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1 Compreensões sobre a influência da publicidade em práticas de consumo Sara F Almeida a* , Ingritt C Moreira b , Diego M Novaretti c , Amadeu J M Logarezzi d a Associação Kooperi – Coletivo Autogestionário para Promoção de Práticas Solidárias, Rua Victor Manoel de Souza Lima, 297, São Carlos, São Paulo, Brasil. [email protected] b Departamento de Botânica, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington Luís, km 235 – SP-310, São Carlos, São Paulo, Brasil. [email protected] c Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington Luís, km 235 – SP-310, São Carlos, São Paulo. [email protected] d Departamento de Engenharia de Materiais, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington Luís, km 235 – SP-310, São Carlos, São Paulo, Brasil. [email protected] * Autor para correspondência: + 16 3116 9588 + 16 8111 8385. [email protected] Palavras Chave: mídia, capitalismo, São Carlos. Título abreviado: Influência da publicidade no consumo

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Page 1: Sara F Almeida a* , Ingritt C Moreira b, Diego M Novaretti ... · Compreensões sobre a influência da publicidade em práticas de consumo Sara F Almeida a*, Ingritt C Moreira b,

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Compreensões sobre a influência da publicidade em práticas de consumo

Sara F Almeidaa*, Ingritt C Moreira b, Diego M Novarettic, Amadeu J M

Logarezzid

aAssociação Kooperi – Coletivo Autogestionário para Promoção de Práticas Solidárias,

Rua Victor Manoel de Souza Lima, 297, São Carlos, São Paulo, Brasil.

[email protected]

bDepartamento de Botânica, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington

Luís, km 235 – SP-310, São Carlos, São Paulo, Brasil. [email protected]

cPrograma de Pós-Graduação em Engenharia Urbana, Universidade Federal de São

Carlos, Rodovia Washington Luís, km 235 – SP-310, São Carlos, São Paulo.

[email protected]

dDepartamento de Engenharia de Materiais, Universidade Federal de São

Carlos, Rodovia Washington Luís, km 235 – SP-310, São Carlos, São Paulo, Brasil.

[email protected]

* Autor para correspondência: + 16 3116 9588 + 16 8111 8385.

[email protected]

Palavras Chave: mídia, capitalismo, São Carlos.

Título abreviado: Influência da publicidade no consumo

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ABSTRACT

In modern society the last decades, the consumerism, defined as degrading practice of

humanity itself is great support in advertising to set up and gear essential for the

organization of the capitalist system of society. Authors state that advertising exerts a

strong power of manipulation on consumers are taken to buy in the reckless, and often

compelling. This study aimed investigate opinions and perceptions about the possible

influence of advertising on consumption choices and practices of daily life. Twenty-one

interviews were conducted under the guidance of a semi structured script, developed

from a theoretical reference previously raised by the researchers. Data analysis was

performed at two different times: pre-analysis and participatory analysis of the data,

when seven respondents participated in a dialogue on evaluation results. The results

indicated that the main the interviewees to realize that are influenced by the advertising

on their practices of consumption, but not usually reflect critically on this fact.

Concluded that opening up spaces for dialogue to deal with complex issues enhances

critical reflection about attitudes and actions in the field of consumption.

RESUMO

Na sociedade moderna das últimas décadas, o consumismo, caracterizado como prática

degradante da própria humanidade encontra grande suporte na publicidade para

configurar-se como engrenagem essencial do sistema capitalista de organização da

sociedade. Autores afirmam que a publicidade exerce forte poder de manipulação sobre

as/os consumidoras/es, que são levadas/os a comprar de forma irrefletida e, muitas

vezes, compulsiva. A presente pesquisa visou investigar opiniões e percepções sobre a

possível influência da publicidade em escolhas e práticas de consumo cotidianas. Foram

realizadas 21 entrevistas sob a orientação de um roteiro semi-estruturado, elaborado a

partir de referencial teórico previamente levantado pelos pesquisadores. A análise dos

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dados foi feita em dois momentos distintos: pré-análise e análise participativa dos

dados, quando sete entrevistadas/os participaram de um diálogo avaliativo dos

resultados. Os resultados indicaram principalmente que as/os entrevistadas/os percebem

que são influenciadas/os pela publicidade em suas práticas de consumo, porém não

costumam refletir criticamente sobre esse fato. Concluiu-se que a abertura de espaços de

diálogo para tratar de assuntos complexos potencializa a reflexão crítica acerca de

posturas e ações no campo do consumo.

