned after one has

leaned one’s native language. However, when contrasted with foreign

language, the term refers more narrowly to a language that plays a

major role in a particular country or region though it may not be the first

language of many people who use it.3

Alguns países em que o Inglês é a língua oficial são exemplos mais evidentes

disso: a República Federativa da Nigéria, a Namíbia, o Zimbabwe e assim como os de

língua oficial francesa em África, no caso a Tunísia, o Senegal, a Argélia e Marrocos, só

para mencionar alguns. Como se pode ler abaixo;

A LS é frequentemente a língua ou uma das línguas oficiais. É

indispensável para a participação na vida económica do estado, e é a

língua ou uma das línguas, da escola. Por ser língua do país, disponibiliza

geralmente bastante input e, por isso, pode ser aprendida sem recurso a

escola. Ela tem determinadas características que a distinguem de outras

3 Tradução livre. No sentido geral, [segunda língua] é qualquer língua aprendida depois da língua nativa.

Contudo quando comparada com a língua estrangeira, o termo refere-se mais especificamente a uma língua que tem um maior conjunto de funções num país ou região, embora tal possa não ser a primeira língua de muitos dos seus usuários (Richards e Schmidt, 2002: 472).

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5

variedades nacionais da mesma língua, características estas que se

reflectirão no discurso do falante não-nativo (Leiria, 1999:2).

Um aspecto que nos parece importante reter aqui tem a ver com o facto de a

língua segunda, em comparação com a primeira língua ou língua materna, ter o

mesmo nível de exposição à comunidade e a mesma utilidade social, por coabitar num

determinado meio de forma mais ou menos equilibrada com a língua 1. A isto os

linguistas chamam de contacto linguístico, como veremos mais adiante. Quando a

língua não materna se aprende num meio formal (escola), e por não desempenhar um

vasto leque de funções sociais, chama-se estrangeira; de acordo com Richards e

Schimdt (2002: 206). Uma língua estrangeira segundo estes autores não é usada nos

meios de difusão massiva, nem é usada com frequência como meio de comunicação

oficial do estado. Para cumprir com o seu papel social, as línguas têm uma estrutura

própria, como o destacamos na discussão a seguir.

I.2. Estrutura da língua versus função da língua

Tudo o que existe tem uma certa estrutura. Vem escrito no Longman Dictionary

of Contemporary English que, ‘*structure] is the way in which the parts of something

are connected with each other and form a whole’4. Cada elemento da estrtura

desempenha um certo papel para o seu pleno funcionamento. Em linguística, a

estrutura é descrita do modo seguinte ‘structure refers to a sequence of linguistic units

that are in a certain relationship to one another’ escrevem Richards e Schimidt. Dito de

outro modo, a estrutura básica de uma língua assenta numa conexão entre os diversos

elementos que concorrem para a construção da frase e produção de um significado.

De modo geral as línguas têm as suas estruturas básicas diferentes umas das

outras, a depender principalmente da sua origem; seja bantu como as línguas

Umbundu, o Kikongo, o kimbundu, ou de origem latina por exemplo o Português, o

Espanhol o Francês ou ainda de raíz germânica como são o Inglês e o Alemão. É

oportuno referir que quando pertencem ao mesmo grupo linguístico, as línguas

apresentam mais semelhanças ao nível da gramática, do léxico e não só. Ao contrário,

as discrepâncias se acentuam com maior frequência entre línguas de grupos

4 Tradução livre. [Estrutura] é a forma como partes de algo estão conectadas umas às outras para

formar o todo (Longman Dictionary of Contemporary English, 2009: 1752).

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6

diferentes, por exemplo entre o Umbundu (bantu) e o Português (latino). Voltaremos a

falar deste assunto no capítulo III quando tratarmos das diferenças entre a língua

Portuguesa e a Umbundu, particularmente sobre os parâmetros do plural, do

diminutivo e aumentativo, que são o foco central deste trabalho. Aliada à estrutura da

língua, está a função que cumpre um exercício social. Como é que tal ocorre? Richards

e Schimidt respondem a esta pergunta dizendo ‘[Function] is the purpose for which an

utterance or unit of language is used. In language teaching, language functions are

always described as categories of behavior; e.g. requests, apologies, complaints, offers,

compliments.5

Em nosso entender, isto pressupõe a existência de uma certa estrutura

linguística para exprimir uma opinião, sugestão, concordância, solicitação, oferta,

negação, etc. Quando introduzidas no contexto de instrução formal, estas funções

linguísticas atendem às necessidades dos aprendentes de forma mais adequada; visto

que o ensino de qualquer língua deve se preocupar em satisfazer as as necessidades

reais dos próprios aprendentes. Portanto, quando olhamos para o ensino de línguas,

particularmente para a língua segunda ou estrangeira, devemos reflectir sobre o

fenómeno de transferência linguística (questão chave deste trabalho), que é resultado

do contacto linguístico.

I.3. Contacto linguístico

É de conhecimento comum que as línguas não estão isentas de contacto entre

si. A necessidade de comunicação foi desde sempre existindo ao longo da vida

humana, ou seja o homem sempre teve a irremediável necessidade de interagir com

os seus semelhantes, passando assim a aprender outras línguas e a conhecer outras

culturas. Como esclarece Mota (1993: 108-116) ‘a língua é uma manifestação social e,

como a sociedade, ela é heterogénea’. Desta necessidade de interacção resulta o

contacto linguístico; um fenómeno definido por Richards e Schmidt do modo seguinte;

Language contact is a contact between different languages, especially

when at least one of the languages is influenced by the contact. This

5 Tradução livre. [Função] é o propósito pelo qual uma locução ou unidade linguística é usada. Em

termos de ensino, as funções linguísticas são sempre descritas como categorias de comportamento. Por exemplo, solicitar informação, pedir desculpas, oferecer, lamentar, cumprimentar (Richards e Schmidt, 2002: 215).

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influence takes place typically when the languages are spoken in the

same or adjoining regions and when there is a high degree of

communication between the people speaking them.6

Para sermos mais precisos, o contacto linguitico traduz-se no uso de mais de

uma língua em simultâneo na mesma região (Thomason, 2001:1). Da-se aqui um certo

destaque ao discurso oral, levando-nos à conclusão de que as abordagens sobre o

contacto linguístico centram-se essencialmente sobre a interacção oral que os usuários

das línguas da situação têm entre si, tornando mais activa a influência de uns sobre

outros, tendo em linha de conta que, para além de serem um instrumento, as línguas

são acima de tudo um produto social. Daí se mostra adequado retomar as palavras de

Richards e Schmidt (2002: 288) de acordo com as quais o efeito de uma língua sobre

outra pode afectar aspectos de ordem fonética, sintáctica, semântica ou ainda

estratégias de comunicação tais como as formas de saudação, a solicitação de

informação e outros, sendo este conjunto de efeitos uma das consequências do

contacto linguístico, uma vez que ‘mudança implica variação e que existem mudanças

em situações de contacto’ (Mota, 1993: 107-116). Isto reforça a lógica de que as

influências, de qualquer natureza, de uma língua sobre a outra, resultam em grande

parte da fala, fundamentalmente porque as interacções de natureza oral exercem

maior influência sobre o modo como as pessoas realizam a língua, em comparação

com a escrita que é uma forma de comunicação mais formal, mais institucionalizada e

com menos impacto no dia-a-dia das pessoas. De modo geral a forma escrita é menos

usada entre grandes comunidades linguísticas que são, por natureza própria, as que

mais produzem as características específicas que uma língua vai tomando ao longo do

tempo. Como se tem dito em senso comum ‘é através da maioria que se descrevem os

casos’. É por força das grandes comunidades linguísticas que, no caso de Angola,

temos a língua Portuguesa com características próprias, como reflexo do seu contacto

com as línguas bantu locais. Barros (2011: 30-31) por exemplo, aponta entre outras, as

seguintes propriedades do português de Angola, essencialmente o de Luanda: a) a

variedade da concordância nominal com a não marcação de plural em todas as partes

6 Tradução livre. Contacto linguístico é o contacto entre línguas diferentes, especialmente quando pelo

menos uma das línguas é influenciada pelo contacto. Esta influência tem lugar típicamente quando as línguas em questão são faladas na mesma região ou nas regiões próximas e quando há um alto grau de comunicação entre os seus falantes (Richards e Schmidt, 2002: 288).

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do sintagma nominal, onde se diz por exemplo vigia as criança; b) a ausência

frequente de palavras de ligação, tal como preposições, conjunções, pronomes, etc.

em que se diz, por exemplo, você pensa eu não te conheço; c) os nomes pessoais,

forma de complemento directo o, a, os, as são sistematicamente substituídos pelas

formas pronominais de sujeito eu, tu, eles elas; em que se diz deixa ele falar e não diz

deixa-o falar. Torna-se óbvio nestas constatações que o contacto linguístico é das

causas principais de mudança e variação linguísticas e por isso é lógico dizer que, como

os seres humanos, as línguas não estão isentas de contacto entre si.

A mudança linguística é inevitável e dificilmente previsível. Ela resulta da

combinação de diversos factores internos (resultantes da própria

estrutura da língua) e externos (resultantes de contactos com outras

línguas e determinados pelo contexto geográfico e social). A língua

renova-se, porque a sociedade muda. As mudanças nunca são

repentinas, mas sim progressivas. Se uma língua morre é porque o seu

estatuto na sociedade se alterou, na medida em que outras culturas e

línguas a ofuscaram, Barros (2011: 38).

Nesta citação, vale a pena referir-se entre outros, a dois aspectos: 1) a

mudança linguística é inevitável; 2) a língua renova-se porque a sociedade muda. Isto

significa que as mudanças linguísticas vão em si só provocando renovações, o que

resulta em novas formas de realização da língua como consequência natural deste

processo longo, lento e progressivo. Outra consequência possível nestas circunstâncias

é o aparecimento de uma nova língua ou variedade linguística regional, como os

dialectos de zonas fronteiriças e os crioulos, por exemplo, que igualmente ocorrem na

base das interferências linguísticas.

I.4. Transferência positiva versus transferência negativa

Devido à sua proximidade no espaço e a sua coabitação, as línguas são passíveis

de influências de umas sobre as outras, desembocando em transferências. Nas suas

abordagens sobre o assunto, linguistas como Trudgill (1992), Ellis (1997), Richards e

Schimdt (2002), vêem a transferência linguística como sendo o efeito directo de uma

língua na aprendizagem da outra. Gonçalves (2013:51) escreve que o aprendente de

uma segunda língua ou língua estrangeira apoia-se irremediavelmente na língua-mãe

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na altura do processo de aprendizagem da língua-alvo. Tal apoio estende-se desde o

léxico até ao uso das estruturas morfossintáticas.

Richards e Schimdt (2002: 294) tipificam as transferências em dois: a

transferência positiva, também chamada de facilitação; ocorre sempre que alguns

aspectos da língua materna do aprendente, partindo dos de ordem lexical até aos de

ordem morfossintáctica são semelhantes aos da língua alvo, o que facilita o processo

de aprendizagem. Ringbom (2007: I) citado em Ellis (2011: 355) escreve: ‘os alunos,

conscientemente ou não, não procuram por diferenças, eles procuram por

semelhanças onde quer que estejam’. Na verdade, quanto mais a segunda língua

revela aspectos com os quais os apredentes se podem facilmente familiarizar, tanto de

natureza lexical, fonética ou semântica, tanto mais será a facilidade com que estes

assimilam e produzem nesta língua; logo maior será o sucesso no processo de

aprendizagem.

A nossa experiência no ensino do Inglês Língua Estrangeira (ILE) diz-nos que

quando, por exemplo, um aluno de Português Língua Materna (PLM) encara palavras

como vídeo, car, television, millionnaire etc, apreende-as com maior facilidade, por

serem graficamente semelhantes aos da sua língua e por terem literalmente o mesmo

significado. O mesmo acontece com um falante da língua Umbundu ao aprender a

palavra Inglesa blanket que se parece com a palavra em Umbundu ombilikiti cujo

equivalente é cobertor em Português (ver Ondusuionaliu Yumbundu de Daniel, 2002).

Portanto nestas circunstâncias estamos perante a facilitação que é um processo

evidente, não tanto por ausência total de certos erros - como se podia esperar sob

perspectiva das noções comportamentalistas sobre a transferência positiva - mas por

haver um reduzido número de erros e também pela taxa de aprendizagem, Ellis (2011:

355). Ao contrário, a transferência negativa também conhecida por interferência

reside no uso, por parte do aprendente, de padrões e regras da sua LM; diferentes da

LS ou LE, na aprendizagem da língua-alvo (LA), dificultando-o a aprendizagem e

levando-o a cometer erros e desvios a norma Richards e Schimdt (2002: 294). Trudgill

(1992: 9) reforça esta perspectiva considerando a interferência como consequência de

uma mistura de elementos de uma língua para outra, o que tipicamente acontece

quando falantes usam uma língua segunda e por causa disso ocorram transferências

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inadequadas de elementos gramaticais e não só. Em suma, a transferência negativa

acontece principalmente quando os falantes da segunda língua não têm ainda um nível

de conhecimento linguístico que se aproxime no mínimo a do falante nativo. Ellis

(2011: 350) diz que ‘interferência não é simplesmente uma questão de regresso à

língua 1, nem sequer uma simples influência da primeira língua do aprendente porque

outras previamente aprendidas também podem ter o seu efeito ’. Estas considerações

nos levam a deduzir que quanto maior for a comunidade falante de uma segunda

língua, maior será a probabilidade de interferências, de vária ordem, da sua língua

materna, abrindo hipóteses para o aparecimento de uma nova variante da segunda

língua. Deste modo se torna compreensível que em Angola a língua Portuguesa tenha

características próprias, consequentes do seu contacto com as línguas Angolanas de

origem bantu. Tais especificidades notam-se no contexto Benguelense por exemplo,

onde a língua Umbundu exerce grande influência sobre a língua Portuguesa. Das mais

frequentes constatamos as de ordem fonética onde é claramente notável o emprego

do gerúndio fora do prescrito na norma do Português Europeu. Por exemplo, um

falante nativo do Umbundu, principalmente do interior do país, com influência da sua

língua sobre o Português diria: O Ndjoão chega nde Lisnboa ndentro ndesta semana,

ao invés de O João chega de Lisboa dentro desta semana. Esta forma de realização da

língua advém da inexistência das consoantes d e b na língua Umbundu, cuja

equivalência nesta língua tem sido atribuída ao nd para o d e nb para o b. Assim como

neste exemplo, outros casos acontecem como consequência do próprio contexto

sociolinguístico; já que a língua Portuguesa em Angola, mesmo sendo oficial e a mais

falada, se vê confrontada com o papel social das línguas locais.

Em termos gerais, as diferenças entre a língua materna do aprendente e a

língua segunda podem se converter numa fonte de erros sistemáticos durante a

aprendizagem da língua-alvo, basicamente porque este ainda não ganhou

competência suficiente (Ellis, 2011: 48). Um indivíduo cuja língua materna é Português

em aprendizagem do Inglês, por exemplo, pode cometer erros de estrutura pelo facto

de a ordem das palavras nesta língua ser em grande medida diferente da sua língua.

De referir ainda que quando as transferências ocorrem na base do léxico, acontece o

que a linguística chama de false friends ou faux amis; (Richards e Schimdt, 2002: 198)

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que consiste numa é uma confusão que o aprendente faz das palavras que, por terem

a mesma grafia que as da sua língua materna levam-lhe a inferir os seus significados de

forma errada. Em Inglês temos a palavra actually; frequentemente confundida com a

palavra actualmente em português, levando o indivíduo a dizer I actually work for the

BBC, não para dizer, na verdade trabalho para a BBC, mas para significar Eu trabalho

para a BBC, actualmente. Neste estádio do processo da aprendizagem o indivíduo

adquire a interlíngua definida por competência linguística transitória como veremos

com mais pormenores já a seguir.

I.5. Interlíngua versus erro

Segundo Gargallo (2004: 391 e 393), citado por Gonçalves (2011: 21), a

interlíngua (IL) é o sistema linguístico característico do falante não nativo de uma

língua segunda (L2/LS) ou de uma língua estrangeira (LE) numa determinada etapa do

processo de aprendizagem, a qual se constrói de forma processual e criativa,

apresentando elementos da língua materna (L1). Este sistema linguístico é único em

cada um de nós enquanto aprendentes da L2 ou LE (Gonçalves, 2013:55) que é

traduzido de forma bastante apropriada pelo termo interlíngua, já que este carrega

consigo a ideia clara de que o aprendente se encontra no espaço entre duas línguas

Griffin (2005: 91), citado por Gonçalves (2011). Nesta etapa, o aprendente não está

totalmente na L1 nem totalmente na L2/LE. Ou seja, a IL é uma estrutura linguística

intermédia entre a L1 do aprendente e a língua-alvo (LA). Fernández (1997: 19)

denomina-a como um sistema aproximativo, sendo uma fase obrigatória na

aprendizagem de uma L2/LE e define-a como sistema interiorizado no indivíduo e que

evolui, tornando-se cada vez mais complexo e diferente da LM e da LA, embora

apresente uma mistura das duas línguas (Miranda, 2013:51). A mescla entre as línguas

em confronto se manifesta em diversos aspectos, como sintáctico, morfológico,

fonológico, lexical entre outros (Gonçalves, 2013: 51). De notar que há neste período

uma estratificação da interlíngua em estágios caracterizados por erros ocasionais até o

aprendente atingir o estádio de estabilização (Brown, 1987), segundo o qual é também

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12

a este nível que os aprendentes solidificam alguns erros, expondo a fossilização7 da sua

interlíngua.

Para prosseguir de forma mais explícita com a nossa abordagem, se afigura

oportuno olhar para duas das asserções sobre o erro. Richards e Schmidt (2010: 201)

alertam que é necessário ver o erro tanto na perspectiva da escrita quanto na

perspectiva da fala, da parte do aprendente da LS/LE. Para estes estudiosos o erro

consiste no uso de um dado item da LS/LE (falada ou escrita) duma maneira que um

falante nativo encararia como sendo falta de domínio. Nesta conformidade, faz sentido

ver o erro como parte do processo de aprendizagem e como tal não deve sempre ser

visto numa perspectiva negativista. Em consenso com este ponto de vista Sousa (2011:

39) diz;

O aprendente [de uma L2 ou LE] é confrontado com o problema de

erros sempre que aprende/adquire uma língua. Os erros são

actualmente considerados uma característica inevitável da

aprendizagem, uma vez que o aprendente está sujeito a cometer erros

ao longo do processo de ensino-aprendizagem de uma língua. Neste

sentido, o professor deve criar condições didácticas com vista à

superação/remediação dos erros cometidos pelos aprendentes.

Nesta citação apela-se para a sensibilidade do professor para que no seu

exercício este tenha em conta os erros dos seus alunos, estando por causa disso na

posição de um investigador procura de soluções para situações decorrentes do

processo de ensino/aprendizagem. Para que tal suceda, o professor deve levar a cabo

um trabalho prévio não só de identificação mas também de caracterização dos erros e

trabalhá-los conjuntamente com os aprendentes, levando-os a uma aprendizagem

cooperativa. Através dos erros, o professor identifica informações valiosas sobre o

processo de aprendizagem e deste modo é possível inferir sobre o processo, já que os

erros fornecem indicações valiosas sobre que aspectos os aprendentes estão melhor

preparados para aprender. Para uma actuação mais efectiva e produtiva nesta

7 Tradução livre. Fossilização é fenómeno em que itens linguísticos (particularmente os erróneos) se

tornam permanentes na interlíngua do aprendente. O termo foi usado por Selinker em 1972 em relação ao processo de avanços e recuos em que o aprendente muitas vezes reverte-se para os estádios anteriores (Keith e Johnson, 1999: 135).

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13

direcção, deve-se obedecer a um conjunto de procedimentos baseados numa análise

contrastiva (AC) 8 entre a LM/L1 do aprendente a LA.

Terminada a nossa incursão sobre as terminologias interlíngua e erro chegamos

ao fim deste capítulo que descreveu de forma comparativa os conceitos fundamentais

do tópico desta dissertação. Em vista dos argumentos apresentados entendemos que

as línguas são cada vez mais um instrumento e produto maleável ao tempo e à

mudança social, o que envolve crenças culturais e toda criação e interesse do ser

humano. Por conseguinte elas [as línguas] dependem rigorosamente do contexto local,

regional ou nacional em que habitam. Sob esta lógica se constrói não só, as

características das linguas, mas também o seu estatuto.

8 A Análise Contrastiva relaciona-se com a comparação entre línguasno que respeita, as suas estruturas

lexicais, fonológicas, morfológicas, sintácticas e semânticas, identificando os problemas de aprendizagem e a análise das diferenças e semelhanças entre a LM e a língua-alvo (Sousa, 2011: 45)

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14

Capítulo II: Breve descrição da língua Umbundu no contexto Angolano

Nesta segunda parte do nosso trabalho, passamos a descrever a língua

Umbundu, para que se possa compreender melhor a sua situação real naquele país da

zona austral do continente africano. Para fazê-lo falaremos da sua extensão, assim

como descortinaremos o seu estatuto por Angola.

II.1. A língua Umbundu em Angola

Angola é um país com uma grande diversidade etnolinguística, dada a sua

extensão geográfica; definida nos limites fronteiriços herdados da administração

Europeia que na época não tomou em consideração as fronteiras culturais e étnicas

dos povos de África. Este país africano de língua oficial (LO) Portuguesa tem as

seguintes línguas africanas, oficialmente reconhecidas pelo estado: Umbundu,

Kimbundu, Kikongo, Tchokwe, Nganguela, Oshikwanhama, Oshihelelo, (veja-se o mapa

na página 17; de Fernandes e Ntondo, 2002), além de outras pertencentes a outros

grupos étnicos não bantu, com particular destaque para os Khoisan, frequentemente

apontados como tendo sido os primeiros povos primitivos a habitar as zonas

Equatorial e Austral de África (Da Cruz, 1940), conforme citado por Nzau (2011: 47),

assim como os Vátua que são por isso considerados os primeiros povos a habitar o

território que hoje é Angola.

O maior grupo desta vasta diversidade étnico-linguística é Ovimbundu9 que,

como tem sido apontado por vários linguistas constitui 37% da população angolana

(Levinson 1998; Stead e Rorinson 2009; Shoup 2011). De acordo com Malumbu (2004:

58), o nome Ovimbundu, povo cuja língua é Umbundu, resulta da evolução semântica

do nome muntu (munthu) que, em expressões linguísticas africanas de raiz bantu

próximas a este nome toma o significado de pessoa. Esta língua do centro de Angola

estende-se por vastas regiões do país. Dito de outra forma, ‘a área própria da língua

Umbundu abrange, desde o litoral de Benguela até ao luso [hoje Bié], na linha oeste-

leste de norte a sul, vai desde parte do Seles e kwanza sul até ao paralelo 15, perto da

9 De acordo com o senso decorrido em Angola em 1987, até naquela altura o Umbundu ja tinha um

número maior de falantes das línguas locais; com um total de 2500.000 pessoas (ver Mingas, 2000: 35). É importante sublinhar que o último censo realizado em Angola, decorrido no ano de 2014 não levantou dados sobre o número de falantes das línguas locais.

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15

Matala’, (Valente, 1964: 373). Para sermos mais precisos, este espaço abarca as

províncias do Huambo e do Bié, expandindo-se por toda extensão de Benguela, pelo

nordeste da Huíla, pelo norte do Namibe e pelo sudeste do Cuanza sul. É importante

dizer que por causa de vários factores decorrentes da guerra civil em Angola, esta

configuração pode ter sofrido alguma mudança, pois como foi dito no capítulo anterior

as línguas vão-se alterando à medida das circunstâncias, e por isso nos parece plausível

dizer que nos dias de hoje a extensão desta língua por Angola já não se confina apenas

às suas províncias tradicionais, como observado há muitos anos, nem unicamente ao

espaço Angolano. A língua Umbundu atravessou fronteiras até ao sul de Angola,

estende-se a zona norte da Namíbia, até a parte ocidental da Zâmbia, junto da

fronteira leste com Angola; levada por refugiados angolanos nestes países vizinhos.

Pelo seu número de falantes nativos, esta língua exerce influência considerável sobre o

modo como os Ovimbundu realizam a língua portuguesa. Afinal quanto maior for o

número de falantes de uma LM, maior será a sua influência sobre uma LS.

No espaço geográfico angolano, o Umbundu tem como línguas vizinhas o

kimbundu no Cuanza sul e Malange, o Tchokue nas províncias da Lunda sul e do

Moxico, o Nganguela no kuando-Kubango, Olunyaneka na província da Huíla e os

Oshihelelo na província do Namibe; veja-se o mapa na página 17, em correspondência

com os anexos 3 e 4, para melhor compreensão. Nestes espaços fronteiriços acontece

o continuum dialectal,10 uma situação em que dialectos regionais vizinhos e pouco

distanciados, particularmente em zonas rurais e tradicionais diferem pouco entre si.