INTRODUÇÃO

O consumo como prática ontológica dos seres vivos (Logarezzi, 2006), portanto

necessária à manutenção da vida na Terra, é um tema complexo, já que abrange em sua

apreciação múltiplas dimensões da vida humana: ambiental, política, econômica,

cultural e psicológica. Com a modernidade, sobretudo em sua fase mais recente – neste

final e início de século –, a prática de consumo ganhou proporções degradantes tanto à

natureza quanto à própria sociedade e esse fato fez com que o consumo ocupasse

posição central nos debates da educação ambiental e de outras áreas do conhecimento

que se ocupam da crise ambiental, entre autoras/es que passaram a considerar a

sociedade capitalista também como a “sociedade de consumo” (Padilha, 2006).

Segundo as análises marxistas apresentadas por essa autora, a “sociedade de consumo”

apresenta características cada vez menos democráticas, já que os indivíduos e as

coletividades não consomem de forma homogênea. Sob esse ponto de vista, o consumo

pode ser considerado como campo de diferenciação de classes. Ademais, no contexto

capitalista o consumo também contribui para um processo alienador dos indivíduos em

relação à sua prática, principalmente no que tange à influência da publicidade exercida

sobre os consumidores (Padilha, 2006).

Furnival (2006) cita com nitidez em seu tópico intitulado “Necessidades e desejos e o

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papel da mídia no consumo”, a intencionalidade da área da comunicação em influenciar

vontades e necessidades das/os consumidoras/es. Assim, a publicidade possui como

fundamento a criação de novos arquétipos e símbolos que os indivíduos devem adotar.

Para além deste pensamento, a publicidade impõe novos territórios aos quais algumas

pessoas aderem: o “território das marcas” (Quessada, 1999, apud Padilha, 2006).

Na ordem capitalista os indivíduos se identificam por meio do consumo e tal

comportamento é mediado pela manipulação dos signos via publicidade (Baudrillard,

1995, apud Padilha, 2006). Surge assim a necessidade de igualar-se aos outros, como

forma de pertencimento a grupos, mesmo que tal atitude obrigue a sociedade a caminhar

em sentido contrário à individualidade, mergulhando cada vez mais em um mundo

massificante e alienado (Padilha, 2006). No entanto, ainda para a autora, os indivíduos

se auto-manipulam, ou seja, percebem a influência exercida pela publicidade em suas

práticas de consumo e justamente essa percepção promove força de transformação.

Nesse sentido, a presente pesquisa teve como objetivo a investigação da possível

influência da publicidade sobre escolhas de consumo cotidianas consumidoras/es de

diversas inserções sociais. Os resultados obtidos permitiram uma melhor compreensão

sobre a possibilidade dessa influência, a partir das percepções das/os participantes da

pesquisa e, ainda, possibilitaram maior aprofundamento sobre o tema, de forma

dialógica, crítica e reflexiva, já que os dados obtidos foram analisados e debatidos

participativamente com os sujeitos da pesquisa.

Para os autores do presente artigo, tratar as questões relacionadas às práticas de

consumo por meio de processos participativos e dialógicos faz-se necessário na medida

em que, segundo Freire (1996), os sujeitos sociais trazem consigo conhecimentos e

experiências de vida que, uma vez dialogados, possibilitam a reflexão crítica e

transformadora de concepções e práticas cotidianas, particularmente aquelas travadas no

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campo do consumo. Dessa forma, acredita-se que “cidadãos consumidores” possam

tornar-se “consumidores cidadãos” (Portilho, 2003) e que o consumo, prática essencial

ao ser humano, permeie-se de atitudes mais sustentáveis, social e ambientalmente.

METODOLOGIA

O consumo foi tomado como tema central desta pesquisa e, para tanto, foram adotados

como principais referenciais teóricos os trabalhos desenvolvidos por Padilha (2006),

Furnival (2006) e Logarezzi (2006). Os procedimentos para a coleta, a organização e a

análise dos dados tiveram a pesquisa qualitativa (Lüdke & André, 1986) como

orientação metodológica básica. Foram realizadas 21 entrevistas semi-estruturadas a

partir de um roteiro previamente elaborado com base nesses referenciais e em duas

perguntas de pesquisa: 1) “Os consumidores têm consciência da possível influência da

publicidade em suas práticas de consumo?”; 2) “Como percebem essa influência?”. De

acordo com as questões levantadas, elaborou-se o roteiro que foi dividido em 3 blocos

de perguntas: 1) Dados gerais das/os entrevistadas/os; 2) Perfil do/a consumidor/a e 3)

Traços da possível influência da publicidade.