Ao contrário, quanto maior for a distância do ponto de contacto, mais acentuada se

torna a diferença entre dialectos (Trudgill, 1992:24). A figura 1 ilustra este ponto de

vista com maior precisão. A nosso ver, este fenómeno linguístico não acontece só com

duas línguas distintas, mas também com um conjunto de variedades componentes de

uma língua específica.

Portanto quando falamos sobre continuum dialectal devemos ter em conta a

distância geográfica entre as línguas em causa, como descrito abaixo.

10

Continuum dialectal, também chamado de contínuo dialectal, é o termo utilizado na linguística para denominar o conjunto de dialectos falados ao longo de uma área geográfica extensa, que apresentam apenas diferenças ligeiras nas zonas geograficamente próximas, e que perdem gradualmente a inteligibilidade mútua à medida que as distâncias se tornam maiores, chegando mesmo a desaparecer esta inteligibilidade (Wikipédia, a enciclopédia livre).

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16

If we travel from village to village, in a particular direction, we notice

linguistic differences which distinguish one village from another.

Sometimes the differences will be larger, and sometimes smaller, but

they will be cumulative. The further we get from our starting point, the

larger the differences will become.11

A relação horizontal de uma língua com a outra é um factor importante na

interacção entre falantes de um(a) dialecto/língua A e de um(a) dialecto/língua B,

como mostra a nossa ilustração abaixo. Quanto mais próximas forem as localidades

dos falantes, mais facilmente estes se entendem, já que passam a partilhar muitos dos

aspectos comuns das suas línguas.

Figura 1. Ilustração do Continuum Dialectal

Dialecto/Língua A Zona de Continuum Dialecto/Língua B

Dialectal

Se analisarmos a situação da língua Umbundu em Angola com base no esquema

exposto, poderemos perceber que esta língua tem variadíssimas probabilidades de

contribuir para a construção de uma série de continuuns dialectais pelo país, em

virtude das suas fronteiras com um vasto leque de outras línguas bantu

tradicionalmente originárias das províncias vizinhas. Em suma, falar da língua

Umbundu implica não só descrevê-la no contexto do espaço nacional angolano, mas

também abrir um debate ao nível do seu contexto numa província específica. A secção

seguinte sugere uma reflexão sobre a língua Umbundu em Benguela.

11

Tradução livre: Se viajarmos de uma aldeia para outra, numa direcção única direcção, notaremos diferenças linguísticas que distinguem uma da outra aldeia. As vezes as diferenças serão miores, as vezes menores, mas serão sempre cumulativas. Quanto mais nos afastamos do ponto de partida, mais as diferenças de se tornam evidentes (Chambers e Trudgill, 1998: 5).

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17

Figura 2. Mapa dos grupos etnolinguísticos de Angola (Fernandes e Ntondo 2002)

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18

II. 2. A língua Umbundu na região de Benguela

É frequentemente afirmado pelo sítio ethnologue não haver dialectos

oficialmente conhecidos da língua Umbundu, na região de Benguela. Contudo estudos

recentemente realizados indicam que naquela região existem quatro subgrupos

etnolinguísticos principais: os Hanha (Muhanha) os Nganda (Munganda), os Tchisandji

e os Quiaca/Tchiaca (Tchiyaka), que são um subgrupo etnolinguístico localizado no

nordeste e no leste de Benguela, na fronteira com a província do Huambo pelos

municípios da Ganda e do Balombo, e que se encontram em maior número na

província do Huambo (Nbalote, 2008: 8). Estes subgrupos compõem o Umbundu de

Benguela; caracterizado em grande medida pelos subgrupos Hanha/Munhanha e

Tchisandji, na medida em que estes ocupam grande parte do território desta província.

Vejamos que;

As variantes da língua Umbundu presentes na província de Benguela

são: Tchisandgi, Muhanha, Munganda, Tchickuma e Tchiyaka/Wambu.

Porém, em algumas localidades que fazem fronteira com as províncias

vizinhas cuja língua nacional/ materna não é o Umbundu, regista-se a

presença de variantes tais como Ndombe, Sele, Kwisi e Nhaneka-Humbi

(Nbalote, 2010: 8).

Importanta referir que os municípios do Bocoio, Cubal, Caimbambo,

Chongoroi, o interior do Lobito e o sudoeste da Ganda na fronteira com o Cubal

constituem o território Hanha e Tchisandji; para mais detalhes ver o anexo 1. Apesar

da sua base fundamentalmente Hanha e Tchisandji, o Umbundu de Benguela ganha

importantes influências externas de outros grandes subgrupos étnicos oriundos do

interior do país, nomeadamente das províncias do Huambo, do Bié e do nordeste da

Huila, cujos povos se instalartam na província de Benguela, com maior incidência na

faixa litoral, em consequência da guerra civil; fundamentalmente durante a guerra pós-

eleitoral de 1992 à 2002. São influências deste tipo que, de modo geral dão corpo a

variante específica da língua Umbundu naquela região, a qual afecta a realização do

Português.

Essas análises remetem-nos ao argumento de que nenhuma língua está isenta

de interacções com outras línguas, partindo do facto de que as línguas coexistem com

Page 27: Sasoma - TESE DE MESTRADO VF.pdf

19

o homem que ao longo da sua existência sempre teve necessidade de comunicar com

os seus semelhantes na busca de soluções para problemas que o afligem. Este ponto

de vista espelha com bastante clareza que as línguas sempre sofreram processos

internos e externos de transformação até chegarem a forma que hoje conhecemos. O

Umbundu não é isenção a esta regra lenta e espontânea. Por estes factos, se torna

imprescindível falar do seu estatuto.

II.3. Estatuto da língua Umbundu em Angola

A língua é dos instrumentos sociais mais utilizados pelo homem; por isso se

torna natural analisá-la do ponto de vista do seu estatuto num contexto social

específico. Voltando ao que afirmamos antes, o Umbundu é a língua bantu mais falada

em Angola com cerca de 37% de falantes nativos, muitos dos quais, senão a maioria,

têm-na como língua única. Isto sugere um olhar sobre o estatuto da língua Umbundu

em Angola e na província de Benguela. Que estatuto se confere a esta língua naquele

país? Tal como acontece com outras línguas de raiz bantu, o Umbundu vai lentamente

ganhando prestígio nos meios oficiais do estado, com maior destaque na comunicação

social; na Rádio Nacional de Angola (programa asapulo), na televisão (jornal nacional,

programa ondjla), na imprensa escrita (jornal ondjango da cidade do Huambo) no

teatro (campanhas de sensibilização comunitária) e noutras diversas formas de

comunicação e interação social.

Apesar deste progresso notável, que se deve sobretudo a necessidade de

comunicação/informação entre povos, ao esforço do INSTITUTO DE LÍNGUAS

NACIONAIS (ILN); com promoção periódica de debates sobre línguas nacionais (o II

encontro realizado em Setembro de 2004 em Luanda, o III em 2008 realizado no

Huambo e o IV realizado em 2010 na cidade do Uíge), das igrejas cristãs, das

associações cívicas e instituições anónimas; há ainda muito a fazer para o avanço que

se pretende alcançar com vista ao uso desta língua nos sectores formais da vida de

Angola. Um dos factores desfavoráveis a qualquer esforço que se faça no sentido da

inserção desta nas instituições oficiais do aparelho do estado é o facto de a grande

maioria de falantes nativos da língua Umbundu ser analfabeta na sua própria língua.

Por isso nos parace necessária a criação de um sistema de alfabetização nacional mais

funcional, com investimentos eficazes na formação de quadros em centros

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20

especializados, no sentido de se resolver este, que nos parece ser um dos mais sérios

problemas em Angola. Esse é, na nossa perspectiva, um caminho necessário com vista

o alcance soluções sustentáveis, na intenção de se elevar o estatuto das línguas

nacionais de Angola com efeitos inclusivos para a língua Umbundu. Assim seria pouco

relevante evocarem-se razões de remanescência colonial e de conflito interno como

factores impeditivos para o alcance deste objectivo. A proposta de lei sobre o estatuto

das línguas nacionais, apresentada pelo Ministério da Cultura da República de Angola

em Julho de 2004, é um passo significativo na implementação e normalização do uso

das línguas Angolanas nos meios formais porque, e de acordo com o que se lê na

referida proposta:

‘elas [as línguas nacionais] são o resultado do esforço de adaptação do

nosso povo [povo angolano] ao meio ambiente, pessoas e bens e da sua

necessidade de transmissão dos seus saberes e sentires. Na essência

elas são o meio de pensar e de comunicar entre elementos de uma

comunidade específica, que é a nossa, constituindo, *…+ a expressão da

real totalidade do seu eu profundo’ (Ministério da cultura, 2004: 2).

O facto de haver programas de rádio e de televisão na língua Umbundu, assim

como existência de angolanos de alto status social como dirigentes políticos, membros

das estruturas governamentais, líderes religiosos (estes desde a implantação do

cristianismo) e empresários a usar frequentemente o Umbundu, mostra a necessidade

imperiosa desta institucionalização. Esta realidade nos parece uma manifestação clara

da necessidade de recuperação deste instrumento sócio-cultural dos Ovimbundu.

O programa de implementação das línguas nacionais no sistema de ensino que

‘visa contribuir para o resgate da identidade linguística nacional e preservar as línguas

onde são faladas’ (Chamunhongo, 2010) é, a nosso ver, um passo muito importante

com vista a levar as novas gerações não só, a um conhecimento sólido sobre a língua

do povo do centro sul de Angola, mas também ao hábito e competência no seu uso

frequente e sobretudo diário e consistente à semelhança do que acontece com outros

povos da África: os da África do norte, os do Zimbabwe, os da Zâmbia, os da Namíbia,

por exemplo.

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21

Como se pode perceber, os angolanos precisam de percorrer um longo

caminho para que dentro de alguns anos se possa ver em Angola com maior exposição

e frequência trabalhos escritos e discursos falados nas línguas bantu de Angola, tal

como o Umbundu, já que tal como sublinhou Kukanda (2007) ‘*as línguas nacionais+

podem jogar um papel integrativo para milhares de pessoas que não se reconhecem

na língua Portuguesa.’ Depreende-se das palavras deste linguista que as línguas

nacionais revestem-se de uma papel integrativo de capital importância, por existirem

em Angola milhares de pessoas cuja língua de comunicação é unicamente uma das

línguas bantu locais. A ascensão do estatuto da língua dos Ovimbundu como de outras

línguas locais depende grandemente de um conjunto de tarefas combinadas,

coordenadas e interinstitucionais como o fazem INSTITUTO DE LÍNGUAS NACIONAIS, as

associações civis etc., na perspectiva da criação de condições objectivas que evoluam

progressivamente para o alcance e estabilização do estatuto do Umbundu no espaço

angolano. Como se descreve o estatuto deste língua na região de Benguela?

II.4. Estatuto da língua Umbundu em Benguela

Ao contrário do que acontece nas províncias do Bié e Huíla onde as línguas

tradicionais coabitam activamente com outras línguas nacionais12, o Umbundu é a

única língua local em Benguela, a semelhança da situação linguística da província do

Huambo. Por assim ser, estão estabelecidas as pré-condições para que neste espaço

do território angolano esta língua tenha maior facilidade de conquistar e de se

estabelecer em ambientes mais formais. Tal como acorre com outras línguas locais

pelo país, em Benguela o Umbundu tem o seu espaço social expontaneamente

estabelecido, tendo em conta que esta língua se liga ao quotidiano de milhares de

pessoas que, mesmo sabendo falar a língua Portuguesa, têm-na como um instrumento

válido para sua actividade quotidiana13. Como evidência temos o facto de na maioria

12

Na província do Bié o Umbundu convive activamente com a língua Nganguela do Kuando-Kubango e na província da Huila quatro línguas nacionais coabitam, nomeadamente: o Nhaneka-Humbi, o Nganguela, o Oshikuanhama (dialecto da língua Oshiwanbo) e o próprio Umbundu. Nesta província a provincial da Rádio Nacional de Angola emite nas quatro línguas, em paralelo com o Português. 13

Em Benguela por exemplo, à semelhança de outras paragens de Angola, a língua Umbundu é utilizada na comunicação interpessoal, com maior predominância na zona rural; é também utilizada nas actividades culturais, na literatura, na política e na envangelização (Nbalote, 2010: 9).

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22

dos casos, os problemas mais candentes do dia-a-dia serem resolvidos com base nos

usos e custumes da língua Umbundu. Afinal;

Cada língua é um vasto sistema diferente dos outros no qual são

ordenadas culturalmente as formas e as categorias pelas quais as

pessoas não só comunicam como também analisam a natureza e os

tipos de relações e de fenómenos, ordenam o seu raciocínio e

constroem a sua consciência (Whorf, 1956: 252 citado em Mateus et.al,

2006: 4).