O público participante foi escolhido de modo a contemplar certa diversidade em relação

às condições socioeconômicas das pessoas entrevistadas. Acreditou-se que com isso

poderiam ser observadas diferentes realidades, enriquecendo a análise dos dados.

Com a intenção de promover a compreensão das causas dos hábitos consumistas para

transformá-las, optou-se por analisar e discutir os dados de forma participativa, tal como

propõe o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e

Responsabilidade Global (1992), assumindo-se que a educação ambiental tem como

ações: “1) promover a compreensão das causas dos hábitos consumistas; 2)

transformar os sistemas que os sustentam e 3) transformar nossas próprias práticas”.

Como expõe Freire (1970, apud Brandão, 2008) “a participação na avaliação traz força

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para a possibilidade de concebê-la como processo educativo”. Desse modo,

convidadas/os as/os participantes, sete delas/es analisaram e discutiram os dados com

as/os autoras/es, coletivamente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A presente discussão desenvolve-se a partir da análise das 21 entrevistas realizadas,

sendo que a média de idade dos sujeitos entrevistados foi de 27 anos e a distribuição de

sexo foi de 14 mulheres e 7 homens. Das 21 pessoas, 8 possuíam curso superior, o que

corresponde a 38% do total. Já em relação a seus bairros, embora um número

significativo de participantes residisse em bairros periféricos de São Carlos-SP (Cidade

Aracy, São Carlos VIII e Cruzeiro do Sul), a maioria ficou distribuída em bairros

considerados de classe média.

O meio de comunicação mais acessado, de acordo com os dados coletados no bloco de

questões sobre o perfil do consumidor, foi a televisão, na medida em que 20

entrevistadas/os (95%) utilizam regularmente esse meio e apenas um participante

relatou distanciamento do mesmo. Dez pessoas (48%) disseram ouvir rádio, 16 (76%)

acessam internet e lêem jornais e revistas.

Constatou-se que a inserção de meios como a internet e meios impressos está atrelada à

condição socioeconômica, enquanto a televisão atinge todas as camadas sociais, assim

como afirma Padilha (2006), fazendo com que a publicidade televisiva ganhe estatuto

preponderante.

Nesse bloco, sobre o perfil do consumidor, foi investigado ainda o acesso ao Programa

de Orientação e Proteção ao Consumidor (PROCON), revelando que mais da metade

das/os entrevistadas/os (57%) nunca utilizou o serviço. Em relação aos direitos do

consumidor, 12 pessoas (57%) afirmaram conhecê-los, porém a diversidade de

exemplos citados, apenas nove exemplos, foi pequena em relação à complexa legislação

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vigente, composta por 115 artigos.

Para a questão aberta que apresentava uma situação de escolha entre dois bens de

consumo de mesma função, foi perguntado o que levava a/o entrevistada/o a optar por

um produto ou outro. 17 (81%) pessoas indicaram ser o “preço” o principal critério de

escolha do produto, seguido por qualidade, preferência ligada ao gosto, custo-benefício,

estética, marca, durabilidade e quantidade.

16 (76%) entrevistadas/os disseram possuir pelo menos um sonho de consumo,

destacando-se que, entre esses, nove (56%), citaram a casa própria. Assim, é possível

pensarmos que a casa própria pode ter se tornado um ideal de realização, como a grande

solução dos problemas dos indivíduos em idade adulta. Essa realização passaria também

pelo desejo de estabilidade familiar, liberdade, independência, identificação e

individualização em relação ao espaço doméstico. Nesse sentido, de acordo com Padilha

(2006, p.101), a publicidade baseia-se em falsas idéias que vendem objetos mutáveis e

consumíveis massivamente como se fossem únicos. E na maioria das vezes, como se

fossem a fórmula mágica para a realização de um sonho.

Já em relação à percepção de ser ou não consumista, 12 pessoas (57%) alegaram não

ser, enquanto 8 (38%) assumiram-se como consumista. Foi questionado o porquê de os

entrevistados se considerarem consumistas ou não. Uma das justificativas mais

apresentadas para considerar-se consumista foi “sofro influência das propagandas”.

De acordo com o IDEC (2005), pode-se chamar de “consumismo” a expansão da

cultura do “ter” em detrimento da cultura do “ser”. O consumo invade diversas

esferas da vida social, econômica, cultural e política. Neste processo, os serviços

públicos, as relações sociais, a natureza, o tempo e o próprio corpo humano se

transformam em mercadorias e essa ocorrência vem tomando proporções desastrosas ao

homem e ao planeta, pois o consumo passa a ser encarado mais como um direito ou um

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prazer, do que como uma atividade de atendimento a necessidades da vida em

sociedade, o que deve, portanto, incluir deveres de cidadão. Ainda para Logarezzi

(2006) a “sociedade de consumo”, que caracteriza o mundo contemporâneo, difunde o

consumo como atividade central na vida das pessoas, colocando em risco os próprios

interesses dos indivíduos que compõem essa sociedade, sobretudo quando procura ditar

comportamentos, criar necessidades, valorizar a competição, a obsolescência etc.

Algumas questões foram realizadas para traçar a possível influência da publicidade.

Como exemplo, para a questão sobre as propagandas que chamam mais atenção das/os

entrevistadas/os, obteve-se grande diversidade de resposta, sendo necessária a

categorização das mesmas em dois blocos: 1) Propagandas que focam o produto

veiculado (viagem, cosméticos, shows etc.); 2) Propagandas que focam características

gerais (humor, ironia, inteligência etc.) (Figura 1).

Figura 1. Categorias das propagandas que mais chamaram a atenção das/os

entrevistadas/os.

As propagandas que mais chamam a atenção são aquelas com traços de humor,

HumorísticasInteligentes

IrônicasExóticas

EsportivasCríticas

Propagandas com animaisPropagandas com históriaPropagandas com música

Propagandas com naturezaPropagandas religiosas

Propagandas com famíliaNenhuma

52

1111111

3111

Foc

o na

car

acte

rístic

a tip

ológ

ica

Viagem / Turismo

Promoção de produtos domésticos

Pessoas bonitas / Apelo sexual.

Propagandas de roupas

Propagandas de cosméticos

Propaganda de shows / Bandas musicais

Conservação do ambiente

1

1

2

2

1

1

1

Foc

o no

que

é v

eicu

lado

s

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corroborando a tese de Padilha (2006) sobre a idéia do poder que a “indústria cultural”

exerce sobre os consumidores. Segundo a autora, esse poder aloca-se na capacidade da

indústria cultural em conferir um caráter de divertimento para tudo, quando seus

instrumentos (televisão, rádio, revista e cinema comercial) tornam-se válvulas de escape

para as/os trabalhadoras/es que exercem tarefas mecanizadas e cansativas.

Interpeladas/os sobre se já tinham feito compra de produto veiculado por propaganda

que lhes chamaram atenção, 15 (71%) responderam que sim, admitindo perceber a

influência da publicidade em suas escolhas e práticas de consumo. Por outro lado, 6

entrevistadas/os (29%), disseram não ter adquirido nenhum bem de consumo veiculado

em propaganda.

De acordo com Padilha (2006), a atuação da publicidade é fundamental para o processo

consumista, não devendo ser entendida como um poder inconsequente e está distante de

ser apenas uma arte inofensiva. Pelo contrário, tem o poder de manipulação das

consciências em favor do sistema capitalista, que não pode prescindir da ampliação

constante e ilimitada da produção.

Na sequência, foram apresentadas 3 distintas propagandas impressas aos sujeitos da

pesquisa, sendo que a propaganda 1 era de uma marca de celular, a 2 de uma marca de

automóvel e a 3 de uma marca de protetor solar (Figura 2).

Figura 2. Propagandas 1, 2 e 3 (da esquerda para a direita) que foram mostradas ás/aos

entrevistadas/os.