Na província de Benguela, particularmente na sua cidade capital, iste fenómeno

social passou a ser mais frequente a partir de 1992, altura em que milhares de pessoas

vindas do interior do país passaram a viver nesta cidade forçadas pela guerra pós-

eleitoral. Esta grande massa popular, em conjugação com falantes do Umbundu

residentes e nativos de Benguela, constituem hoje um importante fundo populacional

a partir do qual se podem desenvolver políticas tendentes à valorização e

consequentemente uso mais generalizado da língua local. Um dos exemplos

inequívocos desta realidade é a constatação do estudo de Lucunde, Sicala e Maurício

(2008), em que se evidenciou o uso da língua local na EMISSORA PROVINCIAL DE

BENGUELA (EPB), na EMISSORA REGIONAL DO LOBITO (ERL), assim como na

TELEVISÃO PÚBLICA DE ANGOLA (TPA), esta última em emissão local. Milhares de

Benguelenses não têm ligação activa com o português escolarizado, uma vez que

grande parte de sua vida está essencialmente ligada com a cultura e língua Umbundu.

Daí a influência que essa comunidade linguística exerce sobre a língua Portuguesa,

como notaremos em algumas expressões levantadas em campo.

Na província de Benguela existem diversas denominações religiosas

essencialmente cristãs, entre as quais se destacam as igrejas católica, evangélica,

adventista e tocoista, que usam a língua Umbundu em grande medida. Isto não só

eleva cada vez mais o orgulho dos próprios povos, mas também os ajuda a construir

um estatuto mais privilégiado da própria língua ao nível local. A crença religiosa

reforça o ego das pessoas, contribuindo de forma significativa para o autoconceito

positivo e consequente crescimento da sua auto-estima. Na igreja católica, por

exemplo, as celebrações mais populosas e acaloradas se realizam na língua local e

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23

aliado a isto está o facto de a literatura religiosa estar traduzida e suficientemente

disponível em Umbundu; o mesmo ocorre nas igrejas evangélica, adventista e tocoista.

Como se pode aferir, esta língua cobre uma grande massa humana em Benguela. Este

facto pode servir de base para criação de políticas que visem uma interação

institucionalizada das estruturas do estado com as comunidades locais o que

contribuiria bastante para que a sua língua não só tenha, mas também mantenha, um

prestígio e um estatuto, de facto. As campanhas de sensibilização nos serviços de

saúde pública, no registo eleitoral; realizadas na língua local são sinais da importância

desta língua de milhares de cidadãos, na definição de políticas públicas do próprio

estado. Outro exemplo neste sentido são as campanhas de comunicação púbica14 na

altura de eleições gerais,15 cujo sucesso, em Benguela, tem dependido em larga escala

do uso da língua deste povo.

As línguas locais têm um estatuto intrínseco que é, por natureza, construído

através dos hábitos, costumes e crenças dos próprios povos, visto que nenhuma língua

está dissociada da cultura dos seus falantes nativos. Portanto, pensamos que deve ver-

se o estatuto de uma língua não só a partir do tratamento que esta tem das estruturas

do estado, mas também e essencialmente da forma como os seus utentes a tratam.

Esperamos com essas asserções ter contribuído para uma compreensão mais

clara do estatuto da língua Umbundu num país de grande diversidade linguística, unido

pela língua Portuguesa, sendo esta a única que cobre todo espaço nacional. No nosso

ponto de vista há ainda muito para fazer, para dizer e para escrever quanto aos

estudos linguísticos essencialmente no diz respeito ao que a linguística chama de

análise contrastiva, numa perspectiva da linguística comparada. O próximo capítulo se

encarrega deste tipo de análise, fazendo um exame comparativo entre o Umbundu e o

Português.

14

Em momentos de campanha eleitoral decorrem os chamados comícios em que políticos apresentam os seus programas de governação, falando para multidões de potenciais eleitores, num espaço em ar livre. 15

Os partidos MPLA (MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÂO DE ANGOLA) e UNITA (UNIÃO NACIONAL PARA A INDEPENDÊNCIA TOTAL DE ANGOLA) usam com mais vitalidade a língua Umbundu durante as campanhas eleitorais por Benguela.

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24

Capítulo III: Descrição e análise das línguas em contacto

Ao longo dos anos o homem foi viajando pelo mundo na procura de soluções

para os seus problemas, ambicionado melhores condições de vida. Por via disso, como

é do domínio geral, a língua Portuguesa chegou ao território que hoje é Angola através

do navegador português Diogo Cão junto da foz do rio Zaire em 1482. Esta chegada

provocou um longo período de convivência entre os povos aí encontrados e os

navegadores, com influências de vária ordem de hábitos de uns sobre os hábitos de

outros e vice-versa. Como não podia deixar de ser, um dos elementos directamente

afectados é a língua por ser um dos principais instrumentos de comunicação entre

povos. A partir desta altura, passou a haver coabitação entre a língua Portuguesa e as

línguas locais, resultando em interferências de uma sobre a outra língua, nos mais

diversos aspectos do seu fucnionamento. Nestas circunstâncias a língua Portuguesa foi

tendo um conjunto diversificado de influências das línguas bantu por Angola, levando

a que esta tomasse uma característica própria em cada região, em virtude do seu

contacto com as línguas locais.

Em Benguela este língua de origem europeia apresenta características

particulares, como resultado do seu contacto com a língua Umbundu. Este capítulo

trata destas de algumas destas particularidades, estando para o efeito dividido em três

partes essencias. A primeira faz uma caracterização geral da língua Umbundu,

começando por apresentar o sistema de classes nominais, a marca do sujeito, a marca

do singular e seu correspondente no plural e finalmente as marcas do diminutivo e do

aumentativo. A segunda trata dos paradigmas do plural, do diminutivo e do

aumentativo na língua Portuguesa, enquanto a terceira faz uma abordagem sobre as

diferenças entre as duas línguas no que diz respeito aos paradigmas e marcas do

plural, do diminutivo e do aumentativo e termina com análises das frases levantadas

em contexto de investigação.

III.1. Caracterização da estrutura da língua Umbundu

Fazer a caracterização de uma língua bantu como o Umbundu que está

codificado em R10 na classificação de Guthrie (1967), implica abordar

fundamentalmente sobre elementos que, de modo geral, caracterizam o seu grande

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25

grupo linguístico. Ngunga (2004:50-52) menciona os seguintes critérios que distinguem

as línguas bantu das outras.

A) Critérios principais

1. Os indicadores de género devem ser prefixos por meio dos quais os nomes

podem ser distribuídos em classes, cujo número varia, geralmente, entre 10 e

20.

2. As classes por sua vez devem normalmente estar associadas em pares que

opõem o singular ao plural de um dado género. Além dos géneros de duas

classes existem géneros de uma só classe, em que se verifica a oposição

singular/plural e o prefixo da classe pode ser idêntico ou não a um dos prefixos

(seja plural, seja singular) de um dos géneros das duas classes. Outras vezes a

oposição pode ser triplicada, podendo, além de se distinguir do plural, também

se distinguir dos dois números e do colectivo;

3. Quando uma palavra tem um prefixo independente (PI), prefixo nominal, como

indicador de classe, toda a palavra a si subordinada deve concordar com este

por meio de um prefixo dependente (PD) ou prefixo de concordância;

4. Não deve haver correlação entre o género e a noção de sexo ou qualquer outra

categoria semântica claramente definida. Portanto, dá-se ao termo ‘género’ um

sentido mais vasto, sem referência necessária ao sexo, ou sem analogia clara

com a distinção natural, (Bleek, 1869: 94), mas apenas como uma categoria de

concordância gramatical.

5. As línguas bantu devem ter um conjunto de radicais (RAD) invariáveis desde as

quais se forma grande parte das palavras por aglutinação de afixos,

apresentando os seguintes traços:

a. Os radicais devem apresentar-se sem afixos;

b. Juntando-se-lhes sufixos gramaticais devem formar bases verbais;

c. Juntando-se-lhes os sufixos lexicais devem formar termos normais;

d. Entre o radical verbal e o sufixo deve ser possível inserir-se um sufixo

derivacional chamado morfema de extensão.

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26

Estes são alguns dos critérios através dos quais se distingue as línguas bantu,

baseados nos estudos realizados por Guthrie desde 1940 e divulgados perto de 30

anos depois. De acordo com Guthrie (1967: 11), uma das características destas línguas

é terem o processo de formação de palavras por aglutinação; por isso uma análise

deste processo pode ser baseada no método de fragmentação. Falando

particularmente da língua Umbundu, Valente (1964: 47) aponta resumidamente o

seguinte:

a) O radical de uma palavra pode manter-se íntegro, conservar a sua significação e

receber uma nova ideia com a classe em que se cataloga;

b) Numa classe o classificador pode ser um só para o singular e múltiplo no plural,

segundo a categoria do nome pluralizado e pode haver uma forma comum do

plural para diferentes classificadores.

III.1.1. Classes nominais

Nas línguas bantu os nomes, vistos do ponto de vista da sua estrutura

morfossintáctica, envolvem classes nominais, concordância e derivação. A seguir é

apresentada cada uma das classes nominais na base da classificação desenvolvida por

Bleek (1869), Valente (1964), Guthrie (1967) e Schadeberg (1990), a partir da qual é

descrito o sistema de classes nominais na língua Umbundu.

1) A classe 1 com o prefixo u denota seres humanos. Por exemplo: ulume

(homen), ukaî (mulher), ukuendje (jovem), umalehê (rapaz) e tem o plural na

classe 2 com prefixo a . Assim temos: alume, akaî, akwendge, amalenhê.

2) A classe 3 com o prefixo u indica nomes de árvores ou outras plantas, a

qualidade moral da pessoa, ofícios, nomes dos animais e partes do corpo

humano: upindi (perna), utwe (cabeça), uti (árvore), umbombe (bondade) e

tem o plural na classe 4 cujo prefixo e´ovi/ovo: ovipindi, ovitwe, oviti,

ovombombe.

3) A classe 5 com prefixos e-/i também engloba nomes iniciados em l e que em

Umbundu têm classificador singular. Esta classe se refere a actividade

externa, indica instrumento de trabalho, fenómenos naturais, animais, partes

do corpo humano e também serve de aumentativo e expressa o sentido

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pejorativo. Vejamos nos exemplos: etemo (enxada), etuî (orelha), endunde

(aluvião), elingãlo (camalhão), eyui (louco, maluco), eveke (parvo).

4) A Classe 6 com o prefixo a funciona como plural das classes 1 e 5. Também

denota líquidos, serve ainda como referência de tempo. Nessa classe temos:

atemo, atuî, andunde, alingâlo, ayui, anhamo.

5) A classe 7 com prefixos tchi/otchi indica partes do corpo, instrumentos de

trabalho, denota animais, nomes de doenças e pessoas importantes. É

também pejorativa, aumentativa e designa números: otchitele (instrumento),

octhitende (demente), tchimbanda (médico), tchinhama (animal), otchita

(cem), otchindjo (casarão) e tem o plural na classe 8 com prefixo ovi. Como

exemplos temos: ovimunu, ovitele, ovitende, ovimbanda, ovinhama, ovita.

6) A classe 9 com prefixos o/ni denota animais, pessoas especiais, partes do

corpo e instrumentos. Por exemplo: ningui (lobo), ondimba (coelho), ondjali

(mãe), osandgi (galinha).

7) A classe 10 serve de plural das classes 9 e 11, com o prefixo olo-ni. Por

exemplo: oloningui, olondimba, olonjali, olosanji, olonelengue, olonsi.

8) Com prefixo lu-olu, a classe 11 refere-se a objectos compridos e finos, indica

reserva, círculo, habitat. Engloba parte dos vermes e peixes. Tomemos como

exemplo: olunelengue, olueyo (vassoura), olunsi (peixe), olunhe (mosca),

olumenhe (barata), oluhamwe (mosquito).

9) Temos a seguir a classe 12 que tem sufixos diminutivos e aumentativos ka-

oka. Por exemplo: okalunelengue, okalueyo, okalunsî, okalumenhe,

okaluhamwe.

10) Com prefixos otu-tu esta classe 13 faz o singular da 12 e as vezes da 14. Por

exemplo: otulunelengue, otulueyo, otuhamwe.

11) A classe 14, se refere ao singular de nomes abstractos e coisas incontáveis.

Exemplo: ovava (água), ofela (vento).

12) A Classe 15 de prefixo oku, refere-se ao infinitivo dos verbos e a algumas

partes do corpo. Geralmente leva o plural na classe 6. Exemplo: okwenda

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(marchar, andar, ir embora), okupapala (brincar), okulo (perna), okutanga

(estudar).

13) A Classe 16 é locativa situacional po. Esta classe não tem plural, tem poucas

palavras das outras classes. As palavras pondjo (Junto da casa), pomanu (no

seio de gente), posicola (junto a escola), ponjila (próximo do caminho), são

alguns dos exemplos desta classe.

14) A Classe 17 é locativa direccional ko. Não tem plural, nem tão pouco palavras

das outras classes. Exemplo: kondjo (para casa/ a casa), kosicola (para/ a

escola), konjila junto do caminho.

15) A Classe 18 funciona como locativa de integridade mo. Assim como as classes

16 e 17, esta também não tem plural e apresenta poucas palavras das outras

classes: mondjo (na casa), mosicola (na escola), monjila (no caminho).

Como se pode ver nesta descrição, em Umbundu a formação do plural não se

procede acrescentando es, oes, eis, ces, s ao substantivo ou adjectivo, como acontece

na língua Portuguesa, mas por flexão do prefixo. Vejam-se as classes 9 e 10, onde

aparece a palavra ningui, (hiena), cujo plural é oloningi, por exemplo. Pode-se ver que

para a formação do plural da palavra ningui, coloca-se o prefixo da classe 10 olo no

substantivo ningi da classe 9; sem acréscimo das letras s, es, ões, is, ces, em que ao

invés de oloningi teríamos ningis. É vital sublinhar que regra geral cada uma das classes

nominais corresponde a uma ou mais categorias, havendo por outro lado categorias

que aparecem em mais de uma classe; as de animais e partes do corpo são os casos

mais frequentes. Importa referir que ao contrário de outras línguas bantu, na língua

Umbundu não existem palavras para as classes 19, 20, 21, 22 e 23. Para Ngunga (2004:

111) os prefixos reconstruídos que foram apresentados nas listas de Bleek e na

classificação de Guthrie variam de língua para língua, obedecendo à evolução fonética

de cada idioma. Assim, nem todas as línguas comportam 23 classes nominais. Portanto

a língua Umbundu ainda não atingiu um nível de evolução que dê cobertura às classes

que vão da 19 à 23. Importa referir entretanto que, apesar disso esta língua tem as

suas características tipicamente basedas no grande grupo bantu, tal como foi

previamante dito. A seguir falamos sobre algumas destas características, destacando a

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marca do sujeito, a marca do singular e o respectivo correspondente no plural, sem

deixar de parte as marcas do diminutivo e do aumentativo.

III.1.2. Marca do sujeito

Os homens descrevem acções, situações, estados ou fenómenos remetendo-os

aos seus sujeitos. Na língua Umbundu o sujeito é expresso por um tema/marca

associado a uma forma verbal; como é comum nas línguas bantu. Dito noutros termos,

todos os nomes e pronomes pessoais podem desempenhar a função de sujeito. Para

tal precisam de ter na sua estrutura verbal um morfema co-referente do sujeito. Regra

geral, este morfema ocupa a posição inicial da estrutura verbal, segundo Ngunga

(2004:156). Veja-se nos exemplos seguintes:

Ame ndipandula = Eu agradeço│Ovo vapandula = Eles agradeceram.

Omala vapapala = As crianças brincam │ Ove wapopya = Você disse.

Como se pode ver, os morfemas em negrito apararecem no princípio da

estrutura do verbo em correspondência com o sujeito representado nas palavras

sublinhadas. Ocorre neste caso uma flexão do verbo, através do morfema co-referente

do sujeito. Aqui reside uma das diferenças entre a estrutura morfo-sintáctica do

Umbundu e a do Português. Repare-se na frase: Ovo vapandula por exemplo que, o

sujeito ovo está na 3ª pessaoa do plural, sendo para este o morfema co-referente va,

enquanto na frase Ame ndipandula, ame é o sujeito, sendo por isso o morfema a si

correspondente ndi. Como se vê, os morfemas de concordância fazem a sua flexão

dependendo do sujeito da frase e ficam, como o temos dito repetidas vezes,

posicionados no início da estrutura verbal, à semelhança do que ocorre na formação

do plural, como veremos adiante com mais detalhes.

Numa comunicação mais preocupada com a efectividade e a eficiência da

mensagem, ocorre a omissão do sujeito, sem prejuízo para a comunicação como tal.

Ngunga (204:157) nos ajuda a perceber este facto com maior clareza quando diz ‘para

efeitos de comunicação normal em que o contexto já se tenha constituído

previamente, o sujeito vê-se muitas vezes dispensado de aparecer na frase, sobretudo

quando este é pronome pessoal’. Retomando a frase: Ovo vapandula, numa

comunicação em que os interlocutores já tenham percebido o contexto, pode-se

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omitir o sujeito, conservando mesmo assim a ideia que se exprime e fica somente

vapandula que em Português se converte em: elas/elas agradecem. Note-se que

mesmo dispensando o sujeito, a mensagem que se pretende passar não fica

prejudicada. Este caso específico assemelha-se com o que acontece na língua

Portuguesa; vejamos que se por exemplo alguém diz: casou-se em Outubro, o seu

interlocutor entenderá de imediato que o sujeito desta frase é, sem dúvida a 3ª pessoa

do singular ele/ela. Importa aqui referir que, em Umbundu, enquanto os sujeitos

ocorrem de forma facultativa, os morfemas co-referentes a si ocorrem

obrigatoriamente, na medida em que o sentido a ser tomado pela frase depende

estritamente dos seus co-referentes isto é, os morfemas funcionam como elementos

estruturantes da ligação entre o sujeito e o facto a si correspondente. Similar a este

processo está a formação do plural, o qual descrevemos seguidamente.

III.1.3. Marca do singular e o seu correspondente no plural

O processo de formação do plural em Umbundu decorre por prefixação,

através da colocação de um prefixo/marca ou tema ao radical correspondente

(Valente, 1964). Passamos desde já a tratar detalhadamente da correspocencia entre a

marca do singular e respectivo correspondente do plural.

Quando descrevemos as classes nominais, dissemos que há um conjunto de

classes que correspondem entre si para exprimir a noção de número, nomeadamente

as classes de 1 a 11 incluindo as classes 13 e 14. Estão isentas desta regra as classes 12

(diminutivos) 15 (infinitivo dos verbos) e 16, 17, 18 as quais se referem as classes

locativas, situacional, direccional e de integridade respectivamente

O quadro 1 apresenta um resumo da regra de construção do plural na língua

Umbundu, de acordo com Valente (1964). Vejamos que, do mesmo modo em que se

processa a concordância da forma verbal com a marca do sujeito, aqui o tema/marca

co-referente para a formação do plural muda em correspondência com o número

expresso pelo sujeito. Com ajuda do quadro passamos a analisar as expressões abaixo,

para melhor entendermos este processo.

a. Ondjo yatekateka (A casa desabou) = Olondjo vyatekateka.

b. Etemo lyanholehâ (A enxada estragou-se) = Atemo anholehâ.

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c. Otchimbanda tchotchili (ele é um médico competente) = Ovimbanda

vyotchili.

Quadro 1. Resumo das marcas do singular e do seu correspondente no plural (Adaptado de Valente, 1964)

Se tomarmos em atenção os morfemas em negrito notaremos que estes se

antepõem aos radicais das palavras para concordar com os respectivos sujeitos.

Olhando especificamente para a frase c, note-se que ao sujeito

otchimbanda/ovimbanda se submete toda a estrutura da frase, havendo em ambos os

casos plural e singular uma anteposição dos morfemas que indicam o número e

flexionam em concordância com o próprio sujeito. Em virtude destes factos, entende-

se que o paradigma do plural tanto dos substantivos, quanto dos adjectivos em

Umbundu, tem sido um dos elementos que falantes nativos desta língua

frequentemente transferem para a língua Portuguesa, afectando desde já aspectos da

mesma categoria. Nas frases abaixo apresentamos três categorias regidas por esta

regra.

1. Plural dos Substantivos

Com base nos procedimentos já referidos passamos a descortinar as frases

abaixo, tomando em atenção as palavras em negrito. A palavra vivali busca o tema olo,

para a formação do plural de osikaleta, resulatando na palavra olosikaleta. O mesmo

tem lugar na frase b) em que vyalwa se submete ao radical olo.

Singular Plural Exemplos

Class Marca Class correspond Marca Sing Pl

1 u 2 e 6 a ulume (homen), alume

3 u 4 ovi-ovo upindi (perna), ovipindi

5 e-/i 6 a etemo (enxada), atemo

7 tchi/otchi 8 ovi otchita (cem) ovita

9 o/ni 10 olo-ni ningui (lobo), oloningui

11 lu-olu 10 olo-ni olunhe (mosca), olonhe

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a) Eye walanda olosikaleta vivali (plural) = Ele comprou duas bicicletas.

b) Eye okwete olosikaleta vyalwa (plural) = Ele tem muitas bicicletas.

2. Plural dos adjectivos

Como se sabe, os adjectivos expressam uma certa qualidade ou característica

de um substantivo. Nos exemplos a seguir mostramos como isto ocorre na língua

Umbundu. A palavra alume cujo singular é ulume tem seu co-referente a marca va, em

vapama na frase a). Em b) temos olondjo (plural de ondjo) com o seu sujeito e tem a

marca vya na palavra vyafina para concordância.

a) Pakala vamwe alume vapama (plural) = Havia homens fortes.

b) Olondjo vyahe vyafina tchalwa (plural) = As casas dele são muito bonitas.

3. Flexão verbal na 3ª pessoa do plural

Lembramos que na 3ª pessoa do plural a construção obedece aos mesmos

critérios. A palavra Etu na frase a) tem o co-refente tu em tukasi e Ovo em b) busca a

marca va em vavangula.

a) Etu tukasi palo pemi lyuti (1ª P.Plural) = Estamos aqui de abaixo da árvore.

b) Ovo vavangula Umbundu (3ª P.Plural) = Eles falam/ sabem falar Umbundu.

Nota-se então que a característica típica da constituição morfológica da língua

Umbundu é baseada na anteposição dos morfemas de modificação ao radical da

palavra para dar-lhe o sentido desejado. Daí que, na generalidade, os falantes nativos

desta língua tendem a aplicar esta regra na língua Portuguesa, sem se darem conta de

estar a usar uma estrutura bantu no Português. Este fenómeno afecta outros aspectos

da estrutura gramatical, dos quais destacamos o diminutivo e o aumentativo tanto dos

substantivos quanto dos adjectivos.

III.1.4. Marcas do diminutivo e do aumentativo

Baseado nas classes 12 e 7 respectivamente, ambos o diminutivo e o

aumentativo na língua Umbundu, também funcionam com anteposição das suas

marcas/temas ao radical da palavra. Olhando de forma pormenorizada sobre estas

classes nota-se que o ka/oka (classe 12) e o tchi/otchi (classe7), são temas usados

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para as duas construções. Assim, a classe 12 funciona para o diminutivo enquanto a 7

comporta o aumentativo, como se espelha nos quadros 2 e 3 respectivamente.

Quadro 2: Ilustração sobre a construção do diminutivo (Adaptado de Valente, 1964; Schedeberg 1990 e Do Nascimento, 1894).

Substantivo (Umbundu)

Português

Diminutivo

Singular Plural

ombwa Cão okambwa okalombwa

Ondjo Casa okandjo okalondjo

ohombo Cabrito okahombo okalohombo

imbo Aldeia okambo okavambo

Vejamos alguns exemplos no logo a seguir.

a) Okalombwa kelye? = De quem são os cachorros?

b) Okalohombo kange = São meus cabritinhos.

c) Pali kamwe okandjo pemi lyomunda = Há uma casa junto da montanha.

d) Kowambu okavambo kalisungwe = Na província do Huambo as aldeias

estão muito próximas umas das outras.

Repara-se que nestes exemplos os morfemas, de igual modo, aparecem

antepostos ao radical da palavra para expressar a ideia do diminutivo do substantivo

em causa, em concordância com o sentido que se pretende dar à frase. Tal como

ocorre no diminutivo, no aumentativo os morfemas da sua marca posicionam-se no

princípio da palavra para exprimir a ideia construída sobre o sujeito em causa:

a) Vowavela otchindjo kombaka = Ofereceram lhe um casarão em Benguela.

b) Ovimbaluku ndavikomohâ = Estou pasma pelos barcos.

c) Akwendje ava ovindululu viotchili = Estes rapazes são muito malandros.