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A intenção dessa etapa da entrevista foi de captar falas que demonstrariam as

percepções e os sentimentos das/os entrevistadas/os em relação às publicidades

visualizadas. Nesse sentido, para a primeira propaganda obtivemos algumas frases

interessantes, com destaque para as seguintes: “As pessoas se preocupam muito com o

celular.”, “Falta de respeito com os outros.”, “Virou sinal de status e não de

necessidade”. Para a publicidade da marca de automóvel duas frases chamaram a

atenção dos pesquisadores: “Sinto a sensação da potência do carro, do poder, da

liberdade.” , “Eu sinto que isso aqui (carro) tá muito distante, tá até meio que indo

embora, da minha realidade talvez. É mais para uma classe mais privilegiada, tanto é

que está distante, indo embora, de costas.”, “Aguça o sonho das pessoas, mas a

imagem está o contrário da frase”. No caso da publicidade da marca de protetor solar,

as frases destacadas foram: “Acho que o que passam nessa propaganda é que se você

usar esse produto, você vai ficar lindo (...) É a ilusão. Passa bastante ilusão.”, “O que

chamou a atenção foi a praia.”, “Esse já me interessa mais pela ação anti-

envelhecimento. Me atrai mais. É o tipo de propaganda que me chama a atenção, em

especial porque o verão está chegando”.

Como afirma Boniface (1976, apud Padilha, 2006) as/os consumidoras/es não adquirem

apenas objetos ao consumir, e sim adquirem valores, cabendo à publicidade a

veiculação destes valores. Ainda, segundo o mesmo autor, é possível enumerar seis

grandes mitos ligados à publicidade, estes carregados de valores implícitos, transmitidos

através das propagandas, tais como: “o mito da brancura, o da limpeza, o da juventude,

o do frescor, o do novo e o do natural”. Complementando este raciocínio, Padilha

(2006) afirma que para um produto ser consumido ele deve suprir oito necessidades

básicas das/os consumidoras/es: “alimentar o narcisismo do consumidor; dar-lhe

segurança emotiva; garantia que ele merece ter aquilo; inscrevê-lo na sua época; dar-lhe

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um sentimento de poder; de autoridade; de autenticidade e de criatividade”.

Na propaganda 1, o produto a ser vendido é um celular, no qual o foco da propaganda,

além de o produto em si, é a frase que o anuncia: “Imagine avançar com estilo”. Nesta

propaganda constatou-se uma série de mitos e necessidades das apontadas por Boniface

e Padilha, como: alimentar o narcisismo e dar um sentimento de poder a partir da

expressão “avançar com estilo”. Além disso, confere ao/à consumidor/a certa

segurança emotiva e autenticidade ao apresentar a palavra “estilo”, criando a sensação

de autoridade.

Na propaganda 2 os mesmos apelos se repetem. O produto exposto é um automóvel e a

frase que o apresenta é: “Quem disse que não se pode ter tudo na vida?”. Como início

de análise o que chamou a atenção foi o fato de a propaganda afirmar que “querer é

poder”, ignorando o preço supostamente elevado do produto em questão, ou seja, só não

compra o carro quem está desatualizado ou então quem não quer. Além disso, confere

ao/à consumidor/a um sentimento de poder e de autoridade, inscrevendo-o/a na

atualidade de possuir esse produto.

Na propaganda 3 encontramos, em primeiro plano, um casal bronzeado na praia e, em

segundo plano, o produto em si. Muitos são os apelos apresentados que são passíveis de

análise: 1) de erotização com a exposição, em primeiro plano, do casal com trajes de

banho e com corpos definidos de acordo com o padrão de beleza difundido em função

de interesses do mercado; 2) alimentar o narcisismo do consumidor e principalmente o

ideal de juventude ao frisar, em três momentos, a “ação anti- envelhecimento” do

produto. Ainda, há o apelo de inscrever o/a consumidor/a na atualidade por ser um

produto que se diz desenvolvido a partir de uma “inovação tecnológica”.

Para a questão sobre o sentimento de influência das propagandas na compra de

produtos, 18 entrevistadas/os (86%) disseram já ter sentido tal influência, enquanto 3

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(14%) responderam que não. Contudo, 100% das/os entrevistadas/os afirmaram que a

publicidade pode enganar as/os consumidoras/es, apesar de quatro participantes (20%)

não reconheceram que já foram enganadas/os. Um/a delas (5% do total) não soube

responder e 17 (80%) perceberam e reconheceram já ter sido enganadas/os pela

publicidade.

Foram destacados alguns relatos de experiência sobre a percepção de terem sido

enganados por propagandas: “Elas aumentam, mas não inventam”, “Deve ter um

controle sobre o que elas dizem”, “Os produtos podem não fazer, mas forçam as

escolhas”, “Compro sabendo que estou sendo enganada, mas não lembro de nenhuma

específica”, “Nem sempre o que se vê na propaganda é o resultado final. Comprei

achando que iria ficar igual ao da propaganda”.