Com análise deste quadro terminamos a abordagem da primeira parte do

presente capítulo que, tendo caracterizado o sistema de classes nominais e tratado das

formas de construção do plural, da formação do aumentativo e do diminutivo em

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Umbundu, preparou-nos para discussões em volta destes paradigmas na língua

Portuguesa.

Quadro 3. Ilustração sobre a construção do aumentativo (Adaptado de Valente, 1964; Do Nascimento, 1894 e Dicionário Prático Português-umbundu, s.d)

Substantivo (umbundu)

Português

Aumentativo

Singular Plural

ondjo Casa otchindjo ovindjo

ombaluku Barco otchimbaluku ovimbakulu

– Casaco otchikutu ovikutu

– Malandro otchindululu ovindululu

III.2. Formação do plural na língua portuguesa

Ao contrário do que foi descrito no Umbundu, o plural na língua Portuguesa

obedece a um processo de sufixação com acréscimo de morfemas sobre a palavra

base. Assim sendo, passaremos a falar sobre as regras de formação do plural em

português na base de Cunha e Cintra (1999: 181-186) e de Estrela (2012: 74-80), para

que mais adiante possamos levar a cabo uma análise comparada das duas linguas, nos

aspectos a que nos temos referido ao longo do nosso trabalho.

1. Regra geral os substantivos terminados em vogal ou ditongo formam o plural

acrescentando -s ao singular: carro/carros, boné/bonés;

2. Quando o substantivo termina em -n, -r, -s -z, acrescenta-se -es:

carácter/caracteres, cadáver/cadáveres, júnior/juniores, sénior/seniores,

deus/deuses, noz/nozes, raiz/raízes. A mesma regra serve para ditongos: boi/

bois, pai/ pais, lei/leis, herói/ heróis, por exemplo, havendo isenção para certos

substantivos uniformes tanto para o singular quanto para o plural: o/os lápis,

o/os cais, o/os ourives, o/os, pires o/os alferes;

3. Os substantivos terminados em -ão formam o plural de três maneiras distintas:

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Em iões temos, entre outros: balão/balões, canção/canções,

confissão/confissões, coração/corações eleição/eleições, estação/estações,

fracção/fracções, nação/nações;

Em -âes: alemão/alemães, bastião/bastiães, cão/cães, capelão/capelões,

capitão/capitães, catalão/catalães, escrivão/escrivães, etc;

Em ãos discriminados os substantivos cidadão/cidadãos,

cortesão/cortesões, bênção/bênçãos, cristão/cristãos, irmão/irmãos,

pagão/pagãos, e os monossilábicos tónicos: chão/chãos, grão/grãos,

mão/mãos, vão/vãos.

Alguns substantivos terminados em -ão apresentam mais de uma forma para o

plural, sendo a terminação -ões a mais frequente. Por exemplo:

alão – alãos alões / alazão – alazões /aldeão – aldeãos; aldeães; aldeões;

anão - anãos; anões/ ancião – anciãos; anciões; anciães;

hortelão – hortelões; hortelões/ refrão – refrães/refrãos;

sacristão – sacristães; sacristãos.

4. Quando os substantivos terminam em -al, -el, -ol e -ul do singular passam a -is:

papel/ papéis, álcool/ álcoois, paul/ pauis. Nos substantivos terminados em -il,

o -l passa a -is se forem palavras agudas: barril/barris, canil/canis; o -l passa a -

eis se forem graves: projéctil/projécteis, réptil/répteis; com excepções das

seguintes palavras: aval/ avales, cônsul/ cônsules, fel/ feles/ féis, mel/meles/

méis, móbil/ móbiles, til/ tiles.

5. Os terminados em -x mudam o -x para -ces: cálix/cálices, índex/ índices. As

excepções a esta norma abrangem as substantivos o/os clímax, a/as fénix, o/os

ónix, o/os tórax.

Apresentamos aqui as normas principais para a formação do plural dos

substantivos em português, de acordo com Cunha e Cintra (1999) e Estrela (2012), em

que não mencionamos os substantivos compostos, já que não constituem o foco deste

trabalho.

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No que diz respeito aos adjectivos, estes concordam em número com os

substantivos que qualificam, formando o plural conforme as regras destes (Estrela

2012), Cunha e Cintra (1999). Assim temos, por exemplo: mulher nervosa/ mulheres

nervosas; carro caro/carros caros; aldeão malandro/aldeões malandros, sacristão

pontual/ sacristãos pontuais; jogador talentoso/ jogadores talentosos; perfume

francês/ perfumes franceses; aluno estudioso/ alunos estudiosos.

A diferença da formação do plural entre o Português e o Umbundu reside no

posicionamento dos afixos. Lembramos por outras palavras que, enquanto na língua

Portuguesa se forma o plural acrescentando sufixos sobre as palavras-base, na língua

Umbundu a formação do plural obedece à colocação de prefixos com as devidas

flexões. Mais adiante apresentamos esta comparação com alguns exemplos.

III.3. Paradigmas do diminutivo e do aumentativo

Antes de prosseguirmos afigura-se-nos importante dizer que ‘o substantivo

pode variar em grau, adquirindo a sua significação normal um valor diminutivo ou

aumentativo’ Estrela et al (2012: 80-81). De acordo com os autores, os substantivos no

diminutivo adquirem uma significação atenuada de duas maneiras:

a) através de um adjectivo: carro pequeno; rapaz inteligente;

b) através dos sufixos que podem ser usados com valor afectivo, carinho, prazer

ou desprezo e troça: Avistei-me com o Carlinhos na Igreja.

Ao contrário da primeira em a), a segunda maneira descrita em b, contém um

conjunto de regras distintas.

-inho (-a), zinho (a), -ino (a), -im: caminha, cafezinho, pequenino, farolim;

-acho (-a), icho (-a), ucho (-a): riacho, barbicha, papeluchos,

-ebre, eco (-a): casebre, livreco;

-ela, el: ruela, cordel

-elho (-a), - ijo, -ilho (-a): rapazelho, quintalejo, mantilhas;

-ete, -eto (-a), -ito (-a), -zito (-a): palacete, saleta, cabrita, florzita;

-oto (-ota): casinhoto, casota;

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-isco (-a), usco (-a): chuvisco, chamusco;

-ola: portinhola, bandeirola.

Para Cunha e Cintra (1999: 187), nos diminutivos formados com sufixos – zinho

e –zito, tanto o substantivo primitivo como o sufixo vão para o plural, desaparecendo

porém o -s do substantivo primitivo. Vejamos abaixo:

Balãozinho/ Balõe (s) + zinhos = balõezinhos;

Papelzinho/ Papéi (s) + zinhos = papeizinhos;

Colarzinho/ Colare (s) + zinhos = colarezinhos;

Cãozito/ Cãe (s) +zitos = cãezitos.

As regras do diminutivo se estendem ao aumentativo dos substantivos. Em

termos práticos, o aumentativo significa tamanho ou grau maior do que o normal.

Nestes termos, os substantivos apresentam-se com uma significação intensificada,

Estrela et al (2012: 81):

a) quando acompanhados de um adjectivo: carro grande

b) através dos sufixos. Assim como acontece com o diminutivo, os sufixos

aumentativos têm, por vezes, um valor depreciativo ou pejorativo:

- O espertalhão arrependeu-se;

- Vem aí o narigão;

-iço, iça, uça: ricaço, calhamaço, mulheraça, dentuça;

-alha: fornalha-ázio: capázio;

-ão, zarrão: portão, cazarrão-alhão: vagalhão;

-anzil: corpanzil-aréu: povaréu;

-eirão: toleirão-arra, -orra: bocarra, cabeçorra;

-ada, edo: colherada, penedo-eiro: regueiro.

Para o aumentativo temos: casarão/casarões dramalhão/dramalhões,

facão/facões, narigão/narigões, pobretão/pobretões, rapagão/rapagões, entre outros.

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Numa simples observação se pode notar que o processo de formação do

aumentativo em língua Portuguesa é semelhante ao do diminutivo pois em ambos

casos há o posicionamento do afixo à direita da palavra primitiva, assim como o uso de

um adjectivo para qualificar o substantivo atribuindo-lhe um grau acima do normal.

Estes aspectos marcam uma das várias diferenças existentes entre as duas línguas,

tanto os de ordem morfológica quanto os de natureza sintáctica, semântica, sem

excluir os de ordem lexical. A seguir apresentamos algumas destas diferenças.

III.4. Algumas diferenças entre as duas línguas

As línguas Umbundu e Portuguesa comportam um vasto leque de diferenças,

que se devem às suas origens. Este trabalho Porém, centra a sua análise

particularmente sobre as diferenças concernentes aos processos de formação do

plural, assim como aos do diminutivo e aumentativo.

III.4.1. Diferenças quanto à formação do plural

Um aspecto a ter-se em consideração nesta diferenciação é particular e

fundamentalmente o posicionamento dos afixos na construção do plural nas duas

línguas. Enquanto na língua Portuguesa estes são colocados à direita da palavra base,

em Umbundu os afixos aparecem à esquerda, ou seja, a construção do plural nesta

língua é feita através da prefixação. Isto leva-nos a compreender porque os falantes

nativos da língua Umbundu tendem a omitir o (-s) quando realizam o plural na língua

Portuguesa. Os quadros 4 e 5 para os substantivos e os adjectivos respectivamente,

ilustram esta explicação apresentando, o primeiro com palavras enumeradas de 1 a 18

(com continuação no anexo 2 página iii) e o segundo de 1 a 9.

Observando atentamente os referidos quadros pode-se com clareza notar o

seguinte:

a) A palavra omola em 1 e omunu em 9 formam o plural com o prefixo oma

substituindo o O por a, assim como ocorre em omu, de u para a. Logo tem-se

omala e omanu crianças e pessoas respectivamente e para o Português temos

a sufixação da palavra base pela letra -s.

Exemplo: Omala vapapala pemi lyuti = As crianças brincam debaixo da árvore.

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b) Quanto aos números 2 utungi (pedreiro), 3 ungombo (pastor) e 4 ulongisi

(professor, catequista), todas pertencentes a classe catalogada para pessoas e

ofícios, estes fazem o plural substituindo o prefixo U pelo A. Assim temos:

atungi, alongisi e angombo, o que é diferente do que acontece na língua

portuguesa onde temos -s, -es; para os plurais construtores, professores e

pastores. O mesmo acorre com as palavras em 5, 6 e 18, visto que estas

também são catalogadas para pessoas e ofícios.

Exemplo: Kapali atungi? = Não há pedreiros?

c) Os substantivos em 7 (utwe), 10 (unhamo), 12 (utima) fazem parte das classes

catalogadas para árvores, plantas, objectos partes do corpo humano, etc.

fazem o plural mudando o U para Ovi. Isto resulta em ovitwe (cabeças),

ovinhamo (anos), ovitima (corações). Como se pode confirmar a partir do

quadro, há diferença entre esta e a regra da língua Portuguesa.

Exemplo: Ovitima viomanu vyasanjuka tchalua = As pessoas estão muito

alegres.

d) Em 8 (ongonga), 13 (ombwa) e em 19 (ofeka) cujas classes se dizem respeito

aos nomes de animais, instrumentos, partes do corpo, etc. faz-se o plural

substituindo o prefixo O por Olo. Neste caso nos aparecem as palavras

olongonga (águias), olombwa (cães), olofeka (países, nações). Outras

diferenças entre as duas línguas, neste aspecto, podem ser constatadas nos

exemplos ao longo da tabela.

Exemplo: Olofeka vyosi vialiongotia = Todos os países uniram-se.

e) Os substantivos eka em 11, eyo em 27, ewe em 28 e epya em 29 (ver o anexo 2

na página iii), se referem a classe catalogada para partes do corpo, estado

mental e moral, acto, coisas extensas e formam o plural com OVA. Esta

transformação resulta em ovaka (mãos), ovayo (dentes), ovawe (pedras) e

ovapya (campos), que é claramente diferente da forma do português para a

formação do plural em que nestas palavras se usa o -s.

Exemplo: Pakala ovawe alua palo = Aqui havia muitas pedras.

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40

f) As palavras nos números 14 (ula) e 16 (ungende), também vêm catalogadas

para a classe de instrumentos, números, fenómenos naturais e todo acto que

se estenda por longo tempo. Estas classes têm o plural em Ovo e com isto

temos as palavras ovola (camas) e ovongende (viagens).

Exemplo: Otchitangui etchi tchatukokela ovongende alua = Viajamos muitas

vezes por causa deste assunto.

g) Os substantivos otchilimbu em 15, otchyela em 17 e otchivimbi em 20

pertencem a uma classe que é normalmente catalogada para os aumentativos

mas pode-se estender a outras classes. Estes fazem o seu plural com OVI. Desta

formação resulta ovilimbu (sinais), ovyela (eleições), ovivimbi (cadáveres).

Exemplo: Evi ovilimbu viopokwenhe = São sinais do inverno.

h) Em 23 e 24 temos olumema e olungayawe. Estes substantivos pertencem a

classe que engloba parte dos nomes de vermes, frutos, peixes e faz sempre o

plural usando com Olo, o que resulta em olomema (grãos, comprimidos) e

molongayawe (goiabas).

Exemplo: Olongayawe viapia = As goiabas estão maduras.

Quanto aos adjectivos, cuja numeração vai de 1 a 9 (ver quadro 5 na página 42),

salienta-se que:

a) No número 1 a palavra tchisambuka (contagioso) tem o plural visambuka. Ao

radical das palavras foram antepostos tchi e vi, para o singular e o plural

respectivamente. De igual modo, wasanjuka (simpático) vasanjuka em 2

resultam da colocação de wa e va a esquerda da palavra primitiva, tanto para o

singular, quanto para o plural.

Exemplos:

1. Olonambawa visambuka! Kapeli ko = As pulgas são contagiosas. Tenham

muito cuidado.

2. Akwendje vovolupito vasandjuka = os jovens do Lobito são simpáticos.

As diferenças ora apresentadas deixa-nos melhor esclarecidos sobre as

características divergentes das línguas Umbundu e Portuguesa, nos aspectos em

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41

estudo neste trabalho e assim percebermos as razões de certas formas típicas de

realização do Português do contexto linguístico Benguelense.

Quadro 4: Exemplos de regras do plural em Umbundu e em Português (adaptado de Cunha e Cintra, 1999; Estrela at.al, 2012; Daniel, 2002 e Dicionário Prático Português- Umbundu, s.d)

Substantivos

Umbundu Português

Singular Plural Singular Plural

1 Omo-la Oma-la Criança Crianças

2 U-tungui A-tungi Construtor Construtores

3 U-longisi A-longisi Professor Professores

4 U-ngombo A-ngombo Pastor Pastores

5 U-feko A-feko Rapariga Raparigas

6 U-kuendje A-kuendje Rapaz Rapazes

7 U-twe Ovi-twe Cabeça Cabeças

8 O-ngonga Olo-ngonga Águia Águias

9 Omu-nu Oma-nu Pessoa Pessoas

10 U-nhamo Ovi-nhamo Ano Anos

11 E-ka Ova-ka Mão Mãos

12 U-tima Ovi-tima Coração Corações

13 O-mbwa Olo-mbwa Cão Cães

14 U-la Ovo-la Cama Camas

15 Othci-limbu Ovi-limbu Sinal Sinais

16 U-ngende Ovo-nguende Viagem Viagens

17 Otchi-vimbi Ovi-vimbi Cadáver Cadáveres

18 U-lume A-lume Homem Homens

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42

Quadro 5: Exemplos de regras do plural em Umbundu e em Português (adaptado de Cunha e Cintra, 1999; Estrela at.al, 2012; Daniel, 2002 e Dicionário Prático Português- Umbundu, s.d)

Adjectivos

Umbundu Português

Singular Plural Singular Plural

1 tchisambuka visambuka contagioso contagiosos

2 wasanjuka vasanjuka simpático simpáticos

3 tchinina vinina brilhante brilhantes

4 tchokaliye vyokaliye moderno modernos

5 ukwopongo vakupongo miserável miseráveis

6 walunguka valunguka esperto espertos

7 ukuekemalo vakuekemalo famoso famosos

8 ukuanya vakuanya invejoso invejosos

9 ukuanjala vakuanjala faminto famintos

III.4.2. Diferenças quanto ao diminutivo e ao aumentativo

Assim como na língua Portuguesa, em Umbundu os substantivos adquirem uma

significação atenuada quanto aos diminutivos e intensiva quando se trata de

aumentativos.

Para os diminutivos, como se ve no quadro 6, temos o prefixo OKA16 como nas

palavras okawe (pedrinha) em 10, okotima (coraçãozinho) em 14, okamoko (faquinha)

em 16. O quadro mostra que o prefixo oka se antepõe a todos os substantivos, sejam

eles de que natureza forem, nomes de animais, de pessoas, profissões, partes do corpo

humano, instrumentos, etc. Esta é a razão que leva a que muitos falantes nativos do

Umbundu transfiram com alguma naturalidade regras da sua língua materna quando

16

Em muitas ocasiões usa-se ka ao invés oka, principalmente quando se volta a referir a um elemento previamente citado.

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43

falam Português. Ficam assim criadas condições naturais para que tal fenómeno

ocorra.

Quadro 6: Exemplos comparativos do diminutivo dos substantivos em Umbundu e em Português (adaptado de Cunha e Cintra, 1999; Estrela at.al, 2012; Daniel, 2002 e Dicionário Prático Português- Umbundu, s.d)

Diminutivos

Umbundu Português

Grau normal Diminutivo Grau normal Diminutivo

1 U-lume Ako-lume Homem Homenzinho

2 O-mbwa Oka-mbwa Cão Cãozinho

3 I-mbo Oka-mbo Aldeia Aldeola

4 O-mbija Oka-mbidja Camisa Camisinha

5 O-sanji Oka-sanji Galinha Galinhazinha

6 U-feko Oko-feko Rapariga Rapariguinha

7 O-njo Oka-njo Casa Casinha

8 O-wato Oka-wato Barco Barquito

9 O-mola Oka-mola Criança Criancinha

10 E-we Oka-we Pedra Pedrinha

11 O-ndaka Oka-ndaka Voz Vozinha

12 U-longisi Oko-longisi Professor Professorzinho

13 O-mwine Oka-mwine Dedo Dedinho

14 U-tima Oko-tima Coração Coraçãozinho

15 O-sikaleta Oka-sikaleta Bicicleta Bicicletinha

16 O-moko Oka-moko Faca Faquinha

17 O-lwi Oka-lui Rio Riacho

Quanto aos aumentativos, constata-se no quadro 7 que o morfena modificador

do grau normal do substantivo para atribuir-lhe uma significação intensiva, funciona

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44

igualmente como prefixo do próprio radical do substantivo. Logo temos a marca otchi

em todas as palavras constantes no quadro seguinte.

Quadro 7: Exemplos comparativos do aumentativo dos substantivos em Umbundu e em português (adaptado de Cunha e Cintra, 1999; Estrela at.al, 2012; Daniel, 2002 e Dicionário Prático Português- Umbundu, s.d).

Aumentativos

Umbundu Português

Grau normal Aumentativo Grau normal Aumentativo

1 O-munu Otchi-munu Pessoa _

2 O-siKaleta Otchi-sikaleta Bicicleta _

3 O-njo Otchi-njo Casa Casarão

4 E-tapalo Otchi-tapalo Estrada _

5 O-lusi Otchi-lusi Peixe Peixão

6 O-lunhi Otchi-lunhi Mosca _

7 O-wato Otchi-wato Barco Grande barco

8 E-kwalo Otchi-kwalo Cesto _

III.5. Análise de algumas frases inventariadas

Para analisar casos de interferência do Umbundu no Português especificamente

sobre os paradigmas de formação do plural, do diminutivo e do aumentativo, durante

as nossas observações recolhemos um conjunto de frases, muitas das quais produzidas

por falantes suficientemente escolarizados, o que coloca em evidencia o quanto a

nossa língua materna influencia uma segunda língua. É relevante salientar que este

tipo de interferência também é frequentemente produzido por pessoas que não falam

a língua Umbundu e isso mostra a força do meio social no comportamento linguístico

do individuo. Em Benguela, por exemplo, fenómenos desta natureza ocorrem inclusive

com indivíduos que não são Ovimbundu nem falam a língua deste povo. Tal acontece

porque estes indivíduos vivem em Benguela por muitos anos e recebem influências do

próprio meio social. É também frequente notar nos indivíduos de Benguela a viver em

Luanda uma certa forma de realizar a língua portuguesa, típica dos falantes da cidade

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45

de Luanda em que ao invés de dizer ‘Foi chamado pelo seu tio’, dizem ‘lhe chamaram

no tio dele’, “estão a te chamar na tua irmã”, “lhe bateram no polícia”, etc.

Abaixo apresentamos, em itálico, 28 frases das várias recolhidas por Benguela,

cuja selecção obedeceu aos aspectos a que este trabalho se refere.

1. Tu vais sair quem, vai ficar com as criança (Locução de uma mãe para a filha

mais crescida, num bairro nos arredores de Benguela);

2. Nós ficamo atrás dele (Frase produzida por um condutor quando contava da

sua viagem em caravana para a cidade do Huambo);

3. Havia dois táxi na estrada (Locução de uma rapariga quando se aproximava a

paragem de táxi);

4. Um estudo com os aluno revelou o seguinte (Frase extraída de um trabalho de

fim do curso de um estudante universitário);

5. Ainda mostra os teus dedo (Locução de uma mãe para filha);

6. Se os gatuno não forem apanhado! (Locução de uma vítima de assalto);

7. Fiz novas experiencia com teu carro (Frase ouvida de um mecânico numa

oficina nos arredores da cidade de Benguela);

8. Viajei com os meus tio (Frase ouvida de uma jovem estudante contando sobre a

sua viagem a Dubai);

9. As aula vão começar amanhã. Os professor já chegaram. (Frase produzida por

uma estudante residente em Benguela a frequentar um curso de mestrado na

cidade do Lubango);

10. Nos estamo bem, graças a Deus. (Locução de uma vendedeira de mercado

paralelo, semelhante a feira do relógio em Lisboa);

11. Sabes que? As criança têm que ter carinho do pai também (Expressão produzida

por uma mãe solteira em conversa com amigas);

12. Ela entra 12 hora na escola (Locução ouvida de um pai que levava a sua filha a

escola);

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46

13. Tantas consulta memo com a doutora em Benguela, a criança não melhora

(Expressão produzida por uma mãe lamentado-se do estado de saúde do filho);

14. Todos os número que eu tinha gravado também saíram (Frase produzida por

um jovem após ter notado um desaparecimento estranho de contactos no

próprio telefone);

15. Os taxi vão até no 27 (Frase produzida por uma senhorita num candongueiro17

a caminho do bairro 27, arredores de Benguela);

16. Nos só queriamo ajudar. Se não quer deixa (Expressão produzida por um

homem num transporte público);

17. As minhas irmã vendem fardo na Caponte. (Locução de uma vendedeira de

mercado paralelo, semelhante a feira do relógio em Lisboa);

18. Nós custumamo ir buscar uns balão (roupa usada) para vender aqui. (Locução

de uma vendedeira de mercado paralelo, semelhante a feira do relógio em

Lisboa);

19. Só estamo memo a remediar. Os tas lucro só chega para comprar comida das

crianca. (Locução de uma vendedeira de mercado paralelo, semelhante a feira

do relógio em Lisboa);

20. Aie? Bons tempo! Sim foram bons momento (Frase produzida por dois jovens

suficientemente escolarizados, num diálogo fraterno);

21. Mas eu acho que os jovem não têm estudado (Frase extraída de um trabalho de

alunos da 10ª classe de uma escola do ensino secundário em Benguela);

22. As más companhia faz mal. O arrependimento aparece no futuro (Frase

recolhida dos trabalhos dos alunos da 10ª classe, escola do ensino secundário

em Benguela);

17

Candongueiros são viaturas fechadas, com 10 a 12 lugares, geralmente de marca Toyota e de modelo Hiace, importadas do Japão e que fazem o serviço de transporte de passageiros com rotas fixas. Portanto os candongueiros não são considerados táxi no sentido denotativo da palavra. O termo “candongueiros” é naturalmente referido a pessoas que fazem “candonga”, que é o exercio comercial praraelo (ilegal). Ao longo do tempo a palavra candonga foi conotada a viaturas que fazem o transporte de pessoas (passageiros) de forma ilegal.

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47

23. Muitas pessoa por vezes só procuram emprego (Frase recolhida dos trabalhos

dos alunos da 10ª classe, escola c do ensino secundário em Benguela);

24. Existe pessoas que não tenhem formação em nada mas querem trabalhar.

(Frase recolhida dos trabalhos dos alunos da 10ª classe, escola do ensino

secundário em Benguela);

25. Muitos desistem nos estudo por motivos de condições financeira (Frase

recolhida dos trabalhos dos alunos da 10ª classe, escola do ensino secundário

em Benguela);

26. Alguns estudante acabam de abandonar o estudo através das mal companhia

de amigas (Frase recolhida dos trabalhos dos alunos da 10ª classe, escola do

ensino secundário em Benguela);

27. Tão acontecer coisas no pensamento das pessoa moderna (Frase recolhida dos

trabalhos dos alunos da 10ª classe, escola do ensino secundário em Benguela);

28. Esses dia estão acontecer muitos acidente porque os motorista andam muito

bêbado (Frase recolhida dos trabalhos dos alunos da 10ª classe, escola do

ensino secundário em Benguela).