Todos estes dados que indicam a percepção das pessoas sobre a influência da

publicidade em suas práticas de consumo, dando consistência às palavras de Padilha

(2006), quando afirma que: “Na verdade, existe a possibilidade de interpretação de que

as pessoas se auto-manipulam e que, justamente por saberem que são enganadas é que

se pode ter esperanças de alguma transformação. Assim, se as pessoas realmente não

soubessem que participam desse engodo, não haveria nenhum tipo de “salvação”.

Finalmente, na análise participativa dos dados, foram obtidos os seguintes resultados: 1)

promoção de reflexão crítica sobre as propagandas mostradas na entrevista e 2)

promoção de uma maior percepção entre os participantes de que a publicidade pode

influenciar suas escolhas de consumo.

Durante essa análise participativa e dialógica dos dados das entrevistas, foram feitas

importantes reflexões acerca da degradação socioambiental e da contribuição que os

atuais padrões de consumo vêm dando para a manutenção e o agravamento desse

cenário global, atrelados ao potencial da publicidade em fortalecer esse modelo de

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consumo.

CONCLUSÕES

A presente pesquisa e os dados gerados por ela são ainda iniciais, considerando-se a

complexidade da questão abordada neste estudo. No entanto, permitiu aos autores tecer

algumas discussões acerca da possível influência da publicidade nas práticas de

consumo cotidianas e, assim, compreender melhor como essa influência se pode se dar.

Os resultados obtidos nos blocos 1 e 2, referentes aos Dados Gerais dos Entrevistados e

ao Perfil do Consumidor evidenciaram características relacionadas às condições

socioeconômicas, tais como: bairro onde moram, escolaridade, profissão e mídias mais

acessadas. Essas características foram consideradas relevantes à análise dos dados, que

indicaram a percepção ou não da influência da publicidade nas práticas de consumo dos

participantes, pois acredita-se que algumas características das/os entrevistadas/os, tal

como sua escolaridade, podem estar associadas à criticidade na percepção acerca da

possível influência da publicidade em suas escolhas de consumo.

Em consonância com essas afirmações obtidas nos blocos 1 e 2 supracitados, estão os

resultados obtidos pelo bloco referente aos Traços da Possível Influência da

Publicidade. Pôde-se concluir que a publicidade possui forte poder de persuasão sobre

as escolhas e práticas de consumo das/os entrevistadas/os, na medida em que

perceberam e admitiram essa influência no decorrer da entrevista. Porém, verificou-se

que nem mesmo a constatação por parte das/os entrevistadas/os de que são

influenciadas/os e, por vezes, enganadas/os pela publicidade, ocasiona mudanças nos

hábitos e posturas dessas/es consumidoras/es.

Dessa maneira, os indivíduos em geral parecem seguir consumindo sob a lógica

capitalista, sem reconhecerem-se como parte de um coletivo maior, capaz de gerar

transformações na realidade de alienação e massificação a que são condicionadas/os.

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Portilho (2003) afirma que desenvolveu-se um conceito de cidadania distante da

consciência de pertencimento em relação à coletividade. Em lugar do cidadão formou-

se o consumidor, que aceita ser chamado de usuário, num universo em que alguns são

mais cidadãos que outros, dentro de um modelo de cidadania desigual e estratificado.

Enfim, ficou clara a potencialidade transformadora de se tratar temáticas complexas

como a do consumo e da publicidade por meio de processos mais dialógicos,

participativos e democráticos, em que as pessoas encontram espaços de reflexão crítica

sobre seu papel na sociedade e os impactos no planeta daí decorrentes, reconhecendo-se

capazes de transformar e superar situações de alienação e massificação a que tendem a

estar submetidas em suas práticas de consumo cotidianas.

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Grupo de Trabalho de Educação Ambiental das Organizações Não-Governamentais no

Fórum Global. 1992. Tratado de educação ambiental para sociedades sustentáveis e

responsabilidade global. Rio de Janeiro: 6 p

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à professora e aos professores da Aciepe “Educação ambiental –

politizando e ambientalizando a ação socioeducativa” / Ufscar, Haydée Torres de

Oliveira, Rodolfo Antônio de Figueiredo e Amadeu Logarezzi, pela oportunidade

de realizarmos a presente pesquisa e o apoio nas discussões teórico-metodológicas.