As expressões acima mostram alguns dos casos de interferências da língua

Umbundu no Português, por parte dos Benguelenses. Outro caso que temos vindo a

considerar ao longo deste trabalho é a noção do diminutivo e aumentativo, cujas

expressões levantadas durante as nossas observações são apresentadas abaixo.

1. A kasenhora da loja amarela vai nos dar boleia. Diminutivo (Expressão

produzida por uma aluna quando, de volta a casa viu uma senhorita sua

vizinha, a conduzir para o seu bairro);

2. Aquele karapaz que anda lavar o teu carro está aonde? Diminutivo (Um

homem falando para o seu amigo, num local de lavagem ambulante de

viaturas, junto do rio Catumabela na cidade da Catumbela);

3. O meu primo tem lá uma tchigileira! Aumentativo (Frase expressando

admiração; produzida por um rapaz em conversa com um amigo);

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48

4. Esta katelevisão quanto é que custa? Diminutivo (Frase ouvida no mercado

paralelo da Caponte em Benguela);

5. Aí nesse lado mete só lá um kaportão. Diminutivo (Frase produzida por um

pedreiro em conversa com o dono da obra);

6. Estas a ver aí ao lado da kapracinha? Ela mora aí. Diminutivo (Frase

produzida por um jovem dando endereço a um amigo);

7. Essa planta! Esse tchiquarto todo? Aumentativo (Frase expressa por uma

mulher quando o seu marido a mostrava a planta da sua futura casa);

8. Olha só esse tchicarro. Aumentativo (Expressão produzida por um rapaz em

conversa com um amigo);

9. Essa tchipasta é de quem? Aumentativo (Frase produzida por uma rapariga,

mostrando-se espantada pelo tamanho de uma pasta em plena sala de

aulas);

10. A kaponte é linda. Diminutivo (Palavras de um admirador da beleza do

bairro kaponte dom Lobito);

11. Fui a Luanda. É uma tchicidade. Aumentativo (Frase produzida por um

rapaz quando falava sobre a cidade de Luanda de onde acabava de chagar

da sua primeira viagem);

12. Quem estava a brincar aí? Vi umas kacriança alí há pouco tempo.

Diminutivo (Expressão produzida por uma mãe quando perguntava sobre as

crianças que estavam em algum canto da casa).

Nas frases acima, as palavras sublinhadas apresentam dois prefixos: ka para o

diminutivo e tchi para o aumentativo. Os vocábulos televisão e portão têm o ka à

esquerda que é uma construção com base na estrutura da língua Umbundu. Dito

noutros termos, trata-se de uma interferência de ordem morfológica da língua

materna destes falantes quando se exprimem em língua Portuguesa. O mesmo

acontece com as palavras quarto e carro nos números 7 e 8 respectivamente, que têm

o prefixo tchi para o aumentativo. Em suma, estamos perante diferenças expressas

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49

entre as duas línguas que, por coabitarem, exercem influências entre si18, havendo por

esta razão especificidades nas duas línguas.

Um facto importante de que nos apercebemos ao longo do nosso estudo é a

existência na região de Benguela de muitos nomes de bairros e aldeias com o

diminutivo Umbundu, incluindo alguns de origem Portuguesa. Nos nomes de bairros

temos Kambanda, kalohombo, kalomburaco, Kanata, kaponte, kalombutão,

Kalomanga, Kawango, kalumba, kamunda, Kapira, Kalosombekwa, Kanjangela,

kalosongo, kalohamwe, kabaia, kambenjela, kasseque e para aldeias encontramos os

seguintes nomes: katengue, Katenga, Kanjala, Kamuco, kaluikongolo, kassipera,

kapupa, kalondende, kalomanda, Kanjola, kasiva, kasua, kalonga, kandumbo,

kalomalanga. Muitos destes nomes, principalmente os de raiz Umbundu, resultam de

estórias e culturas locais. Kalomanga por exemplo, nome de um dos bairros mais

populosos da cidade de Benguela, advém da palavra portuguesa manga e que de

acordo com informações a que tivemos acesso, naquela zona havia muitas mangueiras

e os povos locais apelidaram-na de kalomanga (mangueirinhas) colocando o prefixo ka

a palavra manga, e isto resultou em olomanga (mangas).

Tendo chegado ao fim deste capítulo nuclear do trabalho cujas abordagens

versaram-se sobre descrições comparativas de alguns dos aspectos específicos das

línguas Umbundu e Portuguesa, somos levados a concluir que as transferências

negativas que acontecem da parte dos Benguelenses devem-se ao desconhecimento e

a confusão que estes fazem entre estruturas das duas línguas aliada a uma certa

influência do próprio contexto sóciolinguitico e cultural.

18

É importante salientar que, apesar de reconhecermos haver influência recíproca entre as duas linguas, este trabalho versou apenas sobe a influência da língua Umbundu para o Portugues. Estudos na direcção contrária ou seja do Portugues para o Umbundu, são igualmente pertinentes.

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50

Conclusões e recomendações

Uma das características principais do contexto linguístico de Angola é a

coabitação da língua Portuguesa com as línguas nativas de origem bantu. Por natureza

própria, este contexto leva a que estas línguas se influenciem umas às outras, numa

determinada região ou localidade dentro do espaço Angolano. Em nosso entender, é

devido a este contexto que a língua Portuguesa na região de Benguela apresenta

características próprias que, segundo constatamos, se devem a sua interacção com

língua Umbundu; das quais o presente estudo tratou do parâmetro do plural, das

noções do diminutivo e do aumentativo em Umbundu.

Para uma abordagem mais cuidada da sua problemática, o estudo centrou-se

essencialmente em três aspectos: uma análise comparativa dos conceitos

fundamentais do seu tema central, uma descrição breve da língua Umbundu, tanto no

panorama angolano de modo geral, quanto no contexto regional de Benguela em

particular, assim como fez uma descrição e análise das duas línguas em contacto. Em

virtude dos argumentos e discussões apresentados ao longo do trabalho, chegámos as

conclusões de que:

De modo genérico as mudanças que as línguas sofrem ao longo do

tempo dependem directamente das transformações sociais, das crenças

e culturas assim como das criações e conceptualizações do homem;

Os diversos aspectos estruturantes de uma língua não são realizados de

forma homogénea nos contextos em que essa se usa; principalmente

quando a língua em causa tem uma vasta expansão geográfica, como

acontece com o Português em Angola, visto que quanto maior for a sua

extensão, maior será o seu uso mais diferenciado. Por conseguinte,

maior se torna o grupo de línguas e dialectos com que esta entra em

contacto, resultando numa característica regional/local da própria

língua, como é o caso do nosso objecto de estudo;

A caracterização e análise contrastiva das línguas devem obedecer ao

que ocorre com frequência, cuidadosamente observada, tomando

particular atenção sobre a sua realização natural e espontânea pelos

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51

falantes. Só assim se podem aferir com fidelidade os traços que as

caracterizam num dado contexto e espaço. Neste sentido abrem-se

perspectivas de pesquisa mais adequadas ao âmbito de estudos

contrastivos, no campo da linguística comparada.

Tendo em conta as conclusões a que chegámos, recomendamos que:

Todo estudo que vise compreender as razões das interferências da

língua Umbundu no Português deve centrar-se num determinado

aspecto das duas línguas, para que a própria pesquisa se torne mais

precisa, efectiva, exaustiva e sobretudo produtiva. Para tal, deve-se

sempre ter em conta que o sistema de funcionamento das línguas bantu

nos apresenta um grande nível de complexidade;

A constatação tida à margem da problemática deste estudo, a qual

revela interferências da estrutura morfológica da língua Umbundu,

nomeadamente do paradigma do diminutivo, na maioria dos nomes de

bairros e localidades de Benguela; seja objecto de futuros estudos

ligados, não só à linguística comparada, mas também à cultura dos

povos locais. Em nosso entender estudos nesta perspectiva trariam à luz

um conjunto de informações que ajudariam a compreender os factos

culturais subjacentes ao uso destes nomes.

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52

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i

Anexos

Anexo 1: Quadro de localização das variantes da língua Umbundu na província de Benguela

Município

Comuna

Variante (s) predominante (s)

VARIANTES DE OUTRAS LÍNGUAS NACIONAIS

Benguela Todas Zonas Ciyaka e Cisandji

Lobito

Sede Ciyaka e Cisandji

Katumbela Cisandji

Biópio Cisandji

Hanha do Norte Cisandji

Kandjala Cisandji

Egipto praia Cisandji

Baia Farta

Sede Ciyaka e Cisandji Nhaneka-humbi

Dombe-Grande Cisandji Ndombe, Nhaneka-Humbi e kwisi

Equimina Cisandji

Kalohanga Muhanha Nhaneka-humbi

Bocoio

Chila Cisandji

Passe Cisandji e Muhanha

Monte Belo Cisandji

Cubal do Lumbu Cisandji e Muhanha

Balombo

Cingongo Cisandji

Maka Mombolo Ciyaka/Wambu Sele/Sumbe

Cindumbu Ciyaka/Wambu

Caimbambo

Kanhamela Muhanha

Kayave Muhanha

Wiya Ngombe Muhanha

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ii

Katengue Muhanha

Cubal

Kapupa Muhanha

Yambala Muhanha

Tumbulu Muhanha

Ganda

Babaera (vavayela) Ciyaka/Wambu

Ebanga (Evanga) Ciyaka/Wambu

Kaseke Munganda

Cikuma Cikuma

Cimboa Munganda e Muhanha

Chongoroi

Mbolongela Muhanha Nhaneka-humbi

Kamwine Muhanha Nhaneka-humbi

Fonte: José Mbalote. Situação sociolinguística da província de Benguela, Uige Outubro de 2010.

Sem variantes de outras línguas nacionais.

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iii

Anexo 2: Quadro de continuação de exemplos sobre regras do plural dos substantivos em Umbundu e Português (adaptado de Cunha e Cintra, 1999; Estrela at.al, 2012; Daniel, 2002 e Dicionário Prático Português- Umbundo, s.d)

Substantivos

Umbundu Português

Singular Plural Singular Plural

19 O-feka Olo-feka Nação Nações

20 Otchi-poke Ovipoke Feijão Feijões

21 O-si Olo-si Chão Chãos

22 Otch-ela Ovy-ela Eleição Eleições

23 Olu-mema Olo-mema Grão Grãos

24 Olu-ngayawe Olo-ngayawe Goiaba Goiabas

25 U-ti Ovi-ti Arvore Árvores

26 O-moko Olo-moko Faca Facas

27 E-yo Ova-yo Dente Dentes

28 E-we Ova-we Pedra Pedras

29 E-pya Ova-pya Campo Campos

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iv

Anexo 3: Mapa administrativo de Angola

Fonte: Wikipédia http://www.orangesmile.com/travelguide/angola/country-maps.htm

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v

Anexo 4: Mapa etnolinguístico de Angola

Fonte: Wikipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADnguas_de_Angola

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vi

Anexo 5: Outras frases inventariadas

1. O processo de moto táxi começou nos ano 80. Na altura ainda só havia as yama19…………………………….. Eles [os moto-taxistas] ainda não se colocaram a prova a ponto de estarem sujeito a vários acidente.

2. Não sou a única referencia música na família. Ainda há mias dois primo que também cantam. Esses são os meus primeiro sucesso.

3. Esse é um concurso que nós estamo a organizar não só para os novo talento. Não queremo só pegar os novo valor. As inscrições estão a ser feita na casa da juventude.

4. O pai banana está em várias entrevista sempre a dizer a mesma coisa

5. Não tenho patrocínio mas tenho músicas feita, nas participações boa, em…. E muita gente que ainda não estão……….

6. Ele foi o melhor kudurista de todos os tempo a nível nacional, e nestes últimos momento da entrevista gostaria de agradecer a senhora Dr…..X

7. Os melhor apreciador de ku-duro são as criança e quando as criança ouvem palavras obscena levam para a rua. Por isso devemo cantar bem porque somos jovem.

8. Afinal naquela altura estávamos errado porque pensávamos que estávamos a falar como os portugueses.

9. Na nossa primeira parte vamos falar de dois bailarino

10. Esses novos carro são muito resistente.

N. B: Estas expressões foram inventariadas por nós através da rádio e da televisão e também por observação.

19

Yama, de nome completo YAMAHA é uma marca de moto japonesa montada na cidade do Huambo até antes de 1992.